relatório sair da rua 2004

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Rua Araújo, 124 2 o . andar 01220 020 São Paulo/SP Tel. 11 3255 9570 www:relacionais.org.br 1 Diagnóstico dos serviços de atendimento à população em situação de rua “Sair da Rua: Por quê e Para quê?” São Paulo, 16 de novembro de 2004.

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Diagnóstico dos serviços de atendimento à população em

situação de rua

“Sair da Rua: Por quê e Para quê?”

São Paulo, 16 de novembro de 2004.

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SUMÁRIO

A PROPOSTA ........................................................................ 01 JUSTIFICATIVA ..................................................................... 01 METODOLOGIA ..................................................................... 02

CONTEXTO SOCIAL – SÃO PAULO

.....................................

03

SÓ PARA LEMBRAR ............................................................. 04 UM OLHAR COMPLEMENTAR ............................................. 06 LOCAIS ESCOLHIDOS PARA O TRABALHO ....................... 08 O que aconteceu? SERVIÇO NA RUA ................................... 09 O que aconteceu? SERVIÇO DE ALBERGUE ....................... 17 O que aconteceu? SERVIÇO DE MORADIA PROVISÁRIA .. 35 O que aconteceu? SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA ................. 41 O que aconteceu? SERVIÇO DE INSERÇÃO PRODUTIVA . 52 O NÃO-LUGAR DA DIFERENÇA ........................................... 59 A NOVA FACE DA SAS ......................................................... 65

Diagnóstico dos serviços de atendimento à

população em situação de rua

“Sair da Rua: Por quê e Para quê?”

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A PROPOSTA

Fazer um diagnóstico dos serviços de atendimento à população em

situação de rua nos diferentes serviços: CAPE, Casa de Convivência,

Albergue, Moradia Provisória e Inserção Produtiva; através das

questões emergentes da população em situação de rua e dos agentes

sociais em relação à autonomia da saída da rua.

Este diagnóstico será subsídio para elaboração do 1º Congresso de

Agentes Sociais que atuam com pessoas em situação de rua.

JUSTIFICATIVA

Toda teoria, assim como toda prática, tem uma concepção de “ser no

mundo” como sustentação. Essa sustentação pode ser ou não do

conhecimento de quem a vivencia.

Através da desmontagem, da desconstrução da prática e do viver,

como também da desmontagem ou desconstrução da teoria é que se

pode conhecer a concepção que dá suporte e que explicita a serviço

do que está aquela teoria, aquele modo de viver, aquele modo de se

relacionar, aquele modo de produzir. Portanto, é da desmontagem do

discurso que se pode mudar o percurso ou da desmontagem do

percurso que se pode mudar o discurso, sempre buscando o

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desempenho correspondente à Ética que se deseja na produção da

Vida.

METODOLOGIA

Para tanto, a metodologia escolhida foi o Sociopsicodrama, que além

de ser uma metodologia muito econômica em relação ao tempo pela

sua linguagem dramática, tem também como suporte o pensamento

de que as situações vividas se articulam sempre pelas determinações

concretas que geram uma subjetividade correspondente. Esta

subjetividade não se sabe personagem de um Drama Coletivo e nem

despossuido de sua própria ação no mundo. E é este drama coletivo

que vamos colocar em foco no trabalho com as pessoas que vivem em

situação de rua e com os agentes sociais que os acompanham,

buscando compreender mais de perto as capturas nas quais se

encontram.

O trabalho aconteceu num constante movimento de ação-reflexão,

visando a pesquisa, a compreensão e a intervenção espontânea e

criativa nessas dinâmicas, para se des-envolverem das tramas que

podem dificultar as novas ações, e mais especificamente, facilitar a

percepção – dos jogos que não percebemos, das cenas que nos são

negadas e dos papéis que nos atribuem. Recriando o real, através do

sociopsicodrama.

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O próprio envolvimento e proximidade necessários ao trabalho

competente, contraditoriamente, impedem que os profissionais tenham

distanciamento suficiente para captar pela dinâmica consciente dados

subjacentes, levando a uma visão parcial e tomada como se fosse

completa.

Esses dados quando percebidos e re-articulados deverão dar aos

problemas uma nova configuração que, provavelmente, apontará para

soluções que não podiam ser vistas anteriormente.

CONTEXTO SOCIAL - SÃO PAULO

“Com 10 milhões de habitantes, São Paulo, é hoje uma das maiores

cidades do planeta. Reúne o que há de melhor e de pior em nossa

civilização: da pujança industrial e comercial ao desemprego e à

miséria; da combinação cosmopolita de culturas ao caos na habitação

e no trânsito. Não há problema nem marca urbanística que não tenha

explicação.”1

Entendemos a São Paulo objetiva dos nossos olhos e fechamos os

olhos entre pares, cidadãos, os mais diferentes possíveis e reforça

Raquel novamente: “... trata-se da dissolução de São Paulo de

1 Raquel Rolnik – Secretária de Programas Urbanos do Ministério das Cidades e professora do

Mestrado em Urbanismo da PUC-Campinas.

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fronteiras abertas, que abria a possibilidade concreta do

desenvolvimento humano individual e concreta por meio de

intensidade das trocas e interações sociais. As fronteiras internas, que

agora assumiram a materialidade física dos muros, grades e guaritas,

sitiaram a cidade e confinaram os cidadãos a uma vida entre familiares

e iguais. A cidade fractal é assim a anticidade, que se debate para

estabelecer bases de novos padrões de urbanidade, fundados na

negação da heterogeneidade, que paradoxalmente é a sua verdadeira

fonte de potência.

Nossas experiências de trabalhos com os mais diversos grupos nos

mostram e nos afirma cada vez mais a necessidade de diferenciar e

integrar a práxis cidadã da legalidade e da legitimidade.

A Cidadania da legitimidade, menos conhecida, está calcada por

atitudes éticas, de realizar ações para o bem coletivo, comum, que

não há certo ou errado; há diferenças. São modos de viver numa

cidade.

Como exercitar a cidadania, cuidar da polis (cidade), sem entrar em

conflito?

Só para lembrar

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Conforme a declaração dos direitos humanos alguns artigos nos

colocam frente à questão: “Sair da Rua: Por quê? Para quê?”

identificado nos itens abaixo conforme o sistema de atendimento à

população em situação de rua da Secretaria da Assistência Social.

Na Acolhida

Artigo 3 Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo 6 Todo homem tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei. Artigo 21 Todo homem tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.

No Convívio Artigo 1

Todos os homens nascem livres E iguais em dignidade e direitos. São dotados de

razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de

fraternidade.

Artigo 5

Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano

ou degradante.

Artigo 20

Todo homem tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas.

Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo25

Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua

família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados

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médicos e serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de

desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos

meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

Na Autonomia

Artigo 8

Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio

efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam

reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Artigo13

Todo homem tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das

fronteiras de cada Estado.

Todo homem tem direito de deixar qualquer país inclusive o próprio, e a este

regressar.

Artigo 18

Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este

direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de

manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela

observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

Artigo 23

Todo homem tem direito ao trabalho, a livre escolha de emprego, a condições

justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

Artigo 26

1. Todo homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos

graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A

instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução

superior, esta baseada no mérito.

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2. A instrução será orientada no sentido de pleno desenvolvimento da

personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e

pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a

tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e

coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

Artigo 29

Todo homem tem deveres para com a comunidade na qual o livre e pleno

desenvolvimento de sua personalidade é possível.

UM OLHAR COMPLEMENTAR

Para desenvolver nosso processamento, precisamos antes esclarecer

o que entendemos por acolhida, convivência e autonomia. Os

conceitos da SAS se referem mais às questões objetivas da

organização e, pelo nosso método vamos captar mais as questões

subjetivas advindas da resultante da organização e da dinâmica dos

relacionamentos conseqüentes.

Acolhida: Nós entendemos por acolhida, antes de mais nada, saber a

quem estamos acolhendo. Além dos aspectos físicos dos locais do

acolhimento e das condições que eles propiciam, pensamos que

deveriam ser espaços acolhedores, cuidados, aconchegantes,

favorecendo a auto-estima de quem chega. E cada um que chega é

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um igual a quem recebe, há uma identificação humana. É possível um

relacionamento olho no olho e de confiança, daí pode surgir o

sentimento de estar sendo acolhido e confiável. Isto é se relacionar e

afirmar a parte saudável daquele que está sendo acolhido, e neste

momento os dois se tornam possíveis.

Convivência: Nesse aspecto nos aproximamos mais da concepção

da SAS, que favorece a construção de vínculos com o outro numa

aprendizagem do viver junto. Respeitando as diferenças e

reconhecendo as suas tribos.

Autonomia: Sobre este conceito nos diferenciamos, compreendendo

que, para se conquistar a autonomia se faz necessário um suporte de

saúde física e mental para criar uma condição de auto

sustentabilidade e reconhecimento de seus desejos singulares. Para

tanto temos que aceitar a necessidade de um certo paternalismo e

orientação até que se sintam mais seguros para a produção da própria

vida.

LOCAIS ESCOLHIDOS PARA O TRABALHO

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Os locais foram escolhidos por amostragem dos diferentes serviços

pelos técnicos da Vigilância Cidadã da Secretaria da Assistência

Social/PMSP.

CAPE - Rua o Parque D. Pedro o Anhangabaú

Casa de Convivência o Casa de Oração - Centro o Casa de Convivência São Martinho - Belém o Projeto raízes - Integrarte - Lapa o Complexo Canindé

Albergue o Albergue São Camilo II – Tatuapé o Albergue São Lázaro – Brás o Pousada da Esperança - Santo Amaro o Albergue São Francisco - Glicério o Albergue do Complexo Canindé

Moradia Provisória o Porto Seguro / Complexo Canindé

Inserção Produtiva o Oficina Boracea – Barra Funda o Recifran - Inserção Produtiva – Glicério

Total de usuários que participaram: 894

Total de agentes sociais que participaram: 41

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O que aconteceu?

SERVIÇOS NA RUA

(Parque D. Pedro, Anhangabaú)

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ACOLHIDA

Comunicação entre os serviços

Agentes

Dá para perceber a presença de agentes sociais na rua sua

aproximação e conversa com os moradores. São bastante conhecidas

por eles, ouvem suas histórias, o clima é amistoso e de dependência

pois, depende destes agentes a vaga da noite ou dos próximos dias.

Entre as entidades parceiras a comunicação é rápida em relação a

número de vagas disponíveis.

Usuários

Em estado de completa passividade, esperam atitudes

assistencialistas, clamando pela misericórdia humana... parecem

ansiosos pela volta de Jesus ou alguma outra entidade com poderes

de redenção semelhantes. A velha e podre cultura de delegar

responsabilidades a outras instâncias, sempre distantes e

inacessíveis.

Modos subjetivos/objetivos de atendimento

Agentes

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Na rua não houve reclamação dos moradores com relação às agentes.

Dentro dos albergues reclamam de um contacto mais individualizado

com a problemática de cada pessoa e uma abordagem mais

respeitosa . Entretanto observamos na rua que as agentes são

bastante atenciosas e fazem o possível para atende-los.

Acolhida, não necessariamente significa acolhimento. A acolhida é

pontual e atende a necessidades imediatas e funcionais, enquanto o

acolhimento significa uma atitude para com o outro.

Preencher cadastro talvez seja uma atitude muito mais racional do

que realmente entrar em contato com as pessoas. Talvez eles

priorizem essa coisa de encaixar as pessoas nos padrões do

acreditam ( ou do que aprendem e acreditam) que seja o perfil de

uma pessoa em situação de rua. Os agentes saem a campo com uma

expectativa e com uma idéia formada do que vão fazer, tanto que

talvez seja possível afirmar que não conseguem estabelecer uma

relação de igualdade humana. Agem como superiores como se já

estivessem a par de todos os desejos dos moradores (voltar pra casa

através do contato com a família , por exemplo).

Não reconhecem a potencia que essa população pode ter em relação

ao desenvolvimento de autonomia, os tratam como incapazes e os

infantilizam.

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Usuários

Aprisionados no papel de coitadinhos, de vitimas, sempre a espera de

ajuda e auxílio. Marginalizados, excluídos, expostos à violência,

tristes, alcoolizados, sem rumo, desmotivados... entregues a própria

sorte, cada um por si e deus contra todos.

CONVÍVIO

Do latim ”convivere’ significa em viver com outrem em intimidade e/ou

familiaridade.

Acordos tácitos (regras pré-determinadas)

assistencialismo... manutenção da pobreza...

”eu faço de conta que você vai dar um jeito na minha vida e você finge

que está satisfeito com minha atuação”

Modos de participação? Quais?

Usuários

Não existem modos de participação. Não são incentivados, os agentes

os abordam como altamente incapazes de esboçar qualquer ação

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cidadã em relação a sua produção. Participam da paisagem urbana

apenas como feridas expostas.

Agentes

Participam como membros ativos a serviço da manutenção de acordos

tácitos, recebendo seus salários e fingindo satisfação com o trabalho.

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Identificação e diferenciação da demanda do trabalho:

emergencial ou processual

Há pontos que sugerem demandas emergenciais, embora o estado de

anestesia dos moradores e dos agentes não os permita identificar a

situação como sendo de emergência.

Necessidade Emergencial

- Ampliação de vagas disponíveis no albergue.

- Serviço que possa atender as necessidades básicas dos moradores,

como - alimentação e banho, mesmo quando não podem ser

encaminhados a albergues e/ou casas de convivência.

- Encaminhamento para serviços de atendimento de saúde mental e

de modo geral também.

- Talvez seja interessante articular parcerias com organizações que

trabalhem a partir de políticas de redução de danos, com foco nas

condições de saúde e constatando a relação com o uso e abuso de

drogas.

Necessidade Processual

- realização de trabalhos que estimulem a auto – estima das

populações de rua.

- ações e reflexões a partir da prática dos agentes sociais para

melhorar o contato entre eles e os usuários.

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- infra-estrutura e modificações nas regras dos albergues.

- infra-estrutura da cidade tornando possível utilização de banheiros

para higiene e banho.

AUTONOMIA

Desejos em relação à expectativa de Vida

Usuários

Para alguns voltar pra casa, as vezes em outro estado.

Reconhecimento da sociedade de modo geral pela condição dos

moradores de rua.

Para uma casa ou lugar onde possam ter uma vida mais digna.

Os mais velhos, apesar da vida que levam tem sonhos remetem-se

muitas vezes ao seu passado. Tem dificuldade em arrumar emprego

pelos motivos já citados, bem como pela falta de documentação.

Agentes

Não sentem que os moradores possam conquistar autonomia. Muitas

vezes pensam apenas em devolver o problema a família.

Modos de participação que dão acessos à autonomia

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Usuários

Nenhuma possibilidades dada inexistência de condições básicas.

Agentes Sociais

Não reconhecem a possibilidade de serem prepositivos com os

moradores. Estimulam o lado fraco, não focam a ação na potência dos

usuários do serviço.

SAIR DA RUA

Por que?

Agentes

Porque a saída da rua significa que o trabalho foi cumprido. Por que

não pode ficar na rua. Porque isso não é vida.

Usuários

porque estão insatisfeitos com a condição

Para quê?

Agentes

para voltarem a família, de onde nunca deveriam ter saído.

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Usuários

para ter uma vida digna

Propostas de solução

Melhor infra-estrutura de acolhimento; uma triagem mais

personalizada onde se possa atender as situações específicas de

cada caso e poder encaminha-los para espaços mais condizentes com

a situação.

