relatorio final paranatinga 12 05-06

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Page 2: Relatorio final paranatinga 12 05-06

ESTUDOS DE COMPLEMENTAÇÃO DOS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS

DA PCH PARANATINGA II PARA AS TERRAS INDÍGENAS PARABUBURE,

UBAWAWE E PARQUE INDÍGENA DO XINGU

EMPREENDEDOR

PARANATINGA ENERGIA S/A

Av. Historiador Rubens de Mendonça n. 2000, Sala 1209

Edif. Centro Empresarial Cuiabá, Bosque da Saúde

Cuiabá / Mato Grosso. Cep 78.050-000. Fone (65) 2121-4400

Responsável: Sr. Manuel Gonçalves Martins (Diretor de Operação)

EXECUÇÃO

DOCUMENTO Antropologia e Arqueologia SS Ltda

Rua Alcides Mendes de Barros n. 116, Jardim Leopoldina, Carapicuíba /SP.

Cep 06382-330. Fones/fax: (11) 4169-4280 / 4169-9567

Email: [email protected]

Responsável: L.D. Dra. Erika Marion Robrahn-González

2

Page 3: Relatorio final paranatinga 12 05-06

INDICE

1. ANTROPOLOGIA E PATRIMÔNIO CULTURAL COM ENFOQUE

TRANSDISCIPLINAR 6

1.1 CONCEPÇÃO TEÓRICA DO PROGRAMA: DAS ABORDAGENS

TRANSDISCIPLINARES EM ANTROPOLOGIA 6

1.2 DEFININDO O OBJETO DE ESTUDO E O USO DO ENFOQUE DA

ANTROPOLOGIA DA PAISAGEM 10

1.3 TERRAS INDÍGENAS E CONSERVAÇÃO AMBIENTAL 14

2. PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS 16

2.1 CONCEITUAÇÃO GERAL 16

2.2 PRODEDIMENTOS DE CAMPO NA PESQUISA DIAGNÓSTICA 24

3. OBJETIVOS DO PROGRAMA 26

4. LEGISLAÇÃO INTERVENIENTE 28

5. A ÁREA DE PESQUISA E COMUNIDADES ENVOLVIDAS 32

6. ESTUDOS JUNTO À COMUNIDADE XAVANTE (TI PARABUBURE E

UBAWAWE) 37

6.1 APRESENTAÇÃO 37

6.2 CARACTERIZAÇÃO LINGÜÍSTICA, HISTÓRICA E CULTURAL DOS

POVOS XAVANTE 43

6.3 AS TERRAS INDÍGENAS PARABUBURE E UBAWAWE 45

6.3.1 Localização e situação fundiária da TI Parabubure 45

6.3.2 Localização e situação fundiária da TI Ubawawe 49

6.4 CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-BIÓTICA DAS TERRAS INDÍGENAS 51

6.4.1 Aspectos regionais 53

6.4.2 Caracterização das TIs Parabubure e Ubawawe 78

6.5 CARACTERIZAÇÃO DO MODO DE VIDA DO GRUPO INDÍGENA

XAVANTE, COM ÊNFASE NA IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS

HÍDRICOS E VEGETAÇÃO/FAUNA RELACIONADOS 95

3

Page 4: Relatorio final paranatinga 12 05-06

6.5.1 A territorialidade Xavante 95

6.5.2 Caracterização do uso dos recursos naturais 100

6.6 RELAÇÃO SÓCIO-POLÍTICA, ECONÔMICA E CULTURAL DO

GRUPO INDÍGENA COM A SOCIEDADE ENVOLVENTE 112

6.7 LEVANTAMENTO DAS CONDIÇÕES DE ATENÇÃO À SAÚDE 115

6.8 ANÁLISE DE IMPACTOS 117

6.9 PROPOSIÇÃO DE MEDIDAS MITIGADORAS/COMPENSATÓRIAS 122

6.9.1 Medidas mitigadoras 122

6.9.2 Medidas Compensatórias 123

7. ESTUDOS JUNTO AOS POVOS DO PARQUE INDÍGENA DO XINGU 128

7.1 APRESENTAÇÃO 128

7.2 CARACTERIZAÇÃO LINGÜÍSTICA, HISTÓRICA E CULTURAL DOS

GRUPOS INDÍGENAS 140

7.2.1 Caracterização lingüística 140

7.2.2 Caracterização histórica e cultural 144

7.3 O PARQUE INDÍGENA DO XINGU 214

7.3.1 Histórico do Parque 214

7.3.2 Legislação Fundiária 216

7.4 CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-BIÓTICA DO PIX 221

7.5 CARACTERIZAÇÃO DO MODO DE VIDA DOS GRUPOS INDÍGENAS

DO PIX, COM ÊNFASE NA IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS

HÍDRICOS E VEGETAÇÃO / FAUNA RELACIONADOS 226

7.5.1 Coleta e manejo da vegetação nativa 229

7.5.2 Agricultura 238

7.5.3 A pesca e a caça 250

7.5.4 Calendário econômico-ecológico 274

7.5.5 O manejo informal dos recursos faunísticos 279

7.6 RELAÇÃO SÓCIO-POLÍTICA, ECONÔMICA E CULTURAL DOS

GRUPOS INDÍGENAS COM A SOCIEDADE ENVOLVENTE 288

7.6.1 Organizações Indígenas 288

7.6.2 Educação 290

7.6.3 Turismo Étnico 293

4

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7.6.4 Relações com a sociedade envolvente: o problema da

degradação nas cabeceiras dos formadores do Xingu 298

7.7 LEVANTAMENTO DAS CONDIÇÕES DE ATENÇÃO À SAÚDE 304

7.8 ANÁLISE DE IMPACTOS 308

7.9 INDICAÇÃO DE MEDIDAS MITIGADORAS/ COMPENSATÓRIAS 325

7.9.1 Considerações iniciais 325

7.9.2 Medidas Preventivas / Mitigadoras 327

7.9.3 Medidas Compensatórias 330

8. BIBLIOGRAFIA 337

9. EQUIPE TÉCNICA 346

ANEXOS: 349

ANEXO 1 – MAPA ETNO-ECOLÓGICO DA TI PARABUBURE 350

ANEXO 2 – MAPA ETNO-ECOLÓGICO DA TI UBAWAWE 352

ANEXO 3 – MAPA ETNO-ECOLÓGICO DO PARQUE INDÍGENA DO XINGU 354

ANEXO 4 – ANIMAIS SILVESTRES MENCIONADOS PELOS ÍNDIOS DO PIX,

COM BREVE DESCRIÇÃO DE SUA UTILIDADE 356

ANEXO 5 – PLANTAS NATIVAS ÚTEIS MENCIONADAS PELOS ÍNDIOS DO

PIX, COM BREVE DESCRIÇÃO DE SUA UTILIDADE 360

ANEXO 6 – COORDENADAS GEOGRÁFICAS COLETADAS EM ALDEIAS,

ROÇAS, CAPOEIRAS, ÁREAS DE CAÇA E PESCA, SÍTIOS

ARQUEOLÓGICOS E OUTRAS LOCALIDADES NO PIX. 361

ANEXO 7– ATA DAS REUNIÃO REALIZADAS JUNTO ÀS COMUNIDADES

INDÍGENAS DO PIX 369

ANEXO 8 – SIGLAS UTILIZADAS NO PRESENTE ESTUDO 396

5

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1. ANTROPOLOGIA E PATRIMÔNIO CULTURAL COM

ENFOQUE TRANSDISCIPLINAR

1.1 CONCEPÇÃO TEÓRICA DO PROGRAMA: DAS ABORDAGENS

TRANSDISCIPLINARES EM ANTROPOLOGIA

Atualmente os antropólogos têm questionado a plausibilidade e a utilidade de

uma antropologia dos mundos contemporâneos (Augé, 1998; García Canclini,

2000). Não se trata só de uma preocupação da Antropologia, mas, também, de

uma conjunção de fatos apontando para a construção de um objeto de estudo

cada vez mais complexo, ora pelos processos de imbricação entre as distintas

ciências sociais (que permite romper as fronteiras analíticas da especificação

disciplinar), ora pela influência política direta que os estudos em ciências

sociais vão adquirindo em nossas sociedades. Vale dizer que vamos exigindo

uma renovação e uma nova ponderação do espaço teórico-metodológico que

tem cruzado com a antropologia clássica (dos mundos exóticos constituídos

num exercício de alteridade profunda e por uma localização territorial fixa e

isolada), à luz do que devemos esclarecer sobre os nós que temos percorrido

no presente.

Como estímulo inicial à existência de uma renovação disciplinar surge o

problema a dimensionar, a saber, o de como a antropologia - com seus novos

projetos de analisar e perceber a realidade - pode assumir-se na prática de um

encontro de enfoques transdisciplinares (Friedman, 2001; King, 1991; Cardoso

de Oliveira, 1998; Boccara, 1999A; Viveros de Castro, 2002). Neste sentido,

para a prática antropológica já não cabe conceber uma abordagem etnográfica

com a única pretensão de abarcar um problema de pesquisa, num grupo

específico fixo, sem relacionar os esquemas locais, regionais e mundiais que

6

Page 7: Relatorio final paranatinga 12 05-06

confluem “no campo” (Ortiz, 2004b). Para alcançar este objetivo é necessário,

também, um novo tipo de profissional, capaz de compreender dinâmicas

integrais dos processos que estuda, e capaz, ademais, de integrar o trabalho

transdisciplinar como parte de seus fundamentos centrais para o planejamento

e execução de projetos específicos de pesquisa.

Neste ponto, o grande problema teórico surge quando são aplicadas visões

descontextualizantes, localizantes e essencializantes sobre os fenômenos de

estudo, o que tem gerado a partir de uma longa série de trabalhos, que vão

desde o particularismo histórico boasiano até os atuais enfoques pós-

estruturalistas e pós-modernos em Antropologia1.

Não obstante, os processos de mudança e transformação cultural, junto

com os espectros diversos desde os quais esses processos são gestados,

obriga a pensar uma relação estrutural, ao mesmo tempo em que conjuntural,

na qual se possam gerar descrições consistentes sobre processos particulares,

que do mesmo modo contribuam com visões interpretativas dispostas para a

construção de teorias regionais. Esta “estrutura da conjuntura”, ou a síntese

situacional entre a estrutura e o acontecimento, é uma realização prática das

categorias culturais num contexto histórico específico, tal como se expressa na

ação interessada dos agentes históricos, desenvolvendo-se em cada uma das

particularidades (Sahlins, 1997; Le Goff, 1991). Ao ocorrer isto, as sociedades

vão criando processos de construção de identidade cultural, o qual

desemboca ao mesmo tempo numa cristalização daqueles processos na

1Muitas destas críticas estão expostas nos trabalhos de Boccara, 1999a; Friedman, 2001; Larraín, 2001; King, 1991; Saavedra, 2002, 2004. A respeito do grande problema teórico insurgente da aplicação dos modelos do particularismo histórico boasiano, pós-estruturalistas e pós-modernistas em antropologia, Boccara nos diz: ... quiçá seja importante insistir na idéia de que a “pureza original” apenas exista na imaginação de quem assim a concebeu, como por exemplo, nas utopias de certos nostálgicos do exotismo... [e que] o cientista social não deveria deixar-se obstruir pelas concepções “naturalizantes” ou “arcaizantes” da sociedade e da cultura. (Boccara, 1999b:32, traduçao livre do espanhol).Conseqüentemente, já que grande parte destas concepções foram e são consignadas pelas etnografias sul-americanas para a construção do panorama geral das relações inter-étnicas, a partir de registros sucintos e objetos de estudo isolados (Viveros de Casto, 2002), temos uma tarefa adicional, qual seja, corrigir e completar os quadros e visões gerais de análises etnográficas mais complexas a partir de trabalhos integradores tanto teórica como metodologicamente. Isto comprometerá os pesquisadores em adquirir ferramentas inéditas, capazes de abordar a mobilidade e as transformações das sociedades e culturas a partir de relações inter-étnicas e inter-sociais (Cashmore, 1996).

7

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história. Sem entender que as estruturas são componentes determinantes das

sociedades ao mesmo nível que os acontecimentos, poderíamos perguntar:

como se elaboram, na práxis, as categorias culturais? Neste ponto o aporte de

Sahlins é significativo. A “estrutura da conjuntura” permite indagar sobre os

processos sociais de uma forma muito mais elaborada e complexa, com os

procedentes desafios metodológicos e técnicos que esta questão requer

(Sahlins, 1997: 14-16)2. Com objetos de estudo mais dinâmicos é possível

planejar pesquisas mais integradoras e visões teóricas mais complexas.

A relevância dos estudos onde ficam envolvidos processos de conflitos

interétnicos, e que implicam compreender complexas intervenções sociais,

deve levar à definição de corpos teóricos que possam oferecer pontos de

sinergia para a posterior elaboração de uma metodologia transdisciplinar. Os

grupos humanos manejam uma ambigüidade estrutural para construir suas

identidades, suas economias e seus processos de transformação política,

porque nela descansam grande parte das expectativas por assegurar sua

sobrevivência e transcendência. A concepção e uso dos espaços materiais, em

relação às dinâmicas ou práticas culturais que dão forma e conteúdo ao dito

2 Anteriormente a este ponto de vista, reinava a concepção estruturalista dos processos históricos. Os aportes metodológicos são inegáveis. Não obstante, a etnologia concentrava-se imponderavelmente nas revelações sincrônicas da realidade, fazendo perdurar certas premissas que até hoje são imperativos inconscientes dos estudos antropológicos. O mesmo Levi-Strauss, no Pensamento Selvagem, referia: “O etnólogo respeita a história, mas não lhe concede um valor privilegiado. A concebe como uma busca complementar à sua: a uma lança o leque das sociedades humanas no tempo, à outra no espaço... esta relação simétrica entre etnologia e história parece ser rechaçada por filósofos que não crêem, implícita e explicitamente, que o destacamento no espaço e a sucessão no tempo ofereçam perspectivas equivalentes... a diversidade das formas sociais que a etnologia capta destacadas no espaço oferece o aspecto de um sistema descontínuo; dessa forma imaginamos que, graças à dimensão temporal, a história nos restitui não estados separados, mas, sim, de um estado ao outro em uma forma contínua” (371). E prossegue: “A característica do pensamento selvagem é ser atemporal; quer capte o mundo como totalidade diacrônica e sincrônica, e o conhecimento que se toma pareça àquele que oferece, de uma habitação, espelhos fixados em muros opostos que se refletem um ao outro... assim, o pensamento selvagem constrói edifícios mentais que lhe facilitam a compreensão do mundo, por quanto se parecem, neste sentido, definir como pensamento analógico... mas nesse sentido, também, distingue-se do pensamento domesticado, do que o conhecimento histórico constitui um aspecto... (381) mas, para que a práxis possa ser vivida como pensamento, é necessário primeiro (num sentido lógico e não histórico) que o pensamento exista: vale dizer, que suas condições iniciais estejam dadas na forma de uma estrutura objetiva do psiquismo e do cérebro que, na falta desse último, não haveria práxis nem pensamento” (382).

8

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território, são as manifestações básicas da construção de qualquer identidade

(ver Hernández; 2003: 45).

Por identidade cultural – dentro desta perspectiva – compreendemos aquele

processo configurativo de práticas e manifestações culturais, presentes nos

grupos humanos que procuram uma cristalização de transcendência ligada à

sua permanência e reprodução. Não obstante, acreditamos que nunca se

alcança um grau real de cristalização e in-mobilidade histórica, e que também

não existe um início fundador (ou mito de origem real e objetivo das culturas).

As etnogêneses, nesse sentido, são sempre procedimentos construtivos,

apesar de que nas mentes dos indivíduos a representação daqueles processos

seja sempre mais estática e microscópica. Em conseqüência, o sistema de

identidades sociais, ao trabalhar indistintamente nas estruturas sociais e no

individuo, vai forjando um novo questionamento. Ao assumir que as identidades

são um processo constante de construção, presentes em um sistema, devemos

também admitir que são um fenômeno subjetivo, inter-subjetvo e, às vezes,

objetivo (Saavedra, 2002; Ortiz, 2004b). Dessa forma, poderemos afirmar uma

negativa teórico-metodológica de reduzir o trabalho antropológico a uma mera

tarefa de testificar e traduzir as realidades sócio-culturais estudadas.

9

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1.2 DEFININDO O OBJETO DE ESTUDO E O USO DO ENFOQUE DA

ANTROPOLOGIA DA PAISAGEM

Faz parte do objeto de estudo do presente trabalho conhecer os processos de

interação, apropriação e significação dos habitantes das TIs Parabubure,

Ubawawe e Parque Indígena do Xingu dentro de sua diversidade cultural,

assim como de seu entorno biótico, paisagístico e simbólico. Para que ele seja

bem definido, cabe-nos compreender a interpretação que esses grupos têm do

meio, assim como definir as estratégias diferenciadas e compartilhadas de

apropriação ambiental e, finalmente, relacionar tais aspectos com processos

etnopolíticos, territoriais e econômicos contingentes na área.

Aproximando-nos do nosso “objeto de estudo” surge a necessidade de definir

alguns marcos de apoio, úteis para o inicio do diálogo teórico. Enfrentando este

desafio e observando os atuais enfoques transdisciplinares para estudos de

contingência, surge-nos um conceito possível de abarcar nossas necessidades

específicas referentes à área de estudo. Tal conceito desenvolve-se a partir do

uso de uma Antropologia da Paisagem, plausível de integrar tópicos de estudos

ligados à ecologia (ou à etnoecologia), à interação das sociedades com os

espaços territoriais (etnopolítica e territorialidade), às configurações simbólicas

dos atores sobre seu entorno material e imaterial e, sobretudo, aos processos

de apropriação da paisagem num sentido holístico e histórico, integrando tanto

as estruturas sociais como culturais dos atores envolvidos.

Estudos de cunho antropológico na Amazônia têm contado com a ecologia

como ferramenta desde as décadas de 1960 e 70, com discussões

relacionadas tanto à densidade da ocupação na região, assim como ao grau de

influência que pode manter sobre os atuais grupos indígenas regionais.

10

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Um tema corrente no pensamento ecológico sul-americano é o da relação entre

nível de complexidade sócio-cultural e oferta de alimentos, em determinado

ambiente natural. Steward & Faron (1959) levam essa discussão ao extremo ao

abordarem "a integração sócio-cultural no nível familiar". Os principais

ingredientes dessa fórmula de subsistência são: população reduzida,

tecnologia de caça e de coleta, ambiente natural com uma oferta de alimentos

relativamente baixa. Carneiro (1968) chama a atenção para a importância do

crescimento da população em uma área geograficamente ilimitada a qual,

independentemente da fertilidade do solo, gera níveis cada vez mais elevados

de complexidade sócio-cultural. (De Cerqueira, 19793).

Embora os palcos sejam atualmente mais complexos, ora pelas transições

econômicas dos países de América Latina, ora pela crescente crise ambiental

sofrida pelos mesmos, não deixam se ser interessantes as propostas para

acercar-nos à compreensão dos atuais processos da sociedade xinguana,

tanto para se adaptar, como para se desenvolver, num palco cada vez mais

agressivo quanto às relações interétnicas presentes na área4.

Consequentemente, a compreensão deste fenômeno por parte dos

pesquisadores sul-americanos promove a formação de consistentes

conhecimentos sobre as formas de vida e apropriação da paisagem, em

condições que necessariamente levam – tal como propõe Alvarado (2003) – ao

tema da identidade. Esta busca supõe um retorno (analítico e metodológico)

para a relação entre homem e natureza, já que os povos chamados “primitivos”

sofrem uma acelerada transformação (Alvarado, 2003). Os princípios de

organização social e sua relação com o meio ambiente serão discutidos, tendo

em vista a formulação de uma nova base de comparação das povoações

indígenas sul-americanas.

3 Este artigo, publicado em Current Anthropology em Setembro de 1979, passou a representar uma importante referência aos estudos sobre ecologia e índios sul-americanos. Posteriormente foi publicado em português por Darcy Ribeiro, com tradução de Berta Ribeiro. Esta versão digital consta na internet em http://www.jstor.org/view/00113204/dm991424/99p0380p/0 (versão em Inglês) e http://www.georgezarur.com.br/pagina.php/97 (versão em português), obtida em janeiro de 2006.4 Referimo-nos basicamente à agressividade das “agências”, formais e informais, da sociedade brasileira e suas intervenções (científicas, econômicas, culturais, religiosas, políticas, etc.) que atuam crescentemente no interior do PIX.

11

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É aqui onde os dualismos epistemológicos ficam fora de ação. Em mãos com

a cultura, os espaços territoriais se expressam tanto em significados

(representação do espaço) como em usos de espaços reais (condutas), onde,

do mesmo modo, configuram-se as transformações e cristalizações históricas.

Com respeito às sociedades tribais e de chefaturas simples, envolvidas em

torno de um âmbito de congregação direta, o espaço não só significa um

pertence restringido, senão, também, o uso de outros espaços territoriais de

alianças, ou bem, projeções de espaços míticos.

Neste espaço territorial se forjam sistemas de identidades sociais, referindo-

nos a que cada ator (individual ou coletivo) porta uma grande quantidade de

identidades simultâneas referidas a diferentes tipos de fenômenos. É dessa

forma que as culturas, as etnias, os gêneros, as nacionalidades, o status

familiar, a situação socioeconômica, etc. podem confluir num só ator, que

assume suas respectivas identidades ao mesmo tempo, e neste caso, no

marco de seu próprio território5.

Ante esse contexto, a noção de etnia, ou grupo étnico, deve re-conceitualizar-

se (Barth, 1976; Abramoff, 2001; Bonfil, 1992), já que, a partir da proliferação

dos conflitos de considerações étnicas, e partindo do pressuposto de que uma

etnia se reinventa e se redefine como um recurso dos atores sociais para lograr

estrategicamente certos interesses, os processos territoriais adquirem um

formato de luta política pelo território frente à opressão da sociedade

dominante. Nesse sentido, a etnicidade é parte integral da organização social,

e os fatores que distinguem os grupos étnicos de outros grupos geralmente se

conformam a partir de estratégias de contingência; por exemplo, a identidade

étnica aparece só quando os grupos sentem-se ameaçados pela perda de

alguns dos benefícios já adquiridos ou por aspirar a outros privilégios. É

5 Para Todorov é impossível conceber um “eu” relegado de um “outro”. Isso é o que converte à concepção unívoca do individuo em uma contradição interessante de considerar nos estudos aplicados ao contato; diz-nos “yo es otro... pero los otros también son yos: sujetos como yo, que sólo mi punto de vista, para el cual todos están allí y sólo yo estoy aquí, separa y distingue verdaderamente de mí” (p. 13); isso se justapõe também ao plano do nós/outros que tão complexamente vaticina a Antropologia. Para a questão das múltiplas identidades na era pós-moderna e suas possibilidades interpretativas, ver as análises de Zygmund Bauman (2005), em Identidades.

12

Page 13: Relatorio final paranatinga 12 05-06

conseqüente, e até esperado, então, compreender uma inter-relação direta

entre as expressões étnicas da identidade junto às expressões de classe (6) (7),

e não só especular sobre as intenções de busca de autonomia e

autodeterminação que teriam as populações indígenas (Ortiz, 2004a).

Enfim, o interesse por interagir teoricamente com propostas inovadoras deve

levar necessariamente a contribuir para uma teoria regional sobre os processos

territoriais e culturais fornecidos a partir de conflitos de considerações étnicas.

Para isso, precisaremos de maiores recursos integradores desde a etnografia,

a etnohistória, a etnoecologia, e obviamente a etnologia, para assim desafiar

nossas próprias limitações à hora de construir nossos objetos de estudo e

intervir cientificamente nas realidades que estudamos.

6 Para uma excelente revisão entre a relação entre etnia e classe, ver Sánchez; 19877 Muitos autores propõem que a “questão étnica” não pode separar-se de sua relação com os Estados nacionais (Díaz-Polanco, 1991; Sánchez, 1987; Esteva Fabregat, 1984, entre outros).

13

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1.3 TERRAS INDÍGENAS E CONSERVAÇÃO AMBIENTAL

Compreender sistemas de manejo de recursos naturais envolve

necessariamente uma abordagem transdisciplinar. Elementos ecológicos, como

a capacidade de suporte do ambiente, sazonalidade e distribuição dos recursos

sobre uso são tão fundamentais quanto aspectos de ordem sociocultural, como

regimes de propriedade e regras locais de manejo (Berkes 1989, Ostrom 1993,

McCay 1993). A perda do conhecimento tradicional, que segundo essa lógica

ameaça a sustentabilidade dos sistemas sócioecológicos, é por Berkes et al.

(1993) atribuída às inovações tecnológicas, a pressões devido ao crescimento

populacional, à quebra dos sistemas tradicionais sociais, à perda do controle

das populações locais sobre áreas e recursos e a mudanças de visão

resultantes da urbanização.

Barragens têm causado impactos graves sobre povos indígenas em todo o

mundo, interferindo na vida, subsistência, cultura e existência espiritual. Fortes

desigualdades e dissonâncias culturais, racismo institucional, discriminação

social e marginalização política. Além disso, via de regra, as comunidades

indígenas são excluídas dos benefícios (Colchester 2000).

Na Amazônia, onde as terras indígenas superam em muito as Unidades de

Conservação em termos de área de abrangência, os povos indígenas

exerceram um papel histórico primordial na proteção da floresta. Vários

estudos neste bioma mostram, através de análises de imagens de satélite em

séries temporais e por sensoriamento remoto, que as Terras Indígenas agem

como barreiras contra o desmatamento, que avança ao redor das mesmas

(vide Nepstad et al 2005, entre outros).

As Terras Indígenas brasileiras são elementos-chave para a conservação dos

distintos biomas encontrados no Brasil, e de ecossistemas íntegros,

desempenhando serviços ambientais essenciais, principalmente pela

dificuldade de implantação, na prática, de uma estrutura eficiente de

14

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fiscalização num país de dimensões continentais, como o Brasil. Como

resultado, hoje cerca de 85% das Unidades de Conservação brasileiras não

estão implantadas efetivamente.

Diversos autores concordam que, de fato, as terras indígenas na região

neotropical funcionam como importantes unidades de conservação (Redford

and Stearman 1993, Peres 1994, Peres e Terborgh 1995, Diegues 2000,

Zimmerman 2001). Silvius (2004) argumenta que reservas tradicionais podem

funcionar tão bem ou melhor que reservas estabelecidas simplesmente por

motivos ecológicos, pois as comunidades envolvidas de fato respeitam seus

limites. Por exemplo, o manejo de queixadas envolve necessariamente a

manutenção de grandes extensões de áreas conservadas, florestais ou não,

que garantam abrigo e alimento para bandos grandes em constante

deslocamento. No caso dos Xavante da Reserva Rio das Mortes, também o

papel tradicional do Xamã vai fortalecer a importância dada ao conhecimento

etnoecológico e aos sistemas tradicionais de manejo.

A importância das terras indígenas é ainda maior pela pequena

representatividade, tanto qualitativa quanto quantitativa, do nosso atual Sistema

Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, Lei número 9.985, de 18 em julho

de 2002). Vale salientar que justamente o norte do Mato Grosso é região de

transição entre a floresta da terra firme e o planalto central, conhecida no meio

científico e na mídia como “arco do desmatamento”, e que tem sido um dos

principais focos de remoção da cobertura vegetal original nas últimas décadas.

As terras indígenas brasileiras já legalizadas totalizam mais de 110 milhões de

hectares de áreas de valor potencial para a conservação da biodiversidade. No

caso da bacia do Xingu, especificamente, diversas espécies consideradas

ameaçadas, como a onça pintada, a ariranha, o queixada, o tatu canastra, além

de inúmeras outras espécies, ocorrem na área, e estão, no caso do Parque

Indígena do Xingu, livres de pressão de caça por conta de tabus culturais,

como será detalhado mais adiante.

15

Page 16: Relatorio final paranatinga 12 05-06

2. PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS

2.1 CONCEITUAÇÃO GERAL

Em atendimento, por um lado, às solicitações feitas pelas comunidades

indígenas envolvidas, pelo Termo de Referência emitido pela FUNAI8 e pelos

órgãos públicos; e, por outro lado, considerando as especificidades científicas

apresentadas, este Programa está baseado em 3 frentes de atuação, a saber:

estudos antropológicos (caracterização das terras indígenas em

seus aspectos históricos, legais, ambientais, etnológicos, etnopolíticos e

socioeconômicos);

estudos ecológicos referentes aos recursos ambientais existentes

nas Terras Indígenas abordadas, com especial atenção para os recursos

hídricos. Estes estudos envolvem não apenas uma caracterização

física do ambiente de recursos disponíveis, mas, também, os aspectos

culturais de uso e classificação destes recursos (estudos etnoictiológicos

e etnotaxonômicos).

Embora cada uma dessas frentes de atuação possua procedimentos e

metodologias específicas, são tratadas de forma integrada e interdisciplinar,

uma vez que têm o mesmo objetivo comum9.

Neste sentido, a base metodológica do projeto se sustenta na pesquisa

diagnóstica, a saber, uma estratégia de pesquisa apta e adequada para a

8 Uma listagem das siglas utilizadas no presente relatório e seus significados pode ser encontrada no Anexo 9.9 Confrontar: Robrahn-González, E.M. 2005, “Projeto executivo do Programa Diagnóstico Antropológico e Patrimônio Cultural, Paranatinga II, Estado de Mato Grosso”.

16

Page 17: Relatorio final paranatinga 12 05-06

abordagem de problemáticas onde ficam envolvidas intervenções sociais,

expostas como “ações para o desenvolvimento”, as quais, ao mesmo tempo,

são parte de um fenômeno de intervenção sócio-política tendente a lograr

certos fins, sustentados na configuração de um, ou vários, atores sociais

determinados. A utilização da pesquisa diagnóstica deve oferecer uma

estratégia metodológica integrada para construir as bases da coleta, análise e

interpretação dos dados primários e secundários, tendo como referência

algumas questões teórico-metodológicas abaixo detalhadas.

Quando falamos de pesquisa diagnóstica nos referimos a uma “Estratégia

Metodológica” e não a uma “Metodologia”. A diferença é crucial. A estratégia

contém a possibilidade epistemológica, como técnica, de fornecer uma

variabilidade de visões teóricas, padrões de enfoque, delimitações de objeto de

estudo, etc., a partir de um trabalho interdisciplinar. A pesquisa diagnóstica,

como estratégia metodológica, também fornece diferentes planos de indagação

quanto aos alcances das investigações planejadas. É dizer, permite aproximar-

se à construção de um objeto de estudo mais complexo, na medida em que os

pesquisadores são capazes de identificar, nas diferentes intervenções sociais

que estão configurando, a problemática determinada. Dentro desta estratégia

de pesquisa há que se considerar questões que têm relação com os processos

diacrônicos de transformação, as relações de poder imbricadas nas distintas

intervenções sociais, bem como as conseqüentes repercussões sócio-culturais

daqueles processos (Wolf, 1987).

Então, o que estamos entendendo por intervenção social? A resposta a esta

pergunta é fundamental, porque é aquela que demanda a especificidade da

proposta metodológica deste Programa. Uma intervenção social é uma

interação de transformação material e imaterial que realizam certos atores

sociais, que procuram certos fins gerais e específicos através de certos

meios, em determinadas condições ou contextos. Esta é uma proposta da

sociologia funcionalista mertoniana (Merton 1957, 2003) que é de muita

utilidade nos estudos que requerem uma análise mais detalhada sobre

processos conflitivos contingentes, surgidos de uma luta de interesses.

17

Page 18: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Os atores sociais sempre são complexos de determinar. Regularmente, têm

processos de configuração sócio-cultural que implicam desenvolvimentos de

identidade, território, economias, tradições, etc. Muitas vezes, os propósitos

dos pesquisadores fazem parte destes sujeitos sociais, o qual deve ficar muito

claro, e, além disso, deve ser exposto para manter a integridade científica do

projeto quanto à busca pelo conhecimento o mais válido, confiável e exato

possível. Os atores sociais também têm interesses diversos. Em outras

palavras, são conjuntos complexos de indivíduos que se desenvolvem

conjuntamente em diferentes graus de compromisso para o logro de certos fins.

Dentro dos atores sociais também há relações assimétricas de poder,

processos de negociação e estandardizações de certas imagens de identidade.

Em nossa contingência de análise, os atores envolvidos são principalmente

grupos indígenas (das TIs Parabubure e Ubawawe e do PIX), empreendedores

do projeto da PCH Paranatinga II e organismos oficiais (estatais) de

fiscalização e autorização. De fato, os atores sociais identificados neste

esquema são os mesmos que em tantos processos sociais na América Latina

se apresentam. Todavia, não é suficiente admitir somente esta relação

tautológica, senão, também identificar a complexidade interna destes atores

intervenientes no processo estudado.

Os fins que procuram os atores sociais são tão complexos como a

configuração dos mesmos atores. Existem fins explícitos e de curto alcance,

assim como fins implícitos e de longo alcance. Os primeiros, fins explícitos,

geralmente são simples de identificar, e ficam expressos nas declarações dos

atores a respeito do conflito particular. Mas os segundos, fins implícitos, muitas

vezes respondem a questões mais emaranhadas relacionadas com ideologias,

cosmologias, e cosmogonias dos atores envolvidos. Neste sentido, o

pesquisador que realiza uma indagação diagnóstica deve identificar aqueles

fins primários, práticos e estratégicos (que ao mesmo tempo são “fins de médio

alcance”), e reconhecer aqueles fins plasmados nas expectativas e esperanças

últimas, aquelas relacionadas com os fundamentos ideológicos do sujeito

social. Os “fins” também têm características sobre as bases de poder que

18

Page 19: Relatorio final paranatinga 12 05-06

sustentam o sujeito envolvido. Neste sentido, os fins podem ser “reformistas”,

“revolucionários”, “empreendedores”, “alienadores”, “secularizadores”, etc.

Os meios utilizados pelos atores sociais para lograr seus fins sempre serão

conseqüentes aos seus requerimentos. O dito “o fim justifica os meios” se faz

fundamental neste esquema. Se os fins são secularizadores, os meios estarão

ligados à utilização da doxa política do contexto social onde se planeja a

intervenção social. Se o fim, por outro lado, é revolucionário, os meios serão

também revolucionários, provavelmente vanguardistas e desestruturadores.

Talvez o esquema mertoniano fique diminuído enquanto se considerar as

“condições” ou “contextos” onde as intervenções sociais são desenvolvidas.

Este é um processo fundamental. Tanto a qualidade como as repercussões da

intervenção estarão restritas aos contextos de ação. Neste sentido, requer-se

um panorama etnográfico profundo, conjuntamente com uma exaustiva revisão

de fontes. Nos contextos devem identificar-se as condições políticas,

econômicas, ideológicas e culturais que definem os atores, os fins e os meios

utilizados.

Neste estado das coisas, converge o mais difícil de identificar, a saber: que os

processos sociais conformam-se a partir de uma série indefinida de

intervenções sociais, muitas vezes contrapostas, e sempre multi-direcionais, o

que vai definindo a particularidade da construção histórica. Podemos dizer,

assim, que a historia é um processo intrincado de transformação e cristalização

de acontecimentos (“estruturas da conjuntura”, como diria Sahlins10) e de

intervenções sociais diversas, competindo por estabelecer transformação e

perduração dos atores sociais (conforme demonstra o esquema abaixo).

10 Salhins, 1997. Esta não é uma historia das particularidades. Sahlins não se refere a uma história moldada na ortodoxia da sucessão de feitos não-repetíveis. O autor diz: “as questões históricas não são tão exóticas”. As mudanças culturais já tipificadas são repetidas no tempo. Já Wolf fala que as “sociedades primitivas” não estiveram tão isoladas quanto pensa a antropologia do princípio do século XX. Daí que a abordagem de Sahlins na história é pensando-a como uma só forma geral: “tanto no seio da sociedade dada, como na inter-relação de distintas sociedades” (pág. 9-11)..

19

Page 20: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Também fundamentamos que as intervenções sociais estão teoricamente

definidas como “ações para o desenvolvimento”, o que necessita de outras

justificativas teóricas que não aquelas apresentadas explicitamente. Podemos

analisar com acuidade as bases teóricas do “desenvolvimento” através das

propostas críticas das atuais teorias sobre esse tema, vigentes e hegemônicas

na América Latina, carregadas de conteúdos pós-modernos, muitas vezes

desadaptados à nossa realidade regional (Teoria da Dependência11, Teorias de

Desenvolvimento Sustentável12, etc.). Nossa proposta é mais coerente com a

indagação de uma pesquisa diagnóstica, e diz respeito à capacidade dos

sujeitos sociais de transformar e utilizar a natureza. Compreendemos natureza

desde uma perspectiva monista, ou seja, desde uma perspectiva que não

denota um dualismo metodológico nem ontológico entre cultura e natureza,

11 Prebisch, R. 1981, Cardoso, F. H & E Faletto, E. 1970; Furtado, C. 197412 Becker, E. & Jahn, T. 1999. Para conferir quadros teóricos extensos sobre a relação entre sustentabilidade e Ciências Sociais ver especificamente Cap. I Exploring Uncommon Ground: Sustentability and the Social Sciences, Cap, II: Sustentability: Its Cognitive Power for Emerging Fields of Knowledge. E finalmente o Cap. III, intitulado: Sustentability and Territory: Meaningful Practices and Material Transformations. Tambem confrontar García, R. et al. 2003.

Processos sociais.

Estrutura da conjuntura

Intervenções sociais

Ocorrência plurilinear dos

processos sociais

Intervenções sociais

Construção plurilinear da

historia

20

Page 21: Relatorio final paranatinga 12 05-06

mas, sim, que vê o processo cultural como parte de um desenvolvimento da

mesma natureza em diversas manifestações de tipificação (Morin 1996, 2005).

Para os antropólogos, serão ações para o desenvolvimento tanto as distintas

intervenções dos grupos indígenas no que se refere à PCH Paranatinga II,

como a ação dos empreendedores que buscam sua construção.

O problema é mais complexo ainda, porque certamente esta perspectiva nos

obriga a identificar relações assimétricas de poder que certamente intervêm

nesse panorama. O conceito de desenvolvimento que estamos utilizando não

significa “controle”, ou seja, a maior ou menor capacidade de utilizar e

transformar a natureza pode ser um indicativo de maior ou menor

desenvolvimento, mas em nenhum caso de controle. Os exemplos estão à

vista: muitas das intervenções exercidas pelo ser humano no sistema biótico

geral, mesmo das sociedades mais desenvolvidas (com maior capacidade de

transformar e utilizar a natureza), são nefastas e incontroladas em termos das

conseqüências que elas provocam. Outras sociedades, seja por sua

organização social, seja por sua visão sobre o meio que habita, planejam

outras estratégias de intervenção que resultam menos influentes sobre o

esquema da biosfera, mas que igualmente geram desenvolvimento. Esta

perspectiva obriga a deixar de fora qualquer abordagem que abarque

estereótipos essencializantes ao nosso objeto de estudo. Dessa forma, o

pesquisador deve contextualizar e relacionar as “ações para o

desenvolvimento” (tal qual e como é entendido pelos agentes de

desenvolvimento descritos) com o fim de cristalizar o quadro descritivo

adequado para nossa estratégia metodológica.

Dessa forma, a resposta de como os trabalhos possam contribuir na solução de

conflitos em situações de contingência está na metodologia. Estamos na frente

de uma intervenção social complexa, e qualquer estudo no marco de um

programa diagnóstico deverá ser planejado numa clareza diagnóstica. Mas

como executá-lo?13

13 Para a apreciação de uma aplicação de um marco metodológico destas características, ver Ortiz, 2004. As principais fontes de sistematização teórico-metodológica a respeito estão em Saavedra, 2005; este último é professor da

21

Page 22: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Geralmente o diagnóstico é confundido, em ciências sociais, metodologicamente

falando, com a pesquisa avaliativa de impacto. Em nossa perspectiva este é um

erro fundamental. Nossa proposta é mais parecida ao funcionamento da medicina

alopática no momento de enfrentar um paciente. Neste sentido, os componentes

lógicos de uma pesquisa diagnóstica devem ser:

1.- descrever pertinentemente a situação problemática em termos de quais

são os atores, meios, fins e condições envolvidas nesta intervenção social ou

intervenções. Esta descrição deve ser a mais ampla possível, tratando de

juntar os dados primários com os secundários, avaliando problemáticas de

pesquisa, espaços de pouca indagação científica e processos chaves para

analisar.

2.- avaliar a situação problemática em termos da relação existente entre a

visão de desenvolvimento dos atores envolvidos (Agentes de desenvolvimento

e comunidades indígenas representados tanto pelas suas organizações como

por suas perspectivais). O mais difícil, neste caso, é a construção de um

modelo avaliativo competente. Geralmente os modelos avaliativos são

construídos com base em três perspectivas:

a) pelos mesmos pesquisadores que determinam quais serão os

modelos ideais que serão comparados com a descrição anterior;

b) pela “comunidade do objetivo”, ou seja, considerando que o modelo

deve ser totalmente êmico, e que esta informação deve ser comparada

posteriormente com a descrição inicial;

c) construído em uma relação dialética entre o que o pesquisador

identifica e a visão êmica envolvida no processo. Neste caso será

cátedra “Diagnóstico e Ação para o Desenvolvimento”, Instituto de Ciências Sociais, Universidade Austral de Chile.

Page 23: Relatorio final paranatinga 12 05-06

fundamental a comparação com situações ocorridas em contextos

similares.

Certamente, em nosso parecer, a terceira opção é a mais correta, não

obstante, a mais complexa. A distância entre a descrição contundente do

problema e o modelo avaliativo configurado será a magnitude do problema de

pesquisa, o qual dá fundamentos para, posteriormente:

3.- explicar - através de causas e associações - as razões que convertem as

estratégias dos agentes de desenvolvimento em conflitos no interior das

comunidades. Uma pesquisa diagnóstica não pode deixar de lado esta etapa

de investigação. A explicação deve ir mais além que a mera explicação

testemunhal do fenômeno, senão, também, dever-se-ia construir

metodologicamente aspetos relacionados com a prática experimental e as

análises integradas das associações concomitantes ao fenômeno.

4.- por último, embora não menos importante, é necessário oferecer

recomendações que tenham por fim dar solução à problemática apresentada,

entendendo que o problema seja comprovado empiricamente. Neste caso deve

existir uma racionalidade da ação, a qual é a relação lógica e equilibrada que

deve existir entre a descrição do modelo avaliativo (a identificação do

problema) e as recomendações. As recomendações devem ter coerência

interna e a possibilidade de aplicação lógica no contexto descrito. Este é o

processo mais cuidadoso e delicado, que será mais adequado na medida em

que as demais etapas da pesquisa diagnóstica sejam realizadas com a maior

consistência possível.

Page 24: Relatorio final paranatinga 12 05-06

2.2 PROCEDIMENTOS DE CAMPO NA PESQUISA DIAGNÓSTICA

A pesquisa diagnóstica em Antropologia requer a realização de certos

procedimentos de campo, além de certas especificações quanto à estratégia de

coleta de dados e às análises posteriores. A vantagem da Antropologia está

radicada em suas técnicas de campo, ligadas à etnografia, a qual permite

fornecer uma perspectiva enriquecedora dos processos através de suas

técnicas específicas. Neste caso, confluíram: a observação direta, a

observação participante, os encontros (social survey), as entrevistas com

informantes fixos, as entrevistas semi-estruturadas, as entrevistas grupais, os

focus group, entre muitas outras técnicas de campo, as quais forneceram as

bases de dados primárias, dispostas para análises posteriores.

Dentro da lógica da pesquisa diagnóstica, tanto a etapa descritiva como a

avaliativa, explicativa e recomendativa, requerem a utilização das técnicas

nomeadas acima, onde a estratégia etnográfica será a modeladora desses

processos. Nesse sentido, os instrumentos de coleta de dados devem ser

construídos neste marco geral, tratando de identificar as problemáticas

hipotéticas e, também, registrando as problemáticas surgidas in situ.

Não obstante, o “estar aí“, o compartilhar as experiências vitais de nossa

“comunidade objetivo”, não é indicador do sucesso do “trabalho de campo”. Em

geral, muitos antropólogos confundem esta etapa da pesquisa, porque para

eles é suficiente considerar suas próprias percepções como aceitável para

definir e validar os dados que posteriormente serão analisados. O feito de

testemunhar a realidade pode ser muito enriquecedor, mas é fundamental

identificar quais são aspectos surgidos das observações “objetivas” e quais são

as observações surgidas das interpretações e pré-conceitos dos

pesquisadores. A despeito do que nossa proposta indica, é uma estratégia

trans-disciplinária, o que significa grupos de pesquisadores de diversas áreas

de formação (da ecologia, da etnologia, da antropologia, da etnohistória, etc.),

trabalhando em conjunto sobre a confiabilidade dos dados e criando

Page 25: Relatorio final paranatinga 12 05-06

instrumentos e técnicas transversais capazes de aproveitar os distintos

contextos de intervenção “no campo”.

Finalmente, os procedimentos de campo deverão sempre estar regidos por

uma ética profissional, ligada à sinceridade dos pesquisadores na hora de se

deparar com situações conflituosas, possíveis de acontecer no trabalho de

campo.

Page 26: Relatorio final paranatinga 12 05-06

3. OBJETIVOS DO PROGRAMA

Os objetivos do presente Programa podem ser sintetizados em três grandes

itens:

Complementar os estudos referentes ao Licenciamento Ambiental da PCH

Paranatinga II no que se refere ao componente indígena, abrangendo as

Terras Indígenas Parabubure e Ubawawe (ocupadas por grupos Xavante e

localizadas às margens do rio Culuene, a montante da PCH), bem como o

Parque Indígena do Xingu (ocupado por 14 etnias e localizado a jusante da

PCH, já em terras banhadas pelo rio Xingu);

Desenvolver, assim, os estudos complementares solicitados pela FUNAI

através do Termo de Referência emitido, abrangendo: diagnóstico das

Terras Indígenas acima citadas, identificação dos impactos sócio-

ambientais provenientes da implantação do empreendimento e proposição

de medidas mitigadoras e/ou compensatórias cabíveis, em conformidade

com os pleitos existentes.

Atender a legislação brasileira e instrumentos normativos existentes no que

se refere aos estudos antropológicos do empreendimento.

Produzir conhecimento científico e análise de situação dos grupos

indígenas tratados, que permitam contribuir na sustentabilidade social,

cultural e econômica dos grupos.

Page 27: Relatorio final paranatinga 12 05-06

O atendimento a esses objetivos se apóia na necessidade de regularização dos

estudos de Diagnóstico Antropológico da obra, na deferência às solicitações da

comunidade indígena envolvida e na análise dos seguintes documentos:

Solicitações do Ministério Público Federal à Procuradoria Geral da

República (Ofício n. 221), IBAMA (Ofício n. 141) e FEMA (Ofício n. 143).

Laudo Antropológico solicitado pelo Ministério Público.

Laudo Etno-Histórico e Avaliação Jurídica, solicitado pela Paranatinga

Energia S/A.

Acordo firmado com a comunidade indígena (Termo de Compromisso).

Como resultado geral, a utilização de todas as fontes informativas disponíveis –

escritas, orais, ecológicas, antropológicas, etnohistóricas e suas interfaces –

trabalhadas de forma independente e com resultados convergentes, deverá

subsidiar a compreensão dos grupos sociais indígenas que dela participaram,

tendo como finalidade última a análise de possíveis impactos gerados pela

implantação da PCH Paranatinga II e a indicação de soluções de contorno.

Page 28: Relatorio final paranatinga 12 05-06

4. LEGISLAÇÃO INTERVENIENTE

O presente trabalho visa atender a legislação brasileira e os instrumentos

normativos vigentes no que se refere ao campo dos estudos antropológicos

(componente indígena), a saber:

Convenção OIT n° 169, de 07/06/1989, Convenção sobre Povos

Indígenas e Tribais em Países Independentes;

Lei 6001, de 19/12/1973 - Dispõe sobre o Estatuto do Índio;

Decreto nº 88.985 de 10/11/1983 - Regulamenta os artigos 44 e

45 da Lei n° 6.001 e dá outras providências;

Decreto nº 58.821 de 4/07/1966 - Promulga a Convenção nº 104

concernente à abolição das sanções penais;

Convenção OIT nº 104 de 01/06/1955 - concernente à abolição

das sanções penais por inadimplemento do contrato de trabalho

por parte dos trabalhadores indígenas;

Lei nº 5.371 de 05/12/1967 - Autoriza a instituição da “Fundação

Nacional do Índio” e dá outras providências;

Portaria MJ nº 542 de 21/12/1993 - Aprova o anexo Regimento

Interno da Fundação Nacional do Índio- FUNAI;

Decreto nº 1.775 de 08/01/1996 - Dispõe sobre o procedimento

administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras

providências;

Page 29: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Portaria MJ nº 14 de 09/01/1996 - Estabelece regras sobre a

elaboração do Relatório circunstanciado de identificação e

delimitação de Terras Indígenas a que se refere o parágrafo 6º do

artigo 2º, do Decreto nº 1.775/96;

Decreto-Lei nº 9.760 de 05 /09/1946 - Dispõe sobre os bens

imóveis da União e dá outras providências;

Decreto 1.141, de 19 de maio de 1994 - Dispõe sobre as ações

de proteção ambiental, saúde e apoio às atividades produtivas

para as comunidades indígenas;

Decreto nº 3.799 de 19/04/2001 - Altera dispositivos do decreto nº

1.141, de 19/05/1994, que dispõe sobre as ações de proteção

ambiental, saúde e apoio às atividades produtivas para as

comunidades indígenas;

Lei nº 6.634 de 02/05/1979 - Dispõe sobre a Faixa de Fronteira;

Decreto nº 4.412 de 07/12/2002 - Dispõe sobre a atuação das

Forças Armadas e da Polícia Federal nas terras indígenas e dá

outras providências;

Portaria MS nº 254 de 31/01/2002 - Aprova a Política Nacional de

Atenção à Saúde dos Povos Indígenas;

Resolução MS/CNS nº 304 de 09/08/2000- Aprova as Normas

para Pesquisas Envolvendo Seres Humanos- áreas de Povos

Indígenas;

Decreto nº 98.830 de 15/01/1990- Dispõe sobre a coleta, por

estrangeiros, de dados e materiais científicos no Brasil, e dá

outras providências;

Portaria MCT nº 55 de 15/03/1990 - Regulamenta coleta, por

estrangeiros, de dados e materiais científicos no Brasil;

Page 30: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Lei nº 10.172 de 09/01/2001 - Aprova o Plano Nacional de

Educação e dá outras providências;

Lei nº 9.610 de 19/02/1998 - Altera, atualiza e consolida a

legislação sobre direitos autorais e dá outras providências;

Decreto-Lei nº 25 de 30/11/1937 - Organiza a proteção do

patrimônio histórico e artístico nacional;

Lei nº 3.924 de 26/07/1961 - Dispõe sobre os monumentos

arqueológicos e pré-históricos;

Lei nº 9.051 de 18/05/1995 - Dispõe sobre a expedição de

certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de

situações;

Lei Complementar nº 75 de 20/05/1993- Dispõe sobre a

organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da

União;

Lei nº 6.938 de 31/08/1981- Dispõe sobre a Política Nacional de

Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e

aplicação, e dá outras providências;

Lei nº 5. 197 de 03/01/1967 - Dispõe sobre a proteção à fauna e

dá outras providências;

Lei nº 7.754 de 14/04/1989 - Estabelece medidas para Proteção

das Florestas Existentes nas nascentes dos rios e dá outras

providências;

Lei nº 9.605 de 12/02/1998 - Dispõe sobre as sanções penais e

administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao

meio ambiente, e dá outras providências;

Resolução CONAMA nº 001 de 23/01/1986 - Relatório de impacto

ao meio ambiente;

Page 31: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Resolução CONAMA nº 237 de 27/12/1997 - Licenciamento

ambiental;

Decreto nº 24.643 de 10/07/1934 - Decreta o Código de Águas;

Lei nº 9.433 de 08/01/1997 - Institui a Política Nacional de

Recursos Hídricos;

Arts. 231 e 232 da Constituição Federal promulgada em 1988 -

Reconhecem aos índios sua organização social, costumes,

línguas, crenças e tradições, e os direitos originários.

Por outro lado, os trabalhos de campo nas Terras Indígenas foram

devidamente oficializados e autorizados pela FUNAI, com aprovação da equipe

de trabalho pelas comunidades indígenas envolvidas (comunidades do Parque

Indígena do Xingu, e comunidades Xavante das Terras Indígenas Parabubure

e Ubawawe).

Page 32: Relatorio final paranatinga 12 05-06

5. A ÁREA DE PESQUISA E COMUNIDADES ENVOLVIDAS

Os grupos indígenas estudados habitam a região superior da bacia hidrográfica

do rio Xingu, um dos maiores tributários do Amazonas (Figura 1). Estes, e seus

afluentes menores, drenam uma região extremamente heterogênea e

composta por um mosaico de zonas ecológicas distintas.

No que se refere à área abrangida pela PCH Paranatinga II, localiza-se na

bacia do rio Culuene que, juntamente com o rio Sete de Setembro, Tanguro e

Suiá-Missu, irão formar o rio Xingu pouco antes do início do Parque Indígena

do Xingu (IBGE, citado em Projeto Radambrasil 1981) (Figura 2).

Na bacia do rio Culuene encontram-se, a montante da PCH Paranatinga II, as

Terras Indígenas Parabubure e Ubawawe, pela sua margem direita. Já o

Parque Indígena do Xingu (PIX) se localiza na bacia do Xingu propriamente

dita. Por esta razão a área de pesquisa do presente Estudo abrange não

apenas a bacia do rio Culuene, mas se estende para o alto curso do rio Xingu,

no trecho abrangido pelo PIX. Desta forma, as comunidades indígenas

envolvidas são:

T.I. Parabubure e T.I. Ubawawe, etnia: Xavante.

Localização: a montante da PCH Paranatinga II, abrangendo terras na

margem direita do rio Culuene. O início das TIs se encontra a 28,61 km

lineares do final do reservatório da PCH Paranatinga II, ou ainda, a quase

50km seguindo o traçado meândrico desse mesmo rio (Figura 3).

Page 33: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Parque Indígena do Xingu (formado por 14 etnias que integram o chamado

“Complexo Cultural Xinguano”14. Compreendem grupos que habitavam a

área anteriormente à criação do Parque e, também, grupos que para ali

foram levados pela FUNAI, visado centralizar sua assistência). As etnias

são: Waurá, Mehinaku, Yawalapiti, Kuikuro, Kalapalo, Nahukwa, Matipu,

Kamayurá, Awetí, Trumai, Suyá, Ikpeng, Kayabi e Yudjá.

Localização: a jusante da PCH Paranatinga II. O limite sul do PIX se

encontra a 93,71km lineares do eixo da PCH, ou ainda, a 238 km seguindo

o traçado meândrico do rio Culuene, assim como os quilômetros iniciais do

rio Xingu.

14 www.socioambiental.org.br

Page 34: Relatorio final paranatinga 12 05-06

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Page 35: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Figura 2 - Mapa de vegetação regional na bacia do Culuene.

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Page 36: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Figura 3 - Localização das Terras Indígenas pesquisadas.

Page 37: Relatorio final paranatinga 12 05-06

6. ESTUDOS JUNTO À COMUNIDADE XAVANTE (TI PARABUBURE

E UBAWAWE)

6.1 APRESENTAÇÃO

Este estudo foi realizado seguindo os modelos metodológicos fundados na

Antropologia Social, com levantamento de campo para coleta de dados

quantitativos e qualitativos. Os procedimentos realizados para a elaboração

dos estudos e desenvolvimento dos trabalhos foram os seguintes: reuniões

técnicas, levantamento e análise dos dados disponíveis, definição e

identificação das áreas de estudo, contatos com instituições, vistorias e

levantamentos de campo, diagnóstico ambiental, identificação e avaliação dos

impactos ambientais e proposição das medidas mitigadoras/compensatórias.

Foram realizados levantamentos dos dados disponíveis que subsidiaram a

execução dos trabalhos, tais como: material cartográfico, dados secundários

sobre a região do empreendimento (bibliografia disponível e estudos

relacionados ao Licenciamento Ambiental da obra) e processos existentes na

FUNAI. Neste contexto foi consultada a documentação existente, como

decretos, portarias, legislação, relatórios de fontes oficiais, teses de mestrado e

doutorado e boletins científicos.

Por outro lado, foram mantidos contatos com as seguintes instituições: FUNAI

em Brasília, em Campinápolis e Nova Xavantina no Mato Grosso; IBAMA;

Agência de Água e Saneamento e Meio Ambiente de Mato Grosso; e com a

comunidade indígena Xavante, que auxiliaram no entendimento do problema e

no desenvolvimento dos estudos.

Page 38: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Foi efetuado o reconhecimento da área nas terras indígenas através de

expedições terrestres, durante os meses de outubro e novembro/2005. As

pesquisas foram desenvolvidas, durante todo o período, com a presença de

índios Xavante juntamente com a equipe.

A primeira atividade desenvolvida quando da chegada da equipe nas aldeias foi

realizar reuniões informativas, esclarecendo sobre o escopo e objetivo do

trabalho e buscando incorporar aos estudos solicitações e recomendações

feitas pela comunidade indígena. As reuniões foram agendadas na AER e/ou

NAL que as aldeias estavam subordinadas.

Foram realizadas quatro reuniões com as lideranças das Terras Indígenas

Parabubure e Ubawawê. A primeira reunião foi realizada no Núcleo de Apoio

Nõrota, em 27/10/05, com as lideranças das aldeias subordinadas a esse

Núcleo (Prancha 1). A Tabela 1 traz a lista dos participantes.

As outras três reuniões com as lideranças Xavante jurisdicionadas à

Administração Executiva Regional de Campinápolis/AER, foram realizadas nos

dias 28, 29 e 30 de outubro de 2005, respectivamente no Posto Estrela, Aldeia

Buritizal e Aldeona/Culuene. Em todas as visitas os técnicos foram

acompanhados pelos índios Xavante Adriano, Henrique, Cláudio e Adalberto,

funcionários e representantes oficiais da AER de Campinápolis indicados pelo

administrador Isaac.

As lideranças que participaram da reunião realizada no dia 28/10/2005, no

Posto Estrela foram:

Liderança Aldeia

1. Ailton Aldeia Estrela

2. Armando Aldeia Barreiro

3. Rodrigo Aldeia Piranhão

4. Coreolano Aldeia Nova Canaã

PRANCHA 1 – A3

Page 39: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Tabela 1 – Participantes da reunião geral, Núcleo de Apoio Nõrota

Nome da liderança Cargo e Aldeia1. Germano Cacique da aldeia Onça Preta2. Domingos Cacique da aldeia Matrixã3. Alfredo Cacique da aldeia Boa Vida4. Francisco Cacique da aldeia 2° Campinas5. Orlando Cacique da aldeia Podzenho’u6. Francisco Vice Cacique aldeia S. Felipe7. Lázaro Cacique da aldeia Chão Preto8. Joãozinho Cacique da aldeia S. D. Sávio9. Terezinho Vice Cacique aldeia S. D. Sávio10. Lino Vice Cacique aldeia Boa Vida11. Marinho Chefe aldeia 2° Campinas12. Amauri Cacique da aldeia Etepore13. Samuel Vice Cacique aldeia Aparecida14. Satornino Cacique da aldeia S. Felipe15. Anselmo Cacique da aldeia Santa Clara16. Cleto Chefe aldeia Etepore17. Rita Vice Cacique aldeia Santa Cruz18. Ademar Representante aldeia Etepore19. Irineu Cacique da aldeia Couto Magalhães20. João Cacique da aldeia Santa Rosa21. Irineu Representante aldeia Boa Vida22. Isaias Cacique da aldeia São Pedro23. Cipriano Cacique da aldeia Bom Jesus da Lapa24. João Fidelis Representante aldeia S. D. Sávio25. João Gilberto Representante aldeia S. D. Sávio26. Aniceto Chefe aldeia S. D. Sávio27. Gustavo Chefe aldeia Etepore28. pedro Vice Cacique aldeia Tseredzatsé29. Norberto Secretário aldeia S. Felipe30. Miguel Representante aldeia Santa Clara31. Moisés Representante aldeia Parinai’a32. Silvério Representante aldeia Santa Rosa33. Zeferino Representante aldeia Santa Rosa34. Tarcísio Representante aldeia S. Felipe35. Jocelino Representante aldeia S.Felipe36. Domingos Representante aldeia Tseredzatsé37. Inácio Representante aldeia Santa Clara38. Zacaria Representante aldeia Santa Clara39. Felizberto Representante aldeia S. Felipe40. Anita Representante aldeia Boa Vida41. Casimiro Motorista aldeia S. Felipe42. Antônio Motorista aldeia S. D. Sávio43. Amadeu Motorista aldeia S. D. Sávio44. Vitalina Motorista aldeia Boa Vida45. Izete Motorista aldeia Chão Preto46. Tobias Motorista aldeia S. Felipe47. Cesário Motorista aldeia S. Felipe48. Paulo Motorista aldeia S. Felipe49. Vitoriano Motorista aldeia S. Felipe50. Albino Motorista aldeia S. Felipe

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Já as lideranças que participaram da reunião realizada no dia 29/10/2005, na

Aldeia Buritizal foram:

Liderança Aldeia

1. Cacique Joaquim Aldeia Biritiz

2. Cacique Quirino Aldeia Brasil

3. Cacique Davi Aldeia Itaquera

4. Cacique Luciano Aldeia Santa Helena

5. Cacique Guilherme Aldeia Serrinha

6. Cacique Ermínio Aldeia Mato Grosso

7. Cacique Enoch Aldeia Egito

Finalmente, as lideranças que participaram da reunião realizada no dia

30/10/2005, na Aldeia Aldeona/Culuene foram:

Liderança Aldeia

1. Cacique Eduardo Aldeia Aldeona

2. Cacique Simão Aldeia Novo Paraíso

3. Cacique Joel Aldeia Alvorada

4. Cacique Ubiratan Aldeia Sete Rios

5. Cacique Rodinei Aldeia Dzeiwahu

6. Cacique Manoelito Aldeia Aldeinha

7. Cacique Arlindo Aldeia Colina

8. Vice Cacique Márcio Aldeia Alto da Vitória

9. Cacique Osvaldo Aldeia Jacú

10. Cacique Tomás Aldeia Betel

11. Cacique Jovêncio Aldeia Tiriwawepa

12. Cacique Bernardino Aldeia Baixão

13. Cacique Roberto Aldeia Sobradinho

14. Cacique Valério Aldeia Sucuri

15. Cacique Marcidez Aldeia Cohab

16. Cacique Abrão Aldeia Lagoinha

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Page 41: Relatorio final paranatinga 12 05-06

O objetivo dessas reuniões foi o esclarecimento das comunidades indígenas

Xavante sobre os estudos socioambientais da PCH Paranatinga II exigidos pelo

CGPIMA/FUNAI, visando o levantamento dos possíveis impactos decorrentes

do empreendimento e o registro do conhecimento indígena sobre o meio

ambiente e as práticas relacionadas às Terras Indígenas Parabubure e

Ubawawê.

Com isto buscou-se, através da análise combinada dos resultados das

pesquisas e a perspectiva dos atores sociais sobre o tema em questão,

subsídios para um diagnóstico equilibrado, que respeitasse os processos

culturais e circunstanciais do grupo indígena Xavante.

Após o levantamento e análise dos dados e do trabalho de campo foi elaborado

o diagnóstico ambiental envolvendo aspectos do meio físico, biótico e

socioeconômico, sendo possível caracterizar a situação pretérita e atual das

áreas indígenas frente ao empreendimento. A equipe técnica elaborou o

diagnóstico de cada área de estudo, e os reuniu para a análise integrada dos

aspectos estudados.

Assim, a partir da adequada caracterização das áreas de estudo e do

diagnóstico sobre a qualidade ambiental, foi possível identificar e avaliar

aqueles impactos advindos da PCH Paranatinga II com relação ao rio Culuene

e às Terras Indígenas estudadas, comparando-os com as condições

preexistentes, tanto os de natureza negativa quanto positiva. Após a

identificação e avaliação dos impactos mais relevantes foram recomendadas as

medidas de controle ambiental e ações destinadas a minimizá-los ou

compensá-los, conforme o caso e de acordo com o que estará sendo discutido

ao longo do presente Capítulo.

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Page 42: Relatorio final paranatinga 12 05-06

6.2 CARACTERIZAÇÃO LINGUÍSTICA, HISTÓRICA E CULTURAL DOS

POVOS XAVANTE

Os Xavante constituem povo da família lingüística Jê. Autodenominam-se

Akuên e formam com os Xerente do estado do Tocantins o ramo central das

sociedades de língua Jê (Lopes da Silva e Farias 1992).

Os Akuên habitavam originalmente a bacia do Tocantins, desde o sul de Goiás

até o Maranhão, estendendo-se da bacia do rio São Francisco à bacia do

Araguaia. Após os contatos com o colonizador europeu na aldeia do Carretão,

há cerca de 250 anos atrás, os Akuên retornaram ao seu antigo habitat

passando a haver uma polarização de opiniões sobre o contato e, asssim,

gerando duas facções: uma de simpatia pela manutenção do contato com os

brancos; e outra de aversão ao convívio com o homem branco. O grupo que

manifestava simpatia continuou a viver no território tradicional, passando a ser

conhecido como Xerente; a facção que denotava aversão iniciou um

deslocamento em direção ao Araguaia hostilizando os colonizadores, e passou

a ser chamada de Xavante (LOMBARDI, 1985).

Até meados do século XIX os sertões matogrossenses compreendidos nas

regiões do Xingu, rio das Mortes e Araguaia, eram considerados

desconhecidos pelas autoridades da Província. O relato documental mais

antigo da presença dos Xavante em Mato Grosso, na região que viria a ser seu

habitat até a pacificação ocorrida em meados do século XX, consta do relatório

do presidente da província de Goiás, Pereira da Cunha, de 1856, no qual

noticia a expedição sob a direção de Frei Segismundo de Taggia, que procurou

estabelecer contato com um grupo Xavante hostil, na região do rio das Mortes

(LOMBARDI, 1985).

A travessia do rio Araguaia pelos Xavante ocorreu por volta de 1860-1870, mas

assinala-se que antes dessa grande travessia um outro grupo a havia

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Page 43: Relatorio final paranatinga 12 05-06

realizado, mas que deles não se teve notícias. Os Xavante começaram a

deslocar-se para a margem esquerda do Tocantins em 1824, depois para o

Araguaia, em 1859, indo então se estabelecer nos campos do rio das Mortes,

em data não precisa (LOMBARDI, 1985).

É necessário considerar que a ocupação Xavante da região compreendida

entre os rios Araguaia e das Mortes era o habitat de outros grupos indígenas,

com os quais tiveram que entrar em guerra a fim de delimitarem novas

fronteiras espaciais e se apossarem das terras (LOMBARDI, 1985).

Durante a primeira metade do século XX, quando há uma nova frente de

expansão econômica no centro-oeste movida pela exploração pecuária, que

impunha o controle, posse e ocupação das terras habitadas pelos Xavante, a

região se transformou em um campo de hostilidades e massacres promovidos

contra os índios, malgrado a política indigenista protecionista e a existência de

um aparato institucional do Estado destinado a fazer cumprir o protecionismo.

À medida que os interesses econômicos da frente pecuária passam a

capitalizar os ânimos do Estado e das Missões, todos os esforços se

concentraram na pacificação dos Xavante, objetivo alcançado pela equipe

coordenada pelo sertanista Francisco Meireles. Ele passou a atuar a partir de

1944, conseguindo o primeiro contato em 1946. Em 1949 o principal grupo

Xavante já estava dentro do Posto Indígena Pimentel Barbosa (LOMBARDI,

1985).

