relatório final cnpq perspectivas sobre a história...
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Perspectivas sobre a História Ensinada
Relatório Técnico‐Científico
André Luiz Paulilo
Relatório Científico do Projeto de Pesquisa “Discursos e Representações acerca da docência em História: perspectivas sobre o ensino de História no Ciclo II da
Educação Fundamental”. Processo CNPq n.º 563733/2008-0
São Caetano do Sul 2011
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Agradecimentos
Desde que ingressei na Universidade Municipal de São Caetano do Sul estive
imerso neste trabalho de pesquisa. Sou grato por todo o apoio obtido junto à Coordenadoria de Pesquisas Acadêmicas que na pessoa da prof.ª Maria do Carmo Romeiro viabilizou a execução do projeto na instituição. Gostaria de agradecer, de modo especial, à prof.ª Celia Maria Haas que, na gestão do curso de pedagogia, teve papel fundamental nos rumos que esse trabalho assumiu. Foi em discussões acerca da organização da Escola de Educação da universidade que propus a pesquisa e a partir das quais o trabalho se consolidou. Portanto, não sou menos grato aos colegas que me colocaram em contato com possibilidades fascinantes de estudar as metodologias de ensino. Assim, às professoras Silvia Regina Brandão, Maria de Fátima Ramos de Andrade, Ana Silva Moço Aparício, Celi de Paula e Eliane Martinof e aos professores Marcelo Dias Pereira, Ivo Ribeiro de Sá e Júlio Cesar Zozernon devo o reconhecimento do incentivo e de um apoio inestimável para o desenvolvimento da abordagem desta pesquisa. Nas oportunidades de discutir os resultados deste trabalho nos fóruns das áreas de ensino de história e do currículo, agradeço, sobretudo, a interlocução que as professoras Tânia Maria Figueiredo Braga Garcia, Flávia Eloísa Caimi e Helenice Ciampi permitiram, sem dúvida, fazendo deste texto algo mais inventivo do que ele era originalmente. Não poderia deixar de reconhecer que as minhas reflexões também se beneficiaram do contato com as alunas e os alunos que entre 2009 e 2010 cursaram a disciplina Metodologia e Prática do Ensino de História e Geografia na Universidade. Espero que reconheçam nos textos que resultaram deste relatório um pouco do percurso que me sugeriram nas aulas. Foi fundamental o apoio que recebi do CNPq na forma de auxilio a jovens pesquisadores. O financiamento dos custos da pesquisa que ele permitiu não só tornou possível viabilizar o projeto, mas assegurar a organização de um laboratório de pesquisa acerca do estudo e do ensino da História na Universidade de São Caetano do Sul.
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Resumo
Constituída a partir de um modelo interpretativo que privilegia a análise das
práticas docentes e o estudo da história das disciplinas escolares, essa pesquisa põem
em foco as representações que os manuais dos livros didáticos de história e as propostas
de reorientação curricular do Estado de São Paulo e da cidade de São Paulo veiculam
sobre o ensino de História. No decorrer dessa pesquisa, a atenção se cingiu ao inventário
das estratégias empreendidas para impor aos docentes uma representação do “bom”
ensino, para sugerir modelos de conduta, para desqualificar certos procedimentos. A
investigação dos esquemas de percepção do trabalho docente e das atribuições do ensino
de História nos manuais do professor dos livros didáticos e nos referenciais curriculares
do Estado de São Paulo e da sua capital pretendeu entender as ações que se espera dos
docentes desta disciplina. O principal problema então abordado foi o da demanda social
junto aos professores de história. Em meio à extensão desmesurada dos campos que se
lhes pede lavrar para seus alunos, a pesquisa tratou de algumas das principais maneiras
pelas quais a docência de história costuma ser vista e representada. O dimensionamento
que se tomou por tarefa realizar com essa proposta, por um lado, utilizou como fonte os
manuais de uso que acompanham o exemplar do professor dos livros didáticos
recomendados no Programa Nacional do Livro Didático de 2008 (PNLD-2008). Por
outro lado, dedicou-se à análise das atuais propostas curriculares de História impressas e
distribuídas pelas secretarias de educação do Estado de São Paulo e da Prefeitura da
capital. Ao discutir exemplos concretos de configurações graças às quais o ensino de
história é percebido, tentou-se inventariar os traços e indícios de práticas de controle
doutrinário do trabalho educativo que ainda permanecem pouco conhecidas.
Palavras-chaves: Ensino de História; Metodologia e Prática do Ensino de História; PNLD-2008, Referenciais Curriculares do Estado de São Paulo; Expectativas de Aprendizagem da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.
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Sumário INTRODUÇÃO Os Discursos e as Representações acerca do Ensino de História .................................. 06 A metodologia empregada ................................................................................................. 08
Os objetivos alcançados ...................................................................................................... 10
Perspectivas do estudo ....................................................................................................... 14
PARTE I Os manuais do professor dos livros didáticos de História para as séries finais do ensino fundamental ......................................................................................................... 16 CAPÍTULO 01 Os manuais dos professores como fonte de pesquisa ................................................... 23
Uma tipificação ................................................................................................................ 26
Editoras, governo e professores .................................................................................... 30
O discurso competente sobre o ensino de História ................................................... 35
CAPÍTULO 02 A produção didática da História nos manuais de ensino para professores ................ 46
Inventário do instrumental metódico e teórico do ensino da História, dos critérios para seleção dos conteúdos e das orientações e atitudes ........................................ 47
As rotinas de trabalho, a prescrição da prática e os modelos de ensino nos suplementos para professores das coleções didáticas de História .......................... 60
CAPÍTULO 03 Os modos de enunciação nos manuais de ensino para professores de História ........ 69
O gênero didático ............................................................................................................ 71
Elaboração didática da História ..................................................................................... 77
Critérios para a seleção dos conteúdos pedagógicos e da disciplina ....................... 83
A docência em História nos manuais de ensino .......................................................... 87
As fórmulas esteriotipadas da interação didática no ensino de História ................ 92
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PARTE II O Ensino de História nas Políticas de Reorientação Curricular do Governo do Estado de São Paulo e da Prefeitura da Capital ......................................................................... 97 CAPÍTULO 01 Propostas de Ensino da História e Expectativas de Aprendizagem da Reorientação Curricular em São Paulo .................................................................................................... 102
As políticas de currículo e o ensino de História ........................................................ 104
A elaboração didática da História nas Orientações Curriculares ............................ 110
O discurso competente e autoridade ......................................................................... 112
A docência em História e as suas competências ....................................................... 117
A interação didática no ensino de História segundo as Orientações Curriculares .................................................................................................................... 123
CAPÍTULO 02 Expectativas de Aprendizagem como política de pessoal e atividades de ensino nos referenciais curriculares .................................................................................................... 127
As rotinas de trabalho e o repertório de estratégias ............................................... 129
A sistematização das práticas nos referenciais curriculares: modelos de ensino e prescrição ....................................................................................................................... 134
A carreira e as políticas do currículo ........................................................................... 139
CONSIDERAÇÕES FINAIS Sobre a Metodologia e a Prática do Ensino de História .............................................. 145 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................... 156
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INTRODUÇÃO
Os Discursos e as Representações acerca do Ensino da História
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Constituída a partir de um modelo interpretativo que privilegia a análise das
práticas docentes e o estudo da história das disciplinas escolares, essa pesquisa põem
em foco as representações que os manuais dos livros didáticos de história e as propostas
de reorientação curricular do Estado de São Paulo e da cidade de São Paulo veiculam
sobre o ensino de História. No decorrer dessa pesquisa, a atenção se cingiu ao inventário
das estratégias empreendidas para impor aos docentes uma representação do “bom”
ensino, para sugerir modelos de conduta, para desqualificar certos procedimentos.
A investigação dos esquemas de percepção do trabalho docente e das atribuições
do ensino de História nos manuais do professor dos livros didáticos e nos referenciais
curriculares do Estado de São Paulo e da sua capital pretendeu entender as ações que se
espera dos docentes desta disciplina. O principal problema então abordado foi o da
demanda social junto aos professores de história. Em meio à extensão desmesurada dos
campos que se lhes pede lavrar para seus alunos, a pesquisa trata de algumas das
principais maneiras pelas quais a docência de história costuma ser vista e representada.
O dimensionamento que se toma por tarefa realizar com essa proposta, por um
lado, utiliza como fonte os manuais de uso que acompanham o exemplar do professor
dos livros didáticos recomendados no Programa Nacional do Livro Didático de 2008
(PNLD-2008). Por outro lado, dedica-se à análise das atuais propostas curriculares de
História impressas e distribuídas pelas secretarias de educação do Estado de São Paulo e
da Prefeitura da capital. Ao discutir exemplos concretos de configurações graças às
quais o ensino de história é percebido, tentei inventariar os traços e indícios de práticas
de controle doutrinário do trabalho educativo que ainda permanecem pouco conhecidas.
