relatório final corrigido vanda e aceito

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1 UEM PPG/PES RELATÓRIO FINAL 1. ACADÊMICO(S) PARTICIPANTE(S): RICHARD DE FREITAS GOMES 2. ORIENTADOR: SOLANGE RAMOS DE ANDRADE 3. CO-ORIENTADOR: VANDA FORTUNA SERAFIM 3. DEPARTAMENTO: HISTÓRIA 4. TÍTULO DO PROJETO: Um estudo sobre as manifestações religiosas da cultura africana em Maringá: a Casa Ilê Axé Oyà (1970-2011) 5. INÍCIO: 01/11/2012 6. TÉRMINO: 31/10/2012 7. AVALIAÇÃO DO ORIENTADOR SOBRE O PIC. A importância do desenvolvimento de pesquisa científica financiada com bolsa para o aluno da graduação permite que o mesmo ao se dedicar exclusivamente aos seu desenvolvimento, se traduz pelo acesso a Programas de Pós Graduação para dar continuidade ao que fez na graduação. 8. AVALIAÇÃO DO ORIENTADOR SOBRE O DESEMPENHO DO(S) ACADÊMICO(S)-PARTICIPANTE(S) NO PIC. O desempenho do bolsista foi satisfatório; ainda precisa amadurecer mais alguns conceitos básicos e dominar os passos da pesquisa 9. AVALIAÇÃO DO(S) ACADÊMICO(S ) SOBRE O PIC. A experiência vivenciada proporcionou novos conhecimentos tanto no campo científico como no trabalho de campo, o que contribui para uma singular formação acadêmica, portanto, uma avaliação positiva. 10. ESCANEAR E ANEXAR COMPROVANTE DE APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA EM EVENTOS CIENTÍFICOS (NO SGP, EM “ANEXAR NOVO ARQUIVO”, ESCOLHA A OPÇÃO: CERTIFICADO DE PARTICIPAÇÃO EM EVENTOS ) Se houve premiação, informar o evento e classificação e anexar comprovante.

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Page 1: relatório final corrigido vanda e ACEITO

1

UEM

PPG/PES

RELATÓRIO FINAL

1. ACADÊMICO(S) PARTICIPANTE(S): RICHARD DE FREITAS GOMES

2. ORIENTADOR: SOLANGE RAMOS DE ANDRADE

3. CO-ORIENTADOR: VANDA FORTUNA SERAFIM

3. DEPARTAMENTO: HISTÓRIA

4. TÍTULO DO PROJETO:

Um estudo sobre as manifestações religiosas da cultura africana em Maringá: a Casa Ilê Axé

Oyà (1970-2011)

5. INÍCIO: 01/11/2012 6. TÉRMINO: 31/10/2012

7. AVALIAÇÃO DO ORIENTADOR SOBRE O PIC.

A importância do desenvolvimento de pesquisa científica financiada com bolsa para o aluno da

graduação permite que o mesmo ao se dedicar exclusivamente aos seu desenvolvimento, se traduz

pelo acesso a Programas de Pós Graduação para dar continuidade ao que fez na graduação.

8. AVALIAÇÃO DO ORIENTADOR SOBRE O DESEMPENHO DO(S) ACADÊMICO(S)-PARTICIPANTE(S) NO

PIC. O desempenho do bolsista foi satisfatório; ainda precisa amadurecer mais alguns conceitos básicos

e dominar os passos da pesquisa

9. AVALIAÇÃO DO(S) ACADÊMICO(S) SOBRE O PIC. A experiência vivenciada proporcionou novos

conhecimentos tanto no campo científico como no trabalho de campo, o que contribui para uma singular

formação acadêmica, portanto, uma avaliação positiva.

10. ESCANEAR E ANEXAR COMPROVANTE DE APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA EM

EVENTOS CIENTÍFICOS (NO SGP, EM “ANEXAR NOVO ARQUIVO”, ESCOLHA A OPÇÃO: CERTIFICADO

DE PARTICIPAÇÃO EM EVENTOS) Se houve premiação, informar o evento e classificação e anexar

comprovante.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIC

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

ORIENTADORA: DRª SOLANGE RAMOS

CO-ORIENTADORA: MS VANDA SERAFIM

ACADÊMICO: RICHARD DE FREITAS GOMES

UM ESTUDO SOBRE AS MANIFESTAÇÕES RELIGIOSAS DA CULTURA

AFRICANA EM MARINGÁ: A CASA ILÊ AXÉ OYÀ (1970-2011)

MARINGÁ, 30 DE OUTUBRO DE 2012

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIC

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

ORIENTADORA: DRª SOLANGE RAMOS

CO-ORIENTADORA: MS. VANDA SERAFIM

ACADÊMICO: RICHARD DE FREITAS GOMES

UM ESTUDO SOBRE AS MANIFESTAÇÕES RELIGIOSAS DA CULTURA

AFRICANA EM MARINGÁ: A CASA ILÊ AXÉ OYÀ (1970-2011)

Relatório contendo os

resultados finais do projeto

de iniciação científica

vinculado ao Programa PIC-

UEM.

MARINGÁ, 31 DE OUTUBRO DE 2012

Page 4: relatório final corrigido vanda e ACEITO

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RESUMO: A pesquisa partiu da proposta inicial estudar a história da casa de candomblé Ilê

Axé Oyà situada no Jardim Alvorada em Maringá/PR, sob a direção da Ialorixá, mãe Lurdes,

instalada desde a década de 1970. Todavia, a ausência de cultos públicos no período da

pesquisa fez-se com que se expandisse a pesquisa a outras casas de culto afro-brasileiro que

realizassem sessões públicas no período. As fontes para esta pesquisa foram os relatos

realizados por meio de trabalhos de campo. Teórico e Metodológicamente partiu-se da

discussão de Peter Burke acerca do Hibridismo Cultural como chave de leitura para o estudo

dessas manifestações. A trajetória percorrida pela cultura afro no Brasil, desde a chegada dos

primeiros escravos, nos revela uma série de sobreposições culturais ao longo de sua história,

de forma que no passado a história oral era o único veículo de comunicação e perpetuação das

culturas trazidas para o Brasil.

Palavras Chave: Religiosidades, Cultura africana, Maringá.

Page 5: relatório final corrigido vanda e ACEITO

5

Sumário

Introdução _____________________________________________________________ 4

Objetivos _______________________________________________________________ 7

Referenciais teórico-metodológicos /fontes históricas (desenvolvimento - materiais e métodos).

______________________________________________________________________ 7

Discussão ______________________________________________________________ 15

Resultados ______________________________________________________________ 39

Conclusões _____________________________________________________________ 46

Referências bibliográficas __________________________________________________ 47

Anexos ________________________________________________________________ 49

Page 6: relatório final corrigido vanda e ACEITO

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1. INTRODUÇÃO

A ideia de fazer essa pesquisa se deu a partir de uma visita exploratória ao que viria a

ser o nosso objeto propriamente dito: a casa de Candomblé Ilê Axé Oyà, situada no Jardim

Alvorada, mais precisamente, na Rua Colômbia s/n, sob a direção da Ialorixá – Mãe Lurdes.

Com aproximadamente pouco mais de trinta anos de atuação, a casa, está situada no interior

de uma chácara que faz fundos com um córrego. Pelo fato de ser uma chácara, é mais fácil

denotar o contato do culto com a natureza (GOES, 2004).

A frente da residência verifica-se, segundo a autora, a presença de ervas e plantações

referentes aos orixás que ali são cultuados, de forma que no portão de entrada existe uma

casa, a morada de um orixá, a qual a autora afirma ser o protetor da casa (GOES, 2004).

Ao redor do “barracão”, onde os rituais são desenvolvidos, encontram-se dispostos os

assentamentos, isto é, pequenas casas, destinadas aos orixás cultuados pelo terreiro: Xangô,

Oxóssi, Ogum, Iansã, Oxum, dentre outros. Atrás da casa principal e dos assentamentos

encontram-se duas casas destinadas aos pretos-velhos. Ainda ao fundo, próximo a um córrego,

existem espaços e pequenas construções sagradas destinadas a Exú, ao lado de uma pequena

granja, a qual serve de suporte aos sacrifícios para os orixás. (GOES, 2004).

Objetivando entender a trajetória da casa, segundo a Ialorixá da casa, Goes (2004),

afirma que assim que a casa instalou-se no bairro, os atendimentos eram voltados à classe

média alta da sociedade maringaense (fazendeiros, médicos, comerciantes), mas com o passar

dos anos esse perfil têm se modificado, prestando atendimentos aos mais diversos setores da

sociedade. No entanto, afirma que o jogo de búzios ainda é uma prática exclusiva da classe

média da sociedade em busca de consultas, no que toca a direção espiritual e aos problemas

das mais diferentes áreas. (GOES, 2004).

A Ialorixá ainda afirma, segundo Goes (2004), que os problemas enfrentados pelas

religiões afro em Maringá são fruto de competições entre algumas casas existentes e,

acrescenta que estas quebraram a frágil unidade estabelecida por uma federação que funcionou

durante algum tempo na cidade. De acordo com os dados da pesquisa de campo realizada por

Goes, é possível constatar que diversas são as dificuldades encontradas por essas casas, sendo

que a primeira vincula-se ao preconceito enfrentado; segundo suas fontes os evangélicos são

os que mais demonstram preconceito, chegando por vezes, a entrar em estabelecimentos para

tentar convencer os proprietários a mudar de ramo (2004).

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Se em uma primeira analise, existe a dificuldade em se estabelecer uma unidade de

representação dos cultos afros, em Maringá (GOES, 2004), por outro existe a necessidade de

compreender a maneira como o negro irá se inserir na sociedade maringaense para melhor

delinear esse caminho (SANTOS, 2006) Somente após apontarmos essas questões nos

preocuparemos em compreender a história dessa casa e sua representação no meio social ao

qual ela pertence.

Para Goes (2004), o problema da inserção dos cultos afro no meio social de Maringá

reside, sobretudo, na falta de conhecimento, o que leva a intolerância religiosa, muitas vezes

praticada até mesmo dentro dos próprios ambientes de cultos, pelos próprios filhos-de-santo,

ou pelos membros que fazem parte da assistência. A autora ressalta essas informações partindo

de entrevistas realizadas em diversos seguimentos da cidade.

No desenvolver desta pesquisa foi possível perceber as dificuldades com as quais as

casas de cultos afro-brasileiros se organizam em Maringá-PR. Convem destacar de inicio a

impossibilidade em trabalhar exclusivamente com a casa que nos propusemos no ínicio, devido

a ausência de cultos no período da pesquisa e a inacessibilidade à dirigente da casa.

Considerando que a pesquisa realizar-se-à por meio de trabalhos de campo, a ausência de culto

nos impossibilitou o acesso a estas manifestações, por conta disto, optou-se por expandir a

campo de análise, voltando a pesquisa para as casas que realizassem cultos no período da

pesquisa. As informações sobre tais cultos nos foram dadas numa loja de venda de produtos

religiosos especializados, a qual trataremos a frente, e por meio da visita às casa, onde às vezes

nos era dado novas indicações.

2. OBJETIVOS

1. Objetivos Gerais

Empreender pesquisa acerca das manifestações do candomblé no Paraná.

2. Objetivos Específicos

1ª) Pesquisar a história da casa de candomblé Ilê Axé Oyà, em Maringá

2º) Compreender as relações externas entre a crença e aos cultos afro-brasileiro.

3º) Apontar como a historiografia aborda as manifestações religiosas de viés africano.

Page 8: relatório final corrigido vanda e ACEITO

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3. Desenvolvimento - Materiais e Métodos.

Considerando que a pesquisa tinha por objetivo inicial estudar a história da casa de

candomblé Ilê Axé Oyà situada no Jardim Alvorada em Maringá/PR, sob a direção da Ialorixá,

mãe Lurdes, instalada desde a década de 1970, mas por conta da ausência de culto teve de se

expandir a outras casa de Maringá, a perspectiva metodológica adotada consistiu na pesquisa

de campo e nas descrições.

A partir dessa escolha teremos quatro autores que nos fornecerão o embasamento

teórico-metodológico para melhor conduzir essa pesquisa, São eles: Carlos Rodrigues

Brandão, Maria Luisa Sandoval Schmidt, Jaques Le Goff e Mircea Eliade.

Segundo Carlos Rodrigues Brandão (1984), é conveniente entender que o método

participante permite o conhecimento coletivo, a partir de um desenvolvimento de pesquisa, que

recria de dentro para fora, formas concretas de grupos e classes, permitindo o direito de

participarem, de pensarem e de produzirem o uso de seu saber a respeito de si próprio. Tendo

como compromisso a participação intelectual que estarão comprometidos, de algum modo

com a causa popular.