Ainda em 1946 ocorreram os primeiros contatos com o grupo que vivia nas

imediações do rio Culuene, sendo atraídos para os Postos Indígenas Marechal

Rondon e Paraíso. No ano de 1969 foi reservada uma área aos índios Xavante

no rio Couto Magalhães, na margem esquerda do Rio das Mortes.

Conforme apresentado no item que se segue, as Terras Indígenas Parabubure

e Ubawawe foram criadas, respectivamente, na década de 1980 e 1990,

reunindo índios Xavante provenientes da área do Rio das Mortes e Araguaia.

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Page 44: Relatorio final paranatinga 12 05-06

6.3 AS TERRAS INDÍGENAS PARABUBURE E UBAWAWE

6.3.1 Localização e situação fundiária da T.I. Parabubure

A Terra Indígena Parabubure localiza-se nos Municípios de Campinópolis e

Água Boa, Estado de Mato Grosso. A sociedade indígena é a Xavante, da

família lingüística Jê. A superfície da terra indígena é de 224.447 ha. A

população é de 2.624 índios (FUNAI, 1998).

As aldeias da TI Parabubure são: Santa Cruz, Bom Jesus da Lapa, São

Domingos Sávio, São Pedro, São Felipe, Santa Clara, Onça Preta, Parinai’a,

Santa Rosa, São Salvador, Nossa Senhora Aparecida, Tsredzatsé, Campinas,

Chão Preto, Boa Vida, Matrinxã, Eteipore, Tela Vive, Podznho’u, Upawapa e

Canguaçu, Aldeinha, Aldeona, Alto da Vitória, Alvorada, Auwê Ubtsibimedzé,

Baixão, Betel, Cohab, Colina, Córrego da Mata, Lagoinha, Novo Paraíso, Pedra

Branca, Santa Fé, Sucuri, Barreiro, Estrela, Jacu, Piranhão, Serrinha,

Campinas, Jerusalém, Mato Grosso, Santa Helena, Brasil, Buritizal, Egito,

Itaquere, São José, Santa Clara, Sete Rios, São Benedito, Panorama,

Dzeiwahu, Bela Vista, Nova Canaã, Sobradinho, Tiriwawepa, Santa Maria, São

Paulo, Cristalina, Santo Amaro, Deus é Amor, Nõrõtsu’rã, ti’irérepa, Monte

Pascoal, Espírito Santo, Três Marias, Ró’óredza’ódzé e Santana (vide Figura 4

e Mapa Etno-Ecológico, Anexo 1).

Como a cisão entre o Xavante faz parte de sua cultura, essas aldeias foram as

encontradas no período de outubro/novembro de 2005. O número de aldeias

em outra visita pode ser diferente.

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Figura 4 - Localização das Aldeias percorridas pela equipe nas TIs Ubawawe e Parabubure.

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Page 46: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Situação Fundiária

No ano de 1922 os Xavante ocupavam a margem esquerda do rio das Mortes,

tendo sido registrados vários ataques a seringueiros, sitiantes e missionários.

Em 1965 o líder Xavante Benedito, “atraído” para a Missão Salesiana,

transferiu-se para a sua antiga aldeia no Rio Couto Magalhães, área em que já

se havia instalado a fazenda Xavantina.

Em 1967 o Governo do Estado do Mato Grosso reservou uma área de 10.000

ha para a aldeia do Benedito, conforme Reg. nº 19.250, Lv. nº 34,fl.88 a 89 V,

Cartório do 4º Oficio Cuiabá – MT.

Em 1968, a FUNAI apresentou uma proposta de área que, embora não

abrangesse as cabeceiras do Rio Couto Magalhães nem a sua margem

esquerda onde estavam situadas suas principais aldeias, foi considerada

visionária.

O Decreto nº 65.212, de 23/09/1969, criou a Reserva Rio Couto Magalhães,

que foi alterada pelo Decreto nº 65.405, de 13/10/69. Este, por sua vez, foi

também alterado pelo Decreto nº 75.426, de 27/11/1975.

A Portaria n° 250/N/FUNAI, de 20.05.1975, criou o Posto Indígena Culuene na

margem direita do córrego Grotão, junto à sua confluência com o rio Culuene,

com superfície aproximada de 51.000 ha. Tal medida visava a proteção de uma

antiga área do grupo que, na época, estava sendo reocupada pela

comunidade. Com o Decreto n° 84.337, de 21.12.1979, foi criada a Reserva

Indígena Parabubure com superfície de 226.555 ha, abrangendo a área Couto

Magalhães e o Posto Indígena Culuene.

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Page 47: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Em 1981 foi demarcada com superfície de 224.447 hectares, registrada na D-

SPU/MT em 1987 e no CRI da Comarca de Nova Xavantina em 1988. Foi

homologada pelo Decreto nº 306, de 29.10.1991, com superfície de 224.447 ha

e perímetro de 294 km.

Mesmo com a regularização de parte da área o grupo continuou a reiterar seus

pedidos de alteração dos limites da terra. Em 1996 foram realizados estudos

das terras indígenas Chão Preto e Paraíso (atual Terra Indígena Ubawawê),

localizadas no limite sul. No mesmo ano a Portaria n° 343, de 21.05.1996,

determinou que os estudos de identificação e complementação de dados da

Terra Indígena Parabubure fossem realizados por etapas. A primeira etapa de

trabalho de campo agraciou as terras indígenas Chão Preto e Paraíso

(Ubawawê), que foram declaradas em 1998. A segunda etapa de identificação

e trabalho de campo realizaria os estudos da área Wai’re/Isou’pá; na terceira

etapa seriam realizados os estudos da área Norõtsurã; a quarta etapa

estudaria uma área denominada Hu’uhi, localizada na margem esquerda do rio

Culuene, no município de Paranatinga. A Portaria n° 891, de 31.08.1998,

instituiu um grupo técnico visando a identificação das etapas 2 (Wai’re/Isou’pá)

e 3 (Norõtsurã).

Administrativamente não existem as áreas 2 (Wai’re/Isou’pá) e 3 (Norõtsurã),

pois os relatórios de identificação e delimitação ainda estão em análise pela

FUNAI.

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6.3.2 Localização e situação fundiária da T.I. Ubawawê

A Terra Indígena Ubawawê localiza-se no Município de Novo São Joaquim no

Estado de Mato Grosso. A sociedade indígena é a Xavante, da família

lingüística Jê. A superfície da terra indígena é de 52.234 ha e superfície de 119

km. A população da TI é de 29 indíos (FUNAI, 1998).

UBAWAWE (Ponte Grande). Este nome faz referencia à existência, em tempos

remotos, de uma grande árvore derrubada sobre o Rio Paraíso, que era

utilizada na sua travessia durante os freqüentes deslocamentos que faziam

pela região. Este nome passou a identificar os próprios moradores dali,

especialmente uma facção dissidente da antiga Aldeia Oniudu, os quais hoje

habitam as Aldeias de Novo Paraíso, Aldeinha e Água Limpa (vide Mapa Etno-

Ecológico da TI Ubawawe, Anexo 2).

Situação Fundiária

Com o Decreto n° 84.337, de 21.12.1979, foi criada a Reserva Indígena

Parabubure com superfície de 226.555 ha, abrangendo a área Couto

Magalhães e o Posto Indígena Culuene.

Em 1981 foi demarcada a TI Parabubure com superfície de 224.447 ha. Mesmo

com a regularização de parte da área o grupo Xavante continuou a reiterar

seus pedidos de alteração dos limites sul da terra e, pela portaria n°

107/P/FUNAI, de 26.03.1996, foi designado um grupo de trabalho para efetuar

a identificação da área reivindicada, com superfície proposta de 51.900 ha e

perímetro de 120 Km. Pelo Despacho n° 49, de 29.08.1997, foi aprovado o

resumo do relatório circunstanciado de identificação e delimitação da TI

Ubawawê. A Portaria n° 456/MJ, de 25.06.1998, declarou a área de posse

permanente do grupo indígena Xavante com superfície aproximada de 51.900

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Page 49: Relatorio final paranatinga 12 05-06

ha e determinando que a FUNAI promovesse a demarcação administrativa da

área.

Os trabalhos de demarcação da TI Ubawawê foram realizados em 1999, pela

FUNAI, resultando na superfície de 52.234 ha e perímetro de 119 km. Com a

demarcação física pode haver reajuste na área declarada, podendo haver

pequenas alterações (como é o caso da TI Ubawawê, que foi declarada com

51.900 ha e demarcada com 52.234 ha).

O levantamento fundiário procedido na TI Ubawawê pela FUNAI e pelo Instituto

de Terras de Mato Grosso, cadastrou dezenove ocupantes não-índios, dos

quais quatorze possuíam benfeitorias implantadas e passíveis de indenização,

por força do disposto no § 6º do art.231 da Constituição Federal.

As contestações opostas à identificação e delimitação da TI Ubawawê foram

julgadas improcedentes pelo Memo nº 157/DEID/DAF/FUNAI, de 5 de junho de

1998, conforme o art. 9º e o § 9º, do art. 2°, do Decreto 1.775, de 1996.

Em 2000, o Decreto s/n, de 30.08 homologa a demarcação administrativa da TI

Ubawawê, localizada no município de Novo São Joaquim/MT, com superfície

de 52.234 ha e perímetro de 119 km.

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Page 50: Relatorio final paranatinga 12 05-06

6.4 CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-BIÓTICA DAS TERRAS INDÍGENAS

O rio Culuene segue um traçado predominante de sudoeste para nordeste,

sendo que os principais contribuintes afluem na porção central da bacia. Pela

margem direita destacam-se o ribeirão Quinze de Agosto e os córregos São

José, Ouro Fino e Sem Nome; pela margem esquerda sobressaem os ribeirões

Azul, do Peixe e do Boi. De um modo geral o relevo é ondulado a suavemente

ondulado, e a cobertura vegetal é do tipo Cerrado, com grandes áreas

ocupadas pela pecuária extensiva (Prancha 2).

De suas cabeceiras, em altitudes da ordem dos 800 m, até o sítio da barragem,

já na cota 360 m, o curso do rio Culuene tem um desenvolvimento de 254 km,

o que lhe confere uma declividade média de cerca de 1,73 m/km. Essa

declividade moderada e a forma alongada da bacia (índice de compacidade de

2,1) são fatores fisiográficos que favorecem o amortecimento das ondas de

cheias afluentes ao aproveitamento.

Considerando que as TIs Parabubure e Ubawawe se localizam na bacia do rio

Culuene (ao contrário do Parque Indígena do Xingu, que já se encontra na

bacia do rio Xingu propriamente dito), serão apresentados abaixo dados de

meio físico-biótico obtidos nos estudos realizados pelo licenciamento ambiental

da PCH Paranatinga II, notadamente no que se refere a aspectos ambientais

regionais (clima, rede hídrica, entre outros). Apresenta-se, a seguir, dados

específicos obtidos através dos estudos de campo nas TIs, visando fornecer

uma visão tanto macro quanto micro ambiental da área.

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Page 51: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 2 – Instrumentos de pesca Xavante

Área de pesca no rio Kuluene, próxima á aldeia Uawé,

Rio Couto Magalhães, área de pesca xavante,

interior da Terra Indígena Parabubure

Rio Culuene dentro do perímetro das terras indígenas Xavante de Parabubure e Ubawawe.

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Page 52: Relatorio final paranatinga 12 05-06

6.4.1 Aspectos regionais

Clima

Segundo os critérios de classificação de Köeppen, o clima predominante na

bacia do rio Culuene é o Aw, tropical úmido com estação seca. Este tipo

climático é associado às regiões onde o total de chuva no período seco é

inferior a 30 mm, a temperatura média no mês mais quente é superior a 22 ºC,

e no mês mais frio é superior a 18 ºC.

Nesse sentido, observa-se que as temperaturas médias anuais oscilam entre

23ºC e 26ºC, aproximadamente. As temperaturas máximas podem ser

elevadas, chegando aos 40ºC, assim como podem ocorrer temperaturas

mínimas abaixo dos 10ºC, em função da entrada de massas de ar polar.

Apesar destes declínios, temperaturas de 30ºC são freqüentes no inverno.

A precipitação anual média sobre a bacia é de cerca de 1.825 mm, com o

padrão de distribuição espacial apresentando ligeira tendência de crescimento

de sul-sudeste (1750mm/ano) para norte-noroeste (1900 mm/ano). A exemplo

do que ocorre em grande parte da região Centro-Oeste, o período chuvoso vai

de novembro a março e concentra cerca de 80% das chuvas, com maiores

incidências no trimestre de dezembro a fevereiro. O período de estiagem vai de

maio a setembro, com o trimestre mais seco de junho a agosto.

O escoamento do rio Culuene acompanha o regime sazonal das chuvas, com

cerca de um mês de defasagem. A predominância de solos arenoquartzosos

profundos no trecho superior da bacia confere boas condições de regularização

natural de vazões, que perduram ainda depois, quando a bacia passa a

assentar em solos podzólicos e latossolos. Próximo à PCH Paranatinga II o rio

Culuene ainda sustenta vazões relativamente elevadas no trimestre crítico de

estiagem, da ordem dos 35 a 40% das vazões médias anuais. As Terra

Indígenas Parabubure (1) e Ubawawê (2) estão localizadas na região tropical,

na região quente semi-úmido (4 a 5 meses secos) (Figura 5).

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Figura 5 – Caracterização climática regional, com localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.

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Page 54: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Rede Hídrica

O rio Culuene, juntamente com o rio Sete de Setembro, é um dos principais

formadores do rio Xingu, integrando a sub-bacia 18 do Xingu que, por sua vez,

forma uma das sub-bacias da Bacia Amazônica.

Seus principais afluentes pela margem direita são os rios Suia-Missu (médio

curso) e Comandante Fontoura (baixo curso). Pela margem esquerda o Xingu

recebe os rios Curisevo, Tamitatoala e Ronuro (alto curso), Arraias e

Manissuiá-Missu (médio curso). A Bacia do rio Culuene apresenta altas taxas

de escoamento superficial, em média da ordem de 20 l/s/km2, onde a média do

período menos chuvoso nunca foi inferior a 11,0 l/s/km2 (Figura 6).

As cabeceiras do rio Culuene, situadas entre os municípios de Planalto da

Serra, Nova Brasilândia e Primavera do Leste, ultrapassam os limites da

Depressão Interplanáltica de Paranatinga, atingindo a parte mais elevada do

Planalto dos Guimarães (600-700m de altitude). Este rio comporta-se como o

maior coletor de águas da região da Depressão, tendo em seu alto curso

ocorrência de corredeiras e quedas d´água, com leito predominantemente

rochoso, na área onde faz limite com a Província Serrana e o Planalto do

Guimarães. Cerca de 30 km antes de chegar à escarpa limítrofe que separa a

Depressão Interplanaltica de Paranatinga do Planalto Dissecado dos Parecis,

este rio começa a emeandrar-se, formando planícies e terraços fluviais com

grande quantidade de meandros abandonados (PRODEAGRO, 1996).

Durante os estudos de diagnóstico realizados por conta do licenciamento

ambiental da PCH (portanto, em momento anterior ao início das obras), foram

obtidos dados referentes à qualidade da água do rio Culuene, abaixo

transcritos. Os estudos serviram para estimar possíveis cenários do ambiente

aquático no futuro reservatório nas fases de enchimento e estabilização; avaliar

a qualidade da água com relação aos limites da Resolução CONAMA nº

20/1989 para rios de Classe II, como é o caso, e suas adequações aos usos da

água atuais e futuros.

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Figura 6 – Caracterização hidrográfica regional, com localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.

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Page 56: Relatorio final paranatinga 12 05-06

As coletas de água foram realizadas em outubro de 2002, que corresponde ao

final do período de estiagem na região. Foram amostradas duas estações de

coleta, uma à montante e outra à jusante do futuro barramento, codificadas

como sendo CULU1 e CULU2, respectivamente, localizadas próximas ao

empreendimento (portanto, não compreendendo as TIs aqui analisadas ou

mesmo suas proximidades).

Foram medidos 21 parâmetros físico-químicos e 6 parâmetros biológicos da

água, incluindo a comunidade de macroinvertebrados bentônicos que

colonizam o sedimento de fundo. Em campo foi medido a transparência de

Secchi, bem como feitas anotações sobre as condições do ambiente aquático e

seu entorno.

As amostragens qualitativas da comunidade fitoplanctônica foram realizadas

com rede de plâncton, malha 25m, através de 20 arrastes contra a corrente. O

material concentrado foi preservado em solução de Transeau. Para as análises

quantitativas dessa comunidade, as coletas de água foram feitas através de

passagem de frasco de 300 mL na sub-superfície, onde foi adiconado 5 mL de

solução de lugol-acético a 1%.

Já as coletas de zooplâncton para as análises qualitativas foram realizadas

com rede cônica de malha 61 m, através de arraste contra a corrente por

cerca de 5 minutos. Para as análises quantitativas dessa comunidade foram

filtrados 150 litros de água nesta mesma rede. Ambas as amostras foram

preservadas com 10mL de solução de formol à 40%.

As coletas de sedimento das margens do rio Culuene para análise da

comunidade de macroinvertebrados bentônicos foram realizadas manualmente,

devido à dificuldade em manusear a draga no leito rochoso. As amostras de

sedimento para análise quali-quantitativa desta comunidade foram

armazenadas em sacos plásticos e preservadas em formol a 8%.

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Page 57: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Todas as amostras coletadas nas quatro campanhas foram transportadas até o

laboratório AQUANÁLISE em Cuiabá e as análises foram realizadas seguindo

metodologias estabelecidas pelo APHA/AWWA (1990).

As análises da clorofila foram realizada pelo método espectrofotométrico em

g/L. Cada resultado foi obtido a partir da média de tréplicas, ou seja, foram

analisadas três sub-amostras para cada frasco de coleta.

As determinações dos índices de coliformes seguiram o método Colilert, com

confiabilidade 95% e unidade em NMP/100mL.

As densidades das populações fitoplanctônicas (nº ind/mL) foram estimadas

pelo método de sedimentação, conforme Utermöhl (1958) em microscópio

invertido. Foram enumerados os indivíduos (células, colônias, cenóbios e

filamentos) em tantos campos aleatórios (Uhelinger, 1964) quanto os

necessários para alcançar 100 indivíduos da espécie mais freqüente, de modo

que o erro de contagem seja inferior a 20% (p< 0.05; Lund et all, 1958). Nas

amostras em que este critério não pôde ser atingido em função das baixas

concentrações de algas e/ou elevado teor de sedimento em suspensão,

contou-se tantos campos quantos os necessários para estabilizar o número de

espécies adicionadas a cada campo contado (método da área mínima). As

riquezas de espécies (nºtaxa/amostra) foram avaliadas considerando-se o

número total de espécies em cada amostra. A identificação das taxas foram

realizadas utilizando-se Bourrelly (1970), Bicudo & Bicudo (1970), De-

Lamonica-Freire (1985), Krammer & Lange-Bertalot (1991), Garcia de Emiliani

(1993), Bicudo et all (1995), Huszar & Silva (1999).

As análises da comunidade zooplanctônica foram feitas com microscópio

esteroscópico e óptico. A identificação foi realizada utilizando-se os trabalhos

de Koste (1978), Reid (1985), Paggi (1995), Elmoor-Loureiro (1997). Foram

feitas contagens dos organismos da amostra total, devido a pouca quantidade

57

Page 58: Relatorio final paranatinga 12 05-06

em número de indivíduos por m3. As contagens processaram-se em lâmina do

tipo “Sedgewich-rafter”.

As amostras de sedimento coletadas para a análise dos macroinvertebrados

bentônicos foram inicialmente lavadas em peneira de malha de 200m de

abertura, em água corrente. Posteriormente, o material retido foi triado em

microscópio estereoscópico e em seguida os organismos foram preservados

em álcool 70%, devidamente identificados e contados a nível de classe, ordem

e família e, no caso da família Chironomidae, a nível de tribo. As identificações

taxonômicas foram feitas com auxílio de literatura especializada (McCafferty,

1981; Rosernberg & Resh, 1993; Trivinho Strixino & Strixino, 1995; Merritt &

Cummins, 1996).

Descrição das metodologias de análise da água

PARÂMETRO UNIDADE MÉTODO

pH pH-mêtro WTW

Condutividade elétrica S/cm Condutivímetro WTW

Alcalinidade mg/L CaCO3 Potenciométrico

Dureza Total mg/L CaCO3 Titulométrico do EDTA

Turbidez UNT Turbidímetro

Série de Sólidos Mg/L Gravimétrico

Oxigênio dissolvido Mg/L Winkler modificado

Nitrogênio Kjeldhal Mg/L Colorimétrico do Fenato

Amônia Mg/L Colorimétrico do Fenato

Nitrato Mg/L Colorimétrico do Fenoldissulfônico

Fósforo total Mg/L Colorimétrico do Molibdato

Cálcio Mg/L Espectrofotometria de absorção atômica

Ferro total Mg/L Espectrofotométrico

Sílica Mg/L Colorimétrico do Molibdato

Sulfato Mg/L Espectrofotométrico

DBO Mg/L Diluição e incubação

DQO Mg/L Titulométrico com Sulfato Amoniacal

58

Page 59: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Com os resultados de densidade e riqueza específica do fitoplâncton,

zooplâncton e bentos foi calculado o Índice de Diversidade de Shannon-

Weaver, descrito na fórmula abaixo, segundo Odum (1988):

Descrição das estações de coleta

Coleta CULU1: Margens com vegetação natural, com mata ciliar preservada.

Não ocorrência de macrófitas aquáticas. Fluxo intenso com

leito do tipo arenoso-predregoso. Coleta realizada às 11:15

horas na ponte sobre a MT-020, local do futuro corpo do

reservatório.

Coleta CULU2: Margens com vegetação natural, com mata ciliar preservada.

Não ocorrência de macrófitas aquáticas. Fluxo intenso com

leito do tipo arenoso-predregoso. Coleta realizada às 12:20

horas na margem direita do rio, à jusante da futura barragem.

Os resultados dos 21 parâmetros físico-químicos obtidos nas coletas

encontram-se no Quadro a seguir.

n- Pi log Pi

1

Onde:

Pi = n/N, sendo

n= valor de importância de cada espécie

N= total dos valores de importância

59

Page 60: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Parâmetro Unidade CULU1 CULU2

Condutividade elétrica S/cm 31,0 30,9

PH - 7,6 7,7

Transparência de Secchi M 0,80 0,80

Turbidez UNT 13 12

Alcalinidade total mgCaCO3/L 15 15

DBO mg/L < 1 < 1

DQO mg/L < 6 < 6

Oxigênio dissolvido mg/L 7,7 4,0

Nitrogênio Kjeldhal mg/L 0,027 < 0,020

Amônia mg/L 0,006 < 0,001

Nitrato mg/L 0,041 0,059

Fosfato Total mg/L 0,026 0,085

Sílica mg/L 2,528 2,428

Ferro total mg/L 0,37 0,392

Cálcio mg/L 3,8 3,8

Sulfato mg/L < 0,1 0,6

Sólidos totais mg/L 10 54

Sólidos totais dissolvidos mg/L 4 4

Sólidos totais suspensos mg/L 6 50

Sólidos sedimentáveis mg/L < 0,1 < 0,1

Os resultados encontrados nas duas estações de coleta foram semelhantes,

exceto quanto ao oxigênio dissolvido, fosfato total e sólidos suspensos. Essa

diferença deve estar relacionada à queda d´água que existe entre um local e

outro de coleta, o que favorece a resuspensão do sedimento, ocasionando leve

aumento dos sólidos suspensos que, por sua vez, resuspende também

compostos fosfatados retidos no sedimento. Quanto ao oxigênio dissolvido, era

de se esperar uma maior concentração abaixo da corredeira, o que não

ocorreu devido ao fato da coleta ter sido realizada na margem do rio na

estação CULU2, local onde há menor aeração pelo fluxo.

60

Page 61: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Quanto aos valores de alcalinidade total e cálcio, observou-se a ocorrência de

carbonatos e formas de cálcio na água, aspecto certamente relacionado à

ocorrência de formações calcáreas na região das cabeceiras do rio Culuene,

aspecto que influenciou nos resultados levemente básicos do pH. Essa

característica será favorável no enchimento do reservatório, pois a alcalinidade

servirá de tampão às substâncias ácidas que serão liberadas com a

decomposição da biomassa inundável, controlando assim a diminuição do pH

da água.

A concentração dos nutrientes (NKT, NH3, NO2 e Pt) foi baixa, característica

também relacionada aos baixos resultados de DBO e DQO, indicando que o

aporte de matéria orgânica e inorgânica para o rio é pequeno. Provavelmente

com as chuvas esses resultados devem aumentar, mas não muito, uma vez

que as matas ciliares são preservadas, aspecto que não favorece o arraste de

detritos para o leito do rio, ou seja, as alterações da qualidade da água com as

chuvas deverão ser discretas. Barrela et allii (2001) frisam que o papel das

matas ciliares e dos ecótonos água-terra são muito importantes nos processos

de oxi-redução e ciclagem de nutrientes. Naturalmente os ecótonos água-terra

recebem uma grande quantidade de matéria orgânica e inorgânica dos

sistemas adjacentes, inclusive da própria mata ciliar, cuja deposição ocorre de

maneira discreta no tempo e no espaço. Em vista disto, essas zonas de

transição funcionam como filtros que retém e transformam a matéria,

amortecendo os impactos das áreas adjacentes e favorecendo, assim, a

manutenção da biota aquática. Essa função dos ecótonos água-terra também é

importante em lagos e reservatórios, sejam naturais ou de origem antrópica.

A concentração de sílica foi relativamente alta, aspecto relacionado à natureza

arenosa do leito do rio Culuene. Isto favoreceu a ocorrência de espécies de

diatomáceas (Bacillariophyceae), que precisam deste elemento para formar a

carapaça de sílica que envolve suas células.

61

Page 62: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Os resultados de ferro total podem ser considerados médios para rios de Mato

Grosso. A origem desse metal certamente relaciona-se aos tipos de solo da

bacia de drenagem, uma vez que regiões de cerrado costumam apresentar

altas concentrações de ferro.

A série de sólidos indicou que a proporção dos sólidos suspensos foi maior que

os dissolvidos, especialmente na estação CULU2. No entanto os resultados

obtidos são relativamente baixos, mas podem ter um aumento no período de

chuvas. Os sólidos sedimentáveis foram abaixo do limite de detecção do

método adotado. Esses resultados corroboram com os estudos

sedimentométricos apresentados no capítulo de hidrologia.

Todos os parâmetros apresentaram resultados dentro ou muito próximos dos

limites da Resolução CONAMA nº20/1987 para rios de Classe II, exceto o

fósforo total, cuja concentração acima do limite na estação CULU2, ao que tudo

indica, deve-se a condições naturais do rio Culuene. Em vários rios mato-

grossenses, com baixa interferência antrópica, foram registrados resultados de

Ph acima do limite dessa legislação (FEMA, 1997).

Parâmetros Biológicos

Clorofila

Os resultados da concentração de clorofila foi < 0,001 e 0,006g/L, nas

estações CULU1 e 2, respectivamente. Esse resultado é bastante baixo e está

relacionado também à baixa densidade de organismos fitoplanctônicos

encontrados no rio Culuene.

62

Page 63: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Coliformes

Os resultados do exame bacteriológico da água do rio Culuene indicam que

não há fontes de contaminação, visto pelos baixos valores encontrados, uma

vez que esta bacia é rural e não há áreas urbanas ou instalação de indústrias à

montante, muito pelo contrário, ocorrem áreas preservadas incluindo as Terras

Indígenas Parabubure e Ubawawê. O quadro abaixo traz os resultados dos

índices de coliformes no rio Culuene:

Estação de coletaColiformes totais

(NMP/100mL)Escherichia coli

(NMP/100mL)

CULU1 1.100 1,2

CULU2 1.600 2,1

Padrão CONAMA 5.000 1.000

A presença de coliformes numa água, por si só, não representa perigo à saúde,

mas indica a possível presença de outros seres causadores de problemas. A

determinação deste indicador é baseada em termos probabilísticos, sendo o

resultado expresso através do número mais provável (NMP) de organismos do

grupo coliforme por 100 mililitros de amostra. Este indicador pode ser medido

como coliforme total e fecal, sendo este ótimo revelador da presença de

esgotos de origem sanitária.

As bactérias do grupo coliforme são consideradas os principais indicadores de

contaminação fecal. Todas as bactérias coliformes são gram-negativas manchadas,

de hastes não esporuladas, que estão associadas às fezes de animais de sangue

quente e com o solo. A determinação da concentração dos coliformes assume

importância como parâmetro indicador da possibilidade da existência de m

patogênicos, responsáveis pela transmissão de doenças de veiculação hídrica, tais

como febre tifóide, febre paratifóide, desinteria bacilar e cólera.

Fitoplâncton

63

Page 64: Relatorio final paranatinga 12 05-06

As algas encontram-se dentre os fatores biológicos relevantes para a definição

da qualidade da água e das condições ambientais já que, dentre os organismos

aquáticos, são consideradas as mais sensíveis às variações físicas, químicas e

biológicas da água. Os dados apresentados de fitoplâncton do rio Culuene, no

Mato Grosso, tem como objetivo inventariar a composição e abundância das

populações de algas na fase rio e poder compará-la com o futuro reservatório.

O fitoplâncton no rio Coluene na coleta está constituído por uma riqueza de 68

espécies, sendo que 19 espécies pertencem à classe Chlorophyceae e 17

espécies à Zygnemaphyceae. A contribuição relativa esteve representada por

Chlorophyceae (28%), seguida por Zygnemaphyceae (25%), Bacillariophyceae

(23%), Cyanophyceae (18%), Euglenophyceae (3%), Oedogoniophyceae

(1,5%), Cryptophyceae (1,5%).

As estações CULU1 e CULU2 apresentaram uma riqueza específica de 61 e

44, respectivamente. Entre as espécies listadas, 38 ocorrem

concomitantemente nas duas estações de coleta. Cita-se Chroococcus minor,

Trachelomonas volvocina, Cyclotela meneghiniana, Monoraphydium arcuatum,

Cosmarium spp. etc. A classe Chlorophyceae destacou-se pela maior riqueza

de espécies, contribuindo com cerca de 28% do total.

As estações analisadas caracterizaram pela baixa concentração de algas (185

e 259 ind/mL). A análise quantitativa do fitoplâncton demonstrou que a classe

Cryptophyceae foi responsável por 36% (CULU1) e 18% (CULU2) da

densidade total; seguida por Chlorophyceae 25% (CULU1) e 17% (CULU2); e

Cyanophyceae 21% (CULU1) e 27% (CULU2). Na estação CULU1 houve

dominância da classe Cryptophyceae, especificamente a espécie Cryptomona

sp. (67 ind/mL), Navicula sp. e Monoraphidium arcuatum com 17 ind/mL

(Bacillariophyceae e Chlorophyceae, respectivamente). Em CULU2

destacaram-se por sua abundância as espécies do gênero Cryptomona sp,

64

Page 65: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Trachelomona sp. (Euglenophyceae) Monoraphidium arcuatum e

Pseudoanabaenaceae.

A riqueza específica está composta por classes que normalmente constituem a

flora fitoplanctônica de ambientes de água doce. Observou-se dominância

quantitativa das algas criptofíceas, cianofíceas e clorofíceas.

A concentração dos organismos fitoplanctônicos e a diversidade foram muito

reduzidas dentro da comunidade fitoplanctônica nas estações consideradas.

A densidade foi determinada principalmente por Cryptomona. Essa alga ocorre

sob diferentes condições ambientais, sendo independentes da mistura. O

mesmo pode ser considerado para Trachelomona. A redução da vazão poderá

não interferir no sucesso do grupo, uma vez que estas algas são consideradas

comuns em diferentes tipos de sistemas aquáticos. As demais algas

dominantes são favorecidas por oferta de nutrientes, fato que o

“enlentencimento” do rio Culuene poderá vir a contribuir positivamente com

estes organismos planctônicos.

A tabela abaixo traz a freqüência do fitoplâncton e riqueza específica (nº

taxa/amostra) nas estações amostradas no rio Culuene.

Espécies CULU1 CULU2

CyanophyceaeAphanocapsa sp. x

Aphanothece nidulans XChroococcus minor X xMerismopedia tenuísima xMicrocystis aeruginosa xOscillatoria articulata X xOscillatoria limnetica X xOscillatoria ornata X xPseudoanabaenaceae X xSynechococcus sp. XSynechocystis aquatilis X xCyanophyceae colonial X

65

Page 66: Relatorio final paranatinga 12 05-06

CryptophyceaeCryptomonas sp. X x

EuglenophyceaeLepocincles sp. X

Trachelomonas volvocina X XBacillariophyceaeAchnanthes sp1 X XAchnanthes sp2 X XAulacoseira granulata XCyclotela meneghiniana X XDiatoma sp. XEunotia sudetica X XFragillaria sp. X XGomphonema parvulum XNavicula sp1 X XNavicula sp2 X XNavicula sp3 X XNavicula sp4 X XSurirella biseriata XSurirella engleri X XSurirella tenera XSynedra goulardii X X

ChlorophyceaeAnkistrodesmus fusiforme X X

Bothryococcus braunii XDictiosphaerium echrenbergianum X XCoelastrum reticulatum X XCrucigenia tetrapedia XMonoraphidium arcuatum X XMonoraphidium caribeum X xMonoraphidium griffithii X XMonoraphidium minutum XOocystis sp. X XPediastrum duplex XSelenastrum gracile X XScenedesmus intermedius XScenedesmus sp1 X XScenedesmus sp2 X XScenedesmus sp3 X XSphaerocistis schroeteri XSchroederia sp. X XChlorophyceae colonial X X

66

Page 67: Relatorio final paranatinga 12 05-06

ZygnemaphyceaeCosmarium margaritatum X

Cosmarium pachydermum XCosmarium pyramidatum XCosmarium sp1 X XCosmarium sp2 X XClosterium acutum XClosterium venus xClosterium sp1 x XClosterium sp2 x XMougeotia delicata xNetrium digitus x XOnychonema laeve xPleurotaenium minutum xSpirogyra sp xStaurastrum sp. xUlothrix sp. xXanthidium antilopacum x

OedogoniophyceaeOedogonium sp. x X

Riqueza específica 61 44

Já a tabela a seguir traz a densidade dos organismos fitoplanctônicos,

densidade total (ind/ml) e diversidade nas estações amostradas.

Espécie CULU1 CULU2

Aphanothece nidulans. 7 10Chroococcus minor 13 7Merismopedia tenuissima 0 3Oscillatoria limnetica 3 3Pseudoanabaenaceae 3 30Synechococcus sp. 3 0Synechocystis aquatilis 3 17Cyanophyceae colonial 7 0Cryptomonas sp. 67 47Trachelomonas sp. 10 34Navícula sp1 0 13Navícula sp3 17 7Navicula sp4 0 3Synedra goulardii 3 0Crucigenia tetrapedia 3 0

67

Page 68: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Dictiosphaerium echrebergianum 0 3Coelastrum reticulatum 0 3Monorapidium grifithii 3 3Monoraphidium arcuatum 17 30Monoraphidium caribeum 10 3Oocystis sp. 3 0Scenedesmus sp3 7 3Schroederia sp 0 7Chlorophyceae colonial 3 0Cosmarium sp2 3 0Closterium acutum 3 7Closterium sp1 3 0Closterium sp2 0 10Netrium sp 0 3Oedogonium sp. 0 3Densidade total 185 259Diversidade – H´ 1,00 1,170

Zooplâncton

Foram registrados apenas quatro taxa, representados pelos grupos: Rotifera (2

taxa), Cladocera (1 taxon) e Copepoda (1 taxon). Para os rotíferos foram

identificados taxa tipicamente planctônicos e o grupo Cladocera representado

por espécie típica de região litorânea e bentônica.

A tabela que se segue traz a composição qualitativa do zooplâncton no rio

Coluene.

TAXA CULU1 CULU2

ROTIFERA

Brachionus falcatus X X

Brachionus sp. X X

CLADOCERA

Alona sp. X -

COPEPODA

Cyclopoida sp1 X -

68

Page 69: Relatorio final paranatinga 12 05-06

A ocorrência de espécies foi maior no ponto CULU1, e a densidade registrada

foi baixa para ambos os pontos, podendo ser atribuída a hidrodinâmica do rio

Culuene.

Em geral, o ambiente lótico não favorece o desenvolvimento de altas

densidades do zooplâncton, e é provável a colonização do futuro reservatório

por estes organismos uma vez que também ocorrem em ambientes lênticos.

As alterações na hidrodinâmica do rio poderão resultar em mudanças na

composição da comunidade em função da produção de novos organismos,

crescimento dos indivíduos, mortes, migrações, movimentos locais. Porém, ao

mesmo tempo em que há redução na abundância relativa de determinada

população, outra poderá se estabelecer, resultando em importantes mudanças

na estrutura da comunidade.

A tabela que se segue traz a densidade de organismos zooplanctônicos

(ind/m3) no rio Culuene.

TAXA CULU1 CULU2

ROTIFERA

Brachionus falcatus 250 125

Brachionus sp. 87 87

CLADOCERA

Alona sp. 167 0

COPEPODA

Cyclopoida sp1 87 0

Total 591 212

Diversidade – H´ 0,558 0,294

Macroinvertebrados Bentônicos

69

Page 70: Relatorio final paranatinga 12 05-06

As categorias taxonômicas desta comunidade biótica encontradas no rio

Culuene apresentam um resumo dos indicadores estruturais das comunidades

nos dois pontos de amostragem.

As características dominantes do sedimento são: areia fina com presença de

seixos pequenos e uma pequena quantidade de matéria orgânica, o que se

reflete na pequena abundância de organismos, principalmente na estação

CULU2, que apresentou uma densidade de organismos muito menor em

relação a CULU1. As características físicas do sedimento variam pouco entre

os dois locais de amostragem.

Em relação às características da comunidade, a estação CULU1 apresentou

maior abundância total e maior densidade de organismos, o que pode ser

explicado pela maior quantidade de matéria orgânica na amostra, enquanto a

estação CULU2 apresentou maior riqueza de taxa e maior diversidade, o que

pode ser atribuído ao maior volume de sedimento coletado nessa estação.

A maior quantidade de matéria orgânica possibilita um incremento tanto na

abundância quanto na densidade absoluta dos organismos, ocasionada pela

maior concentração de fontes alimentares. Já a riqueza de taxa e diversidade

em ambientes semelhantes pode variar, em princípio em função do tamanho da

amostra.

Pode-se destacar a presença abundante de Naididae em CULU1 e sua

ausência em CULU2, o que não significa, necessariamente, uma relação

significativa com mudanças nas variáveis ambientais, pelo fato de que os

organismos são muito jovens, indicando uma colonização recente e não uma

população estabelecida.

Comparando-se o restante da comunidade nas duas estações, com exceção

de Naididae, percebe-se que sua composição é bastante semelhante em

70

Page 71: Relatorio final paranatinga 12 05-06

relação aos taxa presentes e suas abundâncias relativas, refletindo a

semelhança das condições ambientais nos dois locais de amostragem.

Este levantamento prévio servirá de parâmetro de comparação para a

avaliação dos possíveis impactos do futuro reservatório sobre esta importante

comunidade biótica, que é uma das bases da cadeia alimentar de ambientes

aquáticos, sejam esses lênticos ou lóticos, especialmente na região litorânea.

A tabela que se segue traz a composição taxonômica das comunidades do Rio

Culuene.

71

Page 72: Relatorio final paranatinga 12 05-06

CLASSE ORDEM FAMÍLIA Gênero

Oligochaeta Tubificida Naididae

Nematoda

Hidracarina

Insecta

Ephemeroptera Baetidae

Tricorythidae

Coleoptera Elmidae

Diptera Ceratopogonidae

Chironomidae

Tanipodinae

Chironominae Chironomini Fissimentum sp

Polypedilum sp

Harnischia sp

Tanytarsini Tanytarsini Gen sp

Corinoneura sp

Cricotopus sp

Orthocladinae

Já a tabela abaixo traz um resumo das características das comunidades dos

dois pontos de amostragem do rio Culuene

72

Page 73: Relatorio final paranatinga 12 05-06

INDICADORES CULU1 CULU2

Diversidade (H’) 1,237 1,478

No de Taxa 8 13

Abundância Total 268 152

Densidade 670 ind/m3 202,6 ind/m3

Taxa dominantesNaididae (54%),

Corinoneura(26%) e Tanytarsini (13%)

Tanytarsini (58%) , Corinoneura sp (14%)

A tabela abaixo traz a abundância total e abundância relativa dos organismos

bentônicos nos locais de amostragem no rio Culuene.

TAXA PONTOS DE COLETA

CULU1 CULU2

AT AR AT AR

Naididae 143 0,53 - -

NEMATODA - 0,06 8 0,05

HIDRACARINA - 0,02 1 0,01

Baetidae - - 2 0,01

Tricorythidae - - 1 0,01

Elmidae - - 1 0,01

Ceratopogonidae 2 0,01 8 0,05

Fissimentum sp 3 0,01 2 0,01

Polypedilum sp 12 0,04 4 0,03

Harnishia sp - - 1 0,01

Tanytarsini 36 0,13 89 0,59

Corinoneura sp 69 0,26 22 0,14

Cricotopus sp 2 0,01 12 0,08

Tanypodinae 1 0,00 1 0,01

TOTAL 268 1,00 152 1,00

Legenda: AT = Abundância Total (no de Indivíduos); AR = Abundância Relativa (%)

73

Page 74: Relatorio final paranatinga 12 05-06

O que se pode afirmar nos resultados obtidos é a que biodiversidade é

relativamente baixa no rio Culuene e compatível com sistemas lóticos, aspecto

que não deve variar muito em outras amostragens da fase rio. Conforme

estudos já realizados, é provável que haja um aumento relativo nesse índice

no futuro reservatório para todas as comunidades, especialmente as

planctônicas, que são favorecidas com a diminuição do fluxo.

Considerações sobre os usos da água

A classe definida para o rio Culuene é a 2, pouco degradada, com corpos de

água com pequeno input de nutrientes orgânicos e inorgânicos e de matéria

orgânica; pequena depleção de oxigênio; transparência da água relativamente

alta; baixa densidade de algas; pequeno tempo de residência e/ou grande

profundidade média.

Diagnosticou-se que os usos da água na bacia de drenagem, à montante e à

jusante do local do barramento, estão restritos à dessedentação animal,

basicamente bovino, que pode ser observado através de caminhos pela mata

ciliar até a margem do rio. Os proprietários das fazendas do entorno, ao que

tudo indica, utilizam água subterrânea para consumo humano, como é o caso

das comunidades indígenas nas TIs Paraqbubure e Ubawawe. Há poços em

todas as aldeias das duas terras indígenas.

Outro aspecto observado é que o rio Culuene é usado esporadicamente para

recreação de contato primário.

74

Page 75: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Herpetofauna

Segundo o diagnóstico preliminar sobre a fauna de Mato Grosso emitido como

produto do “Zoneamento sócio-econômico-ecológico do Estado” (inserido no

Programa de Desenvolvimento Agroambiental de Mato Grosso –

PRODEAGRO) e divulgado pela Secretaria de Planejamento do Estado

(SEPLAN, 1997), a região do alto Xingu encontra-se “relativamente bem

documentada para a maioria dos grupos [de herpetofauna] estudados”. Ainda

segundo o documento, “para os anfíbios admite-se que esta região foi muito

bem coberta pelos zoólogos Gertrud Rita Kloss e Paulo Emílio Vanzolini

[Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo - MZUSP], em diversas

ocasiões”. A região do Xingu mencionada no documento compreende as

localidades de Diauarum, Jacaré (rio Culuene); Posto Leonardo; Lagoa Ipavu;

Rio Tanguro; São Domingos; Fazenda São José; São José do Xingu; Batoví;

Sul do Amazonas; Sete de Setembro; ribeirão Cascalheira; Tanguro; Canarana;

rio Suiá Missu; Posto Jacaré e Posto Culuene. Trata-se de região situada,

assim, um pouco mais ao norte do que aquela em que efetivamente se

encontra o barramento da PCH Paranatinga II, no médio curso do rio Culuene.

Mas, quando analisadas as informações disponíveis por município, torna-se

evidente que as informações disponíveis sobre a herpetofauna da região em

que se situa a PCH Paranatinga II é bastante pobre. Com base no material que

se encontra colecionado na coleção de anfíbios e répteis do MZUSP, existem

apenas três registros de serpentes para o município de Canarana (a cerca de

130 km a NE do barramento da PCH Paranatinga II), um único registro para o

município de Paranatinga e nenhum registro para Campinápolis ou outras

localidades próximas.

As espécies mencionadas para Canarana incluem Pseustes sulphureus,

serpente arborícola de grande porte, popularmente conhecida como papa-ovo,

Xenodon rabdocephalus, serpente terrícola que se alimenta de sapos e

75

Page 76: Relatorio final paranatinga 12 05-06

inofensiva, assim como a primeira, e ainda Lachesis muta, a surucucu,

serpente peçonhenta de grande porte, habitante dos estratos mais baixos de

áreas florestadas ainda pouco alteradas. Para a região de Paranatinga é citada

a presença de Sibynomorphus mikanii, serpente pequena, inofensiva, que se

alimenta de lesmas e caracóis.

A coleção herpetológica do MZUSP é uma das maiores (senão a maior),

coleções zoológicas do país. As coleções regionais existentes (UFMT,

UNEMAT) são pequenas, pouco representativas da fauna do estado de Mato

Grosso como um todo. Nestas coleções, estão praticamente sem

representação os conjuntos faunísticos de outras regiões que não Cuiabá e

cerrados do entorno, algumas localidades do Pantanal e regiões em que a

implantação de aproveitamentos hidrelétricos propiciou o aproveitamento

científico e um melhor conhecimento da fauna local. Exemplos mais recentes

são o APM Manso, que permitiu o acúmulo razoável de informações sobre a

fauna de uma região da Chapada dos Guimarães, e a UHE Guaporé, que

forneceu importante material zoológico das cabeceiras do Rio Guaporé.

Os trabalhos de campo para diagnóstico da herpetofauna na PCH Paranatinga

II foram realizados em novembro de 2002. Quatro métodos distintos foram

utilizados para a obtenção de informações sobre a herpetofauna local:

1. exploração metódica de transectos durante caminhadas diurnas e

noturnas, durante as quais foram feitas observações diretas da presença

de indivíduos das diferentes espécies;

2. registros das vocalizações características das espécies de anfíbios

anuros ocorrentes na área;

3. patrulhamento de rodovias, pequenas estradas e acessos locais durante

transectos em carro, durante o dia e durante a noite, tanto no interior do

reservatório como em seu entorno;

4. e colaboração de residentes e exame de material colecionado em

escolas.

76

Page 77: Relatorio final paranatinga 12 05-06

6.4.2. Caracterizaçao físico-biótica das TIs Parabubure e Ubawawe

A análise ecológica da paisagem da região de Mato Grosso de uso da etnia

Xavante, com base nos padrões formados pelo arranjo espacial das tipologias,

estão descritas a seguir.

Solos

De acordo com os levantamentos dos tipos de solos existentes na região, as

áreas de influência dos estudos apresentam solos dos tipos Alissolos,

Cambissolos e Latossolos.

Na Terra Indígena Parabubure (1) predominam os solos tipos Alissolos e

Cambissolos. Os solos alissolos são caracterizados como de horizonte B

textural e com distinta individualização dos horizontes. São solos minerais não

hidromórficos e que vão da cor vermelho ao amarelo, e às vezes brunado ou

acinzentado. Sua textura é média a argilosa, com profundidade pouco profundo

a profundo e cuja drenagem pode ser classificada de bem a imperfeitamente

drenado. Quanto à classe de relevo, a ocorrência pode ser ondulado, forte

ondulado e montanhoso (Figura 7).

Os solos cambissolos são caracterizados como de horizonte B incipiente ou

câmbico. São solos minerais não hidromórficos e que podem apresentar as

cores amarelado e brunado. Sua textura vai de arenosa a argilosa, com

profundidade rasa a profundo e cuja drenagem pode ser classificada de

fortemente a imperfeitamente drenado. Quanto à classe de relevo a ocorrência

pode ser ondulado, forte ondulado e montanhoso.

Na Terra Indígena Ubawawê (2) predominam os solos tipos Cambissolos e os

Neossolos. Os solos cambissolos apresentam as mesmas características das

encontradas na Terra Indígena Parabubure. Já os solos neossolos são

caracterizados como ausentes de horizonte B e pouco desenvolvidos.

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Figura 7 – Caracterização pedológica regional, com localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.

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Page 79: Relatorio final paranatinga 12 05-06

São solos minerais e orgânicos, hidromóficos ou não, e que apresentam as

cores vermelho, amarelo ou mais claro. Sua textura é arenosa a média, com

profundidade rasa a muito profundo e cuja drenagem pode ser classificada

como excessivamente a mal drenado. Quanto à classe de relevo a

ocorrência pode ser plana, suave ondulado e ondulado (alagamento

periódico).

Os mapas de Uso do Solo da Bacia a Montante da PCH Paranatinga II

mostram diferentes tipos de vegetação que existem nas Terras Indígenas

Parabubure e Ubawawê, assim como informações a respeito do uso do solo

para atividades produtivas.

Geomorfologia

A Terra Indígena Parabubure (1) e Terra Indígena Ubawawê (2) estão

localizadas no Planalto dos Alcantilados – Alto Araguaia e na Depressão

Interplanática de Paranatinga (Figuras 8 e 9).

Vegetação

Nas TIs Parabubure e Ubawawe, quatro tipos desta vegetação podem ser

individualizados: cerradão, cerrado, campo sujo e campo limpo (Prancha 3,

Figuras 10 e 11).

Cerradão é do tipo de transição entre floresta e cerrado, sendo sua

vegetação mais alta (8 a 20 metros) e mais densa do que a deste, porém

mais baixa e menos densa de que a vegetação da floresta. Quase todas as

espécies arbóreas e arbustivas são as mesmas do cerrado, em geral.

Algumas espécies do tipo florestal ocorrem nos cerradões. Ao contrário da

mata seca, o cerradão quase não possui cipós e epífitas, sendo mais

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Page 80: Relatorio final paranatinga 12 05-06

comum em terraços e superfícies de menor erosão, ondulados e com menos

lixívia, onde a água subterrânea não é profunda demais, bem como nos

solos onde é possível a penetração adequada das raízes. Enfim, o cerradão

é uma floresta xeromorfa regional, fechada, com árvores e arbustos eretos,

de casca grossa e folhas duras, grandes e coriáceas e ramagem natural.

Devido á densidade foliar, à proximidade das árvores e à pouca penetração

da luz, existem muitas vezes camadas ou depósitos de matéria orgânica em

decomposição.

Cerrado apresenta-se numa paisagem plana ou quase plana, verde ou

pálido-cinzenta, conforme a estação do ano. Apesar de sofrer mudanças

contínuas, tanto fisionômicas como florísticas, o cerrado tem uma

característica que o individualiza: além de incluir espécies comuns às suas

variadas formas, as árvores e arbustos possuem certas adaptações ao

meio que se repetem em quase todas as espécies, isto é, troncos e galhos

retorcidos, recobertos de grosso súber, capaz de protegê-las contra a ação

do fogo, muito comum nestas áreas abertas e planas. As copas e ramos

não possuem simetria e a folhação é pouco desenvolvida. As folhas são

grandes e grossas, sendo algumas coriáceas. As cascas são fendilhadas,

apresentando-se com ausência de espinhos, cipós e epífetas. O cerrado

possui fisionomia própria, sugestiva e personalística, sendo o aspecto

retorcido das árvores o que mais o individualiza. Por faltar-lhe

nomenclatura mais exata, passaram a chamá-lo de savana. As

denominações se multiplicaram, savanas, campos cerrados, campos,

cerrado branco, cerrado vermelho e outros nomes. As espécies que

florescem no cerrado são todas pirofíticas, isto é, suportam o fogo. São

providas de casca corticenta que lhes protege o câmbio, mesmo que toda

folhagem seja destruída. Suportam igualmente os solos muito ácidos e a

toxidez do alumínio e do ferro.

Campo Sujo é uma vegetação de arbustos baixos e espaçados,

proveniente do cerrado que foi fortemente refreado pelo fogo. Quando o

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Page 81: Relatorio final paranatinga 12 05-06

campo sujo é protegido, mantém-se vigoroso e se chama propriamente de

cerrado. O campo sujo não possui extrato arbóreo, sobressaindo-se a

cobertura graminosa. Em áreas das Terras Indígenas Parabubure e

Ubawawê, o campo sujo ocorre em solos erodidos muito rasos, derivados

de materiais acidíferos, em chapadas planas de camadas compactas, as

quais provocam alagadiços e/ou pequena penetração de raízes e, em

conseqüência do desbravamento do cerrado para obter lenha ou melhoria

das pastagens.

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Page 82: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Figura 8 – Geomorfologia regional, com localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.

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Page 83: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Figura 9 – Mapa geológico regional, com localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.

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Page 84: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 3 - Terras indígenas Xavante aspectos da vegetação.

Foto da vegetação.de cerrado

TI Parabubure preservada

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Page 85: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Figura 10 – Mapa regional de vegetação, com localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.

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Page 86: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Figura 11 – Mapa de distribuição de áreas protegidas no estado Mato Grosso e localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.

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Page 87: Relatorio final paranatinga 12 05-06

No Campo Limpo há ausência completa de árvores e arbustos, embora

presença de subarbustos. O campo limpo desenvolve-se sob as mesmas

condições adversas, ou até piores do que as do campo sujo. O fator ecológico

mais importante parece ser a presença do solo com horizontes compactos, que

dificultam a drenagem e impedem a penetração das raízes dos vegetais.

Os Xavante gostam do cerrado por ser amplo e aberto, apreciam as matas

ciliares pela abundância de água, raízes e frutas e por encontrarem nelas

também o buriti, de cujas fibras fazem os ornamentos cerimoniais, e as árvores

de cuja madeira fazem vários artefatos.

Os Xavante não gostam de espaços fechados. Constroem suas aldeias sempre

em campo aberto no cerrado. Suas viagens são feitas pelo cerrado, nunca

pelas matas, apesar da escassez de água.

A aldeia Água Limpa, da TI Ubawawê, está situada em uma região onde a

mata é disponível, porém a escassez de água e a necessidade de melhor

fiscalização da área poderão levar a uma mudança.

Na TI Ubawawê as principais formações vegetais estão assim localizadas:

áreas de cerrado – das cabeceiras do córrego O’prabá’o’á, até toda a região

que abrange os córregos São José, Ouro Fino e as cabeceiras do córrego

Pinguela; áreas de mata – margens dos rios Culuene e Paraíso e parte média e

baixa do córrego São José; áreas de campo – região da confluência dos rios

Culuene e Paraíso; e áreas de várzea – margens dos córregos Ouro Fino,

Pinguela, São José e rio Culuene.

Cerca de trinta por cento da área fora desmatada à época da ocupação de não-

índios. As porções florestais mais afetadas foram as ribeirinhas, que serviam de

refúgio aos animais silvestres e proteção ao solo, sendo essa área apropriada para

a agropecuária, explorada indiscriminadamente pelos antigos posseiros.

Considerando a presença de áreas de pastagens das antigas fazendas, e contando

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Page 88: Relatorio final paranatinga 12 05-06

pelo menos uma década da desocupação dos posseiros, muitas áreas se

recuperaram. Este fato também encontrado na TI Parabubure. Assim, as Terras

Indígenas Parabubure e Ubawawe não apresentam muitas áreas degradadas.

A vegetação natural, tipo cerrado, está preservada, inclusive as margens dos rios

e igarapés. A erosão existente em determinadas áreas é decorrente da estrutura

arenosa do solo, que demonstra o esgotamento da terra pela época de uso dos

posseiros. As antigas propriedades só haviam mantido 20% de reserva natural,

exigidos legalmente, desmatando todo o restante da propriedade.

Dentro deste contexto, as principais plantas que ocorrem nas áreas das Terras

Indígenas Parabubure e Ubawawe observadas pela equipe durante os

trabalhos de campo, são: caju do campo (Anacardium pulmillum), aroeira

(Astronio urundeuva), jatobá do cerrado (Hymenaea stigonocarpa), pequizeiro

(Caryocar sp.), carqueja (Baccharismspp.), pindaúba (Anona sp.), capim flexa

(Tristachya sp.), capim gordura (Melinis sp.), capim jaraguá (Hyparrhenia rufa),

capim mimoso (Heteropogon sp.), capim caninha (Andropogon sp.), cambarqua

do campo (Lantana sp.), Araçá do campo (Psidium sp), beiço de boi

(Desmodium sp), pau bosta ( Sclerolobium sp.), guabiroba (Campomanesia

spp.), Carqueja ( Baccharis dpp.), faveiro (Pterodon spp.), fruta do lobo

(Solanum sp.), pindauba (Anona sp.), lixeira (Curatella americana), pau-de-

arara (Salvertia sp.), Pimente- de-macaco (Xilopia sp.), mangabeira (Hencornia

sp.), flor de quaresma (Malostomaceae), Douradinha (Policourea sp.),

carobinha ( Jacarandá decurrens), indaiá (Attalea exígua), Marolo (Anona sp.),

Mangabeira (Hercornia sp.), jacarandá do campo (Machaerium sp.), Murici do

cerrado (Byrsonima sp.), sete-sangrias (Cuphea sp.), unha- de-vaca (Bauhinea

spp.), sensitiva (Mimosa pudica), saca-rolha (Helicteres sp.), vassourinha

(Vernonia sp.), unha-de-vaca (Bauhinea spp.), Beiço de boi (Desmodium spp.),

caiapá (Dorstenia sp.), angico (Piptadnia spp.), barbatimão (Stryphnodendron

sp.), canafístula (Dimorphandra sp.), murici do cerrado (Byrsonima sp.),

pimenta- de- macaco (Xilopia sp.), ipê do cerrado (Tabebuia sp.), pau-de-arara

(Salvertia sp.), Lixeira (Curatella americana), e outras.

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Page 89: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Agricultura

A aptidão agrícola dos índios é sua agricultura de subsistência. A definição do

uso atual das terras é hoje para a reprodução física e cultural da comunidade

Xavante. As terras indígenas estão inseridas em área de agricultura

diversificada, pecuária de corte e leiteira (Figuras 12 e 13). A vegetação das

Terras Indígenas está preservada, muito embora toda a área limite esteja

sendo utilizada para agricultura e pecuária de forma intensiva sem quaisquer

adoções de práticas conservacionistas.

Há na região intensa ocupação agropecuária com destaque para grandes

propriedades rurais ocupadas por pastagens extensivas e plantios

mecanizados de milho e soja, bem como de outros grãos, em menor escala.

Essa expansão da agropecuária tem provocado problemas ambientais como

desmatamento e queimadas, eliminação de matas ciliares de preservação

permanente, perda da diversidade biológica, erosão laminar, assoreamento dos

corpos d água e contaminação pelo uso intensivo de agrotóxicos.

A área ocupada por plantios agrícolas é inferior a 0,5% da área total das Terras

indígenas Parabubure e Ubawawê, destacando-se os plantios de mandioca,

arroz, milho, batata, inhame, banana, amendoim, sem qualquer

acompanhamento técnico por parte da FUNAI. É importante mencionar a

existências de inúmeras roças de toco, típicas da cultura Xavante (Prancha 4).

A agricultura desenvolvida pelos Xavante não é significativa porque é insuficiente

para atender a demanda alimentar da comunidade, fazendo com que os gêneros

alimentícios sejam comprados de terceiros. Há necessidade premente que

grandes projetos agrícolas e de pecuária sejam implementados nas terras

indígenas. A questão da vulnerabilidade, sustentabilidade a médio e longo prazo,

erodibilidade e fertilidade natural do solo nas terras indígenas demonstram que,

havendo um acompanhamento por parte da FUNAI e de órgãos do Estado do

Mato Grosso, a agricultura é viável nas duas terras indígenas.

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Page 90: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Figura 12 – Mapa regional de solos / aptidão agrícola e localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.

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Page 91: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Figura 13 – Mapa regional de uso da terra, com localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.

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Page 92: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 4 – Roças de toco da comunidade Xavante

Roças de toco nas proximidades da aldeia Uawé

Roça, aldeia Kalapalo

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Page 93: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Há um projeto de financiamento do Banco do Brasil para algumas aldeias que

têm associação organizada. O dinheiro vai para a conta de cada associado

indígena, para plantios de milho e arroz, contando com a assistência técnica da

EMPAER que elaborou os projetos. O pagamento é feito com a metade da

produção.

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Page 94: Relatorio final paranatinga 12 05-06

6.5 CARACTERIZAÇÃO DO MODO DE VIDA DO GRUPO INDÍGENA

XAVANTE COM ÊNFASE NA IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS

HÍDRICOS E VEGETAÇÃO/FAUNA RELACIONADOS

6.5.1 A territorialidade Xavante

Há critérios internos dos Xavante para definição do território. Os índios Xavante

da T.I Parabubure têm muitos grupos, e cada grupo ou aldeia efetivamente

ocupa um território, mais ou menos delimitado, que considera como seu.

Embora exista um território comum, pertencente aos Xavante como um todo,

as reivindicações costumam ser encaminhadas de forma isolada, nem sempre

respondendo um grupo pelos interesses dos outros.

Os índios do grupo Jê, especialmente os Xavantes, têm como característica o

faccionismo, elemento marcante quanto à distribuição espacial da população.

Há uma adaptação da jurisdição administrativa à distribuição espacial dos

grupos (facções) existentes. Esta distribuição é influenciada pela negociação

de privilégios e pela distribuição dos bens adquiridos através da FUNAI. Isso

ocorre devido a uma distribuição “administrativa”, condicionada à distribuição

espacial da população, onde existe uma extensa rede de alianças e

composições. Estas composições políticas são historicamente estabelecidas

através dos processos estruturais de cisões internas e pelas diferentes formas

de encarar e vivenciar o contato com a sociedade nacional e seus diferentes

órgãos administrativos.

No campo político estas alterações vão se processar, principalmente, pela

introdução de novos mecanismos de alcance do prestígio, fundamental para o

exercício da liderança. Contrapondo-se à habilidade na caça e na guerra,

teremos a habilidade no relacionamento com os brancos e na obtenção de

recursos para a comunidade. Também o exercício de funções remuneradas e

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Page 95: Relatorio final paranatinga 12 05-06

de grande poder de influência, como chefe de núcleo, monitor de saúde ou

professor; permitirão, principalmente aos jovens, prestígio suficiente para

pretender galgar os postos de chefia. A postura frente aos brancos e a escolha

das alianças a serem mantidas com os setores específicos da sociedade

nacional (FUNAI, Prefeituras, fazendeiros e missões), às vezes conflitantes

entre si, reflete-se também sobre os processos de cisão.

A ocupação do território é primordial para a garantia da posse do mesmo.

Assim, as aldeias são distribuídas geograficamente no intento de ocupar e

fiscalizar o máximo de área possível, orientando-se as cisões para este objetivo

(Prancha 5).

Na atual situação, pode-se observar claramente o agrupamento de

determinadas facções em torno do número de representações administrativas

da FUNAI para a TI Parabubure e Ubawawê. São 3 Núcleos de Apoio

Local/NAL e uma Administração Executiva Regional. Estes foram, na maioria

das vezes, criados justamente para satisfazer os interesses das facções.

Dominados pelos grupos de liderança de cada facção, as NALs e AER têm

seus chefes nomeados por indicação destes.

Poderiam ser identificados na T.I Parabubure e Ubawawê grupos diferentes,

correspondentes espacialmente às jurisdições dos respectivos NALs, assim

distribuídos:

- Núcleo de Apoio Local Nõrota, em Campinápolis;

- Administração Executiva Regional de Campinápolis, em Campinápolis;

- Núcleo de Apoio Local Xavantina, em Nova Xavantina;

- e Núcleo de Apoio Local Parabubure, também em Nova Xavantina.

Dessas quatro representações da FUNAI, apenas o NAL Parabubure não

disponibilizou ao grupo técnico as aldeias de sua responsabilidade. As aldeias

das outras três estão descritas a seguir:

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Page 96: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 5 – Aldeias Xavante

Aldeia São Pedro

Aldeiona,

Aldeia Buritizal

Aldeia Estrela

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Page 97: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Aldeias subordinadas ao Núcleo de Apoio Local Xavantina

Ordem Município Aldeia Cacique População

01 Campinápolis Santa Maria Pio 59

02 Campinápolis São Paulo Paulo 58

03 Campinápolis Cristalina Isaura 23

04 Campinápolis Santo Amaro João Paulista 23

05 Campinápolis Deus é Amor Paulo Oscar 26

06 Campinápolis Nõrõtsu’rã Levi 28

07 Campinápolis Ti’irérepa Aparecido 29

08 Campinápolis Monte Pascoal Luizinho 27

09 Campinápolis Espírito Santo Miguel 60

10 Campinápolis Três Marias Eduardo 23

11 Campinápolis Ró’óredza’ódzé Vicente 28

Aldeias subordinadas ao Núcleo de Apoio Local Nõrota

Ordem Aldeia Cacique

01 Santa Cruz Josué02 Bom Jesus da Lapa Cipriano03 São Domingos Sávio Joãozinho04 São Pedro Isaias05 São Felipe Saturnino06 Santa Clara Anselmo07 Onça Preta Germano08 Parinai’a Domingos09 Santa Rosa João10 São Salvador João Nunes11 Nossa Senhora Aparecida Camilo12 Tsredzatsé Pedro13 Campinas Francisco14 Chão Preto Lázaro15 Boa Vida Alfredo16 Matrinxã Domingos17 Eteipore Amauri18 Tela Vive Ricardo19 Podzenho’u Orlando20 Upawapa José Luiz21 Canguaçu -

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Page 98: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Aldeias subordinadas a Administração Executiva Regional de Campinápolis

Ordem Aldeia Cacique PIn

01 Água Limpa Gabriel Ubawawê02 Aldeinha Manoelito Ubawawê03 Aldeona Eduardo Ubawawê04 Alto da Vitória Maurício Ubawawê05 Alvorada Joel Ubawawê06 Auwê Ubtsibimedzé Hugo Ajawa Ubawawê07 Baixão Bernardino Ubawawê08 Betel Tomás Ubawawê09 Cohab Marcides Ubawawê10 Colina Arlindo Ubawawê11 Córrego da mata Alexandre Ubawawê12 Lagoinha Abrão Ubawawê13 Novo Paraíso Simão Ubawawê14 Pedra Branca Ubawawê15 Santa Fé Otaviano Ubawawê16 Sucuri Valério Ubawawê17 Barreiro Armando Estrela18 Estrela Ailton Estrela19 Jacu Oswaldo Estrela20 Piranhão Rodrigo Estrela21 Serrinha Guilherme Campinas22 Campinas Antonio Campinas23 Jerusalém Paulo César Campinas24 Mato Grosso Ermínio Campinas25 Santa Helena Luciano Campinas26 Brasil Quirino Ita27 Biritizal Joaquim Ita28 Egito Enoch Ita29 Itaquere Davi Ita30 São José Pedrinho Xavante31 Santa Clara Anselmo Xavante32 Sete Rios Ubiratam Ubawawê33 São Benedito Ubawawê34 Panorama Ubawawê35 Dzeiwahu Rodinei Ubawawê36 Bela Vista Ubawawê37 Nova Canaã Coreolano Estrela38 Sobradinho Roberto Ubawawê39 Tiriwawepa Jovêncio Ubawawê

A aldeia Água Limpa é da TI Ubawawê e as outras são da TI Parabubure.

