relatório pinacoteca do estado

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DA ARQUITETURA E ESTÉTICA DO PROJETO AUH- 412 TÉCNICAS RETROSPECTIVAS. ESTUDO E PRESERVAÇÃO DOS BENS CULTURAIS RELATÓRIO DE VISITA TÉCNICA PINACOTECA DO ESTADO SCARLAT MEDEIROS GUERREIRO N° USP: 5403360 TURMA 03

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOFACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMODEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DA ARQUITETURA E ESTÉTICA DO PROJETOAUH- 412 TÉCNICAS RETROSPECTIVAS. ESTUDO E PRESERVAÇÃO DOS BENS CULTURAIS

RELATÓRIO DE VISITA TÉCNICA

PINACOTECA DO ESTADO

SCARLAT MEDEIROS GUERREIRO N° USP: 5403360TURMA 03PROFESSOR DR. JOSÉ PEDRO DE OLIVEIRA COSTA

-2007-

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LEVANTAMENTO HISTÓRICO

O antigo Liceu de Artes e Ofícios foi projetado pelo escritório de Ramos de Azevedo e

construído no final do século XIX, entre 1897 e 1900. Localizado na Avenida Tiradentes,

próximo à Estação da Luz que fica na região central da cidade de São Paulo, partido

escolhido seguia o estilo da época, o neoclássico. A construção trazia o marco do

colonialismo cultural da burguesia brasileira do período, imitação de antologias que

ensinavam à periferia do mundo a construir o caput mundi europeu.

O edifício foi construído com alvenaria portante, com pé-direito de vinte de dois metros, e

seu espaço era fragmentado por inúmeras salas organizadas ao redor de pátios internos e

também do elemento central: um octógono central semelhante em planta ao Altes Museum,

em Berlim, de Schinkel que apoiaria uma cúpula (a cúpula não foi feita por causa do prédio

não ter sido concluído). A entrada principal era feita por uma escadaria muito dura e

íngreme principal que se precipitava na Avenida Tiradentes.

O lugar era freqüentemente afetado pela umidade e os poços de luz, vedados por cem

esquadrias de suspensão, eram insuficientes, deixando o lugar sombrio. Ao longo das

décadas vários inquilinos se apropriaram do edifício , deixando marcas desprezíveis ao

longo do tempo tais como lajes intermediárias , “puxadinhos”, revestimentos inapropriados,

etc.

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OBRA DE RESTAURAÇÃO

O antigo Liceu de Arte e Ofícios foi reformado para dar lugar a novas dependências do

museu artístico mais antigo de São Paulo, a Pinacoteca do Estado. O projeto de intervenção

se iniciou em 1993 sendo concluído em fevereiro de 1998, contando com o financiamento

do Ministério da Cultura e do Governo de São Paulo, através da Secretaria de Cultura.

Participa de um projeto ainda maior de revitalização do Bairro da Luz, considerado um dos

mais deteriorados da capital, transformando em um espaço cultural no centro da cidade. O

arquiteto Paulo Mendes da Rocha ficou como encarregado do projeto juntamente com os

arquitetos Eduardo Colonelli e Wellinton Torres, dirigido pelo artista plástico Emanuel

Araújo, engajando no projeto esforços multidisciplinares.

O mais urgente a se fazer seria a consolidação das estruturas de alvenaria portante, sofridas

pelo desgaste da ação do tempo e da poluição causada pelo intenso tráfego de automóveis

na Avenida Tiradentes. Para isso, foram eliminadas as cicatrizes deixadas pelos inquilinos,

deixando transparecer as ruínas da parede de alvenaria portante desgastada. (Fig.1) O

projeto não tinha intuito de melhorar o trabalho do escritório de Ramos de Azevedo, mas de

tratar das patologias e criar um meio de melhor acessibilidade do prédio para melhor

atender a nova função do prédio. (Fig. 11)

Paulo Mendes e sua equipe procuraram explorar o potencial dos materiais que seriam

usados como estrutura, vedos, cobertura para não destoar o conjunto estético. Optou-se pela

simplicidade técnica com intervenções pontuais, porém de máxima inteligência. O vidro e o

aço foram os materiais escolhidos para fazer agregar a obra, sendo pensado também na cor

do aço para variados tipos de ambiente e de como essa cor se comportaria próxima à cor da

alvenaria desgastada. A cor do edifício deve está integrada com o conjunto de massa do

espaço urbano em que está inserido. Caso haja patologias é necessário trata-las e caso a

superfície já esteja modificada pelo tempo é sensato que a cor permaneça também como

vestígio do passado. O vidro proporcionaria transparência e leveza, o aço tem a

característica de vencer grandes vãos com perfis de pouca espessura.

