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152 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 50 (2): 152-156, abr.-jun. 2006 Bócio uninodular tóxico volumoso – Relato de caso e discussão das opções terapêuticas Large toxic uninodular goitercase report and discussion of therapeutic options RELATOS DE CASOS DANIEL PANAROTTO – Professor da dis- ciplina de Fisiologia do Curso de Graduação em Medicina da Universidade de Caxias do Sul, RS. Doutor em Endocrinologia pela Universidade de Sherbrooke, Canadá. UMAR M. ABDALLA – Médico Endocri- nologista. ANDRESA C. BALESTRO – Médica. FELIPPE L. DEXHEIMER NETO – Mé- dico Residente em Medicina Interna – Uni- versidade de Caxias do Sul. ARTUR R. A. DEXHEIMER – Acadêmi- co do Curso de Medicina da Universidade de Caxias do Sul. RAFAEL S. MAY – Acadêmico do Curso de Medicina da Universidade de Caxias do Sul. Departamento de Ciências Biomédicas – Universidade de Caxias do Sul Endereço para correspondência: Daniel Panarotto Laboratório de Fisiologia da Universidade de Caxias do Sul Bloco S sala 514 Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130 Bairro Petrópolis 95010-550 – Caxias do Sul – RS, Brasil Fone: (54) 3378-9993 [email protected] RESUMO O bócio tóxico uninodular é responsável por 5% dos casos de hipertireoidismo. O diag- nóstico é feito pela associação de bócio uninodular, sinais e sintomas de hipertireoidismo, supressão do TSH e T4 livre aumentado. O tratamento definitivo sempre é indicado e é realizado por meio da cirurgia, iodo radioativo ou através da injeção percutânea de etanol. Devemos considerar os riscos e benefícios de cada técnica, bem como características do bócio e presença de sinais de compressão local, antes de escolhermos a melhor opção terapêutica. Relatamos o caso de uma paciente feminina, de 59 anos, que apresentava bócio há 30 anos, com aumento gradual de tamanho, medindo 8,5 x 4,5 x 6,1 cm e causan- do compressão local. Outros aspectos clínicos encontrados na paciente foram a presença de insuficiência mitral severa e fibrilação atrial. O caso descrito motivou a discussão das diferentes modalidades de tratamento e uma análise dos seus riscos e benefícios. UNITERMOS: Bócio Tóxico, Hipertireoidismo, Doença de Plummer, Bócio Volumoso. ABSTRACT The uninodular toxic goiter is responsible for 5% of hyperthyroidism cases. The diag- nosis is made through the association of uninodular goiter, signals and symptoms of hyperthyroidism, suppressed TSH and increased T4. The definitive treatment is always indicated and is made through surgery, radioactive iodine or percutaneous ethanol injection. We should consider the risks and benefits of each technique, as well as goiter characteristics and the presence of local compression’s signals before we choose the best therapeutic option. We report the case of a 59-year-old female patient who pre- sented with a 30-year evolution goiter, with gradual size increase, measuring 8,5 x 4,5 x 6,1 cm and causing local compression. Others clinical aspects found in this patient where the presence of severe mitral insufficiency and atrial fibrillation. The reported case moti- vated a discussion about the different modalities of treatment and an analysis of its risks and benefits. KEY WORDS: Toxic Goiter, Hyperthyroidism, Plummer’s Disease, Large Goiter. I NTRODUÇÃO Nódulos autônomos da tireóide, úni- cos ou múltiplos, que produzem hor- mônio suficiente para suprimir a secre- ção de TSH, com conseqüente supres- são do lobo contralateral da tireóide, são chamados de nódulos tóxicos ou nódulos de Plummer (1). Estes são mais prevalentes a partir da 5 a década de vida, acometem principalmente mulheres (proporção de 13 para 1) e ocorrem mais comumente em áreas Recebido: 10/01/2005 – Aprovado: 16/02/2006 com déficit de iodo (2). Parece haver uma maior chance de desenvolvimen- to de nódulos tóxicos em fumantes (ra- zão de chances de 1,7) (3). Bócios grandes podem causar sin- tomas compressivos como dispnéia, disfagia e sinal de Peberton (pletora facial, estridor inspiratório e conges- tão venosa quando os braços são ele- vados acima da cabeça) (4). Todavia, esses sintomas são mais comuns em bócios multinodulares. Mesmo que o hipertireoidismo franco no bócio tóxi- co uninodular somente se manifeste quando o nódulo cresce acima de 3 cm de diâmetro (1), na maioria dos casos não há sintomas compressivos. Por exemplo, em série de pacientes com bócio tóxico uninodular, somente 7% apresentavam algum sintoma compres- sivo (4). Em outra série, 752 pacientes com tireotoxicose e que se submete- ram à tireoidectomia por diversas ra- zões, incluindo a presença de sintomas compressivos, apenas 25 (3%) apresen- tavam bócio uninodular tóxico (5). A seguir, será apresentado o caso clínico de uma paciente com diagnósti- co de bócio tóxico uninodular, que se apresentou com um bócio volumoso e sintomas compressivos. A paciente apresentava igualmente complicações cardiológicas, as quais dificultaram a decisão terapêutica. O objetivo deste artigo é discutir as vantagens e desvan- tagens das diversas opções terapêuti- cas para bócio tóxico uninodular, uti- lizando o caso apresentado como ilus- tração.