Os manuais do professor e os referenciais curriculares que se têm em vista
analisar não são apenas marcados pelo debate sobre o ensino de história surgido no
período final da ditadura civil-militar. Eles testemunham também a presença de
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correntes pedagógicas que visam teorizar as modalidades de aprendizagem. Desse
modo, também repercutem as preocupações pedagógicas com a prática do ensino de
História e preconizam o protagonismo do aluno nos processos de aprendizagem. Do
ponto de vista da metodologia do ensino de História, as mudanças indicadas na maneira
de ensinar também foram uma questão para a pesquisa.
A metodologia empregada
Os procedimentos desta pesquisa foram constituídos a partir do inventário dos
manuais de uso que acompanham o exemplar do professor dos livros didáticos de
história recomendados pelo PNLD-2008. Visando compreender como o ensino de
história é percebido nesse tipo de impresso, a pesquisa principalmente enfatizou os
dispositivos que Roger Chartier (2007) identifica quando relaciona o texto e a sua
materialidade e a perspectiva que Mikhail Bakhtin (2006) propõe sobre os gêneros do
discurso. Assim, não só interessou identificar os dispositivos por meio dos quais os
manuais do professor consolidam uma dada representação (cf. CHARTIER, 1991, p.
184) do ensino e do professor de história e as estratégias simbólicas que determinam
posições e relações capazes de atribuir uma espécie de identidade para esse grupo
profissional. Também importou compreender as peculiaridades constitutivas do gênero
textual, a concepção de destinatário e os modos de enunciação dos manuais de uso do
professor (BAKHTIN, 2006).
Noutro plano de preocupações, cabe explicitar a utilidade das posições que Ivor
Goodson (1999; 2008) mantém em relação à história do currículo. Segundo Goodson
(1999, p. 21), não só o currículo, mas qualquer roteiro oficial de ensino, “é um
testemunho visível, público e sujeito a mudanças, uma lógica que se escolhe para,
mediante sua retórica, legitimar uma escolarização”. Dessa perspectiva, as propostas
oficiais de reorientação curricular podem ser vistas como indícios dos valores e
objetivos promovidos junto às instituições escolares. Esse modo de proceder esta
relacionado com a história social do currículo. Muito em razão disso, trata-se de uma
compreensão que considera na luta para se definir um currículo, as sociopolíticas e o
discurso de ordem intelectual então envolvidos. A série de publicações com que as
secretarias de educação do Estado de São Paulo e da Prefeitura da sua capital têm
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reorientado a proposta curricular de suas redes de ensino foi objeto de uma análise nesse
sentido.
A partir deste terreno de trabalho em que se enredam o texto e a sua
materialidade, realizei o tratamento analítico dos manuais de uso do professor e dos
referenciais curriculares editados pelo governo do Estado e pela Prefeitura da capital. A
leitura de todo o material envolveu estratégias de levantamento de critérios de seleção
dos conteúdos, metodologia, recursos didáticos e de linguagem e, principalmente, de
atividades e procedimentos.
Inicialmente, seguindo um padrão definido por Klaus Bergmann (1989),
identifiquei os pressupostos, condições e metas da aprendizagem, os métodos e a
possibilidade de estruturação dos conteúdos e as técnicas e materiais de ensino e as
várias possibilidades da representação da História, seja no ensino ou nos ambientes fora
da escola. A seguir, tracei os contornos dos dados e comparei os resultados. Após
organizar os esquemas de percepção e a concepção de ensino das diferentes coleções
recomendadas pelo PNLD-2008 na área de História optei por duas tópicas. A primeira
diz respeito ao inventário do instrumental metódico e teórico da História, dos critérios
para seleção dos conteúdos e das orientações e atitudes assumidas por tais obras. A
segunda cinge-se ao cotejo das rotinas de trabalho sugeridas e que se solicita realizar.
Principalmente, discuti o Manual do Professor como peça de prescrição de certezas
metodológicas e controle técnico da prática de ensino.
Repeti esse procedimento ao analisar as Propostas Curriculares publicadas entre
2006 e 2008 pelas secretarias de educação do governo de São Paulo e da Prefeitura da
capital. Assim, a partir do material que designa as propostas para o ensino de história
nas séries finais do ensino fundamental, examinei esse material no encalço das
estratégias e atividades que sistematizam. Debrucei-me sobre os referenciais
curriculares e as expectativas de aprendizagem tendo em vista as suas relações com as
recentes iniciativas de gratificação, promoção e contratação de professores na cidade e
no Estado de São Paulo. Minha principal preocupação foi mostrar que hoje medidas de
ordem administrativa seguem às orientações curriculares e prescrições acerca da
intervenção e mediação do professorado objetivando garantir o êxito das propostas por
meio da política de remuneração e dos critérios de arregimentação de novos professores.
A compreensão de toda a série de manuais e orientações também envolveu a
análise do Edital de convocação para inscrição no processo de avaliação e seleção de
obras didáticas a serem incluídas no Guia de Livros Didáticos para os anos finais do
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ensino fundamental, o Guia de Livros Didáticos PNLD 2008 - História, as Matrizes de
referência para a avaliação, Ciências Humanas; Geografia e História; ensino
fundamental e médio e a Resolução SEESP-80. Assim, tanto quanto o estudo da
reorientação curricular, a abordagem dos manuais de uso dos livros didáticos de
História procurou articular as recomendações de procedimentos às diretrizes
governamentais que a regulamentam.
Ao fundo desse esforço, as preocupações com os discursos para o professor de
História completam a análise das representações sobre a docência dessa disciplina na
escola. A partir das considerações de Bakhtin a respeito das condições de diálogo que
também o ato de fala impresso cria entre o autor, seus pares e o leitor, procurei entender
os vínculos concretos da comunicação verbal com a situação, o lugar de trabalho dos
professores. Nessa tarefa, os estudos de José Luís Fiorin (2008a; 2008b), John Austin
(1990; 1993), John Searle (1981; 1995), Greimas (1973) e Marilena Chauí (1989) foram
auxílios significativos. A observação das categorias da enunciação na análise, a atenção
à força elocutória dos atos de fala e a noção de discurso competente resultaram dessa
opção por autores que estudaram as palavras como ações em um contexto político,
social e intelectual. Sob esse ponto de vista, a investigação inventariou os modos de
enunciação em termos das suas estratégias para conferir crença e crédito às formas
institucionalizadas através das quais “representantes” encarnam uma autoridade
competente. Sobretudo assim, ocupou-se das configurações graças às quais a prática do
ensino de história é percebida.
Os objetivos alcançados
Conforme se esperava, a análise dos discursos de intelectuais, autoridades e
autores de livros didáticos acerca do ensino de História percebe nos subsídios para o
docente, práticas de controle doutrinário do trabalho educativo que ainda permanecem
pouco conhecidas.
Primeiramente, as operações de recorte e classificação que produzem as
configurações graças às quais a realidade do ensino é representada e apresentada aos
professores constituem os instrumentos de dominação simbólica mais usuais na série de
publicações aqui estudadas. Envolvem os modos e as modalidades da enunciação do
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que é requerido fazer, os protocolos considerados pertinentes para satisfazer as
exigências da disciplina e a eficácia em fazê-los reconhecer como necessários. Nesse
sentido, a prescrição, o uso dos modos imperativos do verbo ou o desejo de legitimar
uma prática pela escrita sugerem a superioridade intrínseca do que pode ser regulado
com antecedência sobre as providências decididas no momento da ação.
Depois, o lugar e as circunstâncias em que esse discurso é instituído e pode ser
proferido afirmam a competência daqueles a quem a burocracia ou organização
reconhece como tendo o direito de falar e a autoridade sobre o saber-fazer. A noção de
competência em que Marilena Chauí (1989) e Claude Lefort (1983) apoiam suas
análises sobre o discurso e o saber especializado permite discutir os manuais de uso dos
livros didáticos e os referenciais curriculares como um artifício mediador do
conhecimento por meio do qual se procura submeter o professor à linguagem do
especialista. Assim, os autores de livros didáticos e os responsáveis pela organização
dos referenciais curriculares instauram o pensamento e se exprimem em discursos
considerados verdadeiros no interior da disciplina. Seus currículos, as instituições em
nome das quais atuam e o modo como se servem das regras, das definições e técnicas do
ofício garantem tratar-se de um especialista.
