relatorio nike

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COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DESTINADA A APURAR A REGULARIDADE DO CONTRATO CELEBRADO ENTRE A CBF E A NIKE Relator: SÍLVIO TORRES Presidente: ALDO REBELO 1º Vice-Presidente : NELO RODOLFO 2º Vice-Presidente: PEDRO CELSO 3º Vice-Presidente: EURICO MIRANDA SUB-RELATORES Eduardo Campos Tráfico de Menores Jurandil Juarez Passaportes Falsos José Rocha Legislação Dr. Rosinha Federações Sul e Nordeste Léo Alcântara Federações Sudeste Olímpio Pires Federações Norte Centro Oeste JUNHO/2001

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  • COMISSO PARLAMENTAR DEINQURITO DESTINADA A APURAR A

    REGULARIDADE DO CONTRATOCELEBRADO ENTRE A CBF E A NIKE

    Relator: SLVIO TORRES

    Presidente: ALDO REBELO1 Vice-Presidente: NELO RODOLFO2 Vice-Presidente: PEDRO CELSO3 Vice-Presidente: EURICO MIRANDA

    SUB-RELATORESEduardo Campos Trfico de Menores

    Jurandil Juarez Passaportes FalsosJos Rocha LegislaoDr. Rosinha Federaes Sul e Nordeste

    Lo Alcntara Federaes SudesteOlmpio Pires Federaes Norte Centro Oeste

    JUNHO/2001

  • NDICE

    COMISSO PARLAMENTAR DE INQURITO DESTINADA A APURAR AREGULARIDADE DO CONTRATO CELEBRADO ENTRE A CBF E A NIKE (CPI

    CBF/NIKE).

    Composio............................................................................................................................1

    DEMONSTRATIVO ESTATSTICO DAS REUNIES REALIZADAS...................... 2

    AGRADECIMENTOS ......................................................................................................... 4

    Introduo ............................................................................................................................. 8

    Captulo I O futebol brasileiro: diagnstico de suas dimenses; sugestes ............13

    Captulo II - Legislao Desportiva: Evoluo Histrica................................................ 24

    Captulo III A CBF uma associao civil sem fins lucrativos ................................... 34

    Captulo IV O Contrato entre a CBF, a Nike e a Traffic............................................. 56

    Captulo V -- Outros Contratos da CBF. A Parceria com a Traffic............................... 78

    Captulo VI Administrao da CBF acumula prejuzos.................................................91

    Captulo VII Emprstimos no Exterior a juros extorsivos...........................................130

    Captulo VIII Doaes polticas. Criao de uma rede de influncia poltica noCongresso. ..........................................................................................................................156

    Captulo IX Declaraes de Renda de Ricardo Teixeira.............................................175

    Captulo X - Federaes: desagregao da organizao conferativa ............................. 191ACRE .............................................................................................................................. 194

    ALAGOAS....................................................................................................................... 197

    AMAP ........................................................................................................................... 201

    amazonas .......................................................................................................................... 209

    BAHIA............................................................................................................................. 227

    BRASLIA ....................................................................................................................... 234

    CEAR............................................................................................................................ 249

    ESPRITO SANTO.......................................................................................................... 253

    GOIS............................................................................................................................. 259

    MARANHO .................................................................................................................. 266

    MATO GROSSO ............................................................................................................. 276

    MATO GROSSO DO SUL............................................................................................... 287

    MINAS GERAIS.............................................................................................................. 292

    PAR............................................................................................................................... 304

  • paraba ............................................................................................................................. 309

    PARAN ......................................................................................................................... 319

    PERNAMBUCO .............................................................................................................. 331

    piau ................................................................................................................................. 338

    rio de janeiro.................................................................................................................... 348

    RIO GRANDE DO NORTE............................................................................................. 352

    RIO GRANDE DO SUL................................................................................................... 358

    rondnia........................................................................................................................... 372

    RORAIMA....................................................................................................................... 380

    santa catarina................................................................................................................... 388

    SO PAULO.................................................................................................................... 392

    sergipe .............................................................................................................................. 398

    Tocantins ......................................................................................................................... 403

    Captulo XI Passaportes falsos de jogadores ............................................................... 406

    Captulo XII - Fbrica de gatos. Falsificao de identidades e trfico de menorespara o Exterior................................................................................................................... 440

    Captulo XIII - Negcios de Juan Figer...........................................................................461

    Captulo XIV - Hlio Viana e Pel Sports ....................................................................... 478

    CAPTULO XV - OUTROS DEPOIMENTOS............................................................. 4891. Depoimento do Deputado Federal Eurico Miranda ...................................................... 489

    2. Depoimento de Kleber Presidente da Kleffer........................................................... 501

    3. Depoimento de Wanderley Luxemburgo ...................................................................... 506

    Captulo XVI -- Segurana nos Estdios........................................................................ 523

    Captulo XVII -- A Questo das Arbitragens.................................................................. 530

    CAPTULO XVIII - PAINIS SOBRE A LEGISLAO DESPORTIVA ................ 533

    XIX CONCLUSES...................................................................................................... 540

    ANEXOS ............................................................................................................................619

  • COMISSO PARLAMENTAR DE INQURITO DESTINADA A APURAR AREGULARIDADE DO CONTRATO CELEBRADO ENTRE A CBF E A

    NIKE (CPI CBF/NIKE).

    Criada pelo RCP n 0003/99 Constituda em: 16/10/2000 Instalada em: 17/10/2000

    COMPOSIO

    PRESIDENTE: DEPUTADO ALDO REBELO (PCdoB-SP)1 VICE-PRESIDENTE: DEPUTADO NELO RODOLFO (PMDB-SP)2 VICE-PRESIDENTE: DEPUTADO PEDRO CELSO (PT-DF)3 VICE-PRESIDENTE: DEPUTADO EURICO MIRANDA (PPB-RJ)

    RELATOR: DEPUTADO SILVIO TORRES (PSDB-SP)

    TITULARES SUPLENTESBloco PSDB, PTB

    ALEX CANZIANI (PSDB/PR) - 5842 BASLIO VILLANI (PSDB/PR) - 5634ALEXANDRE SANTOS (PSDB/RJ) - 5302 FERNANDO GONALVES (PTB/RJ) - 5256IRIS SIMES (PTB/PR) - 5948 JUQUINHA (PSDB/GO) - 5335LO ALCNTARA (PSDB/CE) - 5726 RAIMUNDO GOMES DE MATOS(PSDB/CE) - 5725MAX ROSENMANN (PSDB/PR) - 5758 SRGIO REIS (PSDB/SE) - 5958SILVIO TORRES (PSDB/SP) - 5624 YEDA CRUSIUS (PSDB/RS) - 5956

    Bloco PMDB, PST, PTNDARCSIO PERONDI (PMDB/RS) - 5518 ANTNIO DO VALLE (PMDB/MG) - 5503GEOVAN FREITAS (PMDB/GO) - 5580 JOO MAGALHES (PMDB/MG) - 5211JOS LOURENO (PMDB/BA) - 5313 JORGE PINHEIRO (PMDB/DF) - 5837JURANDIL JUAREZ (PMDB/AP) - 5383 JOS BORBA (PMDB/PR) - 5616NELO RODOLFO (PMDB/SP) - 5660 PEDRO CHAVES (PMDB/GO) - 5406

    PFLCHICO SARDELLI (PFL/SP) - 5706 EXPEDITO JNIOR (PFL/RO) - 5240CORAUCI SOBRINHO (PFL/SP) - 5460 ILDEFONO CORDEIRO (PFL/AC) - 5231JAIME MARTINS (PFL/MG) - 5333 JOS MCIO MONTEIRO (PFL/PE) - 5458JOS MENDONA BEZERRA (PFL/PE) - 5314 LUIS BARBOSA (PFL/RR) - 5340JOS ROCHA (PFL/BA) - 5908 ROBERTO PESSOA (PFL/CE) - 5607

    PTDR. ROSINHA (PT/PR) - 5474 GERALDO MAGELA (PT/DF) - 5479EDUARDO CAMPOS (PSB/PE) - 5846 JOS GENONO (PT/SP) - 5270PEDRO CELSO (PT/DF) - 5572 TNIA SOARES (PCdoB/SE) - 5625

    PPBEURICO MIRANDA (PPB/RJ) - 5420 HERCULANO ANGHINETTI (PPB/MG)-5241JOS JANENE (PPB/PR) - 5608 TELMO KIRST (PPB/RS) - 5424

    PDTOLIMPIO PIRES (PDT/MG) - 5384 JOO SAMPAIO (PDT/RJ) - 5944

    Bloco PSB, PCdoBALDO REBELO (PCdoB/SP) - 5924 1 vaga

    Bloco PL, PSLLUCIANO BIVAR (PSL/PE) - 5717 VALDECI PAIVA (PSL/RJ) - 5508

    PPSRUBENS FURLAN (PPS/SP) - 5836 REGIS CAVALCANTE (PPS/AL) - 5724

  • COMISSO PARLAMENTAR DE INQURITO DESTINADA A APURAR AREGULARIDADE DO CONTRATO CELEBRADO ENTRE A CBF E A

    NIKE.

    DEMONSTRATIVO ESTATSTICO DAS REUNIESREALIZADAS

    1 - AUDINCIAS PBLICAS:

    - n de reunies realizadas: 35

    - n de horas: 188 h 26 min. mdia aproximada de 5 h37 min., porreunio

    - n de depoentes: 100 mdia aproximada de 3 por reunio

    - n de Parlamentares participantes: 380 mdia aproximada de 11 porreunio

    - n de indagaes formuladas: 1.900 mdia aproximada de 55 porreunio

    2 - ORDINRIAS:

    - n de reunies realizadas: 17

    - n de horas: 23 h 39 min. mdia aproximada de 1 h 37 min. por reunio

    - n de Parlamentares participantes: 222 mdia aproximada de 13 por reunio

    3 - REUNIES DA SUB-RELATORIA DE LEGISLAO:

    - n de reunies realizadas: 7

    - n de horas: 25 h 11 min. mdia aproximada de 3 h 58 min. por reunio

    - n de depoentes: 25 mdia aproximada de 4 por reunio

    - n de Parlamentares participantes: 52 mdia aproximada de 8 por reunio

    - n de indagaes formuladas: 260 mdia aproximada de 37 por reunio

    4 - TOTAL DE REUNIES (CPI + SUB-RELATORIA)

    - n de reunies realizadas: 59

    - n de horas: 237 h 16 min. mdia aproximada de 4 h por reunio

    - n de depoentes: 125 mdia aproximada de 2 por reunio

  • - n de Parlamentares participantes: 654 mdia aproximada de 11 por reunio

    - n de indagaes formuladas: 2.160 mdia aproximada de 37 por reunio

  • AGRADECIMENTOS

    Cresci no interior de So Paulo praticando futebol nas caladas, nas ruasde terra, nos campinhos improvisados no meio de pastos e em espaos de recreio nasescolas. Privilegiado dentre tantos da minha idade, cheguei aos clubes que dispunhamde campos de verdade para categorias menores. No fui longe, mas me tornei umtorcedor apaixonado e praticante bissexto mantendo com o futebol uma relaoconstante em toda a minha vida.

    Minha cidade, So Jos do Rio Pardo, diferentemente do que aconteceucomigo, revelou craques que se destacaram, forjados em condies semelhantes quetive na infncia e juventude.