Para projeto de museus na arquitetura atual é necessário um percurso mais flexível e com

opções de visuais mais aprazíveis ao espectador. O ambiente sombrio e labiríntico não se

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adequava à premissa do projeto. O artigo 12° da Carta de Veneza declara que “os

elementos destinados a substituir as partes faltantes devem integrar-se harmoniosamente ao

conjunto, distinguindo-se, todavia, das partes originais a fim de que a restauração não

falsifique o documento de arte e de história”. Assim era interesse se valer da luz natural

para clarear os ambientes internos sem trazer ofuscamento ou desconforto térmico.

Clarabóias planas em estrutura metálica reticular e vidros laminados, apoiados na estrutura

de alvenaria, impedem a entrada de chuva, permitem a eliminação das várias esquadrias

tanto do octógono quanto dos poços e dão salubridade ao lugar.(Fig.12 e 17) Essas

intervenções estão inteiramente de acordo com o restauro filológico de Boito e Giovannoni

que enfatizam que os acréscimos e renovações sejam diversos do original, porém não

destoantes do conjunto.

A fragmentação do espaço foi substituída pela permeabilidade através da criação de um

novo eixo de circulação. Passarelas metálicas cruzam o pátio interno em dois níveis,

integrando salas e dinamizando o espaço. (Fig. 2) O acesso ao museu passou a ser pela

lateral de movimento mais tranqüilo, fugindo do estrangulamento gerado pela Avenida

Tiradentes, que cresceu ao longo dos anos. A entrada principal conta com serviço de

recepção equipado com guarda-volumes e local de informações. Além disso, o

estacionamento gratuito supre a demanda de carros e fica em local estratégico, servindo

tanto para o Museu da Língua portuguesa, na Estação da Luz quanto à pinacoteca.

No lugar em que ficava a escadaria íngreme da antiga entrada principal foi feito um

belvedere, balcão metálico curvo, que serve como espaço alternativo de exposições e de

onde se pode ter uma visa privilegiada da avenida e do entorno.(Fig. 7) O alto pé-direito

possibilitou a criação de uma laje intermediária que delimita um auditório com cerca de 150

lugares para eventos distintos. O pavimento inferior se ocupou dos serviços gerais da

Pinacoteca tais como oficinas, depósitos e dependências para funcionários; no primeiro

pavimento, o espaço prioritário é reservado às exposições temporárias e, no segundo, à

exposição do acervo da Pinacoteca. Foram ainda previstos novos sanitários, laboratórios de

restauro e biblioteca com vasto acervo. Não pensando apenas no edifício em si mais em seu

entorno, o espaço em que funciona café/restaurante fica voltado para a Praça da Luz,

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trazendo interação com os visitantes tanto do parque quanto lojistas e freqüentadores da

Estação.

Para perfeita adequação às necessidades contemporâneas foi prevista uma infra-estrutura

que comportasse as tarefas normais do museu. A adequação à rede elétrica possibilitou a

instalação de um elevador para transporte de material e de publico,(Fig. 9) além do projeto

especializado de iluminação, função delegada ao italiano Piero Castiglioni que também

projetou a iluminação do Museu de Paris, de d’Orsay e do Palazzo Grassi, de Veneza. Para

ressaltar o contraste claro escuro que dialogasse com as distintas exposições que passam

pela Pinacoteca, o projetista retirou algumas esquadrias frontais do pavimento superior e as

substituiu por chapas metálicas amarronzadas que se contrapõem com o tijolo sem

revestimento. (Fig. 16)

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ESTADO ATUAL DA OBRA

A Pinacoteca, considerado um dos museus mais modernos do País, mantém constante

diálogo com a Praça da Luz e a Estação. Esse diálogo com o entorno foi alvo de discussão

da conferência em Atenas, gerando o terceiro item da Carta de Atenas. é necessário

respeitar, na construção dos edifícios, o caráter e a fisionomia das cidades, sobretudo na

vizinhança dos monumentos antigos, cuja proximidade deve ser objeto de cuidados

especiais. Paulo Mendes da Rocha também foi o encarregado da obra do Museu da Língua

Portuguesa na Estação da Luz e usou a mesma linguagem de cobertura na entrada desse

museu com a cobertura da Pinacoteca do Estado. O lugar aconchegante rodeado por árvores

e por esculturas modernas é convidativo, sendo assiduamente freqüentado ao longo da

semana. O edifício é conservado e bem utilizado, cabendo perfeitamente à função que lhe

foi proposta.

É nítida a relevância do papel da memória do Brasil do século XIX e de sua história,

disponibilizando o pensamento do futuro. Segundo afirma Emanuele Severino, “se uma

sociedade quiser ‘superar’ o passado é necessário que o conheça profundamente. Para isso

deve tutelar seus vestígios, não recaindo na ‘ingenuidade do abandono’”. A tradição não é

imóvel, ela é inovada. Congelar a história é negar a memória no modo mais puro e

essencial.