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BÓCIO UNINODULAR TÓXICO VOLUMOSO... Panarotto et al. RELATOS DE CASOS

152 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 50 (2): 152-156, abr.-jun. 2006

Bócio uninodular tóxico volumoso – Relato decaso e discussão das opções terapêuticas

Large toxic uninodular goitercase report anddiscussion of therapeutic options

RELATOS DE CASOS

DANIEL PANAROTTO – Professor da dis-ciplina de Fisiologia do Curso de Graduaçãoem Medicina da Universidade de Caxias doSul, RS. Doutor em Endocrinologia pelaUniversidade de Sherbrooke, Canadá.UMAR M. ABDALLA – Médico Endocri-nologista.ANDRESA C. BALESTRO – Médica.FELIPPE L. DEXHEIMER NETO – Mé-dico Residente em Medicina Interna – Uni-versidade de Caxias do Sul.ARTUR R. A. DEXHEIMER – Acadêmi-co do Curso de Medicina da Universidadede Caxias do Sul.RAFAEL S. MAY – Acadêmico do Cursode Medicina da Universidade de Caxias do Sul.

Departamento de Ciências Biomédicas –Universidade de Caxias do Sul

Endereço para correspondência:Daniel PanarottoLaboratório de Fisiologia da Universidade deCaxias do SulBloco S sala 514Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130Bairro Petrópolis95010-550 – Caxias do Sul – RS, BrasilFone: (54) 3378-9993

[email protected]

RESUMO

O bócio tóxico uninodular é responsável por 5% dos casos de hipertireoidismo. O diag-nóstico é feito pela associação de bócio uninodular, sinais e sintomas de hipertireoidismo,supressão do TSH e T4 livre aumentado. O tratamento definitivo sempre é indicado e érealizado por meio da cirurgia, iodo radioativo ou através da injeção percutânea de etanol.Devemos considerar os riscos e benefícios de cada técnica, bem como características dobócio e presença de sinais de compressão local, antes de escolhermos a melhor opçãoterapêutica. Relatamos o caso de uma paciente feminina, de 59 anos, que apresentavabócio há 30 anos, com aumento gradual de tamanho, medindo 8,5 x 4,5 x 6,1 cm e causan-do compressão local. Outros aspectos clínicos encontrados na paciente foram a presençade insuficiência mitral severa e fibrilação atrial. O caso descrito motivou a discussão dasdiferentes modalidades de tratamento e uma análise dos seus riscos e benefícios.

UNITERMOS: Bócio Tóxico, Hipertireoidismo, Doença de Plummer, Bócio Volumoso.

ABSTRACT

The uninodular toxic goiter is responsible for 5% of hyperthyroidism cases. The diag-nosis is made through the association of uninodular goiter, signals and symptoms ofhyperthyroidism, suppressed TSH and increased T4. The definitive treatment is alwaysindicated and is made through surgery, radioactive iodine or percutaneous ethanolinjection. We should consider the risks and benefits of each technique, as well asgoiter characteristics and the presence of local compression’s signals before we choosethe best therapeutic option. We report the case of a 59-year-old female patient who pre-sented with a 30-year evolution goiter, with gradual size increase, measuring 8,5 x 4,5 x6,1 cm and causing local compression. Others clinical aspects found in this patient wherethe presence of severe mitral insufficiency and atrial fibrillation. The reported case moti-vated a discussion about the different modalities of treatment and an analysis of its risksand benefits.