O autor procura enfatizar também, a necessidade de se questionar constantemente, a

respeito da natureza dessa pesquisa, de maneira que se indague para que maneira essa pesquisa

sirva para a ciência social que meu meio científico acumula? Ou para quem? De que poderes

sobre mim e sobre aqueles a respeito de quem, o que eu conheço, deverá dizer alguma coisa?

Ao trabalhar com pesquisa participante, o autor ressalta ainda que, existem dois lados

concebidos pelo meio científicos sobre a prática de conhecer para agir: o lado popular, dos que

são pesquisados para serem conhecidos e dirigidos, versus o lado científico, técnico ou

profissional, de quem produz o conhecimento, determina seus usos e dirige o seu povo, em seu

próprio nome ou, com mais frequência, no nome de para quem trabalha. A expressão

aparentemente neutra que reside na ideia e a intenção de que aqueles cujas vidas e realidade

afinal se conhecem, sejam reconhecidos para serem objetos também da história (BRANDÃO,

1984).

O autor afirma que a pesquisa participante enfoca uma investigação social por meio do

qual se busca a participação da comunidade na análise de sua própria realidade, com o objetivo

de ampliar a participação social para o benefício dos participantes da investigação

(BRANDÃO, 1984).

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Ao exemplificar a pesquisa participante Schmidt (2005), aponta a crise de hegemonia nas

universidades na transmissão de conhecimento, a partir do fim da 2ª guerra mundial. A fim de

ilustrar como as universidades, no período citado, passam a perder espaços para outras

instituições de formação profissional e, por outro, com a emergência de uma cultura média

veiculada pelos meios de comunicação de massa usará esse enfoque para ilustrar a alteridade

na pesquisa participante e as comunidades interpretativas, visando a contribuição para o debate

sobre a democratização e a reforma da universidade.

Segundo a autora o lugar da pesquisa participante, nesse modelo exposto assume duas

variações de ideias e entendimento que partem de: 1) a necessidade de uma dupla ruptura com

o paradigma positivista e com a hegemonia do saber científico em relação a outros saberes

como o senso comum e a sabedoria popular; 2) a idéia de que a democratização da

universidade, embora passando pela transformação das estruturas de poder internas e pela

ampliação do acesso ao ensino superior, depende, sobretudo, da criação de comunidades

interpretativas que integrem o conhecimento científico, o pensamento do senso comum, para

um confrontamento dos problemas sociais em nível local, nacional ou internacional

(SCHMIDT, 2005)

Para Schmidt (2005), a definição de pesquisa participante reside em discursos e práticas

de pesquisa qualitativa em ciências humanas, onde historicamente, foi se desdobrando em

tendências ou linhas teórico-metodológicas que, embora aparentadas, apresentam

singularidades que as distinguem. A indicação esquemática, proposta pela autora, visa dois

modos de relação com a tradição etnográfica e na configuração de pesquisas participantes:

linhas teórico-metodológica que se constituem oposição à tradição etnográfica, supondo-se a si

mesmas como descontinuidades críticas e inovadoras e tendências que retomam os problemas

postos pelas práticas inaugurais no interior de pesquisas etnográficas. Esta maneira de

esquematizar parece ajudar a identificar, peculiaridades e diferenças atribuídas às chamadas

pesquisa-ação e pesquisa-intervenção e a situar a pesquisa participante como pesquisa

etnográfica. Mais ainda, ajudam a problematizar a reciprocidade na relação,

ruptura/continuidade.

Embora as ideias de ação ou intervenção, pareçam equivalentes, não o são, porém,

segundo a autora, sugerem além da presença do pesquisador como parte do campo

investigado, a presença de outro que, na medida em que participa da pesquisa como sujeito

ativo, se educa e se organiza, apropriando-se, para a ação, de um saber construído

coletivamente.

Page 10: relatório final corrigido vanda e ACEITO

10

Michel Thiollent(1999) irá fazer a distinção entre pesquisa participante e pesquisa-ação

valendo-se da identificação da pesquisa participante com o modelo da observação participante

praticado nas experiências inaugurais da investigação antropológica e etnográfica, de modo

que, pesquisa-ação constitui-se num tipo de pesquisa participante porque, em alguma medida,

se serve da observação participante “associada à ação cultural, educacional, organizacional,

política ou outra”, por outro, dela se separa quando focaliza “a ação planejada, de uma

intervenção com mudanças dentro da situação investigada”, priorizando a participação do pólo

pesquisado. Este argumento confina a pesquisa participante à esfera da observação participante

que, para este autor, tratava de criar e “aperfeiçoar” os dispositivos que facilitassem a inserção

do pesquisador no cotidiano habitual dos grupos pesquisados, com a finalidade de “observar

fatos, situações e comportamentos que não ocorreriam ou que seriam alterados na presença de

estranhos”. (THIOLLENT, 1999, p. 83-84 apud SCHMIDT, 2005).

As experiências etnográficas, por sua vez, oferecem argumentos críticos relevantes para

uma avaliação dos propósitos destes modos de pesquisar. Porém, os principais motivos para

fazer uma referência menos simplificadora às etnografias “modelares” são, por um lado,

mostrar que alteridade e auto reflexividade estiveram ali presentes, tencionando objetividade e

subjetividade e construindo pontes entre o trabalho de campo e a escrita etnográfica. Existe,

portanto um respeito pelo outro que se concretiza no interesse por seus modos de viver, sentir

e pensar, sem cobrar que ele seja o que não é. (SCHMIDT, 2005).

No intuito de compreender as relações iconográficas dentro do culto, se faz necessário

a compreensão do Monumento no sentido histórico, para isso, Jaques Le Goff (1990), fornece

bases para esse entendimento. Entende-se, portanto que o monumento tem a característica de

ligar-se a ideia de perpetuação, voluntária ou não, das sociedades históricas, ou seja, um

legado de memória coletiva. (LE GOFF, 1990).

Considerando as questões aqui apresentadas foram realizados os trabalhos de campo.

Conforme indicado, anteriormente tínhamos como objeto de nossa pesquisa um terreiro em

específico, a casa Ilê Axé Oyà localizada nos fundos do Jardim Alvorada na Av. Colômbia

S/nº. em Maringá no Paraná, o qual tem como dirigente do local a Mãe Lurdes, uma senhora

de idade já avançada e visivelmente debilitada de saúde. É uma casa de Candomblé Ketu,

segundo conversas com a matriarca, no entanto, anteriormente era uma casa de nação

angolana onde, por volta de 2004 viria a se transformar em uma nação Ketu.

Apresentações a parte, inicialmente nos interessamos pela casa com o propósito de

compreender as relações que ali existiam para então tentar compreender as influências que

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advinham desse templo para com a sociedade maringaense. No entanto, no decorrer de nossa

pesquisa, observamos que a casa tem pouco desenvolvimento de trabalhos abertos ao público

o que nos limitaria por demais as fontes para estabelecer uma linearidade em nossas

observações. É uma casa de Candomblé aonde existem alguns adeptos submetidos as tradições

e hierarquias candomblecistas, porém a casa direciona-se para trabalhos com atendimentos

particulares e não enfatiza os trabalhos abertos a comunidade, geralmente, segundo Mãe

Lurdes, quando se trata de um jogo de búzios ou de cartas, ou até mesmo consulta com o Sr.

Zé Pelintra ou o Sr. Marabô, o valor cobrado aos consultantes beira R$ 50,00 podendo ser

acrescidos gastos extras advindos de pedidos de trabalhos solicitados pelas entidades, dai em

diante os valores podem variar de trabalho para trabalho, de acordo com a graça a que se

deseja alcançar. Mas algo curioso fez com que voltássemos nossos olhares para esse terreiro.

Note-se que observamos duas entidades anteriormente: Zé Pelintra e Exu Marabô. De

forma geral, sem nos aprofundarmos pois, as amarras da iniciação cientifica nos vetam, por

hora basta-nos compreender que são entidades comuns nas Umbandas1, ambas trabalham na

linha da “esquerda” com algumas raras exceções ao Sr. Zé Pelintra, que atua também nos

Catimbós onde, ora mostra-se como “malandro” na linha das almas aconselhando junto aos

pretos velhos e baianos e hora apresenta-se com o “povo da rua” ou em meio aos demais Exus,

atuando em trabalhos para fechamento de corpo ou de cunho financeiro.2

Mas não queremos nos focar nas atribuições particulares dessas entidades, queremos

mostrar que, mesmo de natureza umbandista, ambas estão presentes na casa candomblecista de

Mãe Lurdes. Mas em que isso implicaria?

Quando analisamos o Pluralismo Religioso a partir do olhar de Paula Montero3,

observamos que a casa tem um enquadro compreensível nesse conceito, uma vez que os

Candomblés se abriram para novos adeptos a partir da década de 1970, como mostramos

anteriormente, essa nova modalidade religiosa passa a disputar o espaço com outras religiões,

sua adequação ao espaço social se faz necessária e obrigatória.

Temos o conhecimento de que os rituais candomblecistas demandam verdadeiras

fortunas, vestimentas, acessórios de cada Orixá, as comidas, as oferendas, basta-nos observar

1 Para um maior aprofundamento acerca da pertença dos Exus de Umbandas e de seus posicionamentos dentro dos terreiros, vide: Pimentel,

Pedro. Zé Pelintra, “doutor” de Umbanda: A Sacralização pela Titulação ANAIS DO III ENCONTRO NACIONAL DO GT HISTÓRIA DAS

RELIGIÕES E DAS RELIGIOSIDADES – ANPUH -Questões teórico-metodológicas no estudo das religiões e religiosidades. IN: Revista

Brasileira de História das Religiões. Maringá (PR) v. III, n.9, jan./2011. E Saraceni, Roberto. – Orixá Exu Mirim: fundamentação do mistério

na Umbanda – Madras. São Paulo, 2008.

2 Vide: Idem a cit. anterior (p.8).

3 Montero, Paula. "Religião, Pluralismo e Esfera Pública no Brasil". Novos Estudos. São Paulo, 2006

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os relatos de Prandi (2001)4, nesse contexto compreendemos que a casa teve de se adequar as

tendências sociais, uma vez que se torna inviável a permanência de novos adeptos durante

meses dentro do terreiro para sua iniciação, somado ao alto custo dos festejos abertos ao

público, forçaram a casa a um novo enquadramento religioso, onde os cultos mostram-se

menos dispendiosos, aqui em particular, houve uma aproximação com as Umbandas. Mas é

importante ressaltar as palavras de Mãe Lurdes: os trabalhos de Candomblé prevalecem, todos

os dias me dirijo a um assentamento de santo específico para assentar sua oferenda [...] no dia

a dia trabalhamos com jogos de búzios e atendimentos particulares com os guias, o senhor Zé e

o senhor Marabô, porém, não misturamos as coisas, os trabalhos com a nação Ketu se

desenvolvem em dias e de forma diferentes dos ritos umbandistas que realizamos aqui.

Essa aproximação com as Umbandas portanto, mostrou-se necessária para a

prevalência dos trabalhos candomblecistas, embora com raros trabalhos nessa modalidade, a

casa se autodenomina de Candomblé.

Chegamos a um momento onde houve a necessidade de fornecer novos rumos a nossa

pesquisa. Inicialmente, movidos pela curiosidade e o desejo de entender as relações do objeto

com a sociedade, elencamos a casa como nosso objeto a partir de apenas uma visita

exploratória, no decorrer da pesquisa porém, observamos que os cultos abertos ao público,

seja de Umbanda ou de Candomblé são raros não havendo um planejamento que antecede as

datas de tais cultos, uma vez que realizamos diversas ligações para a casa, muitas das vezes

com intervalos de uma semana e, a informação passada era de que não havia previsão para

novos trabalhos, enquanto que na semana seguinte, ao ligarmos novamente, éramos

surpreendidos com trabalhos que haviam ocorrido nos dias que antecederam a ligação.

Notamos portanto, que a pesquisa a partir desse único objeto se mostraria insuficiente

para a coleta de dados, tivemos portanto, que ampliar nosso recorte geográfico. Inicialmente

a partir de uma visita exploratória a um comércio de artigos religiosos, Casa São Cosme e São

Damião, situada em Maringá na av. Brasil, s/n., nesse comércio tivemos o prazer de conversar

com a atendente e também proprietária do estabelecimento a qual nos revelou que em Maringá

não existem casas de cultos Umbandistas e tão pouco candomblecistas, pois os poucos

terreiros que no passado existiram aqui na cidade, a muito não estavam ativos, apenas o

terreiro de “Mãe Lurdes” de Candomblé e o terreiro de Dona Clô – o qual tomaremos mais

adiante – e ainda existiria um terceiro local o qual seria pequeno, porém respeitado dentro das

4 Prandi, Reginaldo. O Candomblé e o Tempo: Concepções de tempo, saber e autoridade da África para as religiões afro-brasileiras. RBCS Vol.