    Richard, que jogou pelo Palmeiras no incio da dcada de 50, abriucaminho para uma fila de dolos da terra que revelou e projetou Modesto, pelo Santos;Alosio, pela Portuguesa; Zanata, pelo Vasco; Rondinelli, pelo Flamengo; Edson e LuizFernando, pelo Corinthians; Mrcio Arajo, pelo So Paulo, e outros jogadores de bomnvel tcnico. Tive o prazer de conviver e at mesmo de jogar com eles nas 'peladas' eem torneios municipais.

    Minhas ligaes com o futebol comearam bem antes e estorelacionadas prpria histria da minha famlia: meu pai, Luprcio Torres, foi jogador epresidente do Rio Pardo F. C. que, a exemplo de outro time da cidade a AssociaoAtltica Rio Pardense - disputou campeonatos amadores do Estado na dcada de 40.Meus irmos seguiram destinos parecidos: Luprcio e Elizabeth ocuparam cargos dedireo do mesmo clube e, um outro irmo j falecido, Marcus, foi diretor doCorinthians nos anos 80, atuando no futebol amador e no basquete.

    Permito-me registrar essas reminiscncias pessoais para afirmar que elasforam um importante estmulo para a minha tarefa de levar frente esta CPI, tarefa quejulgo ter cumprido sem abdicar do enorme prazer que o tempo da minha vida ligado aofutebol me proporcionou.

    Creio eu, lembranas parecidas que a maioria dos brasileiros aindapreserva na memria e no corao.

    No entanto, as profundas crises moral e tcnica que vm destruindo ofutebol brasileiro nos ltimos anos acabaram afetando at mesmo os sentimentos e ointeresse de milhes de simpatizantes e torcedores pelo futebol, que fugiram dosestdios, mudaram de canal de televiso e desligaram o rdio, indignados comdenncias de escndalos e irregularidades que esto presentes nos mais diferentessetores do nosso futebol.

  • A isso se deve a criao desta CPI. Ela nos levou a dedicar oito meses detrabalho, na busca da identificao das causas e dos agentes que permitiram tamanhodescalabro.

    O relatrio que apresentamos o resultado da investigao que aComisso realizou por todo o Pas e, em alguns casos, at no exterior, para esclarecer aopinio pblica sobre a realidade do futebol brasileiro, que se expressa no apenas nososcilantes ndices tcnicos e no ufanismo de convenincia que tentam esconder a sujeiradebaixo do tapete.

    Por isso, como se ver, alm de analisar o contrato CBF/NIKE,procuramos trazer luz todos os fatos que envolvem setores do futebol brasileirorelacionados com a entidade-me, a CBF, e, em especial, os contratos compatrocinadores, a administrao da entidade e sua relao com as federaes, alm daao dos empresrios e agentes que representam interesses comerciais, econmicos epolticos.

    A CPI ouviu 125 pessoas; recebeu e analisou milhares de documentos e,alm de repassar com transparncia opinio pblica tudo o que encontrou, utilizou-sedessas informaes para elaborar, na forma de projeto de lei, uma proposta paramodernizao e moralizao do futebol brasileiro.

    Essa a colaborao maior que acreditamos ter dado para ver resgatada acredibilidade desse esporte, que hoje se constitui em uma importante alavanca para aeconomia do Pas e, mais do que isso, queremos tambm preserv-lo como patrimniocultural inalienvel que o transforma em um bem pblico - o nico que consegue unirtodo o territrio nacional em torno de uma s paixo, democraticamente dividida porclasses e segmentos sociais.

    Ao encerrar essa tarefa, que no contm a pretenso de preencher todasas expectativas da sociedade, estou convicto de que a CPI CBF/NIKE vai dar umaimportante contribuio para que a tica, a transparncia e o interesse pblico sejamvalores essenciais para habilitar as pessoas e entidades que pretendam comandar ofutebol brasileiro e lev-lo condio de lder inquestionvel do futebol mundial.

    O presidente da CPI, deputado Aldo Rebelo, foi o criador destaComisso, pela qual lutou e qual deu um brilho especial pela sua dedicao eliderana. Agradeo o privilgio de t-lo tido como parceiro, assim como aos sub-relatores, Dr. Rosinha, Eduardo Campos, Jos Rocha, Lo Alcntara e Olmpio Pires.

    Aos demais membros da Comisso, que se revezaram no trabalho deacompanhar audincias e sesses de votao, registro tambm meus agradecimentos,extensivos aos funcionrios incansveis da Secretaria da CPI, aos consultores eassessores da Cmara e aos colaboradores cedidos por outros rgos, cujos nomes solistados em outro espao do relatrio.

    imprensa, em especial imprensa esportiva, agradeo o estmulo peloacompanhamento constante e das informaes relevantes que nos trouxeram, como

  • tambm o fizeram inmeros amigos e torcedores que se manifestaram pessoalmente epor correspondncias enviadas Comisso.

    Agradeo, ainda, ao lder e hoje presidente Acio Neves que me escolheu,em meio a tantos companheiros competentes, para representar o partido nessaComisso, sem interferir na minha liberdade de ao.

    Um especial agradecimento fao minha mulher, Vera Lcia, e aos meusfilhos, Fbio, Henrique e Marina, apoio de todos os momentos, especialmente daquelesnos quais tive que me ausentar para realizar este trabalho.

    SILVIO TORRES

    Relator

  • AGRADECIMENTOS:

    SECRETARIA DA CPI

    ANTONIO CARLOS BARBOSA DEISE SIQUEIRA DEL NEGRO ESTEVAM DOS SANTOS SILVA MARCOS FIGUEIRA DE ALMEIDA MARIA TEREZINHA DONATI

    ASSESSORIA DA CPI

    CARLOS ALBERTO DE AZEVEDO CARLOS ANTNIO MENDES RIBEIRO LESSA EMILE PAULUS BOUDENS KTIA DE CARVALHO JACOPPETTI LUIZ HENRIQUE CASCELLI DE AZEVEDO PAULO DE SENA MARTINS

    REQUISITADOS DE OUTROS RGOS

    AGNALDO ANTONIO GISLENI BACEN ANDR LUIZ DE CARVALHO - TCU EDUARDO PINGARILHO MENDIZABAL BANCO DO BRASIL FLVIO BRITO MAGNO BACEN JOAQUIM PINHEIRO BEZERRA DE MENEZES BACEN MIGUEL DE SIQUEIRA VERAS BACEN NORBERTO DE SOUZA MEDEIROS - TCU PEDRO ARRAES DE ALENCAR BACEN

  • INTRODUO

    A CPI para apurar a regularidade do contrato CBF-Nike foi requerida em11 de maro de 1999. E foi instalada em 17 de outubro de 2000, dezenove mesesdepois. Esse intervalo de quase dois anos revelador das imensas resistncias que seantepuseram sua criao. Tambm durante sua vigncia esta CPI encontroudificuldades e obstculos de variados tipos s suas investigaes. E atuou ameaada deter seus trabalhos encerrados a qualquer momento. Seu fim prematuro foi anunciadoinmeras vezes pela imprensa. Trabalhou, pois, sob uma condio sui generis, porque asoutras CPIs da Casa no costumam sofrer essa presso, e h at uma delas que est emfuncionamento j pelo segundo ano (sobre mortalidade materna). Encerra-se aps oitomeses. Cabe sociedade avaliar contribuio que deu para o aperfeioamento doesporte nacional.

    POR QUE UMA CPI PARA INVESTIGAR O FUTEBOL?

    Por volta de 1993 a Confederao Brasileira de Futebol, a CBF,comeou a chamar mais a ateno da opinio pblica pelas suspeitas de irregularidadesna sua administrao do que pelas faanhas da Seleo canarinho. O empresrio EdsonArantes do Nascimento, o Pel, veio a pblico para denunciar que sua empresa deintermediao de patrocnios e de negcios de direitos de imagem televisivos na reaesportiva, a Pel Sports, havia sido vtima de uma tentativa de chantagem. A PelSports tentava comprar junto CBF os direitos de transmisso de imagem doCampeonato Brasileiro de 1994. Ofereceu 5 milhes de dlares por esses direitos. Pelacusou o ento diretor financeiro da CBF, Jos Carlos Salim, de exigir uma propina deum milho de dlares, depositados num Banco da Sua, para fechar o contrato. Pelrecusou-se a pagar e denunciou o fato imprensa. Ricardo Teixeira, presidente da CBF,processou Pel. Denncias mtuas, agresses verbais, represlias, iriam se sucederdurante os ltimos sete anos.

    Essa polmica revelou que nos bastidores do futebol nacional sedesenrolava uma concorrncia feroz entre empresas de intermediao de negciospublicitrios na rea esportiva, envolvendo tambm emissoras de TV e grandes clubesde futebol agrupados no Clube dos Treze. A empresa Traffic Assessoria eComunicao, do ex-jornalista esportivo Jos Hawilla, sara na frente e levavavantagem. Conseguira firmar contratos de exclusividade para intermediao de certosdireitos da CBF. Vantagem que havia de se tornar virtual monoplio a partir dasdenncias de Pel, j que, desde ento a Pel Sports seria praticamente banida denegcios no Brasil durante a dcada dos 90. A luta comercial estendeu-se at retaliao pessoal contra Pel. Como no episdio em que Joo Havelange, entopresidente da FIFA, solidrio com seu ento genro e scio, Ricardo Teixeira, alijouPel, a maior celebridade do universo do futebol, das cerimnias oficiais de abertura daCopa do Mundo de 1994.

  • A conquista do tetra-campeonato pelo Brasil na Copa de 94 foi omomento de maior prestgio da CBF sob direo de Ricardo Teixeira. Poderia tersignificado o alvio das crticas que a direo da entidade vinha recebendo. Mas arepercusso da gloriosa conquista acabou parcialmente comprometida dois dias depois,pelo Vo da Muamba. De volta ao Brasil, a delegao tetracampe provocouescndalo ao tentar trazer 17 toneladas de bagagem, sem passar pela Alfndega. Por uminstante a Nao suspendeu os aplausos e assistiu perplexa a um espetculo dearrogncia e truculncia, encenado pelo presidente da CBF, que tentava colocar-seacima da lei.

    Em 1997, estourou o Escndalo da Arbitragem, que envolveu IvensMendes, at ento responsvel pela Comisso Nacional de Arbitragem da CBF,CONAF. Acusado de graves irregularidades, Ivens Mendes foi afastado da funo,deciso tomada em Assemblia Geral da CBF. Intensificou-se o debate sobre oschamados instrumentos de poder da cartolagem, ou seja, a justia desportiva, aarbitragem e o passe.

    O futebol profissional havia se convertido plenamente num produtocomercial, movimentava vultosos capitais. Essa tendncia encontrava respaldo namudana de legislao -- Lei Zico em 1993; Lei Pel em 1998, -- que abriamespao para a interveno empresarial em seu gerenciamento. Generalizava-se o debatesobre questes como patrocnio desportivo, comercializao de marcas, exploraodo desporto por empresas pblicas e privadas para fins de publicidade e parcerias entreclubes e bancos de investimento. Repercutia intensamente o sucesso de algumasparcerias como, por exemplo, Coca-Cola e Comit Olmpico Internacional, Energil eCruzeiro, Parmalat e Palmeiras. Alastrava-se a idia de que possvel transformar ofutebol num grande negcio, desde que os clubes sejam administrados como empresas,supostamente sem concesses s disputas internas pelo poder poltico, substituindo oscartolas por executivos de fundos de investimentos, sintonizados com o mercado.A Confederao Brasileira de Futebol tambm se contaminou desse vis empresarial.