Segue que fazer reconhecer, exibir o que seria próprio da maneira de ensinar a
História, implica explorar de maneira privilegiada os modos e as modalidades, os meios
e os procedimentos pelos quais se pode dirigir ao docente para dizer-lhe a verdade sobre
seu ofício. Conforme pensava Foucault (1996), o ato de escrever tal como está hoje
institucionalizado no livro, no sistema de edição e no personagem do escritor coage pelo
caráter intransitivo que o escritor empresta ao seu discurso, pelo regime de divulgação
dos editores e pelas formas de apropriação que o livro encerra. O texto, como
atualmente as videoconferências, os sítios eletrônicos e o cd-rom, envolve a autoridade
daquele que escreve ou fala ao aparelho formal da enunciação. Invariavelmente, a
produção dos referenciais curriculares e dos manuais de uso do livro didático confia aos
teóricos a produção do conhecimento e aos que atuam na prática a tarefa de ser eficazes
e, portanto, tem sido um meio importante de consagrar a oposição teoria-prática. A
despeito de articular a oferta pedagógica de um autor e a oferta comercial de um editor
(CHARTIER, 2007, p. 70) ou de investir de autoridade os grupos e indivíduos que
“vendem” suas soluções no mercado político ou acadêmico (BALL, 1998) os
referenciais e os manuais encerram escolhas compatíveis com a percepção que os
especialistas têm das dinâmicas de aprendizagem.
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Também a utilização de pequenas fórmulas correntes, sejam slogans (cf.
SCHEFFLER, 1974) ou jargões, é um meio de reiterar regras. Os estereótipos no
discurso para e sobre professores indicam o que há de habitual no ofício, as formas
relativamente regularizadas de exercer a docência, reforçadas pelo uso e pelas
circunstâncias. Segundo Barthes (2002, p. 52), trata-se de palavras repetidas como se
fosse natural, sem entusiasmo: “a via atual da verdade, o traço palpável que faz transitar
o ornamento inventado para a forma canonical, coercitiva, do significado”. Dessa
perspectiva, a proclamação insistente da autonomia do professor, da
interdisciplinaridade e do ensino voltado ao interesse do aluno e para a formação de
cidadãos torna-os evidentes por si. A manobra tem servido para solidificar slogans e
fórmulas correntes de pensar o ensino e espessá-los ao longo do discurso, ignorando sua
própria insistência, pretendendo a consistência (BARTHES, 2002, p.53).
Enfim, associar o salário dos professores a seu desempenho em termos de
resultados de concurso sobre a proposta curricular ou segundo os resultados dos exames
dos seus alunos fornece o incentivo legal para as escolas seguirem esses referenciais.
Programas do tipo “Qualidade da Escola” e “+ Qualidade na Escola” fazem da
promoção e da gratificação um meio de implantar a orientação curricular que as
autoridades políticas desejam. Esses programas dispõem de medidas para fazer do
currículo o instrumento de uma autêntica política de pessoal. De um modo geral, as
políticas sobre a escola referentes à mudança, aos currículos e à avaliação sustentam
toda uma legislação que premia a docilidade e obediência quanto à realização da
proposta, desencorajando a inventividade e criatividade. A atual reorientação curricular
do Estado de São Paulo faz da espécie de prestação de contas que são os processos
avaliativos para promoção, gratificação e admissão uma estratégia de controle da ação
educativa e liberdade do professor.
Outro tipo de objetivo foi alcançado com a organização do Programa de Estudo
e Ensino das Ciências Sociais na Universidade. O levantamento dos manuais do
professor e análise das propostas curriculares do Estado de São Paulo e da prefeitura da
capital envolveu a constituição de um grupo de pesquisa interessado no estudo e ensino
da História, mas também da Geografia, da Filosofia e da Sociologia. De funcionamento
ainda incipiente, as atividades do PROEECS consistem em organizar um acervo de
fontes sobre o ensino de História, orientar a iniciação científica e os trabalhos de
conclusão de curso interessados no estudo da metodologia e prática do ensino das
ciências humanas e sociais aplicadas e, assim, consolidar uma linha de pesquisa sobre a
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Metodologia do Ensino de História para o curso de Pedagogia da Universidade de São
Caetano.
O PROEECS funciona em espaço próprio na Universidade e contou com
aparelhamento financiado por este projeto. Possui equipamento para digitalização e
acondicionamento das fontes utilizadas para os trabalhos que vem desenvolvendo e uma
importante bibliografia sobre a História e o seu ensino. É o espaço de reunião e sede de
um grupo de alunos que pesquisam as questões de ensino das ciências sociais nas séries
iniciais do ensino fundamental. Desde 2009 mantém parceria com a E. E. Visconde de
Taunay para recuperação e organização do seu acervo documental, desenvolvendo
também atividades com seus professores e alunos.
Quanto ao acervo de fontes do próprio PROEECS, ele está constituído por 15
das 19 coleções de livros didáticos recomendadas pelo PNLD-2008 de História e com
arquivos digitalizados das propostas de reorientação curricular do Governo do Estado e
da Prefeitura da cidade de São Paulo. Há um espaço reservado para a organização de
uma hemeroteca interessada em reunir material sobre prática de ensino, políticas
públicas de educação e gestão escolar.
Foram dois os trabalhos de iniciação científica orientados nesse Programa sobre
o ensino de História. Monique de Lima concluiu o Projeto de Pesquisa “As
Representações acerca da Docência nos Manuais do Professor das Coleções Didáticas
de História”. Vinculado a esta pesquisa, esse projeto de Iniciação Científica procedeu ao
levantamento dos manuais do professor que foi posto em circulação nas escolas
paulistas do ciclo II do ensino fundamental no PNLD de 2008 na área de História. Sua
contribuição para o desenvolvimento desta pesquisa foi o construção de um quadro
compreensivo dos discursos dirigidos aos docentes de história nas coleções de História
Temática recomendadas pelo PNLD-2008. Barbara Francischini está auxiliando nesta
compreensão ao continuar o trabalho de Monique de Lima, tendo como objeto de suas
atenções a análise dos Manuais do professor das coleções de História Intercalada
recomendadas pelo PNLD-2008.
Essas iniciativas têm feito que as preocupações a respeito do Ensino e da Teoria
do Ensino de História se consolidem como uma linha de pesquisa para os alunos
interessados no estudo da História principalmente. Em muitos sentidos, o PROEECS
está atrelado às disciplinas Fundamentos e Conteúdos do Ensino de História e
Geografia e Metodologia e Prática do Ensino de História e Geografia das quais sou
professor e, portanto, além de acolher alunos de iniciação dispostos a estudar questões
14
relativas ao ensino da História e da Geografia, prepara os monitores para essas
disciplinas.
Perspectivas do Estudo
À perspectiva de estudo que esta pesquisa pretendeu desenvolver não importou
aprofundar a discussão da série de prioridades e hipóteses que estão no centro dos
debates sobre as finalidades do ensino de História na escola atualmente. A sua principal
tarefa foi compreender os dispositivos de controle doutrinário do professor que
constituem os recentes referenciais propostos para se lecionar História. Por essa razão, o
esforço de compreensão se concentrou nas representações elaboradas sobre os métodos
de ensino de História nos manuais de uso dos livros didáticos recomendados pelo PNLD
da área e nos referenciais curriculares do Estado de São Paulo e da Prefeitura da capital.
Mais que das matrizes das práticas construtoras da docência em História a abordagem
trata das indicações metodológicas acerca do ensino nessa área, das práticas de sala de
aula recomendadas e da demanda da sociedade sobre o trabalho docente na área de
História.
Os resultados desse empreendimento estão organizados em duas partes. A
primeira, dividida em três capítulos, teve o intuito de fazer do Manual do Professor uma
pista para a investigação sobre o como se pensa a prática do ensino de história.
Fundamentalmente, enfatiza que esse tipo de texto trata das estratégias de organização e
método do ensino da matéria. Isso não significou dizer que ele efetivamente organiza e
institui uma metodologia de ensino, mas sim que é parte das condições de sua
emergência, inserção e funcionamento. Na segunda parte, separada em dois capítulos,
debrucei-me sobre os esquemas de percepção atualmente formalizados nas propostas de
reorientação curricular de São Paulo sobre o ensino de História. Com o intuito de
compreender suas práticas e objetivos, a abordagem discute os regimes de legibilidade e
intencionalidade dos enunciados organizados no interior das secretarias de educação do
governo do Estado de São Paulo e da Prefeitura da capital, os processos que os
produziram e as suas estratégias discursivas.
Conforme adverte Goodson (1995, p. 27), se os especialistas em currículo, os
historiadores e sociólogos da educação ignoram, em substância, a história e a construção
15
social do currículo, mais fáceis se tornam a mistificação e a reprodução das formas
tradicionais de currículo. Talvez nesse sentido, o foco nas representações que
especialistas e autoridades políticas fazem das práticas dos professores e dos processos
que as constituem possa contribuir com uma perspectiva de análise.
16
PARTE I
Os Manuais do Professor dos Livros Didáticos de História para as séries finais do Ensino Fundamental
17
Atualmente, os editais de seleção de obras a serem incluídas nos Guias do Plano
Nacional do Livro Didático têm considerado que o livro didático “deve contribuir para
que o professor organize sua prática, encontre sugestões de aprofundamento e
proposições metodológicas coerentes com as concepções pedagógicas que postula e
com o projeto político pedagógico desenvolvido pela escola” (BRASIL. MEC, 2005, p.