16 nº 47 ; 2001 (pp. 45/46).

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poucas casas religiosas afro de Maringá. Essa casa faria, segundo a proprietária do comércio,

trabalhos que entremeiam a Umbanda e o Espiritismo. Haveriam outras pequenas casas,

cuja relatora nos informou, porém a comerciante se negou a nos fornecer os endereços e

informações sobre elas, não por maldade, mas por receio pois, segundo ela, eram casas que

trabalhavam apenas com atendimentos particulares e ainda ressaltou indícios de

inconfiabilidade para esses locais e sendo assim, não valeria a pena indicar-me. Ninguém

melhor para direcionar locais prováveis e confiáveis, do que uma pessoa cujo permanência

nessa área comercial está a mais de vinte anos atendendo ao público religioso.

Após esse pequeno porém valoroso diálogo, nossa pesquisa viria a adquirir uma nova

roupagem, uma vez que os locais apontados pela comerciante se mostraram como únicos em

Maringá, resolvemos explorá-los para observar de que forma seus trabalhos internos se

aproximariam da literatura ou da realidade colocada pelos autores clássicos e contemporâneos.

Tenda Espírita Caboclo Sete Flechas

Localizada na Rua: Pioneiro Amália Carzoni Baltazar, 1089 Maringá, Paraná. Tem

como dirigente “Dona Clô” ou como prefere ser chamada, Alecandê de Oxóssi. O templo

construído para fins religiosos, está localizado nesse endereço desde 2002 e registrado no

CEBRAS (Conselho Mediúnico do Brasil). A casa conta com uma construção em alvenaria

distribuída em dois módulos: a frente situa-se o terreiro, enquanto nos fundos situa-se a casa

da sacerdotisa, como mostraremos nos anexos finais.

O terreiro disputa espaço com uma residência no fundo e um espaço lateral destinado

para a espera dos clientes que vem em busca de atendimento durante a semana.

Contrariamente aos outros locais por mim visitados, esse terreiro possui em sua fachada uma

placa identificando-se como Tenda Espírita e com suas descrições enfatizando as datas e os

horários de atendimento individuais: “atendimento todas as terças e quintas a partir das

10h00min”.

No interior do terreiro observa-se do lado direito, um cruzeiro confeccionado de vigas

de madeira, pintado na cor preta contando com aproximadamente quatro metros de altura,

onde se encontrava um pedaço de tecido branco, já envelhecido, cruzando-lhe de uma ponta a

outra, disposto de forma solta na horizontal. Nos pés desse cruzeiro havia uma imagem, já

desgastada pelo tempo, de Ogum Megê, no centro de duas outras imagens de anjos também já

desgastados.

Page 14: relatório final corrigido vanda e ACEITO

14

Também do lado direito do portão encontra-se o assentamento de Exu, ou a

tronqueira. Essa bastante grande, conta com aproximadamente dois metros e meio de

profundidade por três metros e meio de comprimento.

Sobre a porta dessa tronqueira havia pendurado um símbolo de indicação de sorte –

uma ferradura. A frente da janela, uma armação de ferro, simbolizando o ponto riscado de Exu

Dinheiro, enfincada no chão com aproximadamente dois metros de altura. A seus pés uma

cumbuca de barro de tamanho pequeno, contendo algum líquido de cor escura e sobre ela um

charuto já apagado.

Ao lado esquerdo do portão de entrada havia um pequeno jardim com árvores de

pequenos porte e arbusto – um pequeno jardim. Esse jardim, cercado por rochas

sobressaltadas, ou seja, dando aparência de cercamento, o qual permitia entender que não era

um lugar para ser pisado pelos visitantes. Esse jardim tinha aproximadamente quatro metros e

meio de comprimento por três de largura. Também, nesse jardim havia ao fundo, uma pequena

gruta montada com rochas sobressaltando a parede; dentro dessa gruta, uma luz artificial de

cor verde, predominava e direcionava para um busto ali presente. Era um busto de um caboclo,

provavelmente do Caboclo Sete Flechas, mentor espiritual da casa. Ao lado dessa pequena

gruta encontrava-se um pequeno viveiro de aves, com aproximadamente um metro de altura

por um metro de comprimento e um metro de largura. Dentro desse viveiro encontrava-se

também um galo. Talvez para uso em trabalhos particulares.

Coincidindo com o termino do jardim e de frente para o portão principal, havia uma

grade limitando a passagem de visitantes para o interior da residência, no entanto, era possível

ver poltronas dispostas em grandes quantidades, talvez para uso de visitantes fora dos

trabalhos, sou seja, para uso em consultas particulares.

A casa aonde se desenvolvem os trabalhos conta aproximadamente com uns 40 m². de

forma que: a porta da frente, direcionada aos visitantes, dava acesso a uma “pequena”

assistência, aonde continham apenas quatro bancos de madeira, dois de cada lado da porta, o

que nos leva a perceber pouca demanda para trabalhos abertos ao público. Essa assistência era

separada por uma pequena mureta de concreto, com aproximadamente oitenta centímetros de

altura, separando os visitantes dos médiuns.

Na parede esquerda haviam algumas molduras mostrando as especializações e

autorizações da dirigente da casa. Eram diplomas, certificados, autorizações e cursos. Todos

realizados pela dirigente. Contavam onze no total.

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Na extremidade direita do terreiro, haviam dois quadros: caboclo Arranca Toco e de

um preto velho, Pai João de Angola. Mais a frente, próximo ao congá, três atabaques dividiam

espaço com um vaso de flores artificiais.

A frente, atrás de uma cortina encolhida, voltado para a assistência, a parede inteira era

confeccionada com divisões de prateleiras em concreto. De forma piramidal e de cima para

baixo encontrava-se: Oxalá ao centro de São Miguel Arcanjo e São Gabriel Arcanjo e também,

dispostas aleatoriamente e de forma menor, nossa senhora da Conceição e nossa senhora da

Glória. Abaixo imagens de São Benedito, Santo Antônio, São Bartolomeu, busto de Bezerra

de Menezes, Nana Buroko, São João Batista, São Cosme e São Damião, Senhor Zé Pelintra.

Mais abaixo os Orixás da Umbanda e do Candomblé – comuns. Xangô, Ogum, diversas

qualidades (não soube identificar todas ali presentes apenas: Beira-Mar; Naruê, Ogum sete

espadas; Ogum sete ondas, Ogum Yara, Ogum Megê, Joana d'Arc e Ogum rompe ferro),

Obaluaiê, Oxum, algumas imagens de baianos, marinheiros e boiadeiros.

Na extremidade esquerda era possível enxergar a imagem de Iemanjá junto da cabocla

Jurema, e uma imagem em tamanho modesto, aproximadamente um metro e meio, de Oxóssi.

No centro e embaixo, haviam as imagens de Iansã, Xangô, Oxumaré, alguns Marinheiros e

alguns Caboclos dividindo espaço com imagens dos Eres. No canto direito e no chão

prevalecia a linha das almas composta pelos pretos velhos, eram diversas e de variados

tamanhos.

Ao lado do congá, uma porta dava para os fundos da casa e ao lado outra porta, no

final da parede esquerda, dava para o ambiente externo anteriormente descrito, para a espera

de participantes de consultas individuais.

Ao centro do terreiro e abaixo do congá encontrava-se uma mesa repleta de perfumes e

com um buquê de rosas vermelhas; ao lado, dos dois lados, haviam duas poltronas vermelhas.

10/12/2011 – Visita à Tenda Espírita Caboclo Sete Flechas:

Trabalhos de Exu

Cheguei ao terreiro por volta das 19hs e 45min. E fui recebido pela responsável dos

trabalhos, Dona Clô, a qual Solicitou-me que me acomodasse na assistência para aguardar o

inicio dos trabalhos.

Nos trabalhos pessoas já reconhecidas por mim, de outros locais. O senhor Jorge de

Xangô da Vila Esperança; um dos rapazes do atabaque, que embora não conheça

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pessoalmente, soube identificá-lo como tocador da casa de Mãe Lurdes; e outro rapaz, também

novo, mas visto anteriormente da casa do senhor Jorge de Xangô.

Dentro dos trabalhos que se iniciariam também havia um homem com

aproximadamente cinquenta anos, um rapaz de aproximadamente vinte e cinco e outros dois

com idade aproximada de dezoito anos, Regiane, irmã de Dona Clô de aproximadamente trinta

e cinco anos, uma senhora de certamente, mais de setenta anos - mãe de Dona Clô e também a

Mãe pequena. Todos vestidos de roupas características de trabalhos de esquerda - Homens

com calças pretas e camisas vermelhas e as mulheres com saias vermelhas e pretas.

Os trabalhos começaram pontualmente às 20hs. Iniciou-se com pontos para defumação

e o Hino da Umbanda seguido de orações cristãs: Pai Nosso; Ave Maria; Creio; Salve Rainha.

A Matriarca ainda realizou preces pedindo firmeza nos trabalhos, proteção para todos que ali

se encontravam e a todos que estavam ausentes.

Após uma breve saudação, através de pontos aos Orixás da casa, iniciaram-se os

cânticos para a vinda de “Ogum Megê”. A entidade chegou em terra de forma bastante

turbulenta e rápida, girando e fazendo sons com a fala, semelhante a comunicações de cunho

indígena. Os cânticos cessaram e a entidade solicitou aos auxiliares que lhe trouxesse seu

capacete, sua capa vermelha, e sua espada, vestimenta típica militar romana - símbolo de

Ogum. Suas danças lembravam em muito a dança de Ogum no Candomblé, girando sua espada

e riscando o ar, como se estivesse em combate, em guerra.

Após algumas danças e pontos de saudação a essa entidade e suas falanges a entidade

cumprimentou a todos dentro da casa de maneira individual e ainda aproveitou para alertar que

os trabalhos se iniciariam efetivamente a partir de sua saída com a chegada de do senhor Exu

Sete Encruzilhadas, o qual já se encontrava, segundo a entidade, aguardando no portão da

casa. A entidade se despediu e os trabalhos com a direita se encerraram.

Dona Clô solicitou às participantes que lhe auxiliavam no ritual, que fechassem a

cortina do congá, uma sineta em suas mãos começou a badalar, pequena e aguda; nesse

momento, todos dentro da área de trabalho, se viraram para a rua e de mão espalmadas e

voltadas para a direção da saída, iniciaram cânticos de esquerda, ou como eles denominavam:

Cânticos de Quimbanda para permitir a entrada do “Povo da Rua”.

Pontos de diversas falanges de Exus foram cantados e o Senhor Sete Encruzilhadas não

se demorou a se manifestar. Também de possessão violenta, rápida e girante, seu equilíbrio em

terra foi rápido. Trouxeram-lhe uma capa preta de veludo, um chapéu também de cor negra,

charutos e cachaça de alambique.

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Essa entidade, enquanto em terra, utilizou-se de seu tempo somente para chamar a

atenção dos participantes internos do terreiro. Seu Sabão, como ele mesmo assim denominou,

tinha bases na falta de responsabilidade por parte dos filhos da casa pois, não compareciam no

horário marcado, não estavam em dia com as “mensalidades” e ainda deveriam eles acertar um

boleto referente ao pagamento da federação, a qual o terreiro é vinculado, caso contrário, no

ano seguinte, a casa estaria impossibilitada de realizar os trabalhos.

Após a chamada de atenção proferida pela entidade e direcionada aos médiuns, a

entidade dirigiu-se à assistência, cumprimentou a todos, ofereceu bebida a cada um e voltou-se

para o centro do terreiro solicitando cânticos para sua despedida e após entregar seus adereços

deu espaço a outra entidade. Exu Dinheiro.

De possessão semelhante a anterior, a entidade chegou ao terreiro dizendo: “Agora eu

quero ver quem vai me dar dinheiro. E ainda esclarecendo: eu venho aqui para trazer o

merecimento e não a misericórdia. A misericórdia é função do senhor, lá do outro lado, eu não

tenho nada a ver com isso.”

Essa entidade solicitou que se trouxesse seu chapéu, sua capa, charutos e sua bebida.

Sua capa era confeccionada em cetim e de duas cores, amarela e vermelha com pequenos

bordados em lantejoulas, não era comprida, mas sim até a cintura. O chapéu, ao contrário da

entidade anterior, não era para uso normal, mas sim com o objetivo de arrecadar dinheiro.