    A CBF anunciava com desenvoltura seu sucesso em negcios queenvolviam grandes nmeros, milhes de dlares. Dessa dana dos milhes o que atorcida mais percebia eram: 1) a partida em massa dos nossos melhores jogadores parairem jogar no Exterior; 2) os grandes lucros das empresas de marketing esportivo, ossinais de rpido enriquecimento de empresrios, agentes de jogadores, de dirigentes.

    Paralelamente, as finanas de clubes e federaes iam de mal a pior, emestado de crise econmica e financeira cada vez mais grave. A grande massa de atletasficou ainda mais abandonada, com salrios mais baixos, sem acesso a assistncia mdicanem a um plano de previdncia social. Quanto aos poucos craques afortunados porcontratos milionrios, espalharam-se pelo planeta, deixando atrs de si um futebolmenos vistoso e estdios crescentemente vazios.

    Quanto ao essencial, quanto arte do jogo, aos resultados, qualidade dofutebol praticado pela seleo brasileira, e pelos clubes, o futebol milionrio e

  • marqueteiro amargava frustraes crescentes, como se viu da atuao fracassada naOlimpada de 1996 e a sucesso de maus resultados desde ento.

    O episdio mais significativo dessa euforia empresarial deu-se emmeados de 1996 com a assinatura de um contrato entre a CBF e a multinacional Nikede material esportivo. Trata-se de um contrato de patrocnio e apoio, entre a empresaNike Europe B.V., e a Confederao Brasileira de Futebol, intermediado pela TrafficAssessoria e Comunicaes. Por este contrato, a Nike tornou-se co-patrocinadora daCBF, junto com a Coca-Cola, para o uso da imagem da seleo brasileira de futebol,alm de patrocinadora e fornecedora exclusiva de material esportivo da CBF.

    A outra face da moeda: o episdio mais frustrante deu-se em 1998, coma derrota da seleo brasileira na final da Copa do Mundo, para a Frana. A maneiracomo nossa seleo se comportou na maioria dos jogos, e como foi derrotada,levantou a indignao contra os mtodos usados na seleo e sobre os critrios deadministrao da CBF. A Nao torcedora teve o vislumbre de que os dirigentes daCBF estavam por demais ocupados com grandes negcios. Para eles, o futebol era oque menos importava.

    O Deputado Aldo Rebelo relembra:

    Das cenas de tristeza e revolta pela derrota do Brasil na Copada Frana, uma me impressionou em particular. Era a foto de umestudante com um cartaz onde desenhara a Bandeira do Brasil. No lugarda frase Ordem e Progresso ele escreveu: Nike. Abaixo, o grito derepulsa: Nossa bandeira agora esta. O estudante levou seu protestopara o aeroporto do Rio, na hora em que o presidente da CBFdesembarcava com a taa de vice-campeo. Um segurana do sr. RicardoTeixeira destruiu o cartaz.

    O jornalista Juca Kfouri, ento na Folha de S. Paulo, ousou fazer asperguntas cabveis. A onipresena da NIKE em todos os momentos da vida daseleo tornou-se o alvo principal das crticas. Que significava essa interferncia que iadesde a convocao, escalao, programao de eventos que obrigava a suspenso detreinamentos, que escolhia de adversrios, inclusive data e local? Em que medida ainterferncia da Nike na seleo brasileira influenciara no insucesso do time brasileiro?A suspeita de que a CBF havia cedido o controle sobre a seleo brasileira Nike noparava de crescer, embora ainda no fossem conhecidas as clusulas do contrato.

    A LUTA PELA CONVOCAO DA CPI

    S em janeiro de 1999 a imprensa teve acesso ao contrato entre a CBF ea Nike. Sua divulgao levantou vozes indignadas. O jornalista Armando Nogueira viuo contrato como uma rendio melanclica ao poder do dinheiro. E foi adiante:posso, agora, entender a onda de maledicncia popular que atribuiu a derrota brasileirano final da Copa a um conchavo comercial.

  • Em 11 de maro de 99, o Deputado Aldo Rebelo enviou requerimentoao Deputado Michel Temer, ento presidente da Cmara dos Deputados, em favor dacriao desta Comisso Parlamentar de Inqurito destinada a investigar a regularidadedo contrato CBF-Nike. Alegava como motivos suficientes a existncia de clusulascontratuais que asseguram Nike a organizao dos jogos e a escolha dos times quecompetiro com a seleo brasileira e limitam o poder de deciso da CBF sobre osjogos amistosos destinados preparao tcnica e ttica do time. Argumentava quetais clusulas podiam significar o desrespeito aos princpios fundamentais inscritos noartigo 2 da Lei Geral do Desporto, entre os quais os da soberania, da autonomia e daidentidade nacional; e ao art. 4, 2 da mesma Lei, que dispe que a organizao desportivado Pas, fundada na liberdade de associao, integra o patrimnio cultural considerada de elevadointeresse social.

    A CBF ops-se convocao da CPI. Ricardo Teixeira, argumentavaque, por tratar-se de uma entidade civil de direito privado, a CBF no poderia serinvestigada pelo Congresso Nacional. De incio, a CBF arregimentou deputados,dirigentes de futebol, artistas, treinadores, para esvaziar a proposta. Ricardo Teixeiraconvenceu o ex-treinador da seleo, Mario Zagallo e aquele que na poca era otreinador, Wanderley Luxemburgo, a enviarem cartas Cmara de Deputados negandoqualquer interferncia da Nike na seleo. Luxemburgo chegou a ser mandado aBraslia para reafirmar pessoalmente sua posio. Vrios Deputados que haviamsubscrito o requerimento foram pressionados e retiraram suas assinaturas. Apesar disso,restaram 206 assinaturas (so necessrias 171) e a CPI pde ser criada.

    Mas ainda no foi dessa vez que se implantou. Desencadeou-se umaoperao-abafa: imediatamente foram desarquivadas CPIs remanescentes, criadas nalegislatura anterior, e que haviam sido encerradas em 31 de dezembro de 1998. CPIsaprovadas, mas que no haviam sido instaladas, foram abertas s pressas. Como oregimento limita a cinco o nmero de CPIs simultneas, a da CBF, que era a segunda,passou a ser a oitava. Iria amargar na fila por 19 meses.

    Sua criao se efetivou em 16 de outubro de 2000. S depois que novosincidentes escandalizaram ainda mais a opinio pblica. Indicaes adicionais dainterferncia da Nike na seleo se evidenciaram no episdio dos dois jogos naAustrlia em que Wanderley Luxemburgo recusou-se a escalar Ronaldo (ele s podiajogar um, devido as obrigaes de contrato com o Inter de Milo). O treinador alegouque isso prejudicaria a preparao da seleo para a Olimpada. A Nike queria queRonaldo jogasse pelo menos um jogo porque assumira no contrato com a FederaoAustraliana a escalao obrigatria de Ronaldo. Como isso no ocorreu, os jogos foramrealizados com portes abertos. A Nike perdeu a arrecadao. E depois descontou doque tinha de pagar CBF.

    Outros fatos negativos foram o fracasso da seleo brasileira naOlimpada de Sidney, e a medocre participao nos jogos eliminatrios para a Copa de2002. E, como se tudo aquilo no bastasse, caram como uma bomba as denncias queenvolveram Wanderley Luxemburgo. O tcnico da seleo foi acusado de intermediar

  • vendas de jogadores brasileiros para o Exterior, de sonegar seus ganhos ao Imposto deRenda. E, mais grave ainda, convocar jogadores para a seleo apenas para provocarsua valorizao e poder vend-los para o Exterior. Luxemburgo foi demitido do cargode treinador, agravando-se ainda mais a crise da seleo.

    Ricardo Teixeira e a administrao da CBF eram alvos de crticas cadavez mais pesadas. A imprensa repercutia denncias de m administrao, de corrupo,que ganhavam mais eco por se juntarem ao descontentamento de milhes detorcedores com o desempenho da seleo.

    No bastasse o clima de caos que se instalara, o Senado Federal tambmresolveu abrir uma CPI para investigar o futebol. Era demais! Pouco depois, a CPICBF-Nike foi instalada pela Cmara dos Deputados. Agora a sociedade ia poder afinalconhecer os subterrneos do futebol. E saber os motivos por que interesses poderososhaviam resistido to tenazmente sua instalao.

  • CAPTULO I O FUTEBOL BRASILEIRO: DIAGNSTICO DE SUASDIMENSES; SUGESTES

    O futebol um dos aspectos de maior vitalidade do patrimnio culturaldo povo brasileiro. Embora seja um jogo importado -- sua forma regulamentar chegouao pas no final do sculo dezenove -- rapidamente integrou-se paisagem. O futebolcomo hoje, seus milhes de jogadores, seus clubes, torcidas, uma criao dasociedade, sua existncia no depende do Estado, e sustentada unicamente pelavontade da cidadania, enraizada na tradio, e sempre renovada pela paixo popular e amagia do esporte. Tal sua importncia que a lei Pel, que rege o futebol, no artigo 4,afirma que a organizao desportiva do pas integra o patrimnio cultural e considerada de elevado interesse social. Um patrimnio que deve ser preservado,conforme prev a Constituio.

    A matriz do futebol se alimenta em trs fontes: os praticantes, ostorcedores, e sua expresso viva, que a associao voluntria dos aficcionados emseus clubes. Sua presena no imaginrio popular intensa, a seleo de futebol usa ascores da bandeira e chega a se confundir com a Nao, suas vitrias e derrotas sovitrias ou derrotas do pas; os grandes atletas so heris que povoam o universomtico, os sonhos de glria e de riqueza dos jovens.

    Ao longo do sculo vinte o futebol veio crescendo de importncia comoelemento de identidade nacional. Como atividade de massa que envolve milhes depraticantes e torcedores, sua influncia crucial para o aprimoramento esportivo, fsicoe tcnico, formao moral de crianas, jovens e adultos.

    Motivo de alegria e forma de participao, o futebol tambm a maiorfonte de lazer para a populao de todas as idades em todos os cantos do pas. Dadecorre seu dinamismo econmico -- atividade geradora de empregos, criadora deriquezas em volume considervel para o PIB nacional.

    A mercantilizao do esporte, e em particular, do futebol criou, nosltimos anos, uma situao nova em que grande fluxo de capitais passou a envolver asatividades esportivas. A venda de direitos de uso de imagem de selees, clubes ejogadores a empresas de produtos esportivos e outros, a venda dos direitos detransmisso de jogos por TV, rdio, Internet etc.; as transferncias de jogadores entreclubes e de um pas a outro, tudo isso, somado, superou em muito a antiga fonte derecursos que era a renda resultante da venda de ingressos para torcedores assistirem aosjogos em estdios. Numa fase mais recente, grandes grupos de investidores, fundos deinvestimentos multinacionais inclusive, atrados pelo potencial econmico do futebol,vm entrando no setor, patrocinando e tornando-se co-administradores de clubes ejogadores.

    Esse tipo de interferncia, endereado busca de lucros e de resultadosque valorizem a imagem da marca patrocinadora, tem exercido uma influncia que est

  • submetendo o futebol a rpidas mudanas e a distores. No Brasil, como a atividadeainda administrada de forma amadorstica e os negcios feitos em grande parte nainformalidade, o resultado tem sido uma elevao do grau de corrupo. E se cria umquadro de contrastes. Por um lado, emissoras de TV, empresas de investimentos e demarketing, empresrios e agentes de jogadores, obtm lucros elevados; boa parte dosdirigentes se enriquecem pessoalmente; uma minoria de jogadores recebem altossalrios. Por outro lado, as entidades e clubes mergulham em crise profunda,chegando em muitos casos insolvncia. A maior parte dos atletas recebe baixossalrios e no tem qualquer sistema de aposentadoria. A qualidade do futebol decai, osestdios vo ficando vazios. E tambm abandonados, sem reformas e manuteno,oferecendo pouco conforto e at mesmo tornando-se ameaa segurana dostorcedores.