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Page 99: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Diferentemente do povo Xinguano, o rio Culuene não apresenta locais sagrados

para o povo Xavante. Isso também não significa que o rio não seja importante para

eles. A Terra Indígena Parabubure tem sua história de origem muito mais ligada ao

rio Couto Magalhães que ao rio Culuene. A representatividade do rio Culuene está

inserida no aspecto geral da natureza, e na simbologia do uso da água. Sua

preservação, bem com a manutenção dos peixes, fazem parte da preservação do

ambiente como um todo, visto que a caça, com diferentes rituais, tem maior

importância na dieta Xavante e em sua cultura como um todo.

6.5.2 Caracterização do uso dos recursos naturais

Atividades Produtivas

Caça

A caça é, tradicionalmente, a principal atividade dos Xavante. Sua importância

dá-se, no nível econômico, por representar a principal fonte de obtenção de

recursos protéicos. Porém, é a sua importância no campo das representações

que mantém ainda a caçada como uma atividade primordial no modo de vida

Xavante (Prancha 6).

As espécies caçadas, em ordem de importância para os Xavante, são a anta, o

queixada, o catitu, o cervo, o veado, o tatu e o tamanduá (GIACCARIA &

HEIDE, 1972,62). Porém, também são caçados para consumo a paca, a cotia e

outros. Os meninos treinam sua habilidade, imitando os mais velhos em

divertidas caçadas de preás. As aves caçadas, também para consumo, são a

ema, siriema, jacu, mutum, pomba, perdiz e nhambu.

Prancha 6 – Instrumentos de caça Xavante.

Flechas e detalhe do empenamento

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Page 100: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Para adornos e artesanato caçam aves para retirar penas como gavião, ema,

seriema, periquito, papagaio, beija-flor, urubu-rei e outros. Filhotes de animais

costumam ser criados para consumo futuro ou uso de penas. Vimos nas

aldeias filhotes de caititu, jacu, periquito, papagaio, arara e urubu (Figura 14).

Os Xavante classificam as caçadas de acordo com a sua finalidade. Como

relatado no relatório de identificação da TI Ubawawê, Processo n.

1721/99/FUNAI, entre os diversos tipos temos:

HOMONÕ – Um tipo de caçada coletiva que envolve a maior parte dos homens da

aldeia, geralmente feitas no fim da estação seca. Dura uma semana em média.

ABÀ – É uma caçada curta, que dura apenas um dia. São feitas em qualquer época do

ano. O local preferencial são as áreas de mata.

DÜ – A principal característica deste tipo de caçada é o uso da queimada, como

técnica para obter o melhor resultado possível.

DABATSÁ – É uma caçada realizada com o exclusivo fim cerimonial de celebrar um

casamento. A decisão de sair à caça é tomada entre os pais dos noivos (watsini).

ÎTSERE – Também é uma caçada para a cerimônia do casamento, todavia só é

utilizada quando é necessária a realização de uma cerimônia rápida, como na hipótese

de ter a noiva engravidado antes das núpcias.

DZOMÕRI – O Dzomõri é uma verdadeira migração, nele participa toda a família,

sendo os caçadores acompanhados por suas mulheres e filhos, e inclusive genros e

agregados. Num Dzomõri podem participar várias casas de uma mesma aldeia, que

pertencem à mesma família. Atualmente a sua duração é mais curta, cerca de duas

semanas; porém, antigamente duravam meses. Este tipo de expedição é praticado no

tempo das chuvas.

Uma caçada individual também é muito praticada, podendo quem tomou a

iniciativa ser acompanhado por mais um ou dois homens. A técnica será a de

buscar pegadas recentes.

A atividade pecuária não é desenvolvida em qualquer área das Terras Indígenas. A

carne consumida pelos Xavante é oriunda da caça, que tem-se tornado escassa

face ao aumento da população indígena e diminuição da disponibilidade de caça.

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Page 101: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Figura 14 – Mapa regional de fauna, com localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.

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Page 102: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Coleta

A atividade de coleta com a finalidade de obter alimentos é essencialmente

feminina. De maneira eventual, principalmente durante as caçadas, os homens

podem fazer coleta de alimentos para sua manutenção. Porém, o provimento

regular da casa é mantido pelas mulheres, o que torna economicamente

fundamentais as suas atividades.

Nomes de cocos e batatas são freqüentes, como o nome da T.I Parabubure,

que teve origem na antiga Aldeia Parabubu, cujo nome é o mesmo de uma

batata amarga comestível, muito comum naquela região. Outros nomes como

Norõtsu’rã, Norõwede, Norõwededzepá (variedades de palmeiras), são

freqüentes identificando aldeias, regiões e córregos.

As palmeiras são importantíssima fonte de produtos de coleta. Com finalidade

alimentar são usados o babaçu (Norõwede), o acuri (Tiriwede), macaúba,

pindoba, piaçaba e o buriti, principalmente. Seus cocos e palmitos são

consumidos de diversas formas e muito apreciados pelos Xavante, podendo

ser vistos em grande quantidade, em qualquer aldeia.

Há também uma grande variedade de frutos comestíveis obtidos no cerrado,

entre os quais podem-se citar o pequi, baru, jatobá, jabuticaba do

cerrado(Tsini), caju do cerrado e outros, conhecidos apenas pelos Xavante e

que não têm nomes em português (Prancha 7).

Produtos de origem animal também são coletados para a alimentação,

destacando-se os insetos e larvas. Fazem parte da dieta Xavante ainda hoje,

embora o seu consumo não seja mais tão freqüente. Entre estes destacam-se

os gafanhotos, a formiga vermelha (Rãti), alguns tipos de coleópteros e larvas,

principalmente de abelhas. O mel também é muito consumido e sua coleta tão

apreciada que a ela dedicam-se também os homens. Os Xavante identificam

pelo menos dez espécies de abelhas melíferas na região.

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Page 103: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 7 – Roças e produtos consumidos

Arvore de puçá e frutos

Mangueiral e crianças na aldeia do Buritizal

Mangueiral e crianças na aldeia do Buritizal

Fruto de puça

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Page 104: Relatorio final paranatinga 12 05-06

A coleta para a confecção de utensílios, ornamentos, armas, cerâmicas,

ferramentas e outros, envolve muitos produtos, conforme o tipo de objeto a ser

confeccionado, como os exemplos a seguir

Arco: madeira de tucum (palmeira); corda de buriti (palmeira)

Flecha: taquara; taquarinha; buritirana; cipó – imbé; cera de abelha

Bordunas: Sucupira, Pau-Brasil e Aroeira

Pilão: madeira de pequi (base); madeira aroeira (mão)

Instrumentos Musicais: cabaças (Um’ré), sementes de Patsé e sementes de

capim-navalha para maracás; bambu para flautas.

Cordas: tucum, buriti, babaçu, piteira e embira (diversas árvores)

Cerâmica: casca de árvore e argila

Cestos e Esteiras: buriti e buritirana (Prancha 8)

Ornamentos: folhas de Buriti (estojo peniano); cordas de tucum, buriti e outras

(pulseiras e tornozeleiras); brincos (pauzinhos trespassados nas orelhas) vários

materiais.

Ornamentos: cordões de Tsatede e Weterãti (dono da anta); cordões de buriti,

cipó e tucum (dono dos queixadas); brincos de talo de buriti e Ipañihoné (dono

dos queixadas).

Objetos de uso mágico/ritual: Wamari (arvore que faz sonhar); raízes de

Wetsua’re, Pañitsihudzu, Wadzaradzé, Weterã’ti e Wederutupá (pós para

controlar o tempo); jatobá e Itsiuwamrené (pós para a caçada de anta);

104

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algodão, capim–navalha e outros (colares Tsõrebdzu usados nas ceromonias

de nomiação e casamento); folhas e fibras de buriti para a confecção de

máscaras Wamnhõrõ e capas No’oni (iniciação masculina); toras de buriti

(corridas)

Cosmético: óleo de babaçu (para os cabelos)

Medicinal: Os Xavante usam várias plantas com este fim, no tratamento de

picadas de cobra, dores de cabeça, ferimentos e outros. Na higiene bucal usam

folhas de Lixeira.

A tabela que se segue traz ainda algumas plantas encontradas nas terras

indígenas Parabubure e Ubawawê, com seus nomes na língua nativa e sua

utilidade:

PLANTA NOME XAVANTE UTILIDADE

Jenipapo Wederã Tinta para tintura corporal.

Pata de anta Utö’paranéRitual (cura), escarificação (provoca hemorragia), brincos.

Timbó – vermelho

Abawadzi’epré Idem.

Jatobá do cerrado

Aôyôyrepa Medicinal (dor de estômago) – chá da raiz

Gengibre TsibdzibiMedicinal (dor de dente), agilidade, estimula apetite.

Indaiá NorõreAlimento (coco), mitologia, palha para cobertura e esteira.

Capim-barba-de-bode

- Brinquedo (tufos)

Pé de ema (capim)

OyoRaiz, tipo de borduna usado em luta ritual dos meninos.

Piaçaba, pindoba, indaiá

RetsuRitual (esteira para iniciação), cobertura de casas.

Acuri Tirire Ornamento (cabeça) – wai’á

Lixeira pequena RarepaMedicinal (corta o fluxo de sangue no puerpéreo) – é usada na menstruação.

Algodão - Adornos (isõrebdzu), cordas

Urucu BöTinta para tintura corporal, de armas e utensílios, brinquedo (cachos de frutos).

Babaçu Norõwede Alimento (palmito, coco), estojo peniano

105

Page 106: Relatorio final paranatinga 12 05-06

(folhas), pequena esteira (amarrada no pulso), facilita aleitamento materno (óleo), óleo para corpo – iniciação.

Acuri TiriwedeAlimento (palmito, coco, polpa), dieta da gravidez

Macaúba Tse’Alimento (palmito, coco, tronco), cordas (distintivo do “dono do tempo”0, dieta da gravidez.

Pindoba Retsu Alimento (coco), cobertura de casas.

Buriti Uywede

Wamñoro (máscara usada na iniciação – broto), alimento (fruto), cordas (fibra), cestos e esteiras (broto),jangada (talos), cordões (distintivos do dono das queixadas), brinco, corridas (tronco), flechas infantis (brinquedo), corda de folhas – indicativo de noivado, noni (vestimenta ritual – iniciação).

Timbó (cipó) Abawadzi Veneno para pesca.Milho-sete variedades próprias

NodzöCultivo, alimento, bolos usados em rituais, mitologia, nomeia grupo de idade, dieta da gravidez, brinquedo (peteca).

Feijão UhiCultivo, alimento, dieta da gravidez, mitologia.

Abóbora UdsönéCultivo, alimento; dieta da gravidez (sementes).

Batatas - Cultivo, alimento; cultivo introduzido.

Mandioca Upa Cultivo, alimento; cultivo introduzido, bolos.

Taquarinha - Flechas (caule, caule com raiz).

Taquara TiibuFlechas, construção da casa, instrumento musical.

Buritirana Atsereré

Corda para pulsos flechas, cabo de maracá, alimento (polpa do coco), cestos e esteiras (broto), fuso para fiar algodão, medicinal (dor de dente).

Cipó-imbé - Flechas (cordas).

Sucupira -Confecção de bordurnas (uybró) madeira, medicinal (semente,casca).

Aroeira -Confecção de bordurnas, mão de pilão, madeira para venda, bastões (iniciação)

Pequi Aba’reAlimento (fruto), confecção de pilão (madeira), nomeia grupo de idade.

Cabaças diversas

Um’ré

Instrumento musical (maracás), utensílios domésticos (deposito para água e objetos, sementes), instrumento de sopro (um’re ñiouruturé), distintivo do dono das cabaças.

Capim - navalha

AéAdornos (flechas, colares, máscaras, instrumentos, musicais, sementes).

Angico Wederutuñorô Cordas, distintivos do “dono do tempo”.Fonte: Relatório de Identificação e Delimitação da TI Ubawawê.

106

Page 107: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 8 – Bakté : cesta tradicional Xavante

Confecção de bakté paralisada em meados do dia.

Baktes de tamanhos diversos e usos distintos.

Mulheres trançam seus baktés e fazem uso dos mesmos.

107

Page 108: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Água/Pesca

Para o Xavante, a água não é apenas elemento essencial à sobrevivência, ela

tem um valor simbólico. Os Xavante distinguem a água viva, a água corrente

(traduzida pela palavra Ö), da água morta ou água parada (traduzida pela

palavra U). A água viva dos grandes rios, como a água morta dos grandes

lagos, é povoada por espíritos. Nos rios habitam os espíritos bons, os

Ötedewa, e nos lagos os maus, denominados Uutedewa (GIACCARIA, 1978).

Os Xavante acreditam que as águas dos rios não ocupam todo o espaço entre

a sua superfície e o respectivo solo. Assim, haveria uma zona livre e enxuta no

fundo, onde habitariam os espíritos (GIACCARIA, 1978).

A pesca é realizada ocasionalmente. Pode ser uma atividade individual, ou feita

em grupos. A pesca coletiva, que envolve toda a aldeia é chamada “Abawadzi”.

As mulheres também podem exercer a atividade, fazendo-o em grupos

isolados ou participando das pescarias coletivas.

Os rios da região são muito ricos em quantidades e variedade de peixes. O

mais apreciado de todos os peixes é o matrinxã, seguido do pintado, pacu,

papa-terra, tucunaré, jaú, voadeira, traíra, vários tipos de bagres e outros.

Deve-se pedir permissão aos Ötedewa para pescar nos rios, o que se faz

através de um ritual. Foram estes espíritos que, na mitologia Xavante, lhes

deram as abóboras e as batatas.

108

Page 109: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Agricultura

Sobre as técnicas de cultivo, informam que a área cultivável é obtida através da

derrubada de um pedaço da floresta tropical, por ser este um terreno rico em

substancias orgânicas e suficientemente úmido. Porém, a produtividade do

terreno é perdida num prazo máximo de 5 a 6 anos, obrigando os Xavante a

procurarem outro pedaço de terra fértil para o plantio.

Na divisão das tarefas observam que a maior parte do trabalho agrícola é

incumbência feminina. Na família, compete ao genro trabalhar para o sogro,

sendo retribuído por este com a confecção de armas para seu uso. A sogra

cuida dos netos.

No que se refere ao ciclo agrícola, tem-se: de fevereiro a maio (colheita); em

junho (limpeza e derrubada de vegetação com uso do fogo); de setembro a

outubro (capina e plantio).

As atividades são intercaladas por períodos de caça e de coleta.

As chamadas roças de toco são a principal forma de produção agrícola dos

Xavante, sendo responsáveis pela maior parte da sua subsistência atual.

Porem, mesmo elas são, hoje, completamente diferentes do sistema de

produção tradicional, antes do contato com os não-índios.

109

Page 110: Relatorio final paranatinga 12 05-06

6.6 RELAÇÃO SÓCIO-POLÍTICA, ECONÔMICA E CULTURAL DO GRUPO

INDÍGENA COM A SOCIEDADE ENVOLVENTE

Educação

Os índios das terras indígenas Parabubure e Ubawawê estudam em escolas

nas aldeias, muitas delas de palha, sendo poucas as de alvenaria. São 35

escolas, duas de extensão, 64 professores índios, 1 diretor e 1227 alunos

índios matriculados. A Secretaria Municipal de Educação de Campinápolis é a

responsável pela estrutura e há condução da prefeitura para os alunos índios.

O material didático é em português, sendo que o padre Zacarias está

preparando uma apostila na língua Xavante.

A Secretaria de Educação trabalha em melhor parceria com o Núcleo de Apoio

Local Nõrota que com os outros NALs e Administração Executiva.

A Secretaria de Educação promoveu o Projeto Tukum, já finalizado, em que

muitos fizeram o curso para dar aula, mas que houve muito abandono após o

término.

O salário de um professor com magistério é de R$ 410,00 e de um professor

sem magistério é de R$ 300,00.

Das 35 escolas existentes, apenas a escola da aldeia São Pedro tem até o

ensino médio. A escola da aldeia Campinas tem até a 8ª série, a escola da

aldeia Santa Clara vai até a 7ª série do ensino básico, e a escola da aldeia São

Felipe tem até a 5ª série do ensino básico. Todas as outras escolas atendem

apenas até a 4ª série do ensino básico, antigo primeiro grau.

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Page 111: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Há apenas uma turma de pré I com 16 alunos, e uma de pré II com 11 alunos.

Abaixo segue tabela com o nome das escolas encontradas em cada aldeia, o

respectivo número de alunos e o professor responsável:

Nº Nome da Escola AldeiaNº de

AlunosResponsável

01 EMI São Miguel Buritizal 34 Noélia02 EMI Jacú Jacu 15 Chirley03 EMI Santa Luzia Bom Jesus da Lapa 25 Vercy04 EMI Mata Virgem Mata Virgem 10 Noélia05 EMI Santa Rosa Santa Rosa 10 Chirley06 EMI Culuene Córrego da Mata 34 Noélia07 EMI Abdzuwe Boa Vida 20 Chirley08 EMI Egito Egito 19 Chirley09 EMI Estrela Estrela 55 Chirley10 EMI São Felipe São Felipe 64 Janet11 EMI Santa Clara Santa Clara 87 Chirley12 EMI Santo Antônio Campinas 118 Noélia13 EMI Gideão de Nobrega Sucuri 52 Janet14 EMI São Cristovão - 42 Osmar15 EMI Madre Marta Central 10 Osmar16 EMI Tomopse Rio Piranhão 19 Osmar17 EMI Luizão Baixão 17 Chirley18 EMI Imaculada Conceição São Pedro 112 Noélia19 EMI Xavante Novo Paraíso 72 Noélia20 EMI Cohab Cohab 14 Osmar21 EMI Dom Bosco Parabubure 13 Osmar22 EMI Eteipore Eteipore 24 Osmar23 EMI Aldeinha Aldeinha 22 Osmar24 EMI Aldeona Aldeona 29 Osmar25 EMI Benedito Loaso Couto Magalhães 07 Vercy26 EMI Lagoa Encantada Espírito Santo 18 Chirley27 EMI Parinai’a São José 28 Vercy28 EMI Santo Agostinho Santa Cruz 27 Osmar29 EMI São Cristóvão Santa Maria 16 Chirley30 EMI São Domingos São Domingos 36 Osmar31 EMI São Francisco de Assis Awué 21 Osmar32 EMI São Jorge São Jorge 10 Chirley33 EMI São Paulo Chão Preto 29 Osmar34 EMI Lagoinha Lagoinha 21 Osmar35 EMI Coração de Jesus Palmeiras 42 -

111

Page 112: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Comunicação

Há serviço de rádio instalado em todas as aldeias, permitindo a comunicação

com a Administração Executiva Regional da FUNAI e Núcleos de Apoio. Das

aldeias às cidades, os indígenas são transportados em veículos pertencentes à

própria comunidade.

Aposentadoria

Este tipo de benefício social tem se tornado cada vez mais importante. Os

velhos têm relações de parentesco com praticamente todos os membros da

aldeia. O que se adquire com o dinheiro das aposentadorias acaba circulando

por toda a aldeia. Os mais favorecidos costumam ser os motoristas, que

cobram pelo serviço de condução dos aposentados e os netos, jovens bem

instruídos que os orientam no recebimento e conferência do dinheiro e nas

compras, sempre sendo retribuídos com roupas, calçados ou outros.

112

Page 113: Relatorio final paranatinga 12 05-06

6.7 LEVANTAMENTO DAS CONDIÇÕES DE ATENÇÃO À SAÚDE

A FUNASA é a responsável pelo Pólo de saúde dos índios em Campinápolis,

que conta com três equipes de área com enfermeiro e auxiliar de enfermagem.

Não há médico próprio no pólo, sendo tratados pelos médicos do município.

São usados dois carros para os serviços de saúde nas aldeias, sendo

trabalhados 10 dias em cada postinho pela equipe da FUNASA, e contam

ainda com uma ambulância para as duas terras indígenas.

Na época dos trabalhos de campo não havia odontólogo em área, sendo que a

FUNASA aguardava contratação de um novo. No município há um dentista

contratado para o atendimento dos índios, para a prevenção e outros

tratamentos. Nas aldeias, pela falta de equipamentos só é realizada extração:

cáries e demais procedimentos são tratados no posto da cidade.

Há pequenos postos de saúde nas aldeias de Aldeona, Campinas, São Pedro e

Estrela, que precisam de reformas.

O pólo de saúde é, na verdade, a casa de saúde indígena, mas ainda não

identificado como tal pela falta de um médico. Aguarda-se recurso da FUNASA

para construção da Casa de Saúde do Índio em terreno que foi doado pela

prefeitura de Campinápolis/MT.

O pólo de saúde possui enfermaria para tratamento. O paciente é pré-avaliado

e levado para o hospital, quando necessário. E retorna para o pólo onde fica

em tratamento.

O hospital que recebe os indígenas é o Hospital Municipal Dr. Regis, onde é

usado o ambulatório, se faz internações, pré-natal e partos. Quando o caso é

mais sério, o paciente é encaminhado para Barra do Garças, município que

113

Page 114: Relatorio final paranatinga 12 05-06

comanda os postos de Água Boa, Xavantina e Campinápolis. A maioria dos

partos é realizada na própria aldeia pelas enfermeiras e parteiras treinadas. A

FUNASA repassa para o município um incentivo financeiro para o atendimento

dos indígenas.

As doenças mais freqüentes nas crianças indígenas são doenças respiratórias

como pneumonia, além de diarréia e verminose. Muitas crianças apresentam

baixo peso. Nos adultos a maior incidência é de problemas como hipertensão e

diabetes. Há também dores lombares-mialgia e benfigo (problema de pele).

A FUNASA faz ainda o acompanhamento nutricional e desenvolvimento infantil,

vacinação nas crianças nas aldeias e atualização populacional. Também se

busca ajudar as comunidades indígenas com projetos de parcerias

comunitárias, como projetos de pomar e criação de galinhas. Há também

treinamentos e cursos para a capacitação dos próprios indígenas como

auxiliares de enfermagem e agentes sanitários.

114

Page 115: Relatorio final paranatinga 12 05-06

6.8 ANÁLISE DE IMPACTOS

São amplamente conhecidos, hoje, os resultados negativos do modelo de

desenvolvimento adotado pelo Brasil a partir da década de 60. A apropriação

dos espaços naturais nas regiões fronteiriças e não integradas ao eixo centro-

sul, realizada sem o adequado planejamento ambiental, gerou uma série de

problemas como, por exemplo, a homogeneização da pobreza para as minorias

sociais, inclusive as etnicamente diferenciadas; a concentração mais

acentuada do capital em pontos seletivos do espaço; e a depredação do meio

ambiente.

Nesse contexto encontram-se as populações indígenas, duramente atingidas

por esse processo, à mercê de fortíssimas pressões sobre seu território,

materializadas através da disputa de terras, da interferência de projetos

governamentais na região, da invasão de posseiros, da exploração ilegal e

predatória dos recursos naturais existentes em suas terras, e da poluição

trazida dos espaços vizinhos. Todos esses fatores têm levado ao

empobrecimento dessas populações, enquanto geram menor oferta de

recursos naturais, comprometimento da qualidade ambiental, desaparecimento

de espécies da flora e da fauna, desestruturação social, perda da identidade

cultural, entre tantos outros.

Diante desse grave quadro, o conhecimento aprofundado dos problemas

ambientais existentes hoje nas Terras Indígenas brasileiras torna-se uma

questão da maior importância, quando se discute quais são as soluções

etnoambientais apropriadas para corrigir as distorções verificadas.

Muitas vezes conhece-se a situação de degradação ambiental em determinada

terra indígena, sem que, no entanto, se conheça o grau de comprometimento

115

Page 116: Relatorio final paranatinga 12 05-06

da qualidade devida daí decorrente, nem se detenha subsídios suficientes para

uma correta intervenção.

As terras indígenas Parabubure e Ubawawê, do grupo Xavante, estão situados

na área de influência de empreendimentos do estado do Mato Grosso,

ressaltando que a Terra Indígena Parabubure, homologada, aguarda análise de

estudos de aumento de sua área.

Os estudos realizados por conta da PCH Paranatinga II contemplam os itens

previstos na Resolução CONAMA Número 001, de 23 de janeiro de 1986.

Todavia, não fazem referências aos impactos sócio-ambientais e culturais nas

Terras Indígenas e não há programas ou medidas mitigatórias direcionadas às

suas comunidades. O Programa de compensação Ambiental Xavante deve,

portanto, ser construído levando-se em consideração a necessidade de serem

implementadas ações que viabilizem o enfrentamento dos Xavante com a nova

realidade nos diversos usos do rio Culuene.

O Programa de Compensação deverá vigorar por um período de 5 anos, sendo

que além das avaliações e ajustes anuais, deverá ser realizada uma avaliação

no quinto ano de forma a adequar ações que não serão mais necessárias,

mantendo-se com as devidas adaptações, aquelas imprescindíveis para

garantir a sobrevivência física e cultural dos Xavante e a integridade de suas

terras.

Apresenta-se, abaixo, uma análise dos impactos decorrentes da implantação

do empreendimento sobre as TIs Parabubure e Ubawawe para, em seguida,

avaliar medidas mitigadoras que busquem prevenir ou minimizar aqueles

impactos, bem como sugerir medidas compensatórias no caso dos impactos

que não possam ser mitigados. O objetivo será implementar ações que venham

a mitigar e compensar os Xavante quanto a impactos decorrentes do

empreendimento proposto, garantindo, assim, a sobrevivência física e cultural

do grupo e a integridade ambiental das Terras Indígenas.

116

Page 117: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Durante os trabalhos de campo realizados entre a comunidade Xavante das TIs

Parabubure e Ubawawe foram realizadas diversas entrevistas visando obter a

percepção e opinião dos indígenas sobre o empreendimento. Nestas

oportunidades foram coletados depoimentos que demonstram uma profunda

preocupação quanto à qualidade ambiental de suas terras que, conforme

analisado acima, vêm sendo estranguladas pela exploração econômica

desenvolvimentista.

Apresenta-se, abaixo, os itens apontados pela comunidade, e que sintetizam

suas preocupações e receios perante a implantação da PCH Paranatinga II.

Embora, como veremos, alguns destes itens dizem respeito a outros agentes

interventores na região (fazendeiros, madeireiras, etc.), que fogem à

responsabilidade dos empreendedores da PCH, mostra-se complexo para a

comunidade indígena individualizar as causas das transformações ambientais

que põem em risco sua qualidade de vida.

Os Xavante demonstram, atualmente, muita preocupação com o

“veneno” (agrotóxico) jogado pelas fazendas nos rios e córregos, e com

os prejuízos advindos na qualidade da água;

Como conseqüência do item anterior, os Xavante temem prejuízos em

relação à contaminação ou mortandade de peixes;

.Os dois itens acima (pior qualidade da água e contaminação dos

peixes) preocupam os Xavante sobre os reflexos que teriam sobre sua

saúde;

No que se refere especificamente à PCH Paranatinga II, os indígenas

também demonstram temor com relação aos peixes (que diminuam ou

acabem);

117

Page 118: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Finalmente, foi apontado pela comunidade um impacto relacionado a

ascpectos simbólico/culturais. Para os índios, principalmente para as

lideranças mais velhas, mudar e modificar o rio é mexer na natureza e

desequilibrá-la. A água corrente, a água viva, que entra na maioria dos

rituais Xavante, tem para eles um importante simbolismo. É a fonte da

vida, força e beleza. Enquanto para muitas etnias indígenas a orientação

da aldeia é regida pelo sol, entre os Xavante a localização tem com

marco de referência o curso da água. Desta forma alterar o fluxo natural

do rio Culuene, principal curso de água que passa pelas suas terras,

constitui um impacto para as referências culturais desta comunidade,

mesmo que a barragem não venha a afetar diretamente as TIs.

Uma análise dos itens apontados pelas comunidades indígenas, à luz do

contexto de implantação da PCH Paranatinga II, indica que o empreendimento

terá um impacto ambiental para os Xavante. Isto porque:

as terras indígenas se encontram a montante da PCH, não devendo,

portanto, sofrer possíveis alterações provocadas pelo barramento e/ou

represamento da água no reservatório;

os peixes não são a principal fonte de alimento para os Xavante, que

historicamente têm na caça sua principal fonte de proteínas;

a água do rio Culuene não é utilizada para fins domésticos pelos

Xavante, que possuem poços em todas as aldeias;

embora o rio Culuene constitua território Xavante a partir do século XX,

o rio Couto Magalhães tem uma presença maior, pela ocupação e

justificação no processo administrativo de identificação.

A partir destas análises, indica-se os seguintes impactos diretos sobre as

comunidades Xavante das TIs Parabubure e Ubawawe:

118

Page 119: Relatorio final paranatinga 12 05-06

1) Impactos ambientais

- Risco de alterações na qualidade da água

- Risco de alterações na ictifauna

Mitigável: Sim

2) Impactos simbólicos e culturais

- Desequilíbrio simbólico da natureza, através de alterações no curso do rio

Mitigável: não.

O texto que se segue traz as indicações de medidas mitigadoras (no caso do

impacto ambiental) e sugestões de medidas compensatórias (no caso dos

impactos simbólicos e culturais). O conjunto de ações mitigadoras e

compensatórias deverá fazer parte de um Programa de Compensação

Ambiental (PCA).

Vale salientar que estas indicações deverão ser amplamente discutidas e

definidas de comum acordo com a comunidade indígena, envolvendo

profissionais do CGPIMA/FUNAI e Ministério Público Federal. Assim, diante

das transformações já em curso, o PCA deverá contemplar ações que

forneçam alternativas econômicas sustentáveis e de baixo impacto ambiental.

119

Page 120: Relatorio final paranatinga 12 05-06

6.9 PROPOSIÇÃO DE MEDIDAS MITIGADORAS/ COMPENSATÓRIAS

Os objetivos específicos do Programa de Compensação Ambiental, no que se

refere à comunidade Xavante, podem ser assim discriminados:

reduzir/controlar os impactos ambientais decorrentes da implantação do

empreendimento; contribuir para a sobrevivência física e cultural das

comunidades indígenas; viabilizar a geração de excedentes de renda; contribuir

para a integridade das Terras Indígenas Parabubure e Ubawawê; e preparar os

Xavante para a sua inserção e adaptação nesse contexto desenvolvimentista

decorrente da implantação de empreendimentos.

O detalhamento das diretrizes básicas do Programa será de responsabilidade

de uma Equipe Técnica a ser contratada pelo Empreendedor, com aprovação e

acompanhamento da FUNAI e do Ministério Público Federal.

Conforme apontado anteriormente, o Programa de Compensação deverá

vigorar por um período de 5 anos, sendo que além das avaliações e ajustes

anuais, deverá ser realizada uma avaliação no quinto ano de forma a adequar

ações que não serão mais necessárias, mantendo-se com as devidas

adaptações, aquelas imprescindíveis para contribuir para a sobrevivência física

e cultural dos Xavante e a integridade de suas terras.

6.9.1 Medidas mitigadoras

Impactos ambientais previstos:

- Riscos de alterações na qualidade da água

- Riscos de alterações na ictifauna

120

Page 121: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Com o objetivo de prevenir e/ou mitigar os impactos acima previstos, indica-se

a necessidade de se estender para o alto curso do rio Culuene (portanto, a

montante do final do reservatório, até alcançar as TIs Xavante) os seguintes

estudos e monitoramentos ambientais:

- Programa de Conservação e Manejo da Ictiofauna (incluindo monitoramento

da transposição de peixes através da escada de peixes prevista pelo

empreendimento);

- Monitoramento sedimentométrico;

- Monitoramento Limnológico e da Qualidade da Água;

- Educação ambiental;

- Comunicação social.

Indica-se a necessidade de iniciar estes estudos e monitoramentos na fase pré-

enchimento do reservatório, de maneira a serem obtidas séries que permitam

comparação e análise com eventuais alterações observadas durante o

enchimento do reservatório, bem como durante a operação da PCH.

Considerando, inclusive, que não se conta ainda com dados sistemáticos que

definam com precisão a magnitude dos impactos previstos, o desenvolvimento

dos Programas acima listados permitirá, inclusive, calibrar as análises

realizadas. Caso os estudos e monitoramentos levem à identificação de novos

impactos ou necessidades advindas da implantação da obra, medidas cabíveis

deverão ser incorporadas ao PCA.

6.9.2 Medidas Compensatórias

Impactos simbólicos e culturais previstos: desequilíbrio simbólico da natureza,

através de alterações no curso do rio Culuene.

121

Page 122: Relatorio final paranatinga 12 05-06

A preocupação das lideranças indígenas, apontada nas reuniões realizadas

durante os trabalhos de campo, foi com a vinda de recursos para compensação

das perdas. Outra preocupação é com a energia: com a construção do

empreendimento para a população não-índia da região, parte da comunidade

Xavante reivindicou a energia para suas aldeias. Por fim, outro grande

problema hoje nas Terras Indígenas Parabubure e Ubawawê é social, incluindo

uma fragmentação do poder político nas diversas administrações existentes,

cisões de grupos, bebida alcoólica e roubos, o que fragiliza a comunidade

como um todo.

Dentro destes aspectos, o presente estudo propõe ações compensatórias

voltadas a alternativas econômicas sustentáveis; de educação e saúde; e

proteção das TIs. Apresenta-se, a seguir, a descrição das possíveis ações e

medidas compensatórias sugeridas para a comunidade indígena Xavante das

TIs Parabubure e Ubawawê:

Ações voltadas a Alternativas Econômicas Sustentáveis

- Contratação de consultoria especializada para realização de estudo de

produtos não madeireiros disponíveis nas TIs e mercado para os mesmos. Esta

consultoria dever prever a participação de engenheiros florestais e ecólogos

para planejamento de manejos sustentáveis nas terras indígenas e cursos de

técnicas de preservação dos territórios.

- Considerando que, diferentemente das comunidades indígenas do PIX, que

tem sua dieta de proteína à base do peixe, os Índios Xavantes se alimentam à

base de caça, cada vez mais escassa e ameaçada na região, de modo a suprir

essa necessidade vital recomenda-se a implantação de campo criação de gado

bovino, em área a ser delimitada na Terra Indígena Parabubure. Para tanto,

deverá ser desenvolvido projeto de criação extensiva de gado bovino, no

regime de pastagens, com adequadas técnicas de manejo para cria, recria e

122

Page 123: Relatorio final paranatinga 12 05-06

engorda, levantando-se a infra-estrutura necessária a esse fim. Serão

experimentadas raças zebuínas, de maior rusticidade, que apresentam boa

adaptação à região. Será também avaliada a viabilidade técnica das

alternativas de criação de caprinos, e mesmo de ovinos, que, dentre as raças

mais resistentes e de maior rusticidade, apresentem melhor adaptação às

características da região. É importante ser avaliado no projeto a possibilidade

de se empregar mão-de-obra da própria comunidade indígena, com a

necessária assistência e orientação acerca das técnicas e manejo adequados.

O projeto deve ser desenvolvido de modo a dar suporte à demanda das duas

Terras Indígenas dos Xavante, ficando sob responsabilidade do empreendedor

sua implantação e acompanhamento por 5 anos, após o que, continuará sob

responsabilidade a comunidade indígena, apoiada pela FUNAI ou por órgãos/

instituições por ela designados. Por fim, cabe salientar que existem grandes

extensões de terras dentro das TIs que, anteriormente, eram utilizadas para

pastagem pelos antigos proprietários fazendeiros. Assim, a implantação de um

possível criatório de animais não implicará, necessariamente, em causar

impactos ambientais nas TIs, mas, sim, aproveitar e remanejar terrenos

disponíveis para este fim.

Ações de Educação e Saúde

- Apoio para elaboração de mapa cultural a ser elaborado pela comunidade

indígena, com assessoria da FUNAI, para que ela possa melhor se

apropriar/resgatar seu meio ambiente, principalmente relacionado ao uso

tradicional do território;

- Cursos realizados nas aldeias indígenas visando promover estratégias para

preservar a saúde indígena, principalmente através da educação preventiva;

123

Page 124: Relatorio final paranatinga 12 05-06

- Programa de esclarecimento e educação visando diminuir a ingestão de

bebidas alcoólicas por parte das comunidades indígenas;

- Apoio para inclusão de módulo ambiental no curso de capacitação de

professores indígenas visando a preservação e manutenção das TIs.

- Programa de Comunicação Social voltado para a comunidade indígena,

visando informá-los mais detalhadamente sobre a obra e os próprios

programas constantes do PCA, especialmente qualidade da água e ictiofauna.

124

Page 125: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Ações de Proteção das TIs

- Apoio às atividades de Proteção e Fiscalização das TIs;

- Colocação e manutenção de placas ao longo dos limites das TIs Parabubure

e Ubawawê, especialmente na porção em que as TIs limitam com o rio

Culuene;

- Cursos para fiscalização dos limites territoriais e proteção ambiental, dada

para os indígenas;

- Inclusão da questão indígena no Programa de Educação Ambiental, voltado

ao público não índio, visando contribuir na promoção de maior conhecimento e

respeito mútuo, destacando os costumes, direitos e deveres de cada um.

125

Page 126: Relatorio final paranatinga 12 05-06

7. ESTUDOS JUNTO AOS POVOS DO PARQUE INDÍGENA DO

XINGU

7.1 APRESENTAÇÃO

A equipe de pesquisa permaneceu na área de estudo a partir do dia 28 de

outubro até o dia 24 de novembro, visitando as aldeias que compõem os

conjuntos conhecidos como Alto (Waurá, Kamaiurá do Ipavu, Yawalapiti,

Mehinaku, Aweti, Kuikuro, Matipu, Kalapalo e Nahukwa) e Médio PIX

(Kamaiurá do Morena, Trumai e Ikpeng) (Figura 15). Esta divisão também

serviu como ponto de partida para a posterior organização e análise dos dados

coletados, inclusive para o estabelecimento de comparações.

Os estudos nas aldeias foram sempre precedidos por ao menos uma reunião

geral, realizada em cada aldeia, e que tinha como objetivo esclarecer os

objetivos do trabalho, discutir os procedimentos que estariam sendo adotados

e, também, incorporar sugestões e recomendações feitas pelas comunidades

indígenas (para ilustração destas reuniões, vide Pranchas 9 a 16)

Os dados aqui apresentados podem ser classificados em 6 tipos, de acordo

com a forma como foram obtidos:

1) registros das atividades dos índios durante a permanência da equipe nas

aldeias e em passagem pelas estradas nas áreas cultivadas, através de

observação direta;

126

Page 127: Relatorio final paranatinga 12 05-06

2) registro e georeferenciamento de plantas e animais silvestres observados, e

sua utilização pela comunidade estudada, durante todo o percurso realizado

dentro da T.I.;

3) registro e georeferenciamento de plantações e animais domésticos, durante

todo o percurso realizado dentro da T.I.;

4) depoimentos sobre o uso e manejo de recursos naturais (caça, pesca,

plantio e coleta) durante as reuniões e individualmente, quando possível;

5) recordações de pescarias, caçadas, extrativismo e produção agrícola;

6) anotações de itens alimentares encontrados nas moradias.

Diariamente foram verificadas quais eram as atividades exercidas pelos índios,

registrando-se dados relativos aos locais onde cada atividade fora realizada, às

técnicas e métodos de obtenção empregados e ao tempo gasto em

deslocamento, aquisição e processamento dos itens adquiridos. Durante o

acompanhamento das atividades foram também registrados o tipo e as

características do ambiente explorado. Estas ocasiões se mostraram

importantes para georeferenciar alguns dos locais de obtenção de recursos, e

para a realização de entrevistas, devido à conveniência de poder conversar

mais tranqüilamente com uma única pessoa ou com um grupo reduzido.

Sobre as formas de uso da fauna, foram realizadas também entrevistas

seguindo um roteiro padronizado referente às técnicas de caça e pesca, ao

consumo e demais formas de uso, preferências e tabus alimentares

relacionados à fauna. As perguntas eram relativas às espécies de peixes e

caça mais consumidos, preferidos, evitados, perigosos, tabus alimentares

(espécies sujeitas a restrições em determinadas situações, como alguma

enfermidade, menstruação, lactação, ferimento etc.) e utilização com finalidade

medicinal ou comercial.

127

Page 128: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Figura 15 - Aldeias do alto e médio Xingu pesquisadas.

128

Page 129: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Os procedimentos ocorreram no contexto de um processo interativo e

dinâmico, considerando as oportunidades de convívio e de trabalho com a

comunidade indígena. As informações obtidas basearam-se na percepção da

realidade ambiental e dos agentes de transformação dessa realidade.

As recordações referidas acima priorizaram atividades relacionadas com a

obtenção de proteína animal, como a caça e a pesca, e consistiam em

entrevistas padronizadas seguindo um roteiro definido, incluindo dados sobre a

localização dos pontos de captura dos peixes e caça, o tempo de

deslocamento até os locais de pesca e caça, o tempo de percurso entre outros

locais utilizados, a duração da atividade em cada local, o tipo de ambiente e as

condições climáticas na ocasião. Registramos os artefatos de caça e pesca,

como: tipo de cartucho, uso de cães, número de anzóis, tipo e quantidade da

linha utilizada, tipo de ponta utilizada no arpão, tipo de isca e modo de

locomoção. Registramos também os animais capturados em cada caçada e

pescaria quanto ao número, espécie, sexo e peso aproximado.

Aproveitando as oportunidades em que visitávamos as residências, eram

anotados os alimentos estocados ou sendo preparados, além de outros indícios

encontrados em volta das casas, como cascas, sementes, ossos e cascos. Por

outro lado, nas ocasiões em que percorremos a área juntamente com pelo menos

um membro das comunidades, por estradas, trilhas, rios, canais e lagos, seja com

voadeira (bote de alumínio com motor de popa), canoa, automóvel, trator,

motocicleta, bicicleta e a pé, localizamos as diferentes unidades de paisagem

(áreas com diferentes tipologias de vegetação nativa, capoeiras, áreas cultivadas

e de pastagem) das aldeias, limites, placas e locais de importância específica. A

obtenção das coordenadas geográficas foi realizada com auxílio de um receptor

de GPS (Global Position System), modelo Garmin 5.

Por fim, foi realizada uma pesquisa bibliográfica para complementar a

descrição da área e para comparar os resultados obtidos com trabalhos sobre

etnobiologia e ecologia humana com diferentes populações humanas

tradicionais e neo-tradicionais da bacia amazônica.

129

Page 130: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 9 – Reunião junto à comunidade

Reunião na aldeia Aweti

Reunião na aldeia Aweti

Local de reuniões e aula

Kokotí Aweti, chefe do PIN Leonardo

130

Page 131: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 10 – Reunião na aldeia Kalapalo

Índio Kalapalo na reunião

Reunião na aldeia Kalapalo Mulher Kalapalo na reunião

131

Page 132: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 11 – Reuniões junto à comunidade Kamayurá.

A reunião foi realizada numa estrutura semi-coberta denominada casa dos homens ou praça, que sem contar com paredes e ausência de flautas jakuí, teve a presença das

mulheres e de toda a comunidade kamaiurá no sagrado sítio Morená.

Toda as perguntas foram respondidas e os diálogos foram gravados para produção do

presente relatório.

Reunião no PIN Pavurú com jovens lideranças Kamayurá da aldeia Morená

132

Page 133: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 12 – Reunião na aldeia Kuikuro

Reunião na aldeia Kuikuro

Reunião na aldeia Kuikuro

Reunião na aldeia Kuikuro

133

Page 134: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 13 – Reunião na aldeia Matipu

Apresentação da equipe na aldeia Matipu. Estavam presentes as principais lideranças da comunidade: cacique, pajé e anciãos.

O antropólogo Rodrigo Chaves apresenta a equipe à comunidade Matipu

Um dos anciões da aldeia, kalapalo casado com uma matipu, inicia o relato da longa narrativa do Kwarup já na reunião.

Cacique e comunidade, incluindo mulheres assistiram e participaram da

reunião, emitindo opiniões e argumentos.

134

Page 135: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 14 – Reunião na aldeia Nahukuá.

Reunião na aldeia

O cacique Tirivé Nahukua

135

Page 136: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 15 – Reunião na aldeia Boa Esperança, etnia Trumai

Reunião na aldeia Boa Esperança, etnia Trumai

Reunião na aldeia Boa Esperança, etnia Trumai

Reunião na aldeia Boa Esperança, etnia Trumai

O cacique Trumai, Kowo Marikawá, durante a reunião na aldeia Boa Esperança

Reunião na aldeia Boa Esperança, etnia Trumai

136

Page 137: Relatorio final paranatinga 12 05-06

PRANCHA 16 – A3

137

Page 138: Relatorio final paranatinga 12 05-06

7.2 CARACTERIZAÇÃO LINGÜÍSTICA, HISTÓRICA E CULTURAL DOS

GRUPOS INDÍGENAS

7.2.1 Caracterização lingüística

A sociedade xinguana é considerada pelos lingüistas como multilingüe, tendo

em vista que as etnias do PIX pertencem aos troncos Tupi, Aruak, Karib,

Trumai (língua isolada) e Jê.

O uso e domínio da língua portuguesa é incipiente, variando de aldeia para

aldeia, mas não chega a ameaçar as línguas maternas. À exceção da língua

Trumai que é considerada pelos especialistas em processo de crise lingüística,

uma vez que se constata o chamado delineamento de fronteira geracional,

onde os mais jovens utilizam cada vez menos a língua materna e cada vez

mais o português.

A língua Yawalapiti é pouco usada entre os mais jovens que a substituem pelas

Kuikuro e Kamaiurá, em virtude das relações matrimoniais entre essas etnias.

Atualmente apenas 06 adultos da aldeia Yawalapiti falam a língua.

A grafia dos nomes dos povos indígenas do Brasil obedece a uma convenção

promovida em 1953 pela ABA (Associação Brasileira de Antropologia), que é

desde então adotada não só pela maioria dos antropólogos e lingüistas, mas

também por muitos indigenistas e missionários. Os pontos principais dessa

convenção são:

a) Os nomes de povos e línguas indígenas serão empregados como

palavras invariáveis, sem flexão de gênero e nem de número, ex: a

língua Kalapalo, os índios Kalapalo;

138

Page 139: Relatorio final paranatinga 12 05-06

b) Não serão usadas as letras “C” e “Q” em lugar de “K”, ao passo que

“G” será usada no lugar de “GU”,ex: Karajá, Kiriri e Gerén;

c) Sons frictícios: Asuriní (SS), Xavante (CH) e Jê (G);

d) Para “I” e “U” no início de palavras e entre vogais, serão usadas as

letras “Y” e “W”, ex: Yawalapiti.

Essa convenção pretendeu somente regular e eliminar as ambigüidades e

confusões no uso técnico desses nomes em estudos antropológicos e

lingüísticos.

No Quadro1 são apresentadas as aldeias, estimativa da população e filiação

lingüística das 14 etnias do PIX.

139

Page 140: Relatorio final paranatinga 12 05-06

QUADRO 1 – Etnias, população e filiação lingüística dos povos do PIX

ETNIATRONCO

LINGUISTICOPOPULAÇÃO ALDEIAS

AWETI TUPI 138 Aweti, Saidão (Saúva).

KAMAYURÁ TUPI 355 Kamayurá, Morená, Jakaré.

KALAPALO KARIB 417 Aiha, Tanguro, Culuene (PIV).

KUIKURO KARIB 415 Ipatse, Lahatua, Ahukugi, (Buritizal).

MATIPU KARIB 119 Matipu.

NAHUKWÁ KARIB 105 Nahukwá, Yaramü.

TRUMAI ISOLADA 120 Boa Esperança, Terra Nova (PIV), Cristalina,Terra Preta, Steinen.

WAURÁ ARUAK 321 Waurá.

YAWALAPITI ARUAK 208 Yawalapiti, Aldeia Velha.

MEHINAKO ARUAK 199 Mehinako e Utauana.

TOTAL POPULAÇÃO ALTO XINGÚ

2.397

140

Page 141: Relatorio final paranatinga 12 05-06

IKPENG KARIB 319 Moygo, PIN Pavurú

KAYABI TUPI 745

Guarujá, Três Irmãos, Ilha Grande, Barranco Alto, Tuiararé, Pirakuarat, Tuim, Moitara, Wekuawy, Onze de Setembro, Kapivara, Kaisara, Arraia, Kururu, Paramaita, Mubada, PIN Manito, Sobradinho, Maraka, Fazenda Boa Vista.

YUDJÁ/JURUNA TUPI 248 Pequizal, Paquiçamba, TubaTuba.

SUYÁ JÊ 334 Goiveri, Beira Rio, Raposão.

TOTAL POPULAÇÃO

MÉDIO E BAIXO XINGÚ

1.646

FONTE: FUNAI 10/2004

141

Page 142: Relatorio final paranatinga 12 05-06

7.2.2 Caracterização histórica e cultural

Os povos do Alto Xingu

Os xinguanos se distribuem em três áreas distintas cultural e historicamente

dentro do PIX, uma região chamada de ‘Alto’, outra de “Médio” e a terceira de

‘Baixo’. A primeira configura uma região mais definida onde vivem 10 etnias

distribuídas em 18 aldeias, com uma população estimada em 2.397 indígenas.

O Alto Xingu recebeu do pesquisador Eduardo Galvão em 1953, a definição de

“área cultural” em virtude de que nela habitam povos diferenciados, sobretudo,

lingüisticamente.

Karl Von den Steinen já observava, no final do século passado, as notáveis

semelhanças culturais dos grupos dos formadores do Xingu. Apesar das

consideráveis distâncias que separavam os povos alto-xinguanos, estes tinham

desenvolvido um contato pacífico entre si, alimentado através de uniões, trocas

comerciais e uma intensa atividade cerimonial, com a realização de grandes

festas intertribais.

Estes povos participam de um universo cultural único, convivendo e

compartilhando traços culturais em diversos domínios, tais como relações de

parentesco, economia, padrão de aldeamento, cosmologia e rituais intra e inter-

tribais, entre outros, os quais ainda se distinguem entre si por outros traços que

funcionam como emblemas de identidades contrastivas, a exemplo da

manufatura de artefatos para a chamada ‘troca’ e a manutenção da autonomia

política de cada etnia ligada ao território que ocupa, além da percepção das

diferenças que cada uma tem das demais. Entre esses xinguanos existe uma

unidade tanto geográfica quanto sócio-política.

142

Page 143: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Segundo Basso (1969), ao longo do tempo foi se formando uma rede social

intertribal entre os grupos que passaram a compartilhar muitos traços culturais.

Dentre ritos, cerimônias e festas comuns aos grupos alto-xinguanos destacam-

se o Jawarí, o Kuarup e o Yamaricumã, bem como existe também

institucionalizado um sistema de trocas inter-tribais conhecida como Moitará e

uma luta de caráter lúdico-competitivo, o Huka-huka.

Ao sul do Parque Indígena do Xingú está localizada a região denominada Alto

Xingú, que recebe como afluentes os rios von den Steinen, Ronuro, Batovi, e

Curisevo, nas proximidades da localidade denominada Morená, lugar de suma

importância para a cosmologia xinguana. As etnias que ali residem são

também conhecidas por constituírem uma imbricada rede de relações entre si

que configura o denominado “sistema alto xinguano”. Apesar de falarem

línguas distintas e manterem elementos característicos e distintivos de cada

grupo, estes povos compartilham uma série de características culturais, tais

como casas oblongas dispostas em aldeias circulares, a dieta alimentar, as

pinturas corporais e suas indumentárias, os ritos e um mesmo ideal de

comportamento.

Até as primeiras décadas do século XX viviam também nesta região os Bakairi,

falantes de uma língua do tronco lingüístico Karib, os quais abandonaram os

formadores do rio Xingu, deslocando-se mais para sudeste, para junto do alto

curso dos rios Teles Pires e Arinos. Estes indígenas também se orientavam

pelos mesmos padrões culturais alto xinguanos.

Segundo Egon Schaden (1965), ao se fazer um balanço das questões relativas

à aculturação no alto Xingu percebe-se o fundo conflituoso sobre o qual se

instauram as instituições xinguanas, dentre essas, apresenta o conflito entre os

Trumai e os Suyá pela disputa do local de extração do diabásio (material

utilizado para a fabricação do machado de pedra), de domínio dos primeiros e

tomado pelos Suyá, revelando-se no decorrer do processo, ter sido uma

143

Page 144: Relatorio final paranatinga 12 05-06

conquista de pouco utilidade para os Suyá, uma vez que as expedições que ali

chegaram, a primeira de Karl von den Steinen, introduziram os instrumentos de

ferro que competiram vitoriosamente com os de pedra. Os Suyá foram

drasticamente reduzidos em combate com outras etnias xinguanas. De acordo

com Anthony Seeger sua recuperação se deu somente após a introdução dos

Tapaiúnas no PIX, um ramo separado dos Suyá que vivia mais ao oeste.

Os Trumai se colocaram sobre proteção dos Kamayurá e o casamento entre

estes últimos e as mulheres Trumai foi uma aliança estabelecida. Daí por

diante, os Trumai não recuperaram mais o seu prestígio com os demais grupos

da área.

Conforme Schaden, um dos principais motivos que fazia os xinguanos

buscarem um bom entendimento entre si era a constante ameaça dos povos Jê

circunvizinhos, onde se incluem os Suyá e os Jê do norte, representados pelos

Metuktire e os Txucahamãe.

Galvão denominou como “área do uluri”, artefato utilizado pelas mulheres das

sociedades xinguanas, a região que forma este singular sistema cultural

partilhado pelos Aweti, Trumai, Mehinako, Waurá, Yawalapiti, Kalapalo,

Nahukwá, Matipu, Kuikuro e Kamayurá. No entanto esta região abrigava

também outros povos que não integravam a “área do uluri” e que, até muito

recentemente, alternavam relações hostis ou pacíficas entre si. Os Jê, Suyá,

Metuktire e Txukahamãe, junto com os Ikpeng de língua Karib e os Yudjá de

língua Tupi, foram catalogados outrora como povos “periféricos” ou “marginais”,

visto que não partilhavam os traços culturais que caracterizam a “área do uluri”,

de acordo com Galvão e Simões (1966:40).

A despeito dessa uniformização cultural, em um plano mais geral esses povos

distinguem-se entre si na língua, no habitat e nas suas manufaturas

especializadas. Conforme Bruna Franchetto (1986:51-52), do ponto de vista

das representações indígenas sobre o sistema cultural regional, o principal

144

Page 145: Relatorio final paranatinga 12 05-06

critério distintivo de identificação dos agrupamentos sociais relevantes são as

diferenças lingüísticas e dialetais.

Gertrude Dole critica a visão de que as semelhanças culturais dos povos da

região do Alto Xingu indicariam uma cultura homogênea, pois “embora

integrados num sistema cultural regional, através de intercasamentos,

dependência econômica e cooperação cerimonial, os xinguanos atribuem

grande significação às numerosas diferenças materiais, sociais e ideológicas

entre os diversos grupos locais” (Dole, 2001: 63). Ressalta, porém, que muitas

diferenças culturais desapareceram nas últimas décadas do século XX.

Partindo de uma classificação proposta para estes povos, Rafael Bastos

(1983), elaborou um modelo que procura dar conta da articulação entre as

diferentes sociedades no PIX e o processo que a caracteriza. Denomina

“xinguanos” àqueles povos que vivem há mais tempo na área e que partilham

de vários elementos culturais comuns xinguanos tais como o formato da aldeia,

a forma da casa, os ritos intertribais - Moitará, Kwarup, etc.

Para aqueles que entraram mais recentemente na área, levados por sertanistas

ou por iniciativa própria, a exemplo dos Suyá, cuja entrada na área não é tão

recente assim, os Ikpeng, os Yudjá, os Kayabi, os Panará, os Tapaiúna e os

Txukahamãe são denominados xingüeses.

Xingueses é a terminologia utilizada para o conjunto de xinguanos e xingüeses

e que, juntos com os representantes da sociedade brasileira na área

(indigenistas, professores, administradores, profissionais de saúde, etc.),

constituem a sociedade xinguara.

Segundo Bastos, os xingüeses, em certa medida, passam por um processo de

‘xinguanização’ ao participar dos rituais dos xinguanos mais antigos e ao

demonstrar uma tendência em adotar alguns itens culturais destes. Por outro

lado, todos os xinguenses induzidos pelos problemas suscitados pela

145

Page 146: Relatorio final paranatinga 12 05-06

aproximação das frentes de expansão e pela presença dos representantes da

sociedade brasileira, passam por um processo de ‘desxinguanização’.

No trabalho de Patrick Menget (1993) são destacados aspectos importantes

sobre os alto-xinguanos: o primeiro trata da sistemática política de

neutralização e atração daqueles grupos considerados periféricos ou hostis,

valendo-se de raptos de mulheres ou apropriação de mulheres de grupos

considerados inferiores tendendo a uma reciprocidade equilibrada, ou mesmo

incursões de vinganças a ataques sofridos. Tal estratégia permitiu aos alto-

xinguanos chegarem à atualidade menos reduzidos que aqueles grupos que os

atacavam. O segundo aspecto está relacionado à celebração dos três grandes

rituais pan-comunitários: o Kwarup em homenagem aos mortos; a iniciação dos

rapazes e o Jawarí, torneio de lançamentos de flechas, com propulsores.

Essas cerimônias sublinham as articulações entre as comunidades,

estabelecendo as relações de aliança, a reciprocidade regrada, etc.

Menget finaliza dizendo que os povos formadores do Xingu constituem “graças

à densidade das relações econômicas, cerimoniais e matrimoniais entre seus

membros, um verdadeiro sistema social”.

O livro organizado por Bruna Franchetto e Michael Heckenberger (2001), “Os

povos do Alto Xingu: História e Cultura” reúne artigos de diferentes

pesquisadores que, com pontos de partida distintos, mostram um longo

passado perscrutável e interpretável dos povos alto xinguanos.

Os povos do Médio e Baixo Xingu

Esta região se estende do território Trumai, logo abaixo da confluência dos

formadores que originam o rio Xingu, ao sul, até a estrada BR-080, ao norte.

146

Page 147: Relatorio final paranatinga 12 05-06

A história das diferentes etnias do “Médio” e “Baixo”, divergem, convergem e

correm distintas. Sua riqueza e complexidade é tão intensa quanto a

encontrada entre as etnias do “Alto”. Tal fato se deve a absorção de alguns

povos extintos entre seu grupo, dentre esses os Manitsauá, os Yarumã e os

Awaiky.

As fronteiras do PIX, em suas sucessivas reformulações, jamais incluíram a

totalidade dos territórios tradicionais dos povos que passaram a ser

reconhecidos como “índios do parque”. Há fronteiras internas entre as

diferentes etnias, estabelecidas de modo flexível, mas reconhecíveis e

reconhecidas pelos indígenas.

A história do contato, os trabalhos de “pacificação”, além da própria criação do

PIX em 1961, estabeleceram novos limites entre si e os não-índios, impostos

por forças externas à organização social indígena.

Na região central do PIX estão os Ikpeng, de língua Karib, e uma aldeia

Trumai, enquanto que mais ao norte, na região conhecida como Baixo Xingu,

estão situados os Suyá, de língua Jê, os Kayabi e os Yudjá, de língua Tupi. Até

a década de 1990, o PIX contava também com a presença dos Panará, de

língua Jê, os quais conseguiram reconquistar e retornar ao seu território

tradicional, situado no Pará, na referida década (vide Mapa Etno-Ecológico do

PIX, Anexo 3).

A história da permanência destes povos no vale do rio Xingu é mais recente do

que a dos povos do alto. Do ponto de vista cultural, essa é uma região mais

heterogênea. Historicamente esses povos mantiveram contatos hostis ou

amistosos com os alto-xinguanos, sem se integrarem, no entanto, ao seu

sistema sócio-político-ritual.

147

Page 148: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Os Juruna e os Suyá alcançaram o alto Xingu por seus próprios meios. No ano

de 1884 Karl von den Steinen teve um encontro amistoso com os Suyá, que

resultou no mapa do Xingu e seus formadores, traçado na areia por um velho

Suyá, indicando aldeias de outros povos que ali viviam e no retorno do

etnólogo à região no ano de 1887.

Desde este período até o ano de 1959, data estabelecida como a do contato

dos Suyá, este povo sofreu severos ataques de outros povos, como o dos

Juruna, e também promoveu outros tantos, a exemplo dos ataques aos Trumai,

ainda no século XIX. Os Suyá chegam ao ano de 1959 com uma população

reduzida, composta por várias mulheres de outros povos e sofrendo forte

influência do sistema xinguano.

Em 1969 foram levados para junto dos Suyá, os Tapaiúna, que estavam

situados mais para oeste, nos rios Arinos e Sangue, afluentes do rio Juruena e

que há mais de dois séculos se encontravam separados dos Suyá devido à

migração destes à bacia do Xingú. Esse reencontro permitiu aos Suyá uma

valorização e retomada das tradições que estavam sendo abandonadas. Os

Suyá se referiam aos Tapaiúna como “novo Suyá”, reconhecendo-os como um

mesmo povo. Mais recentemente os Tapaiúna se afastaram dos Suyás indo se

instalar na Terra Indígena Kapoto/Jarina junto aos Txukahamãe, localizada fora

dos limites do PIX.

Os Juruna, povo de língua Tupi, foram assinalados ainda no século XVII como

um dos povos habitantes da região do baixo Xingu. Fugindo do assédio de

missionários, bandeirantes e seringalistas, parte deste grupo migrou em

direção ao alto curso do Xingu. Em 1884, depois de deixar o alto Xingu,

Steinen passou por eles, registrando cinco aldeias nas imediações de

Piranhaquara, no sul do Pará.

Se os Suyá e os Juruna chegam ao Alto Xingu por movimentos próprios, essa

não foi a situação dos outros povos que ali vivem ou viveram, como os

148

Page 149: Relatorio final paranatinga 12 05-06

referidos Tapaiùna que foram transferidos para ali, pelos sertanistas, de modo

a livrá-los das difíceis situações pelas quais passavam; como também ocorreu

com os Kayabi, Ikpeng e Panará.

Os Kayabi não vivem exclusivamente na área do PIX, ainda que a maior parte

de sua população ali esteja vivendo. Seu território tradicional localizava-se em

uma extensa área entre os rios Arinos e dos Peixes, e o médio Telles Pires.

Atualmente um pequeno grupo Kayabi vive na Terra Indígena Apiaká/Kayabi,

no rio dos Peixes, situada ao norte da cidade de Juara-MT.

A separação dos Kayabi do rio dos Peixes e dos que vivem hoje no Xingu se

deu em 1966, mas seu processo de migração para o PIX teve início na década

de 1950 com o seu envolvimento nos trabalhos da Expedição Roncador-Xingu.

Ao final do século XIX inicia-se para os Kayabi um longo período de choques

com seringueiros, que invadem seu território. Já em meados do século XX as

invasões são promovidas por companhias colonizadoras que, a despeito de

todas as irregularidades, alienam as terras Kayabi. Bartolomeu Meliá (1993)

expõe detalhadamente em um artigo as contingências do contato interétnico

por que passaram os Kayabi e os focos de atração que acentuaram o

movimento de dispersão destes.

Os Panará foram transferidos para o PIX em 1973, devido às epidemias de

gripe que mataram dois terços da sua população, em decorrência da rodovia

BR 163 estar na rota de seu território. Localizado na fronteira entre os estados

do Pará e de Mato Grosso, o território Panará se estendia pela bacia do rio

Peixoto de Azevedo, a Serra do Cachimbo e as cabeceiras dos rios Iriri e

Ipiranga. Passados quase vinte e cinco anos desta transferência, os Panará

recuperaram parte de seu território e para lá voltaram, hoje conhecido como

Terra Indígena Panará.

149

Page 150: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Heelas (1979) e Schwartzman (1987) estudaram os Panará e admitem a

possibilidade destes serem os Kayapó do sul, dados como extintos. Tal

possibilidade é também reafirmada por outros pesquisadores a exemplo dos

lingüistas Aryon Dall’Igna Rodrigues e Luciana Dourado que compararam o

vocabulário dos atuais Panará com listas de palavras deixadas por antigos

viajantes Kayapó do sul.

Os Ikpeng já se encontravam estabelecidos na região do médio rio Ronuro nas

primeiras décadas do século XX, segundo Menget (1977). Em 1924 a

expedição do Capitão Vasconcelos avistou sinais da presença dos Ikpeng na

margem direita do rio Ronuro, entre as corredeiras e a foz do afluente Jatobá.

Para os demais povos dos formadores do rio Xingu, os Ikpeng passaram a

constituir uma ameaça, visto que realizavam incursões que resultavam em

rapto de crianças, incorporadas ao seu grupo, além de pilhagens. Os Waurá e

Mehinako foram alvos prioritários dessas incursões.

Estimativas indicam que a população indígena no Xingu variou de 2.500 a

4.000 indivíduos no final do século XIX. Entre 1948 e 1963 se resumiam entre

620 a 650 indivíduos, voltando a aumentar para 750 indivíduos em 1972.

Segundo Menget, “por volta de 1890 existiam entre 30 a 40 aldeias distintas

(...); nos anos de 1920, uma quinzena”. No final da década de 1960 eram oito

aldeias, mais um grupo familiar Trumai (Menget, 2001: 52). Menget afirma ser

notável que o decréscimo demográfico observado entre 1884 e 1954 entre os

povos do Xingú não foi acompanhado por uma redução lingüística proporcional

(idem: 51).

* * *

O texto que se segue traz uma caracterização sintética de cada uma das 14

etnias que compõem o PIX, em seu alto, médio e baixo vale.

150

Page 151: Relatorio final paranatinga 12 05-06

AWETI

Os Aweti vivem próximo à margem esquerda do rio Curisevo, no curso inferior

do rio Tuatuari. Segundo Galvão (1953), os Aweti ocupam o mesmo lugar da

época da expedição de Von den Steinen em 1884.

Os Aweti e os Waurá foram os primeiros invasores da região, onde atacavam

indistintamente todas as tribos. Radicaram-se no rio Curisevo já perto de sua

desembocadura no Culuene.

Os Aweti são a sociedade indígena menos estudada pelos pesquisadores que

trabalharam na região do alto curso do rio Xingu. A bibliografia sobre eles é

escassa e não existe nenhum estudo antropológico específico sobre esse

povo, com exceção do trabalho de George Zarur (1975). O trabalho de Coelho

de Souza (2001) procura fornecer subsídios para a consolidação de um

panorama histórico sobre o grupo. É um trabalho notável, ainda mais pelo fato

da autora nunca ter visitado a aldeia Aweti.

Segundo Coelho de Souza foi Karl von den Steinen quem realizou o primeiro

registro dos Aweti, localizando-os à época (1884) a cerca de uma hora e meia

a pé do porto do rio Curisevo, abaixo dos Mehinako e acima dos Kamayurá

(Steinen apud Coelho de Souza, 1942: 255).

A população em novembro de 2005 das dez casas da aldeia Aweti, segundo o

censo de nossa equipe, era de 88 pessoas, mas dados do AIS indicam um total

de 97 pessoas, o que confirma a recuperação demográfica do grupo, que

atingiu seu contingente mínimo nas décadas de 1940/1950: “Ao visitá-los, em

1947, Lima contou apenas 27 índios (Lima, 1955, p. 164, 169); Oberg (1953, p.

3-4) os calculou em 30 no ano seguinte. A epidemia de sarampo de 1954

custou-lhes oito vidas, reduzindo-os a 23 indivíduos (Silva, 1972, p. 257-258,

276). A partir daí começaram a recuperar-se: eram cerca de 45 por ocasião da

151

Page 152: Relatorio final paranatinga 12 05-06

pesquisa de Zarur em 1971 e 1972 (1975, p.7), e hoje atingem a marca dos 90,

retornando ao número de 1924 (Instituto Socioambiental, 1996, p. 7)”, quando

foram visitados pelo capitão Vicente de Paulo Vasconcelos. O chefe Aweti em

1924 era Avaiatú, além de Taiupala e Tanacu, mencionados como “capitães”.