Todos os filhos da casa, nesse momento, se mobilizaram a correr até seus pertences e pegar

dinheiro. Tamanha foi a mobilização que os trabalhos silenciaram por alguns minutos, o

terreiro esvaziou e a entidade soltava gargalhadas afirmando: “quem quiser ganhar dinheiro,

tem que pagar!” Todos retornaram a seus postos, cada qual trazendo “saquinhos” de dinheiro.

O destaque se deu através de uma pessoa que doou a soma de R$600,00 alegando que aquele

dinheiro era uma pequena parcela dos lucros que a entidade lhe havia garantido ao longo do.

Após arrecadar o dinheiro de todos, a entidade solicitou a suas assistentes que fossem a

tronqueira e pegassem seu assentamento. Esse assentamento seria uma tábua de aglomerado

fina, com aproximadamente quarenta por quarenta centímetros. A entidade sentou-se no chão,

no meio do terreiro e pôs-se a contar a arrecadação. Primeiramente, riscou seu ponto sobre o

assentamento, com pemba de cor rosa (não consegui visualizar as características do ponto

riscado), posteriormente colocou as notas separadas por valores e cabeça com cabeça, sobre o

ponto; após contar as moedas, uma a uma, postou-as sobre as notas, separando treze

saquinhos, cada qual com uma moedinha de forma que: ele pediu que pessoas aleatórias se

dirigissem lá para dentro e se comprometessem a pegar um saquinho e trazer, na próxima festa,

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o saquinho com mais setenta e sete moedas daquele valor que ali constava. As pessoas que se

comprometeram a colher as moedas para a entidade, tinham o direito de acender a uma vela

sobre o assentamento, ou seja, sobre o dinheiro. Essas velas também de cor vermelha ou

amarela, tinham o formato de um cifrão ($); portanto, somente mediante ao comprometimento

da arrecadação, o fiel poderia acender a uma das velas e assim fazer o pedido financeiro.

Após esses rituais, a entidade ordenou que os demais filhos da casa recebessem seus

respectivos guias. Primeiramente o Exu da mãe pequena – Exu Gira Negra e logo após, o

senhor Zé Pelintra com outro médium. Pouco a pouco as entidades foram chegando

esbanjando gargalhadas e palavrões. Nesse momento o clima dentro dos trabalhos, modificou.

Ficou mais irreverente, no sentido de eliminar as barreiras que antes separavam os filhos da

casa da assistência, devido ao excesso de bebidas que os Exus, com frequência, serviam aos

visitantes e pediam para que mentalizasses suas necessidades.

Exu Dinheiro, discretamente foi embora dando lugar a outra entidade que também

trabalhava com a sacerdotisa da casa - Exu Bagunça – da linha de trem, como se rotulava.

Possessão mais rápida e com uma ginga mais espaçada, essa entidade chegou com o objetivo

de trazer a bagunça, segundo ele próprio, porém, esse Exu pouco tempo ficou. Não bebeu e

não fumou, não pediu adereços, apenas dançou e cantou. Solicitava frequentemente que Zé

Pelintra puxasse os pontos, o qual não tardou a cantar enquanto Exu Bagunça dançava.

Cessaram-se os cânticos e e o senhor Bagunça pediu aos demais compadres incorporados nas

mulheres, que se fossem para dar lugar às Pombas Giras. As possessões seguiram diretas - sem

intervalos - e assim foram-se chegando uma a uma. Exu Bagunça foi-se embora minutos depois

dando lugar a Pomba Gira Rampeira, assim nomeada por ela mesma. Sua possessão foi rápida

e girava cantando incessantemente, nesse momento ela fora levada por suas assistentes para os

fundos do salão para poder vestir-lhe com as roupas de sua entidade.

Os trabalhos seguiram seu curso contavam 02:00hs. da manhã quando a Pomba Gira

Rampeira, despediu-se e deu lugar a outra entidade, Rosa da Praia, a qual não demonstrou

tanta diferença em relação a entidade anterior, apenas pediu uma espumante vermelha, somente

após às 03:00hs a entidade se despediu dando lugar ao senhor Tranca Ruas, esse veio bastante

turbulento e solicitando sua capa e seu marafo, o qual foi atendido imediatamente. Mais uma

sessão de broncas surgiu sobre os filhos da casa acerca do mesmo motivo anteriormente

citado.

Os trabalhos seguiram com cânticos até às 04:00hs quando o senhor Tranca Ruas se

despediu e agradeceu a presença de todos, ordenando primeiramente a saída dos demais Exus

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e depois ele próprio como forma de garantir o fechamento seguro dos trabalhos. Pontos de

fechamentos foram entoados e para finalizar, mais uma vez foi rezado um Pai Nosso e uma

Ave-Maria e o Hino da Umbanda foi entoado. Dando por encerrado os trabalhos nesse dia.

09/06/2012 – Visita a Tenda Espírita Caboclo Sete Flechas:

Trabalho de Marinheiros

Cheguei ao terreiro por volta das 19h45min. A princípio não notei modificações alguma

no local, desde minha última visita. Não havia ninguém para receber-me. Sentei-me no mesmo

local e fiquei aguardando o início dos trabalhos. Pouco a pouco foram chegando os membros

que iriam trabalhar na casa, naquele dia. Do fundo da casa veio a Mãe pequena, sentou-se em

uma poltrona que se encontrava de frente para a assistência e de costas para o altar, de forma

que, estava situada a minha frente e a direita de meu olhar. Não ao centro.

Dona Clô veio em seguida cumprimentou a todos, cerca de doze pessoas estavam nos

trabalhos desse dia e alerto a todos que estamos no mês de junho e que estaria programando

uma festa para Santo Antônio e ainda ressaltou que, aqueles que fossem filhos de Xangô,

iniciados na casa, deveriam comparecer durante a semana para receber as orientações acerca

das oferendas que deveriam fornecer ao seu santo pois, Xangô estava “bravo”, segundo a

Matriarca e seria melhor que seus filhos não despertassem sua fúria.

Após esses breves recados deu-se início aos trabalhos. A Mãe de Santo pediu para que

os atabaques lhe acompanhassem nas cantorias e sugeriu alguns pontos para Santo Antônio, no

total de sete pontos distintos. Após esses cantos foram entoados cerca de seis ou sete pontos

diferentes direcionados para Oxalá para então anunciar a abertura efetiva dos trabalhos.

Cantou-se o hino da umbanda, acompanhado de atabaques, seguido de um Pai Nosso,

Ave Maria, Creio, Salve Rainha; Dona Clô retornou e insistiu que rezássemos mais duas Aves

Maria, somente depois deu início à saudação às entidades da casa.

Primeiramente a Oxalá, depois aos Anjos e Arcanjos, aos santos – Santo Antônio, São

Benedito, São João Batista, Dr. Bezerra de Menezes; Seguido dos Orixás e posteriormente

dos Guias (Pretos velhos, Caboclos, Baianos, Marinheiros, Boiadeiros, Cangaceiros, Mineiros,

Ciganos, Piratas, Crianças, Povo do Oriente e Encantados); terminada essa sequência, Dona

Clô, junto aos demais filhos da casa, viraram-se de costas para o altar e de frente para a rua,

com as palmas das mãos erguidas na vertical, e pediu a proteção dos povos das ruas,

encruzilhadas, becos, linhas férreas - Exus e Pomba gira.

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Solicitou aos atabaques que segurassem alguns cantos voltados para Oxalá e Ogum.

Após alguns pontos, cerca de 30 minutos passados, deu-se início os cantos para a entidade

homenageada do dia. Marinheiro. Começou a cantar pontos de descida para a vinda do senhor

“Capitão Canjica”, esse era o nome da entidade que direcionaria os trabalhos dessa noite. Após

alguns minutos de cantoria, o corpo da Mãe de Santo estremeceu e de frente para o altar

começou a se curvar e girar incessantemente, filhos da casa se postaram a seu redor de forma a

não deixá-la desamparada para cair ao chão. Esse Marinheiro postou-se de frente para a

assistência e demonstrou bastante simpático, sorriu e agradeceu a presença de todos.

As danças seguiram durante aproximadamente uma hora e meia, foi pedido silêncio e

mais uma prece a nossa senhora fora feita, mas agora ele pedia para que os filhos abaixassem a

cabeça na altura do chão e fizessem seus pedidos que ele haveria atendê-los. Solicitou que

tocassem mais alguns pontos e anunciou sua saída pois, daquele momento em diante, quem

daria o tom dos trabalhos seria outro Marinheiro, o senhor “Romão Pereira”.

Entre a saída do Capitão e a chegada do Senhor Romão, não demorou muito, visto que

transição não houve, houve incorporação conjunta (quando uma entidade dá lugar para outra

dentro de um mesmo giro, ou seja, a saída se confunde com a chegada de outra entidade).

Esse outro Marinheiro mostrou-se bastante animado e aguado por beber; pediu cachaça

e tratou de calçar imediatamente, seu chapéu de palha da costa; tomou uma cigarrilha e pôs-se

a dançar e pedir cantorias. Após alguns minutos em terra, tratou de pedir: “vamos tocar para

chamar os outros marinheiros, para quem tem que descarregar que descarregue!”. Os

atabaques dai por diante, não parariam tão cedo.

Piadas feitas, risadas dadas, às entidades em terra sugeriram que fossemos para fora do

terreiro, pois do lado de fora todos ficariam mais a vontade, e além do mais, estaria um

“camarão na manteiga” nos aguardando do lado de fora. A assistência cruzou a parte interna

do terreiro e demos em uma porta lateral esquerda que dava acesso a área externa ou ante sala,

sala de espera para consultantes.

Postamo-nos na ala externa, próximos ao portão de divisão e dentro da sala de espera;

atabaques foram trazidos para esse recinto; após todos estarem acomodados, foi dado a todos,

copos para tomar cerveja, as entidades desfilavam entre a assistência; não havia filho de santo,

entidade, ou assistência, todos se misturavam, e as entidades conversavam de forma bastante

natural, mas sempre mantendo as atenções voltadas para elas.

Camarões eram servidos para todos em meio às entidades que comiam e bebiam,

dançavam ao som dos atabaques e pandeiros. O banquete foi farto, a bebida estava servida a

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vontade. Volta e meia desafiavam os participantes e os visitantes com apostas, brincavam

bebiam e fumavam no meio de todos, quase não se notava que estávamos dentro de uma casa

religiosa, devido a quantidade de bebidas e palavrões dispensados no ambiente.

Voltaram-se todos para seus postos e minutos depois os rituais chegariam ao final, era

aproximadamente 02:00hs. da manhã quando todos entraram e fora anunciada a despedida dos

marinheiros. Atabaques soaram e os cânticos contribuíram com a saída das entidades.

Um pai-nosso mais uma vez acompanhado de uma ave-maria precederam o hino da

Umbanda, e assim terminaram os trabalhos dessa noite.

Casa Espirita – Dona Isabel5 / Direção: Sr. Tomita

Essa casa é uma casa um tanto interessante para ser observada, primeiramente porquê

não faz menção a nenhuma entidade, denomina-se apenas como “Casa Espírita”, como nos

relatou seu dirigente, Sr. Tomita e em segundo por trabalhar com conceitos mesclados de

Umbanda, Quimbanda e Espiritismo.

Essa casa está localizada na Rua Pedro Sanches, esquina com a Av. Brasil – Maringá –

Pr. São realizados trabalhos toda quarta-feira e nas segundas grupos de estudos voltados para

os médiuns, na primeira segunda do mês é realizado também rituais de desenvolvimento

mediúnico com o propósito de doutrinar a mediunidade de novos membros.

A casa é pequena, tem de ser convidado para entrar, no entanto, nessa casa eu já havia

passado a alguns anos atrás, tive o prazer de conhecer o senhor Tomita, senhor de uns

cinquenta e cinco anos aproximadamente. Tive o prazer de ter contato com as reuniões de

esclarecimentos mediúnicos e espirituais realizadas semanalmente e aquelas de iniciação

realizadas na primeira segunda de cada mês. Sendo assim, não tive barreiras para participar dos

trabalhos.

A casa não tem nome, ou uma denominação afro, é denominada apenas como casa

espirita, no entanto, percebemos trabalhos que mesclam tendências umbandistas,

candomblecistas, e quimbandistas, com um pano de fundo espírita.

A casa, como afirmado anteriormente, está situada em uma sala pequena, não superior

a setenta metros quadrados, talvez menos, dos quais existem duas divisões gerando três

ambientes, sendo eles: a entrada; o salão de trabalhos, e o reservado dos médiuns.

5 Sr ª Isabel foi a fundadora da casa a cerca de 28 anos e já é falecida a algum tempo. Não nos foi passado a data de seu falecimento, sabemos no

entanto, que sua filha tomou a frente da casa mas a direção segue nas mãos do Sr. Tomita.