KEY WORDS: Toxic Goiter, Hyperthyroidism, Plummer’s Disease, Large Goiter.

I NTRODUÇÃO

Nódulos autônomos da tireóide, úni-cos ou múltiplos, que produzem hor-mônio suficiente para suprimir a secre-ção de TSH, com conseqüente supres-são do lobo contralateral da tireóide,são chamados de nódulos tóxicos ounódulos de Plummer (1). Estes sãomais prevalentes a partir da 5a décadade vida, acometem principalmentemulheres (proporção de 13 para 1) eocorrem mais comumente em áreas

Recebido: 10/01/2005 – Aprovado: 16/02/2006

com déficit de iodo (2). Parece haveruma maior chance de desenvolvimen-to de nódulos tóxicos em fumantes (ra-zão de chances de 1,7) (3).

Bócios grandes podem causar sin-tomas compressivos como dispnéia,disfagia e sinal de Peberton (pletorafacial, estridor inspiratório e conges-tão venosa quando os braços são ele-vados acima da cabeça) (4). Todavia,esses sintomas são mais comuns embócios multinodulares. Mesmo que ohipertireoidismo franco no bócio tóxi-

co uninodular somente se manifestequando o nódulo cresce acima de 3 cmde diâmetro (1), na maioria dos casosnão há sintomas compressivos. Porexemplo, em série de pacientes combócio tóxico uninodular, somente 7%apresentavam algum sintoma compres-sivo (4). Em outra série, 752 pacientescom tireotoxicose e que se submete-ram à tireoidectomia por diversas ra-zões, incluindo a presença de sintomascompressivos, apenas 25 (3%) apresen-tavam bócio uninodular tóxico (5).

A seguir, será apresentado o casoclínico de uma paciente com diagnósti-co de bócio tóxico uninodular, que seapresentou com um bócio volumoso esintomas compressivos. A pacienteapresentava igualmente complicaçõescardiológicas, as quais dificultaram adecisão terapêutica. O objetivo desteartigo é discutir as vantagens e desvan-tagens das diversas opções terapêuti-cas para bócio tóxico uninodular, uti-lizando o caso apresentado como ilus-tração.

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R ELATO DE CASO

Paciente feminina, 59 anos, bran-ca, casada, natural e procedente deCaxias do Sul, internou no HospitalGeral de Caxias do Sul no dia 27/02/04 com queixa de palpitações, dispnéiaaos médios esforços e emagrecimen-to. Os sintomas iniciaram há cerca de1 ano. A dispnéia ocorria nas ativida-des habituais, principalmente no perío-do do dia, com alívio ao repouso. Aspalpitações acompanhavam a dispnéiae apareciam aos médios esforços. Noperíodo de um ano a paciente emagre-ceu cerca de 6 kg e apresentava perdado apetite.

A paciente possuía bócio havia 30anos, tendo procurado atendimentomédico quando notara aumento da re-gião cervical. Na ocasião, a cirurgiafora proposta, porém a paciente des-cobrira estar grávida, não tendo re-tornado para reavaliação. O volumedo bócio teve aumento gradual, re-sultando em sinais de compressãolocal, como disfagia para alimentossólidos e dispnéia em decúbito dorsal.

A paciente é ex-tabagista (fumarapor cerca de 20 anos e parara há 10

anos, tendo fumado 20 cigarros pordia). Sua menopausa ocorreu há 20anos. Teve três partos normais (G3P3).Negava outras co-morbidades.

No exame físico apresentava-se emregular estado geral, mucosas úmidase coradas, eupnéica em decúbito dor-sal, anictérica, acianótica, hidratada,desnutrida. Apresentava PA de 110x70mmHg, FC de 120 bpm, FR de 16mpm, saturação de hemoglobina de98% em ar-ambiente, temperatura axi-lar 36,7o, glicemia capilar de 98 mg/dL. Pesava 42 kg, com altura de 1,55m(IMC de 17,5 kg/m²). Não apresenta-va linfonodos palpáveis.