Vasconcelos descreve um círculo de 50 m de raio em que se dispunham seis

casas elípticas bem construídas, mas não fala em casa das flautas, e estima a

população em 80 pessoas” (Coelho de Souza, 2001: 360) (Prancha 17).

Coelho de Souza refere-se aos Anumaniá, a quem os Aweti disseram ser seus

ancestrais na reunião realizada com a equipe: “Os enumania são arrolados por

Bastos (1989, p. 526, 533) como um dos diversos contingentes tupi que se

instalaram na região nos séculos XVIII e XIX, posteriormente incorporados

pelos Aweti (...). Os enumania, segundo o narrador kamayurá, são os

ancestrais dos aweti, e os wyrawat, um grupo de língua similar à kamayurá,

mas muito parecido com os aweti, que também absorveram seus

remanescentes” (Coelho de Souza, 2001: 361).

Durante reuniões realizadas junto aos Aweti por conta dos trabalhos da equipe,

os índios relataram trechos de sua história, com sucessivos deslocamentos até

se estabelecerem na atual localização:

“Então ele está dizendo que eles moravam lá divididos por quatro

aldeias. Um fica ao lado assim. Um fica assim. Um fica assim. Um fica

assim. E lá explicavam, né, que os brancos vieram atacar eles. Matavam

muita gente. Sempre os brancos vieram lá. Então, por causa disso

vieram pra cá, nesse local agora, no Xingu. Vieram descendo esse rio,

acho que Curisevo, vieram descendo e encontrou esse local aqui, que

nós estamos aqui agora. Os Enumania vieram aqui, viram esse lugar e

disseram pra eles pra eles ficar aqui. Eles falaram para ele: ó, é bom pra

vocês ficarem aqui. Aqui é um lugar bom. Aí os Enumania disseram pra

ele: não, nós vamos procurar mais pra lá. Eu acho que atravessaram

esse rio Tuatuari e foram pra lá pro lado. Fizeram uma aldeia lá. Aí não

gostou. Uns deles não gostaram também. Aí voltaram de novo nesse

152

Page 153: Relatorio final paranatinga 12 05-06

lugar. Aí eles abriram essa aldeia aqui grande, muito grande. E até hoje

nós Aweti que descendente de Enumania agora nós estamos vivendo

nesse local aqui. Ele disse que é nossa aldeia que morava, nosso bisavó

morava sempre aqui”.

153

Page 154: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 17 – Aldeia Aweti

154

Casa dos Homens, aldeia Aweti

Escola Estadual Aweti, desativada por risco de desmoronamento

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KALAPALO

Os Kalapalo habitam a margem direita do médio rio Xingu. Segundo diversos

pesquisadores, os Kalapalo ocupam a mesma região há séculos.

A denominação Kalapalo foi usada originalmente pela população local para se

referir ao local onde vivia determinado grupo (Basso, 2001: 294). De acordo

com essa autora, “os Kalapalo, como os entendemos hoje, parecem ser o

amálgama de indivíduos criados em grupos comunitários distintos, que

sobreviveram e se mantiveram unidos após epidemias e ataques inimigos que

dizimaram sua população” (idem: 295).

Segundo Villas-Boas, a área das atividades econômicas e de usufruto dos

recursos naturais Kalapalo se estende a leste e oeste do rio Culuene, no seu

médio e baixo curso, desde a foz do ribeirão Tuatuari até a embocadura do rio

Sete de Setembro.

A área de ocupação dos Kalapalo abrangia desde o alto curso do rio Culuene

até os locais de ocupação atual. Foram deslocados da região do alto Culuene

pelos Villas Boas em meados do século passado: “lá pra baixo antigamente

povo Kalapalo morava. Orlando fez assim: transferiu povo Kalapalo pra ficar

perto do Posto Leonardo. Por isso que povo Kalapalo tá morando aqui, nessa

aldeia. Se fosse hoje eu não ia sair da minha terra não” (depoimento de

Faremá Kalapalo, 15/11/2005).

A bacia do Culuene, segundo Faremá, “é uma região Kalapalo”, local onde

duas vezes por ano iam buscar uma pedra especial para furar os caramujos e

fazer os tão apreciados e valorizados colares. Nesta região existem plantas

medicinais e o local onde teve início o ritual do Kwarup, o Sagihenhu.

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Page 156: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Basso confirma que os habitantes das aldeias Kalapalo “freqüentemente

retornam a sítios relacionados com povoamentos antigos, que permanecem na

lembrança por causa dos recursos naturais utilizados por seus ancestrais no

passado”, o que legitima “a ocupação e utilização da terra, justificando o

retorno dos habitantes de Aiha e Tangugu [aldeias Kalapalo], ano após ano, a

determinados tratos florestais e lacustres, muito embora não mais residam

permanentemente nesses locais” (idem: 301).

Menget afirma que havia trocas de visita entre os Kalapalo e os Yaruma (de

língua Karib), sendo que em uma dessas visitas, quando a maioria dos homens

Yaruma fora convidado a dançar, foram massacrados. Os sobreviventes, cerca

de 30 pessoas, foram acolhidos e assimilados pelos Suyá (Menget, 2001: 49).

Já os Kamayurá fizeram o mesmo com os Arupatsi, tribo de língua tupi (idem:

50).

A aldeia Kalapalo Aiha tinha 255 habitantes distribuídos em 21 casas em

novembro de 2005 (Pranchas 18 a 20).

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Page 157: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 18 – Aldeia Kalapalo

157

Vista parcial da aldeia Kalapalo

Casa na aldeia Kalapalo

Vista parcial da aldeia Kalapalo

Vista parcial da aldeia Kalapalo. Ao centro, a Casa dos Homens

Vista parcial da aldeia Kalapalo

Page 158: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 19 – Outras edificações e áreas anexas a uma Aldeia Kalapalo

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Roça, aldeia Kalapalo

A Escola Estadual Central Karib, aldeia Kalapalo

Lagoa, aldeia Kalapalo

Porto da aldeia Kalapalo no rio Kuluene

Casa dos Homens, aldeia Kalapalo

Sistema de abastecimento de água da aldeia Kalapalo.

Page 159: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 20 – Práticas tradicionais Kalapalo

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Caramujo sendo trabalhado para virar colar

Preparação de Beiju. Aldeia Kalapalo.

O caramujo “verdadeiro”

Índia Kalapalo fazendo artesanato

Jirau com caroço de pequi, aldeia Kalapalo.

Preparo de saúvas, aldeia Kalapalo.

Page 160: Relatorio final paranatinga 12 05-06

KAMAYURÁ

Segundo os irmãos Villas-Boas os Kamayurá diziam ser originários da foz do

rio Paranajuva ou Suiá-Missu, num lugar que até hoje conserva o nome de

Uavitsá. Desse ponto empreenderam a subida do Xingu, o que fizeram em

etapas, levantando aldeias ao longo do rio.

A maior aldeia, nessa fase de movimento, recebeu o nome de Curuquiçá.

Depois de um longo período de calma começam a ser hostilizados por uma

poderosa nação de nome Tonorí, a qual vinha dos lados do rio Ronuro. Na

esperança de se verem livres desses ataques, os Kamayurá procuram ocultar-

se na mata, transferindo suas moradias para as cabeceiras de um córrego

afastado da margem do rio. Nessa nova aldeia viveram em tranqüilidade até

que foram novamente localizados pelos Tonorí. Depois de um tempo de

resistência mudaram-se a convite dos Waurá para junto destes, há

aproximadamente 200 anos, na região da lagoa Ipavu. Mais tarde os Waurá

mudaram-se de lá, mas os Kamayurá permanecem na região até hoje

(Pranchas 21 e 22).

Em meados do século XX, logo após a construção do Posto Capitão

Vasconcelos, hoje denominado Posto Indígena Leonardo Villas Boas (PIN

Leonardo), alguns grupos xinguanos, dentre esses os Kamayurá, migraram

mais ao sul instalando-se nas imediações do referendado PIN, com o objetivo

de serem beneficiados pelas políticas do órgão indigenista oficial.

Em 1971 os habitantes da aldeia em Ipavu somavam 131 pessoas, distribuídas

em 07 casas (Junqueira, 1975: 13). Desde o primeiro contato com Steinen, em

1887, a polulação Kamayurá variou daquelas 264 pessoas para 240 em 1938;

e 94 pessoas em 1954, quando foram atingidos por uma epidemia de sarampo.

Em 2002 somavam cerca de 355 pessoas (Unifesp) (Prancha 23).

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Page 161: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Na aldeia Ipavu vivem atualmente cerca de 280 índios em 15 casas, em sua

maioria Kamayurá. Existem diversos Kamayurá morando em outras aldeias do

Alto Xingu e na aldeia Morená (Prancha 24).

Foram visitadas e georeferenciadas algumas aldeias antigas próximas à aldeia

Kamayurá de Ipavu: Manhatop, Üiatup, Iamaturi. Também foi visitada a

localidade Nuiarê, à beira de Ipavu, onde existem 4 casas: a casa do Karitú

Kamayurá e mais 03 casas temporariamente desocupadas. Karitú tem muito

artesanato, cestaria, bancos de madeira zoomorfos, colares, rede de buriti.

Tem engenho manual no terreiro. Existem 10 roças nas imediações, com

mandioca e cana principalmente. De canoa a remo gastam-se cerca de três

horas até a aldeia Kamayurá.

A Aldeia Morená tinha 100 habitantes distribuídos em 10 casas em novembro

de 2005. Os principais produtos agrícolas produzidos são mandioca, milho,

melancia, cana de açúcar, coco, banana, macaúba. Existe projeto de manejo

de tracajás, que teve início em 2004, cujo responsável é Pablo Kamayurá.

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Page 162: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 21 – Lagoa Ipavu, antiga aldeia Kamayurá

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Ipavú, lagoa da aldeia Kamayurá

Local de antiga aldeia Kamayurá, à beira de Ipavú

Page 163: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 22 – Aldeia Kamayurá

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Posto de saúde, aldeia Kamayurá

Alojamento para visitantes, aldeia Kamayurá

Casa em construção do cacique Kotok Kamayurá

O pajé Takumã Kamayurá

Page 164: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 23 – Festa na Aldeia Kamayurá

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Festa na aldeia Kamayurá

Festa na aldeia Kamayurá

Festa na aldeia Kamayurá

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Prancha 24 –A aldeia Morená, etnia Kamayurá

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Vista parcial da aldeia Morená

Vista parcial da aldeia Morená

Casa na aldeia Morená

Casa na aldeia Morená

Vista parcial da aldeia Morená

Page 166: Relatorio final paranatinga 12 05-06

KUIKURO

Habitam a margem esquerda do médio Xingu, à jusante dos Kalapalo. Segundo

Villas-Boas habitam a mesma região que ocupavam no tempo da expedição de

Von den Steinen em 1884.

Nos últimos séculos assim como os Waurá, os Kuikuro reconstruíram várias

vezes as suas aldeias, mas sempre nas imediações da localização anterior.

(Schaden: 1965)

A aldeia Kuikuro tem 21 casas e cerca de 280 habitantes (Prancha 25).

Convivem com os Kuikuro, índios Kamayurá, Mehinako, Aweti, Kalapalo,

Matipu, Nafukuá, Yawalapiti. Os caciques são: Afukaká, Tabata, Jakalo.

Existem 05 pajés. Kalauaka disse que vendem cestos, rede, arco e flecha no

Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Cuiabá.

As outras aldeia Kuikuro são Lahatuá e Afukuri.

Durante a permanência da equipe em campo, ocorreu a festa da taquara, que

ocorre no período de outubro a abril, embora não tenha uma data específica

para ser realizada. Durante esta festa ocorrem várias danças, entremeadas

com atividades ligadas à obtenção e preparo do peixe para ser distribuído, na

Casa dos Homens (Prancha 26).

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Page 167: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 25– Aldeia Kuikuru

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Casa em construção, aldeia Kuikuro

Vista parcial, aldeia Kuikuro

Escola Estadual Central Karib, aldeia Kuikuro

Casa dos Homens, aldeia Kuikuro

Page 168: Relatorio final paranatinga 12 05-06

PRANCHA 26 – A3

168

Page 169: Relatorio final paranatinga 12 05-06

MATIPU

O cacique Iamatuá informou que têm 90 índios na aldeia Matipu, mas segundo

o censo realizado por nossa equipe, havia 100 moradores em novembro de

2005. O cacique relatou que “antigamente, minha avó nasceu numa aldeia

velha lá muito longe, no rio Buritizal. Aí na época de Orlando [Villas Boas]

trouxe eles pra cá. Eu nasci lá no Kalapalo, meu pai nasceu lá no Yaramü,

minha mãe nasceu na aldeia Kalapalo, córrego Itsú. Aí depois, época de

Orlando, aí nós vai a minha avó ajudar. Mudou pra cá, né, mudou. Foi pra cá.

Ele, todo mundo, o pessoal que pode: Kuikuro, Kalapalo, né. Aí nós também. Aí

vieram também Mehinaco, Waurá, Nahukuá. Todo mundo mudou pra cá, né.

Tudo aqui perto desse aqui Leonardo”.

Em 1977 vieram para as proximidades da atual localização, próximo à margem

direita do rio Xingu (Prancha 27). Os Matipu pescam com flecha e com anzol,

dizem não usar rede. De dezembro a março o rio está cheio, em abril começa a

baixar. De maio a outubro o rio seca. Nos meses de julho e agosto pescam

com timbó. Os principais peixes são: tucunaré, trairão, pintado, pirarara,

cachorro, piranha. Utilizam o utu – armadilha de pesca – e a ataca – armadilha

de pesca pequena e comprida (Prancha 28). Mulher grávida e o marido não

podem comer jaú, pirarara, piranha vermelha, mas podem comer jacu, mutum,

macaco, papagaio, arara, tracajá, tucano, pato.

Os principais produtos plantados são mandioca, milho, banana, abacaxi, cana

de açúcar, melancia (Prancha 29). Já os principais artesanatos produzidos

pelos Matipu são redes, cestos, esteiras, bancos de madeira, que também são

comercializados nos grandes centros urbanos (Prancha 30).

Durante a permanência da equipe em campo foi possível documentar uma

festa na aldeia Matipu, quando os homens realizaram pinturas corporais e

promoveram diferentes cantos e danças (Prancha 31).

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Page 170: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 27 – Aldeia Matipu

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Casa dos Homens, aldeia Matipu

Objeto zoomórfico em uma casa Matipu.

Casa da aldeia Matipu

Page 171: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 28 – Práticas tradicionais Matipu: pesca

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Preparo de peixes, aldeia Matipu

Peixes a serem consumidos

Page 172: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 29 – Práticas de cultivo dos índios Matipu

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Milho armazenado para plantio, aldeia Matipu

Índio Matipu mostra sua roça

Roça de mandioca, aldeia Matipu

Page 173: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 30 – Práticas tradicionais Matipu: fiação

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Índia Matipu fiando

Fabricação de rede

Fabricação de rede, aldeia Matipu

Page 174: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 31 – Práticas tradicionais Matipu: festas

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Festa na aldeia Matipu

Índio Matipu se prepara para a festa

Festa na aldeia Matipu

Page 175: Relatorio final paranatinga 12 05-06

NAHUKUÁ

Os Nahukuá formam um pequeno grupo que vive à margem direita do rio

Xingu. Devido à depopulação causada pelas doenças introduzidas pelos não-

indios, os Nahukuá e os Matipu, bastante reduzidos, fundiram-se numa só

aldeia. Isto ocorreu em meados de 1955.

Segundo Dole, Steinen, em visita aos Nahukwá, “observou muitas mulheres

mehinako vivendo entre eles e percebeu forte influência aruak na cultura e na

língua nahukuá” (Dole, 2001: 76).

A missionária americana Martha Moennich relatou que na década de 1930 os

Nahukuá haviam atacado os Kayabi com auxílio dos Trumai, obrigando-os a se

deslocarem para o rio Curisevo (in Menget, 2001: 82). Nesta época os Ikpeng

capturaram um Nahukuá de doze anos de idade.

De acordo com Castro (1977), os Nahukuá e os Matipú tinham uma aldeia

conjunta, mas os Matipu mudaram-se em meados de 1976 para um sítio mais

ao sul, próximo aos Kuikuro (Prancha 32).

A aldeia Nahukuá tinha 105 habitantes distribuídos em 13 casas em novembro

de 2005. Os Nahukuá chegaram a ser considerados extintos na década de

1950. Entre 1947 e 1949 eram 28 pessoas; em 1953, entre 35 e 44; em 1963,

eram 51; e em 1977, 69 pessoas (Picchi, 2003).

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Page 176: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 32 – Aldeia Nahukuá

176

Casa na aldeia Nahukuá

Posto de saúde, aldeia Nahukuá

Vista parcial da aldeia Nahukuá

Casa na aldeia Nahukuá.

A escola na aldeia Nahukuá, instalada na casa do professor

Page 177: Relatorio final paranatinga 12 05-06

MEHINAKO

Os Mehinako têm suas aldeias localizadas à margem esquerda do rio Curisevo,

ao sul dos Yawalapiti, no curso médio do Tuatuari (Prancha 33). Segundo

Schaden (1965), os Mehinako fundaram em 1931 uma aldeia nova na margem

direita do Curisevo. Vivem entre o rio Tuatuari e o Curisevo desde tempos

imemoriais. Freqüentemente mudam a localização de suas aldeias por razões

de subsistência ou guerra, mas nunca viveram fora da região que habitam

atualmente, nas proximidades de um afluente pantanoso do rio Tuatuari, a

cerca de três horas de canoa do PIN Leonardo.

A população indígena em novembro de 2005 das 09 casas da aldeia Mehinako

era de 98 pessoas. Estima-se que a população da nova aldeia Mehinako seja

de cerca de 100 pessoas (Prancha 34).

O artesanato produzido pelo grupo é comercializado em grandes centros

urbanos, como São Paulo, Brasília, Cuiabá por vários índios Mehinako.

Principais produtos: makulataï – banco grande zoomorfo; maiaku – cesto

grande e maiakutai – cesto pequeno; tuapi – esteira; pá de beiju; cerâmica.

177

Page 178: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 33 – Aldeia Mehinako

178

Vista parcial da aldeia Mehinako

Vista parcial da aldeia Mehinako

Interior de uma casa, aldeia Mehinako

Casa na aldeia Mehinako

Page 179: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 34 – Edificações diversas, aldeia Mehinako

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Escola Municipal Madri Mehinako

Sistema de abastecimento de água, aldeia Mehinako

Posto de Saúde, aldeia Mehinako

Page 180: Relatorio final paranatinga 12 05-06

WAURÁ

A aldeia Waurá localiza-se nas proximidades da lagoa Piyulaga, a qual é ligada à

margem direita do baixo curso do rio Batovi (Tamitatoála) (Prancha 35). Segundo

Villas-Boas há quase dois séculos os Waurá ocupavam as margens da Lagoa

Ipavu, acima da confluência do rio Ronuro, atual localização da aldeia Kamayurá.

Mais tarde os Waurá transferiram-se para o rio Batovi, entre o Batovi e o Curisevo.

Tanto os Waurá em relatos orais quanto fontes históricas confirmam o estado

de permanente tensão em que vivia a aldeia Waurá em função de conflitos com

outros grupos indígenas até meados do século XX. Seus principais inimigos

eram os Suyá, Juruna e Ikpeng. De fato, Ireland afirma que “os mais velhos

contam que, em tempos antigos, os waurá viviam constantemente ameaçados

por esses inimigos, e a aldeia nunca dormia sem um sentinela a postos para

evitar qualquer ataque surpresa” (Ireland, 2001: 259).

O contato com não-índios ocasionou diversos surtos de doença no final do

século XIX e em 1954. A primeira destas epidemias (por volta de 1890) reduziu

a população Waurá de tal forma que das três aldeias então existentes, o grupo

se viu reduzido a uma só. Após esta epidemia os Waurá deslocaram-se para o

sítio da atual aldeia, cerca de dois dias de viagem rio abaixo (Idem: 269). A

segunda epidemia, de sarampo, em 1954, reduziu drasticamente a população

Waurá: especialistas calculam uma redução na ordem de 20 a 50% da

população total. De acordo com Ireland, “o desastre permanece uma referência

tão importante em sua história, que os Waurá geralmente dividem os tempos

recentes em duas fases: ‘antes e depois do sarampo’” (ibid).

Item de destaque na cultura material Waurá, a cerâmica é altamente valorizada

e constitui o principal produto de troca com outros povos indígenas, bem como

é comercializada em diversos centros urbanos (Prancha 36). Outrora era

especialmente em busca de cerâmica e mulheres que outros grupos

empreendiam ataques aos Waurá.

180

Page 181: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 35 – Aldeia Waurá

181

Vista parcial da aldeia Waurá

Igarapé, aldeia Waurá

Casa, aldeia Waurá

Posto de saúde e escola, aldeia Waurá

Escola, aldeia Waurá

Page 182: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 36 – Cerâmica Waurá

182

Preparo de cerâmica, aldeia Waurá

Queima de panela, aldeia Waurá

Mulher Waurá fazendo cerâmica

Cerâmica Waurá

Preparo de cerâmica, aldeia Waurá

Page 183: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Além da intensa fabricação de peças em cerâmica, os Waurá também

produzem cestaria, adornos plumários, máscaras rituais, colares, pulseiras,

arcos e flechas, dentre outros.

A base da alimentação dos Waurá é o beiju, preparado com a farinha de

mandioca, e o peixe, obtido em constantes pescarias promovidas pelos

homens da aldeia (Prancha 37).

Durante nossa estada na aldeia, teve início a festa do pequi, que durou 08 dias.

Esta festa aconteceu no mês de novembro, época em que o fruto é colhido. A

festa tem início com a dança do beija-flor, realizada por dois homens, que

saem do centro da aldeia em direção a cada uma das casas e, delas, trazem

mulheres e crianças que acompanham a dança. Chegando ao centro da aldeia,

as mulheres retornam para suas casas em busca de comida: uma grande

panela de polpa de pequi, um grande beiju na esteira e outra grande panela

com mingau de peixe desfiado.

A festa termina quando todas as casas foram visitadas e todas as comidas

depositadas no centro da aldeia. Então as mulheres pegam parte da comida e

levam de volta para suas casas, a fim de partilhar com os filhos. Os homens

permanecem no centro da aldeia, onde irão partilhar a fartura de alimentos.

Depois de comer, os homens untam seus corpos com óleo de pequi misturado

com urucum e iniciam nova dança, da qual participam todos os membros da

aldeia (Pranchas 38 e 39).

183

Page 184: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 37 – Práticas alimentares Waurá

184

Índia Waurá prepara beiju

Beiju e peixe: base da dieta Xinguana

Peixe assado, aldeia Waurá

Armadilha de pesca

Índio Kalapalo coleta gafanhotos como isca para pesca.

Page 185: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 38 – Práticas tradicionais Waurá: coleta e preparo do pequi

185

Coleta de pequi, aldeia Waurá

Mulheres Waurá vão coletar pequi

Preparo de pequi, aldeia Waurá

Cacique Atamai Waurá coleta pequi

Mingau de pequi

Homens Waurá dançam na festa do pequi

Page 186: Relatorio final paranatinga 12 05-06

PRANCHA 39- A3

186

Page 187: Relatorio final paranatinga 12 05-06

YAWALAPITI

Segundo Coelho de Souza, “Steinen encontrou os yawalapiti vivendo à beira de

uma lagoa, Uyá, ‘cercada de belos buritis’, que fazia parte do mesmo sistema

de canais e lagoas, entre a margem esquerda do Culiseu e o Tuatuari, a que se

conectavam as aldeias aweti e kamayurá. Petrullo, em 1931, visitou-os no

mesmo lugar. Em algum momento da década seguinte, porém, os yawalapiti

deixaram de existir como grupo local: os membros da ERX [Expedição

Roncador Xingu] encontraram-nos na década de 40 dispersos em diferentes

aldeias xinguanas (...)” (Coelho de Souza, 2001: 374)

Em 1946 os Yawalapiti estavam dispersos por várias aldeias de outros grupos

e, com a ajuda dos irmãos Villas-Boas, reuniram-se novamente numa só aldeia

(Viveiros de Castro 1977). Segundo Malcher (1964), os remanescentes dos

Yawalapiti que estavam dispersos entre os vários grupos xinguanos reuniram-

se em uma nova aldeia, entre os Aweti e os Mehinako, margem esquerda do

Curisevo.

De acordo com Castro, os Yawalapiti em tempos antigos tiveram sua aldeia

situada entre o atual PIN Diauarum e o travessão Morená, e de lá teriam saído

devido a ataques dos Trumai, os quais dizimaram muitos Yawalapiti.

Atualmente os Yawalapiti ocupam uma aldeia à margem esquerda do Xingu, na

foz do rio Tuatuari, próximo ao PIN Leonardo. A aldeia é composta por 17

casas, sendo que 09 delas queimaram em um acidente ocorrido em agosto de

2005. Os índios se encontram abrigados em barracos de lona desde então.

Devem iniciar a reconstrução das casas tradicionais em 2006 (Prancha 40).

A atual aldeia Yawalapiti apresenta uma diversidade étnica expressiva, uma

vez que nela convivem índios Kuikuro, Waurá, Kamayurá, Mehinako e apenas

06 falantes da língua Yawalapiti, uma vez que as crianças falam a língua de

sua mãe.

187

Page 188: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 40 – Aldeia Yawalapiti

188

Vista parcial da aldeia Yawalapiti

Casa provisória do cacique Aritana. Oito casas da aldeia Yawalapiti foram destruídas

pelo fogo em agosto de 2005

Casa dos Homens, Aldeia Yawalapiti

Casa na aldeia Yawalapiti

O cacique Aritana Yawalapiti

Page 189: Relatorio final paranatinga 12 05-06

TRUMAI

Grupo indígena não originário do Xingu, os Trumai teriam chegado à região na

primeira metade do século XIX. Monod-Becquelin e Guirrardelo afirmam que

“acredita-se que os trumai tenham vindo de uma região localizada a sudeste do

rio Xingu, entre este e o Araguaia” e teriam se mudado para o Xingu por

sofrerem ataques dos “assumadi”, provavelmente os Xavante (Monod-

Becquelin e Guirrardelo, 2001: 402). Segundo o relato oral dos Trumai, a

mudança teria sido conduzida por dois chefes, que se desentenderam no

caminho, gerando a cisão do grupo. Um grupo, liderado pelo chefe Arikajá

resolveu voltar para sua antiga aldeia, enquanto o outro, liderado por Awaturi

seguiu, provavelmente pelo rio Tanguro, até atingir Xingu (idem: 407).

Chegando na região, “foram morar no lugar que se tornou a aldeia Karajajan.

Depois se mudaram para Anariá, e, em seguida, Morená, depois Awara’i.

Voltaram para Anariá e passaram a ter também a aldeia Urukutu, e depois

Waniwani” (ibid.).

De fato, na reunião os índios se referiram as seguintes aldeias antigas: Anaria

(acima, tem caminho), Waniwani, Atixitixi – Tan.

A adaptação dos Trumai no Alto Xingu incluiu a mudança de alguns hábitos

dos mesmos, bem como a absorção de algumas tradições suas pelos

xinguanos, como as festas do Javari e Tawarawana. O hábito de dormir em

redes foi adquirido no Xingu, supostamente dos Kamayurá, uma vez que

tinham o hábito de dormir em esteiras. Relata-se que “os Trumai pré-xinguanos

não consumiam a mandioca nem o milho. Dormiam em tapetes; utilizavam

como armas a borduna e o propulsor de flechas. Os homens usavam estojo

peniano e cabelos compridos; as mulheres usavam uma faixa que envolvia a

cintura, passando entre as pernas. Após viverem no Alto-Xingu por certo

tempo, os Trumai começaram a incorporar hábitos comuns aos povos da área.

Passaram a usar arcos e flechas, redes e a se alimentar de mandioca e outros

produtos locais. As mulheres substituíram a faixa tradicional pelo uluri e os

189

Page 190: Relatorio final paranatinga 12 05-06

homens passaram a cortar o cabelo e adornar o corpo da mesma forma que os

demais povos alto-xinguanos” (ISA, 2004, 04).

Detentores do monopólio da fabricação de machados de pedra (daka), os

Trumai os trocavam com panelas Waurá, iam buscar longe as pedras. Menget

afirma que os Trumai detinham o monopólio da tecnologia dos machados de

pedra, pois eram os únicos que conheciam o seu local de ocorrência no rio

Xingu. Segundo ele, “essa pedra era obtida no leito do Xingu, a algumas horas

de canoa do triplo confluente; mas, entre 1850 e 1920, os Trumaí foram

progressivamente expulsos da região pelos Suyá” (Menget, 2001: 54).

Segundo Schaden (1965), os sobreviventes Trumai, ao serem derrotados pelos

Suyá (1884), abandonaram temporariamente o seu território à margem direita

do Xingu, logo abaixo da embocadura do Curisevo, passando o pequeno grupo

a morar sucessivamente perto de outras tribos, as quais lhes davam proteção,

até que em 1931 passaram para o lado do Batovi e do Xingu.

Segundo Galvão (1953), os Trumai já estiveram no Xingu, em região próxima

aos Kalapalo; ainda neste rio, próximo aos Kamayurá, no Curisevo, junto aos

Mehinako e, mais tarde, em zona vizinha aos Aweti. Seu território tradicional e

ao qual retornaram é a margem direita do Xingu, numa faixa compreendida

entre a confluência deste rio com o Curisevo e o travessão Morená, situado

duas léguas rio abaixo, no Xingu propriamente dito.

A aldeia Boa Esperança tinha 37 habitantes distribuídos em 05 casas em

novembro de 2005. Moram na atual localização da aldeia Boa Esperança

(margem esquerda do rio Xingu) desde 1995. O sistema de abastecimento da

aldeia é composto por um poço artesiano de 40 metros de profundidade com

energia solar que abastece uma caixa d’água de 02 mil litros (Prancha 41).

Encontra-se em andamento um projeto de apicultura desenvolvido em conjunto

com o ISA, existem seis caixas com colméias de abelha europa, mandam para

a ATIX, vendem o litro a R$ 16,00.

190

Page 191: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Além das demais aldeias no PIX (Terra Preta, Steinen, Terra Nova e

Cristalina), existem vários Trumai morando em centros urbanos da região,

especialmente Canarana, onde, segundo Arwaivi, morariam mais índios que no

próprio PIX.

191

Page 192: Relatorio final paranatinga 12 05-06

PRANCHA 41 – A3

192

Page 193: Relatorio final paranatinga 12 05-06

IKPENG

Os Ikpeng (ou Txicão) chegaram ao PIN Leonardo em 1967, vindos do Oeste,

da bacia dos rios Teles Pires e Juruena, com afinidades amazônicas em

termos culturais. Menget descreve o deslocamento dessa sociedade indígena a

partir da própria tradição dos Ikpeng, uma vez que não existem referências

escritas anteriores a sua chegada ao Parque do Xingu.

Os índios relataram que, em tempos remotos, possuíam muitos inimigos e um

grande aliado, da tribo dos Tchipaya, habitantes das margens do Igpa, As suas

relações com os Tchipaya eram amistosas e continuadas, embora os Txicáo

contem que aprisionaram e criaram um grupo desta tribo (...)” (Menget, 2001:

74). Menget afirma que, “posteriormente, os Tixcáo vão morar numa região

marcada por muitos riachos convergentes, onde se guerreiam contra vários

outros grupos”, mas não consegue identificar em qual região se localizam as

antigas aldeias (Menget, 2001: 75). Os Ikpeng travam uma série de batalhas

contra vários grupos indígenas e ao serem “deslocados pelos adversários, por

sua vez deslocados pelo avanço da frente de colonização ao longo do Teles

Pires, pouco antes de 1900, os Txicáo atravessam a Serra Formosa, barreira

natural insignificante que assinala a linha de partilha de águas entre as bacias

do Teles Pires-Juruena e o Alto Xingu” (Menget, 2001: 78). Menget conclui que

os Ikpeng chegaram ao Alto Xingu “depois de uma permanência de várias

dezenas de anos no Alto Tapajoz, saídos da região do Iriri durante a primeira

metade do século XIX” (Menget, 2001: 82).

As cerca de 12 aldeias Ikpeng ocupadas durante a primeira metade do século

XX situavam-se todas perto de pequenos afluentes do rio Jatobá ou do Batovi,

aproximadamente a 13º graus de latitude Sul, de acorde com Menget (Idem:

101).

193

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Em 1960 os Ikpeng organizaram uma expedição guerreira a uma aldeia Waurá

e raptaram duas jovens mulheres. Os Waurá, por sua vez, pedem ajuda a

outros grupos Xinguanos e a um não-índio, que os municia com armas de fogo.

Organizam então uma expedição, “composta por uma dezena de homens

equipados com armas de fogo, [que] apanha os Txicáo de surpresa na sua

aldeia, abate doze deles, todos adultos”, mas não conseguem recuperar as

moças raptadas. Desta forma, os Txicão perdem em poucos meses a metade

de sua população e começa um período extremamente difícil para o grupo, pois

têm que se refugiar na região do baixo curso do rio Jatobá e ficam sem

mandioca para o consumo (Menget, 2001: 104). Em 1964 os Villas Boas os

encontram em precárias condições e os Txicão, pressionados pelas frentes de

expansão da sociedade nacional e acometidos por doenças, aceitam a

mudança para o Parque Indígena do Xingú em 1967 (idem: 105). Com a

instalação no PIX, os Txicão entram em uma fase de dependência, pois

passam a receber assistência alimentar e médica do PIN Leonardo.

A relação entre os Ikpeng e os Waurá, marcada pelos conflitos mútuos, muda

substancialmente após a instalação dos primeiros no PIX, pois “foi com os

Waurá – antigos inimigos privilegiados – que os Txicáo conseguiram

estabelecer melhores relações. Os Waurá, por sua vez, continuam a não gostar

dos Txicáo, mas aceitam as trocas e reconhecem, ainda que a contragosto, o

valor dos Txicáo, ou seja, temem o poder da sua feitiçaria” (Menget, 2001: 109-

110). Desta forma, os Txicão transformam “os antagonismos resultantes do seu

passado guerreiro numa situação de relativo equilíbrio, através do jogo de

alianças matrimoniais” (ibid.).

Menget designa Arará o grupo dialetal e tribal que compreende as sociedades

Ikpeng, Yaruma, Apiaká e Arara (idem: 87). Segundo ele, a guerra é o traço

dominante entre estes grupos e explica seus deslocamentos e mobilidade

(idem: 93). Refere-se à antropofagia, supostamente associada aos Ikpeng por

grupos rivais, que é desmentida por estes, segundo Menget.

194

Page 195: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Os Ikpeng declararam à Menget que também fabricavam cerâmica, mas que

era bastante diferente daquela que é fabricada até os dias atuais por alguns

grupos Xinguanos. Explicaram-lhe a seleção da argila, “a junção à massa de

um agente endurecedor (cinzas de casca de árvore, em vez das esponjas

fluviais que usam os Waurá) e a forma de cozedura. Consideravam a cerâmica

que encontráramos [parecida com a que os próprios Ikpeng fabricavam] frágil e

consideravelmente feia, preferindo de longe correr o risco das pilhagens dos

inimigos a contrariar o seu sentido estético” (Menget, 2001: 95). Conclui o autor

que “este episódio mostra-nos que mais vale acreditar no que se ouve do que

naquilo que se vê; e que a cultura material é uma realidade em grande parte

ideal, e a forma como é revelada dependerá tanto dos acasos da conversa

como da habilidade e savoir-faire de quem interroga” (idem: 96).

A aldeia Moygo (margem esquerda do rio Xingu) tinha cerca de 192 habitantes

distribuídos em 12 casas em novembro de 2005 (Pranchas 42 e 43). Existem

muitos Ikpeng morando no PIN Pavurú, cerca de 100 pessoas, segundo

informações de Korotowï. Na aldeia Moygo, além de Ikpeng, moram índios

Waurá, Kayabi.

195

Page 196: Relatorio final paranatinga 12 05-06

PRANCHA 42-A3

196

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Prancha 43 – Práticas tradicionais Ikpeng

197

Índio Ikpeng com macaco aranha defumado

Mulher Ikpeng mostra armadilha de pesca

Mulher Ikpeng mostra armadilha de pesca

Galinheiro, aldeia Moygo

Índio Ikpeng mostra couro de irara, utilizado ritualmente

Page 198: Relatorio final paranatinga 12 05-06

KAYABI

A língua Kayabi pertence ao tronco linguístico Tupi. Foram pacificados pelo SPI

entre 1924 e 1942, na região dos rios Verde e São Manoel. A chegada da

frente de expansão da sociedade nacional os levou a mudarem-se

freqüentemente.

Há poucas décadas os Kayabi ocupavam um território bastante extenso entre

os rios Arinos e dos Peixes, e o médio Telles Pires. “Naquele tempo, então,

eram seus vizinhos (e inimigos) tradicionais os Apiaká e Munduruku, ao norte;

os Rikbaktsa, no baixo Arinos, a oeste; os Tapayuna ou Beiço-de-Pau, no

Arinos, a sudoeste; os Bakairi, ao sul, nas cabeceiras do Paratininga; os Kren-

akarore ou Panará, a oeste”(Dornstauder, 1933; Steinen, 1940; Villas Boas,

1994, In: Proc. FUNAI nº 3143/2002, p. 146).

Esse grupo resistiu com vigor à invasão de suas terras por seringalistas desde

o final do século XIX. Foi nos anos 1950, que a região do Arinos, Telles Pires e

dos Peixes foi retalhada e transformaram as terras em fazendas, obrigando

assim aos Kayabi a se dividirem em três grupos. A maior parte mudou-se para

o Parque Indígena do Xingu, onde acabaram se destacando através da

agricultura diversificada e sólida. Segundo Klinton Senra, a origem do nome

Kayabi perde-se no tempo e hoje os próprios índios não sabem dizer de onde

surgiu esse nome e qual o seu significado.

Após esse processo de separação, os Kayabi se sentiram muito arrependidos

de terem deixado pra trás as suas terras imemoriais. A menor parte da

população, que se recusou a sair da região do Tatuy, divide uma pequena faixa

de terra com poucos remanescentes Apiaká, a outra pequena parcela vive no

baixo Telles Pires, essa Terra Indígena está localizada no Pará, para onde

acabaram sendo empurrados nesse processo de esbulho que aconteceu em

suas terras (T.I Kayabi e T.I Kayabi Gleba Sul).

198

Page 199: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Foram transferidos, em 1955, da região do rio Teles Pires para a confluência

do rio Mamitsuá Missu com o rio Arraias e, em 1960, foram deslocados para a

foz do rio Suiá Missú com o rio Xingu, próximo ao Posto Indígena Diauarum.

Com o passar dos anos, foram se deslocando e construindo pequenas aldeias

ao longo do rio Xingu. As primeiras aldeias situadas à margem direita do rio

Xingu foram Arangue, Tuim e Urimis, no ano de 1959, seguidas de Maciá e

Kuéca, três anos depois.

Segundo Malcher (1964), os Kayabi eram um grupo em contato intermitente

com alguns grupos isolados e que tinham diversas aldeias no noroeste de MT,

no rio dos Peixes, afluente direto do Arinos nos rios Verde e Teles Pires. Foram

compelidos a transferirem suas aldeias, uma vez que suas terras foram

vendidas pelo estado do Mato Grosso a diversas empresas imobiliárias,

mudaram-se novamente para a região do Manitsauá, afluente esquerdo do

Xingu.

A seguir quadro demonstrativo da situação dos Kayabi, no ano de 1999.

Terra Indígena Superfície Município Situação Legal

T.I Apiaká-Kayabi 109.245 ha Juara, MT Homologada em 1991

T.I Kayabi I 1.408.000 haJacareacanga/PA e Apiacás/MT

Identificada (publicada no DOU e sujeita as contestações à espera de portaria ministerial).

Parque Indígena do Xingu

2.642.003 ha

São José do Xingu, São Félix do Araguaia, Querência, Canarana, Gaúcha do Norte, Paranatinga, União do Sul, e Marcelândia.

Homologada, 1991 e registrada.

Fonte: Kayabi: Enciclopédia Povos Indígenas no Brasil – ISA, 1999, p. 3

199

Page 200: Relatorio final paranatinga 12 05-06

As três regiões ocupadas atualmente pelos Kayabi não são homogêneas do

ponto de vista ambiental, histórico ou sociocultural.

Estima-se que a população dos Kayabi fique em torno de 1.000 pessoas.

Destas, 756 residem no PIX (UNIFESP-DMP, 1997). Dados da FUNAI de 2004

indicam uma população de 745 pessoas no PIX. Antes da transferência para o

PIX, os Kayabi construíam as suas casas de forma que pudessem abrigar toda

a família extensa. Essas construções chegavam a medir 12 metros de largura

por 24 de comprimento, com cobertura de palha até o chão. Quando foram

transferidos para o PIX, as unidades que passaram a construir mediam a

metade dessas antigas construções. Atualmente estão voltando a construir

suas casa no formato das construções tradicionais, que já podem ser vistas em

algumas de suas aldeias no PIX.

O grupo Kayabi mantem uma forte tradição na agricultura, mesmo após sua

transferência de seu território tradicional para um novo território. A horticultura

é bastante diversa. Como na maioria dos grupos, existe um calendário que

segue o período da derrubada (maio, junho), queimada (agosto) e a época do

plantio que compreende os meses de setembro e outubro. Já os períodos das

colheitas dependem da cultura. A sua alimentação é bastante diversificada tal

qual o seu sistema de agricultura. Seu consumo alimentar baseia-se na farinha

de mandioca e peixes, que vêm a ter um complemento de beijus, de mingaus a

base de mandioca, do milho, amendoim, banana e etc.

Em sua cultura material, se destacam pela confecção de peneiras, apás (um

tipo de peneira) e os cestos (confeccionados pelos homens) e ornamentados

com uma grande variedade de complexos de padrões gráficos, que

representam a sua cosmologia e mitologia. Antigamente, todos os Kayabi

exibiam tatuagens faciais que obedeciam alguns padrões básicos, diferentes

para o homem e a mulher. Elas eram confeccionadas no início da puberdade e

assim como os nomes, as tatuagens serviam ao mesmo tempo como

200

Page 201: Relatorio final paranatinga 12 05-06

mecanismo de identificação pessoal e grupal, pois cada indivíduo possui vários

nomes.

As lutas dos Kayabi de hoje são outras e exigem novas armas. O PIX vem se

tornando uma ilha verde no meio da crescente poluição e devastação

ambiental, em específico dessa região do MT. A devastação que vem

acontecendo no entorno provoca a ameaça de incêndios, poluição nos rios,

onde as populações que habitam o PIX se abastecem, além de um gama

enorme de problemas. Hoje, eles estão certos de que somente uma

organização política pode ser o meio de lutar pela preservação da sua

diversidade cultural, ambiental, reprodução física e social.

201

Page 202: Relatorio final paranatinga 12 05-06

SUYÁ

Do ramo norte da família Jê, que inclui os Kaiapó, entre outros, não existe uma

data prevista para a chegada dos Suyá no Xingu. Em alguns trabalhos

publicados sobre a etnia a estimativa é de mais de 200 anos atrás, mais

precisamente na primeira metade do século XIX. As relações entre os Suyá e

os grupos que lá encontraram ocilaram entre momentos pacíficos e hostis.

Os Suyá habitavam o curso inferior do rio Suiá-Missú. Como outros grupos do

Xingu e seus formadores foram transferidos para a área do PIX pelos irmãos

Vilas-Boas.

Segundo relato Bakairi existente, os Suyá teriam outrora habitado no rio Verde,

de onde foram expulsos por uma ação conjunta dos Bakairi e dos Kayapó.

Foram pacificados por volta de 1960, época em que mudaram suas aldeias

para dentro do PIX.

Segundo os Kamayurá, os Suyá irromperam na região pelo rio Ronuro, há

muito tempo, entrando em luta com os Trumai. Hostilizados, foram se

deslocando Xingu abaixo, indo permanecer por muito tempo na altura da foz do

rio Paranajuva (Suiá-Missu). O lugar escolhido, na margem direita do rio e dois

quilômetros, aproximadamente, abaixo da foz do Suiá-Missu, tomou o nome de

Diauarum (Onça Preta), ponto em que Von den Steinen os encontrou em 1884

quando descia o rio Xingu.

Segundo os irmãos Villas-Boas, de acordo com a história dos antigos

movimentos da tribo, os antepassados viviam muito a leste do Xingu, de onde

emigraram, descrevendo na sua trajetória um grande arco projetado para o

norte, tendo depois de muitas interrupções chegado à foz do rio Maritsauá-

Missu. Nessa altura o grupo se dividiu em duas metades, tendo a primeira

202

Page 203: Relatorio final paranatinga 12 05-06

descido o rio Xingu e a outra subido o Maritsauá, e posteriormente se fixando

abaixo do rio Ronuro.

De acordo com Anthony Seeger, a sociedade Suyá não foi fundada por um

criador ou um herói cultural. Nem seus princípios básicos foram formulados por

um legislador. Ao invés disso, ela se deu em uma série de episódios

envolvendo seres humanos. A sociedade Suyá tomou uma forma através da

apropriação de traços específicos de animais e de inimigos de índios, ou seja,

a apropriação do que era bonito de outros seres. Assim, na cosmologia Suyá o

fogo (e a prática de cozinhar alimentos) foi obtido do jaguar; o milho (e a prática

de plantar roças) foi obtido do camundongo; e o sistema de nomeação (básico

para a identidade social e para todas as cerimônias) foi obtido de um povo

inimigo que vivia debaixo da terra. Mais tarde os Suyá encontraram uma tribo

muito parecida com eles, que usavam discos labiais e que cicatrizavam seus

corpos.

Após esse contato com outras sociedades xinguanas, acabaram incorporando

muitos costumes e tecnologias alheias. Porém, jamais abriram mão da sua

singularidade plural, cuja principal característica é reconhecida através de seu

canto singular, o canto ritual, a sua expressão máxima de individualidade e do

modo de ser um Suyá. Há algumas décadas, uma outra marca do povo Suyá

eram os grandes discos labiais e auriculares que, além de ornamentos,

denominavam a importância do canto e do ouvir para o povo Suyá. Canções

essas que os diferenciam, foram aprendidas de inimigos míticos e índios Suyá

em processo de transformação em animais da floresta como o veado ou a

queixada. Um dado importante que não pode-se deixar de mencionar, é que

existem duas coisas importantes na organização social dos Suyá, que nunca

foram modificadas: a aldeia é grande e é em forma circular e a regra de

residência é uxorilocal. A população Suyá está estimada em 334 pessoas

(dados populacionais 2002).

203

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São coletores de pequi, de mel silvestre e de gramíneas para a confecção de

hastes de flechas. Usam redes para dormir (estas confeccionadas pelas

mulheres Suyá), feita em fibras de inajá e/ou algodão. Plantam mandioca,

milho, feijão fava. Fazem beijus, comem palmito (inajá), coco, bananas, ovos

de tracajá. Pescam os peixes com flechas (tucunaré, traíra, paca, jaraqui) e

com timbó, comendo estes moqueados. O plantio de mandioca é uma tarefa

masculina, cabendo às mulheres o plantio do milho. O uso do botoque labial,

distintivo este do homem casado, está em desuso atualmente.

A história do povo Suyá é composta de uma longa série de conflitos com outros

grupos, em determinados momentos não se saiam bem, mas acabaram

sobrevivendo ao longo dos tempos. Pois, quando eles atacavam outros grupos,

tentavam capturar mulheres e crianças. Por um longo tempo os Suyá

incorporaram mulheres de outras etnias e consequentemente as suas mulheres

foram incorporadas por outros grupos. Esse período constitui desde o período

de grandes deslocamentos, pois concordam que vieram da região norte do

Tocantins ou do Maranhão. Partindo desse pressuposto vieram em direção

oeste, atravessando o rio Xingu para o Tapajós, onde se deu o início das lutas

com vários grupos indígenas e em meio a essas lutas uma parte desse grupo

deslocou-se para o sul e um outro grupo moveu-se para a direção dos rios

Sangue e Arinos (denominados posteriormente de Tapayuna).

“Sofrendo novos ataques, os Suiá deslocaram-se mais pra cima no Suyá-

Missu, perto da foz do rio Wawi, um afluente na margem esquerda. Sua nova

aldeia era grande, com duas “casas de homens”, construída no modelo

estritamente jê. Ela foi atacada por um grupo juruna e seringueiros armados

com rifles, sendo completamente destruída.” (Enciclopédia Povos Indígenas no

Brasil – ISA, p.03). Este período é lembrado como de intenso contato com o

Alto Xingu, sendo bastante influente na “xinguanização” do povo Suyá.

O ano de 1959 é referido pelo povo Suyá: “quando os brancos vieram nos

procurar, essa intermediação pacífica foi feita por um grupo Juruna a mando

204

Page 205: Relatorio final paranatinga 12 05-06

dos irmãos Villas Boas. Após esse primeiro contato, mudaram-se para perto do

Posto Indígena Diauarum, por sugestão dos irmãos Villas Boas, para que

pudessem receber cuidados médicos. Durante mais de 100 anos de contato

com o Alto Xingu, os Suyá aprenderam a usar uma quantidade considerável da

tecnologia xinguana sem, no entanto, abandonar a sua própria. Antes de 1959

os Suyá adotaram uma série de outros traços como: traços lingüísticos,

ornamentação corporal e cerimoniais. Pois, quando foram contactados, os

Suyá estavam vivendo em duas aldeias, resultado de uma divisão ocorrida

alguns anos antes. Logo após esse contato, mudaram-se para mais perto do

posto Diauarum, mas demorou para que essas duas facções voltassem a viver

em um só grupo e lá encontraram os seus velhos inimigos: os Juruna, os

Trumai e os Metuktire e os Kayabi que na ocasião estavam se mudando para a

região. Uma das facções casou-se quase que imediatamente entre os Trumai.

Depois de um tempo os Suyá construíram uma única aldeia circular: cinco

casas e uma casa dos homens. “O casamento inter-tribal entre os Suyá e os

Trumai foi muito diferente das incorporações prévias de cativos, porque foram

os homens Trumai que vieram viver com as suas esposas Suyá na aldeia

Suyá” (Seeger, 1980:25).

A partir dos anos 1960, os jovens passaram a cortar o cabelo no estilo

xinguano, antes tinham o cabelo longo, o uso dos discos auriculares e labiais

foi abandonado e as suas orelhas passaram a ser perfuradas no estilo

xinguano também. Um fator importante desse xinguanização foi a morte dos

mais velhos Suyá nos primeiros anos que seguiram o contato, pois não

existiam mais velhos Suyá, homens que participaram das cerimônias da última

grande aldeia e nem homens adultos para assegurar a realização dos ritos de

passagem Jê. A partir de então, aconteceram fatos que abalaram a aliança dos

Suyá e Trumai, acabando quando um Kayabi matara um Trumai, que

porventura era casado com uma Suyá. Resultando, na mudança dos Trumai

para o posto Leonardo, que é mais distante, e os Suyá acabaram mudando

para uma nova aldeia mais acima do Suyá-Missu.

205

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No final dos anos 1960, em razão do insucesso no contato com os

“pacificadores brancos”, sobreviventes da facção Tapayuna foram removidos

de suas terras entre os rios Arinos e Sangue, para viverem juntos aos Suyá,

que eram em maior número no Xingu. Este deslocamento teve como primeira

conseqüência a morte de mais de 10 membros do grupo em virtude de

doenças. Pois, o modo de vida dos Tapayuna era completamente diferente dos

Suyá, embora pertencessem ao mesmo grupo jê. Os Tapayuna não tinham

passado por um processo de xinguanização como os Suyá, mas após a essa

junção, começaram a descobrir pontos em comum quando narravam os seus

mitos uns aos outros. Somente nos anos 1980 é que os Tapayuna se

fortaleceram e resolveram construir a sua própria aldeia, acima do Suyá-Missu

com Xingu, na margem direita deste rio.

Atualmente os Suyá estão distribuídos em aldeias e postos indígenas.

Ngôjwêrê, aldeia localizada no limite da Terra Indígena Wawi (esta

reconquistada pelos Suyá), é onde se localiza a maior parte da população

desde meados de 2001, pois até 2000 habitavam a aldeia Ricoh, hoje

desativada. Não obstante ainda andam por lá para pegar produtos para a sua

subsistência, em suas antigas roças, além de se abastecer nos pequizais e

mangabais. Uma outra parte habita a aldeia Ngôsokô, há ainda pequenas

aldeias, em cada uma vivendo apenas uma família, Roptôtxi e Beira Rio. Existe

o posto de vigilância Wawi, localizado à beira do rio homônimo, que é

administrado pelos próprios Suyá, lá também vivem duas famílias extensas. O

Posto Indígena Diauarum também é habitado por famílias Suyá.

“No que diz respeito ao poder político, os homens que possuem maior prestígio

na aldeia são os líderes dirigentes de facções políticas e especialistas em

cerimoniais. Essa liderança é geralmente herdada da parte patrilinear, de

modo, que os filhos de um líder são líderes em potencial”. (Enciclopédia Povos

Indígenas no Brasil – ISA -2003). Já os ornamentos são inseridos nos ritos de

passagem e servem para diferenciar o status de cada indivíduo dentro da

sociedade Suyá. Em decorrência das décadas de contato com outros povos

206

Page 207: Relatorio final paranatinga 12 05-06

indígenas e não-índios os ornamentos deixaram de ser usados, mas o

significado cosmológico ainda vigora dentro do grupo, sejam os discos labiais

ou auriculares, sempre associados a importância cultural atribuída do modo de

ouvir e falar.

As atividades produtivas das mulheres são sempre associadas ao grupo de

parentes e orientadas para a família nuclear, isto é, para a família como um

todo. As áreas que as mulheres utilizam para desenvolver as atividades

produtivas ficam atrás das casas e são acompanhadas pelas crianças e

animais domésticos que sempre ficam em volta, ocupam a maior parte do

tempo no preparo de alimentos que trazem da roça. Em especial a mandioca,

assim como a caça e o peixe que são trazidos pelo homem. Uma exceção é a

preparação do caxixi, bebida fermentada feita do milho e mandioca, que foi um

traço cultural herdado dos Yudjá. Já o trabalho masculino consiste no manejo

da roça de forma individual, a pesca e a caça que são considerados alimentos

nobres entre os Suyá, a construção de casas e canoas podem ser tarefas do

grupo doméstico. Uma característica bem peculiar dos Suyá é que comem

mais animais de caça que os povos do Alto Xingu, eles consomem uma grande

quantidade de jacaré, sem deixar de enfatizar que na sua dieta alimentar o

pequi e a mangaba, cocos, o palmito da palmeira inajá e mel silvestre

representam uma fonte importante de calorias.

YUDJÁ (Juruna)

Segundo Malcher (1964), os sobreviventes deste grupo que habitou a região do

médio e baixo Xingu, encontravam-se a jusante da foz do rio Suiá-Missu, no

Xingu, próximo ao Diauarum.

207

Page 208: Relatorio final paranatinga 12 05-06

A notícia mais antiga que se tem do grupo provém de 1625, quando os Juruna

são referidos como habitantes da foz do rio Pacajá, o qual deságua no

Amazonas.

A presença dos Juruna é anotada por Heriarte em 1640, próximo à foz do rio

Xingu no Amazonas. Atualmente localizam-se junto ao PIN Diauarum, a

aproximadamente 100 Km da confluência Xingu-Curisevo.

No século XVIII os Juruna espalhavam-se em ambas as margens do rio Xingu,

nas proximidades de Souzel, antiga aldeia Jesuíta, de Santo Inácio do Aricari e

do rio Pacajá. No século seguinte ocupavam até a cachoeira Von Martius e a

margem esquerda e foz do Manitsauá-Missu.

Houve tentativas de escravizá-los e catequizá-los e vários choques com os

portugueses no século XVIII. O século seguinte marca a aceleração da

migração Juruna em direção ao Alto Xingu, fugindo da pressão exógena.

“Um dos vários povos de língua tupi que habitavam a região do baixo Xingu, os

Juruna (Yuruna, Iuruna e Yudjá) foram ali assinalados ainda no século XVII.

Todavia, uma parcela deles obstinou-se rio acima, para fugir do assédio dos

bandeirantes, missionários e seringalistas (Nimuendaju, 1948: 218-219). Uns

poucos remanesceram no médio Xingu, em três núcleos no Estado do Pará: na

área Paquiçamba, nas proximidades da foz do rio Bacajá e acima da boca do

rio Iriri” (Andrade, 1998:147 In: Proc. FUNAI nº 3143/2002, p. 116)

O movimento rumo ao sul, no final do século XIX, foi acentuado após a

chegada das frentes de expansão da sociedade nacional no baixo Xingu.

Muitos dos Juruna foram arregimentados pelos seringueiros como mão-de-obra

a ser explorada. O contato com os seringalistas (e mais tarde com

castanheiros), acabou trazendo modificações aos padrões culturais dos Juruna,

dentre eles pode-se destacar o uso de roupas, armas de fogo, de instrumentos

de metal e o conhecimento da língua portuguesa.

208

Page 209: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Povo canoeiro, como são conhecidos, os Juruna são antigos habitantes das

ilhas e penínsulas do baixo e médio Xingu, um dos rios mais importantes da

Amazônia Meridional. A população está estimada em 278 pessoas (dados do

ISA – na Enciclopédia de Povos Indígenas do Brasil – 2001).

Os Juruna, hoje, ocupam hoje três aldeias: Pequisal; Tubatuba, pouco abaixo

da foz do Manitsauá-Missu, na margem esquerda do Xingu; e Paquiçamba,

acima na margem direita. A origem do etnônimo Juruna é de origem

estrangeira e parece significar “boca preta” em língua geral.

Juruna ou Yudjá são retratados em sua mitologia como a humanidade

protótipo, isto é, canoeira e produtora de cauim. Embora não se possa analisar

o real significado do etnônimo Yudjá, os Juruna acabam se considerando como

tal por se autodenominarem os “donos do rio Xingu”. Falam uma língua

classificada como sendo do tronco tupi e classificada na família do mesmo

nome, onde pode se incluir as línguas já extintas de povos como os Xipaia,

Arupaia etc.

Houve épocas de conflitos com outras etnias; para permanecer no Alto Xingu,

os Yudjá tiveram que travar guerras sangrentas com os povos da região, em

especial os Kamayurá e Suyá, que culminaram em dois episódios: durante um

período foram aprisionados pelos Suyá, sendo algumas mulheres roubadas

mais tarde pelos Kamayurá.

É apresentado a seguir o censo populacional referente ao mês de junho de

2001, que de uma forma geral inclui cônjuges que são pertencentes a outros

povos como os Kayabi, Txukahamãe e Ikpeng, deixando de incluir membros

descendentes do povo Yudjá incorporados por grupos de seus cônjuges junto

aos Suyá. Dados da FUNAI, de 2004, indicam uma população de 278 índios.

209

Page 210: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Local Famílias População

Tubatuba 27 162

Fazenda Boa Vista 2 9

Fazenda Novo Paquiçamba

6 34

Pequizal 6 35

Piarassú 3 17

PIN Diauarum 4 19

Total 48 278

Fonte: Enciclopédia dos Povos Indígenas no Brasil

“Piaraçu” é um ex-Posto de Vigilância, à beira da BR 080. Tem por dono um

homem Txukahamãe casado com uma mulher Yudjá, e que é considerado

dono também da Fazenda Boa Vista. A Fazenda Novo Paquiçamba é também

conhecida como aldeia Paquiçamba. Quanto a Aldeia Pequizal, ela é sítio de

uma das aldeias Yudjá dos anos 1950 e 1960, dissolvida em 1967. A filha do

chefe passou a ali morar sozinha com o seu marido, membro do povo Kayabi.

Em 1984 era habitada apenas por esse casal e quatro filhos em idade de

crescimento, até que em 1990 os filhos começaram a constituir família e para lá

se mudaram a sogra e o cunhado do dono da aldeia. Do total de famílias, 10

são formadas por casamentos de mulheres Yudjá com membros de outros

povos: oito Kayabi, um Txukahamãe e um Ikpeng”. (Verbete Yudjá,

Enciclopédia Povos indígenas no Brasil – ISA 2001, p. 5).

As atividades produtivas desenvolvidas pelos Yudjá referem-se essencialmente

ao cultivo de roças (a mandioca é o seu principal produto), e na pesca com

arco e anzol, que para eles é mais importante que a caça, mas mesmo assim,

apreciam bastante a carne de caça, e mantém uma produção regular de

artesanato, transformando em sua principal fonte de renda. Em tempos atrás

os homens possuíam uma canoa menor para a pesca e uma outra maior para

viagem. Atualmente há um desinteresse por parte dos mais jovens em construir

canoas.

210

Page 211: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Após a introdução da escola, começaram a resgatar um costume que há muito

haviam perdido o interesse: casais vêm mostrando o interesse em “prender”

garotas na fase da puberdade. O fato é que a escola deixa as meninas mais

expostas à ação dos rapazes e, por isso, os pais estão motivados a isolá-las

por vários meses e as vezes chegam a ficar isoladas por mais de um ano. A

regra de descendência desse grupo é matrilocal.

211

Page 212: Relatorio final paranatinga 12 05-06

7.3 O PARQUE INDÍGENA DO XINGU

7.3.1 Histórico do Parque

A Expedição Roncador-Xingu, vanguarda da Fundação Brasil Central, foi criada

em 1943, inserida num programa do governo estadonovista de ocupação das

regiões centrais do Brasil. Por meio desta Expedição os irmãos Villas-Boas

chegaram à região dos formadores do rio Xingu, ocasião em que se

defrontaram com diversas populações indígenas.

Engajados em defesa dos povos indígenas, os irmãos Villas-Boas começaram

a pedir a proteção das terras da região do Alto Xingu em meados de 1948, por

ocasião dos projetos de colonização de iniciativa do Departamento de Terras e

Colonização do Estado de Mato Grosso que começavam a emergir.

Menezes retrata as pressões e ingerencias políticas promovidas pelo estado de

Mato Grosso com o objetivo de invabilizar a criação do PIX como, por exemplo,

a concessão de terras ao sul da região originalmente destinada ao Parque

Indígena a empresas colonizadoras da região Sul do Brasil. De acordo com ela,

“as principais empresas que lotearam terras no Alto Xingu ocuparam a parte

sudoeste do Parque, principalmente, as cabeceiras dos formadores do rio

Xingu”, com o claro ojetivo de “especular no mercado de terras e inviabilizar a

criação do Parque” (Menezes, 2001: 233).

Essa política intensificou-se na década de 1950, culminando na divisão da área

do futuro parque indígena em diversas propriedades particulares negociadas à

época pela ação de alguns funcionários do extinto Serviço de Proteção aos

Índios, inclusive com certidões negativas falsas emitidas. Tendo em vista essas

ações e diante da proposta de se criar um Parque Nacional na região, o então

Vice-Presidente da República, Café Filho, constituiu uma comissão para

212

Page 213: Relatorio final paranatinga 12 05-06

estudar o assunto. Faziam parte desta Orlando Villas-Boas e Darcy Ribeiro,

entre outros.

O objetivo principal desta comissão era elaborar um anteprojeto de lei para a

criação do Parque. Assim sendo, em 17 de abril de 1952 o citado anteprojeto

do Parque Nacional do Xingu foi apresentado pelo Marechal Cândido da Silva

Rondon, contemplando uma área de 200.000 quilômetros quadrados (cerca de

2 milhões de hectares).

Ao encaminhar o anteprojeto ao então Presidente da República, Getúlio

Vargas, Café Filho ressaltou que “a Marcha para Oeste tinha revelado ao País

uma vasta área onde viviam numerosas tribos em isolamento milenar”. Diante

disto a criação do Parque como proposta, em 1952, nunca foi concretizada.

Somente em 14 de abril de 1961, por meio do Decreto nº. 50.455 o Parque

Nacional do Xingu, atual Parque Indígena do Xingu, foi criado com uma área 10

vezes menor do que a mencionada no anteprojeto, excluindo os territórios

tradicionais dos grupos meridionais (Alto Xingu). Sete anos depois,

precisamente em 06/08/1968, outro Decreto (63.082) modificava os limites

meridionais e reconhecia parcialmente o erro do Decreto anterior. Mas,

somente em 13/07/1971, o Decreto nº. 68.909, incorporava ao PIX os territórios

dos Aruák e Karib que habitavam a região acima da confluência dos rios

Tanguro e Sete de Setembro. Com isto o território Metyktire foi dividido pelo

traçado da BR-080, a qual se tornou a fronteira norte. A demarcação do PIX

efetivamente foi realizada em 1978 e a homologação em 1991.

Os territórios indígenas na região se estendiam ao leste, a oeste e ao sul, para

além das fronteiras do PIX. A atual superfície do PIX é de 2.642.003 hectares.

Estão em andamento na FUNAI estudos de identicação e delimitação da TI

Naruwoto (ao sul do PIX) e Ikpeng no rio Jatobá.

213

Page 214: Relatorio final paranatinga 12 05-06

7.3.2 Legislação Fundiária

1943

- Decreto Lei 5801 – Declara de interesse militar para fins de direito a

Expedição Roncador Xingu (ERX).

- Decreto Lei 5878 – Cria a Fundação Brasil Central (FBC)

1952

- Minuta de Ante Projeto de Lei de Criação do Parque Indígena

- Lei nº 1626, de 17/06/1952 – Estendem-se a todos os chefes e demais

servidores dos postos de atração e pacificação dos índios, os benefícios do

Decreto Lei nº 5801, de 08/09/1943.

1961

- Decreto 50.455, de 14/04/1961 – Criação do PIX.

- Decreto 51.084, de 31/07/1961 – Regulamenta o Decreto 50.445/61.

1968

-Decreto 63.082, de 06/08/1968 – Altera limites do PIX.

1971

- Decreto 68.909, de 13/07/1971 – Altera limites do PIX

- Memorial descritivo de 20/12/1971

1973

- Decreto 71.904, de 14/03/1973 – Interdita área para fins de atração.

1974

- Parecer 57/PJ/74 – Pedido de alteração do limite leste.

1975

- Portaria 189/P, de 13/03/1975 – Comissão Permanente de Demarcação de Terras.

214

Page 215: Relatorio final paranatinga 12 05-06

- Portaria 326/P, de 08/05/1975 – Substituição de membro da Portaria 189/P.

1976

- Portaria 369/N, de 26/05/1976 – Cria Posto Indígena.

- Parecer 41/CJ, de 23/06/1976, ref. Portaria 1.914/76 – Nulidade.

- Portaria 932/P, de 12/11/1976 – Constitui GT para proceder localização de aldeias.

- Portaria 965/P, de 16/12/1976 – Prorroga prazo de Portaria.

1977

- Portaria 100/P, de 18/07/1977 – Substituição de membro do GT Portaria

126/P/75.

- Portaria 741, de 07/07/1977 – Arrecadação de terra devoluta, Gleba Nhandú.

1978

- Instrução Técnica Executiva 026/DGPI, 06/1978 – Vistoria e recebimento dos

trabalhos demarcatórios.

- Portaria 409/E, de 28/06/1978 – Autoriza interrupção de estudo para Krikati,

para recebimento de trabalhos demarcatórios do PIX.

- Instrução Técnica Executiva 030/DGPI, de 24/08/1978 – Deslocamento para

vistoria e recebimento dos trabalhos demarcatórios.

- Decreto 82.263, de 13/09/1978 – Institui nova denominação aos Parques.