A visita técnica comprovou a leitura proposta, pois é notável o diálogo simultâneo entre o

velho e o novo. O arquiteto com graça e singeleza pôde ler o velho sem exaltá-lo em

demasia e adequá-lo de forma inteligente, abrindo mão para inovar de acordo com as

necessidades contemporâneas. Tomando a fala do próprio Paulo Mendes, “…não

simplesmente restaurar, mas também criar novos desenhos que abriguem, amparem e

expressem hábitos urbanos contemporâneos, do tempo que vivemos". Paulo Mendes pode-

se inserir na vertente crítico-conservativa e criativa dentre algumas que existem, pois está

baseada na teoria brandiana, que diz o restauro poder intervir na matéria e refazer com

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materiais novos, e no uso de recursos criativos com a remoção de adições e reintegrações

de lacunas.

Os testemunhos da passagem do tempo são visíveis e inconfundíveis. Algumas paredes em

ruínas precisaram ser completadas com alvenaria. A nova parede difere em tonalidade de

cor, não tendo algum reboco para esconder tal emenda necessária. Até as marcas da

argamassa, dos tijolos salientes e dos rasgos para a passagem do encanamento estão

propositalmente mal acabadas acentuando o caráter de distinguibilidade. (Fig. 5,13e14)

assim, confirma-se a intervenção de acordo com o prescrito no artigo 15° da Carta de

Veneza “Todo trabalho de reconstrução deverá, portanto, dever ser excluído a priori,

admitindo-se apenas a anastilose, ou seja, a recomposição das partes existentes, mas

desmembradas”.

A infra-estrutura de iluminação e de suporte para novas salas é totalmente distinta do

prédio antigo, sendo a mais usada viga metálica que se apóia em alguns pontos na estrutura

de alvenaria alto-portante.(Fig. 3) O forro é feito de grelhas metálicas de fácil remoção

(Fig. 8) e as luminárias colocadas em pontos estratégicos, por vezes escondidos, ressaltam a

beleza do edifício e das exposições.(Fig. 4) As exposições são fixas em paredes em forma

de placas de altura aproximada de 2,10m que formam nichos diversos, sendo possível a

admiração da elegância do espaço da pinacoteca e das diferentes exposições. (Fig. 6)

A Pinacoteca do Estado é um monumento precioso para São Paulo. A intervenção deu nova

vida ao degradado bairro da Luz. Intervenção essa que trabalha com a reversibilidade e a

compatibilidade de técnica e materiais. Brandi já mencionou uma vez “o restauro constitui

o momento metodológico do conhecimento da obra de arte, na sua consistência física e na

sua dúplice polaridade estética e histórica, com vistas à sua transmissão ao futuro”. Além

disso, poder-se-ia dizer que Paulo Mendes da Rocha buscou a unidade que “concerne ao

inteiro, e não a unidade que se lança no total”, sendo o total aqui entendido como o

somatório das partes isoladas.

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ARQUIVO FOTOGRÁFICO

(Fig. 1) cicatrizes da passagem do tempo.

(Fig. 2) passarela metálica

(Fig. 3) vigas metálicas apoiadas no edifício

(Fig. 4) iluminação estratégica

(Fig. 5) ruínas e peitoril metálico marrom

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(Fig. 6) exposição de quadros em paredes

(Fig. 7) antigo hall de entrada. Porta automática

(Fig. 8) forro metálico em formato de grelha

(Fig. 9) elevador colocado em um dos poços

(Fig. 10) visão panorâmica do edifício mesmo com as paredes de exposições

(Fig. 11) detalhe da pintura mal acabada e da junção do material velho e do novo

(Fig. 12) beiral metálico e vão sem esquadria

(Fig. 13) detalhe do rasgo feito para a passagem de encanamento

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(Fig. 14) detalhe piso de granito e espaço deixado entre a parede antiga e o novo piso

(Fig. 16) chapas metálicas substituindo antigas esquadrias na fachada externa

(Fig. 17) detalhe da estrutura em vidro e aço da cobertura

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BIBLIOGRAFIA

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. São Paulo, Ateliê, 2004._______, Sept propositions sur lê Concept d’Authenticité et son Usage dans lês Pratiques du Patrimoine Historique. In: Nara Conference on Authenticity, Paris, UNESCO, 1995, pp. 101-120.

LEMAIRE, Raymond. Authenticité et Patrimoine Monumental, Restauro, Napoli, 1994, n. 129, pp. 7-24.________, Pinaconteca do Estado. In: São Paulo State Pinacotheque, São Paulo, Sp, 1993.________, Carta de Restauração de Atenas. Carta de Veneza (In: Cartas Patrimoniais, Rio de Janeiro: IPHAN, 1999).

www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp038.asp www.iphan.gov.br

Notas de aulas.