À inspeção notava-se um aumentode volume da região cervical anterior,móvel à deglutição, predominando àdireita da linha média. A palpação datireóide mostrava uma massa volumo-sa, de superfície bocelada, ocupando aregião cervical direita e mediana, quedesviava a traquéia para a esquerda, deconsistência firme, móvel à deglutiçãoe sem alteração de temperatura ou sen-sibilidade local. Não se notava presen-ça de sopro (Figuras 1A e 1B).

O ictus cordis era visível e palpá-vel no 5º espaço intercostal, na linhahemiclavicular esquerda. A ausculta

cardíaca evidenciou ritmo irregular.Havia sopro sistólico de regurgitaçãoem foco mitral com irradiação para aaxila +++/4 e sopro protodiastólico emfoco aórtico ++/4.

A ausculta pulmonar revelava mur-múrio vesicular uniformemente distri-buído sem ruídos adventícios. O abdo-me era escavado, indolor, com ruídoshidroaéreos presentes e sem organome-galias. Observavam-se pulsações visí-veis e palpáveis em topografia de aor-ta abdominal. As extremidades esta-vam perfundidas, aquecidas e sem ede-ma. As unhas caracterizavam-se porapresentar descamação e descolamen-to do leito ungueal.

Os exames laboratoriais do mo-mento da internação, incluindo hemo-grama, plaquetas, eletrólitos, enzimashepáticas, creatinina, glicemia, albumi-na, anti-HIV, não estavam alterados. Asprovas de função tireoideana eramcompatíveis com hipertireoidismofranco: TSH de 0,05 µUI/mL, T3 de285 ng/dLe T4 livre de 3,6 ng/dL (V.R.:TSH 0,49-4,67 µUI/mL; T3 70-170 ng/dL; T4 livre 0,71-1,85 ng/dL).

A radiografia simples de tórax mos-trava uma imagem sugestiva de nódu-lo pulmonar em hilo esquerdo, além de

Figura 1 – Vista da região cervical (A) anterior, (B) lateral.

A B

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desvio significativo da traquéia para aesquerda na região cervical. Foi reali-zada uma tomografia computadoriza-da (TC) de tórax, cujo resultado foinormal. A conclusão foi de que o nó-dulo pulmonar era seqüela de tuber-culose, já que a paciente teve diagnósti-co de tuberculose há 30 anos, com tra-tamento com isoniazida e rifampicinapor 6 meses (dados obtidos no setor detuberculose de Caxias do Sul). Não erabacilífera no momento e seu teste detuberculina não mostrou reação.

O eletrocardiograma confirmou apresença de fibrilação atrial, com fre-qüência cardíaca em torno de 110 bpm.Realizou um ecocardiograma, quemostrou uma fração de ejeção de 70%,porém com insuficiência mitral seve-ra, além de insuficiência aórtica mo-derada, esclerose valvar aórtica, pro-lapso valvar mitral sem displasia e au-mento atrial esquerdo. Em vista desseachado, foi submetida a um cateteris-mo cardíaco, que descartou cardiopa-tia isquêmica associada.

A TC de região cervical (Figura 2)mostrou nódulo único em lobo direitoda tireóide, com impregnação perifé-rica de contraste e desvio contralateralda traquéia, com compressão local.Para esclarecimento etiológico do bó-cio, realizou ecografia de tireóide compunção aspirativa com agulha fina, quedemonstrou presença de volumoso nó-dulo em lobo direito da tireóide, me-dindo 8,5 × 4,5 × 6,1 cm, com áreas dedegeneração cística no seu interior. Ist-mo e lobo esquerdo normais, sem lin-fonodos regionais. A citologia mostroupresença de material colóide e célulasfoliculares, sem elementos que suge-rissem malignidade.

Foi submetida à cintilografia de ti-reóide com I¹³¹, verificando-se glându-la tireóide, com grande aumento de seuvolume, às custas de nódulo parcial-mente hipercaptante ocupando o leitotireoidiano à direita. Não havia cap-tação no lobo esquerdo. A captaçãototal de iodo em 24 horas foi de 61%(normal: 15-35%), permitindo que sediagnosticasse um bócio nodular“quente”, com índice de captaçãoelevado.

Frente a tais resultados, fez-se odiagnóstico de bócio uninodular tóxi-co e iniciou-se discussão a respeito dasopções terapêuticas disponíveis, paramelhor resolução do caso em questão.A equipe multidisciplinar que abordoua paciente decidiu pelo uso de beta-blo-queadores e metimazol, para a com-pensação do hipertireoidismo e poste-rior cirurgia.