1979

- Instrução Técnca Executiva 01/DGPI, de 09/01/1979 – Vistoria e recebimento

da totalidade dos trabalhos demarcatórios.

- Extrato de Termo Aditivo, de 08/03/1979 – Prorroga contrato de empreita para

demarcação e medição da área.

- Decreto 83.541, de 04/07/1979 – Declara sem efeito a interdição da área

estabelecida pelo decreto 71.904/73.

1982

- Decreto 86.956, de 18/02/1982 – Declara de interesse para desapropriação.

215

Page 216: Relatorio final paranatinga 12 05-06

1983

- Instrução Técnica Executiva 002/DGPI, de 04/02/1983 – Determina

deslocamento de servidora na qualidade de assistente pericial.

- Instrução Técnica Executiva 008/DGPI, de 19/04/1983 – Determina

deslocamento de servidora na qualidade de assistente pericial.

- Portaria 1491/E, de 19/04/1983 – Determina deslocamento de servidora na

qualidade de assistente pericial.

- Memorial descritivo 2.642.003, de 18/05/1983 – 9374 hectares.

1984

- Parecer 005, de 16/04/1984 – GT Decreto 88.118/83.

- Portaria 291/P, de 16/04/1984 – Interdita área.

- Exposição de Motivos nº 040, de 04/05/1984 – Projeto de Decreto para

definição de limites.

- Decreto nº 89.618, de 07/05/1984 – Declaração de interesse para

desapropriação.

- Aviso 327/GM, de 16/07/1984 – Concessão de recursos.

1985

- Instrução Técnica Executiva nº 43/DPI, de 11/11/1985 – Proceder localização

do campo de pouso.

1986

- Instrução Técnica Executiva nº 007/DPI, de 05/03/1986.

- Instrução Técnica Executiva nº 010/DPI, de 31/03/1986 – Deslocamento de

técnico para identificação da Fazenda Agropecuária Alvorada do Norte S/A.

1987

- Ordem de serviço 030/SUAF, de 10/07/1987 – Reaviventação de 70 Km no

limite sul.

- Certidão de cadastro do PIX.

216

Page 217: Relatorio final paranatinga 12 05-06

1988

- Portaria 306, de 21/03/1988 – Anula certidão 20/73.

- Ordem de Serviço 32/SUAF, de 13/09/1988.

1991

- Decreto S/Nº, de 25/01/1991 – Presidência da República homologa a

demarcação administrativa.

1993

- Extrato de Convênio 008/93 – Minuta de cooperação entre as partes

conveniadas para implantação de projeto de saúde indígena.

1994

- Ordem de Serviço 13/DAF, de 22/11/1994 – Participação de reunião.

- Portaria 22, de 15/12/1994 – Declara emancipação de Projeto de

Colonização.

1996

- Portaria 526/96 – Determina estudos antropológicos e complementares de

revisão dos limites leste e sul.

- Portaria 663, de 13/08/1996 – Prorroga prazo de Portaria.

- Extrato de Convênio entre o governo do estado de MT, SEPLAN e Ministério

da Justiça/FUNAI, de 19/09/1996.

- Portaria 958, de 29/10/1996 – Levantamento e avaliação de benfeitorias.

- Portaria 1078, de 25/11/1996 – Prorroga prazo de portaria.

1997

- Portaria 19, de 07/04/1997 – Realização de pesquisa arqueológica pela USP.

1999

- Extrato de Convênio 07/99 – Visa a manutenção de bases físicas de apoio e

proteção objetivando a conservação dos limites do PIX.

217

Page 218: Relatorio final paranatinga 12 05-06

2000

- Portaria 214/PRES, de 04/04/2000 – Determina a realização de estudos

preliminares de identificação do limite noroeste do PIX.

2001

- Extrato de Convênio 003/01 – Entre a ACT (Amazon Conservation Team) e a

Associação Indígena Mavutsinin, com a finalidade de realizar mapa cultual

mostrando o uso indígena de áreas tradicionais.

2002

- Edital 1/2002 Projeto 914/BRA/3018 – Publicado no DOU de 05/08/2002 –

Contratação de técnicos especilizados em assuntos antropológicos, ambientais

e agronômicos para realizar estudos de identificação e delimitação e realizar

levantamentos fundiários de diversas terras indígenas.

- Extrato de Contrato de consultor, publicado no DOU de 17/01/2003 – Contrata

consultor UNESCO na modalidade produto para proceder estudos necessários

a revisão de limites da TI Parque Indígena do Xingu/Naruwoto.

2003

- Extrato de Convênio nº 12/02 entre a FUNAI e a ACT (Amazon Conservation

Team), publicado no DOU de 14/02/2003 – Realização de mapa cultural

mostrando o uso tradicional da área do PIX.

2005

- Aviso de Licitação Concorrência nº 1/05, publicado no DOU de 01/11/2005 –

Contratação de empresas especializadas em serviços de

demarcação/aviventação de limites das Terras Indígenas Yvy Katu e Parque

Indígena do Xingu.

218

Page 219: Relatorio final paranatinga 12 05-06

7.4 CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-BIÓTICA DO PIX

A bacia amazônica tem 98% da sua área coberta por floresta de terra firme

assentada, via de regra, por solo geologicamente antigo e por onde correm rios

de água preta estéril ou água clara. A longa idade geológica associada às altas

temperaturas e ao grande coeficiente pluviométrico é responsável pela

infertilidade do solo amazônico. A água quente da chuva se infiltra no solo e

dissolve os minerais solúveis e os carrega através do subsolo e, por fim, para

os rios. Num longo processo, só restam os elementos insolúveis. Durante a

maior parte do Pleistoceno a erosão e a sedimentação foram favorecidas pela

combinação de temperatura elevada e chuva abundante. Milhões de anos de

exposição à intempérie química lixiviaram seus sais minerais solúveis, restando

solos formados, sobretudo, por areia e argila. A formação de laterita também

destrói o fósforo, além de dificultar a retenção de amônia, sal, potássio e

magnésio, todos importantes para as plantas (Lehmann et alii, 2003; Woods,

2003; Kern, 2003). Este conjunto de fatores foi por algum tempo considerado

um entrave para o estabelecimento de culturas complexas na região por

autores como Meggers. Estudos posteriores, inclusive tendo como área de

estudo o Alto Xingu vêm, entretanto, demonstrando o contrário (Carneiro, 1983;

Heckenberger, 2002).

Os grupos estudados habitam a região superior do Rio Xingu, um dos maiores

tributários do Amazonas. Estes, e seus afluentes menores, drenam uma região

extremamente heterogênea e composta por um mosaico de zonas ecológicas

distintas.

219

Page 220: Relatorio final paranatinga 12 05-06

As nascentes do Xingu se originam no antigo escudo arqueano do planalto

central, que constitui o limite meridional da própria bacia amazônica, cujos

embasamentos são constituídos por granito, recobertos em certas áreas por

arenitos provavelmente oriundos do Cretáceo. São regiões de maciços

extremamente antigos e, em sua maior parte, fortemente aplainados. Pela

regularidade do terreno, as possibilidades de erosão e carreamento de

sedimentos são reduzidas, e o transporte de material em suspensão acaba

ocorrendo somente no período chuvoso, sendo praticamente nulo durante a

estação seca, a qual é bem marcada (Sioli, 1991). Em função disso, o Rio

Xingu apresenta originalmente coloração cristalina a verde clara. Pequenos

afluentes drenando áreas de campos alagáveis, como o Tuatuari, são

particularmente transparentes.

A região do Alto Xingu situa-se no limite sul da floresta tropical, e em um mapa

de vegetação podemos observar uma língua de floresta, representada pelo Alto

Xingu, se estendendo sobre a savana predominante no Brasil Central (Figura

12). Aparentemente a floresta nesta região está associada à maior umidade,

sustentada pelos rios e planícies sazonalmente alagadas, compostas por

campos de inundação, igapós e lagos de diferentes formatos.

Em ambas as margens do Xingu, seguindo seu curso e o de seus formadores,

existe a planície sazonalmente alagada, composta por florestas de igapó e

campos inundáveis recortados por um complexo sistema de corpos de água

compostos por canais, ressacas e lagos, sujeitos a profundas alterações em

função da variação anual do nível da água. Durante a cheia este conjunto

torna-se um único corpo de água contínuo. Na seca podem-se distinguir, neste

conjunto, diversos sistemas aquáticos de forma dendrítica, com alguns lagos e

canais completamente isolados. A fauna aquática está adaptada ao ciclo da

água, que proporciona variação anual na disponibilidade de habitats aquáticos

e de locais para reprodução.

220

Page 221: Relatorio final paranatinga 12 05-06

As florestas que compõem a região do Alto Xingu, tanto as matas ciliares que

margeiam o leque dos formadores, como as formações florestais de interflúvio,

são distintas e de menor biomassa em comparação com as florestas mais

úmidas de outras partes da Amazônia. O fator limitante, na realidade, não está

na quantidade de chuvas que cai em média durante o ano, em torno de 1900

milímetros, mas sim no longo período de estiagem que pode significar até mais

de três meses sem uma gota de chuva (Carneiro, 1987; Morán, 1978).

O alto Xingu é drenado por um leque de rios, interligados por emaranhados de

igarapés, canais e lagos, confluindo para 11° 55' Latitude S e 53° 35' Longitude

W, no local denominado Morená. Esta área está delimitada a sul pelo

Chapadão Mato-grossense, a Oeste pela Serra Formosa (ficando do outro lado

a bacia do Rio Teles Pires, afluente do Tapajós) e a Leste pela Serra do

Roncador (interflúvio entre o Tanguro e o Rio das Mortes, afluente do

Araguaia).

De acordo com Agostinho (1974), o norte de Mato Grosso constitui uma

unidade geográfica, ecológica e socio-política com limites geográficos bem

definidos. Carneiro (1983) afirma que a região, entre as latitudes 12 e 13 graus

sul, foi originalmente composta por floresta tropical, com savanas antrópicas

formadas pela repetida queima das gramíneas e arbustos que invadem os

campos cultivados. Afirma, ainda, que as savanas não são utilizadas para

cultivo.

Podem-se distinguir estações definidas para toda a região, em função do ciclo

hidrológico. Durante a enchente e a cheia existe maior quantidade de chuvas e

menor amplitude térmica. Esta última aumenta durante a vazante e atinge

níveis mais altos na seca, quando também se registram os menores índices de

precipitação mensal. Na Figura 13 A temos os dados de pluviosidade mensal

do ano corrente, assim como os níveis médios mensais da cota do Rio

Culuene. A característica mais marcante - e talvez o principal responsável

pelas diferenças na cobertura vegetal - é a presença de uma estação seca

221

Page 222: Relatorio final paranatinga 12 05-06

pronunciada, com um período superior a três meses de ausência de

precipitação (Moran, 1978). A Figura 13 B apresenta uma série temporal de

vários anos com valores da cota média mensal do Culuene, mostrando a

variação anual que caracteriza este sistema hidrológico.

Uma das principais características destas zonas ecológicas são as faixas de

floresta ombrófila densa estabelecidas ao longo dos rios. Mesmo córregos

estreitos, dependendo do solo, contam com matas ciliares cobrindo ambas as

margens. Uma sub-faixa da mata ciliar, situada na planície de inundação

sazonal do rio, o igapó, apresenta dossel mais baixo que a mata de terra firme,

sendo que as raízes das espécies vegetais características desta área

apresentam adaptações à inundação periódica.

Alguns cursos d’água drenam áreas mais baixas de campo sujo, onde

predominam savanas com árvores de pequeno porte, isoladas, compondo

paisagem típica. Nestes casos não ocorre vegetação de porte florestal

associada, como é o caso do Rio Tuatuari, que apresenta campos de alagação

repletos de buritis e, nas suas margens, o predomínio (principalmente no curso

inferior) da pequena palmeira localmente denominada buritirana.

O solo, a vegetação e a fauna são caracteristicamente amazônicos, inclusive

no tocante a ictiofauna. Aumentando ainda a complexidade natural da região,

onde temos um mosaico formado pela floresta densa e por diferentes

fisionomias de cerrado, incluindo campos naturais, existem áreas extensas

onde a terra cultivada e abandonada, depois de queimadas contínuas que

impedem a regeneração das capoeiras, formam-se savanas dominadas pelo

capim sapé e a palmeira macaúba, ambas espécies de grande utilidade. Outras

espécies resistentes, oriundas do cerrado, acabam se estabelecendo nestas

áreas como o cajueiro, a lixeira e a mangabeira. Assim hoje, no entanto, esta

“língua” de vegetação representada pelo Xingu está em grande parte cercada

pela soja, pois o cerrado desapareceu para dar espaço à agroindústria.

222

Page 223: Relatorio final paranatinga 12 05-06

0

50

100

150

200

250

300

350

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500

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Co

ta m

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men

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(cm

)

Plu

vio

sid

ade

men

sal

(mm

)

cota média mensal (cm) pluviosidade mensal (mm)

Figura 13 A: Valores mensais de pluviosidade total e média da cota do Rio Culuene

na Pousada Matrinxã, ao sul do Parque Indígena do Xingu. Dados obtidos junto à

Agência Nacional de Águas (ANA).

0100200300400500600700800900

jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez

Co

ta m

éd

ia m

en

sa

l (c

m)

2000 2001 2002 2003 2004 2005 Média

Figura 13 B: Valores da cota média mensal do Rio Culuene na Pousada Matrinxã, ao

sul do Parque Indígena do Xingu. Dados obtidos junto à ANA.

223

Page 224: Relatorio final paranatinga 12 05-06

7.5 CARACTERIZAÇÃO DO MODO DE VIDA DOS GRUPOS INDÍGENAS

DO PIX, COM ÊNFASE NA IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS

HÍDRICOS E VEGETAÇÃO / FAUNA RELACIONADOS

Além do domínio sobre as unidades paisagísticas e as propriedades dos solos

onde as mesmas se encontram, fator que vai definir as áreas a serem

cultivadas e o quê vai ser plantado em cada roça, o conhecimento sobre as

espécies vegetais e suas utilidades também constitui testemunho de séculos

de convivência com o ambiente. Carneiro (1987) constatou que os Kuikuro

foram capazes de identificar todas (172) as plantas presentes em uma parcela

de floresta próximo à aldeia, observando o tronco, a estrutura da copa, a

ramificação, as folhas, flores e frutos, além do cheiro, coloração e viscosidade

do exudato. A partir das mesmas, o autor distinguiu 17 formas de uso que

incluem uso cerimonial ou xamanístico, medicinal, alimentar (frutos e

castanhas), para lenha, cultivo nas roças, construção, confecção de amarras e

cordas, como figuras mitológicas, na confecção de ornamentos, obtenção de

veneno de pesca, obtenção de látex e resina para os mais variados fins, para

lixar ou forrar superfícies, no fabrico de canoas (incluindo calafetagem), sabão

e sal. Estas não necessariamente excludentes, pois muitas plantas podem ser

utilizadas para diversos fins. Para um levantamento florestal mais completo

para região do Alto Xingu, ver Ratter et al. (1973).

O sedentarismo é viabilizado através de uma estratégia de subsistência

baseada no cultivo da mandioca e na exploração dos recursos pesqueiros.

Trabalhando com estimativa de capacidade de suporte, Carneiro (1960, Apud

Morán 1978) calculou que os Kuikuro podem sustentar aldeias de até 5.000

habitantes, indefinidamente, com uma dieta baseada 85% em mandioca.

Estudos posteriores demonstraram, entretanto, que as estimativas de Carneiro

não são representativas para a Amazônia em geral, sendo seu estudo

influenciado por dados coletados em uma única localidade. Para Gross, a

224

Page 225: Relatorio final paranatinga 12 05-06

manutenção da fertilidade do solo é altamente dependente do processo de

sucessão florestal.

Pelos depoimentos que colhemos junto às comunidades, as estratégias

adotadas direcionam-se no sentido de garantir a manutenção destes ciclos com

a formação de capoeiras. Em todos os assentamentos atuais visitados foram

observadas capoeiras antigas, com pelo menos 30 anos, já passíveis de serem

derrubadas para o plantio de roças novas, com solo recuperado.

Um segundo processo direcionado pela ação humana sobre o ambiente além

do esgotamento de nutrientes pela agricultura de corte e queima,

particularmente sobre os solos, é a formação de manchas de terra preta

arqueológica (TPA), extremamente férteis e milenarmente utilizadas, tanto no

Xingu quanto em outras partes da Amazônia.

Estudos arqueológicos têm comprovado a existência de complexos padrões de

assentamento na região, envolvendo alterações antrópicas em larga escala no

último milênio. O mapeamento dos sítios escavados documenta mudanças

profundas na paisagem induzidas pela ação humana, incluindo mudanças na

cobertura vegetal, principalmente nas áreas dos maiores sítios arqueológicos.

Heckenberger (2003) encontrou 19 assentamentos pré-colombianos, distantes

entre si por distâncias que variam entre 3 e 5 km, e unidos por grandes

estradas cuja largura chegava a 50 metros. Os registros denunciam um

sistema altamente elaborado de ocupação, com aldeias grandes, com áreas

residenciais que atingiam 25 ha, formadas por um grande círculo com estradas

radiais, associadas a valetas defensivas com até 2,5km de extensão e 5 metros

de profundidade. O autor encontrou, ainda, diversas outras construções

relacionadas com os corpos d’água como pontes, poças artificiais, barragens e

canais, entre outras estruturas.

Virtualmente toda a área entre esta rede de assentamentos foi e é

minuciosamente manejada pelos Kuikuro. Os sítios arqueológicos

225

Page 226: Relatorio final paranatinga 12 05-06

correspondem a grandes manchas de vegetação secundária em graus distintos

de regeneração que se distinguem da floresta circundante nas imagens de

satélite. A composição dos ambientes de floresta e de áreas alagáveis

evidencia um conjunto de complexas mudanças cumulativas, que refletem o

longo processo pré-histórico de manejo do ecossistema resultando em um

mosaico composto por florestas secundárias em distintos graus de

desenvolvimento, constituindo inclusive áreas de caça, roçados dispersos,

campos de sapé com palmeiras como a macaúba, e os gigantescos pomares

de pequi e mangaba. Mais a norte, nas áreas manejadas pelos Trumai e

Ikpeng, nas margens do Xingu a partir do Morená, observa-se que a macaúba

começa a ser substituída pelo inajá nestes campos.

Cabe ainda considerar que estas culturas se desenvolveram numa região de

ecótono, ou área de tensão ecológica, que corresponde ao limite meridional da

floresta amazônica ou, como se confirma numa imagem ou mapa de

vegetação, num prolongamento da floresta sobre o cerrado, associado ao

leque de rios e corpos d’água que garantem umidade necessária.

O texto que se segue traz observações feitas entre as etnias do PIX, no que se

refere à caracerização de seu modo de vida, com especial atenção para os

recursos hídricos e de fauna e flora. Como foram várias as aldeias visitadas e,

portanto, diversos modos de vida e maneja com a natureza observados, o texto

busca apresentar sua riqueza e diversidade.

226

Page 227: Relatorio final paranatinga 12 05-06

7.5.1 Coleta e manejo da vegetação nativa

Não foi incluído, neste estudo, levantamento sobre o uso da fauna e flora

nativas utilizadas com fins medicinais. Vale a pena mencionar o trabalho de

Roosmalen e Roosmalen (1998) junto ao Pajé Tacumã Kamaiurá, que lista,

descreve plantas obtidas em capoeiras, campos, diferentes fisionomias de

cerrado e nas matas, assim como suas finalidades e modos de preparo e

administração. A lista inclui 92 etnoespécies, entre ervas, arbustos, trepadeiras

e cipós, árvores, epífitas e plantas aquáticas. As diversas descrições das

plantas e de seus habitats de ocorrência deixam claro que as diferentes

formações vegetacionais, e seus ecótones, são explorados pelos Kamaiurá, e

certamente pelos demais povos do Xingu.

Nas aldeias, as casas (malocas) grandes e características dos povos

xinguanos estão invariavelmente situadas lado a lado, formando o círculo da

aldeia. São construídas por diversas madeiras retiradas da floresta, e cobertas

exclusivamente com sapé, no Alto-Xingu, e com esta gramínea ou com a palha

do Inajá, a partir do Médio-Xingu. Os depoimentos nos levam a crer que a partir

daí, no Baixo-Xingu e nas áreas dos Kayapó, esta última passa a ser de uso

dominante. No Morená, o cacique comentou, ao passarmos pelas casas

durante nossa visita, que os grupos Juruna e Suiá cobrem as casas com inajá,

e não com sapé, denotando como mais uma vez uma adaptação à

disponibilidade de recursos existente, e como o gradiente ambiental se reflete

nos recursos que são utilizados.

Os depoimentos a seguir retratam parcialmente como é realizado o manejo

destas importantes espécies, sobretudo pelo fogo, e os riscos que o manejo do

fogo acaba envolvendo.

227

Page 228: Relatorio final paranatinga 12 05-06

"O inajá que brota na roça não é plantado, cutia que planta. A cutia come o

fruto e planta (enterrando a semente), é o maior plantador. A anta também,

come e leva longe, faz cocô e aí nasce"

(Waigé Ikpeng, Aldeia Ikpeng, 23.11.2005)

"Antes aqui era roça e não tinha inajá. Depois que queimou e fez roça é que

nasceu e cresceu isso aqui"

(Liderança Ikpeng, Aldeia Ikpeng, 21.11.2005)

"Joga agora (novembro) fogo no sapé, em abril ele tá bom pra colher. Sapé

velho a casa não dura"

(Aldeia Mehinaku, 8.11.2005)

"Eram 17 malocas aqui, 200 e poucas pessoas. Há 2 meses o fogo destruiu

completamente 9 das casas. Foi um fogo na beira do rio, pegou fogo no sapé,

veio pela roça e pegou nas casas”

(Aritana Yawalapiti, Aldeia Yawalapiti, 5.11.2005)

O inverno, que corresponde ao período chuvoso, também é o período de coleta

de frutos silvestres. Os pomares são, no entanto, a principal fonte de frutas.

Toda a aldeia xinguana é cercada por pomares extensos onde predominam o

pequi, a mangaba, vindo em seguida as roças de mandioca. O tamanho das

árvores frutíferas plantadas é proporcional à idade do próprio assentamento.

Primeiro derruba-se a mata plantando-se mandioca por no máximo 5 anos,

quando o terreno é abandonado ou plantado com pequizeiros e mangabeiras,

formando o pomar circular típico acima mencionado. As roças novas com

mandioca passam a ser estabelecidas em torno deste primeiro círculo, e na

medida em que vão sendo abandonadas, na mesma seqüência, vai se

formando um mosaico com áreas de capoeira abandonadas em regeneração,

que posteriormente são novamente derrubadas e queimadas para o cultivo de

mandioca em um novo ciclo, ou são semeadas com as frutíferas mencionadas

para ampliação dos pequizais e mangabais característicos.

228

Page 229: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Os pequizais são individuais, ou melhor, pertencem à família que tinha ali sua

roça. As roças que não mais serão utilizadas para plantio são abandonadas

(normalmente as mais distantes da aldeia) ou são utilizadas para o plantio do

pequi (normalmente as primeiras roças feitas logo que aldeia se estabelece,

de modo que a proximidade facilite o cuidado com o pomar de pequis e a

coleta dos frutos). Os pequizais são queimados periodicamente para a limpeza

do terreno, facilitando o caminhar e a coleta de frutos. Além disso, o terreno

limpo deixa de ser abrigo potencial para animais potencialmente nocivos, como

aranhas, escorpiões e serpentes, além de permitir visualização destes, e dos

frutos a serem coletados

"Eu que plantei, fui plantando. A gente não perde isso aí não. Esses tem 5, 6

anos. Seis anos já dá piqui"

(Atamai Waurá, Aldeia Waurá, 31.11.2005)

"A macaúba não dá no mato não, é assim na aldeia e no campo um

pouquinho. Ninguém planta não. Só pega fruta. Come, faz cocô, joga, e aí vai e

cresce, né?”

(nosso guia, Aldeia Mehinaku, 8.11.2005)

No Quadro 2 constam as espécies registradas nas capoeiras mapeadas

durante o trabalho de campo. Na tabela 1 constam as espécies registradas nos

pomares associados a cada aldeia.

229

Page 230: Relatorio final paranatinga 12 05-06

1 1 3 4

18 21

34

58

0

10

20

30

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70

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mer

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gis

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s

Quadro 2: Espécies registradas e mapeadas nas capoeiras associadas às aldeias do

Parque Indígena do Xingu em novembro de 2005.

230

Page 231: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Tabela 2: Plantas em pomares de 10 aldeias do PIX, nov/05.

Planta / Aldeia

Waurá Ipavu Yawa-lapiti

Mehi-naku

Matipu Kala-palo

Nahu-kwa

Morená Trumai Ikpeng

Abacaxi    

Abóbora      

Algodão    

Amendoim      

Amora    

Banana              

Batata              

Cabaça        

Caju        

Cana  

Cará    

Coco          

Cuia  Erva cidreira  

Fava  

Goiaba      

Laranja      

Limão      

Macaúba              

Mamão      

Manga                    

Mangaba                    

Maracujá  

Melancia      

Mexerica      

Milho  

Murici          

Pequi                

Pimenta          

Pimentão  

Pinha  

Pitanga  

Roromi  

Seriquela        

Tabaco  

Tagago  

Tucum  

Urucum        

Numero Espécies (Total 39)

8 9 4 4 7 8 6 8 11 13

231

Page 232: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Diversos animais alimentam-se nos pomares de pequi. Foram mencionados a

anta, a paca, o tatu, o veado, a cutia, o papagaio, a arara, o periquito, o

picapau, e a raposa. Na maioria destes casos, o nome local corresponde a

mais de uma espécie (veado, cotia, papagaio, arara, periquito e picapau). No

Anexo 4 constam diversos registros de animais mapeados nas áreas

manejadas. Foram diretamente avistados, nos pomares, capoeiras e campos, o

tatu galinha, o veado e a cotia, em todos os casos em áreas adjacentes às

aldeias atuais. No Quadro 3 constam os registros diretos e indiretos de fauna

durante nossa viagem pelo PIX.

1

1

1

1

1

1

1

2

2

2

4

4

4

5

6

6

25

0 5 10 15 20 25 30

caramujo

Jacu - bando

jaguatirica

maçarico

capivara

quati

tatu canastra

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caititu

garça

capivara

corta água

gaivota

veado

anta

jacaré

tracajá

mero

de r

eg

istr

os

Espécies

Quadro 3: Registros de fauna nativa por avistamentos e por rastros mapeados; Parque

Indígena do Xingu, novembro de 2005.

Logo a seguir constam registros de atividades exercidas pelos índios durante

nossa permanência nas aldeias (Quadro 4). Observa-se que as principais

atividades domésticas são a confecção de artesanato e o preparo de alimentos.

232

Page 233: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Os materiais utilizados na elaboração de artesanato constam na Tabela 3. Na

Quadro 5, atividades dos índios registradas fora das aldeias.

1 1 1 1 1 2 2 2 37

11

24

05

1015

202530

mer

o d

e o

bse

rvaç

ões

Quadro 4: Atividades desenvolvidas nas aldeias e nas casas das comunidades

indígenas do Parque Indígena do Xingu, novembro de 2005.

Tabela 3: Matéria prima utilizada na confecção de artesanato no Parque indígena do

Xingu em novembro de 2005 (N = 20).

Material N %

Argila 1 5

Caramujo 1 5

Cipó 1 5

Algodão 2 10

Buriti 15 75

233

Page 234: Relatorio final paranatinga 12 05-06

1 1 1 1 1 12 2 2

56

7

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0123456789

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colet

ando

saúv

a

capin

ando

roça

pesc

ando

Quadro 5: Atividades desenvolvidas fora das aldeias, Parque Indígena do Xingu,

novembro de 2005.

No Quadro 6 consta a origem dos alimentos presentes em refeições que

presenciamos. Sobre os itens coletados, predomina o pequi, que corresponde

a 69,2 % (N = 9) dos itens coletados e consumidos. Insetos (saúvas e larva de

marimbondo) foram registrados uma vez cada um. Carne de boi, oriunda da

fazenda Jacaré, foi o único animal criado do qual observamos o consumo.

Entre os itens comprados registramos duas vezes o consumo de arroz, uma de

feijão e uma de macarrão. Não incluímos café e açúcar, desconsiderando estes

itens como refeição. Embora quelônios aquáticos sejam, do ponto de vista da

sua aquisição, um recurso pesqueiro, incluímos o tracajá como caça, tendo

sido registrado duas vezes. Registramos o consumo de macaco preto (macaco

aranha) uma vez. O beiju esteve presente em todas as refeições, e o cará

somente uma vez. O consumo de peixe foi observado em 14 das 24 refeições

observadas (58,3%). A composição de espécies de peixe presentes nas

refeições consta no Quadro 7.

234

Page 235: Relatorio final paranatinga 12 05-06

5 5

13 14

22

05

10152025

caça

com

pra

colet

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pesc

a

agric

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ero

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serv

açõ

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Quadro 6: Origem dos itens alimentares em 23 refeições registradas nas comunidades

do Parque Indígena do Xingu em novembro de 2005.

1 1 1 1 1 1

2 2 2 2 2 2 2 2

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1

2

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bse

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ões

Quadro 7: Nome comum dos peixes registrados em 23 refeições. Parque Indígena do

Xingu, novembro de 2005.

Diversos grupos estudados são originalmente ribeirinhos, e portanto exímios

pescadores e fabricantes de canoas, além dos mais variados artefatos de

pesca. Estes foram, após a vinda de outros povos para o Xingu, tanto por

intermédio dos irmãos Villas Boas quanto anteriormente, quem repassou

diversas técnicas de pesca e também de confecção de embarcações. Feitas

anteriormente a partir da casca do jatobá, que reúne características adequadas

235

Page 236: Relatorio final paranatinga 12 05-06

como espessura, dureza e uniformidade. As canoas de casca do jatobá são

características marcantes de vários grupos xinguanos (Carneiro 1987, Lima

1950), tendo sido deixadas de lado somente quando ferramentas de metal

permitiram a escavação de toras e, portanto, o fabrico de canoas de madeira a

partir de troncos inteiros. O depoimento a seguir deixa claro que os Kamaiurá

também utilizavam a casca do jatobá para fazerem suas embarcações.

"Tira a madeira (tora) e tira a casca grossa. Aí cava e depois queima, pra abrir

mais e ficar dura. Daí tira parte do queimado e fica pronto. Meu sogro sabe

queimar. Antes de ter a ferramenta do caraíba, era só com a casca do jatobá"

(Yawapi Kamaiurá, Morená, 20.11.2005)

7.5.2 Agricultura

A partir de abril iniciam-se as atividades agrícolas, com a aragem do solo e a

broca (limpeza do terreno), sendo que o plantio é principalmente entre agosto e

outubro, podendo estendendo-se até novembro. O período de colheita também

é sazonal, embora a necessidade possa levar as mulheres a colher em

qualquer período. Normalmente, no entanto, a colheita se intensifica em abril,

podendo também avançar até outubro. No final do verão, via de regra, cada

família está abastecida com grande quantidade de polvilho, estocado em

colunas confeccionadas com varas, cipós e enviras, forradas com folhas de

bananeira, e de massa de mandioca armazenada em sacos de fibra plástica,

panelas e vasos.

Quanto à organização da mão-de-obra para o plantio, embora as roças sejam

individuais (por família, em lotes), algumas etapas são realizadas de forma

mais ou menos coletiva, envolvendo um conjunto de mão-de-obra que

236

Page 237: Relatorio final paranatinga 12 05-06

ultrapassa a dimensão familiar. É o caso da limpeza do terreno para o posterior

plantio. Este tipo de prática reforça os laços de compadrio e de solidariedade

típicos de comunidades rurais.

No Quadro 8 constam os itens cultivados nas roças visitadas durante o período

de estudo.

Informações sobre fertilidade e nutrientes encontrados no solo podem ser

encontrados em Carneiro (1983), pelo menos para a localidade habitada pelos

Kuikuro. Sobre as características geomorfológicas, do solo da vegetação e dos

processos ecológicos do Cerrado e das matas de galeria, ver as coletâneas

reunidas, respectivamente, em Sano e Almeida (1999) e Ribeiro e Fonseca

(2004).

Quadro 8: Cultivos registrados durante o mapeamento e georeferenciamento das

roças dentro do PIX, em novembro de 2005.

Cultivo Registros de presença

N %

Coco 1 1,14

Batata 2 2,27

Milho 5 5,68

abacaxi 7 7,95

Banana 8 9,09

melancia 9 10,23

mandioca 87 98,86

237

Page 238: Relatorio final paranatinga 12 05-06

A agricultura praticada no Xingu é a típica de corte e queima. Os roçados

produzem bem por três a quatro anos, cinco no máximo, sendo então

descartados ou semeados com pequi e mangaba. Recomenda-se a leitura de

Carneiro (1983) para uma descrição detalhada do processo de seleção do

local, limpeza do sub-bosque, derrubada das árvores, queima, plantio,

manutenção (controle da invasão gramíneas e outras plantas pioneiras) e

colheita, assim como as etapas de processamento da mandioca. Queimam em

agosto, após dois ou três meses sem chuva alguma e, portanto, o fogo avança

rapidamente e eficientemente, com a combustão das árvores inteiras. Após

alguns dias da primeira queima, os troncos são empilhados para a realização

da coivara, que consiste na segunda queima do material restante.

Os xinguanos estabelecem roças circulares, em torno da aldeia, embora

também o façam em parcelas isoladas na floresta. Normalmente, estabelecem

parcelas adjacentes, derrubando áreas anexas às roças antigas. As parcelas

individuais de roça dos Kuikuro apresentam tamanho médio de 0,65 ha,

variando de 0,4 a 1,1 (Carneiro 1983).

São os homens que limpam e derrubam a floresta, queimam o material

derrubado, preparam o terreno e plantam a mandioca. Isto é comum entre

outros povos onde o estado de guerra é ausente ou de pouca importância e a

caça não constitui atividade principal masculina. O plantio é feito pelo dono da

roça, podendo este ser ajudado por parentes ou outras pessoas próximas. Um

homem que estabeleceu uma roça nova pode solicitar a todos os homens da

aldeia que o ajudem, retribuindo com farta comida e bebida fornecidos por sua

esposa. O preparo envolve a formação de montículos de terra onde os talos de

mandioca são enterrados para brotarem. São diversas as variedades de

mandioca plantadas no PIX. Os Kuikuro, por exemplo, diferenciam cerca de 50

tipos diferentes (Carneiro 1983).

Batata doce pode ser plantada juntamente com a mandioca, mas o milho

requer solo mais fértil e, portanto, é plantado em solo de origem antrópica, ou

238

Page 239: Relatorio final paranatinga 12 05-06

de terra preta. Não observamos nem nos foi relatada a utilização de adubo

animal.

Diversos animais invadem as roças de mandioca, tanto pelas folhas como

pelos tubérculos. Porcos do mato são os mais mencionados, embora segundo

Carneiro (1983) veados e cutias também são mencionados pelos índios.

Avistamos cutias nas roças em duas ocasiões. Rastros de veado foram

registrados diversas vezes em locais diferentes, incluindo roças, e foram

avistados (Anexo 4). justamente na área Kuikuro, nos campos, a menos de 1km

da aldeia.

São os porcos, entretanto, o que causam mais prejuízo. Observamos entre as

roças dos Matipu, Kamaiurá e Nafukwá, cercas de centenas de metros, feitas

com pedaços de troncos oriundos da própria derrubada, para manter os

bandos de porcos fora do alcance das manivas. Não observamos estas

construções nas poucas roças dos Kuikuro visitadas, embora Carneiro (1983)

tenha documentado que o perímetro entre a borda da mata e o roçado seja

sempre cercado. Era justamente nesta zona que se encontravam as cercas

que observamos.

O queixada, espécie de maior porte e formador de bandos que podem chegar a

centenas de porcos, dependendo da região (Emmons 1997), é o que causa

maior estrago, também segundo Carneiro (1983). O autor sugere que, nesta

região, os queixadas apresentem comportamento noturno, atacando durante a

noite os roçados próximos à aldeia enquanto todos dormem, embora o que

conste na literatura para esta espécie é que ela é diurna (Emmons 1997). Além

das cercas, os Kuikuro também tentam evitar o prejuízo dos porcos cavando

trincheiras com estacas pontiagudas no fundo ou então com armadilhas de

captura, matando os animais que ficam presos.

Na aldeia Yawalapiti, encontramos ossos de queixada abatidos em novembro

de 2004, no momento em que invadiam as roças anexas ao perímetro das

239

Page 240: Relatorio final paranatinga 12 05-06

casas (Anexo 4). Nesta ocasião, foram abatidos 20 animais de uma só vez.

Como os Yawalapiti, assim como todos os outros grupos do alto, não comem

carne de porco-do-mato, os queixadas foram levados para o Posto Leonardo,

para serem consumidos pelos trabalhadores.

Gregor (1977) menciona tanto as formigas cortadeiras (saúvas, Ata cephalotes)

como áreas permanentemente pantanosas, como fatores que limitam

seriamente a área cultivável para os Mehinaku. O autor também menciona

outros animais capazes de destruir as lavouras, como pragas de gafanhotos e

a invasão por porcos do mato (caititus).

As formigas cortadeiras (saúvas) constituem um capítulo à parte, podando pés

de mandioca e de outros cultivos. Nas roças Kamaiurá observamos grandes

buracos na terra, que de acordo com o guia que nos acompanhou eram

grandes colônias de saúva trabalhosamente retiradas com solo e tudo. "É pra

tirar formiga que come a maniva. Se não tirar o formigueiro da Aruru (Saúva),

acaba com a roça".

Nas roças dos Trumai observamos formigueiros realmente gigantescos, e

observamos sinais de ataque das saúvas sobre mandioca, batata e melancia,

numa mesma roça. Os Trumai têm problemas sérios com formigas cortadeiras

(saúvas) e com caititus em suas roças.

"Nós faz cerca porque o porco come mandioca, ele cava e come"

(Kafukumã Kalapalo, Aldeia Kalapalo, 16.11.2005)

Um mês após a queima já se pode observar o crescimento de plantas

invasoras, mesmo ainda no período mais seco e sem chuva há meses.

Embora em abril a mandioca plantada no verão anterior e, portanto, com oito a

nove meses, já possa ser colhida, os Kuikuro preferem coletar tubérculos mais

antigos, que além de maiores produzem mais goma quando processados.

240

Page 241: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Ademais, o tubérculo pode ser mantido crescendo indefinidamente no solo, fica

ali mesmo armazenado, e colhido somente quando é necessário. Podem

permanecer comestíveis por mais de dois anos.

O replantio é realizado na medida em que as plantas antigas são arrancadas, a

partir de maio e durante a estação seca. Os morrinhos são abandonados na

terceira vez em que são plantados. Portanto, em uma mesma roça, onde parte

da mandioca plantada pela primeira vez ainda permanece, temos também

áreas onde se colheu e replantou em diferentes ocasiões. O resultado são

plantas de diferentes idades e tamanhos, facilmente distinguíveis formando

distintos extratos. Desta forma, no final das contas forma-se um mosaico de

roças novas e replantadas (até 4 safras) com plantas também de diferentes

idades. Em uma escala ainda maior temos também as áreas abandonadas

para regeneração, formando capoeiras, áreas onde são plantados pequis,

mangabas, mangueiras e outras árvores frutíferas, dando origem aos pomares,

e finalmente áreas cujas repetidas queimadas não permitiram o processo

natural de recolonização e sucessão ecológica, formando as savanas

dominadas pelo sapé. O fogo, ano após ano, elimina completamente o banco

de sementes e termina por matar quaisquer raízes que pudessem

eventualmente rebrotar (Nepstad et al. 1998). Este último caso é também uma

atitude intencional, já que o sapé novo, rebrotado após a queima durante o

período seco, é o material principal para a construção das casas típicas de

todos os grupos do Alto Xingu. Este mosaico de paisagem forma um sistema

extremamente flexível. O leque de opções de cada chefe de família depende,

portanto, de quantas roças ele possui. Considerando que cada roçado pode dar

três safras inteiras (dois replantios), se uma família abre a cada ano uma nova

parcela, terá sempre três roças de mandioca à sua disposição.

Entre os Kuikuro, Carneiro (1983) estabeleceu uma amostragem com 77

homens, e encontrou uma proporção de 6% que tinha 3 roçados, 39% com dois

e 48% com apenas um, além de quatro homens que não tinham roça alguma.

241

Page 242: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Pela existência de uma estação seca bem definida com um período de até

mais de três meses sem chuva alguma, como já mencionado, os pés de

mandioca perdem boa parte de suas folhas neste período.

A colheita, atividade predominantemente feminina, é realizada com maior

intensidade e tenta-se estocar bastante polvilho antes do início do longo

período chuvoso. Além do mais, os primeiros meses de chuva (outubro,

novembro e dezembro) coincidem com o período da coleta do pequi, e todos os

xinguanos precisam dispor de tempo livre para aproveitar a safra deste

importante recurso. Os Kuikuro chegam a construir pequenas casas nas áreas

de roça, quando estas distam alguns quilômetros da aldeia. Estas são

abandonadas quando começa a chover (Carneiro 1983).

A colheita ocorre basicamente nas primeiras horas da manhã, quando a

temperatura é mais amena. Primeiro as áreas são capinadas e limpas de

plantas invasoras. O homem então corta os ramos da mandioca, cortando-os

em pequenos pedaços menores que um metro, acumulando-as em um local

para posterior plantio. As mulheres então cavam e retiram os tubérculos. Uma

roça de tamanho padrão (0,65 há) produz, em média, 9275 kg de mandioca no

primeiro plantio, 8275 no segundo e 5090 no terceiro (Carneiro 1983). A perda

de produtividade é uma conseqüência característica da agricultura de corte e

queima na região amazônica em geral e, como já exposto, já foi considerada

como o principal empecilho para a existência de populações humanas em

maiores densidades.

O processamento da mandioca envolve descascar o tubérculo e separar a

farinha grossa, com peneira (Prancha 44). A mandioca ralada é misturada com

água e depois espremida numa peneira. Deixando-se na seqüência o líquido

restante descansar num recipiente (bacia, panela ou vaso grande) para que a

goma, ou tapioca, sedimente no fundo, retirando-se com uma cuia o líquido

venenoso da mandioca. A massa é colocada ao sol (observamos, na aldeia

Ipavu, colocarem-na sobre telhas de alumínio) para que fique completamente

242

Page 243: Relatorio final paranatinga 12 05-06

seca, e é guardada. Depois de seca, pode ser colocada junto ao sumo para

absorver o líquido (e o veneno) e ajudar na secagem da goma que, depois de

completamente seca e endurecida, é denominada polvilho. Ambos (polvilho e

massa da mandioca) são deixados a secar ao sol por vários dias, para

completa secagem e evaporação de todo o veneno, composto basicamente

pelo ácido prússico (cianeto de hidrogênio – HCN, também denominado ácido

cianídrico ou ainda cianureto), um líquido incolor altamente volátil. Por isso, ao

invés de descartado, pode ser fervido por tempo suficiente para a eliminação

de todo o veneno, tornando-se uma bebida de sabor adocicado e conhecida na

região amazônica como tucupi. Os índios do Xingu também aproveitam deste

recurso.

"Tira, penera na água. A massa joga fora. Tira o caldo, ferve bem e

bebe. Fica o polvilho"

(Kanari Kuikuro, Aldeia Kuikuro, 13.11.2005)

243

Page 244: Relatorio final paranatinga 12 05-06

PRANCHA 44 - A3

244

Page 245: Relatorio final paranatinga 12 05-06

"A mandioca a gente rala, mistura com água e lava. O líquido retira e deixa

secar pra pegar polvilho. A massa joga fora, a não ser que tem pouco polvilho.

Aí mistura pra render mais"

(Kotoki Kamaiurá, Aldeia Ipavu, 3.11.2005)

De fato, a massa da mandioca seca quase sempre é armazenada, e é pilada e

misturada ao polvilho, quando este último está acabando, para fazer o beiju. Os

Ikpeng também misturam a massa seca da mandioca no polvilho,

semelhantemente aos Kamayurá, tanto do Ipavu como do Morená, para

aumentar o rendimento.

As variedades de mandioca apresentam propriedades diferentes, sendo,

portanto, processadas e armazenadas separadamente. Existem as qualidades

mais adequadas, respectivamente, para fazer o mingau, o beiju e o caldo.

Os Trumai também produzem farinha em pequena escala, utilizando um

pequeno tacho de metal. Estão inclusive na lista da FUNAI para construção de

casas de farinha.

A produção dos derivados de mandioca, principalmente o polvilho, é

respeitável, fornecendo um estoque seguro para as famílias, a despeito das

supostas limitações exercidas pela pobreza do solo, considerando ainda uma

ocupação milenar e a contínua utilização e manejo do espaço na região.

Carneiro (1983) menciona a estocagem, em uma casa com 11 pessoas, de

quantidades de polvilho que variam entre 1.750kg a 2.725kg, observando ainda

que a produção foi 2,5 vezes maior do que o que foi de fato consumido. A

cultura da mandioca fornece aos povos do Xingu, e de toda a bacia amazônica

de maneira geral, uma sólida base de subsistência.

245

Page 246: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Uma das maneiras de avaliar o crescimento das plantas é pela espessura do

ramo. Mas, além da queda de fertilidade com o cultivo seguido em um mesmo

local, o aumento no trabalho na eliminação das plantas invasoras, as ervas

daninhas (não somente ervas, ou gramíneas, na verdade), cada vez mais

difíceis de manter sob controle, também é um fator que encoraja o abandono

de uma roça após alguns ciclos de plantio e replantio. Áreas recentemente

abandonadas não são de interesse de ninguém, a não ser que ocorra a rápida

dominação do local pelo sapé, cuja utilidade e importância são indiscutíveis.

Durante uma visita às áreas cultivadas próximas à Aldeia Ipavu, Karitu

Kamayurá comenta sobre as dificuldades que enfrentava para controlar o

crescimento de plantas invasoras: "muita capoeira aqui já, ano que vem planto

pra lá. Aqui muito longe para buscar, vou deixar fechar".

Após o abandono, a regeneração completa da área, formando floresta

novamente, pode ser extremamente variável e dependente do histórico de uso

e da ação (ou não) do fogo na área. Pode durar de 30 a 40 anos até o

restabelecimento completo da floresta.

Roças abandonadas regeneram-se formando capoeiras ou, plantado pequi,

desenvolvem-se nos futuros pomares típicos, os pequizais. Antigas aldeias

normalmente desenvolvem sapezal com macaúbas, além das árvores frutíferas

formando o anel em redor. Algumas roças abandonadas também podem ser

tomadas pelo sapé formando paisagem semelhante à das antigas aldeias, sem

o anel de árvores frutíferas formado pelo antigo pomar. A construção de novas

aldeias próximas às velhas constitui fator altamente estratégico, possibilitando

fácil acesso ao antigo pomar e ao capim sapé para construção de novas casas.

Algumas plantas, como o urucum e a macaxeira, são plantadas na borda das

parcelas, na extremidade dos lotes familiares, para delimitação dos mesmos,

separando-os em parcelas de roça individuais. Além destes, é também utilizada

uma variedade de maniva cuja folha tem coloração com reflexo prateado.

246

Page 247: Relatorio final paranatinga 12 05-06

"Onde tá a macaxeira é divisa de roça"

(Waigé Ikpeng, Pavuru, 23.11.2005)

Áreas de terra preta recebem atenção especial dos xinguanos e são utilizadas

para o cultivo de plantas mais exigentes nutricionalmente. São extremamente

importantes e recebem uma denominação específica (como por exemplo

egepe, entre os Kuikuro).

"Na roça de banana, mamão, melancia e abóbora é em terra preta e tem muito

caco."

(Waigé Ikpeng, Pavuru, 23.11.2005)

"Onde tem caco, terra escura, planta milho, banana, cana, abacaxi,

pequi, mangueira"

(Cacique Matipu, Aldeia Matipu, 14.11.05)

Nenhum dos grupos visitados utiliza as áreas de cerrado nativo para fins

agrícolas. Pelas suas características químicas e excelente drenagem, o

cerrado, sem a utilização de fertilizantes, é impróprio para a agricultura. A

frente de expansão agrícola brasileira se estabeleceu no cerrado graças a

investimentos completamente indisponíveis para agricultores familiares, como

os índios. Os curtos depoimentos a seguir constituem um breve testemunho da

consciência dos índios sobre a questão.

"Roça é só na mata, no campo a terra é porcaria, muita areia. Plantamos direto,

5 anos, aí terra fica fraca, e só plantamos pequi"

(Kafukumã Kalapalo, Aldeia Kalapalo, 16.11.2005)

247

Page 248: Relatorio final paranatinga 12 05-06

"Só presta (plantar) na mata, a gente planta e nasce bem bonito. No campo a

terra é diferente, tem areia. Planta e nasce pouquinho."

(Kanari Kuikuro, aldeia Kuikuro, 13.11.2005)

7.5.3 A pesca e a caça

Constam no Quadro 9 os registros de caça, pesca e coleta recordados durante

nossa etapa de campo. Fica aqui evidente o predomínio da pesca como fonte

de proteína para todos os grupos estudados. Estes dados, somados aos

apresentados na Tabela 4 e nos Quadros 10 e 11 demonstram claramente que

os índios pescam com freqüência muito maior do que caçam. A pesca, no Alto

Xingu, é atividade praticamente diária, ao passo que a caça é atividade

secundária, ocorrendo também quando elementos culturais entram em cena,

fazendo com que a caça seja necessária para alimentar indivíduos impedidos

de consumir peixe, como veremos adiante.

Quadro 9: Caçadas, pescarias e coletas de ovos recordadas no Parque Indígena do

Xingu em novembro de 2005.

Atividade/localidade Alto Médio Total

Pescarias 118 32 150

Caçadas 41 23 64

pescaria de tracajá 39 14 53

coleta de ovos 13 5 18

248

Page 249: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Apenas um entre 118 entrevistados informou nunca pescar. Quanto à caça, 10

dos 41 entrevistados do Alto (24,4%) informaram nunca ter caçado, enquanto

que no Médio apenas 2 índios, entre 23 (8,7%), informaram não caçar nunca.

Portanto, no Médio, possivelmente, temos uma proporção maior de caçadores

na comunidade. 7 dos 39 entrevistados do Alto sobre pesca de tracajá (17,9%)

informaram que não pescam estes animais. No Baixo, também 2 entre 14

(14%) nunca pescaram tracajá.

Pela existência de um projeto de manejo de quelônios voltado para a proteção

dos locais de desova, este resultado era previsível por duas possibilidades não

excludentes. Primeiro, pelo envolvimento da comunidade em uma atividade

conservacionista (no Morená) com resultado palpável quase imediato,

materializado na produção de 1.300 filhotes, trazidos para a comunidade antes

de serem soltos. Em segundo, mesmo quem não esteja envolvido ou

sensibilizado para o trabalho da comunidade, passa a não admitir que de fato

colete ovos, procurando evitar trazer problemas ou mesmo por desconfiança. O

porquê, respondido diretamente para a pessoa (“porquê você não consome e

não coleta ovos de tracajá?”), geralmente obtido relacionava-se explicitamente

com a consciência de procurar manejar o recurso, no sentido de cuidar para

manter disponível. “Para ter”. No Quadro 10 observamos que o intervalo de

tempo entre nossa entrevista e a ocasião da última caçada, pescaria ou coleta

são distintos estatisticamente, sendo as pescarias mais freqüentes.

Comparando-se as regiões do Médio e do Alto quanto ao intervalo de tempo

entre as últimas caçadas recordadas (Quadro 11), observamos uma tendência

de maior freqüência de caça no Médio, não confirmada pelo Teste de diferença

de médias (Teste ‘t’ de Student).

249

Page 250: Relatorio final paranatinga 12 05-06

caça

daovo

s

pescaria

traca

ja

Atividade

0

100

200

300

400

500

600

700

Tem

po (

dias

)

Quadro 10: Comparação entre as caçadas, pescarias e coletas quanto ao tempo (em

dias) desde a última vez que os informantes realizaram cada atividade (ANOVA, N =

226; R2 = 0,485; gl = 3; F = 69,566; p = 0,000).

Tabela 4: Comparação entre as áreas do Alto e Médio com relação ao tempo desde a

última caçada realizada pelo informante. Parque Indígena do Xingu, novembro de

2005.

Alto Médio

Número de casos 26 16

Mínimo 0 1

Máximo 630 365

Média 123,1 55,7

Desvio Padrão 180 94,9

250

Page 251: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Alto MedioÁrea

0

100

200

300

400

500

600

700

Tem

po (

dias

)

Quadro 11: Comparação entre as caçadas quanto ao tempo (em dias) desde a última

vez que os informantes realizaram cada atividade. Parque Indígena do Xingu (N = 42 ,

‘t’ de Student = 1.379, p = 0.176).

“Eu prefere pescar, mais fácil, caçar anda muito, sente sede, fica mais cansado

e às vezes volta sem nada. Caça é lá pra janeiro-março, peixe fica mais difícil,

alaga tudo, aí a gente pode tentar caçar"

(Pescador Waurá, Aldeia Waurá, 1.11.2005)

A caça surge como alternativa quando a pesca fica realmente difícil pela

dispersão dos peixes nas planícies de inundação, entre os meses de janeiro e

março. A forma de caça utilizada na área é a caçada a curso, que corresponde

à procura ativa por animais em trilhas na mata ou com canoas a remo, subindo

igarapés ou margeando corpos de água maiores. Atualmente predomina o uso

da arma de fogo.

251

Page 252: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Todas as caçadas registradas foram realizadas a curso, andando pela mata,

com a única exceção de uma caçada realizada de canoa, pela beira do Xingu,

com holofote. O predomínio foi do uso da espingarda (40 caçadas, 80%), tendo

o arco e flecha sido empregado em 8 (20%) dos casos (Prancha 45). Os

caçadores do Alto utilizaram mais o arco e a flecha do que os do Baixo, na

proporção de 20,2% contra 13,3%, respectivamente. A coleta de fêmeas de

tracajá e seus ovos ocorrem na vazante, nas praias expostas na medida em

que as águas baixam.

A pesca é mais diversificada, tanto do ponto de vista das técnicas utilizadas

como de espécies consumidas (Prancha 46). Na Tabela 5 constam as técnicas

registradas nas regiões do Alto e do Médio (considerando que o PIX está

subdividido em três, respectivamente Alto, Médio e Baixo, que não foi visitado

por esta equipe). A variação no emprego das mesmas ocorre tanto em função

do local e da época do ano, reflexo do nível do rio sobre a distribuição da fauna

aquática. Além disso, existe também o elemento cultural relacionado às

preferências e também à diversificação da dieta. No Quadro 12 constam as

categorias de recursos pesqueiros registradas e mapeadas.

252

Page 253: Relatorio final paranatinga 12 05-06

PRANCHA 45 – A3

253

Page 254: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Prancha 46 – Artefatos de pesca

254

Mutut yawalapíti

Rede de pesca de nylon comprada em Canarana¨, porto

Yawalapíti.

Rede de pesca Ikpeng

Rede de pesca ikpeng mulheres praticam atividade, aldeia Moygu

Page 255: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Tabela 5: Freqüência absoluta e relativa de utilização de técnicas de pesca pelas

comunidades do Parque Indígena do Xingu, novembro de 2005.

Técnica Alto Médio

N % N %

anzol e linha 66 63,46 33 84,62

arco e flecha 15 14,42 0 0,00

Malhadeira 9 8,65 0 0,00

pesca submarina 6 5,77 0 0,00

Arrastão 6 5,77 0 0,00

Colher 1 0,96 2 5,13

Timbó 1 0,96 1 2,56

Zagaia 0 0,00 1 2,56

Anzol com bóia (camurim)

0 0,00 2 5,13

1 2 2 4 4 4 4 6

14

28

41

05

1015202530354045

córre

go

boiad

or d

e tra

cajá

cam

po

reman

so

foz d

os ri

osiga

pesc

a sub

aquá

tica

cana

l

Rio - c

anal

princ

ipal

lago

praia

me

ro d

e r

eg

ists

os

Quadro 12: recursos pesqueiros observados no Parque Indígena do Xingu, em

novembro de 2005.

255

Page 256: Relatorio final paranatinga 12 05-06

"A gente varia, a gente sabe onde tá o peixe. Peixe cachorro, se quer comer,

vai no remanso, no poço, onde tem cardume de peixe cachorro. Pesca com

corimba.” (como isca)

(Cacique Iacumin Aweti, Aldeia Aweti, 10.11.2005)

"Pescamos de anzol e flecha. Flecha é só quem sabe, não é todo mundo.

Anzol é todo mundo. Rede não. Na cheia, procura peixe chupando ar.

Dezembro, janeiro, fevereiro, março."

(Cacique Matipu, Aldeia Matipu, 14.11.2005)

"Melhor período é no final da época da fruta, que ele vem doido. Põe fruta

numa vara, bate na água, mata de flecha.Usa anzol com fruta de isca quando

matrinxã tá subindo."

(Cocoti Kamaiurá, Posto Leonardo, 18.11.2005)

A fruta amarela, denominada Tímuki pelos Kalapalo, é utilizada para pegar

pacu e matrinxã no inverno. Os índios utilizam-se dos frutos lançando-os na

água para atrair matrinxãs, para então flechá-los, durante os meses de janeiro

e fevereiro. Além desta, várias outras frutas são utilizadas durante os meses de

cheia (principal período de frutificação, quando chove bastante) nas pescarias.

Os depoimentos a seguir ilustram esta realidade.

"Pesca com flecha, na fruteira. Flecha curimatá e pesca piranha. Usa fruta

como isca, Tinhuki, amarela, e Tahohota, vermelha, para pescar matrinxã e

pacu. Janeiro, fevereiro e março. Abril começa a secar, e pesca tucunaré,

cachorra, bicuda e corvina. Maio abaixa bem, aí tem muito cachorra, corvina,

bicuda."

(Numa Kalapalo, Aldeia Kalapalo, 29.10.2005)

256

Page 257: Relatorio final paranatinga 12 05-06

“Aí (no inverno) é que é difícil, a gente vai pescar no Batuvi piranha, pintado,

pacu. Pega isca (peixe) com flecha, bate na água com fruta e aí vem matrinxã,

piau, pacu, aí pega com flecha ou com anzol iscado com peixe.”

(Liderança Waurá, Aldeia Waurá, 30.11.2005)

“Na época do Murici no campo, janeiro a março, é época de pegar matrinxã de

flexa e anzol. A fruta é isca pra matrinxã. A curimba, que é papa-terra, não

come fruta, só pega na flecha. Janeiro e época de pesca com fruto de isca.

Janeiro é a época mais difícil para conseguir peixe.”

(Iacumim Aweti, Aldeia Aweti, 9.11.2005)

"Junho e julho matrinxã tá subindo aqui, pega de anzol. Em janeiro e fevereiro

entra no mato de canoa pra pescar matrinxã com essa fruta,

Kwá- üp, muito importante pra nós."

(Yawapi Kamaiurá, Aldeia Morena, 19.11.2005)

Gafanhotos também são utilizados para pegar pacuzinho, pacu e piau.

Registramos uma pescaria realizada no Tuatuari em que foram utilizados

gafanhotos como isca, com a captura exclusiva de pacus do gênero Myleus sp.

O espinhel é utilizado no inverno, na floresta alagada (igapó) e também sobre

cursos d`água pequenos, como o Tuatuari. Consiste numa linha mais grossa

(espinhaço) onde, a intervalos de uma braça (1,5 m) são atados pedaços

curtos de linha mais fina com um anzol em cada extremidade. O espinhaço é

atado em duas árvores em cada extremidade, permanecendo suspenso sobre

a água, horizontalmente. As linhas ficam dependuradas, com seus anzóis

iscados em contato com a água. Constitui, pois, um artefato de captura

passiva, verificado periodicamente para despesca.

257

Page 258: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Constitui artefato extremamente comum um tipo de armadilha de pesca

fabricada com cipó na forma de um cesto com uma única entrada em forma de

funil voltado para dentro, permitindo a entrada do peixe, mas dificultando

sobremaneira a saída. Observamos este apetrecho em todas as aldeias

visitadas, sendo, entretanto, fabricado originalmente pelos Waurá e

denominado mutu em sua língua. Outros grupos também o fabricam ou então

comercializam com estes últimos.

"Quando a água vai enchendo e faz aqueles canaizinhos, a gente bota aquele

mutu. Tinha um montão, que queimou (no incêndio). Só que antes de fechar o

canal, uma semana antes, não pode mexer com a mulher, se não o peixe não

sobe, tem que sair o cheiro."

(Itaiwana Yawalapiti, Aldeia Yawalapiti, 5.11.1005)

Estas entradas de água, mencionadas pelo último depoimento, são por onde a

água avança para, numa questão de semanas, preencher as áreas

sazonalmente inundáveis. Nestes canais temporários que se formam é que

estas armadilhas são instaladas, depois do fechamento da passagem com

palha do buriti, deixando como único caminho para os peixes somente a boca

destas armadilhas.

"Quando tá secando, peixe tá fugindo, aí o mutu aproveita. Aí que tá bom pra

fazer mutu."

(Piracumã Yawalapiti, Aldeia Yawalapiti, 5.11.1005)

O uso do mutu, tanto no tempo como no espaço, envolve a percepção e

conhecimento detalhados da relação entre a dinâmica hidrológica e o

fenômeno dos pulsos naturais de inundação, acarretando na enchente e

vazante periódica da planície de inundação, e o comportamento migratório dos

peixes. Tal conhecimento, incluindo o entendimento da dinâmica trófica entre

258

Page 259: Relatorio final paranatinga 12 05-06

os peixes a as áreas periodicamente alagadas, por estes invadidas para

conseguirem alimentos de origem alóctone, são os principais argumentos

utilizados para justificar a posição contrária ao empreendimento. Obtivemos em

diversas ocasiões, tanto nas reuniões formais quanto em conversas com

membros das comunidades estudadas, depoimentos sobre as relações entre

os peixes e as áreas periodicamente alagadas e a importância dos pulsos de

inundação para a manutenção dos ciclos anuais de migração e de acesso às

áreas de alimentação e engorda. É esta relação que os índios temem que seja

comprometida com a construção da PCH e que é encarada como ameaça à

sobrevivência dos diversos grupos estudados que, como observamos, depende

sobremaneira do peixe como fonte de proteínas.

O emprego de veneno de pesca também é comum durante o período da

vazante. A única planta utilizada para este fim, mencionada no Xingu, foi o

timbó (provavelmente Derris sp.), embora isto possa significar mais uma

espécie. É uma técnica tipicamente nativa, também empregada por diversos

outros povos indígenas da Amazônia, e também por ribeirinhos (Heizer 1987).

Sua utilização também envolve regras culturais, ou tabus, como ilustrado no

seguinte depoimento.

"Quando começa a secar, em maio só, o peixe tá lá dentro dormindo à noite, a

gente cerca com vara ou com rede. De dia vai com timbó, bate na água, aí o

peixe fica boiando doido e a rapaziada aprende a flechar. Só menino que mata,

quem já fez com mulher não pode se não peixe não fica doido, o veneno não

faz efeito."

(Itaiwana Yawalapiti, AldeiaYawalapiti, 5.11.1005)

A existência de artefatos específicos para a captura de peixes pequenos, e as

várias barragens feitas em canal e em lago para pescarias com timbó, indicam

uma estratégia adaptativa direcionada à exploração de cursos de água de

pequeno calibre, os chamados igarapés. Este fato constitui um indicativo de

259

Page 260: Relatorio final paranatinga 12 05-06

que este grupo de fato era originalmente de uma ecoregião diferenciada, com

modo de vida diferente do índio ribeirinho.

O Cai é um tipo de puçá confeccionado pelos Waurá utilizado para pesca no

lago. A rede é feita com fibra da palha do tucum, e tecida na forma de um saco

de puçá típico. Esta rede é armada em uma haste bifurcada, ficando aberta

pela forquilha nas suas extremidades e na base desta. A diferença entre este

artefato de pesca e um puçá comum é que o primeiro prende o peixe no saco,

que se fecha quando a haste é puxada, pois a extremidade presa na base da

forquilha se solta e a rede fica presa apenas pela extremidade das mesmas,

com os peixes presos dentro do saco.

Uma estimativa simples de rendimento das caçadas e pescarias foi obtido

utilizando como unidade de medida o número de indivíduos, e não em kg.

Medidas de peso médio das espécies cujo abate e pesca foram documentados

podem ser obtidos na literatura, mas tal procedimento foi considerado

desnecessário. O rendimento das caçadas (média geral de 4,7 animais por

caçada) no Alto foi ligeiramente mais alto, com 4,77 animais por caçada, contra

4,59 no Médio. O resultado das caçadas recordadas estão apresentados na

Tabela 6.

Tabela 6: Animais caçados em 47 caçadas (30 no Alto e 17 no Médio) recordadas

junto às comunidades do Parque Indígena do Xingu, novembro de 2005.

Espécies Alto Médio

N % N %

Macaco prego 62 43,36 14 17,95

Jacu 34 23,78 11 14,10

Mutum 20 13,99 16 20,51

Papagaio 8 5,59 3 3,85

Pombo 5 3,50 6 7,69

Jacutinga 4 2,80 3 3,85

260

Page 261: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Tucano 4 2,80 5 6,41

Guariba 2 1,40 0 0,00

Inambu 2 1,40 0 0,00

Gavião 1 0,70 2 2,56

hekongo 1 0,70 0 0,00

Irara 0 0,00 1 1,28

Jabuti 0 0,00 1 1,28

Jacamin 0 0,00 1 1,28

onça-pintada 0 0,00 1 1,28

macaco preto 0 0,00 2 2,56

Macuco 0 0,00 3 3,85

Catitu 0 0,00 4 5,13

Pedro 0 0,00 5 6,41

Podemos contar com dados comparáveis de uma área relativamente próxima

(Kayapó). Nascimento (1999) registrou a utilização de duas espécies de répteis

(jabotis), 17 de mamíferos e 4 de aves. Como era de se esperar, os Kayapó

utilizam um número bem mais extenso de espécies de mamíferos, e a pesca

tem peso menos significativo em comparação com o Alto Xingu.

Aparentemente, a importância de mamíferos terrestres de médio e grande

porte na alimentação do grande bloco que envolve os grupos do Alto, Médio e

Baixo Xingu, assim como dos Kayapó, vai crescendo na medida em que

seguimos para o norte e para o ambiente de floresta densa. Embora não

tenhamos demonstrado estatisticamente uma diferença na freqüência com que

os grupos do Alto e do Médio caçam, estes últimos se utilizam de uma gama

mais ampla de espécies, caçando várias espécies de mamíferos terrestres,

além de apresentarem menos restrições culturais (tabus) ao consumo destes

animais. Os diários de campo de Galvão (1996) e Ribeiro (1979) apresentam

vários registros de caçadas e de consumo, corroborando esta hipótese e

demonstrando que a atividade se intensifica em comparação com o Alto.

261

Page 262: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Em uma das caçadas recordadas, registramos a caça para aquisição de penas,

e não pela carne. O psitacídeo localmente denominado Hekongo e um gavião

foram abatidos por um índio Matipu pelas suas penas.

A arara vermelha (Ara macao) não ocorre no PIX. Os animais que observamos

nas aldeias desta área são resultado do comércio destes animais com outros

grupos, como Kayapó (certamente com mais freqüência) e Ianomami.

Os Aweti, morando nas margens do Tuatuari, se aproveitam de vários eventos

específicos associados a este curso d’água, da vegetação circundante e de

relações tróficas percebidas pelos índios, para coleta, pesca e caça. Além da

coleta de frutos de buriti e buritirana, são também aproveitadas situações

periódicas específicas, como ilustra o depoimento a seguir.