Criar uma melhor infra-estrutura de informação (computadorizar) não

só os serviços oferecidos, mas também dados sobre os usuários e

centros de atendimento (histórico pessoal, banco de dados,número de

vagas disponíveis, número de pedidos de internação, número de

internações, onde, recorrências etc..) para que estas informações

integradas e com transparência tragam um panorama on line da

situação de todo o sistema de atendimento

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O que aconteceu?

SERVIÇOS DE ALBERGUE

Pousada Esperança, São Camilo,

Complexo Canindé, São Lázaro,

Pedroso, São Francisco

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ACOLHIDA

Comunicação entre os serviços

Agentes

De maneira distanciada dos usuários. A diferenciação entre os dois

grupos se faz presente o tempo todo por discursos autoritários, e

posturas preconceituosas; muitas vezes reproduzidas por usuários

que ocupam lugares de destaque hierárquico dentro do albergue.

Procuram deixar bastante claro o tipo de comportamento esperado,

utilizam regras para o exercício do bom convívio . Entretanto

ameaçam o grupo caso não a cumpram.

Os problemas e dificuldades, ao invés de serem refletidos de maneira

ampla e profunda, são personalizados sendo a “culpabilização”

estratégia muito utilizada pela direção, técnica de SAS e funcionários.

No albergue S. Francisco, entretanto, a comunicação é direta e franca,

fazem contato ‘olho no olho’, chamam pelo nome e a maioria dos

usuários pareceu capaz de aceitar os tempos de espera e orientações

quanto a procedimentos.

Usuários

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A grande maioria está num processo de “desidentificação” (não

sabem quem são, o que querem e nem como obtê-lo). Estão em

busca do básico para a sobrevivência: comida e um teto.

Os usuários pedem melhor atenção e compreensão dos agentes no

recolhimento da rua e na acolhida onde recebem o kit de higiene

pessoal. Kit bem qualificado nos abrigos, porém objeto de

reclamações e disputas nos albergues.

Os albergues, segundo os usuários , em sua maioria são sujos

(principalmente os que permitem a entrada de alcoolizados , drogados

e loucos ), mal cheirosos e perigosos. Os pertences pessoais são ora

roubados ora motivo de preocupação e discussões. O albergue

Glicério 25 é visto como o pior.

Reclama-se também de falta de vagas; Problemas de infra-estrutura

de informação entre os agentes para uma melhor compreensão e

atendimento do usuário.

Modos subjetivos/objetivos de atendimento

Agentes

Demonstram conhecerem bem os usuários e fazem o seu serviço.

Encontram-se, porém distantes do processo como um todo.

Burocráticos e preocupados com possíveis críticas, auto elogiam –se e

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tentam mostrar a qualidade dos serviços do albergue, falando das

oficinas e serviços oferecidos.

O desconhecimento de cidadania também por parte dos agentes

sociais se explicitou por intermédio do desconhecimento da

importância social de seus papéis, sendo que se apresentaram muito

mais aprisionados a rotinas, tarefas concretas e burocracia, do que

facilitadores de reflexões que pudessem favorecer o aparecimento de

novas ações, para fortalecer os albergados no enfrentamento da

situação desagregante em que se encontram.

Com essas atitudes, se tornam grandes colaboradores da

continuidade da situação de exclusão dos albergados.Não sentimos

que acreditassem na possibilidade de mudança, nas vidas das

pessoas que ali se encontravam. A exceção é o albergue S.Francisco

onde o atendimento pareceu respeitoso e dedicado, sem paternalismo,

com atitudes firmes colocam limites explicitando as normas internas

básicas para o convívio social.

Usuários

Estão diante de uma situação de carência muito grande. A maioria

mantém respeito com os agentes e estão, de certa forma, satisfeitos

com os serviços prestados. Alguns durante os trabalhos, falam em

cidadania, porém por não saber o que seja, não se sentem como

cidadãos.

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A falta de vinculo e escuta se mostrou de forma clara. Os usuários

colocaram a falta de comunicação entre eles como um dos fatores

mais sentidos, contudo no Complexo do Canindé, o grupo se ouviu

durante todo o processo, sem falas atropeladas. Uma questão

levantada por um usuário era, na maioria das vezes, comentada e/ou

completada por outro. Os temas levantados individualmente sobre a

questão de ser um usuário de albergue, geralmente, foram

compartilhados pelo grupo, tais como: preconceito, discriminação,

atitudes desqualificantes, etc.

Nos outros grupos, foi perceptível na relação entre os pares, repetição

de sentimentos como: preconceito, discriminação, atitudes

desqualificantes, além de falta de escuta para com o outro. Cada um

fala de si e de seus problemas sem perceber o outro. Falam ao

mesmo tempo. Sentem necessidade de apresentarem amostras

concretas de seus sofrimentos. Buscam no olhar do outro a

possibilidade do encontro consigo.

Síntese

Nos albergues, diferentemente dos abrigos o atendimento é

burocrático, repetitivo, indiscriminado e maçante. Os agentes não

sabem “quem e como” são os usuários e estes não sabem “o porquê e

nem o para quê “dos agentes.

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Não há perspectiva de futuro, o atendimento é emergencial, sem

continuidade e nem possibilidade de integração com programas de

convivência e autonomia.

O ciclo rua/ albergue/ rua repete-se “ad eternum”. Retro alimenta

toda uma rede de usuários e funcionários à instituições públicas e

privadas que diz “que é necessário mudar , para tudo continuar como

está ”.

Muitos devem ganhar com a burocracia assistencialista, com certeza,

bem menos dos que perdem com esta política excludente e autoritária.

A invisibilidade das ruas continua dentro nos albergues. Não há

amanhã para homens e mulheres aliás, nem diferenciados enquanto

gênero parece que são. Parece que não se sabe que mulheres têm

necessidades, compromissos e responsabilidades com a vida

diferente da dos homens.

Propostas de solução

Melhor infra-estrutura de acolhimento; uma triagem mais

personalizada onde se possa atender as situações específicas de

cada caso e poder encaminha-los para espaços mais condizentes com

a situação.

Criar um melhor infra-estrutura de informação( computadorizar) não só

os serviços oferecidos, mas também dados sobre os usuários e

centros de atendimento (histórico pessoal, banco de dados,número de

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vagas disponíveis, número de pedidos de internação, número de

internações, onde, recorrências etc..) para que estas informações

integradas e com transparência tragam um panorama on line da

situação de todo o sistema de atendimento.

Desejam verdade sem interpretações, induções e

julgamentos.Querem viver em paz, harmonia e liberdade. Pedem

dinheiro para passagem , emprego e moradia comunitária na favela

para poder viver com quem escolher. Estes desejos pertencem a

usuários e agentes e não são subjetivos. São explícitos.

Implantar mais abrigos e casas de convivências ao invés de albergues

é uma solicitação geral tanto de usuários quanto de agentes.Abrigar

por pelo menos seis meses, dá oportunidade para uma relação mais

pessoal e permite traçar um plano futuro de restabelecimento de

vínculo social (documentação, emprego, moradia). Enfim construir um

futuro garantindo cada passo do presente, baseado nos afazeres

diário.

O fator tempo, não seria um motivo de exclusão, o modelo de

hospedaria transitória oferecido poderia ser substituído por um modelo

que resignificasse o rebaixamento da auto-estima e possibilitasse

maior coragem (no sentido de melhor aprender a lidar com o medo)

para alcançar outro modelo de vida.

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Para que a saída do “vício do albergue” seja possível, só criando um

vicio melhor: Por que não resignificar o conceito de casa e família

biológica e amplia-las para casas comunitárias e cidadania?

Olhar de frente, olho a olho, agentes e usuários, percebendo as reais

necessidades de cada pessoa possibilita uma melhor integração entre

a situação pessoal e coletiva e uma melhor diferenciação entre etapas

do processo de autonomia. A partir daí fica mais fácil estabelecer

metas e critérios de avaliação

Um convívio de qualidade implica, porém, ameaça e questionamento a

um “status quo” conservador, que não tem interesse de real mudança,

ou seja, que deixe de ter o “lucro com a pobreza dos outros” e passe a

ter “ a otimização das qualidades humanas”.

Como já disse acima os espaços de participação e transformação

inexiste dentro das instituições e também na rua e não vejo com

esperança um processo que saia da rotina inflexível pré-estabelecida

por usuários e agentes, pautada em um modelo social paternalista e

excludente que reproduz preconceitos, segregações e alienações

disfarçadas por sentimentos de dó, culpa e castigo.

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CONVÍVIO

Acordos tácitos (regras pré-determinadas)?

Podem acontecer outras atividades dentro dos albergues?Os

albergues são lugares para comer e dormir.

Não percebemos convívio entre os albergados, nem vínculos (são

raros).Além disso, há uma mistura: bêbados, drogados e em surto,

todos juntos, quando deveria haver um encaminhamento

individualizado. Porém não conseguimos constatar em nossa

observação, como os hábitos de higiene pessoal, barulho e regras de

convívio se materializam.

O acordo é a manutenção da situação de pobreza imprescindível ao

sistema capitalista vigente.

Os excluídos fazem parte e, a sua parte, nesse script. Os funcionários

também cumprem com os seus papéis pré-determinados e nós nos

perguntamos: qual é a brecha para “desemperrar essa engrenagem”,

se a força encontra-se dissipada nos diversos olhares internalizados e

individualizados? Entretanto, também é perceptível um esforço de

superação da situação por parte da SAS e agentes, porém com muitos

limites especialmente para as condições mais comprometidas como

idosos e deficientes.

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Modos de participação. Quais?

Usuários

Na clandestinidade da instituição, pois espaços abertos para que

possam expressar-se abertamente inexistem.

Agentes

- reuniões periódicas com a equipe.

- através de cultos religiosos.

Os agentes reproduzem na instituição a discriminação e preconceito que é

sentido fora pelos usuários. Há uma culpabilização do usuário por este se

encontrar nesta situação, pois ele, segundo os agentes, é um individuo

acomodado que tem comida e moradia de graça.

Foram percebidos sentimentos de piedade, como se os usuários

fossem os ‘coitadinhos’ e os agentes os ‘salvadores da pátria’.

Os agentes, portanto, participam baseados em papéis

preestabelecidos pelo modelo social vigente reproduzindo o

preconceito, autoritarismo e discriminação existente na sociedade,

assim como certa afetividade cristã que se respalda nos sentimentos

de piedade, culpa, dívida e castigo.

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Identificação e diferenciação da demanda do trabalho.

Emergencial ou processual

Parece que o albergue funciona em cima de rotinas inflexíveis, as

quais são priorizadas em detrimento das pessoas! Rotinas que

privilegiam os funcionários. Os usuários colocaram claramente a

necessidade urgente de processos:

- de educação, ter cursos de alfabetização, complementação de

estudo; de profissionalização.

- de saúde: tratamento para alcoolistas e drogaditos e outras

patologias

AUTONOMIA

“autos”: de si mesmo, por si mesmo, espontaneamente

“nomos’: aquilo que se documenta em vocábulos , em ações ,

palavras lei individual e coletiva

Autonomia: aquele que se torna , por si mesmo, espontaneamente,

por ações e palavras o autor e ator de sua própria lei e porta voz das

leis do seu coletivo.

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Autonomia pressupõe auto sustentabilidade. Só uma estrutura

autônoma possibilitará uma consciência autônoma com a real

dimensão da palavra liberdade (amplitude máxima do eu através do e

com o outro eu).

Autonomia pressupõe relações, intra e extra relações, interações.

Consigo próprio, com os outros com o em torno. Troca consciente de

si e do outro, construção coletiva, cidadania.

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Desejos em relação à expectativa de Vida

Usuários

-Sair da situação de rua para ambos os sexos.

-Ter um emprego principalmente para os homens.

-Ter uma casa para morar prioritariamente para as mulheres.

-Voltar para a cidade de origem.

-Melhorar sua saúde.

-Melhora da relação afetiva entre os usuários, no caso de

continuarem no albergue.

Agentes

- Retorno dos albergados para a cidade natal.

- Reintegração na sociedade, poder se alimentar, tomar banho,

conviver com a sociedade.

- Compartilham da mesma visão das dificuldades de superação e da

dificuldade em efetivar seus encaminhamentos.

Modos de participação que dão acessos à autonomia

Usuários

- Trabalho, isto é, compromisso e participação na rua fora dos limites.

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institucionais.

- Pensar e discutir mais vezes a cerca da condição de ser albergado.

- Cuidados básicos consigo próprio como tomar banho, ter um lugar

para se alimentar, dormir, guardar seus pertences e de certa forma o

convívio em grupo.

Agentes

- O sucesso dos encaminhamentos.

- Os agentes sociais enfatizam o “bom comportamento” como um fator

capaz de aumentar o tempo máximo de permanência nos albergues.

O paternalismo foi predominante nas relações entre esses e usuários

Sair da rua

Em três horas de contacto com eles não dava para sabermos em que

nível de qualidade estavam para um melhor convívio (trabalho socio-

educativo, escuta, orientação grupal e familiar, desenvolvimento de

convívio) e para uma maior autonomia (capacitação e preparação

para o mundo de trabalho, provisão de benefícios, documentação

pessoal, banco de talentos).Com certeza não estavam satisfeitos com

a vida, consigo próprio e nem no lugar que se encontravam.

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Os abrigados da Casa de Mulheres e do sítio das Alamedas trouxeram

perspectivas de futuro para si e seus filhos, isto já é um grande passo

se compararmos com os albergados que nem isto possuem, mas será

que é suficiente? Lógico que não.

Sair da rua por que, se lá é o espaço de liberdade sem regras, sem

deveres e compromissos pessoal, familiar e social. Ultimo refugio de

uma prisão que pensam estar fora de si, sair da rua para que, se fora

dela não existe sentido e nem perspectivas; sair da rua para onde se é

nela que se encontra a ilusão do que os resta de privacidade.

A quem interessa dizer que as pessoas devem sair da rua?

Justamente àquelas instituições e sociedades que possuem um

“modus operandi” excludente, ineficaz e que principalmente ganham

benefícios com este discurso.

Só o próprio morador de rua é que deveria querer sair da rua ou

tirar a ilusão da rua de dentro de si. Possuir motivações, valorizar a

vida, potencializar ações, encaminhar soluções para antigos vícios é

condição inerente a qualquer sociedade que coloque a humanidade e

a qualidade de vida coletiva como objetivo central. Caso contrário o

morador de rua é o protagonista do drama de toda uma sociedade

humana que sem identidade, sem ser sujeita do seu próprio destino,

torna-se objeto de qualquer discurso e vira mercadoria de troca.

Por quê?

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Agentes

- são pessoas e merecem melhor condição.

- Não houve um discurso claro sobre isso, apenas de que os usuários

não saem desta condição pelo fato de serem acomodados, pois o

albergue oferece trabalho e eles não aceitam.

Porque é assim que aprenderam, é assim que seguem esse

paradigma por intermédio das tarefas executadas. Agem como

“peças”, com papéis bem definidos nessa imensa engrenagem social.

Não percebi disponibilidade para questionamentos e nem acolhimento

do novo. É como se a verdade estivesse com eles! Na questão social,

parece sentirem-se como os grandes conhecedores do melhor

caminho a ser escolhido pelo outro!