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Logo na entrada existe uma divisória de madeira para coibir a visão das pessoas que

passam na rua, entre essa divisória e a porta de entrada existe um espaço destinado a

colocação dos calçados. (dentro dos trabalhos todos, sem exceção, devem estar descalços).

Ao cruzar a porta lateral, a esquerda, entramos efetivamente no templo sagrado. Acima

da porta e de costas para a rua, uma imagem de aproximadamente quarenta centímetros. De Zé

Pelintra disputando espaço nessa mesma prateleira, com uma vela branca e um copo contendo

um líquido transparente (cachaça). No chão ao canto esquerdo existe um ponto de ferro em

forma de três tridentes envoltos por uma guia preta e vermelha e ao lado, uma vela branca e

uma cuia.

A casa tem dois conjuntos de cadeiras, de forma a deixar um pequeno corredor para

acessar o espaço de trabalho, a divisão entre o espaço dos médiuns e dos participantes é

simbólica – invisível – pois, dependendo do dia, segundo o senhor Tomita, pode ser

necessários diminuir o número de assentos dos participantes por haver muitos médiuns.

Observa-se ao fundo uma parede branca cortada por uma prateleira de fora a fora.

Sobre essa prateleira existem papeis, canetas, jarros com água, algumas guias – Colares de

conta - e no canto esquerdo, dentro de uma prato branco, uma imagem de Iemanjá de vinte

centímetros e uma vela branca. Bem no alto, sobre a prateleira pendurado na parede, um

quadro de Jesus Cristo. Atrás dessa parede existe um pequeno reservado para os médiuns

deixar seus pertences, geladeiras para colocar água, armários onde acomodam-se às velas,

todos os adereços e roupas dos médiuns. A direita existe um banheiro único e ao lado um

pequeno armário repleto de leituras espíritas e kardecistas.

25/07/2012 – Visita a Casa Espirita – Dona Isabel / Sr. Tomita:

Trabalhos com Exus

Cheguei a casa por volta das 19:15min. A casa encontrava-se fechada, porém algumas

pessoas, quatro, encontravam-se paradas do lado de fora. Ao me aproximar perguntei se

estavam aguardando a abertura do templo, responderam positivamente e perguntaram quem eu

era, afirmei ser um antigo frequentador da casa que estivera afastado devido a

incompatibilidade de horários. Foi nesse momento que fiquei sabendo que os trabalhos do dia

seriam voltados para a esquerda – Exu e pomba gira – por isso estavam ali com aquela

antecedência, pois segundo relatos deles, frequentadores a algum tempo da casa, trabalhos de

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esquerda chega a faltar lugar na assistência e chegando cedo eliminariam esse problema, pois

as senhas para consultas são entregues por ordem de chegada.

Sinceramente, não esperava aparecer depois de tanto tempo sem dar as caras e chegar

em dia de trabalhos de esquerda, o motivo por eu ter chegado mais cedo está pautado

justamente em ficar do lado de fora “jogando conversa fora” com médiuns e frequentadores,

trocar figurinhas, colher dados.

Tive sorte nesse dia, pois um dos visitantes que ali estava, nome José Luís (não sei se o

nome está com a escrita correta), estava aqui em Maringá mas era de São Paulo, estava na

casa do irmão e voltaria ainda aquela noite para São Paulo, mas queria ver os trabalhos de

esquerda da casa, pois era iniciado em Umbanda Omolocô em São Paulo, trabalhava

efetivamente em terreiro a vinte e dois anos e não escondia sua curiosidade em participar dos

trabalhos dessa casa, visto que na semana anterior ele já havia comparecido em outro trabalho

– preto velho – e havia gostado do estilo, como ele próprio denominou, da casa.

Era um senhor de aproximadamente cinquenta anos, grisalho e pelo pouco que

conversamos, estudado e bastante hábil com as palavras.

Afirmou ele que a Umbanda Omolocô apoiava-se em um retrocesso nas ideias que

alguns seguimentos umbandistas ligados as federações propagavam pois, se em um

determinado momento a Umbanda tradicional tentou romper seus laços com a matriz afro, a

Umbanda Omolocô tentou fazer o caminho inverso, pois ela se aproxima e muito com as

culturas afro. Exemplo citado por José: Basta observar a estrutura Omolocô de culto, uma vez

que Umbanda trabalha com os pretos velhos, crianças, caboclos, baianos, marinheiros,

boiadeiros, Exus, pombas giras, enfim, com todos esses guias e muitos outros, na Umbanda

Omolocô também teremos a presença deles, só que teremos também a presença dos Orixás,

aos Orixás rendemos homenagens como nos Candomblé; as festividades são marcadas e não

só os cultos aos guias como na Umbanda “tradicional”, os rituais de iniciação são mais

próximos dos cultos de Candomblé; a organização dos filhos da casa dentro do terreiro são

diferentes do Candomblés mas hierarquicamente o Omolocô se apoiou na cultura afro

inicialmente; temos a postura dos filhos de santo nos rituais, são diferentes da Umbanda

“tradicional”, nessa os membros se dividem em gêneros, homens para o lado esquerdo e

mulheres para o direito; na Omolocô não, todos são iguais, os trabalhos se desenvolvem em

círculos, dentre outras variações.6

6

Nessa narrativa tentamos colocar a ideia da forma mais fiel possível e na sequência exposta pelo narrador, no entanto, não estávamos de posse

de nenhum instrumento para coleta de depoimentos, mas solicitamos que nos autorizasse a reproduzir suas palavras para esse trabalho.

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Informações importantíssimas passadas pelo filho de santo paulista, mas o tempo do

lado de fora da casa já havia se esgotado e tínhamos que entrar e nos sentar. Uma vez dentro

das casa, não deve haver conversas paralelas, concentração e silencio absoluto são pedidos.

Pegamos uma senha que era distribuída na entrada e sentamo-nos. Acomodei-me na fileira do

fundo, observei que visitantes e médiuns chegavam aos montes, porém como relatado na

descrição da casa, é uma casa de pequeno porte e portanto, limitada, poderia arriscar que a

casa comportaria cerca de vinte a vinte cinco visitantes. Todas as cadeiras foram preenchidas.

No espaço destinado aos trabalhos contei dezenove médiuns mais o senhor Tomita, portanto

casa cheia.

Vinte horas em ponto o senhor Tomita fechou a porta e trancou-a por dentro.

E voltando-se para a assistência elogiou a quantidade de pessoas nos trabalhos de proferiu o

mesmo recado de todas as reuniões:

Durante os trabalhos, evitem mentalizar a figura do médium, do cavalo, pois, não é ele

quem está ali, mas sim o guia; quando vierem para as reuniões atentem-se em não vir com

roupas escuras e o mínimo de metal possível, pois o metal no mundo espiritual atrapalha a

condução de energia; lembrem-se também de sempre que vier na casa, mentalizar o que deseja

e trazer sempre uma vela branca. Os passes serão realizados por ordem de chegada. Obrigado.

Uma médium feminina assumiu a frente e com o Livro dos Espíritos aberto tocou em

uma passagem e após lê-la esclareceu ao público o significado daquelas passagens lidas.

Minutos depois o senhor Tomita tomou a frente e de costas para o público e de frente para o

quadro de Cristo, pediu para que todos lhe acompanhassem nas orações Pai Nosso e Ave

Maria, desse ponto em diante os trabalhos estão abertos. O Hino da Umbanda foi cantado e

acompanhado de palmas. A partir de então começaram cantos para a descida dos caboclos.

Observa-se que o ponto primeiro é o do Caboclo Sete Encruzilhadas, caboclo que tem a

autoridade sobre àqueles que podem ou não entrar na reunião. Esse caboclo manifesta-se em

um senhor já de idade avançada, cerca de sessenta e cinco anos e é nesse médium também que

se manifesta o Exu Zé Pelintra e o senhor Tranca Ruas, todas essas entidades descritas são as

protetoras da casa, segundo senhor Tomita. Talvez por ser o mais velho da casa e médium

incorporante, seja o motivo de seus guias serem vistos com maior destaque pois, o senhor

Tomita embora dirigente, como relatado pelo próprio, não incorpora apenas auxilia na linha

energética da casa.

O Caboclo Sete Encruzilhadas foi o primeiro a chegar, as cantorias cessam, lhe são

passados uma folha de sulfite em branco e um lápis, ele gesticula dando boas vindas para todos

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em uma língua diferente, por mim desconhecida, vira-se de costas para todos e de frente para o

quadro de Cristo, rabisca seu ponto. Abaixo da prateleira, junto ao chão, deposita a folha por

ele rabiscada junto com os nomes sugeridos para a próxima reunião, firma uma vela branca

sobre o papel; nesse momento lhe é passado uma cuia contendo alguma bebida, ele bebe e

cospe sobre o papel e a vela e deposita a cuia junto aos demais itens do trabalho.

Ao se levantar do chão, prostra-se ereto com os braços para trás e autoriza a chegada

dos demais caboclos. Um a um vão se chegando, nesse dia haviam bastante médiuns

incorporantes, nesse sentido contei nove pessoas mais o caboclo da casa. A vinda desses

caboclos é uma vinda curta, visto que sua permanência nos trabalhos está pautada no

descarrego, ou seja, esses caboclos auxiliam na retirada dos maus fluídos dos participantes, dos

médiuns, dos visitantes e da casa. minutos depois os caboclos se vão e somente após a saída

dos demais caboclos o caboclo da casa, o senhor Sete Encruzilhadas se despede e

acompanhado de cânticos e palmas, vai embora.

O senhor Tomita retoma sua posição central e avisa que dará continuidade com a

presença dos Exus e das Pombas Giras. Nesse momento ele retorna para a assistência e pede

para que: por favor, evitem mentalizar coisas ruins e para que não façam pedidos às entidades,

que venha a prejudicar alguém, as entidades da casa estão proibidas de atender pedidos de

“natureza duvidosa” e ainda corre o risco do mau desejado a outro voltar para si mesmo.

Cânticos são entoados e acompanhados de palmas um a um vão chegando, mulheres

incorporando Pombas Giras e por vezes Exus, rodando, dançando dando gargalhadas e se

cumprimentando entre seus si, vez ou outra voltam-se para o público e acenam.

Nesse dia contei cinco homens incorporados com Exus e sete mulheres, todas

incorporadas em Pombas Giras. Os auxiliares dos médiuns e entidades entram em ação para

equipá-los com todos os aparatos para seu estabelecimento. Mulheres recebem, saias

vermelhas e pretas, brincos e pulseiras representando o ouro, perfumes e rosas vermelhas são

bem vindas e por último cigarrilhas seu copo contendo alguma bebida e o giz para riscar seu

ponto próximo aos pés.

Para os homens a corrida não é tão diferente, esses Exus em particular, estão

atendendo sentados em um banquinho, todos os cinco, alguns pedem chapéus, outros cartolas,

outro usa capa, outro usa lenço nas cores vermelho e preto. Seus pedidos são atendidos e a

eles é dado um charuto e uma bebida, geralmente servida na cuia e também um giz branco para

riscar o seu ponto de identificação de nome e falange.

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Os Exus são bastante individuais, como as outras entidades, cada Exu é um Exu, sua

forma de riscar o ponto, colocar a bebida sobre o ponto, alguns baforam o charuto invertido

sobre o ponto riscado, outros retiram suas guias confeccionadas nas cores preta, ou vermelha,

ou preta e vermelha e colocam-na sobre o ponto, outros cruzam-nas na diagonal do tórax,

enfim, cada um trabalha da maneira que prefere.

Após o assentar a todos o senhor Tomita começou a chamar um a um dos consultantes,

cada um é encaminhado para falar com uma entidade, não podendo optar por escolher se será

com um Exu ou uma Pomba Gira, apenas, e isso eu relato por já haver observado em visitas

anteriores a pesquisa, alguns consultantes tem trabalhos inacabados com alguma entidade,

nesses casos o consultante aguarda chegar a sua vez e se não coincidir com a entidade

esperada, é solicitado que ele aguarde a saída do consultante que está em sua frente.

Durante os trabalhos de passes, duas Pombas Giras se despediram do público e dos

auxiliares e alardearam a presença do “Compadre” que estaria por encostar, nesse sentido

ambas entidades foram retirando seus aparatos femininos e rodavam no sentido anti-horário,

deixando-se manifestar a figura dos Exus em ambas e praticamente de forma sincronizadas.