"Em agosto, época em que o papagaio come o fruto verde do buriti, o pessoal

mata muito com espingarda. Antes era com flecha. Na vazante, início de abril,

desce muito curimba e matrinxã. Aí é de flecha.”

(Iacumim Aweti, Aldeia Aweti, 9.11.2005)

O rendimento das pescarias (12,2 peixes por pescaria, em média) no alto

também foi um pouco superior em relação ao rendimento no médio

(respectivamente 12,33 e 11,71 peixes por pescaria, Tabela 7).

Tabela 7: Freqüência de captura de peixes 131 pescarias (103 no Alto e 28 no Médio)

recordadas junto às comunidades do Parque Indígena do Xingu, novembro de 2005.

Espécie Alto Médio

N % N %

Tucunaré 246 19,37 83 25,30

piranha preta 123 9,69 52 15,85

Corvina 113 8,90 29 8,84

262

Page 263: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Cachorra 109 8,58 19 5,79

Piranha 73 5,75 9 2,74

Traíra 65 5,12 10 3,05

Matrinxã 65 5,12 11 3,35

Pacu 61 4,80 15 4,57

Cará 54 4,25 2 0,61

Piau 49 3,86 19 5,79

Pintado 45 3,54 31 9,45

piranha vermelha 35 2,76 0 0,00

Trairão 25 1,97 6 1,83

Pacuzinho 25 1,97 0 0,00

Bicuda 25 1,97 3 0,91

Mandubé 16 1,26 0 0,00

Jaraqui 16 1,26 0 0,00

Corimba 15 1,18 0 0,00

Pirarara 14 1,10 3 0,91

peixe cachorro 14 1,10 0 0,00

Voadeira 13 1,02 0 0,00

Amarelinho 10 0,79 0 0,00

piau grande 8 0,63 0 0,00

Viera 6 0,47 0 0,00

Tracajá 6 0,47 0 0,00

Cascudo 5 0,39 18 5,49

boca-larga 5 0,39 0 0,00

pacu ferrado 4 0,31 11 3,35

Mandi 4 0,31 0 0,00

Jeju 4 0,31 0 0,00

Jaú 4 0,31 0 0,00

Arraia 4 0,31 2 0,61

Piarara 3 0,24 0 0,00

Filhote 3 0,24 0 0,00

Kataha 1 0,08 0 0,00

Doradidae 1 0,08 0 0,00

Cágado 1 0,08 0 0,00

bico-de-pato 0 0,00 5 1,52

263

Page 264: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Os tracajás constituem uma fonte alimentar significativa, sendo com certeza

uma das espécies mais importantes para a subsistência dos grupos estudados,

provavelmente superando a maioria dos outros animais, com exceção de

algumas espécies de peixes e do macaco prego.

"Vai descendo o rio. Quando vê bicho tomando sol pára a canoa, amarra. Sobe

pelo mato até onde o tracajá está, e atira a flecha."

(Uaranã Aweti, Aldeia Aweti, 9.11.2005)

Estes animais foram freqüentemente avistados em todos os ambientes

aquáticos que visitamos ou por onde que passamos, incluindo os Rios Tuatuari,

Curisevo e o próprio Xingu, além dos vários lagos que visitamos. A abundância

de tracajás no Rio Curisevo, destacadamente, é de conhecimento dos outros

grupos além dos Aweti e Mehinaku, moradores das margens deste rio. Tanto

os Kalapalo quanto os Kuikuro vão até o Curisevo para pescar estes animais, à

noite, com anzóis iscados com peixe. Chegamos a registrar algumas destas

pescarias durante nossa permanência junto a estas comunidades. Na região do

Médio ainda comentaram sobre a pesca de tracajás com flecha, quando os

animais estão aquecendo-se sobre troncos caídos, em dias de sol,

principalmente nos dias que antecedem o período de desova. Nosso piloto de

barco, Aumari Kamayurá, na subida pelo Curisevo, temia uma colisão com

algum destes animais, prejudicando nossa viagem. "Tracajá quebra a hélice do

motor. Tem demais nesse rio".

A captura de tracajás com arco e flecha ocorre tanto no período mais seco,

especialmente antes da desova, quanto na enchente. No primeiro caso, os

animais são flechados enquanto se aquecem ao sol. No segundo, quando

estão se alimentando de plantas associadas à margem.

"Tracajá é na época da seca e na época da batatinha, de flecha. Comida de

tracajá em janeiro a batatinha, alimento do tracajá, na beira do Curisevo."

(Eruá Mehinaku, Aldeia Mehinaku, 8.11.2005)

264

Page 265: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Algumas pessoas dos grupos que estudamos, entretanto, não têm o hábito de

consumir estes animais. Diversos fatores podem estar interagindo neste

contexto, incluindo tabus específicos ou mesmo uma história adaptativa

desenvolvida e sedimentada em outro tipo de ambiente que não o de rios de

médio e grande porte, onde este recurso é abundante.

"Ikpeng é alguns que comem. Eu não, me dá dó. Também não pego ovo, acho

que tem que deixar. Pessoal de baixo, Kaiabi, e do alto pega muito."

(Waigé Ikpeng, Pavuru, 22.11.2005)

"Waurá não come muito tracajá. Quem come mais é Kuikuro, Nafukwa,

Kalapalo, Matipu. Entao pra lá (Batuvi) tem muito."

(Sapaé Waurá, Aldeia Waurá, 5.11.2005)

A captura de tracajás com anzóis iscados foi a mais comum e de maior

rendimento (Tabela 8). Na Tabela 9 constam as espécies de peixes utilizadas na

captura de quelônios, bem como suas freqüências absolutas e relativas de

utilização.

Tabela 8: Freqüência de utilização e rendimento das pescarias por técnica de pesca

empregada em 23 pescarias de tracajá recordadas junto às comunidades do Parque

Indígena do Xingu, em novembro de 2005.

Técnica/rendimento Alto Médio

Freqüência Rendimento(N/pescaria)

Freqüência Rendimento(N/pescaria)

anzol e linha 16 11,4 7 13,6

arco e flecha 9 4,9 0 -

Coleta nas praias 4 4,5 3 10,3

265

Page 266: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Tabela 9: Frequência de utilização e rendimento das pescarias (médio, quando for o

caso) com 11 qualidades de isca utilizadas em 23 pescarias de tracajá recordadas

junto às comunidades do Parque Indígena do Xingu, em novembro de 2005.

isca/rendimento Alto Médio

Freqüência Rendimento(N/pescaria)

Frequência Rendimento(N/pescaria)

TOTAL 16 7

corimba 1 30

curimatá 1 9

mandi 1 30

piaba 1 5 1 2

piau 1 6 1 6

traira 8 10,4 5 13,7

trairão 1 5 1 -

tucunaré 1 10

corvina 1 -

curimatá 1 -

fruto da batatinha 1 -

Nas tabelas 10 e 11 constam, respectivamente, os resultados da última coleta

de ovos de tracajá realizada pelo entrevistado, e do total de ninhos coletados

durante o último período de desova (junho-agosto de 2005). Os dados

confirmam, sem dúvida, a importância deste recurso (ovos de quelônios)

durante pelo menos dois meses ao ano. Aparentemente, a importância e a

tradição de coleta é maior entre os Karib. "O pessoal vai em Canarana comprar

pilha pra pegar tracajá e ovos entre julho e agosto”. A coleta de ovos é um

evento que integra as famílias, com participação ativa de mulheres e crianças

em viagens de canoa, a remo ou a motor, pelas numerosas e extensas praias

dos Rios Curisevo e Xingu. Em menor escala, são realizadas coletas nas

266

Page 267: Relatorio final paranatinga 12 05-06

margens dos lagos associadas a estes rios, como a Lago Sagrada Tafununo, a

Lagoa Ipavu e a lagoa onde pescamos com os Mehinaku.

Tabela 10: Resultado de 17 coletas de ovos realizadas durante o período reprodutivo

deste ano (julho a agosto), considerando a última coleta realizada pelo informante.

Parque Indígena do Xingu, novembro de 2005.

Área coletas Ovos ninhos (15) Rendimento

        ovos/coleta ninhos/coleta

Alto 13 4710 314 362,31 24,15

Médio 4 895 60 223,75 15,00

Geral 17 5605 374 329,71 22,00

Tabela 11: Fêmeas e ninhos de tracajás coletados na temporada deste ano (julho a

agosto), considerando todas as fêmeas e ninhos coletados pelo informante em 2005,

durante o período de desova. Parque Indígena do Xingu, novembro de 2005.

Número de coletas

Total coletado

Rendimento

fêmeas ovos fêmeas ninhos ovos fêmeas ninhos ovos

Alto 26 25 80 284 4260 3,08 11,36 170,40

Médio 10 10 38 92 1380 3,80 9,20 138,00

Geral 36 35 118 376 5640 3,28 10,74 161,14

O trabalho de manejo e proteção de ninhos e filhotes de tracajás, no Morená, é

desenvolvido por Pablo e Marcelo Kamayurá, com apoio do Instituto Sócio-

Ambiental (ISA) e da comunidade da Aldeia Morená, e também dos grupos

próximos, como sugerem vários depoimentos adquiridos junto aos Kamaiurá do

Morená, Trumai e Ikpeng.

267

Page 268: Relatorio final paranatinga 12 05-06

O projeto do Morená inclui nove praias do Xingu, sendo seis a jusante e três a

montante. As desovas não são removidas, e nos ninhos localizados são

colocadas proteções contra a ação de predadores. Estas são confeccionadas

com tela de arame presa em uma moldura de madeira. Este é o procedimento

mais adequado e menos invasivo, em comparação com a transferência de

ninhos para incubadoras ou cercados em praias artificiais, prática comum em

alguns dos tabuleiros do IBAMA e em vários projetos. Transportar os ovos de

canoa certamente provocará maior mortalidade. Além disso, existe a

possibilidade de estarmos interferindo na razão sexual dos mesmos, já que nas

três espécies que estamos manejando o sexo é determinado pela temperatura

de incubação dos ovos (Alho et al. 1984, Valenzuela et al. 1997, Souza e Vogt

1994, Bernhard 2001). Transferir os ninhos só em último caso, na ameaça

iminente de alagamento pelo repiquete do rio, também significa maior

probabilidade de sucesso, pois estaremos manipulando embriões em estado

mais avançado de desenvolvimento e, possivelmente, menos frágil.

Além disso, o monitoramento de ninhos por ano em áreas protegidas com

regularidade, como em Mamirauá, permite observar que o número de fêmeas

desovando em anos subseqüentes tende a aumentar (Raeder 2003, Fachín-

Terán 2001).

"Tracajá subia muito na praia, o pessoal pegou muito de anzol e

diminuiu. Nós também comemos ovos. Meu sobrinho se preocupou muito. O

trabalho (de manejo e proteção de ninhos nas praias - 9 praias no total)

começou em 2004, quando foram produzidos 1.300 filhotes de tracajá. Em

2005 foram só 500, raposa mexeu muito, tirou a proteção".

(Yawapi Kamaiurá, Aldeia Morena, 19.11.2005)

No Alto Xingu, os quelônios aquáticos iniciam sua desova relativamente antes

do que nos trechos inferiores dos grandes rios amazônicos, como o Japurá

(Pezzuti & Vogt 1999a, Bernhard 2001, Raeder 2003), o Purus (Pezzuti e Vogt

268

Page 269: Relatorio final paranatinga 12 05-06

1999b, Pezzuti et al. 2000), o Negro (Batistella 2003) e o Jaú (Félix-Silva et al.

2003). Este resultado era esperado, já que o período de vazante, com a

conseqüente exposição dos ambientes utilizados pelas espécies para

desovarem, se inicia primeiramente nas cabeceiras dos rios, chegando por

último nos trechos inferiores. As desovas nas praias na região do baixo

Amazonas, próximo a Santarém, ocorrem entre setembro e outubro (Juarez

Pezzuti, observação pessoal). Existe uma forte variação de um ano para o

outro, decorrente do próprio ciclo hidrológico (Alho 1982).

A posição dos ninhos de quelônios aquáticos é fator crítico no sucesso dos

mesmos quanto às principais causas de perda de desovas, a saber: predação

e alagamento. Ninhos de quelônios amazônicos são alvo de diversas espécies

de animais, incluindo insetos, répteis, aves e mamíferos (Soini 1995, Batistella

2003, Félix-Silva 2003) A raposa mencionada como predadora de ovos na

região pode corresponder tanto a Cerdocyon tous (já documentada em outras

localidades) quanto a Atelocynus microtis.

A perda de ninhos pelo alagamento também é extremamente variável, tanto

entre praias como em uma mesma praia, em anos consecutivos em função da

altura das mesmas (Pezzuti e Vogt 1999a, Bernhard 2001, Raeder 2003). No

Rio Samiria, no Peru, Soini (1995) registrou uma variação de 1% (1979) a

100% (1985) na perda anual de ninhos de Podocnemis pela enchente do rio,

sendo que a proporção de ninhos atingida dependeu do dia em que a água

começou a subir. No rio Caquetá, Colômbia, Hildebrand et al. (1988)

concluíram também que este fator pode ser nulo (sem perda de ninhos) ou

levar à perda de todas as posturas de P. expansa monitoradas entre 1983 e

1987.

Em regiões de cabeceira, nos trechos superiores dos principais afluentes da

bacia, tanto no Brasil (presente estudo) como na Amazônia peruana (Mitchell &

269

Page 270: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Quinones 1994, Soini 1995), colombiana (Castaño Mora et al. 2003) e

venezuelana (Thorbjarnarson et al. 1993, Escalona e Fa 1998) o papel das

chuvas locais tem forte efeito na mudança repentina do rio (Salati e Marques

1984, Ayres 1995) e, consequentemente, na perda de ninhos como o que foi

documentado nos estudos acima mencionados. Existe ainda nesta situação a

agravante da transformação da paisagem decorrente das frentes de expansão

humana, com o desmatamento e a substituição da floresta por pastagens ou

monoculturas como a soja. As diferenças brutais nas taxas de escoamento

superficial das chuvas, em função da maior compactação do solo, provocando

enxurradas (Fearnside 2003). É de se esperar que este fenômeno esteja

provocando aumentos significativos de perda de ninhos em rios que drenam

regiões altamente antropizadas, sobretudo em Rondônia, Pará e Mato Grosso.

Esta certamente constitui uma ameaça real aos importantes tabuleiros

localizados no Guaporé, Xingu e Tapajós, por exemplo.

Pelo menos duas espécies de molusco são extremamente importantes para os

Xinguanos. Bivalves aquáticos grandes presentes em vários lagos, e que

tivemos inclusive a oportunidade de coletar, fornecem conchas utilizadas como

raspadores. Observamos em dezenas das residências visitadas estas conchas,

e seu uso para despolpar pequi e descascar mandioca. Os grandes caramujos

terrestres utilizados na confecção dos famosos colares e cintos xinguanos são

considerados um dos mais valiosos recursos, e utilizados por todos.

Constituem importante moeda de troca, e um traço característico da cultura

comum aos grupos estudados, amplamente documentado na literatura. A

espécie nativa (Megallobulinus sp.), no entanto, aparentemente está em vias

de esgotamento pela sobre-exploração do recurso, e é adquirida junto aos

Xavante com base em trocas. Outras espécies também são adquiridas, pelo

mesmo sistema, junto a grupos muito mais distantes, como os Pataxó.

Gafanhotos são utilizados como isca para a pesca do pacu. Entre os

crustáceos, caranguejos são capturados e consumidos numa época específica,

270

Page 271: Relatorio final paranatinga 12 05-06

além de serem utilizados como isca. O depoimento a seguir constitui o único

registro de utilização.

"Mulher é que gosta. Quando tá enchendo, no canal do campo, tem muito.

Acho que vão acompanhando a água. Quando tá cheio a gente não vê mais

nada. Pintado come, isca melhor pra pintado é o caranguejo."

(Piracumã Yawalapiti, Aldeia Yawalapiti, 05.11.2005)

As centenas de cabeças de gado disponíveis na Fazenda Jacaré, herdada

pelos povos do PIX, constitui uma reserva de alimento e de recursos

financeiros de importância indiscutível. Antes propriedade da Aeronáutica e

administrado pela Força Aérea Brasileira (FAB), contava, na época do seu

pleno funcionamento, com várias edificações incluindo dormitórios, consultório,

enfermaria, dentista, refeitório, entre outras dependências. Contava com 85

funcionários, e era abastecida com aviões chegando e saindo diariamente.

Pacientes dos Postos do PIX eram levados para lá, e retirados da área também

de avião, quando o quadro era de maior gravidade. Contava com vários

geradores, radiofonia e outras facilidades. Foi desativada no Governo Collor,

restando ali 40 cabeças de gado para a comunidade. Só resta um zelador,

antigo funcionário da FUNAI, que não se encontrava na ocasião em que

visitamos o local, mas que segundo informações não recebe salário há anos,

vivendo como um ribeirinho, tendo casado e formado família com uma índia

Kamayurá. Algumas reses são periodicamente abatidas, mas numa taxa menor

que a taxa de reprodução do rebanho. Toda a carne bovina cujo consumo

registramos nas refeições era oriunda do abate de animais desta fazenda.

271

Page 272: Relatorio final paranatinga 12 05-06

7.5.4 Calendário econômico-ecológico

O que determina o calendário agrícola é o regime de chuvas, mas o fator

determinante para a atividade pesqueira e para a distribuição temporal de

técnicas empregadas em cada época é o nível do rio. Embora haja certo

sincronismo, o período de pico de chuvas não corresponde ao período mais

cheio, pois o rio e a planície de inundação atingem seu nível máximo alguns

meses depois do período crítico de chuva.

Quando o período chuvoso finalmente encerra, em maio, as roças e os

pomares são cortados e abandonados para secarem e, posteriormente,

queimarem. Em outubro, com o reinício das chuvas, ocorre o plantio de

mandioca e milho, principalmente, e outros cultivos de menor importância.

O período de verão é época de fartura real, com muito peixe a ser facilmente

capturado e abundância de frutos nativos intensamente manejados, como por

exemplo, o pequi e a mangaba.

Segue abaixo, na Tabela 12, uma esquematização das atividades ao longo dos

meses do ano, que devem ser interpretadas considerando-se certa flexibilidade

resultante das variações no ciclo hidrológico.

Já no Anexo 5 é fornecida uma relação de plantas nativas úteis, mencionadas

pelos povos do PIX, com breve descrição de sua utilidade.

O Anexo 6 traz, ainda, as coordenadas geográficas coletadas em pontos

diversificados do PIX (aldeias, roças, capoeiras, áreas de caça e de pesca),

posteriormente plotados no Mapa Etno-Ecológico (que se encontra no Anexo 3).

272

Page 273: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Tabela 12: Calendário econômico-ecológico dos povos do Parque Indígena do Xingu,

elaborado a partir de depoimentos colhidos junto a informantes entre os Waurá,

Kamayurá, Yawalapiti, Mehinaku, Aweti, Kuikuro, Matipu, Kalapalo, Nafukwá, Trumai e

Ikpeng.

Tipo atividade/item Jan fev mar abr mai jun Jul Ago set out nov dez

agricultura limpeza terreno x x x

secagem x

queima x x

plantio x x x x

coleta (mandioca) x x x x x x x x

coleta sapé sapé – queima x x

sapé – coleta xcoleta barro

barro (argila) x x

Coleta frutos

biritirana X x x

buriti X x x

mangaba x x x

pequi x x x

pesca espinhel X xflecha - peixe na tona X x x x

flecha X x x x

flecha e fruta x x x

timbó – Ikpeng x x

timbó - Yawalapiti x

timbó – matipu x x x

mutu X x

anzol com peixe x x x x x x x x x x xpesca tracajá

anzol e flecha x x x x x

tracajá – inverno X

tracajá – verão x x x x x

fêmeas e ovos x x x

caça mata X xpapagaio no buritizal x

273

Page 274: Relatorio final paranatinga 12 05-06

A coleta de saúvas ovadas ocorre algum tempo após o início das chuvas fortes.

No dia 15 de novembro, em várias casas nas quais passamos chegavam

crianças e jovens com saúvas ovadas. Eram comidas cruas e torradas. Todos,

sobretudo as crianças, se regalavam com a iguaria.

A pesca com espinhel é realizada no pico de inverno (janeiro e fevereiro),

sendo os anzóis iscados com fruta, peixe ou minhoca. No auge da cheia

(janeiro a abril), pesca-se de arco e flecha em fruteiras, árvores em frutificação

consistindo em oferta de alimento da ictiofauna. Os peixes que vêm à tona

comer os frutos são flechados pelos pescadores que permanecem à espreita

nestes locais-chave. Um bom exemplo de fruta utilizada é o murici e a fruta

denominada kwa-up pelos Kamayurá. Em janeiro e fevefeiro ocorre,

especificamente, a pesca de matrinxã, pacu e piranha com flecha, lançando-se

os frutos na água. Os pescadores amarram sua canoa em uma árvore, na

floresta alagada, e aí ficam jogando frutas e aguardando a chegada dos peixes

atraídos pelo próprio som dos frutos batendo na água.

Ainda no inverno a partir de dezembro, ocorre em situações específicas, na

floresta alagada, que o nível de oxigênio em ambientes de água estagnada

(igapós, por exemplo) atinge níveis mínimos. Nesta ocasião, os pescadores

visitam estas áreas em pequenas canoas a remo à procura dos cardumes que

ficam na superfície “chupando ar”, flechando os peixes próximos da superfície

com facilidade.

Antes do início da vazante, em março, intensifica-se a pesca de curimba e

matrinxã, com arco e flecha, quanto estas espécies iniciam a migração rio

abaixo, descendo o Xingu a partir de seus afluentes.

A pesca com timbó aparentemente não é realizada no mesmo período por

todos os grupos, embora aparentemente ocorra depois do início da vazante

dos rios, ou seja, quando o nível das águas começa a baixar. Entretanto, como

274

Page 275: Relatorio final paranatinga 12 05-06

podemos observar no calendário, as informações sobre o período de pesca

com timbó não coincidem temporalmente, embora exista cerca coerência nas

mesmas já que tanto as informações colhidas junto aos Yawalapiti, Matipu e

Ikpeng indicam que é uma técnica utilizada na vazante. De acordo com Gregor

(1977), os Mehinaku pescam com timbó entre os meses de setembro e agosto,

período já avançado de vazante.

Fevereiro corresponde ao auge da cheia, mas o mês considerado como o mais

crítico para a obtenção de peixe é janeiro. De acordo com Gregor (1977),

embora seja difícil pegar peixe e fim da estação dos frutos (final do inverno,

topo da cheia), este é, no entanto, o período da colheita do milho.

A caça, quando não é levada a cabo para fornecimento de proteína a alguém

sujeito a restrições, se intensifica quando a dispersão dos peixes no pico da

cheia atinge certo limite.

No início da vazante, que possivelmente ocorre em abril na maioria dos anos, a

migração a montante de curimbas e matrinxãs atrai novamente a atenção dos

índios para a pesca. Com arco e flecha, neste caso.

Durante a frutificação do murici no campo, de janeiro a março, pesca-se o

matrinxã de flecha e anzol. Estes últimos são iscados com murici para a

captura desta espécie. A curimba, que é segundo os informantes é detritívora

(papa-terra) e não come fruta, é capturada com arco e flecha. Janeiro é o mês

mais típico de pesca com a utilização de frutas nativas como de isca.

Na Amazônia, a cheia é o período em que a pescaria de peixes ou quelônios

rende menos, e os pescadores se vêem compelidos a diversificar suas

atividades. Esta estratégia é similar à adotada pelos moradores da Reserva

Extrativista do Alto Juruá (Begossi et. al. 1999).

275

Page 276: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Entre populações do interior da Amazônia, de modo geral, mamíferos são mais

abatidos que aves e aves são mais abatidas que répteis na caça de

subsistência da região neotropical (Redford e Robinson 1991). Para os

ribeirinhos do Acre, a pesca é mais importante na dieta do que a caça,

enquanto para seringueiros que vivem em regiões centrais a caça é mais

importante (Calouro 1995). No norte do Mato Grosso, para populações de

caboclos distantes dos grandes rios, a pesca é menos importante (Ayres e

Ayres 1979), assim como para os índios Xavante (Leeuwenberg 1995). O

padrão do Jaú se assemelha mais ao de povoamentos ribeirinhos caçadores

de roças descritos pelos arqueólogos, onde a pesca é mais importante que a

caça (Linares 1976).

276

Page 277: Relatorio final paranatinga 12 05-06

7.5.5 O manejo informal dos recursos faunísticos

Carvalho (1951) realizou um trabalho interessante sobre a utilização da fauna

regional pelos xinguanos. O autor visitou a área em 1948, investigando esta

relação junto a doze diferentes etnias. Seus resultados denotam uma

acentuada uniformidade cultural, e um padrão relacionado entre si,

apresentando traços comuns, especialmente os relacionados com a caça e a

pesca, tanto no que se refere à subsistência quanto à confecção de adornos e

outros objetos.

Os mamíferos são os vertebrados menos visados e, dentre estes, o macaco

prego é a espécie consumida com maior regularidade, sendo considerado,

como também verificamos. “O macaco é a nossa caça”. Sua vocalização é

imitada pelo assovio dos caçadores, sendo até recentemente abatido com

flechas, o que possibilita o abate de mais de um animal a partir de um bando

encontrado, pois o som da espingarda tende a afugentar os animais.

O Guariba é consumido em escala bem menor, basicamente pelos mais

velhos, os anciãos, que são em várias ocasiões são apontados pelos demais

como “comedores de bugio”. O macaco Aranha é comido pelos Trumai, Ikpeng

e Kamaiurá do Morená. Carvalho (1951) menciona que os Trumai

“provavelmente” também caçam e comem barrigudos. Onças pintadas e

sussuaranas são temidas mas caçadas de vez em quando, pelas unhas (colar

Kalapalo 56 unhas), couro (cocares e braçadeiras) e dentes.

No mesmo sentido, segue trecho de Thomas Gregor (1977): “Os povos do

Xingu não se utilizam da fauna cigenética que ocorre em seu território,

restringindo-se a uma dieta de peixes, aves (algumas) e duas espécies de

macacos”.

277

Page 278: Relatorio final paranatinga 12 05-06

"Nós não comemos animais com sangue ou comidas quentes, e por isso

nossas barrigas nunca estão quentes de raiva".

(Trecho citado por Carlos Fausto, Laudo antropológico, 2004)

Observamos que as restrições com relação aos mamíferos terrestres são

completamente diferentes junto aos grupos do Médio (Trumai e Ikpeng). Esta

característica os distingue do padrão uniforme observado junto aos grupos do Alto

por diversos autores (Carvalho 1951, Morán 1979, Basso 1977, Gregor 1977, Ross

1978, Ribeiro 1979, Galvão 1996, Fausto 2004), e também corroborado pelas

nossas observações. Os mamíferos, peixes e répteis sujeitos a restrições

segmentares registrados durante nosso trabalho de campo constam no Quadro 13.

01234567

onça

preg

uiça

quei

xada

anta

tam

andu

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pira

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verm

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jaca

jabo

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ro d

e m

en

çõ

es

Quadro 13: Animais sujeitos a restrições e tabus entre os povos do Parque

Indígena do Xingu. Novembro de 2005 (mamíferos em barras escuro, peixes

em barras claras e répteis em barras brancas).

Tabus alimentares alteram de forma radical a dieta dos indivíduos reclusos

(Gregor 1977). O peixe é proibido para mulheres menstruadas, rapazes logo

após o ritual de furação de orelha, e maridos cujas esposas ainda perdem

sangue após o parto (Gregor 1977). As restrições não ocorrem nunca de forma

simultânea (Tabela 13), e sempre quando um elemento (ex: peixe) é restringido,

o outro é permitido (ex: aves e macacos).

278

Page 279: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Tabela 13: Ciclos de restrições alimentares relacionados à reclusão entre os Mehinaku

(Gregor 1977).

Categoria de exclusão peixes aves e macacos

1. Adolescência feminina

- durante menstruação proibidos permitidos

- antes e depois da menstruação permitidos proibidos

2. Exclusão paterna

- durante sangramento pós-parto da esposa proibidos permitidos

- após sangramento pós-parto da esposa permitidos proibidos

Observam-se na Tabela 14 as diferenças parciais com relação ao que cada

grupo considera como comestível ou não.

279

Page 280: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Tabela 14: Depoimentos sobre tabus específicos e de comportamento (resguardos)

colhidos junto às comunidades indígenas do Parque Indígena do Xingu em novembro

de 2005.

Informante Data EtniaEspécie / condição

Condição sob tabu

Mataiá 21/11/05 Trumai Ausência de tabu

"Peixe nós comemos todos. Mais o peixe de couro, que tem menos espinha".

Iacumim 10/11/05 aweti Cágado "Tem o cágado, aqui na comunidade só quem é acostumado come. Aquilo é perigoso, dá alergia, coceira".

Fabinho 23/11/05 ikpeng Cágado "Eu não como, pego para o meu avô, velho que come. Ikpenga não come tracajá nem ovo. Minha mulher é filha de Waurá. Eu pego para os meus sogros. Eu não como,meu pai não deixa".

guia Tafununo

12/11/05 Kuikuro Cágado "Eu não como de jeito nenhum, nem pego. A cabeça parece cobra. Uma vez meu avô pegou lá no Yawalapiti, deixou na minha frente e saiu. Eu chorei, parecia cobra".

Cacique Matipu

14/11/05 matipu Jaboti "Nós não come jabuti não, só nossos parentes Xavante".

Yawapi 19/11/05 kamayurá Macaco "Macaco preto é mais o pajé que come, criança pequena não pode, a carne é muito forte. Com 5-8 anos o pajé já libera"

Iacumim 10/11/05 aweti Peixe "A índia só não come peixe quando tá menstruada, aí só na base da caça. Macaco, jacu, mutum, papagaio, paca. Macaco é nosso alimento principal".

Cacique 14/11/05 matipu Peixe "Não tem peixe proibido!"

280

Page 281: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Matipu

Cacique Matipu

14/11/05 matipu Peixe "Mulher de resguardo, grávida, não come jaú nem piranha vermelha. Marido também não. Mulher de resguardo neném não pode comer peixe até o menino estar andando. Pode comer tracajá, jacu, mutum, macaco, pombo, papagaio, arara, tucano, pato. Paca, cutia, veado e caititu não".

Êruá 08/11/05 Mehinaku Peixe "Mulher menstruada não come peixe, só macaco, tracajá, mutu, jacu. E não pode mexer nas comidas de jeito nenhum, 7 dias. Pode comer ovo de tracajá”.

Itaywanã 05/11/05 Yawalapiti Peixe "Mulher menstruada não come peixe, tem que comer caça, papagaio, pombo, mutum, jacú, tracajá, pato, paca. Quando termina pode comer peixe, menos o que vem do mutu, se não peixe não entra mais".

Kanari 13/11/05 Kuikuro Peixe "Mulher na primeira menstruação fica 15 dias de resguardo, depois são seis dias".

Aiatu 11/11/05 Kuikuro Peixe "Peixe tem caldo, atrapalha endurecer os braços. Lutador acompanha mulher no resguardo".

Uirapirá 06/11/05 Yawalapiti Resguardo "Mulher menstruada não pode pescar, não pode pegar mutu, não pode trabalhar, fazer mingau nem beiju. ¨dias. Também não come peixe, só caça macaco, mutum, jacu. Você tem que caçar pra ela".

281

Page 282: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Estes tabus podem representar normas informais de manejo que influenciam

diretamente na pressão exercida sobre as espécies exploradas. Tabus

alimentares relacionados com a caça e a pesca foram estudados, no Brasil, por

Begossi (1992), Begossi e Braga (1992), Moran (1974), Smith (1979), Balée

(1985), McDonald (1977), e vários outros autores. Uma revisão sobre o assunto

pode ser encontrada em Pezzuti (2004) e em Begossi et al. (2004).

Colding e Folke (2000) classificaram os tabus relacionados a recursos nas

seguintes categorias: 1) tabus segmentares, que determinam a utilização do

recurso em função de idade, sexo, status social ou outras condições

específicas, e definidos pelos antropólogos como tabus alimentares

específicos; 2) tabus de método, que regulam as técnicas de obtenção dos

recursos naturais; 3) tabus de história de vida, quando se restringe o uso das

espécies dependendo do estágio do ciclo de vida; 4) tabus de habitat, que

restringem o acesso aos recursos no espaço; 5) tabus temporais, com acesso

restrito no tempo; e 6) tabus específicos, que conferem total proteção a

determinada espécie.

Observamos, durante a etapa de campo deste estudo, tabus específicos,

segmentares e de história de vida, embora este último seja um comportamento

restrito aos moradores mais velhos. Estes afirmam, por exemplo, que não se

deve caçar durante o período reprodutivo dos animais, que corresponde

normalmente ao inverno.

Colding e Folke (1997) demonstraram a importância ecológica de certos tabus,

provando que os mesmos afetam, e às vezes manejam diretamente, vários

componentes do ambiente natural local. Restrições como os tabus

proporcionam a proteção de comunidades biológicas, de manchas de habitats

e de populações de algumas espécies. Os referidos autores analisaram o papel

de tabus para a proteção de espécies listadas como ameaçadas pela World

Conservation Union (IUCN) e também para as conhecidas como endêmicas ou

282

Page 283: Relatorio final paranatinga 12 05-06

espécies-chave (que desempenham papel fundamental na estrutura, dinâmica

e estabilidade de um ecossistema). Cerca de 30% dos tabus identificados

proíbem qualquer tipo de uso de espécies listadas como ameaçadas. Tabus

específicos apresentam importância ecológica, contribuindo para a proteção de

espécies ameaçadas, e por isso são importantes para o ecossistema. Estas

análises indicam que vários tabus específicos têm a habilidade de proteger

espécies ameaçadas, e que esta proteção pode ser efetiva. Esta proteção,

embora não sendo intencional, pode também ser considerada adaptativa em

termos ecológicos. Vários pesquisadores sugerem que existem motivos de

manejo natural por trás de tabus alimentares (Harris 1979, McDonald 1977,

Rappaport 1971, Reichel-Dolmatoff 1976, Ross 1978).

Os tabus podem ser estudados tanto a partir de uma abordagem materialista,

onde se procuram explicações práticas para a ocorrência dos mesmos (Harris

1979), ou do ponto de vista simbólico, orientada por critérios ideológicos

(Sahlins 1976).

Begossi (1998) define a primeira como a abordagem eticista que é a do

observador externo, cujas análises consideram principalmente a relação custo-

benefício que envolve o processo de tomada de decisões, buscando

compreender o valor adaptativo do processo de escolhas alimentares. As

escolhas e restrições são aqui consideradas como o resultado da soma das

forças produtivas (Ross 1978). A segunda seria a abordagem emicista,

incluindo a compreensão do ambiente físico, onde se considera que padrões

culturais são arbitrários e derivam da mente humana (Sahlins 1976). Não são

abordagens excludentes, contudo, e integradas permitem uma melhor

compreensão de fenômenos culturais, como os tabus.

O número de itens utilizados na alimentação das populações nativas

americanas é conhecidamente extenso, embora dados taxonômicos

permaneçam escassos. No Brasil, descrições detalhados sobre recursos

alimentares e sua utilização pelas populações nativas são raros. Contudo,

283

Page 284: Relatorio final paranatinga 12 05-06

existem alguns estudos recentes buscando o entendimento do conhecimento

acerca do ambiente biológico e sua relação com a cultura e da relação custo-

benefício e eficiência na exploração de recursos (Forrageamento Ótimo,

Hames e Vickers 1982). Outro enfoque conhecido consiste em tentar explicar

as limitações nutricionais ao tamanho populacional (Meggers, 1977; Gross,

1983).

Estudando comparativamente a ecologia alimentar dos índios Nambiquara

situados na floresta e no cerrado, Setz (1989) constatou que as aldeias da

floresta e do cerrado apresentaram diferenças claras na composição

taxonômica e no número total de espécies utilizadas como alimento. Os índios

da floresta utilizaram mais espécies de peixes, e utilizaram um total de 69

espécies de animais, ao passo que os índios do cerrado utilizaram mais insetos

e aves, e utilizaram 90 espécies de animais no total. Setz propõe que as

diferenças qualitativas e quantitativas na composição faunística do ambiente de

cada aldeia explicam amplamente as diferenças encontradas na dieta e na

fixação cultural sobre determinadas espécies. Diferenças na tecnologia de

obtenção de alguns alimentos também estão relacionadas com a maior

disponibilidade de presas específicas. Por exemplo, os índios do cerrado

utilizam técnicas especiais para captura de gafanhotos e cupins alados,

enquanto que os índios da floresta se valem de uma variedade maior de

métodos de pesca.

Para Ross (1978) existem claras evidências, na Amazônia, de que os tabus

alimentares restringindo a caça de animais de grande porte, em algumas

populações, constituem um componente do padrão adaptativo das populações

nativas da região. O autor considera que, de maneira geral, a existência de

tabus alimentares está relacionada com a produtividade da caça no habitat

ocupado pela população estudada. Esta produtividade, por sua vez, depende

de condições específicas relativas à disponibilidade de recursos, à distribuição

populacional, à tecnologia e às características comportamentais das espécies

exploradas.

284

Page 285: Relatorio final paranatinga 12 05-06

De todas estas, provavelmente a mais importante é a produtividade da pesca.

A pesca, como elemento sedentarizador, influencia na acessibilidade de

animais de grande porte em função do progressivo decréscimo populacional

das espécies maiores pela pressão de predação. Quando a pesca exerce papel

secundário, a atenção volta-se deliberadamente para os animais grandes. A

amplitude de dieta varia inversamente com a produtividade da pesca e,

consequentemente, o grau de sedentarização. Para os ribeirinhos do Parque

Nacional do Jaú, peixes constituem o principal item alimentar em número de

animais capturados, com mamíferos e répteis (basicamente quelônios), vindo a

seguir, e por último as aves (Pezzuti et al. 2004). Estas últimas, por

proporcionarem rendimento baixo, são abatidas em pequenas quantidades, já

que o caçador decide não gastar sua escassa munição com uma presa tão

pequena, insuficiente para uma única refeição da sua família. Os quelônios,

entretanto, são consumidos em maior quantidade na seca, pois são coletados

(adultos e ovos) nas praias, durante o período reprodutivo, e são mais

intensamente pescados nos corpos de água remanescentes, no verão.

Embora tenhamos participado de três pescarias com redes de pesca e de

termos observado este tipo de artefato em dezenas de residências, algumas

lideranças negaram a utilização deste tipo de apetrecho, dando a entender que

o mesmo não é bem aceito, e considerado predatório. O cacique Matipu, ao

negar a utilização de malhadeira para pesca, evidencia a existência de

restrições, de desaprovação à utilização deste tipo de apetrecho de pesca.

Este reconhecimento coincide com as restrições ao uso de malhadeira em

outras regiões, como o Baixo Amazonas. O processo de conflitos e de auto-

organização social em torno dos territórios de pesca nesta região envolve uma

combinação extremamente variável de restrições, compreendendo restrições

específicas, temporais, espaciais e de equipamentos, gerando um mosaico de

sistemas locais de controle da atividade pesqueira (McGrath 1993)

285

Page 286: Relatorio final paranatinga 12 05-06

7.6 RELAÇÃO SÓCIO-POLÍTICA, ECONÔMICA E CULTURAL DOS

GRUPOS INDÍGENAS COM A SOCIEDADE ENVOLVENTE

7.6.1 Organizações Indígenas

A participação política das comunidades xinguanas é multifacetada. Os

caciques das aldeias, os pajés, os membros do conselho de lideranças locais,

o cacique geral, os membros e dirigentes de diversas instâncias da saúde

indígena (conselho distrital, DSEI, pólos base), e a representação política

munipal são alguns exemplos dela.

Os índios elegeram um vereador indígena no município de Gaúcha do Norte, o

qual obteve a maior votação, mais de 300 votos, mas mesmo assim não assumiu

a presidência da casa, por conta de manobras políticas de lideranças municipais.

Atualmente os xinguanos fiscalizam ativamente as fronteiras do PIX,

constantemente ameaçadas por invasões de madeireiros, fazendeiros,

pescadores e caçadores, os quais praticam atividades ilegais dentro do

território indígena.

Será apresentada a seguir a relação das associações indígenas mais

representativas do PIX.

ATIX: Associação Terra Indígena Xingu

Rua Três Passos, 93

78640-000 Canarana – MT

(66) 3478-1948

286

Page 287: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Email: [email protected]

IPEAX: Instituto de Pesquisa Etno Ambiental do Xingu

Endereço: Av. Paraná nº 623, Centro. Cep 78640-000 .

Canarana – MT. Fone (66) 3478-2564

Na aldeia Mehinako existe a Associação Indígena Wanaki, cujo

presidente é Carlinhos.

Waurá: Existe a Associação Indígena Tulukai.

Aweti: Associação Indígena Enumaniá, cujo presidente é Yakumim,

cacique da aldeia.

Kuikuro: Associação Indígena AIKAX, cujo presidente é Tabata.

Kalapalo: A Associação Indígena Aulukumã já foi registrada em cartório,

faltava apenas abrir uma conta corrente. O presidente é Jeika.

Kamayurá (Ipavú): Associação Indígena Mavutsinim.

Ikpeng: AIMCI- Associação Indígena Moygu. Comunidade Ikpeng

Posto Indígena Pavuru - Parque Indígena do Xingu

A/c ATIX- Av Mato Grosso, 607. 78.640-000 Canarana- MT

(66) 3478-1948

287

Page 288: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Kalapalo: Associação Jakui

Rua Redentora, 837 Jardim Bela Vista

78.640-000 Canarana – MT

Yudjá: Associação Yarikayu

Aldeia Tuba Tuba, Parque Indígena Xingu

A/c ATIX- Av Mato Grosso, 607

78.640-000 Canarana- MT

CEIMBX- Conselho de Educação Indígena do Médio e

Baixo Xingu

povos: Kisêdjê, Kayabi, Txicão, Yudjá, Ikpeng e Trumai

7.6.2 Educação

A educação indígena é financiada pelos governos municipais e estadual,

responsáveis pela contratação dos professores, construção de escolas e

aquisição de materiais didáticos, além da atuação do Instituto Socioambiental

na região do Médio e Baixo Xingu, o qual desenvolve o “Projeto de Formação

de Professores do Parque Indígena do Xingu”.

Segundo o ISA, o objetivo principal do Projeto de Formação de Professores é

consolidar uma escola diferenciada e de qualidade no Parque Indígena do

Xingu (PIX), protagonizada e gerida pelos próprios índios a partir da formação

de professores indígenas e do estabelecimento de um currículo diferenciado. O

projeto desenvolve a formação continuada de 39 professores formados em

magistério e a formação para o magistério de 43 professores indígenas dos

catorze povos do PIX. Em 2001 os professores concluíram o Projeto Político

Pedagógico (PPP), que organiza a proposta curricular da 1º à 4º etapas,

288

Page 289: Relatorio final paranatinga 12 05-06

adequada à realidade cultural a que pertencem. O Projeto foi aprovado pelo

Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso em 2002. Durante as etapas

intensivas e no acompanhamento pedagógico, os professores indígenas

também elaboram materiais didáticos com a assessoria de equipe de

especialistas. Os professores indígenas atuam como diretores e recebem

recursos para aquisição de materiais escolares e da merenda, além de fazerem

a prestação de contas. Os professores conquistaram o direito de adquirir

alimentos tradicionais nas próprias comunidades para a merenda escolar.

No Alto Xingu a participação diante do projeto de educação escolar já

implantado no Baixo Xingu é diferenciada entre as etnias locais. Há uma

oscilação entre a busca de soluções autônomas e uma maior dependência de

pressões externas, tais como escolas da FUNAI, dos municípios, das cidades,

professores não índios etc.

A seguir serão apresentadas as escolas e respectivos responsáveis em 11

aldeias visitadas pela equipe de pesquisa:

Waurá: Escola Estadual Indígena Piyulaga: são cerca de 149 alunos,

mas cadastrados tem 119 alunos. Os professores são Tirauá (ensino de

crianças, pela manhã, 1ª série), Arapauá (ensino de crianças pela

manhã, 1ª série e de adolescentes à tarde), Amuto (aulas pela manhã e

à tarde, 1ª série).

Kamayurá: Escola Municipal Indígena Mawaiaká (município de Gaúcha

do Norte), tem 56 alunos matriculados nos períodos matutino e

vespertino, conta com três professores: Matarivá Kamayurá (crianças, 2ª

e 3ª séries), Kanapü Kamayurá (crianças, 1ª e 2ª séries) e Awakamü

Kamayurá (1ª série).

A escola da aldeia Morená estava funcionando na casa do professor,

Jarel, pois o prédio da escola corre risco de desabamento.

289

Page 290: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Yawalapiti: Escola Estadual Yawalapiti foi construída recentemente em

alvenaria, o prédio ainda está novo.

Mehinako: Na aldeia Mehinako existe a Escola Municipal Madri

Mehinako (município de Gaúcha do Norte), que conta com 40 alunos de

1ª a 4ª série. Os professores são Iauapulá, Kemeiam Mehinako e Denise

Terena.

Aweti: A aldeia conta com a Escola Estadual Aweti, que é anexa à

Escola do PIN Leonardo e tem 23 alunos matriculados. Os professores

são Auaiatu, que ministra 1ª e 2ª séries do ensino fundamental pela

manhã; e Waranako, que ministra de 2ª a 4ª séries no período

vespertino e é aluno de pedagogia do 3º grau indígena da UNEMAT,

campus Barra dos Bugres.

Kuikuro: Professores: Sepé, Ibené, Mutuá (diretor), Rui. Escola Estadual

Central Karib tem 82 alunos.

Matipú: A Escola Estadual Matipú, ligada à escola central do PIN

Leonardo, tem cerca de 30 alunos matriculados, de 1ª a 3ª série. O

professor é Maike Matipú.

Kalapalo: A Escola Estadual Indígena Kalapalo tem 51 alunos

matriculados, sendo 15 adultos. As disciplinas ministradas na 1ª fase do

ensino fundamental pelos três professores (Urise – 1ª e 2ª séries; Talico

– 2ª série e Jeika – 3ª e 4ª) são: língua portuguesa, língua materna,

ciência, história, matemática e geografia. O professor mais antigo é

Jeika, que começou a dar aula em 1994, ainda no projeto do Instituto

Sócio-Ambiental (ISA).

Nahukuá: O professor é Kamani, que estava lecionando em sua casa

para 29 alunos, pois a aldeia não dispunha de escola com prédio

290

Page 291: Relatorio final paranatinga 12 05-06

próprio. Ele leciona para quatro turmas: Turma A, período da manhã,

das 08:30 às 11:30 hs, tem 07 alunos: Agassahegü, Kamüle, Kaime E

Waiazi, Kuiahi Marina, Hiniõ Zileide, Póhai e Marquinho; Turma B,

mesmo horário da Turma A, tem 05 alunos: Aluagü, Kumatsi, Amati,

Kágua; Turma C, mesmo horário, tem 08 alunos: Raikalo, Akuá Afia,

Atahulu, Euka, Janete, Kaminaigo, Agihuá, Yanamá; e Turma D, período

vespertino, das 14:30 às 17:30 hs, tem 09 alunos: Talá, Tologokogu,

Ronaldo, Tamapü, Tamaiuá, Maiu Zeca, Kita, Kahihi, Eliane Kússaku.

Trumai: A Escola Indígena Awaldat’, não possui prédio próprio, as aulas

são ministradas na varanda da casa de Matsilake Trumai. A escola é

estadual, anexa à Escola Central Pavurú. Os professores são Pi-yu,

Iauaritú e Uali, que reivindicam a construção de uma escola na aldeia,

pois, segundo Pi-yu, “a gente queria que a prefeitura [municipal de Feliz

Natal] criasse uma escola aqui, aí teve rolo de não ter recurso e tal, por

enquanto eu dou aula de improviso na varanda, na verdade não é um

local adequado, o que eu queria mesmo era uma sala de aula para

poder fazer vários trabalhos com os alunos, por exemplo, um ensaio de

dança, dramatização, porque seria importantíssimo na revitalização da

própria cultura indígena, porque a escola precisa fortalecer essas coisas

e para facilitar eu teria que ter uma sala de aula bem adequada para os

alunos poderem ter essa aula”.

7.6.3 Turismo Étnico

Dentre as atividades produtivas, o turismo étnico está ganhando espaço

rapidamente nos últimos anos entre os Kamayurá de Ipavu. Já há alguns anos

os índios Kamayurá têm interesse em explorar o chamado “ecoturismo” em sua

aldeia, sendo que a visitação do Parque por turistas brasileiros e estrangeiros é

291

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bastante antiga, especialmente na época de realização do Kwarup, ritual em

homenagem aos mortos ilustres. No início dos anos 2000, os Kamayurá

iniciaram uma experiência de visitação de ecoturistas, que era promovida por

um empreendimento hoteleiro localizado nas proximidades do PIX e que foi

suspensa devido a intervenção da FUNAI. Por volta do ano 2002, segundo

Ramos, “os Kalapálo e Kamayurá procuraram a Secretaria da Amazônia [do

Ministério do Meio Ambiente] e apresentaram suas reivindicações de apoio. Em

discussões com a FUNAI foi acordado que seria elaborado um Termo de

Referência com a finalidade de realização de estudos visando a implantação de

um projeto piloto. Os encaminhamentos foram realizados, o Termo de

Referência foi elaborado, os consultores foram contatados e o orçamento foi

disponibilizado pelo MMA, porém os trabalhos não foram iniciados pelo fato de

não haver consenso entre as lideranças das etnias do Xingu, sendo que muitos

não concordaram com a realização dos estudos para o projeto piloto” (Ramos,

2002: 08).

Desde 2002 as discussões praticamente ficaram paralisadas, até que em

fevereiro de 2004, o cacique da aldeia Kamayurá e presidente da Associação

Indígena Mavutsinin, Kotok M. Kamayurá, apresentou um documento intitulado

“Projeto Ecoturismo Aldeia Kamayurá”, onde são apresentados a justificativa do

projeto, seus objetivos gerais e específicos, metodologia, treinamento dos

colaboradores e o contrato de implantação e realização de ecoturismo na

aldeia Kamayurá. São apresentados ainda um contrato de risco e

responsabilidade a ser assinado pelos visitantes, um cronograma de atividades

e o orçamento do Projeto. Na apresentação do projeto, consta que, “este tipo

de turismo proposto pelos Kamayurá servirá para a valorização da cultura, para

o branco entender como é rico o universo cultural indígena e ainda para trazer

meios aos índios obterem sua independência financeira”.

Percebe-se que, apesar da relutância de alguns setores, os índios insistem em

apresentar projetos de seu interesse, como o seguinte, encaminhado à

Coordenação Geral de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente da FUNAI:

292

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Processo 08620.0191/2001 – DV, de 29.01.2001

Interessado: Parque Indígena do Xingu

Assunto: Parceria.

Resumo: Parceria com o MMA para discutir projeto piloto de ecoturismo

e criação de GT interministerial para estudo da regulamentação do

ecoturismo em terra indígena.

Apesar do processo ter como documento primário o telex nº 0056 da

Associação Indígena Mavussini (sic) de 12.09.2000, o primeiro documento é

uma ata da reunião sobre ecoturismo realizada em 29.09.2000 com a

participação do DEPIMA e DEDOC. Segundo a ata da reunião, “foi

considerado que a FUNAI e o MMA aprovaram o termo de referência para a

implantação de um projeto piloto de ecoturismo junto às comunidades

Kalapálo e Kamaiurá mas, que existem demandas para a implantação de

outros projetos de ecoturismo em terras indígenas como, Tangará da Serra

e Pantanal e existem informações que algumas ações de ecoturismo estão

sendo planejadas ou implantadas em terras indígenas, independentes da

aprovação da FUNAI. Diante dos fatos, o DEDOC e o DEPIMA propuseram

fazer um levantamento junto as administrações regionais das atividades de

visitação com fins turístico (sic) que estão sendo planejadas ou implantadas

nas terras indígenas. O levantamento será feito pelo encaminhamento de

solicitação para que todas as administrações regionais informem sobre as

demandas e ações de turismo que estão ocorrendo em suas regiões. Foi

concluído que o objetivo final desse levantamento seria traçar o perfil da

demanda do ecoturismo em terras indígenas e definir os critérios para a

seleção de iniciativas que poderão ser objeto de outros projetos piloto de

ecoturismo”.

Através do telex nº 005, de 12.09.2000, o cacique Takumã Kamayurá solicita

ao presidente da FUNAI manter gestões junto ao departamento competente do

Ministério do Meio Ambiente acerca do projeto de ecoturismo na aldeia

293

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Kamayurá e se possível incluí-lo no Proecotur e informar demais

procedimentos necessários para sua aprovação.

Por meio do ofício Supam nº 081/00, de 20.09.2000, o Sr. Humberto

Figueiredo, gerente de programas internacionais da EMBRATUR,

encaminha ao representante da FUNAI no GTC/Amazônia dois exemplares

do código mundial de ética do turismo, criado pela Organização Mundial de

Turismo – OMT.

Em carta s/n, datada de 05.06.2000, quatro lideranças Kalapalo da aldeia

Tanguro solicitam apoio da FUNAI para a implantação de atividades de

ecoturismo em sua área. Segundo eles, a idéia era implementar o projeto de

turismo ecológico pelo período de dois anos para avaliação do projeto.

No entanto, em carta s/n da ADR/Xingu/2001, de 11.01.2001, o cacique

Aritana Yawalapiti faz um apelo ao presidente da FUNAI para tomar as

providências necessárias junto ao Ministérios do Meio Ambiente e Esportes

e Turismo com vistas a cancelar qualquer projeto de ecoturismo a ser

instalado na Parque Indígena Xingu, “por se tratar de uma proposta que

contradiz totalmente aos nossos esforços de preservar o Parque, o que caso

isso viesse a se concretizar, nos traria graves conseqüências de

desequilíbrios internos sobre vários aspectos da nossa vida tribal, valendo-

se salientar que só a perspectiva desse projeto se concretizar, já está nos

trazendo sérios problemas”.

Através do ofício nº 002/SCA/MMA, de 05.01.2000, o Secretário de

Coordenação da Amazônia do Ministério do Meio Ambiente informa, dentre

outras coisas, que a Secretaria tem a possibilidade de levantar recursos

para desenvolver um programa específico com os índios, a despeito do fato

que o Proecotur não tinha “nenhum projeto ou programa a ser desenvolvido

com os índios”, mas, segundo ele, “a demanda por ações com grupos

indígenas têm sido freqüentes, tanto por parte dos índios como de

294

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operadores”. Ressalte-se que a Organização Mundial do Turismo – OMT e a

Comissão de Desenvolvimento Sustentável – CDS da ONU prevêem, em

documentos recentes, que haverá uma grande procura por roteiros que

incluam comunidades indígenas na próxima década”. Anexo ao ofício são

encaminhados parecer técnico da FUNAI e minuta do termo de cooperação

entre o MMA e a FUNAI.

Consta minuta de portaria interministerial (MMA, Justiça, Saúde e Esporte e

Turismo) na folha 32; projeto “ecoturismo em terras indígenas”, fls. 30-34;

termo de referência para proposta de projeto piloto de ecoturismo junto as

sociedades indígenas Kalapálo e Kamayurá”, fls. 28-29.

Através do ofício nº 086/DEPIMA, de 17.08.1999, o diretor de assistência da

FUNAI encaminha ao MMA cópia da informação nº 163/CMAM/DEPIMA/99,

que trata de análise da minuta do “termo de cooperação” entre a SCA/MMA

e a FUNAI. Da análise realizada, conclui o técnico indigenista da

CMAM/FUNAI, que o termo de compromisso “deverá ser alterado, tendo

como objeto a regulamentação da atividade de ecoturismo em terras

indígenas junto ao CONAMA, com base nas recomendações do relatório

final de ecoturismo em terras indígenas, bem como o documento ‘diretrizes

para uma política nacional de ecoturismo’ do GT interministerial

MINCT/MMA.

O processo é então arquivado pela CGPIMA/FUNAI, sem que os interessados

sejam informados sobre este fato.

Em 31 de maio de 2005, Kotok apresenta um novo documento ao Presidente

da FUNAI, com um contrato de trabalho de três anos de duração. De acordo

com o contrato, os Kamayurá recebem 450 dólares por dia de cada turista, que

ainda pode comprar artesanato na sede da Associação Mavutsinin, na aldeia

Kamayurá. Além dos Kamayurá, os Aweti também venderam artesanato

através de consignação com a associação Kamayurá. Em 2005, os Kamayurá

295

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receberam 06 grupos de turistas, que gastaram mais de R$ 15.000,00 em

compras, além do dinheiro repassado à Associação Indígena. Os grupos

variaram de 03 a 06 pessoas, segundo John Carter, responsável pela atividade

(comunicação pessoal, 04.11.05).

Como justificativa para o projeto, o cacique Kotok afirma que “a gente quer

ganhar recurso aqui através da nossa cultura”.

Estava prevista a ida de 05 turistas para a aldeia Kamayurá em 15 de

dezembro de 2005. Esse grupo deveria render R$ 5.100,00 para a

associação indígena. Registra-se ainda atividade turística, de maneira

menos organizada, em outras aldeias do Alto Xingu, tais como Kalapalo,

Waurá e Yawalapiti.

7.6.4 Relações com a sociedade envolvente: o problema da degradação

nas cabeceiras dos formadores do Xingu

"O rio tá ficando raso. Em outubro e novembro, quando chove e faz enxurrada,

a água carrega toda a areia e o veneno do fazendeiro"

(Tafukumã Kalapalo, Aldeia Kalapalo, 15/11/2005)

O Cacique Yakumim Aweti, na ocasião da nossa visita à sua aldeia,

comentou preocupado que, no dia anterior, na subida para Gaúcha do Norte

para buscar o antropólogo Sebastian Drude, viu muito peixe morto acima do

Posto Indígena de Vigilância (PIV) do Curisevo. Comentou ter observado

espécies carnívoras como o trairão e a cachorra, além de jaraqui. Afirmou

também que os quelônios apresentavam comportamento diferente. "Os

tracajás fica doido, a água muito suja". Yakumin também comentou que a

296

Page 297: Relatorio final paranatinga 12 05-06

água está bem mais suja do que o normal, e relaciona o fato com a

presença das fazendas e da aragem de terras para a agricultura.

"Todo ano quando começa a encher, quando carrega o veneno que branco

joga na soja, morre muito peixe. Batuvi, Curisevo, Culuene. Morre mais fácil

pintado, peixe cachorro, pacu, tucunaré, pirarara, Jaú. Ano passado veio o

IBAMA saber porque peixe tava morrendo. Veio o CGPIMA, FUNAI. Na entrada

(Sul) do Parque, peixe grande tudo boiando, até no Tanguro, Batuvi também".

(Professor Waurá, Aldeia Waurá, 02.11.2005)

De fato, animais carnívoros, por se encontrarem em níveis tróficos

superiores, tendem a acumular toxinas nos seus tecidos. A cadeia alimentar

define o conjunto de compostos químicos, que variam de acordo com a dieta

dos organismos. Entre os carnívoros, a eficiência de assimilação é

extremamente alta, em torno de 80% quando comparada a animais

herbívoros, ficando entre 20 e 50% (Begon et al. 1996). O fenômeno da

bioacumulação é bem conhecido para muitas substâncias, como o próprio

DDT (Goudie 1986), tendo este produto deixado de ser utilizado como

inseticida agrícola em muitos países justamente por conta de sua

persistência no ambiente e no comprometimento das comunidades bióticas.

Toxinas tendem a se acumular nos peixes piscívoros e carnívoros, já que

organismos situados nos níveis tróficos superiores tendem a obter e

concentrar substâncias tóxicas em seus tecidos. Verificamos facilmente na

Tabela 14 que cinco (50%) das dez espécies de peixes mais consumidas

ultimamente pelos xinguanos, como vimos anteriormente (Tabela 8), são

carnívoras.

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Tabela 14: Hábito alimentar das principais espécies de peixes consumidas pelos índios

do Xingu nos últimos cinco meses (espécies de topo de cadeia – predadoras – em

negrito).

Nome local N % Hábito alimentar

Tucunaré 329 20,6 carnívoro-piscívoro

Piranha preta 175 11,0 Onívoro

Corvina 142 8,9 Carnívoro

Cachorra 128 8,0 carnívoro-Piscívoro

Piranha 82 5,1 Onívoro

Matrinxã 76 4,8 Herbívoro

Pacu 76 4,8 Frugívoro

Pintado 76 4,8 Carnívoro

Traíra 75 4,7 Carnívoro

Piau 68 4,3 Detritívoro

O Sr. Celso, esposo de uma das professoras do Posto Leonardo, trabalhou

como motorista na fazenda Stella, situada entre o Culuene e Vanick, e deu

breve depoimento sobre as grandes quantidades de herbicida e fungicida

pulverizados em uma área de 25.000 ha de soja. Outro não índio que nos dá

depoimento interessante sobre a questão é o Sr. Rui, piloto de avião com larga

experiência em pulverização e que, mesmo voando protegido com macacão,

máscara e luvas, acabou sendo contaminado pelos produtos químicos

utilizados na região, ficando seriamente doente.

"Em 70 não tinha nada, era mata, cerrado só pra lá do Batuvi. Em 2000 era só

soja, soja, soja. O gado tá cagando na água, desce tudo. Fico preocupado com

menino, bebe água e fica com diarréia. Lixo de casa, calcário mistura com terra

e vem pro rio. Herbicida utilizado também provoca mortandade de peixes nas

cabeceiras do Batuvi".

(Sapaé Waurá, Aldeia Waurá, 02.11.2005)

298

Page 299: Relatorio final paranatinga 12 05-06

"Estou aqui porque fui trazido de outro lugar. Trouxe a comunidade para o

Xingu. Quero retornar ao lugar onde nasci e cresci, e esta é a minha luta agora.

A população está crescendo e está ficando apertado. A mudança do leito do rio

e do clima está acontecendo. A devastação e a extração de madeira estão se

aproximando, e está nos preocupando muito. O rio, os peixes e a floresta, de

onde tiramos nossos sustento. Sempre cuidamos da mata e do rio. Os brancos

não pensam nos filhos e nos netos? Nossos antigos foram canibais. Avisem

para eles, brancos devastadores, que se encrencarem com a gente, a gente vai

matar e comer. Não só comemos, mas usamos os ossos, dentes e unhas. A

terra do Brasil é dos índios, e não do governo. A terra, os rios, os animais e as

árvores, nós vivemos por eles e eles por nós. Quem está desmatando e

poluindo não tem respeito por si mesmo".

(Melobô Ikpeng, Aldeia Moygo, 22.11.2005)

299

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Há evidências quanto a isso, tanto pela mortalidade de peixes registrada pelos

inúmeros depoimentos acima transcritos, quanto pelos trabalhos já publicados

comprovando a contaminação do ecossistema aquático (Dores 2001). A

probabilidade de contaminação é maior quando ocorre após pesadas chuvas,

especialmente quando as áreas ao redor de um pequeno córrego tenham sido

recentemente tratadas com altas doses de pesticidas. Mesmo em

concentrações baixas, os pesticidas representam riscos para algumas espécies

de organismos aquáticos que podem concentrar estes produtos até 1000 vezes

(Dores 2001). Não existe nível seguro previsível para pesticidas em água

quando pode ocorrer biomagnificação.

O panorama econômico da região Centro Oeste do Brasil, a partir da década

de 70 vem sofrendo profundas mudanças, em função dos incentivos

governamentais oferecidos para a ocupação da Amazônia pela pecuária e pela

agricultura com predomínio da soja e do algodão atualmente. Como

conseqüência, esta ocupação se baseou na distribuição altamente desigual

com o predomínio dos grandes latifúndios, que possuíam condições

econômicas para desenvolver a tecnologia necessária para a exploração do

cerrado com seus solos ácidos deficientes em nutrientes. O que se estabelece

na região é invariavelmente a monocultura dependente de insumos químicos,

incluindo pesticidas. Este quadro favorece a contaminação dos recursos

hídricos e a sua acumulação no ambiente.

No caso da soja em Primavera do Leste, município situado na região da

cabeceira do Culuene e também do Rio das Mortes, a pulverização das

lavouras com inseticidas organoclorados e piretróides ocorre entre outubro e

março, principalmente dezembro e janeiro e, portanto, justamente no período

chuvoso. Os herbicidas são também aplicados basicamente na época das

chuvas, entre outubro e novembro. Os únicos biocidas que não são aplicados

no período correspondente às chuvas são os fungicidas, ainda com exceções

de produtos que são aplicados ao longo de todo o ano (Dores 2001). A

infiltração no solo e o escoamento superficial das águas são grandes nesse

300

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período, facilitando a percolação de pesticidas no perfil do solo ou seu

carreamento lateral. A elevada pluviosidade ocorrendo sincronicamente à

aplicação de biocidas, associada ao fato de que os latosolos da região são

caracteristicamente profundos e bem drenados favorecem o processo de

lixiviação de pesticidas até as águas subterrâneas. Deve-se considerar também

que, quando pesadas chuvas ocorrem pouco tempo após a aplicação dos

pesticidas, a possibilidade de penetração no solo aumenta devido ao menor

tempo em que as substâncias estiveram expostas a mecanismos de dissipação

(altas temperaturas e radiação solar). Uma vez que a época de aplicação de

pesticidas, em geral, coincide com o período de chuvas mais intensas, esta

hipótese torna-se bastante provável.

A pesquisadora Eliana Dores, do Departamento de Química da Universidade

Federal de Mato Grosso (UFMT), vem coordenando projetos de pesquisa

importantes no sentido de monitorar estes processos e confirmar os efeitos

ambientais adversos da aplicação de biocidas em larga escala em lavouras de

algodão. Seria fundamental que estudos desta natureza sejam levados a cabo

em áreas de plantio de soja, pela quantidade de insumos químicos tipicamente

utilizados nesta cultura, e pela escala que o cultivo da soja atingiu no país,

sobretudo no Mato Grosso.

301

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7.7 LEVANTAMENTO DAS CONDIÇÕES DE ATENÇÃO À SAÚDE

A saúde indígena é de responsabilidade da FUNASA - Fundação Nacional de

Saúde, a qual por meio de instrumentos próprios beneficia o atendimento aos

índios, de forma a melhorar sua qualidade de vida. A FUNASA instalou caixas

d´água e água encanada na maior parte das aldeias do Xingu, construiu postos

de saúde nos Postos Indígenas da FUNAI (PINs Leonardo, Pavurú e

Diauarum), doou voadeiras com motor de popa, além dos medicamentos e

suporte técnico para as associações e organizações da sociedade civil

executar a assistência à saúde indígena.

Em geral o atendimento médico é realizado por auxiliares de enfermagem,

médicos, odontólogos e agentes indígenas de saúde (AIS) e agentes indígenas

sanitários (AISAN).

Estes serviços são terceirizados pela FUNASA, responsável pelo

acompanhamento e suporte financeiro da assistência à saúde indígena.

Apresentaremos a seguir os profissionais e equipamentos existentes nas 12

aldeias visitadas pela equipe de pesquisa.

Waurá

Na escola da aldeia Waurá funciona também o Posto de Saúde, que conta com

os seguintes profissionais: Yanahin Matalá Waurá (auxiliar de enfermagem),

Apayupi K. A., Maualaya A. C. e Yukuku Y. (agentes indígena de saúde),

Yaukuma (agente indígena de saúde bucal), Edson Ulawakato (agente

indígena de saneamento).

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Kamayurá

Existe posto de saúde na aldeia Kamayurá, que conta com os seguintes

profissionais: Trauim, Iakaureanã, Odivan (agentes indígena de saúde) e com

um agente indígena de saneamento, que estava em processo de mudança. O

posto de saúde da aldeia Morená funciona na casa de Pablo Kamayurá. Os

AIS são Sula e Arutsam, e o AISAN é Arió.