Suas missões flutuam entre o preenchimento das faltas dessas

pessoas e juizes das mesmas. “Ninguém as conhece melhor do que

eles!”.

Usuários

Sair da rua foi o desejo de todos os participantes do encontro. O

resgate da dignidade acabou sendo a resposta protagonizada

inclusive arrancando aplausos da maioria dos participantes.

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A potência de vida se explicitou pela raiva, revolta e ressentimento,

sendo ao nosso ver, maneiras desestruturantes e dificultadoras a

qualquer tipo de organização.

Cada um quer provar que é mais digno, de alguma chance que

possibilite o seu retorno à sociedade. Não percebem que, a exclusão

está totalmente incluída na visão capitalista fazendo parte da mesma!

A situação de rua parece os colocar em contato com o lado mais

obscuro de suas personalidades, o que acaba por dificultar o auto-

reconhecimento.

“Porque eu ainda tenho um potencial”

“Porque não quero que as coisas sejam dadas para mim. Eu tenho

dois braços, sou perfeita e quero trabalhar para comprar o que quero”.

“Porque estou vivo. O governo quer me fazer de morto, mas eu estou

vivo.” ( Tem atestado de óbito há 15 anos.)

“Essa pergunta me parece um pouco óbvia. Todos queremos sair da

rua porque isso não é vida”.

As falas se deram muito mais no âmbito da falta de relação, assim o

que eles gostariam para o futuro foi muito balizado por esta falta e

solidão vivida entre os usurários.

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“Ter mais conhecimento (do outro), mais amizade”.

Assim, o fato de sair da rua, é sentido subjetivamente como um

modo de voltar a viver em relação com o outro e com o mundo. É

como se a ausência de morada acarretasse a ausência de

relações. O discurso dos usuários apontou que a marginalização na

qual vivem, reverbera-se numa extrema privação de convívio. O

desejo grupal de perspectivas futuras era muito curto, visto que, as

faltas apontadas pelos participantes foram das mais primarias

possíveis, principalmente no sentido da exclusão do convívio social e

relacional com os outros e com o mundo.

Para quê?

Agentes

Para ser um problema resolvido

Para conquistar a dignidade

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Conversas ao Sábado, tema novo;

Domingos culto, para os que têm vontade;

Voltar a Ter um trabalho produtivo;

Temos as frentes de trabalho;

ONG que pudesse fazer parceria com a gente para

Produzir algo

Ginástica pela manhã, para manter a disposição;

A gente tem que fazer a propaganda da gente mesmo.

Quanto mais pessoas vierem aqui, melhor.

Usuários

- para viver decentemente

- para ter respeito e dignidade

- para ter um lugar na sociedade

- para não sentir-se mais discriminado

-para sentir-se aceito para voltar para minha família

-para dar uma situação melhor para meu filho

É incrível neste caso, a diferença de qualidade entre as respostas dos

agentes e dos usuários! Os desejos dos albergados se apresentaram

totalmente pautados, nos valores sociais veiculados de bem-estar.

O respeito dos outros, como ponte para resgatarem o próprio respeito

parece ser indispensável, pelo menos nesse momento, ao sucesso

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desse processo. O auto-reconhecimento, enquanto pessoa potente,

digna, respeitável me pareceu ser o grande objetivo das pessoas.

As drogas entram como sustentação necessária para o enfrentamento

diário dessa situação e dessas questões. Afinal, como um deles

verbalizou:

“É muito difícil enfrentar a rua sem alguma droga, que lhe possibilite

esquecê-la por algum tempo”.

OBSERVAÇÕES

A observação mais importante é que encontramos uma instituição limpa,

organizada e cronificada. Todo mundo concorda com o atual estado de

coisas.

Um participante disse ironicamente que: “o abrigo do futuro devia ser

organizado como um quartel ”. O único participante que emitiu enunciados

críticos era o Astrofísico. Ele repetia que não adiantava fazer psicodrama,

que era preciso criar empregos. O mais importante é a ação, de nada

adianta só diagnosticar se nenhuma medida de caráter socio/político for

tomada. Tudo é causado por um grande sistema social e que, apesar de

nós, diretores e egos, não sabermos o que era morar nas ruas, está tudo

interligado, os homens de rua, as assistentes sociais e nós fazemos parte

do mesmo sistema mundial.

O único que discordou, “surtou” e não conseguiu permanecer no grupo.

Moral da história: quem não concorda enlouquece.

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Assim como os agentes desacreditam no potencial dos albergados; esses

desacreditam em possibilidades de organização, que não seja favorecida

pelo poder público. A ausência do olhar.....Do olho no olho...

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O que aconteceu?

SERVIÇOS DE MORADIA

PROVISÓRIA

(Casa de Convívio Porto Seguro,

Casa de Cuidados Complexo

Canindé)

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ACOLHIDA

Comunicação entre os serviços

Agentes

Dificuldades em lidar com os grupos, por falta de vivência. Têm mais

facilidade em atuar no bi-pessoal. Receosos de conviverem com

pessoas muito diferenciadas neste ambiente, muitas vezes sentem-se

paralisados por terem dificuldade nos resultados de suas ações.

Usuários

Parece que o grupo está conseguindo compreender o momento que

estão passando e conseguindo estabelecer uma relação de confiança

com a coordenação. Valorizaram o papel da Assistente Social. E

também querem e sentem carência dessa autonomia.

Porém ainda estão voltados ao passado, estão focados em suas

“derrotas”.

Modos subjetivos/objetivos de atendimento

Agentes

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Das dificuldades que enfrentam, pois a demanda é muito grande, um

certo receio, por serem pessoas de diferentes índoles, têm medo de

sofrer alguma represália.

Quando em contato com as famílias para realização de trabalhos em

grupo, não conseguem explicar o que irá ocorrer e pedem que

compareçam, mas não falam o motivo. Acham que se falarem, as

pessoas não comparecerão!

Usuários

É evidente que no caso da moradia provisória há uma exigência de

convívio, o que não é fácil com desconhecidos. A primeira

aprendizagem é perceber o que é comum a todos, e é nesse espaço

comum que se depara com as diferenças e as dificuldades.

No olhar do usuário, a orientação do agente, á medida que propõe a

preservação do que é comum, tem colaborado para esse inicio de

aprendizagem de vivência coletiva.

CONVÍVIO

Modos de participação. Quais?

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Usuários

Limpam áreas comuns, ajudam-se mutuamente, ficou claro na

dramatização e também dividem despesas comuns.

Agentes

Apresentam dificuldades de participar devido ao volume de trabalho.

Falta de planejamento e/ou orientação, são fatores que interferem no

desempenho de suas funções, se é que estas estão claras.

AUTONOMIA

“Ter minha própria renda, meu próprio ganho financeiro, não depender

de governo”.

Citam: “estudo”, ”casa própria”, “ter trabalho”, ”morar só com a minha

filha”, ‘voltar a estudar “, “fazer faculdade de Serviço Social”, “fazer e

vender luminárias”, “professora”, “ter um lugar sossegado para

ninguém me aborrecer”, “fazer faculdade de engenharia mecânica” ,

“A gente não pode se acomodar e que esta experiência de agora nos

leve a um outro trabalho. Nós todos não podemos nos acomodar !”

Desejos em relação à expectativa de Vida

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Usuários

A maioria sente-se frustrada por não ter conseguido algo na vida.

Evidenciam a dificuldade de planejarem-se adequadamente quanto às

despesas do dia a dia. Estão com a auto-estima abalada. Sentem-se

fracassados e com certa culpa por estarem ali. Desejam assumir

novos desafios e querem novas oportunidades.

Estão buscando maneiras de transformar suas realidades. Têm

consciência que este momento é importante, mas o fundamental para

eles é a emancipação que pretendem alcançar, de maneira

consciente, com ação e fé, duas palavras bastante utilizadas neste

grupo.

Agentes

Sentem-se com dificuldades no desempenho de seu papel

profissional, e portanto, a ampliação das seções de supervisão torna-

se necessária.

Modos de participação que dão acessos à autonomia

Usuários

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Se os espaços coletivos fossem organizados de uma outra maneira,

os usuários poderiam usufruir em condições de autonomia dos

espaços mais íntimos. Ações comuns de limpeza e colaboração são

desejadas.

Agentes

Mais apoio e ofertas de cursos.

SAIR DA RUA

Usuários

Já estão vivenciando a condição de habitar, embora ainda

provisoriamente.

Nas cenas trazidas, colocam a importância de um apoio Institucional,

bem como dos amigos e do quanto que sua própria vontade de

enfrentar os obstáculos é fundamental para o sucesso.

Demonstram certa dificuldade de trabalhar o papel no planejamento de

seu próprio projeto de vida, apontam a falta de direcionamento e

baixa estima, por sentirem-se desprestigiados na situação atual.

Muitos tiveram uma vida de classe média, e hoje estão sem condições

de manterem-se com o próprio salário. Estão afastados de amigos

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antigos e querem reencontrá-los, porém gozando de uma situação

financeira melhor.

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O que aconteceu?

SERVIÇOS DE CONVIVÊNCIA

(Casa da Oração, S. Martinho,

Integrarte, Casa das Mulheres –

Complexo Canindé)

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ACOLHIDA

Comunicação entre os serviços

Agentes

Na Integrarte existe uma hierarquia na casa, alem da coordenadora

estar junto com o pessoal o tempo todo, ela segue uma espécie de

rotina que não sai nada do lugar, ou seja, tudo passa por ela e tem

seu aval, suas ações são determinadas também pela igreja

evangélica.

Usuários

Estes sabem o que se passa na casa quando chegam, como tem

usuários muito antigos os novos ficam sabendo por eles. As regras da

casa são passadas pelos agentes e pelos próprios usuários.

A comunicação entre os serviços percebida na Casa de Oração se dá

de forma organizada. Informações sobre o que é possível e o que não

é por parte da Casa para os MR, orientações para as necessidades

apresentadas e encaminhamentos necessários são feitos com clareza,

paciência e atenção.

Modos subjetivos/objetivos de atendimento

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Agentes

Na Intergrarte as regras são claras, não há como infringir. Se não

seguir não faz uso dos serviços da casa. Os agentes que estavam na

casa eram simpáticos com os usuários e foram muito acolhedores e

participativos conosco. Como disse antes a impressão que deu foi que

estavam nos esperando com a postura mais adequada a situação.

Eles dizem querer a inclusão destas pessoas no social, mas que isso

leva um tempo é um processo, faz sete anos que a coordenadora está

na casa e acredita que apenas alguns realmente sairão das ruas, Mas

que a maioria não sairá.

Usuários

Estas pessoas estão esperando que alguém faça por elas. Comem,

tomam banho, jogam e voltam pra rua logo após o almoço(uma boa

parte). Outros ficam e participam das atividades, mas quando se

cansam vão embora. Não há vínculos, não se estabelece nenhuma

ligação entre eles, nem entre os agentes, se o fazem é por tempo

limitado e por interesses.

Na Casa de Orações não percebemos discriminação ou mesmo

preconceito. Preocupação com a identificação e singularidade do outro

puderam ser observadas no comportamento dos agentes. O senso de

inclusão do MR é perceptível, sempre fundado, é claro, nos preceitos

religiosos do respeito, da caridade e do fazer tudo em nome de Deus.

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Já o que veio dos outros locais trazidos pelos MR denota um

tratamento não diferenciado do tipo “é tudo morador de rua”, sem

preocupação com a individualidade e, muito menos, com a condição

de cidadão dos moradores de rua.

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CONVÍVIO

Acordos tácitos

A manutenção do status quo se dá através do assistencialismo, tudo é

feito para que o usuário apenas sinta e absorva. Chegamos a

perguntar a coordenação se as oficinas oferecidas eram solicitações

dos usuários e se havia algum tipo de participação deles na escolha.

Ela nos respondeu que de certa forma sim, pois se fosse perguntar o

que eles querem a casa não teria como atender, pois as solicitações

são de todos os tipos de atividades e agradar a todos fica difícil, então

resolveram levar a eles o que a casa acredita que seja o melhor.

Convênio com a prefeitura na manutenção da casa, ou seja, a verba

de 75% vem da prefeitura e os 25% restantes vem da Igreja

Evangélica.

Na Casa de Oração embora a pobreza devesse experimentar, por

razões religiosas, uma espécie de “santificação” (é notório como a

religião católica santifica a pobreza), é surpreendente a clarificação

exposta nas relações entre os Agentes da Casa e os Usuários dela.

As regras de convivência são explicitadas, e até mesmo as tácitas

(pré-determinadas) são apresentadas de forma mais aberta através do

espaço ecumênico que a Casa oferece para as escolhas religiosas de

seus usuários e freqüentadores. Já quanto aos outros locais

freqüentados pelos MR e trazidos em suas cenas e falas, percebem-

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se as referências que estão presentes sem serem faladas: MR não

quer sair da rua porque é mais cômodo, não implica em

responsabilidades, não trabalha porque não quer, é mais fácil

depender dos outros, vivem bêbados ou drogados, do lado dos

Agentes. Da parte dos MR também persistem regras tácitas: o Agente

nada faz por mim porque não quer, quando faz é pra justificar o salário

que ganha, só quer me fazer cumprir regras e vive querendo me tirar

da rua...

Modos de participação. Quais?

Usuários

Apenas no trabalho do mosaico e na Frente de Trabalho, mas

participam com a força do trabalho e não nas decisões.

Agentes

As participações são muito por conta da igreja já que a coordenação e

o pastor são membros da congregação.

Por ser uma unidade de Convívio e não oferecer albergagem, a Casa

estimula a participação do MR em atividades coletivas. Pintura,

artesanato, recorte e colagem são praticados em uma grande mesa no

salão do térreo. Algumas pessoas trabalham juntas, outras

solitariamente (houve uma delas que jamais abandonou seu trabalho

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para participar da reunião). Há reuniões do FORUM DOS

MORADORES DE RUA que acontecem na Casa. E, é claro, as

atividades ecumênicas que, baseadas nos princípios religiosos,

também se constituem num modo de participação. Ao lado dessas há

também a “fábrica” de abajures.

Identificação e diferenciação da demanda do trabalho.

Emergencial ou processual

Na Integrarte, especificamente, se trabalha visando à manutenção do

usuário na rua, não observei nem registrei falas da coordenação em

querer fazer com que os usuários peguem as rédeas da vida

novamente com as próprias mãos. Nem sequer para participar dos

contatos com os restaurantes da região da Vila Madalena para vender

os mosaicos e angariar fundos para os trabalhos. O que se

desenvolve na casa é sempre no rumo do assistencialismo.

A Casa de Oração não faz trabalho emergencial. Regra geral, o

atendimento é todo processual, já que se caracteriza claramente como

unidade de Convívio. A demanda emergencial que se apresenta é

encaminhada para outros locais trabalhando a noite toda.

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AUTONOMIA

Desejos em relação à expectativa de Vida

Na Integrarte não observamos nenhuma intenção de sair das ruas, em

nenhuma fala deles nas cenas nem fora delas. A vida é assim hoje

porque de alguma forma a sociedade os coloca nesta condição, e

apenas alguns acenam para a possibilidade deles próprios terem

causado esta situação de vida, seja por fraqueza, por entrega á

bebida, etc. A senhora que participou da cena está prestes a arrumar

um quartinho e voltar a cozinhar para fora, sua antiga profissão

(morava com uma família, depois de algumas mortes a casa foi

vendida e ela ficou sem lugar)

Os agentes fazem o seu trabalho com compaixão. Não foi observada a

expectativa de vida em relação aos usuários. Mas entre eles alguns

estão na Universidade, segundo consta são profissões que se aplicam

ao trabalho que já exercem na casa. (Pedagogia)

Na Casa de Orações, de parte dos Usuários, a expectativa pelo futuro

no Grupo se apresentou bipolarizada.