30). Nesse âmbito de preocupações, o Manual do Professor é um dos dispositivos
avaliados nos livros didáticos inscritos nos Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD) de 1999, 2002, 2005 e 2008. De acordo com o Guia de Livros Didáticos PNLD
2008, o Manual do Professor “precisa ser considerado um instrumento pedagógico
auxiliar da prática docente”. Há mesmo quem entenda que o Manual do Professor seja
um elemento da formação continuada dos professores (LUCA; BEZERRA, 2006, p. 37;
BATISTA, 2001). O próprio edital de seleção dos livros didáticos para as séries finais
do ensino fundamental do ano de 2008 assume esse propósito do Manual do Professor.
Orienta sobre a necessidade da coleção didática oferecer “discussão sobre a proposta de
avaliação da aprendizagem, leituras e informações adicionais ao livro do aluno,
bibliografia, bem como sugestões de leituras que contribuam para a formação e
atualização do professor” (BRASIL. MEC, 2005, p. 2).
Desde a última década do século passado, o Ministério da Educação (MEC), por
meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), tem se valido da
avaliação, seleção e distribuição dos livros didáticos para apurar os subsídios ao
professor. Sobre o significado e o alcance dessa política, Miranda e Luca (2004, p. 127)
consideram que o processo de aperfeiçoamento dos critérios e procedimentos de
avaliação “teve efeitos incontestáveis na forma e no conteúdo do livro didático
brasileiro”. Segundo as autoras, os indesejados efeitos financeiros trazidos pela não
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inclusão de uma obra no Guia publicado pelo MEC fez com que autores e editores
adotassem cuidados evidentes em relação aos critérios de exclusão de uma coleção
didática (cf. LUCA; MIRANDA, 2004, p. 127). Assim, a insistência de sucessivos
editais e Guias em rejeitar obras com erros de informação, conceituais ou
desatualizações graves, com preconceitos de condição econômico-social, gênero ou
etnia ou com qualquer forma de proselitismo religioso ou político parece de fato ter
qualificado a oferta de livros didáticos1. Ocorre que, nesse âmbito, a intrincada relação
entre políticas públicas, políticas privadas e avaliação não se restringe à normalização e
gerenciamento do processo de decisão sobre a definição das políticas de produção do
livro didático. A abordagem das relações entre produção e consumo de livros didáticos,
das características formais e dos conteúdos pedagógicos desses livros e suas histórias,
linguagens e matizes ideológicas, culturais e editoriais são aspectos fundamentais que
de há algum tempo os estudos sobre os usos e significados desse tipo de literatura têm
considerado2.
Embora o acumulado das análises já tenha avançado importantes questões de
pesquisa e compreendido o livro didático como um produto cultural dotado de grande
complexidade, ainda é pouco o que se tem escrito sobre os manuais do professor que lhe
acompanham. A abordagem e caracterização do chamado livro do professor, que anexo
ao livro do aluno traz o Manual do Professor, é hoje principalmente feita pelos
avaliadores do PNLD. Trata-se de um critério de julgamento e qualificação da coleção
didática. Como parte dos quesitos que o edital de seleção das obras didáticas considera
obrigatórios, a avaliação do Manual do Professor está prevista no processo de aquisição
de livros pelo PNLD desde há duas décadas. Não obstante seu caráter de resenha, os
Guias dos livros didáticos do PNLD publicados pelo FNDE constituem um primeiro
referencial de análise desse instrumento de auxílio da prática docente. Um levantamento
do que foi feito nesse campo de preocupação pouco avança além dos próprios Guias3.
1 Conforme, entre outros, Luca e Miranda (2004, p. 128) argumentam, “o fato de uma obra não estar presente no Guia publicado pelo MEC traz efeitos financeiros indesejáveis que, em alguns casos, culminam no desaparecimento de editoras e/ ou em fusões de grupos editoriais”. Nesse sentido, as autoras têm muita razão ao concluir que “a instituição de uma cultura avaliativa, num contexto político democrático, acabou por desencadear poderosos mecanismos de reajustamento e adaptação no mercado editorial”. 2 Entre os estudos internacionais sobre o livro didático destacam-se como referências de trabalho Apple (1995) Chopin (1980) e Gimeno Sacristán (s/data). Nessa área, a produção nacional é profícua de análises. Sobretudo aqui, Bittencourt (1993, 2008); Munakata (1997); Gatti Jr. (2004) e Luca (2004; 2006) serviram de fundamentação do pesquisa. 3 Há, entretanto, membros das comissões de avaliação do Programa Nacional do Livro Didático que começam a publicar suas reflexões sobre esse processo e, assim, têm subsidiado a compreensão do perfil
19
Isso mostra, no mínimo, que a compreensão do Manual do Professor como dispositivo
de auxílio da prática docente e instrumento de formação e atualização do professor não
conta com o amplo conjunto de perspectivas de análise já abertas pelos estudos sobre o
livro do aluno. Entretanto, as relações entre produção e consumo, a história, a
linguagem e as matizes e clivagens da edição, dos conteúdos e das ideologias também
são questões pertinentes à discussão da forma, do referencial teórico e do conteúdo
pedagógico do livro do professor.
Ocorre que há questões específicas de análise. O Manual do Professor traz
representações da prática de ensino. Com freqüência, os discursos que prescrevem,
criticam ou excluem, exortando a “boa” prática, tem por origem tanto uma concepção
das práticas ilegítimas quanto um referente dos bons métodos, dos bons gestos, das boas
leituras. Ele se articula com as demandas previstas nos editais do PNLD, com as
trajetórias profissionais de seus autores e com as estratégias editoriais de publicação dos
livros didáticos no país. Desse modo, os manuais do professor correspondem à
fidelidade sempre regulada das opções autorais e são comandados pelo projeto que
conduz a coleção. Nesses textos, o ensino e as demais ações docentes aparecem como
representação. As prescrições do livro do professor situam-se a meio caminho dos
modelos de ensino consagrados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais ou
propugnados pela pedagogia. Elas partilham as questões e as expectativas das
utilizações metodológicas organizando-se, portanto, a partir das representações sobre os
gestos do ensino. Da análise dessas especificidades pode-se extrair elementos que
esclareçam parte do conjunto dos discursos sobre as práticas educativas, acerca das
prioridades didáticas dos atuais métodos de ensino e a respeito do próprio magistério.
Esta atenção às propriedades do Manual do Professor publicado junto ao
exemplar do professor dos livros didáticos parece-me, sobretudo, útil para o
entendimento das representações que se faz do (bom) método educativo. É essa a razão
desta primeira parte da pesquisa investigar as práticas de ensino prescritas pelos
manuais do professor dos livros didáticos de história indicados pelo PNLD 2008. A
preocupação com a forma como os atuais livros do professor propõem a realização do
ensino de história adverte sobre os artifícios mediadores e promotores de conhecimento
que constrangem a prática da docência à linguagem de um especialista. A variedade dos
estudos dos meios utilizados para a difusão das idéias já mostrou que a compreensão
das coleções didáticas recomendadas. Esse é o caso dos estudos de Luca (2004; 2006) e de Oliveira (2009).
20
das instituições e formas pelas quais as idéias, as informações e as atitudes são
transmitidas e recebidas é condição para interrogar os modos de reconhecimento e
veracidade de qualquer série discursiva4. Conforme Roger Chartier (1991, p. 187) vem
propondo em sucessivos estudos nessa área, uma análise desse tipo deve considerar “os
discursos em seus próprios dispositivos, suas articulações retóricas ou narrativas, suas
estratégias de persuasão ou de demonstração”. Ainda nos termos da proposta de
Chartier (1991, p. 187), “os agenciamentos discursivos e as categorias que os fundam
não se reduzem absolutamente às idéias que enunciam ou aos temas que contenham”.
A lógica própria aos agenciamentos discursivos que os manuais do professor
operam não só me pareceu suscetível de análise, foi um meio de pensar algo dos
esquemas de percepção sobre o ensino de história formalizados pelos livros didáticos.
Assim, pretendi aqui abordar os enunciados que esses textos dirigem ao professor. O
objetivo inicial desta pesquisa é discutir os regimes de legibilidade e intencionalidade
destes enunciados, os processos que os produziram e as suas estratégias discursivas. A
idéia de compreender os manuais do professor por eles mesmos, neles mesmos, e não
pelo que eles querem dizer retoma a proposta de análise dos impressos de Chartier
naquilo que ela mais se aproxima das considerações de Foucault. Vistos por ambos os
autores como atos, uma prática particular, os discursos não se definem como um
instrumento transparente para se atingir a consciência do sujeito. Ao contrário, Foucault
e Chartier (2002, p.119-120) insistiram que “os recursos que os discursos podem pôr em
ação, os lugares de seu exercício, as regras que os limitam são histórica e socialmente
diferenciados”. Advertido disso, resolvi levantar esses problemas de interpretação na
análise dos manuais do professor recomendados pelo PNLD 2008. O intuito de fazer
desse tipo de texto uma pista para a investigação sobre o como se pensa a prática do
ensino de história fundamentalmente resultou da constatação de que as operações de
sentido sobre o mundo social não podem ser dissociadas das condições e dos meios
materiais que lhes fazem circular.