    Como ilustrao veemente desses fatos cabe anexar reportagem dojornal Folha de S. Paulo de 29 de fevereiro de 2000:

    Ttulo da matria:

    Dados da CBF revelam empobrecimento jogador nacional

    da Sucursal do Rio

    Ao mesmo tempo em que o futebol brasileiro recebeinvestimentos nunca antes vistos, com os principais clubes firmandoparcerias com multinacionais milionrias, os jogadores do pas esto cadavez mais pobres.

    Segundo documentos oficiais do Departamento de Registro eTransferncia da CBF (Confederao Brasileira de Futebol) obtidos pelaFolha, os ''boleiros ricos'' integram uma parcela cada vez menor nofutebol brasileiro.

    De acordo com o levantamento, apenas 3,7% dos jogadores profissionaisrelacionados na entidade receberam mais de 20 salrios mnimos no anopassado. Ou seja, 765 dos 20.496 jogadores registrados na CBFganharam mais de R$ 2.720 mensais em 1999.

    Em 1998, a porcentagem de jogadores que integravam a elite do futebolnacional era de 4,3 %.

    Analisando as estatsticas dos ltimos quatro anos, descobre-seque, enquanto o grupo que ganha at dois salrios mnimos mostra umatendncia de crescimento, a parcela daqueles que recebem de duas a maisde 20 vezes esse valor apresenta inclinao contrria (veja quadroabaixo).

  • Em 1996, 81% dos profissionais do pas recebiam at dois salriosmnimos, nmero que pulou para 84,8% no ano passado (crescimento de4,7%).

    Ocorre que a categoria dos miserveis do futebol nacional foi engordadaem 20% por atletas que, em 1996, estavam no grupo dos que ganhavammais de dois salrios mnimos (naquele ano, eles eram 19%, ao passoque hoje representam 14,7%).

    O fenmeno contrasta com a injeo de dinheiro observada recentementeno futebol do pas, especialmente no ano passado.

    Em 1999, o Flamengo firmou contrato com a ISL pelo qual recebercerca de R$ 145 milhes em 15 anos (a maior parte para o futebol),enquanto o Corinthians fechou acordo com o HMTF recebendoaproximadamente R$ 55 milhes por dez anos.

    Cruzeiro, Grmio, Santos e Atltico-MG tambm acertaramrecentemente parcerias milionrias com multinacionais.

    A CBF fechou, em 1996, contrato com a Nike para receber US$ 160milhes (cerca de R$ 285 milhes) em dez anos.

    O levantamento da pirmide salarial do futebol brasileiro feitoanualmente pela CBF, com base na palavra dos clubes. Todos oscontratos so registrados, obrigatoriamente, na entidade.

    Mas a estatstica tem distores provocadas por clubes que no declaram ovalor verdadeiro dos vencimentos. Muitos dirigentes obrigam os jogadoresa assinar contratos no valor de um salrio mnimo, mas pagam por foraat R$ 1.000 _o conhecido "caixa dois" (contabilidade paralela pararecolher menos imposto).

    Mas como isso tambm ocorria em anos anteriores, os dados da CBFevidenciam o empobrecimento dos jogadores e voltam a exibir o enormefosso que separa a minoria rica da maioria pobre.

    Enquanto no Everest, do Rio, todos os atletas recebem um salriomnimo, craques como o meia Rincn, contratado recentemente peloSantos, ganham R$ 250 mil todo ms. Em dois, anos, perodo docontrato, o colombiano _que teve o salrio indexado ao dlar, pelacotao fixa de R$ 1,80_ receber R$ 6 milhes, entre salrios e alugueldo passe.

    No Santos, Rincn ganhar US$ 20 mil (ou R$ 35,6 mil) a mais doque recebia no Corinthians.

    O vascano Edmundo outro exemplo dessa casta.

  • O atacante est recebendo, atualmente, cerca de US$ 8 mil (R$ 14,2mil) por dia. No total, Edmundo recebe cerca de US$ 240 mil (R$ 427mil) mensais.

    Criado em um subrbio da periferia do Rio, Edmundo mora hoje emuma luxuosa casa na Barra da Tijuca (zona sul da cidade), com campode futebol e uma grande piscina.

    A ECONOMIA DO FUTEBOL

    Apesar de sua importncia na formao da identidade do pas, o futebolainda no atingiu seu pleno potencial no aspecto econmico. Diversas razescontribuem para isso, notadamente a desorganizao da atividade no pas, administradade forma precria e pouco profissional.

    A importncia do esporte no Brasil em termos econmicos ainda estmuito abaixo do que ocorre na Europa e nos Estados Unidos, onde este setor respondepor 3,5% a 4% do PIB, enquanto que no Brasil sua participao no atinge 1% do PIB.

    O futebol foi adquirindo nas ltimas dcadas grande relevnciaeconmica no mundo inteiro, e hoje movimenta em torno de US$ 250 bilhes ao ano.Desse total o Brasil participa com R$ 16 bilhes, de acordo com o estudo da FundaoGetlio Vargas.

    Os clubes, que so a unidade fundamental do futebol, geram uma receitaanual de aproximadamente US$ 182 milhes no Brasil, muito abaixo do que ocorre nosprincipais centros europeus. Os clubes ingleses obtm uma receita anual de US$ 1bilho, na Itlia este nmero de US$ 700 milhes e na Espanha US$ 580 milhes.Esta disparidade no se deve apenas a diferenas econmicas entre esses pases, mastambm a diferentes estgios de organizao do futebol entre o Brasil e os centroseuropeus.

    Quando se observa a estrutura de receita dos clubes, verifica-se que osclubes brasileiros dependem excessivamente dos direitos de televiso que chegam a57% do total, de acordo com dados da Pel Sport e Marketing. E que podem ser de at70%, conforme estimativa da Globo Esporte. Em alguns casos, chegam a 90%. Atransferncia de jogadores equivale a 20% da receita gerada pelos clubes, provocandodistores em alguns deles, onde observa-se um excesso de compra e venda dejogadores, funcionando como um balco de negcios. Na Inglaterra e na Itlia, porexemplo, esta receita apresenta-se bem mais equilibrada, como se verifica nos quadrosabaixo:

    AtividadesComerciais

    Direitos deTeleviso

    Bilheteria Transferncia dejogadores

    Inglaterra 29% 25% 33% 13%Itlia 15% 39% 31% 15%Brasil 15% 57% 8% 20%Fonte: Pel Sport e Marketing

  • Pas PatrocnioDireitos deTeleviso Bilheteria

    Licenciamentos(parceria com empresas

    de investimento)Inglaterra 11% 28% 39% 12%Brasil 20% 60% 17% 3%

    Fonte: Panamerican Sports Teams

    Essa dependncia leva a um poder de ingerncia exagerado da televiso,muitas vezes com prejuzo para os atletas e o pblico que devem adaptar-se aoshorrios televisivos.

    O Brasil, apesar de contar com estdios de grande capacidade, possuiuma mdia de pblico relativamente baixa, em torno de 12 mil pessoas/jogo e a taxa deocupao dos estdios de cerca de 20%. Na Itlia e Inglaterra o pblico mdio de 30mil espectadores por jogo e na Espanha este nmero de 27 mil. Na Inglaterra a taxade ocupao dos estdios est em torno de 90%, levando os principais clubes a fazeremplanos para aumentar a capacidade de seus estdios.

    Est claro que essa diferena de pblico decorrente de diversos fatoresentre os quais esto a disponibilidade e comodidade dos transportes at o estdio,segurana, credibilidade dos torneios, renda per capita e preo dos ingressos (verTabela).

    Pas Preo Mdio dos Ingressos (em US$)Inglaterra 30,00Itlia 30,00Espanha 20,00Brasil 5,00

    Fonte: Pel Sport e Marketing

    Porm, o Brasil conta com um grande nmero de praticantes, estimadoem 30 milhes. Existe registro de 13 mil times amadores e 800 clubes de futebol. Higualmente 11 mil jogadores federados no Brasil alm de 2 mil atuando no exterior. Aestrutura fsica compreende 308 estdios com capacidade total de 5 milhes de lugares.

    Os dados acima mostram que o pas j possui uma grande base a partirda qual surgem os atletas profissionais. No por acaso que o Brasil est semprerevelando jogadores de qualidade. No entanto, grande parte destes atletas terminaencaminhando-se para o exterior visto que no encontram no pas condiessemelhantes s existentes na Europa.

    O atual quadro de dificuldades por que passa o futebol brasileiro tem pororigem uma multiplicidade de fatores.

    Em primeiro lugar a organizao deficiente dos campeonatos, comcalendrio confuso e sem critrios perenes, colabora para a baixa credibilidade dostorneios, onde se assiste a diversas viradas de mesas, atendendo a critrios polticos.

  • O segundo ponto, de acordo com estudo realizado pela FundaoGetlio Vargas, a inadequao da infra-estrutura para atender s necessidades doespetculo, sobretudo no que diz respeito aos estdios que precisam ser modernizadose dotados de servios que possam atender adequadamente ao pblico.

    Outro aspecto levantado pelo estudo trata da necessidade de fontes definanciamento e de apoio formao das categorias de base. Com o fim da chamada leido passe, este aspecto passa a adquirir maior importncia, visto que, para os clubes,houve uma relativa diminuio ao incentivo para formao de jogadores.

    A estrutura administrativa do futebol brasileiro precria e carece decredibilidade em todos os nveis (clubes, federaes e CBF). A Confederao Brasileirade Futebol no possui a necessria liderana nem para a organizao dos campeonatos,ficando a merc dos caprichos das emissoras de TV e dos grandes times.

    Por fim, os sistemas de informao relativos ao registro dos atletas,estatsticas, legislao entre outros, ainda so precrios e no trazem subsdiosconfiveis para tomada de decises bem fundamentadas.

    Apesar dos problemas acima citados, uma srie de fatores positivospermitem vislumbrar a possibilidade de alterao da atual conjuntura.

    O futebol o esporte nacional por excelncia. Em todo o pas existe umalto grau de envolvimento dos torcedores com seus times e uma grande fidelidade aosmesmos. No h dvida, portanto, de que h uma grande possibilidade de aumento dafreqncia aos estdios, uma vez sanados os problemas apontados acima.

    Apesar do mau momento por que passa, a seleo brasileira sempre foimotivo de orgulho para os brasileiros porque construiu ao longo do tempo umahistria vitoriosa e de destaque em nvel mundial.

    O Brasil sempre foi um celeiro de grandes jogadores e possui um grandenmero de boas equipes, o que possibilita uma grande visibilidade do nosso futebol noexterior, podendo-se imaginar que exista potencial de venda dos torneios brasileiros noexterior.

    Do ponto de vista social, o futebol possui capacidade de gerao deempregos e uma das poucas formas de ascenso social no pas.