D ISCUSSÃO

O bócio uninodular tóxico é umacausa relativamente rara de hipertireoi-dismo (apenas 5% dos casos) (1). NoBrasil, dentre os nódulos tireoidianos,sua freqüência relativa é de cerca de12% (6).

Do ponto de vista fisiopatológico,os nódulos de Plummer caracterizam-se pelo desenvolvimento de um ou vá-

rios nódulos que passam a produzirhormônios tireóideos de forma autô-noma, devido a mutações que ativamconstitutivamente o receptor do TSH,ou algum outro elemento da cascata deativação desse receptor como na pro-teína Gsα (2). Corroborando sua etio-logia não auto-imune, o bócio tóxicouninodular não é acompanhado poroftalmopatia ou por dermopatia infil-trativa e os anticorpos anti-TRAB sãogeralmente negativos (7).

A evolução do bócio uninodulartóxico é lenta. De fato, a taxa de con-versão de um nódulo tóxico para tiro-toxicose é de 4% ao ano (8). Além dis-so, o hipertireoidismo franco somentecostuma aparecer quando o nódulocresce acima de 3 cm de diâmetro (1).Devido a essas peculiaridades, a faixaetária dos pacientes acometidos é maiselevada e a evolução do hipertireoidis-mo mais insidiosa no bócio tóxico uni-

Figura 2 – Tomografia computadorizada de região cervical mostra um nódulo tireoi-diano único em lobo direito da tireóide, com impregnação periférica de contraste edesvio contralateral da traquéia.

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nodular do que nos pacientes comdoença de Graves (1, 4).

A evolução lenta do bócio unino-dular tóxico explica por que, além dasmanifestações clássicas de hipertireoi-dismo, são comuns as taquiarritmiasatriais, perda de peso, miocardiopatiahipertrófica e osteoporose (4). Porexemplo, aproximadamente 32% dospacientes apresentam alguma compli-cação cardíaca (4), sendo a fibrilaçãoatrial a arritmia mais freqüente, após ataquicardia sinusal. Essa alta prevalên-cia é esperada, visto que, mesmo pa-cientes com hipertireoidismo subclíni-co têm maior chance de apresentaremfibrilação atrial (9, 10). O reconheci-mento da tireotoxicose nesse contextoé fundamental, pois em idosos, na au-sência de doença cardíaca pré-existen-te, o tratamento do hipertireoidismoclínico ou subclínico normalmente re-sulta em regulação da função cardíaca(incluindo reversão para ritmo sinusal)(9).

Bócios grandes podem causar sin-tomas compressivos, mas esses sinto-mas são mais freqüentes em pacientescom bócios multinodulares tóxicos(18%) do que entre aqueles com bó-cios uninodulares tóxicos (7%) (4).

O tratamento definitivo para o bó-cio uninodular tóxico está sempre in-dicado, visto que, diferentemente doque ocorre na doença de Graves, a re-missão espontânea ocorre muito rara-mente (11). As opções terapêuticas in-cluem cirurgia, iodo radioativo (I131)ou injeção percutânea de etanol.

A paciente apresentada neste rela-to tinha 59 anos e apresentava hiperti-reoidismo severo devido a um volumo-so nódulo único de tireóide, que cau-sava compressão e desvio da traquéia.Além disso, a paciente apresentava fi-brilação atrial e insuficiência mitralsevera.

Pelas características do bócio des-critas na cintilografia da paciente emquestão, primeiramente considerou-sea possibilidade de realização de I¹³¹. Ajustificativa racional dessa modalida-de terapêutica é que o I¹³¹ concentra-se no nódulo hiperfuncionante, haven-do captação e lesões mínimas no res-

tante da glândula, corrigindo 75% doscasos (12). A dose necessária de I¹³¹calculada foi de 25 mCi. O bócio pos-suía captação total de iodo elevada,porém era de grandes dimensões, o quepoderia levar a resposta parcial com talopção terapêutica (13, 14). Em um es-tudo, a taxa de sucesso de tratamentocom essa terapêutica foi significativa-mente diminuída em pacientes combócios grandes e com T4 livre maiselevados (13). O possível risco de obs-trução traqueal com o uso de radioio-do não foi um fator relevante na esco-lha terapêutica dessa paciente, já quea compressão traqueal não era signifi-cativa e o risco dessa complicação é,de toda forma, muito rara (15).

