renascimento comercial

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O Renascimento Comercial O Renascimento Comercial “Entre a cidade e o campo o contraste era profundo. Uma cidade medieval não se perdia em extensos subúrbios, fábricas e casas de campo. Cercada de muralhas, erguia- se como um todo compacto,eriçada de torres sem conta. Por mais altas e ameaçadoras que fossem as casas dos nobres ou dos mercadores, a massa imponente das igrejas sobressaía no conjunto da cidade. O contraste entre o silêncio e o ruído, entre a luz e as trevas, do mesmo modo que entre o verão e o inverno, acentuava-se mais fortemente do que nos nossos dias. A cida- de moderna mal conhece o silêncio ou a escuridão na sua pureza e o efeito de uma luz solitária ou de um grito isolado e distante” in. Huizinga, Johan. O declínio da Idade Média. Pág.10. A partir do século XII o feudalismo entrou em declínio cedendo espa ço a uma nova sociedade mais di nâmica caracterizada pelas transa- ções comerciais, trabalho assalariado e o aparecimen- to da burguesia. Pouco a pouco, modificaram-se os hábitos e costumes engendrando-se um novo padrão de comportamento e uma maneira diferente de ver o mundo. O crescimento demográfico do período foi determinante para o desalinho da Ordem Feudal pois centenas de migraram das zonas rurais em direção as nascentes cidades. Gradativamente a população urba- na foi aumentando enquanto aumentavam também os negócios e as transações comerciais. Como estímulo externo, as Cruzadas possibili- taram um fluxo constante de navios que se desloca- vam para o Oriente em busca de mercadorias. O con- tato com o Oriente gerou um grande incentivo ao cres- cimento urbano. As frequentes viagens para o mundo oriental funcionaram como um impulso de fora para dentro, ativando o crescimento urbano. As rotas de comércio que traziam mercadorias do Oriente, utilizaram Cons- tantinopla como entreposto comercial. Dezenas de navi- os transportavam produtos exóticos que eram consumi- dos no Ocidente, por uma eli- te de nobres e clérigos, ávida por novidades. Em troca, os europeus exportavam para o Oriente tecidos, peles, couro, trigo, linho, peixes, sal e muito vinho. A expansão do comércio e das ati- vidades urbanas con- frontou mercadores e nobres feudais. Nas cidades que cresce- ram próximas aos feudos era comum a cobrança de taxas abusivas para a libe- ração da atividade comercial. Respalda- dos por leis locais os senhores feudais se tornaram um obstá- culo ao incremento do comércio. Reagindo às arbitrariedades feudais os merca- dores enfrentaram os nobres no Movimento Comunal que se espalhou por várias regiões. No norte da Europa existiu um grupo de cidades que se tornou proeminente no século XIII, denominado Hansa Teutônica ou Liga Hanseática, centrado na Alemanha mas com ramificações nas regiões vizinhas. Situado na ilha báltica de Gotland o porto de Visby, com seus armazens de calcário era um desses entrepostos mais importantes. A expressão “Renascimento Comercial” tem sido criticada por muitos historiadores quando alegam que sem- pre houve comércio Idade Média, embora tenha se dado em caráter local. A ênfase no renascimento do comércio surgiu de um preconceito com a Idade Média, que foi durante mui- to tempo, injustamente apelidada de Idade das Trevas. Concordando com a visão crítica ao termo “Renascimento Comercial, vamos aqui usa-lo no seu aspecto formal.

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Page 1: Renascimento Comercial

O RenascimentoComercial

O RenascimentoComercial

“Entre a cidade e o campo o contraste era profundo. Uma cidade medieval não seperdia em extensos subúrbios, fábricas e casas de campo. Cercada de muralhas, erguia-se como um todo compacto,eriçada de torres sem conta. Por mais altas e ameaçadoras

que fossem as casas dos nobres ou dos mercadores, a massa imponente das igrejassobressaía no conjunto da cidade.

O contraste entre o silêncio e o ruído, entre a luz e as trevas, do mesmo modo queentre o verão e o inverno, acentuava-se mais fortemente do que nos nossos dias. A cida-

de moderna mal conhece o silêncio ou a escuridão na sua pureza e o efeito de uma luzsolitária ou de um grito isolado e distante”

in. Huizinga, Johan. O declínio da Idade Média. Pág.10.