Uma vez em terra, o Exu de uma delas retirou sua guia e a enrolou no punho pediu cachaça e

um cigarro, um chapéu e uma capanga de couro, sentou-se e pôs-se a fumar e beber e de

tempos em tempos soltava uma risada. O outro Exu incorporado ficava meio arqueado com os

braços postos na altura da cintura, porém, nas costas, andava com certa dificuldade, mas

andou por entre a assistência, no corredor central, e aproximando-se de mim, desejou-me boa

noite, com uma voz rouca e praticamente não compreensível, ofereceu-me a bebida que

tomava, era um tipo de pinga com mel e pimentas imersas na bebida, pediu que eu mentalizasse

coisas boas e agradeceu minha presença.

Aproximando-se das 22:00hs. o senhor Tomita começou a agilizar o término dos

trabalhos, pedindo para que os assistentes que pudessem, que puxassem o ponto de saída dos

Exus, um a um foram embora, restando por último o Exu da casa, o senhor Tranca ruas, esse

foi o último, despediu-se de todos com um aceno e estremecendo o corpo do “cavalo” foi-se

embora. Eram exatamente 22:05min.

O Senhor Tomita virou-se de costas ao público e pediu para ser acompanhado em um

Pai Nosso e uma Ave-Maria, agradeceu os trabalhos e declarou que os trabalhos estavam

encerrados.

22/08/2012 –Visita a Casa Espirita – Dona Isabel / Sr. Tomita

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27

Trabalhos com Baianos

Cheguei a frente do templo por volta de 19:40min. Os trabalhos iniciam-se sempre e

pontualmente às 20:00hs. de forma que não existe tolerância para atrasos, visto que nesse

horário o dirigente Tomita abaixa a porta e a tranca por dentro. Houve caso presenciado por

mim em que um médium chegou atrasado e a reunião já havia se iniciado, mesmo com sua

insistência em bater à porta, não foi aberta.

Ao chegar observei que existia um senhor, todo de Branco parado na porta, não

sabemos o nome dele, porém ele usa contas de cores brancas e verdes – o que sugere um

ligação com Oxóssi. Ele possui uma caixa nas mãos, ele distribui senhas por ordem de chegada

e reconhece os participantes da casa, é ele também quem barra a entrada de pessoas não

anunciadas previamente, nesses casos o visitante é orientado a deixar o seu nome e sua data de

nascimento que posteriormente será encaminhado para a entidade, caboclo sete encruzilhadas,

o qual dará a permissão para o fiel vir na próxima reunião.

Entrei e sentei na última fileira da esquerda, reservada para homens, enquanto o

conjunto de assentos da direita são reservados para mulheres. Peguei a senha de número

dezenove, a casa já estava cheia, visto que é um local pequeno, tinha portanto, muita gente.

Observei na parede da direita, acima do conjunto de cadeiras destinadas às mulheres,

um pequeno quadro negro, onde alertava das datas e trabalhos a serem realizados, nesse dia

em particular, haveria trabalho com baianos e boiadeiros. O último trabalho do mês é dedicado

aos trabalhos com Exu e Pomba gira.

Pontualmente às vinte horas o dirigente Tomita fechou a porta e adentrou ao templo.

Os médiuns estavam posicionados em dois blocos: a direita as mulheres e a esquerda os

homens. Todos de branco: homens camisa e calça brancas e as mulheres variavam, algumas de

calça, outras de saia, porém, todos de branco. Somando os homens e mulheres médiuns, nesse

dia, haviam treze no espaço dedicado ao trabalho, porém, sabemos através de visitas anteriores

a pesquisa, que nem todos são médiuns incorporantes. Nessa casa existe a flexibilidade dos

trabalhos com médiuns com outras habilidades: como por exemplo os que veem as entidades;

aqueles que ouvem apenas; aqueles que psicografam; aqueles que trabalham apenas com

emanação de energia, portanto, uma gama grande de médiuns com diversas habilidades,

portanto nem todos incorporam. Existe ainda os que auxiliam os incorporados – camboniando

a entidade e auxiliando na tradução das solicitações das entidades durante o passe.

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O senhor Tomita veio em direção aos visitantes e deu alguns recados, recados esses

dados em todas as reuniões, eram eles: Durante os trabalhos, evitem mentalizar a figura do

médium, do cavalo, pois, não é ele quem está ali, mas sim o guia; quando vierem para as

reuniões atentem-se em não vir com roupas escuras e o mínimo de metal possível, pois o

metal no mundo espiritual atrapalha a condução de energia; lembrem-se também de sempre

que vier na casa, mentalizar o que deseja e trazer sempre uma vela branca. Os passes serão

realizados por ordem de chegada. Obrigado.

Nesse momento, um dos médiuns, cada trabalho pode variar, tomou a frente e com um

livro em mãos – Parnaso do Além do Túmulo, de Chico Xavier – pôs-se a ler um fragmento

elencado para aquele dia, posteriormente a leitura o médium começou a explicar o que aquele

fragmento queria dizer, sempre tentando passar mensagens de paz e acalanto para pessoas que

estão sofrendo. Essa etapa dos trabalhos duram cerca de dez a quinze minutos.

Após o breve esclarecimento da passagem, os trabalhos são iniciados efetivamente. O

senhor Tomita de costas para o público e de frente para o quadro de Jesus Cristo começa com

um Pai Nosso e uma Ave-Maria e anuncia, agora os trabalhos estão abertos.

O hino da Umbanda é entoado e ritmado pelas palmas. Os primeiros pontos para

caboclo são cantados. Observa-se que o ponto primeiro é o do Caboclo Sete Encruzilhadas,

caboclo que tem a autoridade sobre àqueles que podem ou não entrar na reunião. Esse caboclo

manifesta-se em um senhor já de idade avançada, cerca de sessenta e cinco anos e é nesse

médium também que se manifesta o Exu Zé Pelintra e o senhor Tranca Ruas, todas essas

entidades descritas são as protetoras da casa, segundo senhor Tomita. Talvez por ser o mais

velho da casa e médium incorporante, seja o motivo de seus guias serem vistos com maior

destaque pois, o senhor Tomita embora dirigente, como relatado pelo próprio, não incorpora

apenas auxilia na linha energética da casa.

O Caboclo Sete Encruzilhadas foi o primeiro a chegar, as cantorias cessam, lhe são

passados uma folha de sulfite em branco e um lápis, ele gesticula dando boas vindas para todos

em uma língua diferente, por mim desconhecida, vira-se de costas para todos e de frente para o

quadro de Cristo, rabisca seu ponto. Abaixo da prateleira, junto ao chão, deposita a folha por

ele rabiscada junto com os nomes sugeridos para a próxima reunião, firma uma vela branca

sobre o papel; nesse momento lhe é passado uma cuia contendo alguma bebida, ele bebe e

cospe sobre o papel e a vela e deposita a cuia junto aos demais itens do trabalho.

Ao se levantar do chão, prostra-se ereto com os braços para trás e autoriza a chegada

dos demais caboclos. Um a um vão se chegando, nesse dia dois rapazes receberam caboclos e

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uma moça, todos com características particulares que são: sua forma de dançar, gesticular os

braços como se estivessem prestes a lançar uma flecha, os gritos acompanhados de algumas

pequenas falas em outra língua, enfim uma série de características pessoas, de cada caboclo. A

vinda desses caboclos é uma vinda curta, visto que sua permanência nos trabalhos está pautada

no descarrego, ou seja, esses caboclos auxiliam na retirada dos maus fluídos dos participantes,

dos médiuns, dos visitantes e da casa. minutos depois os caboclos se vão e somente após a

saída dos demais caboclos o caboclo da casa, o senhor Sete Encruzilhadas se despede e

acompanhado de cânticos e palmas, vai embora.

O senhor Tomita retoma sua posição central e avisa que dará continuidade com a

presença do povo da Bahia. Cânticos são entoados e acompanhados de palmas um a um vão

chegando, rodando, dançando dando risadas e se cumprimentando entre seus pares, vez ou

outra voltam-se para o público e dedicam Axé e força. Os auxiliares começam a trazer os

pertences daqueles que irão Camboniar de forma que, para as mulheres são trazidas saias

estampadas de chita e colares enquanto para entidades masculinas são trazidos lenços e chapéu

de palha. Para todos, sem exceção são dados fumo, bebida e giz branco, cada entidade

fica parada em um local e desenha próximo a seus pés, pontos riscados com o giz – pontos

esse que identificam o nome e a falange a qual essa entidade pertence – segundo o senhor

Tomita. Diversos são os pontos, alguns recorrem a colocar pimenta em algum local do ponto,

outros recorrem a ervas, outro a velas de cores diferentes, enfim, cada entidade com sua

maneira pessoal de trabalhar.

Após esse estabelecimento das entidades e seus respectivos pontos, todos já estão

prontos para dar andamento aos passes. O senhor Tomita volta-se para os visitantes e por

ordem crescente começa a chamar as senhas. O visitante ao ser chamado é levado

aleatoriamente para a entidade e ali ele passará por uma série de rituais com a entidade. Ali o

consultante especula sobre seus problemas, sejam eles de natureza financeira, saúde, afetiva ou

social, todos as entidades ouvem e orientam o fiel na tentativa de diminuir sua aflição. Somente

após a saída do consultante o próximo é encaminhado para falar com as entidades.

Essa etapa dos trabalhos é a etapa mais longa, pois não existe um limite de tempo para

as consultas, no entanto, a casa é categórica em afirmar que os trabalhos não podem passar das

22:00hs. e esse horário, segundo Tomita, é e sempre foi respeitado.

As consultas são finalizadas e imediatamente começam os cantos para o retorno dos

baianos, cada um a seu tempo vai embora girando e se despedindo do público.

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Sr.Tomita toma seu lugar novamente e de costas para o público agradece a perfeição

dos trabalhos do dia e termina com um Pai Nosso e uma Ave-Maria. São 22:00hs. em ponto.

Casa de Candomblé – Ilê Axé Oyà – Mãe Lurdes

Cheguei ao terreiro por volta das 17h30min. Uma chácara, Os portões antigos

enferrujados e tortos, encontravam-se abertos. Logo na entrada avistei direita junto a entrada

um assentamento de Ogum, provavelmente o guerreiro vigia da casa, tive essa dedução pois,

fitas azuis, negras e vermelhas rodeavam um ferro forjado em forma de lança e espada.

Adentrei a casa e alguns passos à frente, observei no lado esquerdo alguns

assentamentos que posteriormente viria a descobrir que eram destinados a Exu, pois

demandavam além das fitas vermelhas, pretas e brancas, muita cachaça e uma escultura de

ferro em forma de tridente envolto por correntes. À direita e mais adiante uma pequena casinha

branca e de portas vermelhas – assentamento consagrado a Zé Pelintra - cerca de dez metros

quadrados, não mais que isso, o casebre encontrava-se com as luzes apagadas e com a porta

entre aberta, aproximei-me e apresentei-me, a mesma sugeriu que eu aguardasse em sua

varanda, pois estava ali a atender um consultante. Mais adiante, ao centro do terreno, observei

uma construção em ruínas; dentro dela haviam duas cadeiras e um trabalho assentado, provável

preto velho, pois os cachimbos e guias presentes falavam por si só.

O salão em forma circular possuía janelas inacabadas e duas portas, as quais uma

encontrava-se a esquerda e a outra no centro. Notei ainda que sob a porta central encontrava-

se uma espécie de patuá de cor lilás, provável referência a Nanã Buroko, no entanto o que me

ajudou afirmar foram às palhas da costa exposta à entrada junto ao patuá, representando

Obaluaiê ou Omulú.

A frente da porta central dessa construção e entre o portão de entrada havia um assentamento

consagrado a Oxumaré, visto que eram duas serpentes de cores desbotadas, se encarando.

31 de Outubro de 2011 -Relatório de Visitas – Casa Ilê Axé Oyà:

Trabalho de “Umbanda” – Exu Marabô.

Cheguei a casa Ilê Axé Oyà às 18h40min. Fui recebido pessoalmente pela Ialorixá Mãe

Lurdes, a qual pediu que eu aguardasse na varanda de sua casa. Mãe Lurdes retornou, após

alguns minutos, e cumprimentou-me agradecendo minha presença e explicou-me que: se acaso

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houvesse trabalhos, com o senhor Marabô, haveria de ser realizado fora do barracão, pois o

mesmo “estaria Comendo” - (o barracão) - devido ao Axé realizado no dia anterior. Esse

ritual, segundo explicação de uma filha da casa – é um ritual interno o qual contempla a

presença apenas dos filhos da casa - consta de uma oferenda aos orixás da casa, realizado

anualmente com o propósito de firmar os cultos dentro da casa. Ocorre, no entanto, que essa

oferenda postada dentro do barracão deveria ficar fora do alcance dos olhos dos participantes

externos da casa, o que impossibilitaria os trabalhos dentro do barracão.