Mehinako

A aldeia Mehinako conta com posto de saúde, com apenas um agente indígena

de saúde contratado, Kuaiú, e dois voluntários: Iatapí e Ialuití, além de uma

auxiliar de enfermagem não-índia, Liliane e um agente indígena de

saneamento, Siucarte. As principais doenças relatadas foram casos de vômito

com crianças e IRA (infecção respiratória aguda).

Aweti

Na aldeia Aweti existe posto de saúde, cujo AIS é Maitauaná.

Kuikuro

AISAN: Lalate. AIS: Aiatú, Jói, Maluve.

Kalapalo

Em relação à saúde, existem dois AIS na aldeia Kalapalo: Arússavi e

Orlandinho; e um AISAN, Kaiotá.

Matipú

Na aldeia Matipú os agentes indígena de saúde são Kulumaka, Kaiapó, Kulika,

Kakunahû e o agente indígena de saneamento é Lamate.

Nahukuá

Os AIS da aldeia Nahukuá são Ronaldo e Marcelo, Tafuraki é auxiliar de

enfermagem e Tamaiuá é AISAN.

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Page 304: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Trumai

AIS da aldeia Trumai: Saulú, Kunhairó, não tem AISAN. A doença mais comum

é a gripe. Os índios fazem severas críticas em relação a atenção à saúde.

Arwiavi afirmou que “a saúde não é bem atendida, tinha que funcionar melhor.

Quando a FUNAI tomava conta dos índios era bem melhor, encaminhava logo

os doentes e tratava. A Escola Paulista de Medicina [EPM] pegou esse trabalho

da FUNAI. A EPM tem hospital grande em São Paulo, mas só manda os índios

pra Canarana. Está morrendo bastante índio, crianças”. O cacique Trumai

complementa: “tenho algumas coisas pra falar sobre a saúde. Hoje a saúde

dos índios está um pouco melhor, mas queremos que melhor mais. Quando a

FUNASA entrou, temos o Distrito [Sanitário Especial Indígena, em Canarana],

que está tentando atender os índios, mas tem problemas. Os índios estão

sofrendo muito. A gente aqui está sendo atendido sim, estamos tentando

melhorar. Hoje tem muita doença no Xingu que é dos brancos. As vezes os

médicos atendem mas não tem diagnóstico. Os índios estão lutando contra

essas coisas. Aqui no Xingu a FUNASA não tem preparo para trabalhar com os

índios. Eles pegaram de repente pra trabalhar com os índios. A saúde estava

com a UNIFESP, hoje quem está mais com a saúde dos índios é a FUNASA, o

CASAI. Os índios precisam ter um atendimento mais rápido, ter um

atendimento diferenciado”.

Ikpeng

Os Ikpeng contam com o posto de saúde localizado no PIN Pavurú, que fica

próximo à aldeia Moygo (cerca de 05 minutos à pé).

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PIN Leonardo

Funcionários do Pólo Base Leonardo – FUNASA

01- Titico – barqueiro;

02- Kawakanamu – barqueiro;

03- Travi – faxineiro;

04- Kamani – cozinheiro;

05- Arirapu – faxineiro;

06- Maiuri – microscopista;

07- Sávio – lancheiro;

08- Tunuli – mecânico;

09- Mainapu – barqueiro;

10- Carrincha – serviços gerais;

11- Takarrachi – serviços gerais;

12- Karuaravi – serviços gerais;

13- Kulumaka – AIS/Leonardo;

14- Arautará – assistente administrativo;

15- Yanu – AISB/Leonardo;

16- Ariel – AISB/Leonardo;

17- Kokoro – AISAN;

18- Arroja – serviços gerais.

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7.8. ANÁLISE DE IMPACTOS

Da mesma forma como se procedeu com relação aos grupos Xavante, também

entre as diversas etnias que compõem o PIX foram realizadas reuniões e

entrevistas informais visando obter a percepção e opinião dos indígenas sobre

a PCH Paranatinga II. Nestas oportunidades foram coletados depoimentos que

demonstram uma profunda preocupação quanto à qualidade ambiental de suas

terras que, conforme analisado acima, vêm sendo estranguladas pela

exploração econômica desenvolvimentista.

Apresenta-se, abaixo, os itens apontados pela comunidade, e que sintetizam

suas preocupações e receios perante a implantação da PCH Paranatinga II.

Embora, como veremos, alguns destes itens dizem respeito a outros agentes

interventores na região (fazendeiros, madeireiras, etc.), que fogem à

responsabilidade dos empreendedores da PCH, mostra-se complexo para a

comunidade indígena individualizar as causas das transformações ambientais

que põem em risco sua qualidade de vida.

O texto que se segue traz, inicialmente, uma coletânea de depoimentos dos

indígenas, atendendo às suas solicitações, de que fossem transcritos no presente

relatório. Por outro lado o Anexo 7 traz atas de diferentes reuniões realizadas junto

às comunidades indígenas, quando da chegada da equipe, e também a ata da

reunião geral final, realizada no PIN Leonardo. Estas atas complementam as

preocupações e impressões gerais da comunidade para com a construção da PCH.

Em seguida é apresentada uma sistematização dos itens apontados pela

comunidade, somados àqueles observados e avaliados pela equipe de

profissionais que desenvolveu o estudo. Finalmente, ainda neste capítuilo,

apresenta-se uma avaliação da pertinência dos itens levantados em relação às

características técnicas e ambientais da PCH Paranatinga II, visando definir os

efetivos impactos previstos pela comunidade indígena do PIX.

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Page 307: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Depoimentos da comunidade indígena

"A gente não quer. O rio vai secar, vai mudar o leito, e nós não queremos. Vai

sumir o peixe. Nosso mercado é o rio, onde pegamos peixes para alimentar

nossos filhos. Comemos peixe todo o dia".

(Aruiaví Trumai, Aldeia Trumai, 21.11.2005)

"Com a barragem, vai secar e o peixe, o pacu, não vai mais poder comer fruta,

e vai ficar triste. A barragem não é importante para nós; o importante é a

saúde".

(Imuí Mehinako, Aldeia Mehinako, 08.11.2005)

"Os Terena e os Gavião estiveram aqui no ano passado, lá tem barragem.

Antes tinha caça, peixe, raiz, tudo. Depois chegou influência lá. Coisas tristes o

que trouxe as barragens. E os fazendeiros e madeireiros, acabando com a

mata. Peixe não tem mais, e não tem mais as coisas que vivem no rio. Eles

pediam pra nós não deixar a coisa continuar aqui. Tanto Terena quanto Gavião

as barragens são acima das aldeias. E eles não tem mais água!”.

(Imuí Mehinako, Aldeia Mehinako, 08.11.2005)

"Todas as lideranças estão preocupadas com isso. Em outros lugares onde

fizeram hidrelétrica, está ficando cada vez mais raso".

(Sariku Nahukwá, Aldeia Nahukwá, 17.11.2005)

"O tracajá, quando chegar o tempo, não vai mais botar ovo. Mês de janeiro, vai

encher e vai crescer a folha que engorda o tracajá. No futuro, com a usina, vai

secar e não vai mais ter isso. Com a barragem, vai secar riozinhos pequenos,

Tuatuari, vai secar tudo. A água vai ficar suja. A água da área do lago alagando

fazenda e vai sujar, vai descer suja. O veneno das áreas alagadas das

fazendas, com o alagamento, vai ser carregado e também vai sujar o rio”.

(Imuí Mehinako, Aldeia Mehinako, 08.11.2005)

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"O homem precisa do ecossistema e da biodiversidade. O branco diz que a

barragem não vai afetar o meio ambiente e vai trazer melhorias para a cidade e

empregos, não estão preocupados com a natureza e com quem vive nela.

Claro que vai afetar. Hoje a gente observa a plantação de soja, começou

pequeno, e foi crescendo, aumentando, e hoje o Mato Grosso é que mais

produz soja e está tudo desmatado como a gente vê. Isto é o que mais

desmata. O clima está mudando, está esquentando. Estão fazendo acordo com

multinacionais para escoar soja. Por isso eu digo diretamente que sou contrário

à barragem".

(Professor Py-iu Trumai, Aldeia Trumai, 21.11.2005)

"Com o crescimento da agricultura e dos municípios, fica ameaçada as

cabeçeiras do Xingu. Entre março e setembro o rio, seca bastante, pois está

sendo assoreado. Essa região das cabeceiras era ocupada pelos povos que

foram trazidos pelo Orlando (Villas Boas). Não fomos ouvidos e continuamos

não sendo ainda, como agora. É nesse local sagrado que o peixe vai fazer a

desova, a piracema. Se a gente tivesse o maquinário e fosse destruir o lugar do

Deus de vocês, vocês não iam gostar. Hoje nós vivemos de favor, a Terra

Indígena é da União, nós só temos o direito de usufruir. Esperamos que nossa

história não seja destruída por causa de energia, que sabemos que é

importante. Sabemos que com o bombardeio morreu muito peixe."

(Pablo Kamayurá, Pavuru, 19.11.2005)

“Nossa preocupação é de diminuir a água, peixe fica fraco e doente, não tem

fruta, lago, lambari. A gente come esse peixe e fica doente também. O peixe

fica fraco, não entra no mato, emagrece, nós come, passa pra nós a doença.

Não é pra mim, é pra meus filhos, meus netos, pra frente. Por isso nós não

deixa, não aceita barragem. Deixa normal, pro peixe poder ir pra lá e pra cá

atrás da comida dele. Preocupação é essa”.

(Kuricaré Kalapalo, Posto Leonardo, 30/10/2005)

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Nós índio, o Xingu o mercado nosso, a água e o peixe. Quando vem chuva traz

sujeira e mata peixe, fica boiando assim. Bosta de boi fica descendo o Rio”.

(Kuricaré Kalapalo, Posto Leonardo, 30/10/2005)

"Os rios e o nome dos lagos e lagoinhas do Curisevo, onde os homens

pescam, é onde conseguimos nosso alimento. Tem a lagoa do sal no Curisevo,

é muito importante o sal para nós. Com o trancamento do rio, vai acabar o sal,

que usamos desde o começo e ainda usamos. Peixe água e sal. Tem os lagos

Iapuaia, Aukata, Iumuipana, Künta okapi, Aitá, Tsuepelo, Macavaia (sagrado) e

Tsalava (do sal). Na cheia, todos se ligam com o Curisevo".

(Mahualu Aweti, Aldeia Aweti, 9.11.2005)

"Eu sou contra desmatamento, usina e mineração. Preciso do peixe para comer

com beiju. Para eu comer esse macaco aranha, precisa da chuva. Se não, tudo

pode ficar um deserto. Antigamente não tinha branco perto da gente, agora tá

se aproximando. Antigamente a gente viajava longe para ver o branco, e agora

está para todo o lado. Eu preciso da mata e do rio para tirar meu sustento.

Engraçada a vida de vocês, que tem que pagar para tudo. Nós não temos essa

frescura de pagar pela comida. Para quê essa grandes roças, para quê

represar o rio e cavar a terra? Vocês se alimentam de pedregulhos? Não quero

a usina, espero que este trabalho de vocês tenha resultado. Digam à esposa

de vocês que tem uma Ikpeng velha guerreira que cuida das matas e dos rios,

e que em volta da minha aldeia é bonito. Eu pari Deus".

(Airé Ikpeng, Aldeia Moygo, 22.11.2005)

"Se continuar, vai ser ruim. Quem está em cima, vai alagar, e embaixo vai

secar. É prejuízo total. Os brancos estão em volta da gente, fazem

necessidade, e o esgoto vai para o rio que nós bebemos. Eu cuido das matas e

dos rios, não quero trocar por objetos, que quebram".

(Liderança Ikpeng, Aldeia Moygo, 22.11.2005)

"Vocês vieram visitar nossa aldeia para ver se estamos comendo a comida de

vocês ou não. Vocês estão vendo que vivemos como nossos avós, estão

309

Page 310: Relatorio final paranatinga 12 05-06

vendo nossas casas. Se o rio vai secar, onde vou pegar peixe para sustentar

meus filhos e netos, onde eles vão pescar?"

(Assuki Kalapalo, Aldeia Kalapalo, 15/11/2005)

"Só como peixe, tracajá e alguns bichos. Meu pai era bom de flecha, nos

sustentava com peixe e pássaros. Nasci no Naruwoto, sempre digo que meus

filhos e netos vão morrer quando o rio secar. Os povos do Xingu não aceitam

essa obra, é uma ameaça para nós. Os brancos estão nos iludindo, dizendo que

o rio não vai secar e o peixe não vai acabar. Os índios do Xingu não acreditam".

(Sanaí Kalapalo, Aldeia Kalapalo, 15/11/2005)

“Estamos preocupados, pois os peixes e a água são nosso sustento. Vocês

vieram bebendo água. Esse rio é para pegarmos peixes, peixes para nossos

filhos. É nossa única alimentação. Nosso Deus fez para nossa alimentação só

o peixe. Só macaco, nosso Deus que nos deu, o macaco prego. Não comemos

anta, veado, porco. Só o peixe. Das aves só o jacu e o mutum. Para mulher de

resguardo nós matamos o macaco e a ave. Vocês têm o boi e os outros

animais, nós não, só o peixe, por isso nós nos preocupa tanto com a barragem.

Para nós isso é muito feio. Todos nós do Xingu sobrevivemos com a água. Não

queremos isso. Lá é que começou nossa história e o Kwarup. Saginhenhu, foi

lá que começou nossa história, os povos que estão vivendo aqui. Queremos

que eles da empresa venham aqui, para nós falarmos para eles. A gente já viu

que barragem em outras regiões fizeram começar a secar os rios”.

(Liderança Kuikuro, Aldeia Kuikuro, 11.11.2005)

"Aqui tem sim mata boa, macaco, mutum, aqui tem. Lá fora não tem mais,

fazendeiro acabaram tudo, só no Parque do Xingu".

(Kurikaré Kalapalo, Posto Leonardo, 30.10.2005)

"Nosso alimento é a mandioca que plantamos, o peixe e o beiju. Por isso

fazemos roça pequena, para não acabar essa mata".

(Pajé Matipu, Aldeia Matipu, 14.11.2005)

310

Page 311: Relatorio final paranatinga 12 05-06

“Quem tá cuidando do Culuene é nós. Todo mês nós fiscaliza pra cima, entra

no Sete de Setembro, volta, sobe rio Tanguro, fiscaliza todo mês. Fazendeiro

planta soja, arroz, gado, quando chove a sujeira vem pro Rio. Vocês branco

têm mercado, têm dinheiro, de manhã compra leite, pãozinho, traz e cozinha.

Avaliação de impactos

O efeito dos trabalhos das organizações não governamentais (ONGs) de

atuação sócio-ambiental como o Instituto Sócio Ambiental (ISA) e o Instituto de

Pesquisas da Amazônia (IPAM) certamente também influiu positivamente para

o alto grau de conscientização e engajamento das lideranças e das

comunidades indígenas em favor do seu território ancestral e atual. Exemplos

de conseqüências negativas enfrentadas por outros povos indígenas brasileiros

em função da instalação de barragens foram mencionados em diversas

ocasiões.

Idealmente, o planejamento inicial de qualquer empreendimento relacionado

aos recursos aquáticos deve considerar medidas para evitar, mitigar e

compensar efeitos adversos, como parte do delineamento da obra. No livro The

Social and Environmental Effects of Large Dams, Goldsmith e Hildyard (1984)

se esforçam no sentido de resumir os diversos efeitos relacionados à utilização

de recursos aquáticos, embora, neste caso, voltado e grandes barragens. A

conclusão é de que não há como evitar completamente os efeitos adversos

tanto na esfera ambiental como na social.

Todavia, vários problemas podem ser contornados e evitados, e

compensações adequadas podem ser implementadas. Benefícios substanciais

podem ser alcançados, como tratamento e disponibilização de água potável,

irrigação e produção de energia. O usufruto destes para as comunidades locais

direta ou indiretamente afetadas é outra história. Medidas de mitigação efetivas

geralmente são atingidas quando informação suficiente é produzida, e os

311

Page 312: Relatorio final paranatinga 12 05-06

processos causadores de efeitos adversos são entendidos. Isto envolve

esforços específicos direcionados para atender às necessidades das

comunidades locais, que são sujeitas a constantes mudanças. Modificações

visando atender mudanças de objetivos do uso de recursos são conhecida

como manejo adaptativo, e o esforço no sentido de envolver as comunidades

locais no planejamento do desenvolvimento levou a uma extensão deste

conceito para os estágios de planejamento, conhecido como planejamento

participativo (Bizer, sem data).

No que se refere aos impactos apontados pelas comunidades indígenas de

afetarem o PIX, apresentamos abaixo uma síntese dos itens, obtidos através

dos depoimentos e reuniões, apresentados anteriormente:

1. Impactos Ambientais apontados pelas comunidades indígenas

- Alterações no volume de água do rio Culuene

- Alterações na qualidade da água do rio Culuene (turbidez)

- Alterações nos recursos hídricos dos demais tributários do rio Xingu

- Alterações no regime de cheias e vazantes do rio Culuene

- Alterações ou extinção da ictiofauna, tanto causados pelo barramento

como pelas detonações realizadas por conta da obra

- Efeitos de jusante quando do enchimento do reservatório

- Aumento do assoreamento do rio Culuene

- Maior desmatamento de mata ciliar

- Aumento da contaminação do rio e dos peixes por agrotóxicos

2. Impactos sócio-culturais apontados pelas comunidades indígenas

- Alteração/ destruição do Sagihenhu (local da cartografia sagrada dos

povos xinguanos). Esclarecemos que os estudos voltados a este item

foram desenvolvidos dentro do escopo do “Programa de Patrimônio

312

Page 313: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Cultural da PCH Paranatinga II”, de acordo com o que estabelece a

Portaria IPHAN n. 127, publicada no Diário Oficial da União em

02/05/05. Para análise deste item vide Relatório Final do Programa,

concluído em abril/06 e encaminhado a todos os órgãos licenciadores

competentes (IPHAN, FUNAI, FEMA, IBAMA e Ministério Público). Os

estudos desenvolvidos, abrangendo pesquisas transdisciplinares nos

campos da Arqueologia, Etno-História, Geografia, Geologia e

Antropologia Estrutural, resultaram na definição do Sagihenhu 7 km a

jusante do local do eixo da PCH Paranatinga II. Esta identificação foi

feita não somente através da somatória dos estudos científicos acima

citados, mas foi ainda confirmada pelas próprias comunidades

indígenas, que realizaram seu reconhecimento através de visita ao local.

Desta forma, o impacto temido pelas comunidades indígenas alto-

xinguanas (de que a obra da PCH Paranatinga II teria destruído ou

alterado este seu local sagrado) não se confirma.

Considerando os resultados acima expostos, as análises sobre possíveis

impactos decorrentes da construção da PCH Paranatinga II estarão se

concentrando, doravante, aos itens ambientais apontados. Apresenta-se assim,

abaixo, uma análise das características da obra e dos contextos ambientais da

bacia do rio Culuene, com o objetivo de avaliar a pertinência e magnitude

destes possíveis impactos apontados pelas comunidades indígenas.

Impactos no Regime Hidrológico do Rio Culuene

Empreendimentos hidrelétricos projetados para tomada a fio d'água, como

ocorre com a PCH Paranatinga II, caracterizam-se por apresentarem a vazão

de "engolimento" (vazão demandada pelas unidades geradoras) igual à vazão

do curso hídrico. Caso a vazão chegada ao reservatório seja maior do que a

vazão necessária ao acionamento das unidades geradoras, operando a plena

313

Page 314: Relatorio final paranatinga 12 05-06

carga, o quantitativo excedente de água será liberado pelo vertedouro. Caso o

quantitativo de água chegada ao reservatório seja menor do que o consumido

na operação das unidades geradoras, a usina irá operar abaixo de sua

capacidade máxima de geração, de tal sorte que a vazão chegada ao

reservatório seja a mesma de saída. Vale dizer que em projetos com essa

característica não ocorre o deplecionamento do reservatório (diminuição de seu

volume d'água), quando a vazão da água turbinada é efetivamente maior do

que a água chegada ao reservatório.

No caso da PCH Paranatinga II, a concepção básica de seu projeto é a de

"Operação a Fio d'Água". Assim sendo, a quantidade de água que chegará no

reservatório a ser formado será a mesma a ser liberada a jusante da barragem.

Considerando essa característica de projeto, a implantação e operação da PCH

Paranatinga II não acarretará alterações no qualitativo de água do Rio Culuene,

e por mais razão ainda não ocorrendo esse tipo de alteração no Rio Xingu, que

efetivamente atravessa as terras do PIX. Desse modo pode-se afirmar que o

empreendimento não causará impactos ambientais no regime hidrológico do rio

Culuene, no tocante às vazões verificadas.

Impactos no Regime de Cheias e de Vazantes do Rio Culuene

Considerando-se que as vazões verificadas no Rio Culuene não sofrerão

alterações com a implantação e operação da PCH Paranatinga II, pode-se

afirmar que não haverá alteração no regime de cheias (verificadas no período

chuvoso) e de vazantes (ao longo do período de estiagem), observando-se as

cheais e vazantes normalmente ocorridas. Assim sendo, seguramente também

não ocorrerão impactos ambientais sobre o regime de cheias e de vazantes

dos tributários e afluentes do Rio Culuene, e por mais razão ainda não ocorrerá

esse tipo de alteração no Rio Xingu, que efetivamente atravessa as terras do

PIX.

314

Page 315: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Aumento da turbidez nas Águas do Rio Culuene

Com respeito à qualidade a água do Rio Culuene, no que se refere à turbidez,

não se prevê qualquer alteração significativa com a implantação do projeto

hidrelétrico. Poderá ocorrer ligeiro aumento da turbidez da água decorrente das

obras de construção da barragem. Contudo, tais impactos devem ser

considerados de pequena magnitude, localizados e temporários, podendo

ocorrer na fase construtiva do empreendimento, sendo inclusive objeto de

medidas de controle ambiental, previstas no Programa Ambiental para a

Construção a ser devidamente implementado. Vale lembrar, aqui, que o limite

sul do PIX se encontra a 198 km de distância do local de obra, considerando

todo o trajeto a jusante do rio Culuene, e o pequeno trajeto abrangido pelo rio

Xingu até entrar no PIX.

Já na fase de operação da usina não está previsto qualquer aumento dos

níveis de turbidez das águas do Rio Culuene, devendo, inclusive, ocorrer

diminuição de sua turbidez, em função da retenção de sedimentos pela

barragem.

Retenção de Nutrientes pela Barragem

Com a construção da barragem haverá retenção no aporte de sedimentos e de

nutrientes naturalmente existentes nas águas do Rio Culuene.

O impacto ambiental sobre a ictiofauna decorrente da diminuição de nutrientes

no Rio Culuene, face à construção da PCH Paranatinga II, deve ser

considerado de baixa magnitude, uma vez que boa parte desses nutrientes

continuarão a passar pelo vertedouro, incorporando-se às águas de jusante.

Outro aspecto a ser considerado é o de que o natural aporte de sedimentos e

315

Page 316: Relatorio final paranatinga 12 05-06

de nutrientes presentes nos tributários e afluentes do Rio Culuene continuarão,

seguramente, contribuindo com a qualidade biológica das águas daquele curso

hídrico.

Com respeito ao impacto na qualidade da água do Rio Xingu, no que se refere

à retenção de parte dos nutrientes na barragem a ser construida no Rio

Culuene, deve ser considerado desprezível ou mesmo inexistente.

Impactos Ambientais nos Afluentes do Rio Culuene

Não ocorrerá qualquer impacto sobre os afluentes do Rio Culuene, a jusante da

barragem, no tocante à diminuição do quantitativo de água (vazões), haja visto

que a PCH Paranatinga II está projetada para operar "a fio d'água". Pela mesma

razão, não haverá mudança no regime de cheias e de vazantes no Rio Xingu, e

por consequência, em seus afluentes (Rio Curisevo, Rio Batovi, dentre outros).

Com respeito à alteração na turbidez das águas e retenção de sedimentos e de

nutrientes pela barragem a ser construida no Rio Culuene, pode-se afirmar que

não ocorrerão alterações na qualidade das águas de seus afluentes.

Efeitos de Jusante com o Enchimento do Reservatório

Em geral, na formação de grandes represas para fins de aproveitamento

hidrelétrico ocorrem os conhecidos efeitos de jusante, quando do enchimento do

reservatório. Com o fechamento das adufas (comportas) para início do

enchimento, o rio praticamente "seca", com impactos diretos e bastante severos

sobre a ictiofauna, sobre as comunidades ribeirinhas que se servem das águas

daquele curso hídrico, com impactos negativos sobre a navegação, na

316

Page 317: Relatorio final paranatinga 12 05-06

dessedentação de animais, na diluição dos despejos de esgoto, dentre outros

usos. Ocorre ainda o efeito indesejável de solapamento das margens dos

afluentes de jusante. Com a "ausência das águas do rio barrado", há um grande

aumento na velocidade das águas de seus afluentes a jusante, com consequente

desmoronamento de suas margens, ocorrendo solapamento (tombamento) de

árvores e mesmo de benfeitorias e construções da população ribeirinha.

No caso da implantação da PCH Paranatinga II está previsto a formação de um

reservatório de pequenas dimensões, de acordo com o que define a Resolução

CONAMA para PCHs. Os dados hidrológicos do Rio Culuene e os estudos de

projeto indicam, como tempo de enchimento do lago a ser formado de:

● 1 (um) dia, com fechamento total das adufas; e,

● Uma semana, com vazão de manutenção de 60% da vazão do rio (portanto,

com retenção na represa de 40% das águas).

Considerando que está projetada uma vazão de manutenção de 60% da vazão

do rio, e também o pequeno tempo de duração do enchimento do reservatório

a ser formado, não deverão ocorrer os conhecidos efeitos de jusante na

formação do lago da Paranatinga II. Desse modo, consequentemente, não

ocorrerão impactos ambientais sobre os afluentes de jusante do Rio Culuene,

decorrentes da operação de enchimento do reservatório.

Impactos Ambientais Decorrentes das Detonações

Os impactos ambientais sobre a ictiofauna decorrentes da utilização de

explosivos (detonações) para derrocamentos, presente em algumas etapas da

fase construtiva, embora significativos, contudo, devem ser considerados

impactos localizados e temporários, cessando com o término das explosões.

317

Page 318: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Esses impactos, verificados por época das detonações, poderão afetar alguns

espécimes da ictiofauna situados mais próximos aos locais de derrocamento,

sem, no entanto, representar qualquer alteração da qualidade da ictiofauna em

termos qualitativos, e mesmo quantitativos, ocorrendo natural recuperação da

ictiofauna do Rio Culuene. Com respeito à ictiofauna dos afluentes do Rio

Culuene, bem como à ictiofauna do Rio Xingu, a repercussão dessas

detonações deve ser considerada desprezível.

Ictiofauna

Com a implantação da PCH Paranatinga II e o conseqüente barramento do Rio

Culuene, as espécies não reofílicas da ictiofauna (ou seja, aquelas que não

realizam a piracema para desova) continuarão ocorrendo e completando seu

natural ciclo de vida, nas partes de montante e de jusante da barragem.

Todavia, é possível que sofram impactos indiretos, uma vez que servem de

alimento ou se alimentam das espécies reofílicas, provocando possíveis

alterações na estrutura trófica do sistema.

Já as espécies reofílicas, que empreendem o processo migratório para

completar seu ciclo reprodutivo, a exemplo de piaus (leporinos sp.), matrinxãs

(brycon sp), pintados (pseudoplatystoma sp), pirarara (phractocephalus

hemiliopterus), dentre outras, terão no barramento projetado, sem dúvida, um

obstáculo.

Barragens podem significar a redução de estoques ou mesmo a extinção local

de espécies que dependam destes movimentos longitudinais durante parte de

seus ciclos de vida. Os efeitos adversos incluem alteração ou perda de habitat,

mudanças na qualidade e na temperatura da água e aumento da pressão de

predação. A conseqüência direta da barragem é a formação de um ambiente

318

Page 319: Relatorio final paranatinga 12 05-06

lêntico onde antes havia ambiente lótico, incluindo distintos habitats ocupados

por estas espécies, inclusive locais de correnteza utilizados para reprodução. A

modificação do regime de descarga interfere nos estímulos de orientação dos

cardumes migradores, interferindo nos movimentos sazonais e diários, assim

como na disponibilidade de alimento e na sobrevivência de ovos e juvenis. A

barragem pode também modificar as características químicas e térmicas, esta

última com efeitos confirmados sobre a comunidade íctica, reduzindo o

sucesso na reprodução e recrutamento (Larinier, sem data, Petts 1984).

O impacto de uma barragem sobre a produção pesqueira, segundo Jackson e

Marmulla (sem data) dependerá da topografia da bacia, da formação geológica,

da hidrologia de bacia, do clima, e de características de engenharia do

empreendimento em si. Embora, segundo estes autores, em alguns casos da

pesca realizada logo após a barragem em função do aporte de plâncton

oriundo da barragem acima, este quadro logo desaparece rio abaixo, assim

como seu efeito benéfico sobre a pesca. A pesca nos reservatórios também

pode tornar-se bastante produtiva. No entanto, se a produção pesqueira se

baseia em espécies migradoras, a pesca é severamente prejudicada. O mesmo

acontece com a pesca em ecossistemas aquáticos envolvendo planícies

sazonalmente alagáveis, por interferirem sobre os pulsos de inundação. De

maneira geral, o mais comum são resultados negativos sobre a atividade

pesqueira, inclusive sobre a pesca tradicional (Junk et al 1989).

No que se refere a PCH Paranatinga II, e considerando as dimensões de

reservatório que deverá apresentar, as espécies reofílicas migradoras deverão

continuar ocorrendo no Rio Culuene, embora certamente devam haver

reduções significativas em sua produtividade pesqueira.

Todavia, não existem estudos sistemáticos disponíveis que permitam mapear a

extensão de rio a montante utilizada pelas espécies reofílicas que ocorrem no

PIX, de forma a assegurar que o barramento da PCH Paranatinga II não

afetaria seu ciclo migratório. Igualmente não existem mapeamentos das zonas

319

Page 320: Relatorio final paranatinga 12 05-06

de desova rio acima (tendo como referência o limite sul do PIX), de forma a

definir qual possível porcentagem de indivíduos dependeria da transposição da

área de implantação da PCH para completar seu ciclo de desova.

De fato, embora a importância do recurso pesqueiro pelas populações

indígenas do PIX seja largamente conhecido e divulgado, o tema não mereceu

ainda a atenção por parte da comunidade científica, de forma que

dispuséssemos de referências e monitoramentos sobre a diversidade,

quantidade e qualidade (níveis de contaminação) da ictiofauna do rio Culuene

(e do alto Xingu). No entanto, o presente estudo identificou que várias espécies

reofílicas são importantes na alimentação os grupos indígenas xinguanos,

concluindo-se que a obra afetará direta e negativamente sua atividade

pesqueira (embora ainda não seja possível precisar sua magnitude).

Impactos Ambientais por Desmatamento e Utilização de Agrotóxicos

Muito embora na instalação e operação da PCH Paranatinga II não esteja

prevista qualquer utilização de agrotóxicos, e o desmatamento será o mínimo

necessário às instalações do projeto e à formação do reservatório, com

posterior recuperação e revegetação das áreas atingidas, no entanto, o cenário

de desenvolvimento projetado para a região deve ser um fator de atenção,

tanto para as autoridades governamentais, como para a sociedade em geral.

Não só a região do Rio Culuene, como também extensas áreas da Bacia do

Rio Xingú, apresentam um grande potencial para a agricultura de grãos e

atividades voltadas para a pecuária. Embora esse potencial possa ser visto

como vetor de desenvolvimento econômico e social para a região, o avanço da

fronteira agrícola (agricultura de larga escala), juntamente com a ocupação

desordenada, seguidos a desmatamentos muitas vezes irregulares e com

pesada utilização dos mais diversos agrotóxicos e defensivos agrícolas,

320

Page 321: Relatorio final paranatinga 12 05-06

constituem grande ameaça à qualidade ambiental dos recursos naturais da

região, em especial, com o comprometimento da extraordinária Bacia

Hidrográfica do Rio Xingú. Já há lamentáveis relatos de mortandade de peixes

devido à contaminação das águas por agrotóxicos, numa região que pode ser

considerada ainda razoavelmente bem conservada.

O quadro atual, mesmo antes da implantação da PCH Paranatinga II, é o do

potencial estado de comprometimento dos recursos naturais daquela região,

constituindo-se, inclusive, em real ameaça à área do Parque Indígena do

Xingú, de excelente estado de conservação, assim como às demais Terras

Indígenas existentes.

Diante desse cenário preocupante, é mandatário que se alerte para a

nacessidade premente de um ação integrada do poder público, nos diferentes

níveis de governo, visando o planejamento e controle destes fatores de impacto

ambiental.

Neste sentido, há que se ressaltar a consciência dos povos indígenas do PIX

de que os impactos ambientais referentes ao desmatamento e ao uso

incontrolado de agrotóxicos não se relaciona, diretamente, à construção da

PCH Paranatinga II, conforme é possível verificar em alguns dos testemunhos

arrolados no presente relatório. De fato, a afirmação de que a soja é o principal

fator que leva ao desmatamento corrobora os estudos coordenados pelo ISA

(Instituto Sócio-Ambiental), onde se demonstra que as áreas desmatadas se

transformam em lavouras de soja em menos de um ano, ao contrário do que

indica o estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas

(IPEA), autarquia do Ministério do Planejamento, que a soja avançava

predominantemente em áreas já desmatadas, e com histórico de outras

atividades, como a exploração madeireira seguida pela pastagem para

pecuária extensiva.

321

Page 322: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Por outro lado, este item demonstra o grau de conscientização para a

problemática ambiental em escala global, como a questão do aquecimento e

efeito estufa. Isto fica claro porque alguns depoimentos indígenas vinculam

desmatamento com mudança climática. Considerando que, no Brasil, o fogo

associado ao desmatamento em larga escala é responsável por 75% da

emissão nacional de gases causadores de efeito estufa (Fearnside 2003),

pode-se considerar que as lideranças indígenas se mantêm bem informadas e

atualizadas nestas questões.

* * *

A partir da análise acima realizada, e retomando os itens listados (página 300),

indicamos abaixo os impactos previstos para a área do PIX, por conta da

contrução da PCH Paranatinga II:

Alteração na ictiofauna reofílica (impacto direto);

Impactos ambientais por desmatamento e uso de agrotóxicos (impactos

indiretos, derivados de um maior desenvolvimento regional provocado

pela disponibilidade de energia elétrica).

Todavia, no que se refere a outros itens ambientais apontados pela

comunidade indígena como relevantes e sensíveis (qualidade da água, vazão,

entre outros), embora as análises realizadas tenham apontado para

inexistência de impactos desta natureza, indica-se a necessidade de serem

realizados monitoramentos visando obter um controle sistemático e efetivo

destes itens, enquanto medidas preventivas.

O texto que se segue traz indicações de medidas preventivas, mitigadoras e

compenstórias que visam prevenir, diminuir ou compensar os impactos citados.

322

Page 323: Relatorio final paranatinga 12 05-06

7.9 INDICAÇÃO DE MEDIDAS MITIGADORAS/ COMPENSATÓRIAS

7.9.1 Considerações iniciais

Segundo Bizer (sem data), a realização de medidas mitigadoras ou

compensatórias deve-se dar através de um manejo adaptativo, onde o esforço

em envolver as comunidades locais leve a uma extensão deste conceito para o

estágio de planejamento participativo, implicando na adoção das seguintes

medidas:

1) Planejamento participativo. Este deve atender às expectativas e objetivos da

comunidade afetada, assim como garantir a manutenção da qualidade

ambiental para as gerações futuras. Deve ser inteiramente transparente,

fornecendo toda a informação que permita que as partes envolvidas participem

de fato do processo, desde a etapa do planejamento.

2) Os planos de mitigação devem se iniciar nas primeiras etapas do processo,

com o desenvolvimento de mecanismos capazes de retificar os procedimentos

contra efeitos não previstos, consertando medidas que não são efetivas de

fato.

3) Os processos de mitigação e compensação são contínuos, durante toda a

duração do empreendimento, e não somente até o mesmo estar concluído.

4) Embora todos os custos com estas medidas sejam de responsabilidade do

empreendedor, existe uma gama diversa de oportunidades de conseguir

financiamento adicional para implementar programas de compensação,

restauração e reabilitação.

323

Page 324: Relatorio final paranatinga 12 05-06

5) As medidas de mitigação requerem cooperação entre proprietários,

engenheiros, cientistas da área ambiental, agências do governo e instituições

bilaterais e multilaterais. Muitas informações importantes estão disponíveis

somente em documentos específicos, e a cooperação entre as partes é

essencial para obter o conhecimento necessário para o delineamento e

implementação de ações mitigadoras eficientes.

No caso da PCH Paranatinga II, nada disso ocorreu já que, no início,

considerou-se que as áreas indígenas não seriam afetadas pela distância.

Desta forma, o texto que se segue traz sugestões de medidas que visam,

mesmo com a obra já em fase de implantação, prevenir, mitigar e compensar

os impactos adversos decorrentes.

Vale salientar que estas indicações deverão ser amplamente discutidas e

definidas de comum acordo com a comunidade indígena, envolvendo

profissionais do CGPIMA/FUNAI e Ministério Público Federal. O detalhamento

das diretrizes básicas do que deverá vir a consituir o Programa de

Compensação será de responsabilidade de uma Equipe Técnica a ser

contratada pelo Empreendedor, sempre com aprovação e acompanhamento da

FUNAI e do Ministério Público Federal.

Este Programa de Compensação deverá vigorar por um período de 5 anos,

sendo que além das avaliações e ajustes anuais, deverá ser realizada uma

avaliação no quinto ano de forma a adequar ações que não serão mais

necessárias, mantendo-se com as devidas adaptações, aquelas

imprescindíveis para contribuir para a sobrevivência física e cultural dos povos

xinguanos e a integridade de suas terras.

324

Page 325: Relatorio final paranatinga 12 05-06

7.9.2 Medidas Preventivas / Mitigadoras

Monitoramento Limnológico e da Qualidade da Água

Considerando que a implementação da PCH Paranatinga II tem gerado

naturais receios à comunidade em geral, notadamente à comunidade indígena,

no tocante a possível contaminação das águas do Culuene (com

conseqüências para as águas do rio Xingu), ou mesmo prejuízos à sua

qualidade, recomenda-se o aumento da rede de amostragem, com a ampliação

dos pontos de coleta. Assim, recomenda-se coletar amostras no Rio Culuene,

no trecho de jusante da barragem, até alcançar o rio Xingu. Recomenda-se,

ainda, a inclusão de pontos de amostragens no Rio Sete de Setembro e no

próprio Rio Xingu, no limite sul do PIX, de modo a permitir as necessárias

avaliações quanto à qualidade das águas desses cursos hídricos.

Dados Hidrológicos

Com a construção da PCH Paranatinga II, considerando as características do

projeto hidrelétrico de tomada a fio d’água, a vazão de chegada ao

empreendimento será a mesma de saída. Desse modo, a construção e a

operação do empreendimento não interferirá nas vazões verificadas no Rio

Culuene, e nem alterará os regimes de cheias e de vazantes de ocorrência

naquele rio. Entretanto, considerando o receio das comunidades indígenas, e

possivelmente de parte da comunidade não índia daquela região, no tocante à

possível diminuição dos quantitativos de água a partir da implementação do

projeto, recomenda-se o monitoramento das vazões do Rio Culuene, com

medições a montante e a jusante do barramento, observando-se o ciclo

hidrológico (período seco e período chuvoso), ao longo de 5 (cinco) anos.

325

Page 326: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Aporte de Nutrientes

Com a implantação da barragem projetada, possivelmente uma parte menor

dos nutrientes carreados pelas águas do Culuene fique retida no reservatório,

sendo a maior parte desses nutrientes liberada pelas vazões verificadas no

vertedouro. De forma a monitorar tais aspectos, no que se refere ao aporte de

nutrientes, recomenda-se monitorar especificamente esses parâmetros, na

parte de montante do rio, no reservatório e em sua parte jusante, de modo a

permitir futuras avaliações. As avaliações deverão considerar os universos de

benton, plâncton, fitoplancton, zooplancton.

Aporte de Sedimentos

Com o barramento do Rio Culuene, seguramente, parte dos sedimentos

carreados por suas águas ficará retida no reservatório, notadamente os

sedimentos de maior granulometria. Desse modo, provavelmente, não ocorrerá

processo de assoreamento a jusante da barragem. O Programa de

Monitoramento Sedimentométrico prevê, em seu desenvolvimento, medições e

avaliações sobre o transporte desses sedimentos e sua deposição na bacia

hidrográfica do rio Culuene. As medições e correspondentes avaliações

abrangem pontos a montante, no eixo e a jusante da barragem. O

desenvolvimento desse programa se reveste de grande relevância, não só no

comportamento do transporte e deposição dos sedimentos em suspensão,

propiciando a obtenção dos níveis de assoreamento que poderão ocorrer no

reservatório, quanto poderá demonstrar que o natural receio de diversas

lideranças da comunidade indígena, no que tange ao assoreamento do rio

Culuene a jusante da barragem, não ocorrerá.

Ictiofauna – Mecanismos de Transposição

Com a implantação da PCH Paranatinga II e o conseqüente barramento do Rio

Culuene, as espécies não reofílicas da ictiofauna continuarão ocorrendo e

completando seu natural ciclo de vida, nas partes de montante e de jusante da

326

Page 327: Relatorio final paranatinga 12 05-06

barragem, embora possam sofrer impactos indiretos com possíveis alterações

na estrutura trófica do sistema, conforme analisado anteriormente. Já as

espécies consideradas reofílicas, que empreendem o processo migratório, para

completar seu ciclo reprodutivo, terão no barramento projetado, sem dúvida,

um obstáculo.

Está previsto para a obra a implantação de um mecanismo de transposição da

ictiofauna, denominado Escada de Peixes, de modo a propiciar a subida dos

cardumes reofílicos, ou parte desses, ensejando a continuidade de suas

espécies no alto rio Culuene. Vale assinalar que esse mecanismo, se

devidamente bem projetado e instalado, apresenta eficiência satisfatória na

transposição de espécimes em barragens de altura inferior a 40 (quarenta)

metros. No caso da PCH Paranatinga II a altura do barramento projetado é de

15 (quinze) metros.

O programa prevê ainda o necessário monitoramento da eficiência de

transposição nesse mecanismo, considerando-se as diversas espécies

reofílicas, suas carcterísticas, e épocas de migração. Os levantamentos de

campo e as diversas visitas e entrevistas com várias lideranças da comunidade

indígena revelaram o grande receio daquela comunidade com os possíveis

impactos diretos sobre os peixes, sua principal fonte de proteínas, como é o

caso das várias tribos indígenas do PIX. Embora, certamente, os impactos

sobre as espécies reofílicas serão notados na parte de montante da barragem

no Rio Culuene, e não nos tributários de jusante, e por mais razão ainda, no

Rio Xingu, sendo que o PIX está afastado 198 (cento e noventa e oito)

quilômetros do eixo da barragem, de modo a salvaguardar a ictiofauna, recurso

vital para os índios do PIX, o programa de monitoramento e de implantação de

mecanismo de transposição da ictiofauna prevê, ainda, as seguintes atividades

e ações:

* Grupo de Trabalho realizando levantamento das espécies de ocorrência no

Rio Culuene e seus tributários, com especial enfoque nas espécies de maior

327

Page 328: Relatorio final paranatinga 12 05-06

interesse das tribos indígenas do PIX, já de conhecimento pelo vasto

trabalho desenvolvido junto à comunidade indígena, e constante do Relatório

Antropológico.

* O Grupo de Trabalho desenvolverá, também, o relevante monitoramento

das espécies reofílicas do rio Xingu, em especial as de maior interesse da

comunidade indígena, levantando a característica de seus processos

migratórios, caminhos percorridos e locais de reprodução e desova, através

de sistemático rastreamento dos espécimes. A partir desses importantes

levantamentos poderá se correlacionar a importância do Rio Culuene,

através do grau de contribuição daquele rio, em seu médio curso, sobre as

espécies reofílicas de ocorrência no Rio Xingu, notadamente na região do

PIX.

* Monitoramento da eficiência da transposição de peixes no mecanismo

instalado, com especial atenção às espécies de maior interesse da

comunidade indígena.

7.9.3 Medidas Compensatórias

Aspectos do Desenvolvimento Regional

O cenário do desenvolvimento social e econômico daquela região do Estado do

Mato Grosso, sobretudo nas municipalidades da área de influência do

empreendimento, é, em especial, o do avanço da fronteira agrícola, com

agricultura e pecuária de larga escala promovendo a ocupação de áreas

nativas e conseqüente supressão da cobertura vegetal original.

328

Page 329: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Considerando esse modelo de ocupação e de desenvolvimento regional, e

ainda, a exploração madeireira, muitas vezes irregular e mesmo clandestina, e

toda sorte de atividades e ações desordenadas e impactantes do meio

ambiente, acabam por comprometer, seriamente, a qualidade dos recursos

naturais e qualidade de vida das comunidades existentes.

O quadro atual e o cenário futuro para a região levam aos seguintes desafios,

independente da implantação da PCH Paranatinga II, no campo do controle e

ordenamento do uso do solo e da adequada utilização dos recursos naturais, a

saber:

● A utilização em larga escala de herbicidas, fungicidas e agrotóxicos em geral,

muitas vezes aplicados e manipulados de forma desordenada, sem controle e

até mesmo de forma irresponsável;

● O desmatamento acelerado verificado na região, com impactos diretos e

irreversíveis sobre diversos ecossistemas,

● A exploração madeireira irregular e até clandestina;

● Práticas inadequadas de manejo e de uso do solo;

● A prática das queimadas irregulares e focos de incêndios florestais;

● A prática da caça e da pesca predatória, e outras atividades lesivas ao meio

ambiente.

Tais práticas constituem-se em grande desafio ao Estado controlador e

fiscalizador, além de comprometer direta e irreversivelmente não só a

qualidade ambiental da região, como também a saúde, a segurança e o bem

estar da população.

329

Page 330: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Ressalte-se que não se vislumbra uma política de atuação para a região, de

modo a se minimizar ou mesmo controlar o potencial comprometimento dos

recursos ambientais, que não seja através do sistema de parcerias com as

diversas instituições envolvidas, no âmbito de suas respectivas competências e

responsabilidades, e com participação da comunidade por suas lideranças e

associações representativas.

Muito embora tais questões fujam à gerência ou responsabilidade direta do

empreendedor da PCH Parantinga II, contudo, na qualidade de um dos atores

do processo de desenvolvimento regional, sua participação no sistema de

parcerias e articulação inter-institucional assume particular importância na

busca de soluções e ganhos para a região. Nessa direção, diversas são as

instituições a participarem desse processo, tais como: SEMA/MT; IBAMA;

Polícia Florestal; Emater; FUNAI; IPHAN; INCRA; Prefeituras Municipais;

Sindicato Rural; Corpo Militar de Bombeiros; Polícia Rodoviária Federal,

através de seus postos locais e escritórios regionais, além da comunidade por

meios de suas lideranças e ONG’s.

Comitê Ambiental

Recomenda-se a criação do Comitê Ambiental no âmbito da empresa, a ser

constituído pela Gerência de Meio Ambiente, pelos Supervisores Ambientais,

pelos Supervisores de Obras, por Fiscais e Inspetores da empresa e com

representante de sua Direção.

330

Page 331: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Atuação do Comitê Ambiental

O Comitê Ambiental criado terá atuação direta em duas vertentes distintas, a

ver:

● Internamente: No acompanhamento do desenvolvimento dos programas

ambientais de responsabilidade da empresa, quanto aos resultados obtidos,

quanto à eficiência dos programas, às eventuais ocorrências havidas e à

tomada de decisão e busca de soluções.

● Externamente: No processo de articulação inter-institucional, com diversas

ações no que tange à educação ambiental, ao regime de parcerias, de ajuda

mútua e de apoio às comunidades.

Instrumentos

Para a atuação do Comitê Ambiental nesse processo de parcerias com outras

instituições, governamentais ou não, existem ferramentas simples e eficientes

no desenvolvimento do programa, como as sugeridas abaixo:

● Sistema de Comunicação: A empresa disponibilizará infra-estruturra, em seu

escritório e em locais estratégicos nas municipalidades vizinhas ao

empreendimento, podendo louvar-se do regime de parcerias com as

Prefeituras Municipais e com Associações de Moradores e lideranças

comunitárias. É um instrumento de grande relevância nas ações de educação

ambiental, promovendo também a inserção regional do empreendimento junto

à comunidade e ao poder público.

● Sistema de Ouvidoria Ambiental: Constitui-se num importante canal de

comunicação entre a empresa e a comunidade, através do qual poderão ser

feitos comunicados e avisos de interesse junto à população para o recebimento

de eventuais denúncias ou reclamações à empresa, e mesmo sugestões de

331

Page 332: Relatorio final paranatinga 12 05-06

ações a serem tomadas acerca do controle ambiental, da educação ambiental,

de eventos sociais, culturais, dentre outros. O desenvolvimento do sistema se

dará através da Comunicação Social instalada pela empresa, contando para

tanto com funcionário devidamente orientado para esse fim. É também uma

importante ferramenta para as ações desenvolvidas pelo Comitê Ambiental.

Das Ações

No regime de parcerias com instituições e com a comunidade, diversas ações

poderão ser desencadeadas, tais como:

● Educação Ambiental;

● Adequadas técnicas de manejo e de conservação do solo;

● Controle de queimadas e técnicas de combate a focos de incêndios

florestais;

● Possível criação de Brigadas de Incêndio;

● Como se evitar o fogo acidental;

● Controle na aplicação de agrotóxicos, adequado manejo e cuidados

especiais;

● Combate à caça e à pesca predatória;

● Combate ao desmatamento e à exploração madeireira ilegal;

● Operações de Fiscalização Ambiental, apoio nas ações;

● Política e ações no sentido do adequado uso do solo e do ordenamento da

ocupação da região, dentre outras.

Das Reuniões

Face às necessidades e demandas havidas o Comitê Ambiental poderá se

reunir mensalmente, ou a qualquer momento, extraordinariamente, diante de

alguma ocorrência ou fato gerador, que justifique um imediato posicionamento

e tomada de decisão. Na atuação externa, as decisões serão tomadas em

colegiado, sendo distribuídas tarefas, participações e apoios, no sistema de

parcerias entre as diversas instituições envolvidas.

332

Page 333: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Revegetação de Matas Cilares, Rio Culuene e Tributários:

De modo a compensar a cobertura vegetal nativa e as matas ciliares do Rio

Culuene, as quais serão ocupadas pelo reservatório a ser formado pela PCH

Paranatinga II, sugeriu-se o desenvolvido de um projeto de reflorestamento da

vegetação das margens daquele curso hídrico e de seus tributários (cfme. PBA

do empreendimento). Considerando o objetivo de contribuir para a melhoria

das condições ambientais do Parque Indígena do Xingu, sugere-se que este

Programa de Revegetação seja aplicado no reflorestamento e enriquecimento

florestal da Terra Indígena Naruwoto, recentemente criada na margem direita

do Rio Xingu (anexa ao PIX em seu extremo meridional), nas proximidades da

confluência dos rios Culuene com o Sete de Setembro. Com isto, visa-se

também contribuir para o controle ambiental da porção imediatamente a

montante do PIX, com melhoria das condições de seus recursos hídricos. A

extensão deste reflerestamento deverá ser avaliada, vis-a-vis à proporção

definida pelos órgãos ambientais em relação à área alagada pela PCH.

No reflorestamento em questão serão utilizadas essências nativas e de

ocorrência nas áreas marginais do Rio Culuene. O projeto em comento

contemplará, em sua fase inicial, o necessário levantamento dos seguintes

dados e informações:

* Levantamento de áreas que, embora não desmatadas, possam justificar

um necessário enriquecimento florestal;

* Levantamento das espécies florestais nativas, de ocorrência na região,

dentre as quais as de maior interesse e mais adequadas ao objeto do

reflorestamento;

333

Page 334: Relatorio final paranatinga 12 05-06

* Avaliação da viabilidade de também se utilizar espécies frutíferas do

cerrado, não só de interesse das comunidades locais, como de benefício da

fauna existente;

Deverá ser avaliada a viabilidade de utilização de mão-de-obra da comunidade

indígena na coleta de mudas e sementes de interesse para o projeto, e nas

atividades de manejo de mudas nativas no viveiro.

334

Page 335: Relatorio final paranatinga 12 05-06

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343

Page 344: Relatorio final paranatinga 12 05-06

9. EQUIPE TÉCNICA

COORDENAÇÃO GERAL

L.D. DRA. ERIKA MARION ROBRAHN-GONZÁLEZ

Historiadora (FFLCH/USP), Mestre em Antropologia Social (FFLCH/USP),

Doutora e Livre-Docente em Arqueologia (MAE/USP). Tem dezenas de

publicações nacionais e internacionais. É co-coordenadora do Núcleo de

Estudos Estratégicos em Arqueologia Pública da UNICAMP e Pesquisadora

Associada do MAE/USP.

ESTUDOS RELACIONADOS À COMUNIDADE XINGUANA DO PIX

MS. RODRIGO PADUA RODRIGUES CHAVES

Bacharel em Ciências Sociais com habilitação em Antropologia (UnB), Mestre

em Antropologia Social (UnB). Coordenou diversos Grupos de Trabalho para

estudo de comunidades indígenas e levantamentos etnoecológicos. Consultor

Ad Hoc da FUNAI (2001-2003) e do Grupo de Análise de Projetos dos Povos

Indígenas/Ministério do Meio Ambiente (desde 2002)

DR. JUAREZ CARLOS B. PEZZUTI

Biólogo (UNICAMP), Mestre e Doutor em Ecologia (INPA e UNICAMP).

Professor da Universidade do Amazonas (1998-2000), Professor do

NAEA/UFPA (desde 2004). Desenvolveu estudos de Etno-ecologia entre

diversos grupos indígenas. Coordena programas de pesquisa voltados à

ecologia e sustentabilidade, especialmente na Amazônia.

344

Page 345: Relatorio final paranatinga 12 05-06

ESTUDOS RELACIONADOS À COMUNIDADE XAVANTE DA TI

PARABUBURE E UBAWAWE

IANE NEVES

Antropóloga e socióloga (UnB), Mestranda em Antropologia (UnB). Participou

de diversos Grupos de Trabalho voltados ao estudo, demarcação e proteção de

Terras Indígenas, vários dos quais através de convênios entre FUNAI e

UNESCO. Desenvolveu dezenas de estudos antropológicos voltados a

licenciamentos ambientais no território brasileiro.

ANTENOR GONÇALVES BASTOS FILHO

Engenheiro Florestal (UFPR), com especialização em Zoneamento e Manejo

Florestal (IBAMA, UFPR). Desenvolveu diversos trabalhos de zoneamento

econômico florestal, projetos de manejo florestal sustentado e projetos de

fiscalização, gestão e conservação de Terras Indígenas através de convênios

entre FUNAI, ONU, UNESCO, IBDF, entre outros.

CONSULTORIA

CARLOS BIANCO

Arquiteto, atua como consultor na coordenação e desenvolvimento de estudos

ambientais e remanejamento de populações afetadas. Realizou trabalhos para

a OEA (Organização dos Estados Americanos) e BID (Banco Interamericano

de Desenvolvimento) no Equador, Argentina, Paraguai e Bolívia. Participou da

elaboração dos Manuais de Elaboração dos Estudos de Inventario, Viabilidade

e Projeto Básico de Hidrelétricas da Eletrobrás/DNAEE.

345

Page 346: Relatorio final paranatinga 12 05-06

AUGUSTO CARLOS QUINTANILHA HOLLANDA CUNHA

Administrador e Engenheiro de Operações. Servidor da SEMA/Ministério do

Interior (1981/89). Servidor do IBAMA/MMA (1989/97). Consultor Técnico do

IBAMA na Coord. de Controle de Atividades de Impactos e Riscos (1999/03).

Integrou grupos de assessoramento às Câmaras Técnicas do CONSEMA com

elaboração de Proposta de Resolução sobre Licenciamentos Ambientais.

Consultor Técnico da Gerência de Meio Ambiente do DNIT/MT (2004/05).

RAÚL ORTIZ CONTRERAS

Antropólogo pela Universidad Austral de Chile (2003) e mestrando em

Antropologia Social na UNICAMP. Desenvolve estudos sobre desagregação

político-territorial mapuche do vale de Purén-Lumaco, Chile, e entre os

Yanomami, Brasil.

GÉRSON LEVI S. MENDES

Historiador (USP) e mestrando em Arqueologia (MAE-USP). Integrante dos

projetos de educação indígena da Comissão Pró-Yanomami, em Roraima.

Vem-se especializando em estudos de Etnoarqueologia junto a comunidades

indígenas. Recém-ingresso como doutorando na Vanderbilt University/ EUA.

KELLY CRISTINA MELO

Bacharelanda em Geografia (USP), bolsista CNPq (2002/05) com projetos para

a Região Metropolitana de São Paulo. Desenvolveu estágios no Inst.

Geológico/SP, na Fund. Florestal/SP e na Fund. O Boticário. Participa da

elaboração do Plano de Manejo de Parque Est. Intervales (SP) e de grupos de

estudo sobre ecossistemas amazônicos, educação e gestão ambiental.

EDITORAÇÃO GRÁFICA E PROGRAMAÇÃO VISUAL

JOSÉ LUIZ DE MAGALHÃES CASTRO NETO

MARCOS ANTONIO RIBEIRO JUNIOR

ROBERVAN MARCOS SANTOS

346

Page 347: Relatorio final paranatinga 12 05-06

ANEXOS

347

Page 348: Relatorio final paranatinga 12 05-06

ANEXO 1

MAPA ETNO-ECOLÓGICO DA TI PARABUBURE

348

Page 349: Relatorio final paranatinga 12 05-06

349

Page 350: Relatorio final paranatinga 12 05-06

ANEXO 2

MAPA ETNO-ECOLÓGICO DA TI UBAWAWE

350

Page 351: Relatorio final paranatinga 12 05-06

351

Page 352: Relatorio final paranatinga 12 05-06

ANEXO 3

MAPA ETNO-ECOLÓGICO DO PARQUE INDÍGENA DO XINGU

352

Page 353: Relatorio final paranatinga 12 05-06

353

Page 354: Relatorio final paranatinga 12 05-06

ANEXO 4: Animais silvestres mencionados pelos índios do PIX, com

breve descrição sobre sua utilidade.

Classe Zoológica

nome comum espécie UsoDescrição da

utilização ou ação

mamíferos anta Tapirus terrestris Comestível Trumainão é comestível

grupos do Alto

capivara Hydrochaeris hydrochaeris Comestível Ikpengnão é comestível

grupos do Alto

aranha Teraphosa sp.não é comestível

caititu Taiassu tajacu comestívelnão é comestível

tabu só os velhos

cotia Dasyprocta agouti comestível recentemente

irara Eira bárbara comestívelcouro utilizado em festa

macaco aranha

comestível

não é comestível

guariba comestívelnão é comestível

macaco prego Cebus sp. comestível

comestível

caçado com flechas cuja ponta é embebida em pimenta macerada com um pouco de água

onça Pantera onça comestível Ikpengnão é comestível

paca Cuniculus paca comestívelcomestível para alguns

agora, tira o pêlo com água morna

preguiçanão é comestível

quati comestívelcomestível para alguns

queixada taiassu pecari comestívelnão é comestível

raposaCerdocyon tous / Atelocynus microtis

predador de ovos de tracajá

tamandua Myrmecophaga tridactylanão é comestível

tatu Dasypus novemcinctus comestível

354

Page 355: Relatorio final paranatinga 12 05-06

veadoMazama americana / Ozotocerus bezoarticus

comestível Trumai

 não é comestível

todos os grupos

aves arara Ara spp. comestívelcurica Pionus fuscus comestível

jacamim Psophia sp. comestíveljacu Penelope ochrogaster comestíveljaó Crypturellus undulatus comestível

jaózinho Tinamidae comestívelmacuco

Tinamus solitarius comestível

marreca comestívelmutum Mitu sp. comestível

mutum pintado Crax sp. comestívelpapagaio Amazona sp. comestível

pato Dendrocygna autumnalis comestívelpombo Columba sp. comestíveltucano Ramphastos sp. comestível  

réptil cágado Phrynops geoffroanus comestível primo do tracajá

não é comestível

"Dá alergia, coceira e calor na gente"

jabutiGeochelone carbonaria, G. denticulata

comestívelmulher de resguardo pode comer (Matipu)

não é comestível

"nós não come jaboti não, só nossos parentes Xavante"

jacaré Caiman crocodilusnão é comestível

jacuraru Tupinambis isp.predador de ovos de tracajá

sucuri Eunectes murinus uso ritual

banha como unguento para ficar forte, rabo empalhado utilizado como ornamento

tartaruga Podocnemis expansa comestíveltracajá Podocnemis unifilis comestível

anfíbio rã Leptodactylus sp. comestível Trumai

peixes arraia Potamotrygon sp.1 comestível

arraia preta Potamotrygon sp.2não é comestível

barbado Pirinampus pirinampu comestível comum no verão

comestívelimportante - kuikuro

bico de pato Sorubim lima comestível comuns no verãobicuda Sphyraena guachancho comestível comuns no verão

comestívelimportante - kuikuro

não é comestível

ikpeng

cachorraHydrolycus scomberioides / Rhaphiodon vulpinus

comestívelimportantes no verão

355

Page 356: Relatorio final paranatinga 12 05-06

tabu

Quem tem filho pequeno, tanto mãe quanto pai. Menino com 5 anos já pode, quando larga peito

corimba Prochilodus lineatus comestívelimportante no inverno

comestívelimportante - kuikuro

corvinaPachyurus ou Plagioscion sp.

comestívelimportantes no verão

curimba Prochilodus sp. comestívelpescado em janeiro e fevereiro

filhoteBrachyplatystoma filamentosum

não é comestível

jaraqui Semaprochilodus sp. comestívelimportante no inverno

jaú Paulicea luetkeni comestível só menornão é comestível

Aweti, Nahukwá, Ikpeng

tabu mulher grávida

mandi Ageneiosus sp.1 comestívelimportante no verão

mandubé Ageneiosus sp.2 comestívelpeixes mais importantes - kuikuro

matrinxã Brycon sp. comestívelimportante no inverno

comestívelpeixes mais importantes - kuikuropesca de inverno

pacu Mylossoma sp., Myleus sp. comestívelimportantes na cheia/jan-fevcomum no verão

peixe elétrico Electrophorus eletricusnão é comestível

piau Leporinus sp. 1 comestível comuns no verão

comestívelimportante no inverno

comestívelimportantes - kuikuro

piau cabeça grande

Leporinus sp.2 comestívelimportante no inverno

pintadoPseudoplatistoma fasciatum, P. tigrinum

comestível comuns no verão

piraíbaBrachyplatystoma filamentosum?

não é comestível

a gente não é muito chegado, pode dar alergia, pele fica toda branca, dá coceira

piranha Serrasalmus sp. comestívelimportante no verão

comestívelimportantes na cheia/jan-fev

356

Page 357: Relatorio final paranatinga 12 05-06

tabu

reimoso, mulher com neném pequeno, homem também, senão dá diarréia; mulher grávida

piranha preta Serrasalmus rhombeus comestívelimportantes - kuikuro

pirararaPhractocephalus hemiliopterus

comestívelimportante no verão

traíra Hoplias malabaricus comestível comuns no verão

trairão Hoplias lacerdae comestívelimportante no verão

comestível todos os gruposnão é comestível

Ikpeng

tucunaré Cichla sp. comestívelimportante no verão

voadeira Triportheus spp. comestívelimportante no inverno

insetos abelha Apis mellifera criação6 caixas, criando desde 2000 (Ikpeng)

saúva Ata sp. praga agrícolana roça kamayurá ipavu

Outros invertebrados

caranguejo DECAPODA - Brachiura comestívelAlimento das mulheres

cauxi Spongilidae antiplásticoMisturado na argila para cerâmica

itã BIVALVIA raspadorpara raspar pequi, mandioca

357

Page 358: Relatorio final paranatinga 12 05-06

ANEXO 5: Plantas nativas úteis mencionadas pelos povos do PIX com breve

descrição sobre sua utilidade.

nome comum espécie Parte/usoDescrição da utilização ou

ação

acariquara (brocado)

Minquartia guianensis Madeira esteio para casa

angico Piptadenia sp.

buritiMauritia flexuosa, Mauritia vinífera

comestível comido cozido

buritirana Mauritiella armata comestívelcomido cozido. Comida de peixe

caju Anacardium occidentalecanelão Nectandra sp. construção esteio para casacopaíba Copaífera sp. óleo medicinal 2 litros a 60 reais (Kamayurá)

madeira fabricação de canoacuieté (cuia) Crescentia cujete

embaúba Cecropia sp. Cordaentrecasca utilizada para fazer fio de corda de arco

genipapo Genipa americana alimento Frutoguarantã Esenbeckia leiocarpa madeira confecção de remo

itaúba Mezilaurus itauba madeira casa e canoa

madeira canoa e construção

jacareúba Calophyllum sp. madeira confecção de bancojatobá Hymenaea coubaril Madeira construção

casca canoa (em desuso)óleo medicinalfruto comestível

kwa up Não identificado Isca para pescarepelente casca queimada

Landí Calophyllum brasiliensis madeira canoa e esteio de casaLixeira Curatella americanaLouro Nerium oleander construção esteio para casa

Macaúba Acrocomia aculeata coleta combustívelMangaba Hancornia speciosa coleta fruta comestívelmauhiri Não identificado comestível fruta comestível

pau dárco Tecoma violaceaPequi Caryocar brasiliensis

perereba Não identificado comestível cozinha, dá em agosto

pindaíba Xylopia sp. construção esteio para casa

madeirafabricação de canoa e esteio para casa

sapé Imperata sp.tucumzinho Astrocaryum sp. fibra artesanato - fios

ualapa madeira casa - esteiourucum Bixa orellana tintura

aguapé Eichornia crassipes Planta inteiraProdução de sal vegetal a partir das cinzas

inajá Maximiliana maripa palha Cobertura das casasmurici Byrsonima subterranea  comestível  

358

Page 359: Relatorio final paranatinga 12 05-06

ANEXO 6: Coordenadas geográficas coletadas em aldeias, roças, capoeiras,

áreas de caça e pesca, sítios arqueológicos e outras localidades no PIX.