Apesar de o iodo teoricamente con-centrar-se somente no nódulo hipercap-tante, poupando o restante da glândulao risco de hipotireoidismo pós-iodo si-tua-se em torno de 30% (1, 13). Por-tanto, mesmo que o radioiodo terapêu-tico seja o tratamento de escolha parao tratamento do bócio uninodular tó-xico, pelo seu baixo risco de compli-cações e alta eficácia (4, 13), julgamosque não seria a melhor opção nessecaso específico.

Outra opção, a injeção percutâneade álcool, guiada por ultra-sonografia,necessita pelo menos 5 sessões paraatingir o eutireoidismo. Relatam-seíndices de cura de 78% a 100%, po-rém submete o paciente a um grandedesconforto, além de ser melhor em-pregado em bócios tireoidianos meno-res (16). Pelas razões mencionadas, epela ausência de pessoal treinado emnosso meio para realizar tal procedi-mento, essa opção terapêutica foi des-cartada no caso aqui descrito.

Foi considerada, portanto, a possi-bilidade de tireoidectomia parcial. Acirurgia de tireóide é indicada princi-palmente em jovens, ou quando exis-tem sintomas compressivos ou indica-ção cosmética, ou suspeita citológicade malignidade, sendo realizada, geral-mente, uma lobectomia unilateral (1, 5).Os principais riscos cirúrgicos são ohipoparatireoidismo permanente e aparalisia de cordas vocais, entretantoessa cirurgia é considerada segura (4).

A freqüência de hipotireoidismo pós-operatório depende da extensão da ti-reoidectomia (4, 5). Visto que nos pa-cientes com bócio uninodular tóxico aindicação cirúrgica é a hemitireoidec-tomia, e o lobo remanescente é capazde suprir as funções fisiológicas daglândula.

A favor dessa escolha estava a sin-tomatologia compressiva evidenciadapela paciente, a qual seria resolvida porcompleto. No entanto, o achado de in-suficiência mitral severa poderia con-tra-indicar a cirurgia. A equipe assis-tente estava, portanto, frente a um di-lema terapêutico: por um lado, a pa-ciente apresentava-se com um nóduloúnico tóxico, de volume especialmen-te grande, e com sintomas compressi-vos. Visto que o iodo radioativo seria,teoricamente, menos eficaz, a cirurgiaparecia ser a melhor opção. Por outrolado, as complicações cardíacas dapaciente agregavam um maior riscopara o procedimento. Nesse momen-to, foi fundamental a avaliação da equi-pe de cardiologia, que sugeriu a reali-zação de um cateterismo cardíaco pré-operatório. A paciente realizou o pro-cedimento que descartou cardiopatiaisquêmica associada. O risco cirúrgi-co foi então estimado como moderadopara a realização de tireoidectomiaparcial. A correção da insuficiênciamitral seria postergada até que a mes-ma se tornasse sintomática.

Optou-se pela realização de tireoi-dectomia parcial, após compensaçãodo hipertireoidismo. Essa precauçãojustifica-se, pois há risco de tempesta-de tireotóxica, caso não se realize anormalização da atividade da glându-la previamente à intervenção cirúrgica(5). Infelizmente, o procedimento nãofoi realizado, pois a paciente não re-tornou para o seu tratamento defini-tivo.

Portanto, apresentamos aqui o casode uma paciente que tinha como pecu-liaridade um bócio uninodular tóxicode grande volume, levando a um hi-pertireoidismo severo e de longa data.Visto que essa manifestação de nódu-lo de Plummer não é usual, a pacienteapresenta manifestações graves de

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complicações cardiológicas. A decisãoterapêutica, nesse caso, teve que am-parar-se em uma revisão da literatura,a qual nos mostrou os riscos e benefí-cios de cada procedimento a ser esco-lhido. Acreditamos que o caso aquidescrito ilustre de forma interessantecomo a utilização de dados provenien-tes de estudos científicos bem condu-zidos (medicina baseada em evidên-cias), aliada ao julgamento clínico e àcolaboração de uma equipe multidis-ciplinar, podem ser agregados paraauxiliar na decisão terapêutica.

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