A partir do século XII o feudalismoentrou em declínio cedendo espaço a uma nova sociedade mais dinâmica caracterizada pelas transa-

ções comerciais, trabalho assalariado e o aparecimen-to da burguesia. Pouco a pouco, modificaram-se oshábitos e costumes engendrando-se um novo padrãode comportamento e uma maneira diferente de ver omundo. O crescimento demográfico do período foideterminante para o desalinho da Ordem Feudal poiscentenas de migraram das zonas rurais em direção asnascentes cidades. Gradativamente a população urba-na foi aumentando enquanto aumentavam também osnegócios e as transações comerciais.

Como estímulo externo, as Cruzadas possibili-taram um fluxo constante de navios que se desloca-vam para o Oriente em busca de mercadorias. O con-tato com o Oriente gerou um grande incentivo ao cres-cimento urbano. As frequentes viagens para o mundooriental funcionaram como um impulso de fora paradentro, ativando o crescimento urbano.

As rotas de comércioque traziam mercadorias doOriente, utilizaram Cons-tantinopla como entrepostocomercial. Dezenas de navi-os transportavam produtosexóticos que eram consumi-dos no Ocidente, por uma eli-te de nobres e clérigos, ávidapor novidades. Em troca, oseuropeus exportavam para oOriente tecidos, peles, couro,

trigo, linho, peixes,sal e muito vinho.

A expansãodo comércio e das ati-vidades urbanas con-frontou mercadores enobres feudais. Nascidades que cresce-ram próximas aosfeudos era comum acobrança de taxasabusivas para a libe-ração da atividadecomercial. Respalda-dos por leis locais ossenhores feudais setornaram um obstá-culo ao incrementodo comércio.

Reagindo às arbitrariedades feudais os merca-dores enfrentaram os nobres no Movimento Comunalque se espalhou por várias regiões.

No norte da Europaexistiu um grupo decidades que setornou proeminenteno século XIII,denominado HansaTeutônica ou LigaHanseática,centrado naAlemanha mas comramificações nasregiões vizinhas.Situado na ilhabáltica de Gotlando porto de Visby,com seusarmazens decalcário era umdesses entrepostosmais importantes.

A expressão “Renascimento Comercial” tem sidocriticada por muitos historiadores quando alegam que sem-pre houve comércio Idade Média, embora tenha se dado emcaráter local. A ênfase no renascimento do comércio surgiude um preconceito com a Idade Média, que foi durante mui-

to tempo, injustamente apelidada de Idade das Trevas.Concordando com a visão crítica ao termo “Renascimento

Comercial, vamos aqui usa-lo no seu aspecto formal.

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A contenda diminuiu quando foi criada a Cartade Franquia, espécie de salvo-conduto de liberação docomércio, mediante o pagamento de uma taxa fixa anual.

Com o passar do tempo, as Cartas de Franquia foramampliadas com o objetivode assegurar direitos às ci-dades que se emancipa-vam da tutela feudal.Com o novo acerto foipossível a organizaçãode milícias e autono-mia para organizar ogoverno e a adminis-tração.

A alforria tornou as cidades “donas do seu pró-prio nariz” e a Carta de Franquia tornou-se o rascunhodas futuras constituições. Na Itália onde o comércioera mais intenso, desenvolveram-se as cidades com fei-

ção de repúblicas, a exemplo de Veneza, Gênova eFlorença. Na França, foram chamadas de comunas ena região germânica, cidades-livres.

O sul da Europa interligava-se ao norte atravésde rotas terrestres e marítimas. Os navios não se afas-tavam muito do litoral - navegação de cabotagem -com receio de enfrentar o mar aberto, principalmenteno Oceano Atlântico, apelidado de mar Tenebroso. Osinstrumentos de navegação eram muito precários. Nor-malmente os navegadores orientavam-se pelos astroscomo faziam seus antepassados desde a Antiguidade.