De um lado, o grupo mais jovem é extremamente potencializado para

a vida: um MR de partida para a cidade de origem, saindo da rua para

o mundo trabalho, exibindo um sorriso e felicidade contagiantes,

representando o “Você sou eu amanhã” para os outros jovens; outros

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dois escolhidos pelos pares para levar ao Congresso os desejos e as

esperanças do Grupo.

De outro lado, a parcela de meia idade e idosos numa postura mais

contemplativa, sem condições de ver com nitidez os próprios desejos,

difusos, indiferenciados, desanimados porque delegando o próprio

ânimo aos mais potencializados.

De parte dos Agentes, o desejo dominante que aponta o futuro é o de

ver o MR potencializado para o próprio futuro. Mas não é perceptível

que o Agente tenha consciência de que a autonomia do MR possa

implicar numa atitude profissional suicida a ser assumida por ele.

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Modos de participação que dão acessos à autonomia

Usuários

A inserção que eles fazem é através da Frente de trabalho, ou seja

usuários que apresentam habilidades e se engajam nas atividades da

casa são convidados a participar do projeto, mas quem escolhe o

usuário para participar é a coordenação da casa.

Agentes

Quanto ao trabalho de artesanato faz-se exposição em feira na

Pompéia (bairro próximo) além de contatos com restaurantes para a

venda das luminárias de mesa. Esta é a forma que foi encontrada pela

casa de inserção no social.

A Casa estimula a busca da autonomia pelo MR através da

participação nas atividades de Convívio descritas. De concreto, há a

“fábrica” de abajures de aramado trabalhado com bagaço de cana. Um

produto bonito e atraente, artístico-artesanal, bem feito, e que tem sido

procurado para a compra, segundo informações dos agentes da Casa.

A loja, onde o abajur é exposto, abriga também outros produtos de

artesanato realizados pelos MR e que também são colocados à venda.

No entanto, a produção dos abajures é restrita a poucos MR. Na

verdade, um, que domina a técnica (e sabe tudo dela) e é auxiliado

por mais alguns. Uma agente da Casa coordena o processo nos

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aspectos administrativos, comerciais e financeiros (compra de matéria

prima, gerência das vendas na loja, controle do dinheiro que entra e

sai), dando suporte aos MR na busca da autonomia.

SAIR DA RUA

Consideramos que o tema esteve sempre presente no trabalho, e está

também relatado no que já foi exposto. Assim, destacamos abaixo os

aspectos mais relevantes exibidos pela parcela potencializada do

Grupo e dos Agentes Sociais:

- Sair da rua é tirar a rua de dentro do Morador de Rua;

-Sair da rua não pode implicar na perda da dignidade pessoal. Senão,

é preferível permanecer na rua com dignidade.

- Sair da rua só com inclusão social

- O assistencialismo não estimula o Morador de Rua a sair da rua. Ao

contrário, incentiva-o a permanecer nela.

- A ética e o bom tratamento que o Morador de Rua exige do Agente

Social tem que ter a contrapartida da ética e do bom tratamento do

Morador de Rua com o Agente Social.

- Os Moradores de Rua têm que ter ética entre eles mesmos

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- “Estou saindo da rua e voltando pra minha cidade pra trabalhar”.

(MR que estava com passagem comprada para Presidente Epitácio,

voltando à cidade de origem pelos encaminhamentos da Casa de

Oração).

DEFESA do AGORA

“Dormir na rua não presta”

No albergue há banho, janta, coberta.

Como na vida, existem regras (que vêm de cima pra baixo): não

chegar embriagado, não fazer barulho, não brigar, não bater as pedras

do dominó, quando apagar a luz não pode mais falar alto.

Tem área pra fumante, detector de metais, cada dia tem um cardápio,

tem empregado pra cuidar da gente – “eles vivem da nossa desgraça”

– referem-se aos funcionários.

DEFESA do FUTURO

“O que significa a palavra albergue pra nós?

Resgate do que cada um era antes, resgate da cidadania”

As casas terão o mesmo padrão e abrigarão 100 pessoas. O sistema

atual está falido. Precisa ter qualidade de vida.

É necessário ter regras, mas não impostas e, sim, criadas em conjunto

com os moradores; tornar o lugar um espaço de convivência real.

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E os funcionários? – Serão preparados para o trabalho e não usarão

aventais.

Dar condições às pessoas para que possam lutar pelo que querem.

Segundo momento

Agora

Albergue não é a cada da mãe Joana. Tem que ter cultura pra ter

respeito

Por que tem tanta gente na rua?

Futuro

A pessoa só precisa ficar o tempo necessário pra encontrar a vida.

É preciso um trabalho de reconhecimento com assistência social.

Uma líder da Casa que depois criticou um abrigo do Estado por

propiciar dependência, produzir assistido disse:

“Quando a gente está dentro têm que agir. De fora, a gente critica”.

É importante enxergar as diferenças para resgatar a dignidade e

transformar essa situação. E ouvir a palavra do interessado. Ao final

do trabalho, foi surpreendente ver como o olhar de quem participou

estava mais vivo, mais presente. Um tênue amor-próprio.

O diretor na despedida disse emocionado que o abrigo precisa ter

como função elevar o homem que caiu.

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Elevar a cidadania – é isso que tora nossos olhos mais vivo.

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O que aconteceu?

SERVIÇOS DE INSERÇÃO

PRODUTIVA

(Recifran, Boracéia)

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ACOLHIDA

Comunicação entre os serviços

Agentes

Não estavam presentes. Só pudemos analisar o trabalho dos agentes

sociais a partir da percepção dos usuários.

Usuários

a comunicação entre os serviços parece ser péssima. Os catadores

também expressam a dificuldade que têm comunicarem-se entre eles

mesmos quando não se trata de assuntos estritamente objetivos e

relacionados ao trabalho. Afirmam ter posturas, crenças e valores

diferentes, às vezes incompatíveis e daí “pra não causar muita

polêmica, quando um fala besteira ninguém retruca” conclui um deles.

Modos subjetivos/objetivos de atendimento

Agentes não estavam presentes. Só pudemos analisar o trabalho dos

agentes sociais a partir da percepção dos usuários.

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Usuários costumam ser tratados de maneira extremamente

preconceituosa, principalmente quando alcoolizados. O modo como

desempenham o papel de agentes sociais demonstra que em todas as

etapas da acolhida são tratados como se estivessem recebendo um

grande favor. Não há reconhecimento algum da condição humana,

nem tão pouco da cidadania por parte dos agentes. As maneiras de

incluir são absurdamente perversas. Depois de adentrarem o albergue

(o que deveria ser uma atitude inclusiva), entram na engrenagem dos

mecanismos sutis e cortantes da exclusão.

CONVÍVIO

Acordos tácitos (regras pré-determinadas)

Enfrentar situações constrangedoras na entrada e permanência é tido

como algo comum e quase inevitável na subjetividade dos usuários de

albergues, o que inclui a possibilidade de serem desrespeitados,

roubados e mau tratados.

No grupo não havia moradores de rua. Alguns eram usuários de

albergues, a maior parte está ocupando moradias provisórias e um

pequeno número já conseguiu o mínimo de estrutura financeira para

alugar uma casa ou quarto na periferia da cidade.

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Modos de participação. Quais?

Usuários

O próprio trabalho de catar materiais recicláveis e a organização que

desenvolveram para realizar diariamente os papéis no Recifran já são

modos de participação que os potencializam, bem como a realização

de mutirões para realizarem tarefas e desejos comuns.

Participam de várias reuniões e atividades, não avaliamos a qualidade

de participação deles nessas situações.

Agentes

Não participaram do trabalho com o grupo. Participaram de maneira

indireta, sinalizando que podíamos começar sem eles e quando a

agente que deveria nos receber, apareceu, não se dirigiu diretamente

a nós, adotando uma postura autoritária e tratando os catadores como

crianças.

Identificação e diferenciação da demanda do trabalho.

Emergencial ou processual

É emergencial entrar em processo para que a relação entre agentes e

catadores possa adquirir novos contornos.

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AUTONOMIA

Desejos em relação à expectativa de Vida

Usuários

Desejam o acesso ao básico. Comer, vestir, ir e vir, morar, ter um

porto seguro (não necessariamente a casa própria, que parece ser

percebida como algo ainda muito distante). Alguns não pretendem

voltar para as famílias por considerarem ter um comportamento

incompatível com as expectativas dos parentes, outros gostariam de

re-aparecer somente depois de reconquistarem a autonomia e

sentirem-se realmente dignos. As mulheres afirmam de maneira mais

incisiva o desejo de alugar uma casa, uma vez que muitas são mães e

se preocupam com as condições de sobrevivência, desenvolvimento e

educação dos filhos.

Não há o sonho da casa própria, mas o desejo de realizar o direito de

habitar.

Agentes

Desejos em relação à expectativa de vida, do ponto de vista dos

agentes, não pudemos analisar essa questão. Não houve contato com

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os agentes, o que não significa que essa ausência faça parte de uma

postura que preza pela autonomia dos catadores. A não participação

talvez esteja mais próxima do abandono e negligência do que ao

incentivo e apoio a posturas cidadãs.

Modos de participação que dão acessos à autonomia

Usuários

A participação em eventos onde são debatidos assuntos relacionados

à coleta seletiva do lixo e materiais recicláveis.

A possibilidade de perceberem que fazem parte de uma categoria de

trabalhadores que merece respeito e que têm direitos.

O próprio sistema de inserção produtiva, que permite a conquista da

autonomia através da organização de todas as etapas de trabalho.

Agentes

Não pudemos responder a esta questão.

SAIR DA RUA

Por quê?

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Agentes

Não sabemos. Do ponto de vista dos usuários o por quê sair das ruas,

geralmente lhes é justificado pelos agentes, a partir de argumentos

paternalistas, assistencialistas e preconceituosos.

Usuários

Sair da rua porque desejam se sentir mais seguros, desejam

conquistar o mínimo de infra-estrutura para organizarem seu cotidiano.

É difícil re-estruturar realmente o cotidiano quando não se tem onde

dormir, comer, guardar os pertences. Pode ser poético, mas não é fácil

ser nômade sem ter sido uma escolha, e morar nas ruas, a questão da

violência é muito presente, principalmente depois dos assassinatos

ocorridos no centro da cidade.

Para quê?

Agentes

Não pudemos avaliar o posicionamento dos agentes em relação a esta

questão.

Usuários

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Para realmente usufruírem uma certa infra-estrutura que lhes permita

uma vida digna.

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O NÃO-LUGAR DA DIFERENÇA

“Entre a realidade do desejo das massas e as instâncias que se

propõem a representá-las... A marginalidade é o lugar onde se podem

ler os pontos de ruptura nas estruturas sociais e os esboços de

problemáticas novas no campo da economia desejante coletiva”.

Félix Guatarri.

A cidadania está fundamentada na igualdade formal dos cidadãos e

numa categorização universal em que os cidadãos teriam garantido o

exercício de sua liberdade, de sua autonomia e de seus interesses.

Contudo, no crédito liberal a cidadania se colocou como mecanismo

regulador existente entre o indivíduo e o estado, limitando os poderes

deste e universalizando as particularidades dos indivíduos como

condição facilitadora do controle e da regulação social. As questões da

cidadania são remetidas ao mundo dos princípios democráticos e da

generalização dos direitos iguais. Gozar dos mesmos direitos não nos

torna iguais em todos os aspectos.

A relação de cada um com a cidade, com o espaço público. A

apropriação de espaços que são meus, são seus, são nossos. Como

nos relacionamos com a cidade? O teu problema também é nosso?

Como nos responsabilizamos? O que fazemos para ter uma feliz-

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cidade? Direitos, diferenças, ética, cidadania. O que se pensa e o que

se quer. Política não é apenas política partidária

O desafio é ir além do caráter genérico da cidadania buscando

reencarnar a questão da cidadania enquanto prática histórica

contextualizada que saia do marco de sua regulação pelo estado,

embora, ainda exista a necessidade de aparatos estatais. Para tanto,

um dos caminhos é o fortalecimento de grupos sujeitos e não

sujeitados, transformar as forças produtivas e inventar novas relações

de produção. Configurar novos arranjos sociais para a formação de

uma rede de pessoas possíveis.

As engrenagens que fazem funcionar indivíduos serializados

Já existe uma estrutura montada que se propõe a realizar o mínimo de

diferenciação no atendimento á população em situação de rua. No

exercício da Política de Atenção, através da Rede de Serviços

Conveniada, são detectadas demandas específicas, que determinam

os modos de funcionamento do processo, teoricamente formatado,

para caminhar da acolhida à autonomia.

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Para a construção de contextos onde direito à moradia, garantido na

Constituição Federal, seja de fato exercido e respeitado, ainda são

necessários serviços como os prestados nas Casas de Convivência,

Abrigos Especiais, Albergues e Moradias Provisórias.

Constituem serviços necessários porque lidam com as necessidades

mais imediatas de quem está em situação de rua. A acolhida nestes

locais tem como objetivo a satisfação das necessidades básicas como

a alimentação, higiene e saúde, realizando encaminhamentos e

prestando cuidados especiais para: desintoxicação, mulheres, idosos,

pessoas com deficiência, convalescentes, catadores de material

reciclável.

O modus operandi do sistema de Acolhida/Convívio/Autonomia já

esboça alguma singularização, quando tenta classificar os indivíduos

em grupos com características peculiares. No entanto, os modelos de

funcionamento dos serviços e, as relações estabelecidas entre

agentes e usuários são constantemente permeadas por tentativas

provisórias e parciais de totalização, de negação das diferenças. Os

agentes têm dificuldades enormes na criação de vínculos com os

usuários, não há identificação humana, ficando comprometido o

reconhecimento da potência e impedindo a expressão das

singularidades de ambos.

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Nos primeiros contatos há um esforço de individualização do

atendimento, mas há uma série de posturas carregadas de

preconceitos e resquícios da cultura simplesmente assistencialista

interferindo na prática, contaminando as relações e acabando por

distorcer o foco da prestação de serviços. A manutenção da pobreza

em detrimento da autonomia.

O serviço do CAPE, Central de Acolhida Permanente e Emergência,

está em contato direto com os dramas do cotidiano das pessoas em

situação de rua. Através das equipes técnicas e dos veículos para a

acolhida, realizam a pseudo-inclusão momentânea dos usuários, pois

depois de cadastrados entram na engrenagem dos modelos de

assistência que não visam a autonomia. Não espanta o fato dos

usuários muitas vezes não aceitarem a forma de institucionalização

oferecida pela SAS.

A questão está em como a rede de serviços percebe e se relaciona

com as diferenças e necessidades da população alvo. O atendimento

homogêneo, com extrema desconsideração pela condição humana e

pela potência de produção, revela a perversidade que mina as

possibilidades de criação de novas modalidades de organização da

subjetividade coletiva.

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Assistência e intercessão social

Assistência sim, assistencialismo não. Tornar a assistência

momentânea, ao invés de definitiva. O estado deve responsabilizar-se

pelo suprimento das necessidades básicas, concomitantemente ao

apoio a estratégias capazes de favorecer transformações que, para

serem realizadas de fato dependem de processos e políticas de

grupo*, não de massa.