    Existe, atualmente, consenso entre os analistas de que sem umamodificao profunda em sua estrutura o futebol brasileiro estar fadado a conhecercrescentes dificuldades e descrdito. Alguns sinais de modificao esto sendoesboados. A prpria direo da CBF anunciou, em fins de maio de 2001, inteno demudana no seu Estatuto e de medidas visando maior transparncia na administrao.Propostas positivas, mas por enquanto insuficientes para convencer de que no se tratade mero exerccio de marketing de parte dos dirigentes.

    preciso portanto romper as estruturas viciadas existentes hoje nofutebol, de forma que se possa adotar as aes necessrias para as transformaesdesejadas. A prpria CBF encomendou um estudo para a Fundao Getlio Vargas

  • onde fica traado um plano estratgico de desenvolvimento do setor. Resta a dvida dese os diversos atores e participantes do futebol brasileiro estariam dispostos a pensaralm dos seus interesses individuais e concentrar esforos para benefcio do setorcomo um todo.

    ESTUDO DA FGV - RECOMENDAES

    O conjunto de recomendaes resultantes do Estudo supracitado estoagrupadas em trs pilares fundamentais, quais sejam: o aprimoramento da gesto dofutebol, a modernizao do sistema CBF e intensificao da atratividade do futebolbrasileiro.

    1 - APRIMORAMENTO DA GESTO ESTRATGICA

    Quanto ao aprimoramento da gesto do futebol o estudo prope areformulao da legislao esportiva brasileira com vistas a dotar o setor de modernosinstrumentos de regulao, com reflexos diretos no futebol profissional. A relao entreos clubes formadores e seus atletas adquire singular importncia para a formataodo contexto em que os clubes evoluiro. A Medida Provisria 2141, de 23/03/2001,que alterou a Lei Pel, aumentou o valor das multas rescisrias, beneficiando os clubesformadores, dando-lhes garantia de retorno do investimento. A prtica desse novodispositivo legal ir mostrar se tal medida no se tornar um fator de prejuzo para osjovens atletas.

    imperativo o aprimoramento da Justia Desportiva, conferindo-lheautonomia financeira e adotando um plano de carreira, com exigncia de prova deconhecimento e ttulos para o ingresso na instituio. Essas providncias iro aumentarsua transparncia e credibilidade, uma vez que o diagnstico da FGV aponta para fortesindcios de parcialidade nesse setor. (Ver Captulo XIX Projeto de legislao pararenovar o futebol).

    Outro aspecto do aprimoramento da gesto do futebol toca no melhoriado sistema de arbitragem, atravs da definio de um quadro de rbitros com direito aum plano de carreira e de cargos e salrios. Aponta tambm a necessidade de criao deum conselho nacional de rbitros de futebol e dos conselhos estaduais de rbitros,como rgos executivos, autnomos e independentes. Prope tambm a manutenoda comisso de arbitragem da CBF. (Ver Captulo ...)

    A carreira de jogador de curta durao. Para poder proporcionar aoatleta um mnimo de amparo quando do trmino de sua carreira, sugere-se a criao deum plano de previdncia privada complementar, com um modelo atuarial prprio e capaz defornecer os recursos necessrios para o perodo de readaptao s novas atividades dos ex-profissionaisdo futebol.

    O estudo discute tambm a necessidade de linhas de crdito paraaumentar a competitividade dos clubes e do futebol brasileiro em geral de forma agarantir uma capacidade de alavancagem de recursos a curto, mdio e longo prazo.

  • Atualmente, as possibilidades para este tipo de crdito no Brasil so limitadas. Na esferainternacional, vm surgindo diversas formas de apoio ou proteo financeira que aumentam acapacidade de gesto dos clubes e reduzem os riscos inerentes ao negcio. O setor deveria portantomobilizar-se no sentido de articular solues e produtos financeiros junto a instituiesde fomento (como o BNDES), instituies bancrias e financeiras e grandesseguradoras.

    A sistematizao das informaes atravs da criao de um anurioestatstico pela CBF viria suprir a atual deficincia de informaes e permitiria arealizao de estudos e pesquisa para o desenvolvimento de novos produtos, para a reivindicao deauxlios governamentais, bem como para a tomada de deciso.

    2 MODERNIZAO DO SISTEMA CBF

    Como ficou demonstrado ao longo das investigaes desta CPI, a CBF eas federaes estaduais precisam atuar dentro de um modelo organizacional diverso dohoje existente. Entre os principais pontos a ser considerados est o aumento datransparncia destas organizaes atravs de comunicao financeira e institucionalcompreendendo, entre outros, relatrios anuais, materiais institucionais e balanossociais.

    preciso igualmente dar transparncia s transaes com jogadoresatravs da introduo de instrumentos de comprovao de compra e venda dejogadores por ambas as partes comprador e vendedor.

    Como parte deste processo a CBF, sendo o rgo central do futebolbrasileiro, deveria liderar o esforo de modernizao da gesto dos clubes e dasfederaes que em muitos casos possuem estruturas arcaicas e prticas administrativascondenveis. A FGV sugere a elaborao de um conjunto de instrumento de gestocontemplando os seguintes pontos:

    - Modelo organizacional para os pequenos, mdios e grandes clubes;

    - kits de modernizao (sistemas: contbil e financeiro, folha depagamento, oramentrio etc..);

    - Cartilha de orientao para as questes estratgicas de obteno depatrocnios, parcerias, vendas otimizadas de ingresso etc.;

    - Estudo de linha de financiamento para modernizao dos clubes (a serdesenvolvida junto ao BNDES)

    Est claro que a prpria CBF necessita de mudanas para poder fazerface s necessidades de seu setor e crie condies de planejamento adequadas aodesempenho de suas funes na gesto de uma estrutura complexa como a do futebolbrasileiro. Para tal preciso que a entidade elabore seu plano estratgico, contemplandouma srie de objetivos a serem perseguidos ao longo do tempo. A CBF dever contarcom um corpo funcional capacitado para o enfrentamento dos desafios de um setor emprocesso de modernizao. Assim sendo recomenda-se a implementao de um

  • programa de capacitao interna, coerente com os objetivos estratgicos da CBF e comsua nova estrutura organizacional.

    A FGV sugere tambm o desenvolvimento de um projeto de memriado futebol brasileiro, contemplando aes de preservao, recuperao e manutenodesta histria, por meio de criao de um banco de dados de:

    - Fotos, Filmes e outras formas de memria visual;

    - Livros, jornais, revistas e outras publicaes; e

    - Depoimentos e entrevistas com personalidades, estudiosos,atletas, dirigentes e demais profissionais.

    Este material poder ser disponibilizado ao pblico de diversas formascomo livro, CDs, DVDs, vdeos, sites oficiais etc.

    3 INTENSIFICAO DA ATRATIVIDADE DO FUTEBOL BRASILEIRO

    O primeiro aspecto relacionado com a atratividade do futebol brasileiroabordado no estudo da FGV trata da manuteno do craque no Brasil. A situao atualrevela a incapacidade do pas em reter seus craques devido ao descompasso existenteentre os salrios pagos internamente e aqueles pagos no exterior, sobretudo nosprincipais centros europeus. O xodo excessivo de jogadores contribui para a reduona atratividade do futebol brasileiro como espetculo, uma vez que as maiores estrelasesto no exterior. Alm da fuga de talentos j consagrados h casos de exportaosem controle de crianas e jovens talentosos.

    Para fazer face a este estado de coisas preciso que a FIFA, comoentidade mxima do futebol, crie uma norma para que os jogadores sejam obrigados afazerem o primeiro registro profissional em seu pas de origem. Isto evitaria a idaprecoce de atletas jovens, que muitas vezes no conseguem sucesso no exterior, ficandoem situao precria nos pases para os quais so transferidos. (Ver Captulo XII Fbricas de gatos e trfico de menores para o Exterior).

    Ademais, alm do aspecto normativo, preciso incentivar a formaodos jovens talentos. De acordo com a FGV : Estes incentivos podero ser de carterfiscal (plano de avaliao das necessidades e dos benefcios a serem gerados), de carteresportivo (campeonato Brasileiro de Estudantes) ou de carter social (parceria com oterceiro setor, ONGs)

    A necessria profissionalizao na gesto dos clubes contribuiria para amanuteno dos atletas no pas, atravs do aumento da rentabilidade das agremiaes,permitindo uma maior competitividade com relao aos clubes europeus.

    Por fim, como citado anteriormente, a criao de mecanismos deproteo ao jogador como previdncia privada complementar e aplices de segurosespecializadas constituiria uma melhoria da situao dos jogadores no pas.

  • Alm da manuteno dos jogadores em territrio nacional, necessriorestaurar a credibilidade dos diversos campeonatos realizados no Brasil. Atualmente oscritrios adotados so controversos e pouco transparentes.

    A FGV sugere a criao de um Ranking Nacional do Futebol Brasileirocomo mecanismo de seleo de equipes para participao de equipes nos campeonatosdo sistema CBF que facilite a aceitao da escolha, o planejamento das equipes e arentabilidade das competies. Este Ranking dever ter critrios e ponderaes declassificao que sejam claros e no passveis de questionamento para viabilizar suamanuteno ao longo do tempo.

    Uma vez definidos os critrios de escolha das equipes necessrio tratarda racionalizao do calendrio nacional. Atualmente existe um nmero excessivo decompeties, trazendo prejuzos para todos os envolvidos. Os atletas desgastam-se, opblico fica saturado com a quantidade de jogos, os clubes no podem realizar umplanejamento adequado visto que em alguns casos as datas dos jogos no sofornecidas com a antecedncia necessria.

    A Fundao Getlio Vargas traou alguns critrios sobre os quais poderser fundamentada a elaborao do novo calendrio do futebol brasileiro:

    - Necessidade de integrao do calendrio nacional com ocalendrio FIFA;

    - Subordinao ao Ranking Nacional do Futebol Brasileiro, comoinstrumento preponderante de acesso e descenso dos participantes nasdiversas competies;

    - Interdependncia entre as competies estaduais, regionais einternacionais;

    - Fortalecimento dos Campeonatos Estaduais, ampliando onmero de datas para os pequenos e mdios e racionalizando o nmero dejogos para os grandes;

    - Ausncia de equipes disputando competies simultaneamente;

    - Valorizao da participao dos grandes clubes nas competies,tornando-os mais atrativos;

    - Utilizao de apenas duas datas por semana para as disputas,respeitando a sade do atleta;

    - Obrigatoriedade de frias remuneradas de 4 semanas; e,

    - Atendimento das necessidades fsica, tcnica e psicolgica da pr-temporada.

    Por fim, feita uma sugesto de tabela, que seria ocioso reproduzir aqui,com os seguintes campeonatos: Campeonatos Estaduais, Copa dos Campees,

  • Campeonato da Integrao Nacional (novo), Copa do Brasil, Campeonato Brasileiro daPrimeira e da Segunda Diviso, Copa Libertadores de Amrica e Copa Mercosul.

    O estudo pode estar, sem dvida, sujeito a discusso. No entanto poderservir de base para as mudanas necessrias no futebol brasileiro, de forma a superar omomento crtico e apontar caminhos para o desenvolvimento do esporte.

    oportuno trazer a sugesto do Sr. Jonh Richard Law, Presidente daPanamerican Sports Teams - PST e representante da Hicks Muse Tate and Furst,apresentada a esta Comisso, durante painel sobre Patrocnio, Contratos de Marketing eDireitos de Transmisso. Segundo ele, os clubes de futebol poderiam ser parceiros dasempresas de investimentos, tal qual a PST, com o objetivo de alavancar a marca doclube e desenvolver o seu potencial econmico. Hoje, o Corinthians paulista e oCruzeiro possuem esse tipo de contrato chamado genericamente de licenciamento,que busca atender s necessidades do clube e do seu torcedor.