Descrição Ponto latitude longitude

Posto Indígena Leonardo 53 -12,200915 -53,377337

Pista de pouso - PIN Leonardo 54 -12,200763 -53,37737

capoeira antiga - mata 55 -12,195891 -53,377624

capoeira antiga - mata 56 -12,193359 -53,372952

capoeira antiga - mata 57 -12,191846 -53,370092

capoeira 58 -12,186307 -53,367287

capoeira 59 -12,179904 -53,363601

sapezal 60 -12,176639 -53,361952

capoeira antiga - mata 61 -12,173756 -53,360177

campo 62 -12,170917 -53,357992

queimada 63 -12,165145 -53,349947

floresta ombrófila densa 64 -12,164062 -53,348422

capoeira 65 -12,162649 -53,344516

sapezal 66 -12,162813 -53,342301

roça 67 -12,164564 -53,340258

roça 68 -12,165345 -53,338361

Aldeia Yawalapiti 69 -12,166249 -53,335636

Ocorrência Arqueológica Yawalapiti 1 70 -12,165349 -53,332906

Porto Tuatuari 71 -12,164932 -53,331929

roça 72 -12,192942 -53,377054

aldeia antiga Ikpeng 73 -12,193581 -53,372236

capoeira antiga - mata 74 -12,19254 -53,372528

arado 75 -12,191724 -53,372603

floresta ombrófila densa 76 -12,193101 -53,372348

arado 77 -12,193101 -53,372348

arado 78 -12,198282 -53,379592

arado 79 -12,201064 -53,379546

capoeira 80 -12,201815 -53,38178

roça 81 -12,206856 -53,383601

Aldeia antiga Yawalapiti 82 -12,209372 -53,388771

roça 83 -12,209395 -53,388201

Aldeia Yawalapiti 84 -12,209228 -53,386753

arado 85 -12,199641 -53,376595

capoeira 86 -12,194463 -53,398411

capoeira 87 -12,19077 -53,401891

floresta ombrófila densa 88 -12,187829 -53,414285

capoeira 89 -12,169187 -53,425408

Pista de Pouso Kamayurá 90 -12,164978 -53,427439

capoeira 91 -12,157248 -53,431701

roça 92 -12,160462 -53,435574

capoeira antiga - mata 93 -12,162179 -53,44077

capoeira antiga - mata 94 -12,17783 -53,452631

floresta ombrófila densa 95 -12,19067 -53,452302

floresta ombrófila densa 96 -12,193193 -53,460038

359

Page 360: Relatorio final paranatinga 12 05-06

floresta ombrófila densa 97 -12,193416 -53,460197

floresta ombrófila densa 98 -12,195862 -53,462962

roça 99 -12,199648 -53,472354

capoeira 100 -12,200595 -53,477067

roça 101 -12,201547 -53,4806

mata 102 -12,202674 -53,484369

mata 103 -12,205563 -53,491634

mata 104 -12,210073 -53,501963

mata 105 -12,212725 -53,506188

mata 106 -12,213106 -53,510969

capoeira 107 -12,216726 -53,522297

mata 108 -12,231478 -53,532898

mata 109 -12,23149 -53,532866

mata 110 -12,237103 -53,540118

pequizal 111 -12,238333 -53,544757

pequizal 112 -12,241221 -53,555475

pequizal 113 -12,243036 -53,562145

Pista de Pouso Waurá - início 114 -12,245959 -53,572876

Pista de Pouso Waurá - fim 115 -12,24865 -53,581585

pequizal Atamai 116 -12,248744 -53,574332

capoeira 117 -12,249135 -53,575586

pequizal 118 -12,248895 -53,579859

Aldeia Waurá 119 -12,248709 -53,582861

extremidade aldeia waurá e início estrada para lagoa

120 -12,248478 -53,583823

aldeia antiga Waurá 121 -12,248153 -53,585734

aldeia antiga Waurá 122 -12,246738 -53,591719

Lagoa 123 -12,244807 -53,596831

capoeira 124 -12,249789 -53,577372

capoeira 125 -12,250259 -53,575642

sapezal 126 -12,250518 -53,574357

roça 127 -12,251941 -53,572114

roça-mata (limite) 128 -12,253474 -53,572617

roça - divisão individual 129 -12,253903 -53,574173

capoeira 130 -12,25816 -53,575629

roça 131 -12,2587 -53,575702

capoeira 132 -12,259031 -53,576588

roça 133 -12,259334 -53,57679

roça 134 -12,260578 -53,577199

roça 135 -12,260555 -53,577904

roça 136 -12,263238 -53,580515

roça 137 -12,263708 -53,583658

capoeira 138 -12,262298 -53,583744

sapezal 139 -12,260466 -53,582935

capoeira antiga - mata 140 -12,259385 -53,582538

sapezal 141 -12,25803 -53,582239

pequizal 142 -12,256062 -53,582494

143 -12,255713 -53,58253

144 -12,250859 -53,581565

Kamayurá casa hospedes 145 -12,150663 -53,433359

beira da lagoa ipavu 146 -12,150222 -53,433205

Aldeia antiga Kamayurá iuatüp 147 -12,124029 -53,425254

360

Page 361: Relatorio final paranatinga 12 05-06

148 -12,119246 -53,428775

aldeia antiga Kamayurá Manhatüp 149 -12,097778 -53,427981

aldeia antiga Kamayurá 150 -12,086911 -53,449711

roça 151 -12,094372 -53,451109

Aldeia Nuiarê Kamayurá 152 -12,094239 -53,452506

roça 153 -12,093573 -53,4523

roça 154 -12,096152 -53,452386

roça 155 -12,097243 -53,452276

roça 156 -12,097228 -53,452612

roça 157 -12,097495 -53,452711

roça 158 -12,097291 -53,45324

roça 159 -12,097733 -53,453555

roça 160 -12,096496 -53,452848

capoeira 161 -12,09571 -53,45389

capoeira 162 -12,097656 -53,454993

aldeia antiga Waurá 163 -12,100531 -53,458792

tatu canastra 164 -12,099718 -53,459113

roça 165 -12,103639 -53,458623

roça 166 -12,150884 -53,432269

roça 167 -12,477835 -53,233781

roça 168 -12,150952 -53,43168

roça 169 -12,150918 -53,43128

roça 170 -12,150013 -53,430299

roça 171 -12,15042 -53,430336

roça 172 -12,15096 -53,430484

roça 173 -12,152848 -53,42463

roça 174 -12,153295 -53,423547

roça 175 -12,153755 -53,423747

roça 176 -12,153429 -53,425596

roça 177 -12,152743 -53,4257

roça 178 -12,152855 -53,426188

roça 179 -12,152446 -53,426801

roça 180 -12,152131 -53,427454

roça 181 -12,151659 -53,428326

roça 182 -12,152813 -53,431343

roça 183 -12,152809 -53,431944

roça 184 -12,15425 -53,432757

roça 185 -12,153858 -53,434924

roça 186 -12,155227 -53,436584

roça 187 -12,156399 -53,436087

roça 188 -12,156062 -53,434942

roça 189 -12,155469 -53,434483

pequizal 190 -12,154884 -53,434056

191 -12,141238 -53,423608

início trilha lagoa Miararü 192 -12,137925 -53,418014

capoeira 193 -12,135893 -53,415056

capoeira 194 -12,130744 -53,411202

floresta ombrófila densa 195 -12,129895 -53,409632

floresta ombrófila densa 196 -12,127078 -53,404672

capoeira antiga - mata 197 -12,112708 -53,376811

capoeira 198 -12,112313 -53,375408

Lagoa Muiararü 199 -12,111708 -53,368064

361

Page 362: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Lagoa Muiararü 200 -12,115581 -53,365548

capoeira 201 -12,166376 -53,333587

roça 202 -12,166371 -53,3316

queixada 203 -12,166669 -53,333309

vala defensiva 204 -12,166934 -53,333061

roça 205 -12,167025 -53,333943

roça 206 -12,168029 -53,33367

roça 207 -12,1685 -53,334737

roça 208 -12,169889 -53,333879

Aldeia Yawalapiti - beira 209 -12,165922 -53,335834

roça 210 -12,166566 -53,335929

arado 211 -12,16684 -53,338016

arado 212 -12,162709 -53,342527

roça - limite com capoeira antiga 213 -12,162732 -53,342545

campo 214 -12,1704 -53,338512

porto enseada Tuatuari 215 -12,170852 -53,337235

Lago enseada Tuatuari 216 -12,158592 -53,33159

sucuri morta 217 -12,172316 -53,330789

pesca subaquática 218 -12,19581 -53,371437

pesca de arrasto 219 -12,184673 -53,3454

pesca subaquática 220 -12,182948 -53,346449

pesca subaquática 221 -12,179897 -53,341581

pesca com timbó 222 -12,17083 -53,330024

Foz Rio Tuatuari 223 -12,149541 -53,332842

praia 224 -12,152674 -53,320321

remanso 225 -12,158778 -53,303557

praia 226 -12,168381 -53,300987

praia 227 -12,199936 -53,299654

lagoa canal 228 -12,21428 -53,30439

Foz Rio Curisevo 229 -12,228925 -53,304547

praia 230 -12,240142 -53,296543

praia 231 -12,244327 -53,298389

tracajá assoalhando 232 -12,270989 -53,289826

pescadores 233 -12,290988 -53,298802

praia 234 -12,296679 -53,296831

praia 235 -12,313329 -53,295467

praia 236 -12,330279 -53,307274

pesca de malhadeira 237 -12,37943 -53,33471

pesca 238 -12,382482 -53,327696

boca lagoa Aweti 239 -12,401531 -53,34697

lago 240 -12,431696 -53,347658

praia 241 -12,434912 -53,374033

praia 242 -12,518492 -53,381756

tracajá boiou 243 -12,520195 -53,37517

tracajá assoalhando 244 -12,531137 -53,380428

praia 245 -12,535357 -53,378986

canoa 246 -12,546528 -53,384931

tracajá assoalhando 247 -12,580903 -53,39889

praia 248 -12,587644 -53,399761

Porto Aldeia Mehinako 249 -12,601388 -53,408596

Aldeia antiga Mehinako 250 -12,601554 -53,417898

campo 251 -12,600863 -53,416094

362

Page 363: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Lagoa uenemachukã 252 -12,597795 -53,410902

Aldeia Mehinako - centro 253 -12,603543 -53,420004

pequizal 254 -12,603406 -53,418655

lagoa 255 -12,613653 -53,403765

lago 256 -12,645244 -53,395696

capoeira 257 -12,610506 -53,421824

capoeira 258 -12,612797 -53,424576

roça 259 -12,604734 -53,41987

Aldeia antiga Mehinako 260 -12,600716 -53,420833

Aldeia antiga Mehinako 261 -12,59558 -53,421437

Pista de Pouso Mehinako 262 -12,604319 -53,422746

tracajá assoalhando 263 -12,580803 -53,394992

tracajá assoalhando 264 -12,569269 -53,387274

tracajá assoalhando 265 -12,539871 -53,377363

tracajá assoalhando 266 -12,522329 -53,3805

tracajá assoalhando 267 -12,517551 -53,37999

tracajá assoalhando 268 -12,51465 -53,372716

tracajá assoalhando 269 -12,497715 -53,390311

tracajá assoalhando 270 -12,431461 -53,347297

tracajá assoalhando 271 -12,421228 -53,338915

tracajá assoalhando 272 -12,414278 -53,340025

porto aweti 273 -12,402763 -53,350283

roça - limite com mata 274 -12,376659 -53,391995

Roça 275 -12,379548 -53,392779

Roça 276 -12,388475 -53,390879

roça - limite com mata 277 -12,390695 -53,391526

aldeia antiga aweti 278 -12,384758 -53,390196

aldeia antiga aweti 279 -12,385886 -53,388862

aldeia aweti - centro 280 -12,382918 -53,392196

capoeira – mata 281 -12,390618 -53,383518

aldeia antiga aweti 282 -12,405049 -53,363108

Igapó 283 -12,405407 -53,357192

tracajá assoalhando 284 -12,343989 -53,312873

tracajá assoalhando 285 -12,32661 -53,311267

tracajá assoalhando 286 -12,318453 -53,311947

tracajá assoalhando 287 -12,312333 -53,3028

Reinício censo imbecis 288 -12,274123 -53,290827

tracajá assoalhando 289 -12,261384 -53,297537

tracajá assoalhando 290 -12,246623 -53,292322

tracajá assoalhando 291 -12,243673 -53,295129

Praia 292 -12,227054 -53,296691

Praia 293 -12,231152 -53,29534

Praia 294 -12,229712 -53,290864

Praia 295 -12,233682 -53,281762

Praia 296 -12,223496 -53,282597

Praia 297 -12,270763 -53,227852

298 -12,275183 -53,230014

299 -12,275183 -53,230014

Praia 300 -12,284493 -53,224602

tracajá assoalhando 301 -12,276368 -53,218849

tracajá assoalhando 302 -12,270822 -53,215858

Praia 303 -12,268305 -53,204543

363

Page 364: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Porto Kuikuro MD 304 -12,315861 -53,189719

Cerrado 305 -12,319111 -53,191255

campo sujo 306 -12,325949 -53,196226

aeroporto Kuikuro 307 -12,348616 -53,221389

Aldeia Kuikuro - centro 308 -12,351896 -53,209209

Praia 309 -12,32504 -53,165258

boca Lagoa Tafununo MD 310 -12,321527 -53,143014

Acampamento pescadores 311 -12,331473 -53,112393

Lagoa Tafununo 312 -12,336528 -53,101981

campo Kuikuro 313 -12,346032 -53,207297

campo Kuikuro 314 -12,344821 -53,197584

Roça 315 -12,376621 -53,196894

aldeia antiga Heluegihütü 316 -12,381302 -53,190073

Capoeira 317 -12,368816 -53,195962

Pequizal 318 -12,366956 -53,197475

Porto Matipu 319 -12,261901 -53,185806

sapezal 320 -12,258262 -53,182329

sapezal 321 -12,245286 -53,184223

campo 322 -12,240007 -53,184996

Aldeia Matipu - centro 323 -12,231375 -53,186325

roça 324 -12,233135 -53,178673

roça 325 -12,23443 -53,180229

Aldeia antiga matipu 326 -12,228515 -53,184649

Aldeia antiga matipu 327 -12,22637 -53,185979

Aldeia antiga Yawalapiti 328 -12,225372 -53,186368

Lago Matipu 329 -12,223532 -53,187472

veado - rastro 330 -12,235015 -53,18575

caititu - rastro 331 -12,244673 -53,18432

tatu galinha 332 -12,254021 -53,182963

porto Kalapalo 333 -12,15173 -53,337538

Aldeia Kalapalo - centro 334 -12,162646 -53,255824

Pista de Pouso Kalapalo- início 335 -12,162946 -53,257541

Pista de Pouso Kalapalo - fim 336 -12,168534 -53,2558

sapezal 337 -12,175068 -53,253746

sapezal 338 -12,181111 -53,251828

sapezal 339 -12,184422 -53,250831

mata ciliar 340 -12,186116 -53,25036

roça 341 -12,191586 -53,249038

roça 342 -12,193664 -53,248947

capoeira 343 -12,203757 -53,252122

quati - rastro 344 -12,205265 -53,252613

lago Kusse 345 -12,211399 -53,255267

limite mata ciliar pto 340 346 -12,194498 -53,248821

anta - rastro 347 -12,18386 -53,250977

Aldeia antiga kalapalo 348 -12,16116 -53,257579

Lagoa 349 -12,160063 -53,271515

campo 350 -12,142837 -53,300919

córrego 351 -12,111934 -53,29814

aldeia Nahukwa - centro 352 -12,10315 -53,294833

Pista de Pouso Nahukwa 353 -12,104109 -53,293247

roça 354 -12,105754 -53,289018

Aldeia antiga - primeira 355 -12,105553 -53,287864

364

Page 365: Relatorio final paranatinga 12 05-06

roça 356 -12,104464 -53,285227

roça 357 -12,103592 -53,283386

roça 358 -12,102466 -53,280518

roça 359 -12,102106 -53,279691

capoeira 360 -12,101523 -53,27905

roça 361 -12,10061 -53,279326

roça 362 -12,100931 -53,278466

vala defensiva 363 -12,103633 -53,283628

pequizal 364 -12,102824 -53,297982

aldeia antiga 365 -12,099818 -53,30658

capoeira 366 -12,098136 -53,311423

capoeira 367 -12,097506 -53,313229

roça 368 -12,096821 -53,31531

roça 369 -12,097211 -53,317839

pequizal 370 -12,097417 -53,320342

aldeia antiga 371 -12,097381 -53,321951

campo 372 -12,097677 -53,323767

porto Nahukwa 373 -12,097138 -53,326244

Boca Lagoa Nahukwa 374 -12,066108 -53,357372

malhadeira instalada 375 -12,15687 -53,336405

praias 376 -12,112937 -53,342257

praias 377 -12,092601 -53,342319

praia 378 -12,084417 -53,355801

praia 379 -12,073717 -53,362828

praia 380 -12,051214 -53,358985

praia 381 -12,016309 -53,405963

praia 382 -12,014492 -53,413137

praia 383 -11,97374 -53,458582

praia 384 -11,985717 -53,476996

praia 385 -11,963379 -53,483701

praia 386 -11,953097 -53,488913

praia 387 -11,941913 -53,490847

praia 388 -11,950576 -53,507314

praia 389 -11,941159 -53,520966

praia 390 -11,938943 -53,530946

Morená - porto 391 -11,932169 -53,549933

remanso 392 -11,928309 -53,545383

lagoa Papauié ME 393 -11,900642 -53,567039

Praia 394 -11,8647 -53,581472

Aldeia antiga Trumai 395 -11,827749 -53,586759

Praia 396 -11,78678 -53,59949

Praia 397 -11,766491 -53,60786

Pavuru - Porto 398 -11,744939 -53,611037

Canal Nariá 399 -11,810632 -53,589812

Porto Aldeia Trumai 400 -11,857316 -53,590674

boiador de tracajá 401 -11,931111 -53,53223

boiador de tracajá 402 -11,945884 -53,511552

Lagoa 403 -11,95464 -53,50934

caminho ipavu 404 -11,960279 -53,509254

saída Nariá acima 405 -11,942683 -53,489191

Boca Rio Ronuro 406 -11,944507 -53,545593

roça 407 -11,934152 -53,551268

365

Page 366: Relatorio final paranatinga 12 05-06

sapezal 408 -11,93387 -53,55259

roça 409 -11,934986 -53,552521

lagoa 410 -11,936051 -53,553485

roça 411 -11,935868 -53,554214

aldeia morená - centro 412 -11,93214 -53,552325

canal - lago 413 -11,872276 -53,578383

canal - lago 414 -11,88346 -53,57425

Praia no lago 415 -11,909087 -53,582328

Lago - pedras 416 -11,886304 -53,575644

Aldeia Trumai - centro 417 -11,85708 -53,594358

roça 418 -11,85572 -53,594493

capoeira 419 -11,854663 -53,594838

mata ciliar 420 -11,852625 -53,595526

roça 421 -11,852271 -53,595484

capoeira arbustiva 422 -11,74373 -53,614375

inajazal 423 -11,744009 -53,616024

vala defensiva 424 -11,743832 -53,616752

Aldeia Ikpeng - centro 425 -11,7435 -53,618372

canal - lago 426 -11,745367 -53,606685

Rio 427 -11,747579 -53,602702

lagoa 428 -11,747866 -53,601691

remanso 429 -11,741309 -53,608523

praia 430 -11,722843 -53,599942

capoeira 431 -11,714367 -53,597118

praia 432 -11,700292 -53,591977

canal - lago 433 -11,694717 -53,591188

igarapé 434 -11,692457 -53,592715

cerrado 435 -11,689517 -53,595205

igapó 436 -11,685532 -53,596977

Acampamento pescadores 437 -11,685047 -53,597506

lagoa - beira 438 -11,683393 -53,597527

lagoa - beira 439 -11,685732 -53,599112

capoeira 440 -11,741514 -53,620327

sapezal 441 -11,740247 -53,624212

jaguatirica - rastro 442 -11,739044 -53,628843

roça 443 -11,738103 -53,630687

capoeira 5 anos 444 -11,737747 -53,631979

roça 445 -11,736369 -53,632618

roça 446 -11,733275 -53,634193

roça 447 -11,732076 -53,633942

pequizal 448 -11,742016 -53,619054

lago Ikpeng 449 -11,747821 -53,612491

lago 450 -11,809623 -53,590436

lago 451 -12,007202 -53,413727

Porto da Fazenda Jacaré 452 -12,00971 -53,400751

366

Page 367: Relatorio final paranatinga 12 05-06

ANEXO 7

ATA DAS REUNIÃO REALIZADAS JUNTO

ÀS COMUNIDADES INDÍGENAS DO PIX

367

Page 368: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Reunião inicial no PIN Leonardo

Boa parte das lideranças do alto Xingu reuniu-se no PIN Leonardo entre 28 e

30 de outubro de 2005 para discutir questões relativas à saúde e ao Distrito

Sanitário Especial Indígena. Aproveitando a presença das lideranças, no início

da noite do dia 30 de outubro, a equipe de pesquisadores apresentou o

trabalho que iria realizar na região e articulou junto à algumas lideranças a

visita a determinadas aldeias. Foi o momento em que Aritana e outros índios

expressaram sua preocupação com a continuidade da obra, pois, segundo

Aritana, “é porque essa história, a lenda nossa, esse lugar sagrado é realmente

daqui mesmo, né. A gente chama esse local de ‘começo do mundo’. Onde tá

tendo essa barragem, né. Começo do mundo porque lá começou. Índio,

branco, animais. Tudo lá. Então é por isso que a gente considera aquele local é

muito, muito mesmo sagrado aquilo lá. A gente não quer perder aquilo lá. A

gente quer manter isso aí pra nós. É uma pena que já está fora do Parque isso

aí. Mesmo assim a gente quer aquele local. Então eu acho que é por isso que

vocês vão ouvir cada lugar, cada etnia porque eles vão falar. Que bom que

vocês estão fazendo essa pesquisa. É importante isso daí”.

Seu irmão, Pirakumã, reforça sua argumentação: “Porque ali pra nós aqui, o

pessoal do alto, são nove etnias aqui, aquela área é considerado onde

começou o mundo. Nasceu os seres humanos ali. Nasceu os rituais ali, que

chama Kwarup. Pro isso que pra nós aquela área é muito importante e nós

consideramos aquela ali como lugar sagrado. Nós consideramos esse rio o

maior rio dos povos indígenas. Então nenhum de nós queria que nenhuma

construção parasse esse rio. Nós queria falar isso pro governo pra deixar esse

rio livre, sem construção nenhuma. Porque aqui tem o nosso alimento, tem

peixe. Tem as matérias-primas nesse rio. Como esse rio é estreito, a nossa

preocupação é futuramente secar, como tá acontecendo na Amazônia. O barco

não conseguiu navegar. Isso é nossa preocupação.”

368

Page 369: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Foi colocada também a preocupação com o retorno do resultado do trabalho

para os índios, algo que foi exigido também em diversas outras aldeias ao

longo do trabalho realizado. Segundo Pirakumã, “isso gostaríamos de vocês

pra nós ajudar a contar assim uma história real. Porque muitas vezes quando

vem o pesquisador a gente fala, fala, fala e depois vão embora. Eles escrevem

muito e nunca a gente recebe retorno. Se saiu aquela nossa fala. Se saiu

aquele nosso pensamento. A gente nunca teve um retorno pra comunidade.

Esse que é o problema. Como Aritana falou agora a pouco, né. Espero que

vocês nós ajudem a resolver essa situação e levar o problema pro governo.

Essa que é a nossa maior preocupação”.

Pirakumã relata a visita ao local da barragem: “Nossa maior preocupação de

todos. Preocupação dessa construção da barragem. Eu tive no local. São uns

150 metros de diâmetro assim que a dinamite estourou. Arrebentou ali. Então é

enorme. Aonde era o leito, onde passava os peixes. A draga tá lá catando as

pedras, jogando fora. Então isso doeu pra gente comunidade. Então é uma

coisa que a gente não gostaria que construísse aquela barragem nessa área.

Já foi falado. É. O empresário não sei porque não vem pra ouvir pessoalmente

aqui. Ele tem que nos procurar. Não é a gente que tem que procurar ele. Como

é interesse dele, ele que tinha que vir procurar a comunidade. Como vocês

vieram. Eles contrataram vocês, estão aqui. Tão ouvindo. É bom que você vai

visitar cada aldeia onde vocês vão falar. Só que apesar que aqui são nove

línguas aqui no alto. Cada um vai falar... Só que mesma palavra, só que parece

que é diferente também. Vai ter isso. Depois vocês se quiser ir lá no local, levar

os mais velhos. Vai mostrar onde é. Que a barragem está um pouquinho aqui

mais pra cima. O lugar está bem próximo em baixo”.

369

Page 370: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Reunião na Aldeia Waurá, 31/10 a 02/11/2005

Reunião na aldeia Waurá, dia 31/10/2005, na casa dos homens (centro da

aldeia). Tradução de Tupa, falaram vários índios, dentre eles o cacique Atamai,

Kamalá, Auaulucumã, Isautaco, Aruta, Aularú.

Na reunião falaram sobre a importância do rio para eles, sobre as frutas que os

peixes comem e se mostraram muito preocupados com a construção da PCH.

Todos disseram ser contra a construção da barragem.

O cacique Atamai disse que não é à favor da barragem, pois não vai ganhar

nada com isso e vai comprometer o futuro de seus netos. Disse que dependem

do rio para tudo, e as fazendas já estão poluindo o rio, o veneno que jogam na

soja escorre para o rio e mata os peixes. Além disso, o leito do rio está

assoreado, hoje em dia existem locais em que o barco encosta no chão, antes

os rios Culuene e Batovi eram muito profundos:

“Aí a gente foi até aquele local, vimos aquela construção da barragem. E desde

aquele dia que eu estive lá, fiquei muito preocupado. Fiquei muito triste. Será

que nosso rio vai acabar? Porque o Rio Culuene ele é eixo dos outros rios. Ele

é rio principal que tem ligação com os outros rios pequenos. Se construir, obra

continua naquele local, é claro que vai afetar toda natureza. Vai ter impacto

sim. Porque homem branco diz que não vai afetar nada. Que água vai correr

normalmente. Não vai encher rio. Não vai morrer peixe. É mentira. Porque

homem branco gosta de enganar os outros. Tem mais, os brancos já tá

pressionando a gente, já tá perturbando. Que é o pessoal dos madeireiros. Ele

tão deixando nós sofrer também. Tem outro lado tem esse construção de

barragem. Então o que nós vamos fazer? Então é melhor dizer não. Porque vai

afetar sim. Porque todos nós aqui dependemos da natureza. Dependemos de

pesca, caça, o rio. A terra. Dependemos da terra aqui. E dependemos de tudo.

Porque nós não temos mercado, supermercado só pra ir lá e comprar. Porque

370

Page 371: Relatorio final paranatinga 12 05-06

o nosso mercado é o rio. Ali que nós pesca quando tá com fome. É ali que nós

vamos lá no rio, pega o peixe, leva pra casa. Tudo isso. Se for construir

barragem, meus netos vão sofrer daqui pra frente. Mesmo que o dono

pagasse, a gente não aceitaria. Não podemos. Porque vai afetar sim. Porque

isso aí tá ocorrendo perigo pra nós. Mesmo que fique a distância. Mesmo

assim vai secar todo o rio. Você não tá vendo o caso do Amazonas que tá tudo

seco lá. E governo não vai mandar todos dias um cesta básica pra nós. Isso eu

não aceito mesmo. Eu só vou ficar contente, ficar alegre, vou festejar depois

quando dono disser sim, eu entendo a situação dos índios. Então vamos

cancelar toda a obra. Vamos desmanchar. A hora que o obra for desmanchado

aí eu vou ficar alegre, vou ficar muito contente com isso. Porque não vai morrer

animais, não vai morrer o mato, a floresta. Não vai acabar o rio. Não vai afetar

nada. Porque obra parou, porque não tem mais. Aí eu vou ficar mais alegre.

Talvez eu convida vocês pesquisadores pra vir festejar conosco aqui“.

A posição de Atamai em relação a indenização em dinheiro foi compartilhada

por outros grupos, como os Ikpeng, para quem a preservação ambiental é

muito mais importante. Esta concepção em relação aos bens matérias havia

sido relatada por Ireland, pois os Waurá não tem intenção de conservá-los,

uma vez que “no fim das contas, dizem [os índios], os objetos invariavelmente

se desgastam, ficam velhos, quebram, são perdidos, presenteados ou mesmo

roubados. Bens materiais não têm nenhum valor duradouro em si” (Ireland,

2001: 254).

A relação dos Waurá com os locais sagrados localizados fora do perímetro do

PIX é ressaltada pelo cacique Atamai:

“Mesma coisa do Kamukwaká onde nosso avô começou a fazer cerimônia de

furação de orelha. Por isso eu tô usando um brinco. O adolescente quando

começa não tem orelha furado. Aí o pessoal resolve fazer uma cerimônia pra

eles durante um ano pra poder furar a orelha. Pra eles poder sonhar muito bem

o sonho que dá a vida pra frente. Se você sonha e mal. Você diz que sua vida

371

Page 372: Relatorio final paranatinga 12 05-06

não vai ser longa. Quando você tiver com quinze anos, vinte anos você morre,

se você não tiver sonho bom. Por isso tem que ter cerimônia muito bem feito.

Onde começou essa cerimônia? Começou no Kamukwaká. Ali que começou

que pessoal trouxe de lá pra cá. Mesma coisa é lá onde obra está sendo

construída. Ali que começou o Kwarup que trouxeram de lá pra cá. Por isso

que nós conhecemos essa cultura indígena que chama Kwarup, a cultura

indígena que chama ‘Cerimônia da Furação de Orelha’. Por isso eu vou dizer

não pra vocês. Senão os meus netos vão sofrer daqui pra frente”.

O pajé Itsautaco Waurá complementa os comentários do cacique, ao levantar

aspectos da cosmologia indígena que indicam que os impactos da construção

da PCH vão além daqueles relacionados aos recursos naturais ou locais

mitológicos:

“Isso eu não posso aceitar porque vão prejudicar o negócio de espiritismo.

Espíritos vão ficar bravo com nós. Espírito não vai atacar ele, o dono de

barragem. Ele tá lá na cidade. Nós aqui vamos sofrer pelo espírito. Espírito mal

vai entrar para nosso corpo pra fazer mal pra nós. Mesma coisa de: você não

tem medo de vaca-louca, a doença? Mesma coisa, nós temos medo de espírito

mal aqui. Imagina se continuar fazendo barragem. Tiver pronto. Espírito vai

ficar bravo com nós. Vai querer atacar todo mundo aqui. Vocês, ele vai ficar

numa boa lá e nós aqui sofrendo. Então eu não aceito. Fala pra ele, bota no

papel e fala pra ele que pajé disse não. Pajé não abre mão, porque senão

espírito vai ficar bravo. Porque vai haver o impacto nas plantas porque todas

plantas tem espírito, tem dono. Cada planta tem dono. Por isso a planta que

nós tomamos dá efeito pra nós melhorar. Então espírito fica bravo. Então, que

o espírito da água, o espírito da floresta, o espírito dos peixes. Espírito vai

querer recolher todos os peixes, vão querer esconder. E aí o que nós vamos

comer? Porque o rio é igual mercado pra nós, supermercado. Porque vocês

tem supermercado. Vão pro supermercado compra as coisas e leva pra casa.

Todos os dias o nosso mercado é o rio. Todos os dias nós vamos pescar. Pega

peixe de lá e trás pra cá. Por quê? Porque tem espírito que oferece e dá o

372

Page 373: Relatorio final paranatinga 12 05-06

peixe pra nós. Por isso a gente vive bem aqui. Aqui nós vivemos bem e forte,

todo mundo. Se acontecer isso, haver a construção de barragem, espírito vai

querer tirar todos os peixes. Mesmo que a água tivesse limpo e correr

normalmente, espírito não vai admitir. Vai tirar todo o peixe. Vão querer colocar

em outro lugar. A gente não vai conseguir nada aqui. Isso que me preocupa.

Porque o homem branco não entende de espírito. Eu entendo de espírito.

Homem lá não entende. Ele entende de dinheiro. Eu aqui entendo de espírito.

Porque existe espírito bom e existe espírito mal. Então isso me preocupa muito.

Mesmo que ele fizesse rio bem bonito e tal. Mas não vai haver mais peixe, né.

Então dono de barragem tem que me respeitar. Tem que ter respeito por nós.

Não só por mim que ele pode respeitar. Todos os índios tem que respeitar.

Tem que ter respeito por nós. Apesar de que a gente não conhece ele, então

ele tem que dar o valor na minha palavra. Porque eu entendo de floresta”.

373

Page 374: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Aldeia Mehinako, 07 a 09 de novembro de 2005

A reunião foi realizada dia 08 de novembro de 2005 e foi traduzida por Raul

Mehinako. Após a apresentação do trabalho e da equipe, Iomuim falou sobre o

rio Tuatuari e locais de antigas aldeias Mehinako, onde seus bisavós

nasceram. Relatou o contato com a FUNAI, que solicitou que se instalassem

próximo ao rio e não mais no local onde eram as antigas aldeias, por isso a

aldeia atualmente se encontra próxima ao rio Curisevo. Disse que não está

gostando da usina, tem medo disso, pois o rio Culuene está defendendo a

bacia do rio Xingu, não aceita a barragem. Afirma que o alimento que

consomem é o peixe e outros animais que vivem no rio, não consomem os

“animais terrestres”: capivara, porco do mato, veado, paca: “Então, no caso,

nosso alimento sério é o peixe. Na verdade nosso alimento é a pesca e

alimento que vive no rio. Por isso que eu tenho medo disso. Eu não posso

deixar pra funcionar essa coisa movimento pra frente. Mas nós não come os

animais que vive na terrestre. A gente não come os animais terrestres. Veado,

a gente não come. Capivara, a gente não come. E os animais que vivem na

beira do rio, a gente não come. E etnias que moram aqui dentro do parque, Alto

Xingu, não comem esses animais, os animais terrestres. Na verdade nosso

alimento sério é peixes”. Iomuim questionou: “será que o rio vai continuar o

mesmo? Parentes que vivem na cidade contam pra nós sobre a destruição de

outras barragens. Quando vai chegar tempo, os peixes não vão mais botar ovo,

pois o rio não vai mais encher, pra nós é triste. Essas coisas contaminam os

peixes e o alimento que fica no rio. Um dia não vai ter mais peixe, o que nós

vamos comer”?

O cacique Manaim disse que “nós lideranças estamos defendendo a bacia do

rio Xingu. Vocês não é gente, vocês é bicho, parece que vocês é inimigo da

gente. Têm que respeitar a nossa sociedade, nós respeitamos a sociedade de

vocês. A festa, mito, surgiu onde tem barragem. Lá é que as coisas apareceu,

374

Page 375: Relatorio final paranatinga 12 05-06

importante. Como Kamukwaká, como onde tem a barragem, nós já tem tudo

isso. Kamukwaká tem bastante a nossa riqueza, como lá onde é a barragem

tem bastante riqueza, por isso não queremos que o branco tome conta da

nossa riqueza. A gente não vai deixar isso, natureza é a nossa riqueza, esse

rio é a nossa riqueza.”

O cacique Manaim convidou o governador do estado de Mato Grosso, Blairo

Maggi, a visitar o PIX para conversar com as lideranças.

375

Page 376: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Reunião na Aldeia Aweti – 09 a 11 de novembro de 2005

A reunião foi realizada na casa dos homens dia 10 de novembro de 2005 e foi

traduzida pelo professor Waranako, onde foi dito por Maialaiá que o local da

“barragem é onde surgiu o Kwarup. Barragem vai prejudicar nosso alimento e a

água. Eu não gosto esse tipo de coisa. A FUNAI também tem poder de ajudar

os povos xinguanos em relação à barragem. Eu não gosto da construção da

barragem. Os brancos estão explorando aquele lugar lá, eu não gosto.

Kamukwaká foi onde surgiu a furação de orelha, até hoje estamos usando nas

crianças, furando orelha. Morená é lugar sagrado, está preservado pois está no

parque, mas um dia também terá problemas. Baroá é lugar sagrado, os

brancos brigaram com a gente, por isso fugimos de lá e viemos para o Xingu”.

A seguir uma índia, Marualú, falou sobre a importância do rio Curisevo, falou

sobre o sal de aguapé, a lagoa onde tem o sal: “só tem um lugar onde tem o

sal, por isso o estragamento do rio vai acabar o sal, o sal vai morrer, esse sal é

antigo, desde os avós. Isso é muito importante para nós. Peixe é importante,

água e sal”. Falou sobre algumas lagoas utilizadas: iapuaia, aucata, iumaipana,

kantaoca, aitá, tsuluepe, macauaiá (bichos sagrados), tsalava.

Os índios Aweti e Waurá produzem muito sal de aguapé e trocam com os

outros povos.

376

Page 377: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Reunião na Aldeia Kuikuro, 11 a 13 de novembro de 2005

A reunião foi realizada dia 11 de novembro de 2005 no centro da aldeia, na

casa dos homens, onde havia cerca de 39 adultos presentes. O índio Carlos

Kuikuro afirmou que “a construção dessa barragem não é bom para nós, esse

é o único rio que a gente tem pros nossos filhos, pra pescar. Esse é o único

para nossa sobrevivência, água é importante para nós. Onde vamos pegar os

peixes pros nossos filhos? Peixe é nossa única alimentação, a gente não come

os bichos, só o peixe. Pouco tempo começou a construção dessa usina, nós

não sabíamos sobre isso. O rio começou a ficar sujo e nós não sabíamos

porque. A gente pensou o que estava acontecendo com esse rio, que estava

ficando sujo. Lá onde estão construindo a barragem que começou nossa

história, começou o Kwarup. Quando o branco não ocupava lá, a gente ia

sempre lá, nosso avô, bisavô ia sempre lá, pescava lá. Aí os homens branco

começou a atacar eles, morria muitas pessoas, aí vieram pra cá. Por isso que

hoje em dia nós não visita esse lugar porque o branco já tá ocupando lá, né.

Porque antes, quando eles não ocupavam, a gente visitava sempre. Faz

tempo. Por isso que está assim agora”.

Sepé Kuikuro complementou: “então essa construção de hidrelétrica pra nós é

muito feio. Porque a gente tá preocupado muito com os peixes. A gente não

quer acabar com os nossos rios. Porque todos nós daqui do Alto Xingu

sobrevive com essa água. Porque todo mundo usa essa água. Se essa

empresa construir essa barragem, e depois? O que que a gente vai viver? O

que a gente vai tomar depois? Onde que a gente vai pescar? Porque esse

único o nosso rio que nós temos eles querem fazer essa barragem. A gente

não tá querendo isso”.

377

Page 378: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Reunião na Aldeia Matipu – 13 e 14 de novembro de 2005

A reunião ocorreu na casa dos homens e foi realizada dia 14 de novembro de

2005 e traduzida por Kulika.

Na reunião, os índios falaram sobre a importância do rio Culuene, disseram

que não podem aceitar a barragem, pois é lá que pescam e pegam água.

Um índio Matipú afirmou que “não deixa esse barragem. Porque é lá, ele falou

assim, lá que começou festa Kwarup. É lá que primeiro que Deus começou

fazendo festa lá, né – Kwarup”. Uma índia complementou: “eu não pode mais

deixar barragem. Então pode falar, né, que não pode mais Que nós é assim,

né. Todos falamos assim. Toda a aldeia falando assim. Não pode não”.

“Então esse peixe pra nós é importante, né. E criança alimentado. E também e

animal também nós comemos também. E Jacu, o mutum, né. É esse que nós

se alimenta aqui no Xingu. Então, por isso que pra nós não pode acabar esse

rio, né. Pra nós, né. Porque criança aqui, né, todo mundo, criança, onde que ia

pescar rio? O peixe e beiju, né. Então por isso que o mais é importante, né.

Que lá a gente roça, né. Vai se plantando, né. Depois a gente também

preocupado com esse mato, né. Então por isso a gente não [tem]a roça bem

grande senão acaba esse mato, né”

378

Page 379: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Reunião na Aldeia Kalapalo, 14 a 16 de novembro de 2005

A reunião foi realizada na Escola Estadual Indígena Kalapalo no dia 15 de

novembro de 2005 e contou com expressiva participação da comunidade, havia

mais de 60 indígenas presentes. A reunião foi traduzida pelo professor Talico

Kalapalo.

Faremá Kalapalo afirmou que o rio Culuene é o mercado dos índios, pois é

dele que retiram sua alimentação. Disse ainda que “cinco quilômetros abaixo

da barragem, a gente chama ogö, branco chama jirau, tem cachoeira fechado,

peixe pula lá, aí índio flecha lá. Lá é lugar sagrado, chama ahaukugu, não sei

quantos milhões de hectares, lá é muito grande. Não é só Kalapalo não, é todo

mundo. Por isso nós não aceitamos construção da barragem. Nós chama

Culuene o pai de todos [os rios]. Hoje o rio está muito raso, aí todo mundo está

preocupado. Será que o índio vai comer folha? Não, é peixe que é nosso

alimento. Nós morava acima do Tanguro, aí Orlando [Villas Boas] fez projeto

pra mudar pra cá. Se fosse hoje eu não ia sair da minha terra não. Aldeia

Naruwoto era perto do limite”.

Karumã Kalapalo disse que está muito preocupado com a construção da

barragem e que “os brancos estão querendo acabar Xingu. Os brancos acha

que nós somos animais, nós somos seres humanos. Estou preocupado muito,

vocês querem acabar o rio. Nós somos índios do Xingu, não perdemos nossa

cultura, costumes, língua. O rio vai secar, rio Culuene é extremamente

importante pra nós. Quem é original do Brasil é índio. Os brancos vieram de

outros países, os brancos escravizaram os índios. Até hoje os brancos querem

acabar os índios. Os índios do Xingu são os últimos originais do Brasil.

Portanto eu não quero esta obra, todos os povos não previram essa obra.

Estamos todos muito preocupados com essa obra. Os brancos estão iludindo

os índios”.

379

Page 380: Relatorio final paranatinga 12 05-06

A índia Tsapê Kalapalo afirmou que “não podemos deixar fazer essa obra.

Vocês estão querendo acabar o peixe, quando o rio secar. Eu não acredito que

o rio vá continuar desse jeito. Lá em cima, onde estão fazendo a obra, meu pai

ia buscar material lá. Os brancos, fazendeiros, destruíram onde o material

ficava. Vocês querem acabar o rio Xingu, estragar. Os brancos, bandeirantes,

matavam meus bisavós. Até agora vocês estão continuando, querem matar

nós. Estamos com muito medo. Antigamente, os brancos matavam os índios,

escravizavam. Os índios se espalharam pelo Brasil inteiro. Como nós estamos

aqui os brancos falaram: ‘Xingu é reserva’. Será que os brancos fizeram essa

terra, floresta, tudo? Não, foi Deus quem fez”.

Raíhuá Kalapalo fez um discurso veemente contra a construção da PCH,

dentre outras coisas, afirmou que “eu não posso deixar fazer a obra. Essa obra

é muito perigosa, não podemos dar moleza para os brancos. Antigamente

sofremos muito com os brancos, hoje em dia estamos sofrendo com os

brancos. Eles querem acabar com nossa riqueza, os brancos estão de olho na

nossa floresta, nossos rios, nossa riqueza. Nós estamos vivendo como

pássaros em uma gaiola. Essa área [PIX] não é grande, antigamente os índios

andavam muito. Hoje o Xingu está cercado com fazendas. Quem é o dono do

rio é os Kalapalo, que moravam lá em cima. Por isso estamos reivindicando

bastante, pra não fazer a obra. Quando o rio secar, como vamos viver”?

380

Page 381: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Reunião na Aldeia Nahukua, 16 e 17 de novembro de 2005

A reunião foi realizada na casa do cacique Tirivé no dia 17 de novembro de

2005 e foi traduzida pelo professor Kaman. Após a apresentação da equipe e

do trabalho desenvolvido, o cacique tomou a palavra: “bem vindos, prazer em

conhecê-los. É bom vocês estarem ouvindo a nossa preocupação em relação à

usina hidrelétrica. É bom vocês ouvirem para levar nossa preocupação para lá.

Estamos muito preocupados com a construção da usina. Nós não podemos

deixar fazer essa barragem, pois lá é nosso lugar sagrado, do Sagihenhu. Por

isso não podemos concordar com essa proposta de vocês. A gente procura

nosso alimento, é importante pra nós o peixe. Onde a gente vai procurar nosso

alimento no futuro, se secar, se acabar o peixe? Nós não estamos de acordo

com essa proposta de vocês. Como vocês, o branco, vão para o mercado

comprar alguma coisa pros seus filhos, a mesma coisa nós fazemos, no rio, pra

nos alimentar. Aonde que no futuro nossos netos vão procurar o alimento, se

extinguir mais tarde? Estamos muito preocupados com a função que vocês

estão fazendo. Somos puros ainda, não comemos a comida de vocês, só o

nosso alimento. O branco fez de surpresa a realização dessa hidrelétrica. Por

isso a nossa preocupação com essa hidrelétrica. Só isso que eu queria dizer,

agradeço a vocês”.

Karanaim e outros índios (Iupi, Kamissú, Oiamá, Sariko, Kaman)

complementaram a fala do cacique dizendo estar muito preocupados com a

construção da PCH: “estamos muito preocupados hoje em dia, pois esse rio é o

mais importante pra nós, pois é lá que procuramos nosso alimento, que é o

peixe. A nossa maior preocupação também é defender a nossa mata, nossa

terra e nossos rios. Por isso estamos triste pela realização dessa hidrelétrica rio

acima”.

Oiamá afirma estarem “muito preocupados mesmo com o futuro dos nossos

filhos e netos. Aqui começou o Kwarup, festa sagrada, onde fizeram a usina.

381

Page 382: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Se o rio secar onde vamos procurar alimento pros nossos filhos? Por isso

estamos preocupados com a realização da usina. Somente o peixe que a gente

pega e se alimenta. Não comemos outro alimento, só o peixe. Por isso estamos

preocupados, se o peixe morrer quando realizaram barragem, a gente fica

muito sofrendo mais tarde”.

382

Page 383: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Reunião na Aldeia Morená, etnia Kamayurá, 18 a 21 de novembro de

2005

A reunião foi realizada dia 19 de novembro no centro da aldeia e contou com a

participação de mais de 21 índios adultos, sendo boa parte composta por

mulheres. A reunião foi traduzida por Sula, que é a AIS.

O cacique Yauapi disse que “quando o pessoal começou a barragem, ficou

todo mundo preocupado. Porque quando o rio secar, não vai ter peixe pra nós.

Por isso ficamos muito bravos, até a mulherada ficou muito preocupada.

Porque aqui no Xingu a gente planta mandioca, a gente não come a comida do

caraíba [não-índio], só mandioca, peixe”.

Foi realizada ainda uma reunião no PIN Pavurú no mesmo dia, com duas

jovens lideranças do Morená, os irmãos Pablo e Marcelo, que iram viajar para

Canarana e não puderam estar presentes na reunião realizada na aldeia. Pablo

iniciou dizendo que

“Quando visitamos o local da barragem, nós fomos contra. O meio ambiente

vem mudando nos últimos anos, em função da aproximação dos municípios,

fazendas, problemas com as cabeceiras dos rios. De março a setembro o rio

seca bastante, em função do assoreamento dos rios pelas fazendas. Quando o

Parque do Xingu foi criado, as populações moravam até os limites das terras

Bakairi, principalmente os Kalapalo e os Matipu. Quando o Parque foi criado,

nós não fomos ouvidos, se fosse agora não mudaríamos das nossas aldeias. E

até hoje não somos ouvidos, quando construíram a barragem não fomos

consultados. Esse rio Xingu não passa só por uma aldeia, atinge a todo o

Xingu. Não pode só uma etnia decidir, pois não passa o rio só por lá. Não se

levou em consideração a nossa opinião, como cidadãos do Xingu. O Xingu não

tem uma liderança que fala por todos, cada etnia tem sua liderança. Por isso

383

Page 384: Relatorio final paranatinga 12 05-06

uma liderança não pode falar por todos no Xingu. Onde está sendo construída

a usina é local de desova dos peixes. Sabemos que morreram muitos peixes lá,

com bombardeio”. Pablo solicitou cópia do presente trabalho e das fotos.

Marcelo Kamayurá ressaltou sua preocupação com as informações coletadas

pela equipe de pesquisadores, firmou um compromisso que as informações

coletadas sejam repassadas para as comunidades indígenas, inclusive para

serem utilizadas em outras instâncias. Disse que querem ter retorno das

informações. Ele citou uma frase do Kurikaré Kalapalo, depois da visita à

barragem, que causou um impacto muito grande, que transtornou as

lideranças, pra não fazerem besteira ali (uma vez que alguns índios queriam

matar os engenheiros e demais técnicos que se encontravam na usina),

segundo ele os jovens (e lideranças do alto Xingu, como Aritana) que

conseguiram contornar a situação. Kurikaré disse “é mesma coisa, vocês estão

mexendo com nosso mercado, é o mercado de onde tiramos nossa

alimentação básica”. Marcelo disse ser importante lutar pela preservação dos

sítios arqueológicos, de forma a poderem passar os conhecimentos mitológicos

de geração em geração. Afirmou ainda que quando mudou para a região do

Morená em 1984 não havia tantos bancos de areia no rio, o assoreamento

aumentou muito e com a barragem vai piorar ainda mais.

Marcelo é formado no magistério e é auxiliar indígena de enfermagem e

presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena.

384

Page 385: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Reunião na Aldeia Boa Esperança, Etnia Trumai, 21 de novembro

de 2005

A reunião foi realizada dia 21 de novembro e foi registrada pelo professor

Takap Pi-yu Trumai Kayabi.

O cacique Kowo Marikawá Trumai relatou ter participado da reunião em

Canarana com o governador Blairo Maggi. Ele afirmou que “nós índios vivemos

da natureza, da caça, pesca, roça, nossa sobrevivência vem daí. Estamos

lutando para que essa barragem não aconteça. Os brancos falam que a

barragem não vai dar problema, não vai afetar a natureza. O que a gente vem

falando é que a gente não quer a barragem. Apesar dela estar um pouco longe,

vai afetar o rio. Estamos tentando preservar o que nós temos”.

O professor Pi-yu disse que “gostaria de falar o que eu penso sobre essa

barragem que estão querendo construir. Primeiramente a gente tem que

pensar no futuro e também o presente que estamos vivendo. É aquela questão

de ecossistema, a biodiversidade. Dizem que não vai afetar o meio ambiente,

vai gerar emprego e desenvolver as pequenas cidades. Mas isso será pros

não-indígenas, os índios não vão ganhar nada com isso. É claro que vai afetar

a natureza sim, vai estar afetando a natureza. O que começa pequeno vai se

tornar grande. A gente observa a plantação de soja, começou pequeno, foi

crescendo, crescendo e hoje o Mato Grosso é o maior produtor de soja. As

matas já não existem mais. A gente deve dizer não à essa usina, é isso que eu

falo”.

385

Page 386: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Aldeia Moygo, Etnia Ikpeng, 22 e 23 de novembro de 2005

A reunião foi realizada dia 22 de novembro no centro da aldeia, contou com a

participação de mais de 35 adultos e foi traduzida por Korotowï, que é

professor e diretor da escola.

O cacique Melobô deu as boas vindas à equipe e disse que “eu estou aqui

neste lugar porque eu fui trazido de outro lugar. Trouxeram minha comunidade

pro Xingu porque não sabia falar português. Quero retomar o lugar em que eu

nasci e cresci. Estou procurando meus parceiros para retomar meu lugar. O

que não quer dizer que não vou lutar por esse lugar onde moro. A população

está crescendo e está ficando apertado. Pra mim, a terra, aqui no Brasil,

sempre morou os índios. Essa terra aqui é dos índios, não é do governo.

Depois da invasão da Europa é que o governo se apoderou dessas terras. A

história passada, antigamente, quando a terra, os rios e os animais foram

criados, todos nós falávamos entre a gente. A gente acredita que os seres

vivos em geral faz parte da nossa vida. Nós vivemos por eles e eles vivem por

nós. Quem faz desmatamento não pensa na vida dele. Nós vivemos dos rios,

essas pessoas que fazem grandes plantações não pensam nos outros, só

neles, em ganhar dinheiro. Pra quê fazer represa nos rios? Nós não queremos

dinheiro, nós queremos mais matas, mais rios. Que todo mundo cace sua caça,

pesque seu peixe. Dinheiro não é a vida. Toda essa terra é nossa, não é o que

está demarcado que é nosso. Vocês invadiram a gente, trouxeram prejuízo pra

gente, porque não tiveram respeito com a gente e com a terra. O governo não

pode vir falar que a terra é dele, a terra é indígena. Muitos brancos dizem que

estamos invadindo as suas terras. Eles é que invadiram nossas terras! Antes a

gente ia pra pegar produtos da mata, pra fazer artesanato, agora não podemos

mais. Vocês dizem que entendem as coisas, não entendem nada. Vocês estão

poluindo os rios, estão deixando o clima morrer. Falem pro governo que não

queremos dinheiro”.

386

Page 387: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Manipilú, bem como vários outros índios Ikpeng, se colocou contrário à obra:

“não pode fazer barragem nesse rio. Esse rio é que eu, meus filhos e netos

precisamos. Fizeram um poço de água aqui [na aldeia], não funcionou, ele

secou. Por que ele secou? Porque vocês fizeram derrubada nas nascentes dos

rios. Se desmatar as nascentes, esses insetos morrem, eles não vão fazer

nascentes do rio. Não sei se os outros [povos indígenas] falaram a mesma

coisa, mas nós somos diferentes, porque não somos daqui. Eu sou guerreiro,

se continuar essa barragem eu vou lá e brigo com esse pessoal. Eu quero que

escrevam meu nome, é Manipilú, e levem”.

A índia Airê fez um discurso incisivo, dentre outras coisas, afirmou que “eu sou

contra construção da usina, desmatamento, mineração. Sabe porque? Eu

preciso da terra pra plantar mandioca. Eu preciso dos meus peixes, eu preciso

da caça. Esse macaco aranha precisa comer pra eu comer ele. Eu preciso

disso, não só eu, e as gerações futuras. Esse trabalho de vocês eu espero que

dê resultado, gostaria que fossem falar com o chefe de vocês, o meu nome,

Airê não quer a barragem, tem que destruir, deixar o rio correr. Se a barragem

for construída eu vou atrás de vocês. Digam pras esposas de vocês que

conheceram uma índia guerreira, Airê. Digam que viram uma mata bonita, a

mata da Airê é bonita. Eu sou filha de guerreiro, por isso eu sou guerreira. Eu

sei que vocês têm a arma de vocês, mas eu também tenho minhas armas”.

387

Page 388: Relatorio final paranatinga 12 05-06

Reunião Final, PIN Leonardo, 25 de novembro de 2005

A ata da reunião foi assinada pelas seguintes pessoas:

1. Kotok Kamayurá;

2. Koiouto Kalapalo;

3. Takap Pi-yu Trumai Kayabi;

4. Nakaulaka Mehinako;

5. Araku Aweti;

6. Atamai Waurá;

7. Aulahú Waurá;

8. Kauruma Kalapalo;

9. Xapatsiamá Waurá;

10.Kainama Aweti;

11.Tsau Taku Mauar;

12.Tirifé Nafukuá;

13.Yakumim Aweti;

14.Tafukuma Kalapalo;

15.Aritana Yawalapiti;

16.Yamico Jaraü;

17.Yamatuá Matipu;

18.Kuiaumã Nafukuá;

19.Marcinua Kalapalo;

20.Kuangi M. Kalapalo;

21.Apayupi Waurá;

22.Masuka Ivan Kalapalo;

23.Numa Kalapalo;

24.Kokotí Aweti;

25.Jacuma Karseli Kamayurá;

26.Paiê Kayabi;

27.Raul Kamayurá;

28.Chris Ball

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Page 389: Relatorio final paranatinga 12 05-06

29.Mapulu Kamayurá;

30.Kumué Kamayurá;

31.Takumã Kamayurá;

32.Wolako Kuikuro;

33.Takarrachi Aweti;

34.Maynapu Yawalapiti;

35.M. Kamayurá;

36.P. Maluf Kuikuro;

37.Kuyapage Afuri;

38.Jamilko Yawalapiti;

39.Tom Aweti;

40.Pirakuma Kamayurá;

41.Tacarama Kamayurá;

42.A. Kamayurá;

43.Sarico Nafukuá;

44.Rikamá Kuikuro;

45.Kaioa Nafukuá – aldeia Yaramü;

46.Maiualu Aweti;

47.Evelup Waurá;

48.Waripira Yawalapiti;

49.Maualaia Aweti;

50.Mathiakalu Aweti;

51.Otávio Moura Carvalho - FUNAI;

52.Gérson Levi-Mendes;

53.Gláucia Buratto Rodrigues de Mello;

54.Rodrigo Padua Rodrigues Chaves;

55.Jairo Kuikuro – Lahatua.

Após a apresentação do trabalho realizado pela equipe e do resumo das

principais discussões ocorridas nas aldeias visitadas, o cacique Aritana tomou

a palavra: “Bom dia a todos. Todas as comunidades onde vocês foram

389

Page 390: Relatorio final paranatinga 12 05-06

passaram muito a preocupação para vocês. Pra nós eu acho que não deve

fazer isso aí [a PCH], porque o rio Culuene abastece a todas as comunidades,

não só os índios, os brancos também, saí lá da cabeceira e vai até o [rio]

Amazonas. Nós não fomos comunicados, foi erro grande. Quando ficamos

sabendo, reunimos todas as lideranças, chamamos o governador de Mato

Grosso. Primeiro lugar pra nós a FUNAI é o pai dos índios, defende os índios,

eu comuniquei pra eles, quem está autorizando isso aí. A FUNAI não

compareceu. A gente mandou radiograma pra eles, a FUNAI não compareceu.

A gente vem lutando, vem falando, até que chega aqui vocês pesquisadores,

vocês estão ajudando nós. Nós não temos para quem falar, FUNAI não ouviu.

Contamos com o Ministério Público, Mário Lúcio, que está ajudando muito nós.

Acho que com isso aí vai parar a obra, todo mundo quer isso, do Alto, Baixo,

Médio. Estão até querendo fazer guerra, vamos evitar guerra, conversar, falar.

A gente acha que esse rio Culuene, vamos deixar livre esse rio, desde a

cabeceira até a foz”.

O cacique Yacumim Aweti confirmou que “quando soubemos da barragem já

estava destruído o rio, os peixes já estavam morrendo. Não comunicaram, não

consultaram as lideranças do Parque Indígena do Xingu. Passamos

radiograma pra FUNAI, não fomos atendidos. Falamos com o presidente da

FUNAI, que ele tem poder para paralisar a obra, mas não fomos atendidos,

nenhuma resposta passou pra nós porque não veio. Pra isso existe a FUNAI,

pra tomar providência, onde não fomos atendidos. Tivemos encontro com o

governador de Mato Grosso, autoridades, menos o presidente da FUNAI.

Estava representante chefe de gabinete e chefe do DEPIMA, nunca tomaram

providência. Hoje agradecemos a vinda de vocês aqui, colocamos muita

história, muita proposta, estamos preocupados se usina continuar, impacto

muito pra nós. Por isso pedimos que levem nosso pedido pro Ministério Público

tomar providência”.

O cacique Atamai Waurá disse que “se a gente autorizar essa barragem, não

pode fazer isso, porque tem o sagrado, todo mundo sabe disso. Lá que

começou nossa história da festa Kwarup. Se começar fazer essa barragem, rio

390

Page 391: Relatorio final paranatinga 12 05-06

vai secar, peixe vai morrer, vai diminuir peixe, a gente não autoriza, não

autoriza mesmo. Nós autoridade do Alto Xingu não queremos mesmo. Depois

disso aqui, quero saber se vai parar”.

Aritana confirmou ter recebido radiograma do cacique Raoni Mebengokré, que

disse que tem 200 guerreiros preparados para a guerra a disposição das

lideranças do Xingu, caso a obra continue. Aritana respondeu a Raoni que não

era necessário no momento, pois a obra se encontrava paralisada.

Após a fala de Aritana, um índio Mehinako disse que iria ler uma poesia escrita

por ele, em seguida fez um resumo das principais questões discutidas em

várias aldeias durante o trabalho de campo. Pela clareza de suas idéias, nos

permitimos transcrever os principais pontos por ele abordados:

“O índio é um ser humano, que dança, que toca instrumento musical, canta sua

música que é sinal de alegria e saúde. O índio é organizado socialmente, tem

domínio de suas próprias tecnologias, tem suas lendas, suas histórias de

origem do povo e do lugar de onde vieram, história do contato com a sociedade

envolvente, o índio também tem sua crença. O índio é ou já foi visto como

animal equivocadamente. O índio já perdeu a sua terra, que hoje é chamada de

Brasil e a idéia do branco, sobretudo dos governantes, é acabar com os índios.

O índio foi matado, foi massacrado com arma de fogo e doença contagiosa. Os

índios não foram exterminados porque eles tiveram que fugir e aceitar aquilo

que pediram que fizessem, por isso os índios ainda existem e são os

verdadeiros donos da terra, hoje o índio luta pelos seus direitos, direito de ser

cidadão, e os governantes perseguem esses povos com suas arenas e com

sua ferramenta por meio da escrita, mais a aproximação das terras indígenas.

E com tudo isto o índio é visto como aquele que atrapalha o progresso, como a

gente está vendo aqui. A gente está impedindo isso, a gente está impedindo a

barragem. Quando fala em barragem quer dizer barrar a água para o rio parar

e funcionar alguma coisa. Interessante é quando a gente faz isso aqui, reunião

para barrar para não funcionar mais barragem. Atrapalha o progresso do país,

391

Page 392: Relatorio final paranatinga 12 05-06

pensando bem não é nada disso, são aquelas sociedades diferentes, muito

diferente da sociedade do índio, porque? Tem sua língua, história, sua cultura e

sua organização social. Em relação à barragem a comunidade não foi

consultada, todo mundo já falou aqui, isso foi um erro da própria empresa e

muito menos os índios serem contemplados financeiramente, não pensaram

nem um segundo quando a empresa pensou em fazer a barragem. Oh! Então

vamos contemplar os índios, para serem beneficiados com os recursos que a

gente vai adquirir através dessa usina, nada disso foi lembrado. Fica bem claro

mesmo na cara que os índios não foram consultados. E por quê? Cada um de

vocês já retratou isso, as lideranças já falaram aqui a esse respeito, está bem

claro, nós não queremos isso. Porque não queremos isso? Porque somos

sociedades que somos interligados no universo natural, não no universo

capitalista. Não estamos aqui falando em dinheiro, imagina que todos aqui

falassem em dinheiro, nós queremos a barragem para ganhar dinheiro, não se

pensa em benefício para o índio, aí o índio ia virar branco. Eu quero dizer que a

informação foi muito errada, logo que chegou a empresa, a informação chegou

aos índios, foi um grande pulo que os índios deram, e aí o que é barragem, o

que afinal vai acontecer? A barragem não deu tempo para os índios pensar e

nesse percurso envolveram uma pessoa que, dizem que autorizou, dizem que

está envolvido, a gente não sabe qual é a verdade, mas no depoimento dele

fala que não. Eu acredito nele porque toda vez que ele volta da cidade ele

conta o que aconteceu, ele acabou de contar a negociação que fizeram, foi

muito antes disso, a gente sabe que não é fácil de se conseguir as coisas, você

fala, você pede hoje e vai conseguir no outro ano, é uma coisa muito

demorada. Então o que eu tenho para dizer aqui, se der para contribuir para

esse trabalho que vocês estão fazendo, vocês não estão aqui porque foram

contratados pelos índios para fazer um trabalho a favor dos índios, vocês estão

do lado da empresa, mas no sentido de ajudar a gente, isso vocês já falaram.

Essas idéias atrapalham, eu fico muito contente de vocês estarem aqui falando

do trabalho de vocês para tirar essas dúvidas, para a gente ficar aliviado,

porque muitas vezes a cabeça da gente fica cheia, o que estão fazendo afinal?

Até eu não queria que esse trabalho que vocês estão fazendo fosse feito [de

392

Page 393: Relatorio final paranatinga 12 05-06

pesquisa etnoecológica], eu não permitiria se fosse por mim também, porque

como eu falei, às vezes a informação chegava em uma pessoa só e a gente

não entendia direito. Por mim não aceitava, sabe por que? Porque se índio

falar aqui, não quer, o que adianta fazer estudo? Então não precisa, se nós não

queremos, acabou, então não adianta fazer mais estudo. E aos pouquinhos

fomos entendendo que foi necessário porque com certeza vai encontrar puros

vestígios com testes, escritas do nosso próprio habitat, encontrar cerâmicas,

escritas antigas dos nossos ancestrais. Eu acredito que isso vai ajudar muito

do juiz dá aval a favor dos índios. O lugar onde está sendo construída a

barragem é totalmente ligada com a história daqui, você entrando lá, você já vê

aquela paisagem diferente, já mudou a paisagem, já mostra a cara da

comunidade indígena e você trabalhando lá talvez vai encontrar muitas coisas

novas lá de material. Então o respeito que eu quero do lado da empresa é que

entenda realmente que a gente não está aqui vivendo nessa terra sem

nenhuma história. Eu queria que eles respeitassem e entendessem que a

gente é realmente daqui”.

Ao final da reunião, a ata elaborada foi lida e aprovada por todos os presentes,

que a assinaram, concluindo-se, assim, a etapa de campo do levantamento

etnoecológico no Parque Indígena do Xingu.

393

Page 394: Relatorio final paranatinga 12 05-06

ANEXO 8

SIGLAS UTILIZADAS NO PRESENTE ESTUDO

E SIGNIFICADOS

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Page 395: Relatorio final paranatinga 12 05-06

SIGLA SIGNIFICADO

ABA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA

AER ADMINISTRAÇÃO EXECUTIVA REGIONAL DA FUNAI

AIS AGENTE INDÍGENA DE SAÚDE

AISAN AGENTE INDÍGENA DE SANEAMENTO

ANA AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS

ATIX ASSOCIAÇÃO TERRA INDÍGENA XINGU

BR RODOVIA FEDERAL

CASAI CASA DE SAÚDE INDÍGENA

CEIMBXCONSELHO DE EDUCAÇÃO INDÍGENA DO MÉDIO E BAIXO XINGU

CGPIMACOORDENAÇÃO GERAL DE PATRIMÔNIO INDÍGENA E MEIO AMBIENTE

CMAM COORDENAÇÃO DE MEIO AMBIENTECONAMA CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTEDEDOC DEPARTAMENTO DE DOCUMENTAÇÃO DA FUNAI

DDT DICLORO DIFENIL TRICLOROETANODSEI DISTRITO SANITÁRIO ESPECIAL INDÍGENAEIA ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL

EMBRATUR INSTITUTO BRASILEIRO DE TURISMOEPM ESCOLA PAULISTA DE MEDICINAERX EXPEDIÇÃO RONCADOR XINGUFAB FORÇA AÉREA BRASILEIRAFBC FUNDAÇÃO BRASIL CENTRAL

FEMAFUNDAÇÃO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE MATO GROSSO

FUNAI FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIOFUNASA FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE

GPS SISTEMA DE POSICIONAMENTO GLOBALGT GRUPO DE TRABALHO/GRUPO TÉCNICO

IBAMAINSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS

IPAM INSTITUTO DE PESQUISAS DA AMAZÔNIAIPEA INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS APLICADAS

IPEAX INSTITUTO DE PESQUISA ETNO AMBIENTAL DO XINGUISA INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL

IUCN WORLD CONSERVATION UNIONMCT MINISTÉRIO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIAMJ MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

395

Page 396: Relatorio final paranatinga 12 05-06

MMA MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTEMPF MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

MS/CNS MINISTÉRIO DA SAÚDE/CONSELHO NACIONAL DE SAÚDEMT ESTADO DE MATO GROSSOOIT ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHOOMT ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE TURISMOONG ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTALPBA PLANO BÁSICO AMBIENTALPCH PEQUENA CENTRAL HIDRELÉTRICAPIN POSTO INDÍGENAPIV POSTO INDÍGENA DE VIGILÂNCIAPIX PARQUE INDÍGENA DO XINGÚ

PROC PROCESSORIMA RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL

SEMASECRETARIA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE DE MATO GROSSO

SPI SERVIÇO DE PROTEÇÃO AOS ÍNDIOS

TI (S) TERRA (S) INDÍGENA (S)

UFMT UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

UNEMAT UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO

UNIFESP UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

396