Em 2002 houve um Curso Intensivo de Sensibilização, com duração

de sete meses, envolvendo técnicos da SAS, trabalhadores sociais e

pessoas em situação de rua. O mote do curso foi “Intercessão Social

enquanto Prática Cotidiana” e tinha os seguintes objetivos:

“Formar equipes de intercessores sociais através de um

curso que crie um espaço de ref lexão da práxis dos

profissionais, oferecendo um olhar e métodos que

favoreçam criar inf lexões singulares e criat ivas na

realidade que lhes é apresentada, produzindo novos modos

de subjetivação.O intercessor social vem com a perspectiva de

fazer a intersecção da geopolítica e da geografia mental, nas relações,

fortalecendo a diferença e a singularidade de cada um afirmando sua

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cidadania.O trabalhador que está colaborando com a população na

sua produção de vida deve ter função de terapeuta social ”.

Apesar da riqueza dos conteúdos e dos insigts que vieram à tona no

período de duração do Curso, a prática, as posturas e as relações não

foram modificadas. Os dramas e conflitos levantados continuam se

fazendo presentes no dia a dia de agentes, usuários e,

inevitavelmente em toda a Rede de Serviços Conveniada. O que

aconteceu? São impermeáveis?

Daí a reafirmação da necessidade tanto da assistência, quanto de

ações realmente cidadãs configuradas de modo a dar condições de

desenvolvimento da autonomia, criando novos fluxos e agenciamentos

de desejos. Para romper os acordos tácitos, coerência nas

modalidades de serviço com encaminhamentos planejados

objetivando a formação de coletivos reflexivos e participativos. Isto é

um processo e com alguns avanços...

A Inserção Produtiva representa um modelo mais eficiente de

inclusão se comparada aos outros serviços. Abre perspectivas de

organização da produção e afirma as cooperativas como uma das

principais alternativas para amenizar o problema do desemprego.

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O Boracéia, por exemplo, como modelo estrutural pode ser replicado

se as dinâmicas relacionais forem, não transformadas, mas

transvaloradas. O que está em questão é a concepção ética e política

dos agentes sociais que repetem o modelo hegemônico nas suas

políticas relacionais. Essa postura e a própria condição de seus

“pacientes” são protagônicas de nosso sistema.

Considerar a população em situação de rua integralmente, criar

condições de escolha, de liberdade. E por que não estimular sua

inserção na elaboração de políticas sociais que respondam a

pluralidade de desejos, orientando estratégias compatíveis com o

caráter heterogêneo por excelência dessa população?

Intervenções, políticas e estratégias que tornem possível às pessoas

em situação de rua sentirem-se incluídas, porque fazem parte da

sociedade, (mesmo que isso incomode a muitos) e têm o direito de

conhecer e exercer os seus direitos, assim como de sentirem-se

produtivos e exercer as suas potencialidades. Movimentar os bancos

de talento, promover a organização social, a formação de

cooperativas, frentes de trabalho, economia solidária, redes de troca,

investir em parcerias para permitir o acesso ao ensino e a

profissionalização.

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Criação de mecanismos de informação, decisão e organização que

não invalidem as realidades contingentes e as singularidades dos

desejos, novas formas de resistência, de sensibilidade, de relações

sociais e de trabalho. A invenção de novos instrumentos de luta

adaptados e forjar novos possíveis, fazendo fugir os modelos

alienantes e fundando as leis da subjetividade em algo que não seja a

coerção social.

A NOVA FACE DA SAS

O Boracéia é um espaço criado para que as pessoas que vivem em

situação de rua possam, minimamente, ter respondidas suas

necessidades e preocupações cotidianas e mais, terem a

oportunidade de serem incluídos na produção.

É um local agradável com local para estacionarem a carrocinha e

deixarem seus cachorros com até possibilidade de terem seus banhos

quentes. Reinvidicação antiga que impossibilitava suas estadias nos

albergues, ou impossibilita até hoje?

Tem 2.000 leitos e refeições diárias, capela, e cine-video.

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Quando chegamos o jantar tinha sido suspenso para que

participassem dos trabalhos...mais cedo, o jantar foi servido somente

para os mais velhos. Estavam muitos, uns 150, entre homens e

mulheres, num grande espaço onde acontecem várias atividades,

inclusive festas e exposições.

Estavam desconfiados, não sabiam o que ia acontecer. Quando o

pessoal da filmagem chegou, ficou pior. A desconfiança aumentou. Foi

explicitada a finalidade desse encontro, ouvi-los para rever a

orientação da Secretaria sobre quais as melhores políticas para

melhorar as condições deles. Alguns se negaram a dar a autorização

para filmagem, e a partir dessa situação, propusemos a organização

de 4 grupos, um deles formado por aqueles que não queriam ser

filmados.

Um grupo completamente ansioso para falar, propor e conversar sobre

sua situação. No grupo estava um antigo “morador de rua” que hoje

trabalha no Boracéia. Aliás, único presente de todos os técnicos que

foram convidados a participar...E foi esse o assunto que mais

discutiram.

- “Os banheiros estão imundos, quebrados”

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- “Como? Perguntei. Não faz um ano que visitei aqui, estava sendo

inaugurado, novinho, e já está assim, descuidado? Vocês não

cuidam?”

-“Não, se pagassem para mim eu cuidava”.

A partir daí muitas histórias rolaram e finalizava sempre com a

possibilidade deles mesmo, serem contratados para cuidar do

Boracéia.

Perguntei: “Então vocês cuidam e os técnicos vão para a rua?”.

Olhares e silêncios cúmplices. Pois o modelo estava ali, um servidor

ex -morador de rua!!! Insisto em chamar moradores de rua, e não em

situação de rua, porque as perspectivas de sair da rua não se

mostram como tão viáveis. Pode não ser seu desejo, mas é como

vivem e morrem.

Se é para pensarmos em novos paradigmas, aí estavam surgindo a

partir dos usuários algumas soluções que sintetizadas seria uma só:

onde eles estiverem, sejam no Boracéia ou nas praças,

eles cuidam do local e seriam pagos pelo serviço:

limpeza, jardim, etc...o que cada um pode fazer porque

sabe ou aprender o que quer pelo talento que tem.

Pensei na aplicação da Árvore de conhecimento de Pierre Levy.

Lembrei-me também do Grupo Ueizz da Casa, criado por Peter Pal

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Pelbart, no qual o loucos,deixam de ser só pacientes psiquiátricos e se

tornam também atores. Não foi ouvido nada que fizesse dos

moradores de rua um alguém mais. Vi muitas vezes eles na porta da

Biblioteca ou do Teatro Municipal, será que queriam entrar?

Muitos precisam de atendimento porque já alcoólatras. Outros,

recuperação da saúde, maior revitalização e atendimento psicológico.

Outros, como deram a entender de vários modos, são aproveitadores.

Outros já estão inseridos no “mercado da reciclagem”, porém sem

orientação para uma maior eficácia para solucionar a concorrência que

aumentou muito. Será que o Sebrae poderia ajudar nos primeiros

passos? Sinto pouca articulação do trabalho com os moradores de rua

e instituições e movimentos que buscam a superação da situação de

exclusão. Até dessas possibilidades já existentes eles estão

excluídos?

Mas enfatizaram que eles com ajuda e confiança poderiam se cuidar.

Mas se isso vier acontecer, acabaria a função dos técnicos???

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Anexo

Falas e Cenas no Contexto

Dramático

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Local: Parque Dom Pedro

A agente que nos recepcionou trabalha na sensibilização e acolhida de

adolescentes. Trata do assunto como se os jovens e os adultos simplesmente não

fizessem parte do mesmo contexto. “Com adulto é muito frustrante, eles são mais

difíceis de mudar e de convencer, criança. Jovem já é diferente, dá pra chegar na

família mais fácil” acredita a agente.

ANHANGABAÚ

Perguntei o que lhe faltava para chegar lá a esta vida ideal?

As respostas vieram de vários moradores:

Falta de oportunidades; emprego; há muito preconceito, discriminação; estudo;

experiências. Esta cena mexeu com a maioria dos integrantes menos com os

jovens que preferem morar na rua

As meninas tem casa, mas preferem ficar na rua, demoram a responder,

preferem não falar. No geral as respostas são:

Liberdade Total fazem o que querem, ninguém para regular

O “Z” que não tinha decidido se ficaria ou não na rua, diz que prefere sair.

Ele é inteligente, e diz que o que falta mesmo é força de vontade para procurar um

emprego e sair da rua. Outro morador diz que há oportunidades de fazerem

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cursos no Boracéia, mas ninguém faz. Pergunto o que é que atrapalha, se eles

tem vontade e até oportunidades:

Resposta: a “mardita pinga”

Confessam que o que atrapalha mesmo é a bebida, e que muitos foram parar

nas ruas, por causa dela. A maioria bebe, e sua força de vontade fica abalada em

função da pinga.

POUSADA DA ESPERANÇA – Santo Amaro

Usuário disse que o que falta é vontade de sair da rua, que as pessoas se

acomodam lá, pois se ganham entre 400,00 e 600,00 dá muito bem para sair da

rua. Muitos concordaram com esta posição. Enquanto outro participante disse que

não que é impossível sair da rua, se não tem empregos fazendo quase um

discurso político!

A conclusão, já que o processamento foi feito junto com a dramatização é que a

falta de confiança em si mesmo, o não olhar para as pessoas, o rejeitar por já

sentir-se rejeitado tem peso alto na hora da contratação. Fora os aspectos

externos: falta de experiência, vícios, limite de idade para contratação( ninguém

consegue emprego no Brasil se tiver mais de 35 anos, e o desumano desemprego

que assola milhões de brasileiros.

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Quem mora na rua, já está excluído, assim como aqueles que tem processos

criminais, que segundo eles, não tem uma segunda oportunidade, o que acarreta

a falta de documentação e a busca por trabalhos informais e outros que não

quiseram mencionar, mas que é evidente por algumas falas do grupo: assassinos

e ladrões.

Os usuários jovens demonstraram ter perdido esperança em relação à vida,

diferentemente dos mais velhos. Os jovens foram os que menos participaram e

não tinham vontade sequer de levantar das cadeiras.

Fica evidente que o maior problema com relação ao morar na rua é a bebida.

Bebendo não conseguem empregos e cada dia mais baixam sua auto-estima.

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Local: Complexo do Canindé - Pari

Instituições: Albergue Ueze, Casa de Cuidados, Casa de

Mulheres, Abrigo de Idosos (Sítio das Alamedas)

Vitória explicou que o pessoal que utilizava essas unidades eram

encaminhados por serviços e que eram pessoas desempregadas, ou que

sofreram violência doméstica, abandonadas em creches, vinham do

Fórum, do Amparo Maternal, passaram pela FEBEM, etc.

Falou que a proposta da Casa é a busca de autonomia e cidadania e

que os assistidos permanecem por cerca de 1 ano – para que

consigam um trabalho. As mulheres da Casa fazem a limpeza. Essas

mulheres não chegam na Casa diretamente da rua e algumas nem

passam pela rua.

Na Casa das Mulheres é diferente; elas podem ficar com os filhos, “dormem,

acordam, algumas vão trabalhar e voltam...”. Há muitos casos de pessoas que têm

família, mas não têm vínculo familiar. “não tem muita menina nova aqui, disse

Vitória, elas passam por aqui... eu não concordo muito com algumas coisas. Aqui

não se paga nada... mas o serviço é feito por elas. Nós trabalhamos com a

autonomia desde o começo. Nos albergues tem gente para fazer paternalismo...”(

continua Vitória)

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Dramatização

“eu chamo o albergue do Sirineu em São Caetano... vai pra cá, vai para o outro...

Sirineu sempre pergunta por mim há quase dois anos...” (usuário)

Quem cuida de vocês. Deus? Responderam Sim. O Diabo? Houve quem riu.

Houve quem fechou a cara, houve quem disse não.

Alguém disse:” primeiramente Deus e a família”. Famílias muitas vezes que estão

muito longe. Disseram que a família estava há 5000 quilômetros, no Rio Grande

do Norte, e também longe em Pernambuco, Nordeste, Bahia, Ceará,, do

Amazonas não tinha ninguém, tinha também de Alagoas, e o pessoal da cidade de

São Paulo, uns dez e que tinham parentes aqui, quatro levantaram a mão. Uma

mulher disse: “minha mãe mora em Diadema, mas eu não sei em que rua”.

Quem está satisfeito com o lugar?

Oito levantam a mão. Quem está feliz consigo mesmo? Um responde: “eu estou

feliz, aqui eu trabalho, eu ganhei emprego aqui”, outro fala: “o Brasil é um país

religioso... os políticos se preocupam pouco com o pobre. Também a saúde,

medico, dentista, remédio, com o pessoal de baixa renda, o que está na

contramão da história...”

Quem está vindo da rua?

Um fala: “eu estou vindo do serviço público”, outro diz:” eu morava sozinho, fiquei

doente e vim para cá” “eu fui escolhido pelo destino”, outro fala:” eu fui escolhido

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pela sem-vergonhice, deixei minha mulher e meus filhos”. Continuam dizendo“o

albergue me tratou bem, sim” outra voz: “eu estou aqui porque Deus me trouxe...”

Que história gostariam de ouvir?

Uma mulher responde: a verdade, o que acontece... o que nós pensa.... não ficar

deduzindo... te apontar e bater o martelo contra você”

Pergunta: já te apontaram?

Sim, como vagabunda, uma mulher que faz um monte de filhos... que eu tenho

que pagar com a minha vida...”

Um senhor falou: eu quero uma história de paz.

Outro falou: “eu perdi a minha perna...”, “no dia a dia que traz paz e violência,

prefiro mais a liberdade”.

Já foram melhor tratados?

Um responde: “pior...”, outro: “melhor...”, Uma mulher fala: “não sei o que o senhor

está querendo... sou bem tratada e me sinto bem de saúde”, outra mulher diz: “sou

bem tratada, mas a saúde está por baixo”, uma outra: “o lugar em si é bom, mas a

situação que a gente está passando na vida”,

Alguém falou: “tem gente que têm medo de dizer a verdade verdadeira”

“um homem diz que antes de quebrar o braço veio da rua e que a moça da

pensão havia lhe mandado embora. Jogaram a sua roupa na rua e quando sofreu

o acidente lhe mandaram para a Santa Casa.... disse que havia gostado do CAPE

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porque lhe acolheram, “me trataram bem... me chamaram no hospital... eu fui

porque não estava me sentindo bem”.

Pergunta para a platéia: o que o CAPE tem de ruim? O que tem de bom?

Um respondeu: “têm funcionários que não compreendem a situação da gente”,

disse o outro: “me pedem cigarro, sabem que eu fumo e não posso comprar”. Uma

mulher fala: no Capes as pessoas não sabiam informar... para que eu não

chegasse aqui como mendiga... precisam de mais informação”. Continuam

falando: precisa melhorar os funcionários do Cape.... precisam ser melhor

orientados para compreender a situação da gente”.

Ta faltando kit? : dá para usar?

Sim, dizem “falta escova de dentes”, “está faltando kit”, “está faltando presto-

barba”, o kit do albergue está bom” e mostra o polegar para baixo em sinal de

negativo. “No kit do albergue falta compreensão”; “o kit dos idosos está muito

bom” “na casa dos cuidados está bom”.