Desse modo, primeiro procurei tipificar o Manual do Professor como objeto de
pesquisa. As preocupações iniciais da abordagem têm a ver com a descrição desse tipo
de impresso e a compreensão das relações que estabelece com os leitores. Trata-se de
4 Fundamentalmente, as referências utilizadas aqui para interrogar as séries discursivas organizadas nos manuais do professor que acompanham os livros didáticos recomendados pelo PNLD-História de 2008 seguem, de um lado, as perspectivas abertas pelos estudos históricos de Roger Chartier (1990; 1991; 2002), Michel Foucault (2008) e Michel de Certeau (1994) e, por outro, as ideias de Mikhail Bakhtin (1992; 2006), John Searle (1981; 1995) e José Fiorin (2008a; 2008b) sobre a análise da linguagem.
21
discernir, na materialidade dos manuais do professor que acompanham as coleções
didáticas recomendadas pelo PNLD-2008, as marcas de sua produção, circulação e uso.
Por um lado, o foco na relação entre as concepções pedagógicas e estratégias editoriais
e o discurso normativo permitiu refletir sobre algumas das regras que regem o uso que o
Programa Nacional do Livro Didático faz do Manual do Professor. Por outro, o estudo
dos esquemas de percepção e de apreciação do magistério nesse material pretende
identificar algo das maneiras pelas quais as obras didáticas articulam competências,
normas, usos e performances num discurso para professores.
Segue-se a isso um esforço de compreensão dos dispositivos por meio dos quais
o livro do professor consolida uma dada representação (CHARTIER, 1991, p. 184) do
ensino e do professor de História que tem início com o estudo da História na reflexão
didática consumada na série de manuais analisados e se conclui numa abordagem dos
enunciados então produzidos para orientar a prática docente. O segundo capítulo se
propõe a realizar o inventário do instrumental metódico e teórico do ensino de história e
das rotinas de trabalho prescritas nos manuais do professor. Com o levantamento dos
principais tipos de referências metodológicas e de atividades e das técnicas para
condução da aprendizagem que então foi realizado, a análise focou o conjunto de
práticas que se define através dos modos de percepção e de apreciação constitutivos do
que se entende ser o trabalho do professor de história. No terceiro capítulo, os manuais
do professor são examinados no plano discursivo. O estudo do gênero desses textos e
dos seus procedimentos composicionais, dos rastros do processo que os produziu e dos
expedientes que visam fazer reconhecer uma maneira própria de lecionar adverte sobre
as intrincadas operações de recorte e de classificação graças às quais uma realidade é
percebida, construída, representada (cf. CHARTIER, 2002, p. 169). Sobretudo, as
formas de que se valem os manuais do professor para expressar obrigações, finalidades
e uma certa qualificação de alunos e professores constituem mecanismos de produção
de sentido que então procurei demonstrar.
O motivo de se realizar essa investigação é enfatizar que o Manual do Professor
trata das estratégias de organização e método do ensino da matéria. Isso não significa
dizer que ele efetivamente organiza e institui uma metodologia de ensino, mas que é
parte das condições de sua emergência, inserção e funcionamento. O estudo dos
manuais do professor que acompanham os livros didáticos de História pode apenas
compreender uma modalidade das afirmações acerca do ensino dessa disciplina e não
todo o seu conteúdo. No entanto, tem-se a matéria de apropriação nos fazeres cotidianos
22
da escola como objetos da pesquisa. E, assim, como bem notou Dominique Borne
(1998, p. 136), um referente de uma prática que é indispensável para o exercício da
docência e que ocupa uma parte importante do tempo escolar.
23
CAPÍTULO 01
Os Manuais do Professor como fonte de
pesquisa
Parte suplementar que acompanha o exemplar do professor do livro didático, o
Manual do Professor oferece orientação teórico-metodológica específica ao docente
para a utilização da obra na sala de aula. Trata-se de uma exigência do edital de
inscrição no processo de avaliação para o PNLD, que reconhece nesse tipo de texto um
recurso para o esclarecimento das propostas do livro didático. Nesse sentido, o Manual
do Professor não é somente um aspecto da edição. Sobretudo, atende as prescrições do
poder público quanto à acepção e organização dos dispositivos dos textos que lhe
devem caracterizar. Indissociáveis uma da outra, as dimensões editorial e política desses
manuais suscitam questões que, já bastante exploradas por estudos sobre os livros do
aluno, enredam o texto, o livro e as suas estratégias simbólicas.
As análises de Alain Choppin (2000) sobre os aspectos formais dos manuais
didáticos, de Anne-Marie Chartier (2007) a respeito dos papéis prescritivos que os
textos oficiais e o cotidiano da profissão docente exercem nesse âmbito e de Michael
Apple (1995) acerca dos efeitos do atual estágio do consumo de material didático pelas
escolas têm indicado caminhos fecundos de pesquisa. No que se refere aos livros
didáticos de história do aluno, Bittencourt (1993), Munakata (1997) e Gatti Jr. (1998) já
publicaram estudos bem sucedidos nesses âmbitos de análise. As perspectivas então
abertas à abordagem dos aspectos formais, dos conteúdos e pedagogias e das políticas
de aquisição, edição e distribuição desse tipo de obra mostram que há dispositivos
textuais de produção e apresentação do conhecimento indissociáveis da forma como o
livro circula e das práticas que ele enseja.
24
Algumas novas pesquisas têm reivindicado outras possibilidades de
investigação. A recepção e o uso dos livros didáticos em sala de aula é atualmente
bastante explorada. Matela (1994), Costa (1997), Araújo (2001), Cassiano (2003) e
Bittencourt (2004) avaliam que as interferências de professores e alunos fazem parte da
compreensão do livro didático. Principalmente, nessas pesquisas pergunta-se sobre
como seu público-alvo utiliza os conteúdos, os instrumentos de aprendizagem, a
ideologia e os valores neles contidos (cf. BITTENCOURT, 2004, p. 302).
Os resultados acumulados por esses estudos permitem ter uma compreensão já
bastante assentada a respeito dos processos de produção do livro didático de história e
dos conhecimentos que ele veicula. Conforme o levantamento de Kênia Hilda Moreira
(2006), existem análises sobre o discurso veiculado pelo livro didático, seus conteúdos
expressos e os meios de sua edição, cujas principais conclusões testemunham a profusão
de usos e problemáticas suscitados desse recurso de ensino. Principalmente as
investigações acerca das práticas e dos significados que se operam a partir do uso do
livro didático de história permitem interrogar a substância e o conteúdo da história
ensinada. Seus resultados de pesquisa mostram-se úteis ao chamar a atenção para o fato
da história local, do cotidiano e de outras populações que não as européias ganharem
importância na crítica de uma disciplina escolar ainda em grande parte dominada pelo
modelo histórico eurocêntrico, economicista e voltado para a formação do Estado-
nação.
Embora todas essas prevenções também sejam pertinentes para uma abordagem
dos métodos de aprendizagem da disciplina que os livros didáticos incluem, as questões
que os manuais do professor melhor possibilitam propor são outras. Dirigido ao
docente, esse tipo de texto têm a finalidade de expor a concepção de aprendizagem que
o livro do aluno contém. De onde, a ênfase dada às abordagens metodológicas, às
instruções operacionais, aos meios e materiais do ensino de história que organizam
representações, categorias intelectuais e formas retóricas em orientações de trabalho. Os
manuais do professor não são apenas marcados por um protocolo de leitura, eles
testemunham também a presença de uma importante discussão didática sobre o ensino
de história, que visa teorizar as modalidades de aprendizagem, preconiza o trabalho com
fontes e propõe uma nova cultura da participação.
Assim, o Manual do Professor atualmente não é apenas uma referência
pedagógica para o ensino, principalmente designa o lugar de um discurso sobre a prática
do ensino. Nesse âmbito, parece razoável interrogar sua força ilocutória, as estratégias
25
que propõe e a ordem de representações que instaura, seja para discutir as escolhas de
seus autores ou para inventariar as demandas dirigidas ao professor de história
ultimamente. Mais que as opções didáticas e metodológicas expressas no Manual do
Professor dos livros didáticos de história, as justificativas das quais se vale indicam as
modalidades de aprendizagem, os recursos e a maneira de ensinar a matéria já
socialmente compartilhada, considerada legítima. Trata-se de pistas para se
compreender algo das relações que o Manual do Professor mantém com as práticas de
aula.