Para esses navegadores o gigantesco oceanoAtlântico ainda era uma incógnita. Muitos marinhei-ros acreditavam que se afastando muito do litoral en-contrariam terríveis monstros. Portanto, até o fim daIdade Média, o Mediterrâneo continuaria sendo a prin-cipal via de comércio.

O Tempo da História

Séculos XII - XV

Renascimento Comercial

CIDADES

. FEIRAS

. ECONOMIA MONETÁRIA - TROCAS

. PRODUÇÃO ARTESANAL

. MANUFATURAS

. SURGIMENTO DA BURGUESIA

. CÂMBIO DE MOEDAS NOS BANCOS

Cresciam as cidades e cresciamas guildas, que eram associações de

proteção formadas por comerciantes eartesãos. O diretório das guildas,

escolhido por eleição, esforçava-se pormanter a boa qualidade e os preços dos

produtos locais. Uma prova do seucrescente poder pode ser dada, por

exemplo, pelo monopólio usufruído pelostintureiros de Derby, na Inglaterra, “onde

ninguém podia tingir panos até a distânciade dez léguas de Derby, senão em Derby”.

E à medida em que se expandiam osnegócios proliferavam as guildas de

artíficies. Paris, por exemplo, contava em1292 com 130 profissões regulares”,inclusive a medicina. Nessa época as

guildas já tinham assumido várias funçõessociais, e até mesmo se haviam associadopara tomar conta do governo da cidade. In.Anne Fremantale. A Idade da Fé. Coleção

Time-Life. pág 85.

Símbolo das guildas, uma figura real assiste aotrabalho de um canteiro que talha um capitel e de um carpinteiro que usa umtrado.

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No que se refere ao comércio, ascidades de Veneza e Gênova tiveram oretorno do investimento realizado duran-te as Cruzadas e tornaram-se ponto deparada obrigatória dos mercadores detodo o continente. Guardadas as devidasproporções, Veneza e Gênova tiveram umpotencial equivalente à Nova York e Tó-quio nos dias atuais. Do outro lado docontinente, no norte da Europa, se desta-cou a região de Flandres como entrepostoe produtora de tecidos de lã. Nos arredo-res de Flandres formou-se a LigaHanseática ou Hansa Teutônica - agrupa-mento de 80 cidades produtoras de ma-nufaturas e detentoras de uma poderosaesquadra que monopolizou o comércio do mar Bálti-co e do Norte.

O RENASCIMENTO URBANO

As cidades da Baixa Idade Média eram exem-plo de desorganização e improviso. Apertadas, geral-mente sujas, sem esgotamento sanitário se amontoa-vam em dezenas de casas de madeira e pedra. Algu-mas cidades eram sitiadas por muros, o que piorava oproblema. As pessoas dividiam o espaço com os ani-mais que ficavam soltos nas ruas. Contudo, apesar detodos os problemas, a vida na cidade era, no mínimo,mais promissora que a vida nos feudos. Nas cidadespairava um clima de maior liberdade e menor opres-são. A poluição ambiental era compensada pela auto-nomia e individualidade do cidadão.

Nas cidades surgiram as feiras que se torna-ram um acontecimento à parte. Variando na frequênciaduravam em média um mês, atraindo mercadores daEuropa inteira e de vários lugares do mundo. Devido

Mapa. As rotasde comércio naEuropaOcidental

ao grande volume de transações comerciais surgiramos cambistas que trocavam moedas utilizando uma es-pécie de balança, que vinculava o peso ao valor. Aospoucos a população urbana foi crescendo, no início ascidades mais populosas tinham no máximo 200.000 ha-bitantes, como é o caso de Veneza, Londres, Gênova,Paris, Milão etc.

CORPORAÇÕES DE OFÍCIO

Durante a Alta Idade Média a produção artesanalse desenvolvia internamente nos feudos, com o objeti-vo de abastecer as necessidades domésticas. NoRenascimento Comercial a produção artesanal urbanafoi suplantando a produção dos feudos, concentrandonas cidades um numeroso “exército” de artesãos. Como objetivo de estruturar melhor a produção e venda dasmercadorias surgiram nas cidades as Corporações deOfício ou Guildas, englobando artesãos de uma mesmaárea de produção.