Na cena o agente entrega o kit ao morador de rua e o encaminha para a

psicóloga. Quanto tempo vai durar isso?

O senhor bem comportado respondeu: depende... se ele entrar antes do almoço,

vai tomar banho, vai trocar a roupa,... há albergues que a assistente social fica até

as 10 – outros até as 6, se chegar de noite, talvez vá ser atendido pelo psicólogo

no outro dia. O albergue não tem primazia, todos são iguais...”.

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No albergue seria bom separar os recém chegados dos que estão há muito

tempo?

Respondem: “os que eles separam são os idosos e os deficientes físicos. A

maioria é colocado tudo junto”.

Como as mulheres são recebidas nos albergues? Nos albergues entram mulheres

também?

O senhor responde: homens e mulheres às vezes estão juntos, mas o problema é

que têm uns alcoolizados, outros roubam...

Os pertences deles não ficam guardados?

“Estou dizendo as roupas, os chinelos, quando acorda não encontra...”

Pergunta: tem albergue mais seguro?

Respondem: “a Casa das Mulheres...” um dos piores: “é o Glicério – 25... o

ambiente é ruim, muita droga, mal cheiroso....”.

Luzia falou que tem uma diferença entre o albergue e a Casa das Mulheres, disse

que as mulheres podem ficar 6 meses...”, “querem reconstruir a vida e a dos

filhos... (aplausos). Uma mulher falou: queremos ter emprego, salário decente,

casa para morar com os filhos”. “isso dói na alma”, alguém diz.

Quem pensa no futuro têm mais força para vencer as dificuldades?

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O senhor comportado diz: querer é poder... e começa a falar do Sitio das

Alamedas, as coisas boas de lá e convida quem quiser visitar, diz que lá “é um

abrigo especial... porque lá é uma transição... nós moramos em quartos com 2ou 3

colegas...”. um outro senhor fala: tenho 66 anos o futuro está em viver o presente

da melhor maneira...Marco Nanini diz que quando a gente faz 90 anos não pode

ter mais esperança... e por isso a gente pode viver intensamente o presente

(aplauso geral). O senhor comportado volta a falar do albergue especial... temos

horta, jardim... vai até lá nos visitar...”

Luzia diz que é necessário passar pela psicóloga e diz que tem que ter paciência...

A senhora conta que chegou em São Paulo porque pensou que era mais barato

encontrar onde morar, mas não encontrou...

A gente tem que tirar o morador da rua? Respondem: tem que tirar... Para onde

vão? continua... Respondem: “cada qual tem que se virar”.

E continua a perguntar: se recebessem dinheiro do programa de Silvio Santos...

Quem que iria para casa da família? Quem volta?

Um homem falou: “tem que ser o dinheiro da passagem...”, dois levantaram a

mão apoiando. Quem quer emprego? Dez levantaram a mão. “Quero que deus

ajude para que possa construir uma vida melhor... precisamos de dinheiro,

passagem e emprego”, “eu sai de lá porque meu marido me batia”.

Vocês acham que devem ser abrigados?

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A senhora responde: “eu sou artista plástica... eu nem sabia que existia albergue...

estou tentando sair”. Dizem: “na Casa das Mulheres a maioria está querendo

sair...”

E no albergue?

“tenho 3 anos de rua, só na rua...eu não gosto do albergue, eu não gosto da

rua, queria ter um quarto, um trabalho e morar”. A psicóloga da cena

pergunta: por que o albergue não dá certo? Responde: “porque é muito

sujo”, outra diz: “as próprias pessoas não querem seguir as regras do

albergue”, “quero um lugar mais livre”, “tem regra do albergue que é maior

do que a da família”, “60% quer sair, 40% quer ficar”. Uma mulher discorda e

diz que 90% quer ficar. Um rapaz jovem fala: “...zona norte e zona sul ou na

região central... lá não fica porque não pode chegar alcoolizado...realmente

tem albergue limpo”...

Nova cena:

Chegam três moradores(duas mulheres e um homem) e à agente de serviço

dizem: “a gente quer ficar junto, se não tiver vaga nós vamos embora, a gente é

uma família...”. A instituição tem que abrigar o morador de rua.

A recepcionista vai informar a Luzia (educadora) diz: ...”acredita que são irmãos?

Vamos pedir o documento...” Os usuários explicam: “somos irmãos de rua, duas

irmãs e um irmão”. Luzia explica que eles têm que compreender que se não tiver

vaga no quarto para os três eles não poderão ficar juntos. A família argumenta que

não pode se separar. A usuária diz: a senhora é assistente social e vai ter que me

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entender. Ela responde: todo mundo por aqui ao redor é de bem , é boa”. O irmão

começa a falar: “o negócio mesmo é o meu documento e o meu trabalho, também

gosto de cantar ou jogar bola, ficar na porta de um bar cantando, sou filho de

deus...”, a irmã argumenta que ele está com dor de cabeça”.

A psicóloga fala – “como resolver se não tem vaga? Se ele precisa de tratamento

psicológico tem que separar.

Pergunta: é melhor separar ou voltar para a rua?

Responde a criança: “voltar para a rua”.

Comentários: “ninguém obriga a eles ir para o abrigo...”, a psicóloga da cena diz:

“eles são cidadãos, eles não se sentem obrigados...”. Luzia diz: às vezes a gente

é obrigado a estar aqui porque não tem para onde ir. Muitos manifestam

concordar.

Pergunta: é melhor estar aqui? “a gente tem gratidão, sim” alguém comenta.

Pergunta: o que devolvem em troca?

Respondem: “reconhecimento”, “a gente cumpre as regras”, “respeito”, “pedir a

deus que ajude”, ajudar a conseguir o que quer na vida”, “trabalhar, ser alguém de

respeito, com amor, com gratidão, a união”, “ajudar a manter a casa limpa”, “se

cada um cuida do seu kit está bom”, a gente falou... com certeza”.

Volta a cena:

o irmão tem uma dúvida, a assistente social não esclareceu – “o albergue só

atende a mulheres ou só homens... só tem uma vaga...”.

João pergunta: faltam lugares nos albergues?

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A que era a psicóloga responde: “faltam lugares e estrutura, certas casas iguais a

essa (a Casa das Mulheres)... “a Casa das Mulheres não é um albergue, é uma

casa de acolhida”.

Um homem falou: “no albergue não tem acolhida, não se pode ficar durante o dia

para lavar roupa, cuidar dos filhos...”, “no albergue a gente resolve o momento, no

dia seguinte não resolve...”

João pergunta: o que propõem para quem está na rua?

A “psicóloga” fala: fazer uma triagem, de cada caso... e fazer um melhor

encaminhamento... senão a pessoa deixa de ter uma identidade, ser cidadão, ter

perspectiva...”.Aplausos.

João pergunta: qual o numero máximo de pessoas que podem ficar no abrigo?

Respondem “100”, “é muito, 50 no máximo”. A “psicóloga” diz que soube que em

outro país – o projeto colméia – dá um quarto com beliche, televisor, área de

serviço, duas pessoas no quarto... relação de amabilidade... uma estrutura de uso

comum e outra de uso de mais intimidade... eu percebi que saiam daí integrados

na vida cotidiana...”.

João pergunta: por quanto tempo vocês ficam aqui?

Responderam: 6 meses. E vocês da Casa das mulheres? Quanto tempo podem

ficar? É pouco? É suficiente? Quanto mais? Depende de cada um?

Respondem: “para quem tem um filho é um tempo, se tiver mais é mais difícil...

tem idade...”, “a pessoa que tem mais idade precisa de mais tempo...”

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Homens precisam de quanto tempo? Respondem: “de uma semana até dois anos”

João continua a perguntar? Quem cuida dos filhos? “Tem homem solteiro que

cuida do filhos...”, se estiver pensando nos filhos arranja uma creche... se tiver

cachaça... aí cumplica...” diz outro.

João pergunta: A mulher precisa da Instituição mais do que o homem?

“a mulher precisa de um espaço para cuidar dos filhos e o homem se defende

melhor na rua”, “a mulher sabe se defender mas precisa de um espaço para os

filhos”, disseram as mulheres.

Volta a cena: um final

Luzia ligou para o albergue 25 – Glicério (o pior) e conseguiu vaga para os três

irmãos e uma outra irmã iria para o outro albergue (eles aceitaram).

Essa história é verdadeira?. Como poderia ser o final se não tivesse vaga?

“eu falava para ela, vamos para a rua”, disse um dos atores. Uma mulher fala:

“aconteceu na vida real, o filho que não podia ficar com a mãe porque tinha 12

anos”.

Pergunta a assistente: se não tem vaga como fica? O que acontece?

“Ela vem responder uma advertência”, “ela não tem culpa,de não ter vaga”, “vai

ter que resolver na justiça”. Ela é obrigada a tirar as pessoas da rua senão a

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Instituição vai perder o convênio. “no tempo de frio as pessoas são obrigadas a

sair das ruas”, “encaminha para outro lugar e depois a pessoa está nas ruas

novamente.

A cena volta para outro final

A psicóloga falou para os moradores de rua: “minha senhora, juntos não podem

ficar”. Os irmãos se despedem e vão embora. Vão saindo e risos, esquecem o

irmão. “ele não quer ir embora”, dizem.

A “psicóloga” falou: “você percebe uma coisa, não adianta empurrar para o

assistente, para o diretor para ele ser obrigado a colocar pessoas onde não

cabe...” Estou infligindo a lei? O direito de ser cidadão.”

“não posso ser punida por isso, por ser funcionária que está trabalhando sobre

pressão”

– Como resolver sem romper?

A “psicóloga”: eu pediria a meu patrão as estatísticas, quantas pessoas gostariam

de entrar e não tem um lugar? Ela tem que telefonar para a acolhida para vim

buscar as pessoas... não é só que não tem lugar, o problema é a informação –

tem gente que vai acolher, tem serviço da prefeitura?”.:” Eu quero mais casa de

acolhida – ô Silvio Santos dê casas de urgência”

Um jovem disse: –“ concordo, a informação tem que ser no computador, tem que

ter uma melhor integração da informação”.

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Local: Albergue São Lázaro – Brás

Desenvolvimento da dramatização:

Cena 1: Acolhimento do CAP

Um rapaz está na rua e para poder ir de um local situado na zona leste a outro,

também situado na zona leste, precisa passar primeiro pela praça da Sé.

Cena 2: Como seria o albergue do futuro.

Para esta cena pediu-se que os usuários pensassem uma dramatização de como

seria o albergue do futuro. Ao realizarem a cena, o que mais apareceu foi que no

albergue do futuro o usuário seria bem tratado pelo monitor. Não haveria também

discriminação, pois no albergue do futuro, quando uma pessoa chegasse, sua

ficha policial seria puxada pelo computador, e se o usuário fosse ex-presidiário

seria recebido aceito no albergue, e recebido por um psicólogo.

O usuário, ao chegar na instituição seria recebido por um balconista muito

simpático e depois seria apresentado à instituição por um monitor. Logo apos que

estivesse acomodado, seria recebido por um grupo de usuários para conversar e

lhe dar boas-vindas.

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Local: ALBERGUE PEDROSO – CENTRO

Desenvolvimento da dramatização

Cena 1

Se apresentou como o “Monitor Muquirana” , estava atendendo um usuário que foi

encaminhado através da rodoviária e está morando há um mês no albergue.

Monitor solicita o crachá para o alberguista, em seguida interrompe o

atendimento, atende o telefone que toca e logo retorna em cena. Olha aqui as

regras são para serem seguidas, como por exemplo, você aqui tem que tomar

banho, vai ganhar sabonete, pode guardar sua mala no maleiro, e logo vem pegar

a fila aqui para “jantar com todos”!

Solilóquio para Monitor Muquirana : Tudo bem, tá valendo!

Solilóquio para alberguista enviado pela rodoviária : Bom, muito bom! Agora tenho

que jantar, ainda não jantei!

Agora vamos ligar a TV, que canal pessoal?

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Rede Globo, Rede Globo, Rede Globo, após o enquete, ligaram a TV . O grupo

utilizou-se da escolha sociométrica. È colocado no canal mais votado, “é bem

democrático”, disse algum deles!

Em seguida um outro usuário – Cascão: “Cheguei da minha cidade em Minas

Gerais para tentar alguma coisa aqui em São Paulo e aqui achei a minha chance!

Todos achamos!

Diretor: Porque você acha que Achou sua chance?

Cascão: “Eu não estou na rua”! Já é um começo de uma chance!

Cascão solilóquio: “Estou bem, não estou na rua, já é um bom começo”!

O Monitor Muquirana: “Amanhã ao meio dia, você tem uma entrevista com a

Assistente Social”!

Diretor: Já são meio dia... e solicita da platéia quem será o(a) Assistente Social ?

Platéia: “Pode ser um Assistente Social masculino, pô” ! Em alguns segundos, o

próprio Monitor Muquirana se habilita a trocar o papel de Monitor pela Assistente

Social Sra. Homana

Cena 2

Sra. Homana 30 a

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Cascão: Já estou trabalhando, fazem três semanas , será que a Sra. Não pode

renovar o meu cartão por mais um mês? Eu acho que meu comportamento foi

bom!

Assistente Social : “Ah Cascão, você realmente teve um comportamento exemplar,

não chega embriagado, quando tem uma força tarefa, serviço você ajuda, então

eu vou te dar mais um mês, agora, veja se procura um emprego estável”!

Agora Assistente Social Adriana com uma mulher:

“Ah Francisca, você está aqui já a 6 meses, mas como você se comportou bem,

eu vou lhe dar mais um mês. Respeita todo mundo aqui dentro, respeita os

monitores ! Você está cumprindo corretamente, as normas aqui do ambiente, eu

vou te dar mais um mês, até o Natal, aqui vai ter a ceia e depois você saí”!

Outro usuário – “Eu sou de Alagoas Maceió, vim aqui para fazer um tratamento

aqui em São Paulo, assim que eu me tratar, quero voltar prá minha terra natal,

Maceió, mas lá não tem esse tipo de medicamento!

Assistente Social Adriana: “Ah muito bem, se você quer voltar para sua terra Natal

tudo bem, você dará a vaga para outro, você tem dinheiro para a passagem? O

dinheiro eu tenho, o problema não é o dinheiro, o problema é a medicação”!

Mas se você não tiver, a gente vai arranjar o dinheiro pra você ir embora!

Ah você é de Maceió? Não vá comparar São Paulo com a sua terra! Aqui existe

muito mais condições de cuidar de você”!

Cena 3

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Coordenador Geral da unidade : “A casa aqui oferece comida, tem que respeitar

os funcionários, se tiver chulé deixar fora do quarto o sapato, tem uns indivíduos

aqui que não gostam de tomar banho, não pode desrespeitar o funcionário, brigar

e se brigar nós mandamos embora mesmo”!

Convoca o Supervisor para falar: “Temos a livraria é aberta para todos das 8 as

22horas, não pode levar embora, fumar tem horário, deixar a roupa limpa”!

Após as três cenas , o Diretor solicita para que se dividam em dois grupos, o da

esquerda seriam os “ direitos” como alberguista e os da direita os “deveres” dos

alberguistas:

Direitos dos Alberguistas:”Alimentação, tomar banho, lavar roupa, guardar mala no

maleiro, não chegar embriagado”.

Deveres dos Alberguistas: “manter o fumódromo só com 8 pessoas, tomar banho

todo dia, dar descarga, mantendo os banheiros sempre limpos, não ficar cantando

no banheiro”.