De circulação pouco vista fora dos percursos da sua distribuição nas escolas, os
manuais respondem à idéia de que é necessário por em ação instrumentos que possam
contribuir para a contínua atualização do professor. Nesses termos, atentar para os
discursos que o Manual do Professor veicula me pareceu ser um recurso para pensar os
atuais processos de construção da didática da história. No que se segue, a preocupação
com as representações que esse tipo de publicação faz do ensino de história e da prática
docente resultou num estudo dos dispositivos do seu agenciamento discursivo e de
algumas das categorias que os fundam. Sobretudo porque os manuais do professor
fornecem indícios sobre as práticas educativas que eles próprios prescrevem, achei que
seria uma boa idéia abordar os modelos de ensino e aprendizagem da história a partir
dos procedimentos recomendados nesse tipo de publicação. Por essa razão, em vez de
interrogar os docentes sobre as suas práticas e as pressões a que são submetidos em sua
vida profissional, importou-me analisar as estratégias de que esses manuais são o
produto. Contra as formulações abruptas provenientes dos levantamentos estatísticos ou
do inventário das aparelhagens mentais, o esforço de pesquisa seguiu outro caminho.
Parti da análise do Manual do Professor dos livros didáticos de História
recomendados no Guia do PNLD-2008 para identificar “com o quê” e “como” ele
pretende instrumentalizar o professor para ensinar a matéria. Trata-se de dimensionar os
discursos que põem em ação e as regras que limitam a sua produção. Assim, debrucei-
me sobre as marcas dos usos prescritos e dos destinatários visados nesse tipo de
impresso com vistas a apurar que práticas fomentam, quais denunciam e como
interpelam o docente de história. Essa abordagem favorece a obtenção de indícios sobre
os métodos pedagógicos usuais, sobre critérios de seleção de conteúdos, sobre os
pressupostos teóricos que orientam as iniciativas de ensino e sobre as políticas de
formação continuada de professores. No entanto, os resultados desse procedimento não
deixam de ter limites e restrições. Por meio da atenção ao instituído pela escrita
26
consegue-se muito pouco sobre os usos que são feitos do Manual do Professor. Vem de
Certeau (1994, p. 94) a advertência de que “diante de uma produção racionalizada,
expansionista, centralizada, espetacular e barulhenta se posta uma produção de tipo
totalmente diverso, qualificada como ‘consumo’, que tem como característica suas
astúcias, seu esfarelamento em conformidade com as ocasiões, suas piratarias, sua
clandestinidade, seu murmúrio incansável, em suma, uma quase-invisibilidade, pois ela
quase não se faz notar por produtos próprios mas por uma arte de utilizar aqueles que
lhe são impostos". Portanto, não convém perder de vista que as pessoas adaptam o
sistema de objetos e de significados às próprias necessidades. Por outro lado, antes de
investigar os usos feitos pelo magistério do Manual do Professor penso que cumpre
entender melhor esse tipo de material que lhe chega às mãos.
Uma tipificação
Quando em 1996 determinou-se que a aquisição de obras didáticas com verbas
públicas para distribuição em território nacional estaria sujeita à inscrição e avaliação
prévias, segundo regras estipuladas em edital próprio (MIRANDA; LUCA, 2004, p.
127), o setor editorial brasileiro estabeleceu fortes dependências em relação aos critérios
de avaliação estipulados por meio do PNLD. Conforme os mecanismos que Miranda e
Luca (2004) explicitam ao analisar os processos de avaliação dos livros de história
destinados ao segmento de 5ª a 8ª série de 1999, 2002 e 2005, “o fato de uma obra não
estar presente no Guia publicado pelo MEC traz efeitos financeiros indesejáveis que, em
alguns casos, culminaram no desaparecimento de editoras e/ou em fusões de grupos
editoriais”. Assim, não só os princípios gerais da área e os critérios eliminatórios
publicados pelo Edital ditam as condições e as especificações para inscrição no processo
de avaliação e seleção das coleções didáticas, como também indicam os critérios de
qualificação da coleção e os objetivos da área no ensino fundamental. Entre todos esses
ditames, há indicações específicas para a produção dos manuais do professor que, desse
modo, importam destacar.
Desde a implantação do atual sistema de avaliação das coleções didáticas pelo
MEC/FNDE em 1999 é vedado que o exemplar do professor seja uma cópia do livro do
aluno com exercícios resolvidos. No Edital do PNLD 2008 a exigência é que ele
27
“ofereça orientação teórico-metodológica e de articulação dos conteúdos do livro entre
si e com outras áreas do conhecimento; ofereça, também, discussão sobre a proposta de
avaliação da aprendizagem, leituras e informações adicionais ao livro do aluno,
bibliografia, bem como sugestões de leitura que contribua para a formação e atualização
do professor”. Insiste-se ainda que as orientações ao professor tenham coerência com a
apresentação dos conteúdos e com as atividades propostas no livro do aluno. A
concepção de meio de atualização e de auxiliar do uso do livro didático na sala de aula
que aparece no edital tipifica o Manual do Professor como instrumento complementar
do trabalho docente.
Igualmente, o Guia de Livros Didáticos PNLD 2008: História concebe e avalia o
Manual do Professor como um impresso de orientação e apoio ao magistério. A
avaliação que traz publicada sob a forma de resenha dos livros então recomendados
inclui comentários circunstanciados sobre o Manual do Professor de cada coleção. Em
seu conjunto, mais que instituir os fundamentos e os objetivos desse impresso, o Guia
qualifica os tipos de manuais e as discussões que sustentam. Trata-se da análise das 19
coleções recomendadas, agrupadas em quatro blocos, segundo a organização dos
conteúdos:
organização temática (a proposta da coleção é organizada por temas)
Código Série Editora Autores Ano páginas Unidades 012 Série Link do tempo: história Escala
Educacional Denise Mattos Marino Léo Stampacchio
154 4 módulos
061 História por eixos temáticos Editora FTD Antônio Pedro Lizânias de Souza Lima
2006 270 8 eixos
104 História temática Scipione Andréa R. Dias Montellato Conceição Aparecida Cabrini Roberto Catelli Jr.
238 4 eixos
105 Historiar – fazendo, contando e narrando a história
Scipione Dora Schmidt
222 2 a 4 cap.
organização integrada (História do Brasil, da América e Geral, seguindo ou não a ordem do estabelecimento das sociedades.
Para a integração destas histórias, é imprescindível que se estabeleçam relações contextualizadas entre os conteúdos tratados, considerando a simultaneidade dos acontecimentos no tempo e no espaço)
Código Série Editora Autores Ano páginas Unidades 013 Por dentro da História Escala Educacional Célia Regina Cerqueira Vicentino
Maria Aparecida Cosomano Pedro Santiago
280 3 a 4 unid.
033 História em projetos Ática Andréa Paula Carla Miucci Ferraresi Conceição de Oliveira
2006 272 3 a 5 unid.
075 Projeto Araribá – História Moderna Editora Moderna 238 8 unidades076 História: das cavernas ao
terceiro milênio Moderna Myrian Becho Mota
Patrícia Ramos Braick 298 4 unidades
088 Diálogos com a história Positivo Kátia Corrêia Peixoto Alves Regina Gomido Belisário
2006 220 4 unidades
140 Navegando pela história Quinteto Editorial Maria Luiza Vaz Silvia Panazzo
186 4 a 5 unid.
151 História: conceitos e procedimentos
Saraiva Eliete Toledo Ricardo Dreguer
172 4 unidades
28
organização intercalada (ordena a história do brasil e da América junto com a Geral, normalmente em ordem cronológica
crescente, mas os conteúdos não são relacionados entre estas histórias, apenas os assuntos são alternados nos espaços em que ocorreram, conforme a seqüência temporal)
Código Série Editora Autores Ano Pág. Unidades 029 História e vida integrada Ática Claudino Piletti
Nelson Piletti 242 21 a 24 cap.
032 História Hoje Ática Oldimar Pontes Cardoso 290 23 a 24 cap. 060 História em documento: imagem e texto FTD Joelza Ester Rodrigue 300 4 a 5 unid. 062 História, sociedade e cidadania FTD Alfredo Boulos Júnior 258 17 a 21 cap. 089 Encontros com a história Positivo Carla Maria Junho Anastasia
Vanise Maria Ribeiro 260 3 a 4 unid.
103 Construindo consciências – história Scipione Leonel Itaussu de Almeida Mello 250 18 a 19 cap. 152 Saber e fazer história Saraiva Gilberto Cotrim 200 12 a 17 cap.
organização convencional (A organização dos conteúdos é feita a partir da 5ª série em história do Brasil, Colônia e Império, e na 6ª
série com a Primeira República até a redemocratização; na 7ª série, começa com História Geral, incluindo Pré História, Antigüidade e medieval, e, na 8ª série, estuda-se Moderna e Contemporânea)
Código Série Editora Autores Ano Pág. Unidades 030 Descobrindo a história Ática Sônia Maria Mozer
Vera Lúcia Pereira Telles Nunes 2006 288 21 a 32 cap.