  • CAPTULO II - LEGISLAO DESPORTIVA: EVOLUO HISTRICA

    LEGISLAO DESPORTIVA ANTERIOR CONSTITUIO FEDERAL DE 1988

    Historicamente, h dois tipos de legislao desportiva brasileira: umamarcada pela presena do Estado nos negcios desportivos, mas que no decorrer desua prtica deu espao para uma relativamente livre organizao dos esportes; a outra,liberal, concebida a partir do princpio da autonomia das entidades desportivas eassociaes quanto organizao e ao funcionamento, com base na ConstituioFederal de 1988.

    O perodo mais intervencionista do Estado no esporte ocorreu noEstado Novo, com o Decreto-lei n 3.199, de 1941, e, de certa forma, coincidiu com oreconhecimento da legitimidade do desporto profissional, praticado com finseconmicos, ao lado do desporto amador, praticado gratuitamente, sem fins utilitrios.Esse decreto-lei colocou a organizao e a prtica do desporto sob a tutela doConselho Nacional de Desportos, CND -- rgo disciplinador e normativo, alm deltima instncia da Justia Desportiva.

    Trinta e quatro anos mais tarde, veio a Lei n 6.251, de 1975, sancionadapelo Presidente Geisel e adjetivada pelo Decreto n 80.288, de 1977. Na viso sintticade Eduardo Dias Manhaes, nada, absolutamente, foi mudada no ordem desportiva,quase nada e formalmente nas estruturas, nada no conceito, quase nada nasprioridades. Foi mantido o Conselho Nacional de Desportos, que, no seu meio sculode existncia, encerrada com a entrada em vigor da Lei Zico, expediu aproximadamente400 atos normativos, regulamentando uma enorme diversidade de assuntos, tais como,publicidade em camisas, composio dos conselhos deliberativos nas sociedadesdesportivas, critrios e condies do passe, organizao de calendrios.

    Os clubes conseguiram introduzir no Decreto n 80.288 um dispositivopelo qual, nas associaes desportivas com mais de duzentos scios maiores de dezoitoanos, os scios pudessem manifestar-se coletivamente por meio de conselhosdeliberativos, constitudos de membros eleitos (1/3, pelo menos) e membros vitalcios(2/3, no mximo, indicados de acordo com o que estatua a esse respeito o estatuto).Para a assemblia geral sobrou o poder de eleger os membros do ConselhoDeliberativo e de decidir quanto extino ou fuso da entidade. Est a a razoprincipal por que, em muitos clubes, o mesmo grupo, no raro uma famlia, consegueperpetuar-se no poder.

    A Constituio de 1988 delegou s sociedades desportivas a capacidadede decidir e legislar em matria de organizao interna, ordem desportiva (organizaode competies, regras de jogo) e disciplina desportiva. Determinou a novaConstituio Federal, tambm, que a Justia comum s admitisse aes relativas disciplina e s competies depois que se esgotassem as instncias da justia desportiva,

  • que tem que proferir deciso final no prazo de sessenta dias, contados da instauraodo processo.

    A Constituio de 1988 significou o afastamento do Estado e do mundodo desporto. A mudana foi to radical que no havia como considerar recepcionada aLei n 6.251/75, que passou a configurar autntico entulho autoritrio. Mesmo assim,levou quase cinco anos at que o Pas tivesse uma nova lei do desporto, que traduzisseem ordenamento jurdico-desportivo os princpios estabelecidos no art. 217 daConstituio1.

    A LEI DO PASSE

    At 26 de maro de 2001, quando entrou em vigor o art. 28, 2 da Lei Pel, a legislao desportiva ento em vigor constava,basicamente, da Lei n. 6.345, de 1976, mais conhecida como Lei doPasse; da Lei n. 9.615, de 25 de maro de 1998, mais conhecida comoLei Pel; e da Lei n. 9.981, que altera substancialmente a redao daLei Pel.

    A Lei do Passe na verdade, uma lei que dispunha sobre as relaes detrabalho do atleta profissional do futebol - definia o passe como a importncia devidapor um clube a outro clube, pela cesso do atleta durante a vigncia do contrato oudepois de seu trmino, observadas as normas desportivas pertinentes. Importantedestacar ou depois de seu trmino, pois, significava que, acabado o vnculo empregatcio,permanecia o chamado vnculo desportivo, que mantinha o atleta preso ao clube. Ovnculo desportivo costumava ser justificado como justa recompensa do investimentoque o clube faz na formao profissional e pessoal do atleta.

    Alm de dispositivos de menor importncia, a Lei do Passe aindaestabelecia que a) o valor do passe seria estabelecido de acordo com as normasdesportivas, segundo os limites e as condies estabelecidas pelo Conselho Nacionalde Desportos; b) teria passe livre, ao fim do contrato, o atleta que, ao atingir 32 anosde idade, tivesse prestado 10 anos de servio ao seu ltimo empregador.

    O dono do passe no era necessariamente um clube. Qualquer pessoajurdica ou pessoa fsica (inclusive o prprio atleta) podia tornar-se o dono de um oumais passes, desde que se dispusesse a: a) investir dinheiro na educao e formaoprofissional de um possvel talento desportivo, via de regra pobre; b) comprar o passea outra pessoa (investidor, clube, empresrio, o prprio atleta). Investir em passes podiarender bons lucros (da mesma forma que investir na engorda de um boi magro), muito 1 Interessante lembrar que nossas entidades desportivas proclamam alto e bom som sua autonomia com relaoao poder pblico (a no ser que se trate de pedir facilidades tributrias ou o perdo dos dbitos fiscais eparafiscais), mas no se importam de ficar submetidas a entidades burocrticas como federaes e confederaes,a includa a FIFA, que no toleram o pensamento divergente, sob pena de excluso de campeonato, desfiliao,etc. Burocrticas, no caso, quer dizer: no praticam o desporto, no formam atletas e no participamdiretamente do espetculo desportivo; apenas registram contratos, recolhem taxas, arrecadam contribuies,fornecem infra-estrutura fsica e administrativa aos rgos da Justia Desportiva.

  • embora, obviamente, seja um negcio de risco. Da a importncia do profissionalchamado olheiro, que, graas a seu olho clnico, desempenha papel de consultor nacompra e venda de passes.

    LEI ZICO, LEI PEL E LEI N. 9.981, DE 14.6.2000

    A Lei Pel (Lei n. 9.615, de 25.3.1998) substituiu a LeiZico (Lei n. 8.672, de 6.7.1993), mas, na verdade, desconsiderados osartigos dedicados ao bingo (na Lei Zico, era um s), quase a metade deseus dispositivos so simples transcries.

    As principais diferenas entre a Lei Zico e a Lei Pel referem-se ao passee ao que se convencionou chamar clube-empresa.

    Quanto ao passe, a Lei Pel preceitua que,

    a) o vnculo desportivo do atleta com as entidades contratantes temnatureza acessria ao respectivo vnculo empregatcio, dissolvendo-se, para todos osefeitos legais, com o trmino da vigncia do contrato de trabalho (art. 28, 2);

    b) mesmo assim, a entidade formadora de atleta tem o direito de assinarcom o mesmo o primeiro contrato de profissional, cujo prazo no poder ser superior adois anos (art. 29, caput), ficando com a preferncia para a primeira renovao destecontrato (cuja durao, no est claro, ser tambm de dois anos, ou, aplicando-se odisposto no art. 30, caput, de at cinco anos );

    b) o disposto no 2 do art. 28 passou a produzir efeitos jurdicos apartir de 26 de maro de 2001 (art. 93), quando foram revogados os dispositivosbsicos da Lei do Passe.

    Importante destacar a complementao do art. 93, na redao dada pelaLei n. 9.981/2000: ... respeitados os direitos adquiridos decorrentes dos contratos detrabalho e vnculos desportivos de atletas pactuados com base na legislao anterior. Advida se anterior a 26 de maro de 2001 ou anterior data de sano da prpria Lein. 9.981/2000. Da a paradeira atual nos negcios de compra e venda de passes.

    Quanto ao clube-empresa, cumpre lembrar que a simples possibilidade desua constituio, prevista na Lei Zico, foi uma novidade, para muitos um avano, namedida em que, pela legislao desportiva anterior Constituio de 1988, era proibidoorganizar e praticar o desporto profissional em sociedades de fins econmicos e que osclubes profissionais desse lucro a quem neles aplicasse capital. J Pel queria que asentidades que fossem participar de competies oficiais ou quisessem fazer jus aincentivos fiscais fossem obrigatoriamente organizadas como sociedades de finseconmicos, vedada sua constituio como associaes.

    A mudana mais profunda introduzida na Lei Pel pela Lei n. 9.981, de14.7.2000, consiste, precisamente, no retorno situao anterior, a da Lei Zico, ou seja, facultatividade da transformao dos clubes em empresas (ver a nova redao do art.27). De quebra, alm de declarar revogado, a partir de 31 de dezembro de 2000, todo o

  • captulo dedicado ao bingo (art. 2), a Lei 9.981 disciplinou restritivamente a celebraode acordos de parceria entre clubes e patrocinadores, investidores, etc. (ver o art. 27-A). Finalmente, por fora do disposto no art. 94 da Lei n. 9.981, a Lei Pel virou umalei do futebol.

    A MEDIDA PROVISRIA N. 2.141, DE 23 DE MARO DE 2001

    Esta Medida Provisria foi editada quase s vsperas da data de extinodo passe, ou seja, 26 de maro. Teve por objetivo amenizar os efeitos negativos daextino do passe. Contudo no criou, como os clubes queriam e at mesmoesperavam, um mecanismo legal que substitusse o passe, protegendo-os de umaeventual (anunciada como apocalptica) debandada dos talentos desportivos. Criou, emsubstituio, algumas salvaguardas para os clubes que investem na formao de atletas.

    De fato, como se pode verificar na leitura da nova redao que foi dadapela MP ao 2 do art. 28 da Lei n. 9.615/98, o clube formador de atleta poder exigirdo novo empregador, conforme o caso, uma indenizao de formao ou umaindenizao de promoo: a primeira, no caso de cesso de atleta na vigncia doprimeiro contrato de trabalho (valor: duzentas vezes o montante da remuneraoanual); a segunda, quando de nova contratao do atleta aps o trmino do primeirocontrato (valor: cento e cinqenta vezes o montante da remunerao atual). Neste caso,o clube dispe de seis meses para negociar a transferncia do atleta, desde que continuepagando normalmente o salrio.

    As demais alteraes da Medida Provisria n. 2.141/2001 se referem criao e composio do Conselho Nacional de Esportes (do qual a CBF passa a fazerparte), publicao obrigatria dos balanos anuais pelas entidades desportivas e sresponsabilidades dos dirigentes de entidade desportiva.

    AS QUESTES BSICAS TRATADAS NA LEGISLAO ESPORTIVA

    A QUESTO DA ORGANIZAO

    O modelo de organizao do desporto moderno, tal como o conhecemoshoje, foi idealizado na Inglaterra, em razo da sistematizao de certos jogos popularese sua introduo nas escolas pblicas, numa poca em que fair-play e cavalheirismoeram fatores determinantes da educao total do homem. , assim, que o desportofoi institucionalizado, com regras bem definidas, sendo talvez a matriz moderna do quepoderamos chamar de Direito Desportivo (Vargas, 1995). Com a progressivaunificao, codificao e universalizao das regras de jogo, tornou-se possvel arealizao de competies nacionais e internacionais nas diversas modalidadesdesportivas, como, por exemplo, futebol, esgrima, ciclismo, tnis e luta-livre.