ALBERGUE S. CAMILO

O grupo é dividido em 2. Cada um constrói uma foto corporal, com objetivo de

expressar os sentimentos relacionados à situação de rua.

Foto 1: Dor no coração, saudades , esperança, desespero e mágoa.

Foto 2: Procuração, humilhação, angústia, depressão, alegria e saudades.

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Quais os temas protagônicos?

_ O caos generalizado: individual e coletivo.

_ Sentir-se estrangeiro na própria terra.

Albergue São Francisco

Depoimentos individuais: o que acham do atendimento no albergue? Como

melhorar? Vários depoimentos de agradecimento e reconhecimento do trabalho

das assistentes sociais. Falaram de sua situação na rua, do preconceito, de como

é difícil ser aceito se fornecem o endereço do albergue ou falam de sua condição.

Muitos falam da importância do emprego e da dificuldade em consegui-lo. Aparece

a questão da escolaridade, vários gostariam de estudar pois vêem no estudo uma

possibilidade de conseguir emprego.

As dificuldades são vistas fora do albergue: os encaminhamentos não surtem

efeito.

Desenvolvimento da dramatização

Cena 1: Chegada no albergue

Alguns no papel de usuários chegando no albergue outros no papel de porteiro e

assistente sociais. Grande “arruaçamento” – muitos falam ao mesmo tempo e

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querem participar. A capacidade de representação surpreende a todos, a cena é

do bêbado tentando entrar e o porteiro recusando.

Cena 2: Já dentro do Albergue

Agora o contato é com a equipe de técnicos. Aparece maior dificuldade, os

problemas aparecem mas ficam sem solução. Há o papel do diretor da entidade

que aparece distante e indiferente.

Quais os temas protagônicos?

- a rua como condição de exclusão

- a dificuldade de ser ouvido/aceito/atendido

- percepção da dificuldade do trabalho dos agentes sociais

- as faltas: de respeito, de estudo, de trabalho, de qualificação, de propostas

Recifran – Inserção Produtiva – Glicério

“ Se é da Aldagiza, não quero. Essas coisas de madame de grana e de gabinete.

To fora”. .

(A frase que dá início a essa resposta foi dita por um dos catadores logo que

dissemos que estávamos ali para realizar um trabalho proposto pela SAS.)

Desenvolvimento da dramatização

Cena 1: Albergue

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Dois moradores de rua chegam ao albergue alcoolizados e fora do limite do

horário, são recebidos pelo agente social, que apesar de adotar uma postura

inicialmente rude e negligente, permite a entrada. Um deles tem seus pertences

roubados por um outro usuário que parece gozar da conivência do agente por

comportar-se como um ladrão. Depois de ser bruscamente acordado as cinco

horas da manhã, o usuário é jogado na rua descalço e sem documentos.

Quando pedimos que realizem a cena novamente, modificando as posturas e

agindo de acordo com como desejam ser atendidos no albergue, o acolhimento se

deu de modo diferente. Não houve problemas em relação ao horário de chegada,

havia um leito confortável e limpo disponível, além de uma refeição de qualidade.

O usuário foi acordado delicadamente, na hora de ir embora lhe devolveram a

carteira com os documentos porque o dinheiro que havia lá dentro, novamente foi

roubado.

Cena 2: Confusão

O grupo demorou a conseguir chegar a um consenso sobre a cena a ser

desenvolvida. Foi uma confusão. Os participantes tinham idéias diferentes em

relação ao que estavam fazendo juntos. A confusão denuncia a dificuldade de

comunicação que existe entre eles. Eles próprios já haviam sinalizado isso em

outro momento, quando nos sentamos com eles na mesa do refeitório.

Cena 3: “Eu prefiro ficar na rua. Melhor ficar na rua do que ir pro

albergue”

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Duas moradoras de rua sentadas na calçada, uma delas com uma criança no colo.

Na “platéia” havia um desconforto possivelmente provocado pelo choque entre o

esteriótipo de morador de rua que eles têm e o modo como a cena se configurava.

Muitos acharam esquisito uma garrafa de pinga não fazer parte da cena. Um

agente social aparece e tenta convencê-las a sair da rua para ir ao albergue,

mantêm um tom bastante assistencialista e caridoso. Percebendo que seus

argumentos não eram suficientes para convencer as moradoras de rua, a agente

social muda de postura. Abandona o tom bem intencionado de boa samaritana,

preocupada com o bem estar das duas e, parte para a ameaça. “Se você não quer

sair da rua tudo bem, mas a criança não pode ficar porque ela é de menor”, diz. A

mãe do bebê ensaia uma tímida indignação e a agente chama um oficial de justiça

para levar a criança embora. Nesse momento a agente vira papagaio de pirata e

só acompanha a execução do trabalho do oficial, que com extrema violência toma

a recém nascida dos braços da moradora de rua.

Quando pedimos para que realizem a cena novamente a partir da chegada do

oficial de justiça (não verbal), o catador que desempenhava o papel de oficial

transforma-se num empresário (mudança de papel inusitada e pontuado pela

direção) que passa de carro, simpatiza com a moradora e a “resgata”

imediatamente da situação desagradável e a leva para outro lugar.

Casa de Convívio Porto Seguro – MORADIA PROVISÓRIA

Autonomia , Ter minha própria renda, meu próprio ganho financeiro, não depender

de governo.

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Quero abrir meu próprio negócio, quero trabalhar também com alimento.

Como a palavra Autonomia foi a mais escolhida fomos checando com o grupo o

que prá cada um significava essa autonomia.

Vieram : “estudo”, ”casa própria”, “Ter trabalho”,” morar só com a minha filha”,

‘voltar a estudar”, “fazer faculdade de Serviço Social’, “fazer e vender luminárias”,

“professora”, “ter um lugar sossegado para ninguém me aborrecer”, “Fazer

faculdade de engenharia mecânica”!

Falas importantes:

“Sou mecânico mas ainda não realizei meu sonho, mas faltou o principal. Falar

que você se formou. O fato de se formar significa que você encerrou, não só no

quisito ego e sim no conhecimento”.

“Continuar a fazer o que estou fazendo, trabalhando e continuar a trabalhar. Lavo

carros, Ter uma carreira”.

“Eu quero fazer faculdade de direito para ser promotor público e cuidar d a

questão da cidadania”.

“Quero ser Assistente Social, mas sei que é difícil, pois tenho muito que estudar,

pagar escola, mas sei que posso fazer o que mais gosto e para isso não preciso

nem estudar , e sim, ajudar as pessoas”.

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Após, as palavras e histórias representadas, a direção percebeu a temática

emergente neste grupo “Autonomia e união” e solicitamos que pudessem falar

pra cada um, uma mensagem para finalização desse trabalho:

“Trabalhar, Correr atras do que você quer”!

“Sandra, corra atrás, porque você vai conseguir!”

“O sonho de ser independente, é Ter fé!”

“Você tem que crer e Ter força de vontade pois assim você consegue”!

“Deixei de jantar para estar aqui”!

“Eu falo pra todos que tem que trabalhar, mas tem que trabalhar com a cabeça!!!”

“A faculdade é um sonho de consumo, o trabalho eu tenho mas o mais importante

é um teto, uma casa, não perder a esperança e lutar, a faculdade é mais um

sonho.”!

“Carlos, quando chove, não temos carro prá lavar, então temos que trabalhar com

a cabeça, prá assim fazer outras coisas!”

“A gente não pode se acomodar e que esta experiência de agora nos leve a um

outro trabalho. Nós todos não podemos nos acomodar”!

“Agora eu estou querendo ser um Agente Comunitário de Saúde”! E através

disso eu poderei fazer faculdade, me organizar”!

“Nada contra aqui a moradia provisória, mas sem querermos voltar pra traz, temos

que ir além, basta a gente querer”!

“Existe o apoio, mas não pode ser prá vida inteira esse apoio”, A autonomia tem

que ser libertadora”!

“Tem que Ter coragem, fé em Deus e pé na tábua!” (Palavras de um senhor mais

velho no grupo!

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Deus é rezar, pisar acelerado e sair fora com coragem. Vamos lá que o negócio

não está fácil.

Deus fala, faça sua parte que eu te ajudarei, é renascer das cinzas.

Partir para ação OR-AÇÃO.

CASA DE ORAÇÃO

A Casa de Oração é parcialmente mantida pela Mitra Metropolitana, que depende

lá três mil reais por mês. NÃO HÁ CONVÊNIO COM A SAS. Ruth e Edwiges (a

diretora) conseguem doações de alimentos (sobras da Merenda Escolar da Rede

Municipal) para as refeições diárias a cerca de trinta MR (café da manhã e

almoço).

O GRUPO

Dos trinta participantes (em média, durante a reunião), cinco eram agentes

sociais. A Ruth, da Casa de Oração, e quatro assistentes sociais da SAS, do

Jabaquara, que vieram mesmo para participar do trabalho. Uma senhora muito

experiente e com boa visão das mudanças pretendidas pela SAS no atendimento

aos MR, um rapaz de cerca de trinta anos, também com boa visão e de muito bom

trato com os MR. Mais duas jovens moças, que estão iniciando agora o trabalho e

têm a senhora experiente como líder e mentora.

No grupo dos usuários destacavam-se cerca de dez jovens (duas mulheres) bem

vestidos (para o padrão MR), de linguajar fluente e exibindo uma consciência

social e de cidadania bastante articulada. (Ao final dos trabalhos dois deles

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declararam terem sido escolhidos pelos usuários da Casa para representá-los no

Congresso da SAS. Um terceiro estava de passagem comprada para retornar para

Presidente Epitácio, sua cidade de origem. E para ficar.)

Os outros cerca de quinze usuários compunham-se de homens e mulheres de

meia idade e alguns idosos e idosas. Durante o aquecimento inespecífico chegou

uma garota maltrapilha e bastante embriagada. Ao final, no compartilhamento,

chegou um senhor bem vestido e completamente bêbado, que interrompia as falas

com frases religiosas desconexas.

- Quem quer sair da rua/quem quer permanecer na rua (entre os MR)?

A esta última consigna apenas um MR ficou em frente a todo o restante dos MR

agrupados. (Um terceiro grupo reunia os Agentes). “Ih, cara, Você ficou sozinho

aí! Como é isso, V. não quer sair da rua como os outros?” Um dos jovens MR, um

dos dois escolhidos para representá-los no Congresso, Anderson respondeu:

“Querer sair da rua, eu quero, mas não pra fazer o que querem que eu faça!”. “E

como é o seu ‘sair da rua’?” “Eu quero sair da rua, mas não quero perder minha

dignidade. Não quero sair da rua e continuar sendo um excluído social. Se é para

continuar excluído, então prefiro continuar na rua mesmo!”

Silêncio total e profundo em todo o Grupo. Expressão interrogativa e surpresa dos

Agentes.

Propus a dramatização através de cenas que mostrassem “COMO ANDA A

DIGNIDADE DO MORADOR DE RUA?”

Divisão dos MR em três grupos e um quarto grupo só com os Agentes.

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DESENVOLVIMENTO DA DRAMATIZAÇÃO

Cena 1

(MR): Selecionador de pessoal sentado à mesa. À sua frente comprida fila de

candidatos. Após algumas perguntas a cada candidato, a reposta sempre se

repete: “Infelizmente o senhor não possui o perfil para o cargo a ser preenchido.”

E a cena se encerra nessa monótona repetição. Apesar da simplicidade com que

o grupo fez a encenação (quase todos pertencentes ao grupo sociometrizado

como os de meia idade e idosos e sem muita consciência da própria condição),

fica em todos um enorme silêncio vazio. Sensações: de vazio, é sempre assim

mesmo, nunca nos dão uma chance, não adianta tentar.

Cena 2

(MR): O cenário repete o início da cena anterior. Selecionador sentado à mesa, fila

de candidatos à sua frente. Senta-se o primeiro. Trouxe meu currículo para a vaga

do anúncio. O senhor tem 1º. Grau? Tenho. 2º. Grau? Não tenho. Infelizmente

exigimos o 2º. Grau também. Mas o anúncio não pedia! Sim, é que como o cargo

é importante, resolvemos pedir o 2º. Grau também. Levanta-se e sai. Senta-se o

segundo candidato. Trouxe meu currículo para a vaga. O Sr. tem 1º. Grau? Sim. E

o 2º.? Tenho também! Curso de inglês, o Sr. tem? Inglês, não, mas o anúncio não

pedia inglês. É verdade, mas infelizmente como o cargo é muito importante,

resolvemos pedir inglês também. Levanta-se e sai. Senta-se o terceiro. Primeiro

grau? Sim! Segundo grau? Sim! Inglês? Sim! Ótimo! E informática, o Sr. tem?

Informática eu não tenho, mas o anúncio não pedia. Sim, é verdade. Acontece que

como o cargo é super importante, resolvemos pedir a informática também.

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Levanta-se e sai. Quarto candidato.Primeiro grau? Sim! Segundo grau? Sim!

Inglês? Sim! I informática, o Sr. tem? Tenho, fiz um curso e tenho a prática

também. Muito bom, o Sr. possui todas as exigências que fazemos. E vejo que o

seu currículo é muito bom também, o seu perfil se encaixa perfeitamente no cargo.

Por favor, preencha essa ficha. Esse seu endereço, onde é? Eu moro num

albergue, pois minha família está longe. Ora, ora, é uma pena, mas não podemos

admitir alguém que não possui residência fixa. Mas o Sr. não disse que tenho o

perfil pro cargo? Eu sinto muito, mas é norma da empresa. Fim da cena.

Nas interrupções da direção durante a cena, o selecionador explicava que sempre

fazia uma nova exigência, pois o aspecto do candidato não lhe agradava. E por

que? Não sei - eram as respostas - mas desconfio que esse cara mora na rua.

Na aferição de sentimentos das pessoas (em cena ou fora dela), apareceram:

discriminação, injustiça, tristeza, exclusão, ou as perguntas “quem mora na rua

não tem capacidade pra fazer nada?”, “nós não somos gente?”.

Cena 3

(MR): Recepcionista de albergue em pé atrás de um balcão, longa fila em frente

dela. Uma a uma as pessoas da fila pedem vaga pra dormir e são atendidas.

Delicada no trato, ela atende com atenção cada um deles: “Pegue seu

sabonetinho, sua toalha, encaminhe-se para os banheiros e aguarde sua vez de

tomar banho. Depois vá pro refeitório tomar uma sopinha e em seguida pra sua

cama. De repente, súbito tumulto na fila, todos reclamando da demora do

atendimento. Recepcionista fica preocupada, perde o controle da situação e

chama um segurança que começa a botar ordem no grupo de forma truculenta.

Congelamento. Fala do segurança ao pedido de o que está havendo: é sempre a

mesma coisa, esses caras são assim mesmo, dão muito trabalho, até parece que

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eles é que são donos do albergue. Sentimento do segurança: raiva, por que eles

não saem da rua, voltam pra casa e arrumam um emprego? (Lembrete: o

segurança é um MR). Sentimento da recepcionista: eu sinto muita pena deles,

mas aqui nós temos regras que precisam ser obedecidas, precisamos de um

mínimo de ordem. Segue a cena. O último da fila se apresenta. Olha, eu sinto

muito, mas nós não temos mais vaga, a última que tinha ficou com o seu colega

ali. Mas, aguarde um pouco que vou ligar pra outro albergue e vou lhe conseguir

uma vaga. Liga, troca comprimentos com alguém, expõe o problema. Sim, há uma

vaga lá, o senhor vai pra esse endereço aqui. O pretendente olha o papel, olha pra

recepcionista e diz: mas esse albergue é tão longe, como é que eu vou pra lá, eu

não tenho dinheiro pra condução, a senhora pode me arrumar um passe? Oh, isso

não podemos fazer, não temos dinheiro, nem mesmo passes. MR se vira e sai.