Como no Edital, no Guia de Livros Didáticos PNLD 2008: História insiste-se
que o Manual do Professor precisa ser considerado um instrumento pedagógico auxiliar
da prática docente, sugerir leituras e outros recursos para a atualização do professor. No
entanto, é mais específico na maneira de fazê-lo indicando que avaliou as informações
adicionais ao Livro do Aluno, a forma de orientar a execução das atividades e objetivos
propostos e buscou identificar as propostas e discussões sobre avaliação da
aprendizagem e sugestões de atividades e de leitura para os alunos.
Uma conclusão geral expressada no Guia diz respeito à heterogeneidade dos
elementos contemplados pelos manuais do professor das coleções então recomendadas.
Bastante diversos entre si, nem sempre os manuais tratam todos os quesitos que a
Comissão de Avaliação considerou necessários. Um simples levantamento panorâmico
dos aspectos destacados nas considerações publicadas no Guia de Livros Didáticos
PNLD 2008: História já mostra o que melhor qualifica o Manual do Professor.
Invariavelmente, sugestões de procedimentos, propostas metodológicas, bibliografia
atualizada, comentários adicionais de conteúdo e atividade, listas de livros e textos de
apoio, orientações no uso de recursos didáticos e considerações sobre a metodologia de
ensino quando aparecem são registrados e abordados. Na prática, o Guia constitui o
Manual do Professor como o lugar da discussão em torno dos pressupostos históricos
da coleção, da organização didática da aula que se propõe, das fontes, escritas,
iconográficas ou orais, e da avaliação do processo de ensino e aprendizagem.
29
É possível constatar a irregularidade indicada pelo Guia de Livros Didáticos
PNLD 2008: História quanto aos quesitos tratados nos manuais do professor das
coleções didáticas na própria definição que os livros didáticos têm desse suplemento.
Das 19 séries recomendadas pelo PNLD 2008, nove apresentam uma designação
alternativa a de Manual do Professor. Nas coleções que evitam utilizar a expressão
“manual”, os títulos dessa parte do exemplar do professor variam sob as fórmulas de
Caderno de Orientações Pedagógicas, de Manual Pedagógico, de Livro do Professor, de
Orientações ao Professor, de Assessoria Pedagógica, de Guia e Recursos Didáticos,
Suplemento do Professor ou de Apoio Didático. Nesses casos, o domínio das ideias de
orientação, assessoria, apoio didático e guia demonstra algo das pretensões didáticas da
coleção. Em parte, tais ideias observam o propósito de fazer do Manual do Professor
mais do que uma formalidade editorial. Por outro lado, afirma-se o valor de meio de
atualização e de auxiliar do uso do livro didático na sala de aula que o Edital e o Guia
do PNLD-2008 conferem a esse recurso.
Também variam de uma coleção para outra os agenciamentos do texto, as suas
formas tipográficas e diagramação. Com uma editoração invariavelmente feita em duas
cores, as seções que organizam os textos dos manuais do professor das diversas
coleções não são sempre as mesmas. A ênfase nos procedimentos didáticos em algumas
das coleções, o foco na fundamentação histórica em outras e a insistência com que outra
parte dos Manuais sublinha o perfil psicológico da faixa etária e da metodologia a ser
desenvolvida para o desenvolvimento do conteúdo de história, confirmam a
heterogeneidade das abordagens e dos dispositivos que propõem a leitura das
instruções. As orientações para a resolução dos exercícios ou atividades propostas no
livro do aluno estão em todas as séries.
A despeito das diferenças de acento e enfoque, há outros protocolos de leitura
que são observados por todas as coleções recomendadas pelo PNLD-2008. De partida
são discutidos os pressupostos teóricos da coleção, sua fundamentação metodológica e
linha historiográfica. Após, as orientações dos autores tratam dos procedimentos de
trabalho propostos na coleção e da organização didática dos conteúdos, dos temas ou da
ordem dos capítulos. Por um lado, expõe-se a metodologia de ensino desenvolvida pela
coleção, os seus princípios pedagógicos, seu modo de trabalhar e de fazer trabalhar com
as fontes e as estratégias explicativa e de investigação adotadas. De outro, ficam
explícitas, por meio de considerações gerais sobre os propósitos da edição do livro
didático, as questões de estruturação da coleção como objetivos, seqüência e
30
encadeamento das unidades e iconografia. Depois disso, uma proposta de avaliação é
apresentada e justificada. Seguem-se seções com sugestões de material didático
suplementar, geralmente filmes, músicas e sítios da internet, e de bibliografia
complementar de ensino para o professor.
Conforme solicitado em Edital, avaliado pelo Guia de Livros Didáticos PNLD
2008: História e assumido por seus autores, o Manual do Professor deve incentivar a
autonomia do docente na prática educativa. É visto como um recurso tanto para
explicitar a proposta pedagógica e a concepção de história que a coleção comporta
quanto para sugerir atividades e procedimentos de avaliação. Tido como instrumento de
apoio relevante no exercício do magistério porque coloca em cena a proposta de um
trabalho educativo cotidiano, o Manual do Professor, sobretudo, é parte da oferta
pedagógica de um autor e da oferta comercial de um editor de livros didáticos (cf.
CHARTIER, 2007, p. 70). No entanto, para interrogar o valor de uso desse tipo de
impresso talvez seja mais útil ter em conta a forma da escolha e a maneira como se faz a
sua distribuição. A regulamentação estabelecida pelo edital e o processo de escolha do
professor principalmente suscitam questões acerca das relações que docentes e governo
mantêm com as prioridades didáticas dos atuais métodos do ensino de história. Em
muitos sentidos, os vínculos entre o poder público e o mercado da edição escolar fazem
pensar a conjuntura que age sobre os guias de trabalho dos livros didáticos quando se
trata do valor de uso do Manual do Professor, das orientações dos seus autores ou
mesmo da divulgação das editoras.
Editoras, governo e professores
Segundo o entendimento que Anne-Marie Chartier (2007, p. 148-149) tem dos
livros didáticos, a sua elaboração é guiada pela combinação de pressões conjunturais e
das orientações dos autores. Trata-se da edição de um material escolar que tanto
apresenta um conjunto de saberes quanto ordena um repertório de exercícios de acordo
com o público visado e as prescrições vigentes para o ensino. Assim, conforme
argumenta Chartier (2007, p. 148-149), os autores de manuais não só devem levar em
consideração os programas e textos oficiais como também o cotidiano da profissão
docente. Essa argumentação acompanha as seguintes linhas. Os manuais didáticos
31
evoluem em função dos programas, mas não somente em decorrência desse fator. “A
edição escolar forjou hábitos de trabalho, dispositivos didáticos, expectativas e
exigências que os professores colocam em prática”. A conjuntura age tanto em favor das
rupturas, como em favor das continuidades. Tanto a chegada de pesquisadores
especialistas ao campo da edição escolar e a mudança dos objetivos do ensino
fundamental “estão modificando o processo de criação dos livros didáticos” quanto as
inquietações com uma eficácia imediata dos métodos de ensino fazem “os editores
repetirem as fórmulas já experimentadas, que sabem que funcionam e nas quais os
professores confiam”. As orientações dos autores participam do espaço da invenção ou
da perpetuação das tradições. “Na criação de um livro didático, estão envolvidos a
cultura da pesquisa científica do autor, seus valores pedagógicos e políticos, suas
preferências culturais e estéticas, sua experiência com crianças e com a aprendizagem
escolar, sua hierarquia das prioridades e urgências, quando se trata de textos para ler ou
das escolhas de exercício”.
No caso do Manual do Professor, esses aspectos estão ainda mais evidentes pois
o autor, em alguma medida, escreve sobre eles. A referência aos PCNs e a historiografia
citada nas coleções, as propostas de planejamento do curso, as indicações sobre material
didático complementar e o discurso que o autor produz sobre o método empregado
permitem abordar as respostas que se costumam dar às prescrições do programa e às
pressões da realidade profissional da docência. Ao proporem estratégias de aula,
princípios de legitimação dos objetos de estudo, normas de cientificidade e modos de
avaliação, os autores dos manuais para professor decodificam os procedimentos
metodológicos do ensino. Daí a pertinência de se perguntar como o fazem. Desde o tipo
de organização e encaminhamento pedagógico que propõem para o ensino de História
até o inventário de meios e recursos do trabalho em sala, o Manual do Professor opera
escolhas, guia conteúdos, uma progressão, exercícios e modalidades de avaliação. Por
essa razão, pensar os modos de articulação que esse tipo de texto mantém com as
práticas sobre as quais orienta não só é uma maneira de considerar o sentido que
produzem como também de compreender o “horizonte de expectativa” do público a que
se dirige (cf. JAUSS, 1978, p. 21).