O período que se tornou conhecido como Baixa IdadeMédia caracterizou-se pelo desenvolvimento das cidades, do

comércio e das atividades manufatureiras. Embora noconjunto da Europa ainda predominasse uma economiabasicamente agrícola, inúmeras regiões já apresentavamacentuado desenvolvimento comercial e urbano. Essas

mudanças repercutiam na esfera política - com o processo defortalecimento do poder real - como nas artes, com o

florescimento de novos temas nos trabalhos artísticos. InHistória das Civilizações. Volume 2. Abril Cultural. pág 253

Praça do Mercado, afresco do período medieval

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A estrutura das corporações se baseava numarígida hierarquia: o mestre - normalmente proprietáriode uma oficina artesanal; o jornaleiro - aspirante ao car-go de mestre e o aprendiz - espécie de iniciante nasartes e ofícios. A propaganda das mercadorias era proi-bida e os salários tinham valor estabelecido pelos diri-gentes das corporações, com o objetivo de impedir gran-des disparidades.

As inúmeras barreiras da sociedade feudalnão impediram que os burgueses amontoassemextraordinária riqueza. Não há como compreen-der a Baixa Idade Média sem associá-la aosurgimento e expansão dos negócios da burgue-sia. Normalmente viajavam em grupo e quandochegavam nos castelos eram obrigados a perma-necer na área externa, aonde se realizavam asfeiras. O desenvolvimento do comércio desper-tou a cobiça de vários senhores feudais que pro-curavam tirar vantagem das novas relações co-merciais.

Pensava-se, no passado, que a causaprimordial da revolução urbana medieval tivesse

sido a revivescência do comércio a longa distância.Em teoria, mascates itinerantes, que não dispunham

de um lugar seguro na sociedade predominante-mente agrária da Europa, aos poucos se juntaramem cidades, a fim de prestar uns aos outros uma

proteção de extrema necessidade e criar mercadospara a venda de seus produtos. Na realidade, as

coisas foram muito mais complicadas. Conquanto muitas cidades realmente tenham recebido muitoestímulo do comércio a longa distância - e o crescimento de uma grande cidade como Veneza teria

sido inimaginável sem esse comércio - a origem e a primitivavitalidade econômica da maioria das cidades decorreram muito

mais da riqueza das áreas circundantes. Tais áreaslevavam-lhes produtos agrícolas excedentes, matérias-primas

para manufatura e um influxo populacional. Em outras palavras,o aceleramento da vida econômica em geral foi a principal cau-sa do crescimento urbano: as cidades existiam em relaciona-

mento simbiótico com o campo, oferecendo mercados etambém artigos fabricados por artesãos, ao passo que viviamdo excedente alimentício rural e cresceram com a migração deservos ou camponeses desnecessários, que estavam à procurade uma vida melhor. (Os servos fugidos tinham garantida sua

liberdade caso permanecessem numa cidade um ano e um dia.)Tão logo as cidades começaram a florescer, muitas se espe-

cializaram em certas atividades. Paris e Bolonha adquiriram riquezas copiosas ao se tornarem sedesde importantes universidades; Veneza, Gênova, Colônia e Londres fizeram-se centros de comércio a

longa distância; e Milão, Ghent e Bruges especializaram-se em manufaturas. As mais importantesindústrias urbanas eram as de tecidos. Os fabricantes de tecidos desenvolveram por vezes técnicas

de produção e de investimento em grande escala que são ancestrais do modernosistema fabril e do capitalismo industrial. Contudo, cabe salientar que as grandes empresas

industriais eram, de modo geral, atípicas na vida econômica medieval. In Burns, Edward McNallBurns. História da Civilização Ocidenta. Editora Globo. pág 250/25

Em muitos locais próximos aos grandes cen-tros urbanos ocorreu um afrouxamento dos laços feu-dais favorecendo o acúmulo do capital burguês.

Como afirmava Marx; ”A ordem econômicacapitalista saiu das entranhas da ordem econômicafeudal. A dissolução de uma produziu os elementosconstitutivos da outra”.

PARA VOCÊSABERMAIS.