Fim da cena. Silêncio no Grupo. Sensação do MR: tristeza, o que eu faço?, é

sempre assim, só tomando umas! Sensação da recepcionista: tristeza, impotência,

eu faço o que dá pra fazer, mas nem sempre o que posso fazer resolve o

problema. (Atentar para o fato de que a recepcionista também é uma MR, como

todos da cena). Sentimentos no Grupo: revolta, impotência, indignação.

Cena 4

(Os Agentes Sociais): Dois MR “caídos” (bêbados/drogados), deitados no chão,

garrafas em volta, curtindo a embriaguês, falando coisas desconexas a uma

terceira MR, jovem, recém chegada às ruas, ainda desajeitada na sua nova

condição, tentando aprender com os “mais experientes” os segredos da vida nas

ruas. Mas os outros dois estão bêbados demais pra ensiná-la. Enquanto brigam

pelas garrafas, chega um quarto MR, com carrinho, sóbrio e produtivo.

Cumprimenta os dois bêbados e quer saber quem é a jovem. Inteirado do assunto,

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conversa com a moça que procura um lugar pra dormir. Os bêbados insistem que

durma ali mesmo. Ela não quer, tem medo. O MR do carrinho se dispõe a levá-la

pra um albergue, melhor ainda, pro Boracéia, lá é legal, lhe diz. Ela concorda, ele

começa a acompanhá-la, um dos bêbados discorda, não gosta da atitude do MR

do carrinho, levanta-se a custo, puxa uma faca e a espeta no outro.

Congelamento. Sentimento do agressor: raiva dele, só porque trabalha ele pensa

que pode fazer o que quer, comigo é assim mesmo, eu sou valente, aqui nessa

praça quem manda é eu! Sentimento do agredido/ferido: tristeza, tentei ajudar e

olha o que ele fez, os MR têm que se respeitar e se ajudar e não ficar se

agredindo por qualquer coisa. Segue a cena. Peço a dois outros MR (do grupo dos

jovens mais conscientes) que entrem na cena com agentes sociais. Entram e

questionam o acontecido, encaminham o ferido para atendimento médico

enquanto dizem: é por isso que Vocês nunca vão sair das ruas, Vocês não se

ajudam e vivem se agredindo. Fim da cena.

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TEMAS PROTAGÔNICOS & PROTAGONISTAS

São muitos os temas protagônicos surgidos ao longo das cenas, incluindo até o

aquecimento.

O tema permanente ao longo de todo o trabalho foi, sem duvida, A DIGNIDADE

PESSOAL DO MORADOR DE RUA.

Já no aquecimento específico o MR que ficou só no “não quero sair da rua se for

pra continuar excluído” - ele é Anderson e é um dos representantes ao Congresso

- trouxe o tema da EXCLUSÃO SOCIAL. Também ele, já na cena 2, traz o tema

da DISCRIMINAÇÃO DO MORADOR DE RUA quando faz o papel do MR com

perfil para o cargo em anúncio que não consegue a vaga por morar em albergue.

Ainda na Cena 2, o tema da CIDADANIA aparece no próprio Grupo na expressão

“Nós não somos gente?” quando da aferição de sentimentos pela perda da vaga.

Na Cena 1, embora não tenha havido um protagonista explícito, surge o tema da

IMPOTÊNCIA DO MR diante da IMPOSSIBILIDADE do “Infelizmente o senhor não

possui o perfil para a vaga”. Na Cena 3, repete-se o tema da IMPOTÊNCIA, aqui

DO AGENTE SOCIAL e do MORADOR DE RUA no protagonismo da

Recepcionista (que é uma MR) e do Segurança (que também é um MR e que

durante todo o trabalho exibiu uma indiscutível revolta - e ele se recusava mesmo

a discuti-la - contra os Agentes Sociais). E na Cena 4 um novo tema - quase

sempre ocultado pelos MR - a ÉTICA (ou ausência dela) entre os Moradores de

Rua, protagonizada pelo MR do carrinho que é ferido à faca (e que é um Agente

Social).

COMPARTILHAMENTO

Muito rico nos conteúdos produzidos, o Compartilhamento teve como ponto alto a

capacidade que os dois lados - Usuários e Agentes Sociais - mostraram de

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receber as avaliações que vieram do outro lado. Porque o trabalho permitiu a

inversão constante dos dois papéis, Agentes e MRs puderam exercitar fartamente

a experiência do “como é barra do outro”. Assim, coube no espaço interno dos

Agentes falas dos MRs tais como “estou de saco cheio de falar pra SAS parar de

fazer assistencialismo com a gente”, ou “quando que os Assistentes Sociais vão

começar a nos ver como cidadãos, só quando sairmos da rua?”. Como coube,

também, no espaço interno dos Moradores de Rua falas como “se os MR querem

mudanças por parte da SAS e dos Agentes, os Moradores de Rua têm, eles

próprios, que mudar também”, ou “se os MRs querem que sejamos éticos com

eles, é preciso que eles também sejam éticos conosco, e, principalmente, que

sejam éticos entres mesmos”.

O tema “Sair da Rua: Por Que e Para Que?” do Congresso também apareceu com

força no Compartilhamento. A uma pergunta minha: ”Quem pode tirar o MR da

rua?”, a resposta unânime foi: “Somente o próprio Morador de Rua!”. E Anderson

arremata: “Quer tirar o MR da rua? É só tirar a rua de dentro dele!”.

Ao término dos trabalhos, o Grupo sentia-se bem, confortável e expressou

sentimentos de alegria, participação, união, confiança e crédito. Agradeceram a

oportunidade de poderem trabalhar e discutir a condição e a situação social deles

com os Agentes e entre eles próprios. E, Moradores de Rua e Agentes Sociais, se

aplaudiram de pé. (E o psicodramatista também).

Projeto Raízes – Integrarte - Lapa

- gente tudo bem...vocês devem estar pensando...:”quem é esta aí que chega aqui

atrapalha nosso jogo, nosso café da manhã, tira a tv, faz a agente ficar aqui

sentado e ainda quer que a gente participe?”

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perguntei a um usuário o nome dele.

- “T” é o meu nome.

- “O que falei faz sentido? Ou você acha que não é verdade o que eu percebi?”

Ele respondeu com um sorriso.

O que me pareceu na verdade era que ninguem estava muito afim de fazer nada,

eram corpos colapsados que estavam à minha frente.

Apenas com a boca aberta esperando que alguem os alimentasse de qualquer

coisa.

Tentei por mais um tempo até que consegui 4 usuários: duas senhoras(uma que

frequenta a casa para aulas de violão, outra que vai para cantar, um alcoolista e

um homem que obedecia literalmente a todos) que vou chamá-lo de “Ho”

enquanto eu estava montando a cena com os 4, percebi que haviam dois homens

com violão( a professora de música foi a um curso oferecido pela prefeitura), pedi

a eles que tocassem até que a cena fosse ao ar, prontamente eles atenderam.

Avisei também que era possível entrar na cena em andamento se alguém achasse

conveniente, que não teria problema algum ao contrário seria muito legal. Neste

meio tempo alguns usuários que estavam alcoolizados (levemente) mas o

suficiente para entrar e sair de cena com falas sem sentido para o contexto.

Alguns cantando qualquer coisa, enfim um verdadeiro reality show com direito a

um confronto entre dois usuários alcoolistas por conta de opiniões divergentes

sobre algum assunto. Claro que foram silenciados pelo agente social de forma

discreta e sutil, foi retirado do local com muita sutileza. ( mais tarde “Ri” confirmou

que solicitou a retirada deles para evitar atrapalhar o trabalho e os demais

alegando que o grupo não gosta de bêbados porque atrapalham, incomodam.)

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DESENVOLVIMENTO DA DRAMATIZAÇÃO

Cena 1: ”atendimento na casa de convivência”

Uma das senhoras senta numa cadeira e recebe os usuários anotando os dados

de cada um.

Outra senhora, o “Ho”, estavam na fila aguardando a vez de entrar.

O alcoolista ficou ao lado da senhora sentada dizendo que ele mandava os

usuários para o chuveiro.

A senhora se aproxima e pede para entrar na casa, a outra anota nome, idade e

manda para o alcoolista que por sua vez manda pro chuveiro.

Falam baixo e quase ninguém ouve, resolvi ficar na fila... enquanto a entrevista

com o “Ho” estava acontecendo e como falavam baixinho eu comecei a falar

alto...:”porque eu tenho que ficar na fila?”

Senhora que anota: “ é regulamento.”

“demora pra ser atendido ,eu quero comer, tem comida aqui?”

Senhora que anota: “ é rápido”.

“ah eu não quero tomar banho, porque eu tenho que tomar banho?”

Senhora que anota: “é regulamento.”

(Um homem na platéia diz que é melhor comer que tomar banho, alguns dão

risada da fala.)

“ih num gostei disso aqui não...será que é bom?

Senhora que anota: “é sim, tem artesanato, música...”

“eu sou obrigada a fazer?”

Senhora que anota: “Não”

“a comida é boa?” (neste momento algumas pessoas na platéia respondem

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que sim, em seguida a maioria concorda dizendo que é muito

boaaaaaaaaaaaaaaa...seguida de alguns sorrisos e pequenas palmas, outro

detalhe é que a comida é feita por ajudantes que são também usuários e

estão na frente de trabalho. Tem duas cozinheiras que são contratadas pela casa,

alguém da platéia diz que se não toma banho não tem pra onde ir, e diz que

bêbado não pode entrar.

“ué porque não?” perguntei.

um alcoolista:” porque não...sabe de uma coisa? Deus é aqui.”

“mas aqui tem tanta coisa pra fazer, pra onde eu vou se não tiver aqui?”

indaguei.

“porque sair da rua então? Para que?”

platéia homem:” tem que sair da rua senão o carro passa em cima” (fazendo uma

piada e rindo em seguida)

outro homem: “ tem que andar na linha”

perguntei qual linha que deve ser obedecida, ele riu e disse que a linha do

trem...fiz uma observação para ele dizendo que gostaria de entender melhor o que

ele queria dizer com esta “linha”...mais uma vez sorriu e fez uma expressão de

menino maroto( este homem aparenta ter uns quarenta e oito anos para

cinqüenta.)

eu dei risada junto e perguntei então...sair da rua pra que mesmo? Porque?

Outro usuário diz: “ existe dA rua e dE rua , tem diferença”

Tentei entender a diferença mas não foi possível pois vários falavam ao mesmo

tempo e cada qual sobre um assunto, causando uma pequena dispersão...

Outro usuário diz: “ agente tem que sair da rua tem oportunidade não aproveita as

chances de melhorar”...

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(Entra na cena no palco e pede pra ler um texto que ele escreveu)

UMA NOVA CHANCE

SEMPRE PENSEI QUE O MUNDO FOSSE O CULPADO PELOS OS MEUS

SOFRIMENTOS, MINHAS DERROTAS, MINHA VIDA PERDIDA

MAS NÃO

NÃO É ASSIM!!

...O CULPADO, NA VERDADE, FOI EU MESMO...

FUI EU MESMO, POIS NUNCA ME DEDIQUEI AO EXTREMO AS

OPORTUNIDADES QUE ME FORAM OFERECIDAS

NÃO ACREDITEI MUITO EM MIM E ACABEI ME TORNANDO UM ESCRAVO DA

EXCLUSÃO...

JOGADO PELAS RUAS, DORMINDO AO RELENTO, COMENDO E BEBENDO O

QUE OS OUTROS ME DAVAM...

SUJO, MAL TRAPILHO, ACABEI ME TORNANDO UM QUALQUER NA VIDA,

HUMILHADO DE VÁRIAS FORMAS PRIVADO DE MINHA LIBERDADE SOCIAL

MAS SEMPRE FUI UM SAUDOSO GUERREIRO, DE PAZ ESPIRITUAL, DE

COMUNHÃO COM O PAI SUPERIOR E AINDA HOJE, SEMPRE QUE POSSO

AS VEZES FICO OLHANDO AO CÉU O ENTARDECER NO HORIZONTE E BEM

AO LONGE ENXERGO A ESPERANÇA DE UM NOVO DIA EM MINHA VIDA...

...E SONHO!!

...SONHO EM ALCANÇAR A LIBERDADE DESTA DOLORIDA E DIFICIL VIDA...

...VIDA JOGADA E MANCHADA PELO TEMPO PERDIDO, SEM FRUTOS

NENHUM

VIDA EXCLUIDA, AMARGURADA E SOFRIDA!!

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...JÁ HOJE, PASSEI A ALIMENTAR E SENTIR O GOSTO DE UMA NOVA

CHANCE

... A QUAL, IREI ABRAÇAR,COM TODO O MEU FULGOR, POIS, MUITAS

OUTRAS VIERAM E SE FORAM,E EM NADA ME ADIANTOU!!...

AGORA SINTO UMA GRANDE DIFERENÇA, E VEJO UMA NOVA PORTA SE

ABRIR,...TALVEZ SEJA A LIBERDADE QUE SE ACHEGA , E ASSIM...

...EU GRITAREI AO MUNSO INTEIRO OUVIR...

...”EU POSSO,POIS EU VENCI!!”

EUCLIDES M. DA SILVA

Comentários: após a leitura do texto todos aplaudiram Euclides , agradeci a todos

que participaram.

Algumas falas da platéia no decorrer da cena:

“ele foi sincero”

voltar pra onde?

“ eu não tenho familia, minha família é meus irmãos da rua

“ ah...xi começou...”

“falou de coração”

“ falou o que tava sentindo”

“é a gente não tem coragem de olhar pra gente “

Cena 2: “atendimento na casa de convivência, todos os tipos de usuários”

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Foi montado um esquema igual ao anterior , ou seja, um atendente que

recepciona e encaminha para os diversos segmentos da casa.

Cada agente social interpretou um tipo de usuário, desde o que mente a idade e

nome, até o que não gosta de tomar o banho, mas o que roubou a cena desde o

principio foi o “N” que fez o papel do alcoolista. Ele veio pelo meio no corredor

entre as mesas , enquanto a cena de atendimento ocorria, ele vinha caindo pelos

cantos em cima dos usuários da platéia, tirando uma garrafinha plástica

simbolizando a bebida que guardava para beber durante a estadia na casa. Isto

gerou um gargalhada em todos fazendo com que a cena do palco não existisse,

mas não pararam de encenar. Entrei como um outro agente para “dar conta do

bêbado” falei baixinho pra ele que amenizasse o perfil para que a cena do palco

tivesse expressão. Mas ele estava tão dentro do papel que não tive muito

resultado...ele caia em cima de mim, tive que segurá-lo, ele falava alto,

atrapalhava todos, caia, resmungava, ficava bravo...até que chegou a vez dele e a

entrevista não pode ser realizada porque não se entendia o que ele falava e o

agente social que fazia a triagem disse que daquele jeito ele não entraria, que ele

voltasse depois que estive mais sóbrio...

A cena foi encerrada, todos aplaudiram.

FIM

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