    A institucionalizao do desporto e a universalizao das regras de jogo edos regulamentos no aconteceram em decorrncia de alguma iniciativa ou intervenodo poder pblico. Pessoas e grupos de pessoas que se organizaram em estruturas que

  • assegurassem a observncia das regras de jogo e a disciplina desportiva, sob a gide dofair-play, do cavalheirismo, da valorizao do convvio social. Tratava-se - como aindase trata - de estruturas hierrquicas, verticalizadas, em cujo topo figura a entidadeinternacionalmente reconhecida em cada modalidade desportiva (FIFA, FIA, FIVB,etc.), que uma associao de confederaes continentais e nacionais (Conmebol, CBF,por exemplo). Estas, por sua vez, so associaes de federaes estaduais (ouregionais), s quais esto associados os clubes onde a respectiva modalidade desportiva praticada.

    Na verdade, a interferncia do Estado na prtica e na administrao dodesporto organizado e institucionalizado nunca foi motivada por razes tico-desportivas ou humanitrias, mas, sim, porque, por exemplo, as autoridades achavamque essa interferncia era necessria para assegurar a prtica disciplinada do desporto,a qual, por sua vez, interessava formao espiritual e fsica da juventude; ou, ento,intentavam tornar os desportos uma alta expresso da cultura e da energia nacionais,privilegiando, conseqentemente a prtica do desporto de alto rendimento, apreparao de equipes olmpicas, etc.; ou, ainda, como na poca dos governos militares,tentando tapar o sol com a peneira, usavam o incentivo oficial prtica do desportocomo soluo para problemas sociais causados por m distribuio de renda, mqualidade de vida nas cidades, etc.

    A organizao do desporto de competio em pessoas jurdicas dedireito privado chamadas sociedades civis, ou associaes, tradio to antiga quantoa sua sistematizao, internacionalizao e popularizao, que se tornaram possveisgraas unificao das regras de jogo, a partir de meados do sculo passado. Uma dascaractersticas das sociedades civis (associaes) que os associados, tomadosindividualmente, no tm qualquer participao no patrimnio, por maior que possaser. Quer dizer que se, por qualquer razo a sociedade for dissolvida ou extinta, opatrimnio no pode ser distribudo entre os associados; ter de ser destinado a outraentidade, de fins idnticos ou semelhantes.

    Outra caracterstica que, a existncia da pessoa jurdica to distinta dados seus membros que a admisso ou o desligamento de associados no acarretaqualquer mudana nos atos constitutivos, diferentemente do que ocorre com asociedades comerciais, onde a sada (ou admisso) de qualquer um dos scios implicaalterao do contrato existente ou a elaborao de um novo contrato social.

    Foi em 1941, que Unio estabeleceu as bases de organizao dodesporto em todo o pas. No que se refere ao tema objeto deste estudo, cumprelembrar que o captulo inicial do Decreto-lei n. 3.119, de 14 de abril de 1941 tododedicado ao Conselho Nacional de Desportos, incumbido, entre outras, de estudar epromover medidas que tivessem por objetivo assegurar uma conveniente e constante disciplina organizao e administrao das associaes e demais entidades desportivas do pas (...).

    Desde ento e at a Constituio de 1988, o desporto de competio eraobrigatoriamente organizado em associaes. Ficou proibido a organizao e ofuncionamento de entidade desportiva de que resultasse lucro para os que nela

  • empregassem capital de qualquer forma, a remunerao dos diretores e aintermediao, mediante pagamento, de mo-de-obra desportiva.

    Inicialmente, as sociedades desportivas s podiam funcionar depois deobter licena por meio de alvar expedido pelo Conselho Nacional de Desportos. .Aestrutura associativa, regulada nos mnimos detalhes pelo poder pblico, foi mantidapela Lei n. 6.251, de 1976, que confirmou as associaes como entidades bsicas daorganizao desportiva nacional, sempre "sob a alta superviso normativa e disciplinar"do Conselho Nacional de Desportos.

    Em sntese, entre 1941 (Decreto-lei n. 3119) e 1993 (Lei n. 8.672),foram princpios bsicos da organizao do desporto (profissional e no-profissional):associacionismo, responsabilidade colegiada, finalidade no lucrativa, no-remuneraodos dirigentes, tutela governamental, controle interno e externo dos atosadministrativos nas entidades desportivas, transparncia contbil.

    A Constituio Federal de 1988, ao mesmo tempo que reconheceu acompetncia legislativa concorrente em matria de desporto (art. 24), proclamou aautonomia das entidades desportivas quanto a sua organizao e funcionamento (art.217, I,). Da que a necessidade de uma legislao desportiva atualizada no se fezesperar. A nova lei, de n. 8.672, ficou pronta em 6 de julho de 1993 e, no art. 18,confirmou o princpio da libertao do desporto da tutela do Estado, em artigo que foireaproveitado na Lei Pel (art. 26): Atletas, entidades de prtica desportiva e entidades deadministrao do desporto so livres para organizar a atividade profissional de sua modalidade,respeitados os termos desta Lei".

    Ao permitir que as entidades desportivas se constitussem comosociedades de fins econmicos ou assumissem a estrutura de sociedades comerciais (art.11), a Lei n. 8.672, de 1993, tambm conhecida como Lei Zico, rompeu com a tradiodo associativismo como filosofia e modelo de organizao do desporto, consagrada nalegislao.

    De fato, hoje o desporto de competio vale como espetculo(sobretudo televisivo), onde o resultado desportivo interessa na medida em que sejafator de reproduo e multiplicao do capital nele investido. o desporto-negcio,subordinado s leis do mercado, onde os aspectos pragmticos da renda e do lucroprevalecem sobre os valores desportivos (integrao social, de desenvolvimentopsicomotor, de exerccios fsicos educativos, de fortalecimento da cidadania, etc.) eonde as decises importantes so tomadas pelo departamento de marketing.

    Foi presumivelmente nessa linha de raciocnio a Lei n. 9.532, de 10 dedezembro de 1997 excluiu do rol de entidades beneficiadas com a imunidade fiscalprevista no art. 150, inciso VI, alnea c), as sociedades desportivas dedicadas aodesporto profissional. De fato, em razo dos interesses financeiros (emissoras de TV,patrocinadores e outros parceiros), j no era possvel sustentar a caracterizao comoentidades que colocam seus servios disposio da populao em geral, em cartercomplementar s atividades do Estado, sem fins lucrativos (art. 12).

  • Ao mesmo tempo, ao revogar o art.. 30 da Lei n. 4.506, de 30 denovembro de 1964, a Lei n. 9.532/97 revogou a iseno concedida s entidadesdedicadas prtica desportiva de carter profissional (clubes) e s de administrao dodesporto (federaes e confederaes).

    Em 10 de dezembro de 1997, foi sancionada a Lei n. 9.528. No queinteressa ao presente estudo, essa lei alterou o art. 22 da Lei n. 8.212, de 24 de julhode 1991 (a Lei de Custeio da Seguridade Social), reconhecendo como fato gerador dacontribuio previdenciria no s a renda de bilheteria, mas tambm a receita obtidacom outras atividades relacionadas a competies de atletas profissionais, consoante sev no pargrafo a seguir citado:

    A contribuio empresarial da associao desportiva que mantm equipede futebol profissional destinada Seguridade Social, em substituio prevista nos incisos I e II deste artigo, corresponde a cinco por cento dareceita bruta, decorrente dos espetculos desportivos de que participem emtodo territrio nacional em qualquer modalidade desportiva, inclusivejogos internacionais, e de qualquer forma de patrocnio, licenciamento deuso de marcas e smbolos, publicidade, propaganda e de transmisso deespetculos desportivos.

    A QUESTO DA AUTONOMIA DAS ENTIDADES DESPORTIVAS

    Nossa primeira lei orgnica do desporto data de 1941, ou seja, doregime conhecido como Estado Novo, que se notabilizou pelo paternalismo nasrelaes entre o Estado e a sociedade e, conseqentemente, pelo emprego alternado dafora e da cooptao, como instrumentos de manuteno da harmonia social e daordem pblica. O Decreto-lei n. 3.199, j referido, prescrevia que toda matriarelativa organizao desportiva do pas fosse regulada por lei federal (art. 46) e quecada confederao no s adotasse o cdigo de regras desportivas da entidadeinternacional a que estivesse filiada, mas tambm o fizesse respeitar pelas entidadesnacionais que lhe estivessem direta ou indiretamente vinculadas (art. 43).

    O Decreto-lei n. 3.199, de 1941, inaugurou tambm a presena doEstado nos esportes atravs da legislao desportiva, determinando que as entidadesdesportivas se organizassem em confederaes, federaes, ligas e associaes, sob asuperintendncia do Conselho Nacional dos Desportos e instituindo medidas deproteo dos desportos (subvenes e isenes de tributos e taxas). Pouco mais detrinta anos depois, em pleno regime militar, foi substitudo pela Lei n. 6.251, de 8 deoutubro de 1975.

    Pela Lei n. 6.251/75, a organizao do desporto (atividadepredominantemente fsica, com finalidade competitiva, exercitada segundo regraspreestabelecidas) no Pas passou a obedecer ao disposto na lei e sua regulamentao,bem como, ainda, nas resolues do Conselho Nacional de Desportos. por isso queVargas (1995) pde escrever que podemos definir que a histria do DireitoDesportivo no Brasil a histria da interveno do Estado, visando transformar o

  • desporto num instrumento de presso e manipulao ideolgica. No por acaso queo primeiro (e nico) Plano Nacional de Educao Fsica e Desportos veio a lume em1976.

    Com a Constituio Federal de 1988, passaram a ser reconhecidas asprticas desportivas formais e no formais (art. 217, caput) o desporto educacional (art.217, II), o desporto de alto rendimento (idem) e o lazer, este como forma depromoo social (art. 217, 3). Proclamou-se, tambm, que as entidades desportivasdirigentes e associaes eram competentes para definir sua estrutura interna, suaorganizao e seu funcionamento. Na prtica, a Constituio Federal de 1988 tornouobsoleta toda a legislao desportiva ento em vigor, ou seja, a Lei n. 6.251, de08.10.75, o Decreto n. 80.228, de 25.08.77, que a regulamenta, a Lei n. 6.354 (Lei doPasse), de 2.09.76, e grande parte das resolues do Conselho Nacional de Desportos.

    lvaro Mello Filho chama a autonomia das entidades desportivas depedra de toque, chave de abbada e espinha dorsal do atual ordenamento jurdico-constitucional-desportivo brasileiro. No h dvida de que sua proclamao rompeucom uma relativamente longa tradio de institucionalizao do desporto sob tutelaestatal.

    O exerccio da autonomia quanto organizao e ao funcionamento doComit Olmpico Brasileiro, do Comit Paraolmpico Brasileiro e das entidades deadministrao do desporto que confere a essas entidades a competncia para mantera ordem desportiva, ou seja, para impor o respeito s normas desportivas (estatuto,regulamento de campeonato, dispositivos legais, etc.). Com esse objetivo, socolocadas disposio das entidades algumas apenaes de carter administrativo:advertncia, censura escrita, multa, suspenso, desfiliao.

    Observe-se, finalmente, que nossos clubes (a no ser que se trate de pedirfacilidades tributrias ou o perdo dos dbitos fiscais e parafiscais!), proclamam alto ebom som sua autonomia com relao ao poder pblico; contudo nunca reclamam damo-de-ferro com que so governados por entidades burocrticas2 como federaes econfederaes, a includa a FIFA, que tm horror do pensamento divergente osmantm subordinados graas ao poder que tm de exclu-los de campeonatos, puni-loscom desfiliao, etc. Alis, no muito diferente a maneira de agir dos clubes comrelao a seus atletas.