Mãe Lurdes adiantou ainda, que se o senhor Marabô viesse trabalhar nesse dia, os

trabalhos ocorreriam na parte externa do barracão, não afetando os trabalhos do dia para

outras entidades, no entanto colocando em dúvida, a partir dessa afirmação, se haveria ou não

os rituais. Vale lembrar que o tempo no Candomblé é o tempo do santo, diferentemente da

Umbanda que tem hora para começar e as vezes hora para acabar; embora o senhor Marabô

seja da Umbanda, as diretrizes da matriarca se pautam no Candomblé. Nesse entremeio

permaneci sozinho em sua varanda, onde, por vezes, ela – Mãe Lurdes – vinha até mim para

oferecer café. Em uma dessas vindas, Mãe Lurdes indagou-me sobre “os meus contatos com as

religiões afro”. Na tentativa de expor de maneira bastante clara, coloquei que anteriormente

havia sido iniciado na Umbanda – aos oito ou nove anos, tamanha foi sua surpresa que nesse

momento ela puxou uma cadeira para se sentar ao meu lado e pediu a mim que lhe contasse

como, quando e onde eu havia me iniciado, o que eu fazia dentro dos trabalhos, quais eram os

orixás que trabalhavam comigo, quais orixás eu já havia visto em terra, enfim, todo o meu

itinerário dentro da Umbanda. Dentre outras perguntas, uma em especial viria a direcionar toda

a minha visão futura dos trabalhos desse dia. Essa pergunta: Como os trabalhos na Umbanda

se desenvolviam? (Entendi que a matriarca tinha severas dúvidas sobre o desenvolvimento de

trabalhos na Umbanda).

Por volta das 21h30min. Mãe Lurdes deslocou-se para um dos assentamentos que se

localizavam a esquerda do portão de entrada da chácara e solicitou a presença de uma senhora,

de aproximadamente 40 anos, essa usava com um vestido totalmente colorido, lembrando a

vestimenta típica africana, ela acompanhou a Ialorixá até dentro desse assentamento, onde Mãe

Lurdes iniciou cânticos de Umbanda para dar início aos trabalhos com os Exus. Após alguns

cânticos voltados para todas as falanges dessa entidade, iniciaram-se então, os pontos para o

Sr. Marabô, o qual não se demorou a chegar. Sua possessão demonstrou-se rápida, porém

turbulenta, caracterizando o Exu da Umbanda – arcado, mãos e pés contraídos e

posteriormente, após se estabelecer em terra, se mostraria semelhante a um marinheiro,

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cambaleando de um lado para o outro, soltando gargalhadas e dando boa noite a todos que ali

estavam.

Nesse momento o trabalho contava com: duas filhas de santo, ambas com a idade

aproximada de 40 anos, vestidas de forma semelhante à descrita acima (vestidos coloridos);

dois possíveis ogãs nos atabaques, ou somente tocadores, eu não soube identificar, um mais

novo com aproximadamente 20 anos e o outro com aproximadamente 30 anos – suas roupas

eram predominantemente brancas e suas contas coloridas, possivelmente das cores de seus

Orixás; na assistência apenas eu acompanhava o desenvolvimento dos trabalhos.

Os trabalhos foram se desenrolando do lado de fora do barracão. A disposição

ritualística fora bastante flexível, de modo que três atabaques encontravam-se postados de

costas para o barracão central e de frente para a casa principal; o senhor Marabô ordenou que

as duas filhas da casa trouxessem o seu ponto, o qual se encontrava dentro de seu

assentamento. Esse ponto, fisicamente, constava de: uma tábua com aproximadamente

50x50cm, aonde ele viria a desenhar, não com pemba (giz especial para riscar o ponto da

entidade), mas sim com giz comum, o seu ponto riscado. Antes de riscar o ponto, o Exu untou

essa base com Uísque e vinho e baforou fumaça de charuto, como parte do ritual.

Após riscar seu ponto, Exu Marabô, em posse de sete ponteiras de metal com

aproximadamente trinta centímetros cada e em uma das extremidades pontiaguda, lançou,

primeiramente, três delas, acertando-as no tridente central de seu ponto riscado, na parte

superior desse eixo, as outras quatro ponteiras, foram lançadas nos quatro cantos do ponto

riscado.

Ponto firmado, nesse momento chegou um possível filho da casa com

aproximadamente trinta anos de idade, entrou nos trabalhos, pediu licença e cumprimentou a

entidade em terra que lhe concedeu a permissão para participar dos trabalhos. Entendi que esse

rapaz era novo na casa, porém sem estar iniciado ritualisticamente pelo candomblé da casa e

tão pouco na Umbanda, pois esse, durante os trabalhos, assim me afirmou. Ele havia tido

problemas com seus guias em outro terreiro de Umbanda onde também não havia sido iniciado

e esse terreiro o expulsara. No entanto não entrou em detalhes comigo sobre esses

acontecimentos.

Após se estabelecer no terreiro, esse rapaz foi convidado pelo Sr. Marabô a postar-se

em pé sobre seu ponto riscado; O Sr. Marabô colocou-se de forma a ficarem de costas um para

o outro e entrelaçaram os braços, após a entidade ergueu o rapaz de forma que a entidade

curvada carregava o rapaz sobre suas costas e assim girava-o com facilidade. Depois de efetuar

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três voltas, a entidade soltou o rapaz, esse por sua vez mostrou-se zonzo e, momentos depois

entrou em transe incorporando, aparentemente, uma entidade também da esquerda, mas talvez

por ainda estar em fase de desenvolvimento, essa entidade se negou a passar sua identidade, se

limitando a pedir cachaça e charutos, que foram dados a ele.

Após alguns minutos em terra, essa entidade, do provável iniciante, foi embora dando

lugar a uma nova entidade a qual se assemelharia mais com um preto velho. Nesse instante

também surgiu uma nova figura, uma senhora mais idosa, de cor negra, certamente com mais

de setenta anos, a qual surgiu com uma tigela de louça branca, onde constava a comida

especial da entidade da casa. Essa comida era composta por filé (cru), cebolas, tomates, dendê,

limão e muita pimenta da costa. Essa comida primeiramente ofertada a entidade e

posteriormente passou de mão em mão para cada um compartilhar da degustação de forma que

todos tiveram oportunidade de comer mais de duas vezes. A bebida por vezes também era

compartilhada com todos, no entanto, bebia-se no gargalo e também com o aval da entidade

que ofertava diretamente para cada participante. Em um dos momentos, quando o Sr. Marabô

ofereceu-me sua bebida, talvez como forma de “descarrego”7, jogou um pouco de sua bebida

em meus pés e apontou as minhas entidades pessoais, enfatizando a força delas e afirmando

que eu estava muito bem protegido, pois elas ali se encontravam.

Minutos depois a entidade do rapaz foi-se embora e a entidade de Mãe Lurdes Também

– o senhor Marabô – contavam-se 00:50min. Tudo teve fim sem rituais específicos de

fechamento, apenas a entidade se despediu e solicitou que fossem entoados pontos de “subida

do santo”8 acompanhado por palmas e atabaques.

4. Resultados e Discussões

É necessário levar em consideração os diversos elementos que circulam os nossos

objetos, nesse sentido, conseguimos observar que por vezes as casas analisadas aqui ora se

aproximam e ora se afastam da literatura estudada por nós, contudo, não significa que os

terreiros, as casas e os cultos ao se afastar da literatura proposta sejam menos legítimo do que

outros, pelo contrário, entendemos a partir da literatura e de nossas observações que as

diversidades encontradas nesses relatos exploratórios contribuem no sentido de enriquecer a

variedade cultural e religiosa na cidade de Maringá.

7 Essa foi uma percepção pessoal.

8 Esse termo foi utilizado pelo senhor Marabô para dizer que iria embora.

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A Tenda Espírita Caboclo Sete Flechas, dentre às casas visitadas por nós, talvez seja a

casa que mais se aproxime da literatura por nós estudada, visto que, semelhante a casa

trabalhada anteriormente, possui regularidade em seus trabalhos.

A casa denominada pela dirigente Clô como sendo de segmento Umbandista, realiza

trabalhos quinzenais sempre aos sábados com início às 20:00hs. porém, o término dos

trabalhos pode variar de acordo com os rituais do dia.

Um elemento que chamou nossa atenção para essa casa, reside justamente no nome

atribuído ao templo, “Tenda Espírita”. Indagamos o por quê de Espírita, uma vez que

observamos os rituais e mesmo a partir da declaração da dirigente a qual, alega ser uma casa

de caráter umbandista?

Entendemos que ao contrário das outras casas observadas por nós, essa casa possui

identificação na parte externa, uma placa contendo a informação de que ali funciona um templo

religioso Espírita porém, recorremos a Montero (2006), para melhor explicitar nossa ideia:

[...] Também organizados como associações civis para se proteger

das sanções legais, os terreiros foram pouco a pouco assumindo

estatuto de religiões, mas para tanto abrigaram- se sob a rubrica do

espiritismo, cujas práticas eram mais facilmente aceitas como

religiosas do que aquelas de origem africana, marcadas pela idéia de

magia.(MONTERO, 2006 p.7).

Com essa resposta acreditamos compreender o porquê alguns terreiros “escondem-se”

sob a sombra do Espiritismo, mais do que isso, entendemos a partir da autora que no passado

existia a rejeição à magia, mesmo por parte dos adeptos e filhos-de-santo, e ainda nos dias

atuais, nesse sentido entendemos também, a ideia de dupla militância, onde os crentes ao

serem indagados a respeito de sua religião, alegam ser “católicos” mesmo pertencendo e

frequentando templos de natureza umbandista, candomblecista ou espírita.

Em relação a dinâmica de trabalho da casa, encontramos frequência no

desenvolvimento das sessões públicas, embora com alguns buracos, mas uma frequência

considerável, onde a presença de visitantes é clara, no entanto, observamos que os “passes”,

observados por nós na casa espírita estudada anteriormente, não estão presentes, nesse caso,

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ao visitante estaria aberto apenas a apreciação dos rituais ficando vedada a consulta apenas,

para trabalhos particulares, desenvolvidos ao longo da semana e durante o dia.

A casa possuí frequência de participantes internos os quais, segundo nossas

observações, contribuem financeiramente e diariamente com a limpeza e organização dos

trabalhos, sejam eles de natureza particular ou abertos ao público. Essa presença de

participantes internos, somado a frequência de trabalhos da casa, nos permite entender que

essa casa em Maringá é uma casa bastante singular, embora mais próxima da realidade

observada por diversos autores.

Quando afirmamos que a Tenda Espírita Caboclo Sete Flechas é talvez, a casa por nós

estudada que mais se aproxima dos relatos presentes na literatura. Nos remetemos a Édison

Carneiro em Os Candomblés da Bahia; Roger Bastide - As Religiões Africanas; Beatriz Dantas

- Vovó Nagô e Papai Branco; e principalmente Renato Ortiz - A Morte Branca do Feiticeiro

Negro. Esse último, na realidade, não apresenta relatos tão ricos quanto os demais citados, no

entanto, o seu olhar sobre algumas casas em São Paulo e Rio de Janeiro, permite o

entendimento de algumas estruturas doutrinárias internas, nesse sentido, estamos nos referindo

às linhas, falanges, guias, orixás, com suas cores, dias de consagração, roupagem, enfim, o

símbolo religioso.

***

A Casa Espirita sob a direção do sr. Tomita, assume um enquadramento diferenciado,

uma vez que essa casa denomina-se apenas como casa Espírita, no entanto, os trabalhos

englobam rituais umbandistas.

A partir do posicionamento da casa em relação a religião, ou seja, a miscigenação

Umbanda e Espiritismo, podemos observar segundo Montero in Artur Cesar Isaia9, que a casa

em estudo é um produto social que reflete tendências predominantes do passado, século XX,

ou seja, a Umbanda visando a qualificação social aproximou-se do espiritismo onde, as práticas

eram mais facilmente aceitas na condição de religiosas do que aquelas de origem africana

associadas a ideia de magia.

Nessa construção de identidade, a Umbanda aqui observada por nós, se aproxima da

Umbanda descrita por Ortiz (1978) onde, ela vai se afastar dos elementos afro em busca de um

embranquecimento, nesse sentido, nos remetemos a configuração dos rituais e a estrutura física

da casa onde, alguns elementos umbandistas se fazem presentes tais como: a dança, as palmas,

9 ISAIA, Artur Cesar. Umbanda, Magia e Religião: a busca pela conciliação na primeira metade do século XX. Dossiê: Panorama

Religioso Brasileiro. BH, 2011.

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os cantos e o transe com caboclos, pretos velhos, crianças e outras entidades comumente

assistidas nas Umbandas, no entanto, as imagens sagradas praticamente desapareceram assim

como os atabaques e as velas coloridas; os rituais voltados para os Orixás deram lugar a

expansão das ideias de doutrina Espírita assimilada através da exploração livresca, ou seja,

dirigentes passaram a se intelectualizar através das leituras com o objetivo de compreender os

símbolos sagrados. Em resumo, observando os Candomblés e as Umbandas, o primeiro estaria

para a tradição oral enquanto a segunda para a expressão escrita.

É possível observar também que o posicionamento da casa, ao assumir a condição de

Umbanda e ao mesmo tempo com bases Espíritas, reforça afirmações como a de Negrão

(1994) e Omulu (2002)10

, onde a Umbanda em sua construção histórica acabaria por se afastar

completamente da cultura afro.11

Diferentemente das outras casas observadas por nós no decorrer da pesquisa, essa casa

trabalha com atendimentos públicos durante seus cultos, os passes, o que lhe proporciona

diretamente um fluxo maior de visitantes, no entanto, esse fluxo de visitantes ao contrário das

demais casas observadas, depende de um prévia autorização da “entidade” responsável pela

casa, essa entidade, segundo conversas coletadas por nós junto a um filho da casa, só é

autorizada a participação de novos visitantes mediante a apresentação do nome e data de

nascimento concedidos previamente, ou seja, a pessoa interessada em participar dos trabalhos

e se consultar, deverá comparecer em um trabalho comum - realizado às quartas feiras - e

fornecer os dados para uma pessoa responsável que se encontra na entrada do templo, para

então, participar no trabalho seguinte. Esse receio em torno do aparecimento de novas caras

nos rituais desenvolvidos na casa, pode ser melhor compreendido quando nos remetemos ao

século passado e lembramos das perseguições desencadeadas pelo Estado e pela Igreja contra

as práticas não-cristãs e principalmente contra os cultos afro-brasileiros onde, os cultos

voltados para as práticas de adivinhação, curandeirismo e a magia, foram ao longo do século

passado sofrendo delimitações legitimadas pela própria legislação, Arribas (2011)12

deixa essa

restrição bastante clara quando expõe fragmentos de textos pertencentes ao código penal

escrito em fins do século XIX:

10 OMULU, Caio. Umbanda Omolocô: liturgia, rito e convergência na visão de um adepto. Ed: Ícone, São Paulo, 2002. 11

Ao mesmo tempo que a Umbanda foi alijada do status de Espiritismo, existiu uma busca de adotar a racionalidade do

kardecismo e seu progresso evolucionista transmutado em parâmetros próprios da religião. Por outro lado, buscou-se trabalhar

intensamente para afastar a Umbanda de qualquer correlação com os cultos Afrobrasileiros e suas raízes africanas. (Omulu 2002,

pp. 31-2).

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Art. 156. Exercer a medicina em qualquer de seus ramos, a arte

dentária ou a pharmacia: praticar a homeophatia, a dosimetria, o

hypnotismo ou magnetismo animal, sem estar habilitado segundo as

leis e regulamentos. Pena: de prisão cellular por um a seis meses, e

multa de 100$00 a 500$000.

Art. 157. Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de

talismãs e cartomancia, para despertar sentimento de ódio ou amor,

inculcar curas de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para

fascinar e subjugar a credulidade pública. Pena: de prisão cellular de

1 a 6 meses e multa de 100$000 a 500$000.

Art. 158. Ministrar ou simplesmente prescrever, como meio curativo,

para uso interno ou externo, e sob qualquer forma preparada,

substância de qualquer dos reinos da natureza, fazendo, ou

exercendo, assim, o ofício do denominado curandeiro. Pena: de

prisão cellular por um a seis meses, e multa de 100$000 a 500$000.

(ARRIBAS, 2011; p. 8).

Outro fator observado por nós o qual, remete-se a nossa problemática, pauta-se no

atendimento. Essa casa não presta atendimento ao público fora dos rituais, ou seja, não

trabalha com jogos de búzios, cartas ou passes fora dos rituais, diferentemente das outras duas

casas pesquisadas. O número de visitantes na casa é um número considerável, de forma que,

nos trabalhos assistidos por nós, todos os assentos permaneceram ocupados, porém

observamos maior incidência de participantes dentro da corrente de trabalho, ou médiuns, no

trabalho voltado para a os Exus.

Cândido Procópio, segundo Ortiz (1978), propôs um método para classificar a

multiplicidade dos cultos mediúnicos o “continuum” religioso de forma que, em suas

extremidades estariam a Umbanda e o Kardecismo. Sem nos aprofundarmos na análise de

Procópio, porém utilizando a observação de Ortiz, entendemos que essa metodologia

classificatória poderia ser aplicada e de grande utilidade para a compreensão dos ritos

12 ARRIBAS, Célia das Graças. A Doutrina Espírita na formação da diversidade religiosa brasileira. Anais do XXVI Simpósio

Nacional de História – ANPUH • São Paulo, 2011.

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umbandistas, no entanto, segundo Ortiz, o autor do método deixou passar a questão do transe

no culto umbandista, uma vez que é justamente nesse setor que se desenvolvem as

funcionalidades diferentes em relação ao espiritismo kardecista, ou seja, não seria prudente

concluir que ambas religiões fossem idênticas, nesse sentido, lembremos da tentativa de

aproximação da Umbanda junto ao kardecismo, no passado, já citado anteriormente, os

espíritos ou entidades que se manifestam em um ou em outros segmento, são diferentes, diante

disso, não conseguiríamos classificar a Umbanda e o Kardecismo dentro de um continuum

religioso, embora sendo religiões mediúnicas.

Essa casa no entanto, embora não se enquadre diretamente em nossa problemática,

visto que existe uma frequência de trabalhos e por estar em localização central na cidade de

Maringá, contribuiu para a compreensão de conceitos levantados pelos autores na literatura,

uma vez que, observamos a presença de aspectos do embranquecimento da Umbanda, ou seja,

uma Umbanda que passou por modificações e hibridizações dentro de sua identidade e criou

uma característica própria e legitimada tanto pelos participantes internos quanto pelos

visitantes que a procuram.

***

Ao observarmos a dinâmica da casa Ilê Axé Oyà, vemos que inicialmente a casa

pertencia a um segmento candomblecista apenas segundo Mãe Lurdes, desde meados de 1980,

hoje a casa realiza trabalhos com entidades que no passado eram exclusivas de rituais

umbandistas. Entendemos que essa apropriação de elementos de outro segmento religioso não

deve ser visto sob um prisma negativo, mas sim, como uma adaptação social no sentido de

enquadrar-se religiosamente, como relatamos anteriormente.

Os trabalhos observados por nós na casa Ilê Axé Oyà refletem a essa análise, uma vez

que a casa abre espaço para a entrada de novos cultos umbandistas, onde a miscigenação com

o Candomblé tende a tecer o aparecimento de uma nova rede complexa e religiosa, um novo

desdobramento. No entanto, análise semelhante já havia sido esboçada no passado por Renato

Ortiz (1978), quando o autor ressalta o processo de embranquecimento ocorrido no século

XIX, onde as religiões de matriz afro buscam modificar suas bases doutrinárias para melhor se

enquadrar na necessidade social, deixando de lado assim, suas raízes africanas e assumindo

uma nova roupagem porém, nos dias atuais essa análise cairia em um conceito bastante

simplista, visto que ela responde a apenas um viés bastante cômodo e de fácil aceitação, nesse

sentido entendemos que a análise necessita de uma observação mais apurada devido a sua

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complexidade em relação ao meio no qual ela está inserida. Para complementar essa análise,

Peter Burke (2003), leva-nos a refletir acerca da apropriação como um problema no qual

temos que descobrir a lógica da escolha ou o fundamento lógico consciente ou inconsciente,

para a seleção de alguns itens e a rejeição de outros, nesse sentido, a casa em observação

mostra-nos que elementos afro continuam presentes, como a vestimenta das participantes, os

atabaques, as palmas, o canto de roda e as comidas, no entanto, a casa optou por omitir alguns

elementos comuns a Umbanda, como os rituais de início dos trabalhos, Hino, orações e

saudações, dessa forma a casa estaria posicionando-se no sentido de expandir seus cultos para

além das fronteiras de sua pertença religiosa, ou como Burke nomeia, “tradução cultural”, a

qual, é utilizada para descrever o mecanismo por meio do qual, encontros culturais produzem

formas novas e híbridas.

A casa portanto, embora uma casa que se autodenomina – Candomblé Ketu – também

engloba tradições e rituais umbandistas, ativa e, contribuindo para o surgimento de um novo

desdobramento religioso dentro da matriz afro.

Porém, quando nos remetemos a nossa problemática sugerida no início desse trabalho,

observamos que a casa é uma das pouquíssimas casas de Candomblé em Maringá e talvez a

única, confirmada por nós, no entanto, vale ressaltar que ao tentarmos explorar o campo nos

deparamos com alguma dificuldade em relação a identificação de novas casas. A casa de Mãe

Lurdes por exemplo, não possuí uma identificação aberta ao público. Essa prática pode ser

melhor compreendida quando pensamos no receio que praticantes e dirigentes têm em se

identificar quanto pertencente de religiões afro. Uma situação em particular observada por nós

na primeira visita a casa, embora não esteja em relatório, porém, reforça nossa hipótese acerca

da dificuldade em identificar as casas. Quando nos lançamos a procurar a casa de Mãe Lurdes,

ao questionarmos pessoas na rua e próximas ao local - porém não havíamos identificado o

local - essas mesmas pessoas que inicialmente se propunham a esclarecer nossas dúvidas

cordialmente, em um segundo momento quando falávamos que procurávamos um “terreiro de

candomblé com batuques”, essas mesmas pessoas se mostravam arredias em relação a nossa

indagação, virando às costas e por vezes até mesmo dizendo que “não deveríamos nos meter

com isso”, ou seja, se negavam a fornecer respostas a nossa dúvida.

Esse tipo de comportamento esboça a dificuldade de encontrarmos os locais, visto que

em Maringá, durante a pesquisa, não encontramos nenhum centro de identificação desses

locais, em suma, a descentralização administrativa é um importante fator que contribui

diretamente para a escassez de templos em Maringá.

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Ainda segundo Mãe Lurdes, no passado seus atendimentos eram voltados para uma

grande parcela de classe média alta, enquanto hoje não existiria mais essa diferenciação de

atendimento, seus atendimentos são voltados para todos os públicos independente de qualquer

distinção.

Nesse sentido confirmamos nossa hipótese: a preferência de algumas casas em trabalhar

com atendimentos particulares à atendimentos via trabalhos abertos ou atendimentos aberto ao

público, visto que, no passado como afirmado por Mãe Lurdes, o atendimento particular era

uma prática comum a uma sociedade restrita, hoje isso se ampliou. Entendemos aqui que a

prioridade em atender essa nova demanda, um público mais amplo, ocupa um espaço que antes

era voltado para as sessões públicas e abertas. Concordamos portanto, segundo a dirigente,

que não existe uma escassez de adeptos, filhos ou visitantes, pelo contrário, houve um

aumento considerável, principalmente após o início da reforma do barracão aonde se

desenvolviam os trabalhos.

5. Conclusões

A trajetória percorrida pela cultura afro no Brasil, desde a chegada dos primeiros

escravos, nos revela uma série de sobreposições culturais ao longo de sua história, de forma

que no passado a história oral era o único veículo de comunicação e perpetuação das culturas

trazidas para o Brasil.

Autores como Peter Burke nos mostraram como a hibridização cultural pode ser

compreendida quando enquadrada em nosso objeto, visto que o cristianismo esteve presente

durante toda a construção cultural das religiões de matriz afro, às perseguições ocorridas sobre

as manifestações de magia, curandeirismo ou adivinhações, permitiram o fortalecimento dessas

religiões e, seu produto final viria a ser a centralização administrativa e religiosa, as federações

que contribuíram com a abertura dos espaços sagrados, antes exclusivos da cultura afro, para o

público em geral.

Em Maringá observamos que existem poucos terreiros, templos ou casas que se

propõem a trabalhar com as religiões de matriz africana. Embora escasso o número,

observamos que todas as casas por nós visitadas ao longo da pesquisa, acomodam diversos

frequentadores, públicos distintos e participantes internos que contribuem para o

funcionamento das mesmas, sejam em sessões abertas ou particulares. Seja da maneira que for,

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essas casas passaram por modificações estruturais ao longo de sua história e prevalecem até os

dias atuais, retornando para a sociedade sua visão acerca do sagrado.

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SARACENI, Roberto. – Orixá Exu Mirim: fundamentação do mistério na Umbanda – Madras.

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ANEXO I