    RELAES DE TRABALHO NO FUTEBOL

    Dispunha o 2 o art. 28 da Lei n. 9.615, de 24.3.1998, Lei Pel:

    2 Burocrticas, no caso, quer dizer: no praticam o desporto, no formam atletas e no

    participam diretamente do espetculo desportivo; apenas registram contratos, recolhem taxas,arrecadam contribuies e oferecem infra-estrutura fsica e administrativa aos rgos da JustiaDesportiva.

  • O vnculo desportivo do atleta com a entidade contratante tem naturezaacessria ao respectivo vnculo empregatcio, dissolvendo-se, para todos os efeitoslegais, com o trmino da vigncia do contrato de trabalho.

    Pelo art. 93 da mesma lei, com a redao que lhe foi dada pela Lei n.9.981, de 14.7.2000, o disposto no 2 do art. 28, acima citado,

    ... somente produzir efeitos jurdicos a partir de 26 de maro de 2001,respeitados os direitos adquiridos, decorrentes dos contratos de trabalho evnculos desportivos de atletas profissionais pactuados na legislao anterior.

    A expresso legislao anterior tem dado origem a uma querela jurdica,que dever ser decidida na Justia: anterior prpria Lei Pel (que de 24 de maro de1998), ou seja, a Lei do Passe, ou anterior data de extino do passe, ou seja, 26 demaro de 2001?

    conhecida como Lei do Passe a Lei n. 6.354, de 2.9.1976, que dispesobre as relaes de trabalho do atleta profissional. Consoante o disposto no art. 96 daLei Pel,

    So revogados, a partir da vigncia do disposto no 2 do art. 28desta Lei, os incisos II e V e os 1 e 3 do art. 3, os arts. 4, 6, 11 e13, o 2 do art. 15, o pargrafo nico do art. 16 e os arts. 23 e 26 daLei n. 6.354, de 2.9.1976.

    A partir de 26 de maro de 2001, est extinto o passe e, por conseguinte,parcialmente revogada a chamada Lei do Passe (Lei n. 6.354, de 1976). Extino erevogao, pois, no causaram maior surpresa.

    Para bem entender em que consiste a extino do passe, precisocomparar o texto do art. 11 da Lei do Passe com o texto do 2 do art. 28 da Lei Pel.No primeiro, est muito claro que, uma vez contratado como profissional, o atleta setorna propriedade (patrimnio) do clube, pois a ele continua vinculado mesmo depoisdo trmino do contrato de trabalho. Isto , se por qualquer motivo, no houver acordosobre um novo contrato com o mesmo clube, este s libera o atleta se quiser.Conseqentemente, o atleta pode ficar impedido de trabalhar, o que, como bvio,configura um abuso, para no dizer uma leso de direito lquido e certo, que o direitoao trabalho (Constituio Federal, art. 5, XIII).

    Portanto, na vigncia da Lei do Passe, o contrato de trabalho do atletacriava dois vnculos com o clube: o vnculo empregatcio e o vnculo desportivo. Otrmino do primeiro no significava o trmino do segundo. O atleta s ficava livre dovnculo desportivo aos trinta e dois anos de idade e, ainda assim, se tivesse jogado porpelo menos dez anos em seu clube atual.

    Na poca, a principal reclamao contra o passe era que, vencido ocontrato de trabalho (vnculo empregatcio), o clube podia no recontratar o atleta,nem permitir que fosse jogar em outro clube. E, assim, como dono do passe (vnculo

  • desportivo), o clube podia manter o atleta num banho-maria, at que concordasse comas condies do novo contrato, do jeito que o clube queria.

    Enfim, o que diz o 2 do art. 28 da Lei Pel que no mais existe ochamado vnculo desportivo, ou seja, aquele que prendia o atleta ao clube mesmoque tivesse terminado o contrato de trabalho. Assim, de 26 de maro de 2001 emdiante, o vnculo do atleta profissional com o clube se dissolve com o trmino docontrato de trabalho, no precisando o atleta esperar sua liberao por parte doclube.

    Obviamente, isso no quer dizer que, na vigncia do contrato detrabalho, o atleta possa, sem mais nem menos, pedir a conta e ir embora, seja paraexercer uma outra profisso, seja para jogar em outro clube. Este caso configuraabandono de emprego, sujeito aplicao da clusula penal prevista no final do caputdo art. 28 da Lei n. 9.615/98 e ao pagamento de indenizao nos termos dospargrafos 3, 4, 5 e 6 do mesmo artigo (Ver o quadro abaixo).

    A propsito, importa notar (para, depois, comparar com o valor de umoutro tipo de indenizao, criada pela Medida Provisria n. 2141, de 23 de maro de2001), que, consoante o disposto no 3 do art. 28 da Lei Pel (redao dada pela Lein. 9.981, de 14 de julho de 2000), o valor da clusula penal imposta em razo deabandono de emprego sem justa causa livremente estabelecido pelos contratantes, ato limite de cem vezes o montante da remunerao anual pactuada.

    De qualquer forma, retomando o raciocnio, a extino do passe noinvalida o pagamento de indenizao, pelo atleta ao clube, em virtude de rescisounilateral de contrato de trabalho. Extino do passe significa apenas que, terminado ocontrato com um clube, o jogador est livre, inclusive para vincular-se a outro clube,sem que o clube empregador anterior possa cobrar qualquer coisa do clube empregadorque o sucede.

  • CAPTULO III A CBF UMA ASSOCIAO CIVIL SEM FINSLUCRATIVOS

    Uma questo crucial para esta CPI a definio da natureza jurdica daCBF como entidade. Comprovadamente, a CBF uma associao civil, sem finslucrativos. o que consta do Estatuto, que no foi mudado. No entanto, em seudepoimento, por diversas vezes Ricardo Teixeira se referiu CBF como a umaempresa. Disse ele:

    Achava eu, naquela ocasio, na base da jurisprudncia do SupremoTribunal Federal, que um contrato privado entre duas empresasprivadas, como o caso da NIKE e da CBF, no deveria ser objeto deuma investigao num foro poltico. Achava eu que duas empresas queno recebem recursos pblicos de nenhuma forma e que j so alvos deinvestigao permanente por parte da Receita Federal, do MinistrioPblico, do Banco Central, entre outros, estavam sob o necessriocontrole das instituies nacionais, sem prejuzo, portanto, para ointeresse pblico.(...) A visibilidade da CBF muito maior do que a dimensofinanceira dela como empresa. Como empresa, ela uma empresade mdio porte, mas caminha para o para o equilbrio do ponto de vistafinanceiro.(...)

    (...) E tem um detalhe muito importante que preciso que seressalve com relao contabilidade da CBF e aqueles aqui daComisso que tm alguma vinculao com clubes e confederaes sabemdisso. At 98 e no incio de 98 foi que, por uma medida provisrian, nstivemos que transformar as entidades em empresas de finslucrativos. (...) A partir de 1998, ela (CBF) comeou a ter quefazer toda a contabilidade normal de uma entidade, como se fosse umaempresa comercial.

    O presidente da CBF foi contestado pelo Deputado Aldo Rebelo:

    V.Excia., no pronunciamento de abertura de seu depoimento erecorrentemente insistiu na tese e na formulao de que a CBF umaempresa privada com fins lucrativos. No estatuto, o que vejo umaassociao civil de direito privado. Empresas privadas tm regra demercado. Eu sei que uma empresa que fabrica palet concorre com outrasque fabricam palet; uma empresa de televiso concorre com outra deteleviso; de rdio, com outras de rdio. Eu gostaria de saber qual aempresa no ramo de futebol que concorre com a CBF para organizarSeleo Brasileira, campeonato de futebol, qual a natureza mesmo, ocarter privado de uma empresa, se na verdade ela recebe e tem, quase em

  • carter de monoplio, a atribuio de organizar uma atividadeesportiva?

    Ricardo Teixeira:

    Dentro desse critrio, ns teramos alguns segmentos, por exemplo, asescolas de samba...

    Aldo Rebelo:

    No, mas escola de samba o senhor tem pelo menos uma dzia no Riode Janeiro, outra dzia, em So Paulo; CBF s h uma no Brasil,Presidente. isso que eu quero lhe dizer. Eu no posso organizar umaSeleo Brasileira no lugar da CBF...

    O deputado Jurandil Juarez tambm questionou o argumento de RicardoTeixeira:

    (...) eu fui CBF e procurei mudanas, estou convicto de que nohouve mudanas. Por isso, eu vou ler o que diz o Estatuto, que foi o queessa Comisso recebeu, l na CBF: esta entidade continua sendo umaassociao civil de direito privado sem fins lucrativos. Agora, deixar bemclaro que existe uma diferena entre ser sem fins lucrativos e isenta dopagamento de impostos. A entidade, portanto, continuou, por sua prpriadeliberao, dado que no existe, na Junta Comercial do Rio de Janeiro,registro de mudana de caracterstica de pessoa jurdica da CBF...

    Ricardo Teixeira respondeu:

    O que eu disse no foi que houve modificao estatutria. O que eudisse que, com a alterao da lei em que a CBF deixou de ser entidadeisenta de impostos, automaticamente caiu a proibio que existia de tersalrio diretor de empresa de fins lucrativos. (g.n.)

    Deputado Jurandil Juarez:

    A que ttulo o senhor recebe esses proventos? O senhor funcionrio?Isso pro labore? So os honorrios? So rendimentos da atividade?Qual o ttulo do seu rendimento?

    Ricardo Teixeira:

    Vou consultar minha auditoria para lhe mandar... (...) Ns estamostentando entrar em contato com o Departamento Jurdico, noconseguimos contatar, para responder sua primeira pergunta...

    Deputado Jurandil Juarez:

    Eu vou ler o artigo 13 do estatuto que rege a entidade: Os membrosdos poderes e rgos no sero de qualquer forma remunerados pelasfunes que exercerem na CBF. Esse artigo j foi revogado doEstatuto?(...) Se no foi o artigo 13 revogado, o senhor recebeu 405 mil, 962reais no ano de 99. Se no foi revogado especificamente esse artigo, osenhor tem conscincia de que est recebendo irregularmente da CBF?

  • O presidente da CBF referia-se s mudanas produzidas pela lei 9.532 de10 de dezembro de 1997, que revogou a iseno de imposto de renda e outros impostosque at ento beneficiava a CBF. Cobrado pela CPI , Teixeira enviou afinal, em 24 deabril ltimo uma cpia da ata da Assemblia geral da CBF que tratou desse tema e quese realizou-se em 5 de janeiro de 1998.

    A ata da assemblia estabeleceu no item e da ordem do dia examinare deliberar sobre concesso de poderes especiais Diretoria, para adoo de medidasnecessrias visando adaptao da CBF ao novo regime tributrio a que ficar sujeita apartir de 1 de janeiro de 1998, em razo da Lei no. 9532, de 10 dezembro de 1997, querevoga a iseno de imposto de renda que beneficiava as entidades de administrao dodesporto....

    Ricardo Teixeira apresentou a seguinte proposta da Diretoria Assemblia:

    Como conseqncia do trmino do regime isencional, entende a Diretoriaque diversas providncias devero ser tomadas pela CBF, a fim decompatibilizar sua administrao, notadamene nas reas financeira econtbil, com os requisitos inerentes a essa nova realidade que a equipara,sob aspecto tributrio, s empresas mercantis. Isto no significa que aDiretoria entenda conveniente ou necessrio modificar o carter dasfinalidades societrias da CBF, a qual continuar a ter fins nolucrativos...

    Sua proposta foi aceita: A Assembli