A combinação de fatores da qual trata Chartier (2007, p. 149) adverte que os
modelos de ensino se inscrevem nas formas institucionais da escola e do mercado
quando pensados em função dos seus suportes materiais. O recurso às fórmulas já
experimentadas, conferindo-se prioridade aquilo que já é clássico em um livro didático,
32
contribui não só para dar feição às antecipações do leitor em relação ao texto, mas para
angariar novos públicos ou usos inéditos. Em tese, o docente dispõe do Manual do
Professor como um suplemento em formato 205 mm x 275 mm editado em duas cores e
cujo argumento invariavelmente compreende os pressupostos teóricos da coleção, a
metodologia de ensino então desenvolvida, os objetivos, a seqüência e encadeamento
das unidades, uma proposta de avaliação, sugestões de material didático complementar
e orientações para a resolução dos exercícios ou atividades propostas no livro do aluno.
Na prática, porém, sem se saber o perfil dos professores que utilizam o Manual, ou
mesmo se de fato o lêem e usam no preparo das suas aulas, a análise do efeito produzido
no ensino da matéria fica restrita a um inventário de possibilidades. Mais uma vez aqui,
o acúmulo de pesquisa sobre o livro do aluno deve sinalizar as principais vias de
abordagem.
Neste terreno de trabalho em que se enredam texto e leitor, várias proposições já
foram articuladas de maneira a mostrar os usos que os professores fazem do livro
didático. Em comum, há o reconhecimento de que o conhecimento contido nos livros
depende da forma pela qual o professor o faz chegar aos alunos. Nas atuais pesquisas
sobre livro didático está assentado que ele pressupõe uma leitura que necessita da
intermediação do professor. Ao tratar dessa questão, Circe Bittencourt (2004, 316-319)
conclui que a utilização do livro didático pelos professores é muito diversa. Não
obstante muitas das pesquisas ainda insistirem que toda a ideologia desse tipo de
material é incorporada por alunos e professores sem mediação alguma, a autora adverte
que a recepção feita pelos usuários é variada, “até porque o público escolar não é
constituído por um grupo social homogêneo” (BITTENCOURT, 2004, p. 317). Nesse
mesmo âmbito, Luciana Telles de Araújo (2001) mostrou que geralmente as obras
didáticas para complementar as explicações dos professores e que um número
considerável de professores apenas faz uso dos exercícios e atividades propostas pelo
livro do aluno. Outro recurso amplamente utilizado, segundo Araújo (2001, p. 73), nas
obras didáticas pelos professores são as imagens cuja compilação feita nos livros
permite os alunos refletirem sobre as representações que lhes são “postas diante dos
olhos”. Noutra perspectiva, Célia Cristina Cassiano (2004) apresenta dados de pesquisa
que lhe permitiram entender como aspectos da materialidade dos livros didáticos
interferem na prática pedagógica do professor. Sobretudo, ela mostra que muitas vezes
esses livros atuam como “um constrangimento que obriga o professor a reelaborar o
desenvolvimento de sua prática”, muito em função do material distribuído pelo PNLD,
33
e mesmo que chegam a alterar os saberes pedagógicos que circulam na sala de aula
(CASSIANO, 2004, p. 47).
O emprego de entrevistas e questionários nessas pesquisas tem permitido
entender como se dão a escolha e o uso do livro didático entre os professores. Algumas
das conclusões dos estudos de Araújo (2001) e Cassiano (2004) autorizam
aproximações com os manuais do professor. Por um lado, a constatação de que é
bastante comum o uso do livro didático na preparação das aulas e no planejamento
escolar sugere que a leitura do Manual do Professor talvez seja também uma prática
auxiliar efetiva. Em todo caso, parece-me útil ter em conta as ponderações de Araújo
(2001) sobre a variabilidade do grau de dependência dos professores em relação ao
material didático. De acordo com as suas conclusões, essa é uma questão associada à
formação e às condições de trabalho do professor, sobretudo à quantidade de escolas e
horas de aula semanais. Por outro lado, a distância que o professor mantém do uso
prescrito pelos formuladores do material didático têm sido melhor qualificada. Cassiano
(2003) mostrou que os professores da sua amostra ignoraram o Guia de Livros
Didáticos porque preferem fazer suas escolhas com o livro na mão. Araújo (2001) trás o
exemplo de um professor que dizia adotar o livro didático apenas para utilizar as
ilustrações. Em muitas das entrevistas compiladas por Araújo e Cassiano o livro
didático aparece como um ponto de apoio para a organização das aulas, servindo como
matriz e como “meio de recordar” temas pouco vistos na licenciatura. Para Gimeno
Sacristán (s/data, p. 110), a apropriação efetiva do livro pelos professores é tão criativa
quanto capaz de acomodar o uso dos materiais didáticos a “um uso correto a partir de
pressupostos da democracia cultural, atualização científica e pedagógica”.
Nesse âmbito de considerações, a pertinência do Manual do Professor por vezes
é discutida noutros termos. Nas recomendações que Antônio Augusto Gomes Batista
(2001) fez ao MEC em estudo encomendado pela Secretaria de Educação Fundamental
do Ministério, além de contribuir para a atualização do magistério, o Manual do
Professor deveria ter a função de orientar uma utilização correta do livro didático. Em
sentido absolutamente contrário às conclusões dos estudos sobre o uso que os docentes
fazem dos livros didáticos, ver no Manual do Professor apenas um meio de referir o uso
mais apropriado desse tipo de material escolar reduz as possibilidades de compreensão
das estratégias de ordenamento das questões pedagógicas nas coleções didáticas.
Superar essa perspectiva de análise implica considerar os esquemas geradores de
classificação e de percepção articulados pelo suplemento de orientação didática. Roger
34
Chartier (2002, p. 119) postula pensar as relações que mantêm as produções discursivas
e as práticas sociais para se inscrever “a compreensão dos diversos enunciados que
modelam as realidades no seio das restrições objetivas que limitam e tornam possível,
ao mesmo tempo, sua enunciação”. Sobretudo, trata-se de levar em conta não só as
estratégias através das quais autores e editores tentam impor uma ortodoxia do texto,
uma leitura forçosa, mas igualmente, a liberdade dos leitores.
Sob a perspectiva das possibilidades de leitura, Kazumi Munakata (2007, p. 141-
143) mostrou haver no livro didático toda uma maquinaria singular que postula a
desnecessidade do professor. A Munakata (2007, p. 143) parece que as reiteradas
solicitações dirigidas ao leitor-aluno para formar grupos de discussão, procurar
professores de outras disciplinas, realizar entrevistas com pessoas de um determinado
período resultam de um modelo de ensino que pretende reduzir a possibilidade do
professor escapar das orientações então propostas no livro didático. Segundo conclui o
autor, quanto mais protocolos de leitura um livro contiver, mais desnecessária é a
autonomia do professor. O Manual do Professor, no entanto, pressupõe o docente, mas,
igualmente, apresenta dispositivos de condicionamento do uso do livro didático. Alguns
deles, explícitos, recorrem ao discurso na forma de nota, carta ou apresentação. Outros
dispositivos estão implícitos nos comentários sobre o trabalho desenvolvido em cada
unidade do livro, nas indicações complementares de material e num conjunto de
estratégias editoriais para impor uma justa compreensão do material como no caso dos
títulos, das caixas de texto e dos ícones. Cotejar assim o Manual do Professor com o
livro do aluno não só dá ensejo para uma verificação da coerência entre a proposta
aplicada no texto didático e enunciada no suplemento docente, entre o conhecimento
escolar posto à disposição para os alunos e as possibilidades pedagógicas sugeridas ao
professor. Com essa aproximação abre-se uma via de análise que principalmente
permite considerar as coleções didáticas como uma forma institucionalizada e
objetivada em virtude da qual certos agentes dotam de eficácia uma disciplina, uma
ordem ou representação do ensino.
A questão posta pelo desencontro entre a estratégia dos autores, das editoras e do
governo e a apropriação efetiva do livro pelos professores é a das posições e
propriedades sociais objetivas, exteriores ao discurso, que caracterizam os diferentes
grupos, comunidades ou classes que constituem o mundo social. Na dinâmica de análise
elaborada por Roger Chartier (1991; 1993) para articular a construção discursiva do
mundo social à construção social dos discursos, há uma importante contribuição para a
35
abordagem desse traço das atuais condutas e ações de ensino. Fundamentalmente,
Chartier (2007, p. 65) tem mostrado que as apropriações concretas e as inventivas dos
leitores dependem, em seu conjunto, dos efeitos de sentido das obras, dos usos e dos
significados impostos pelas formas de sua publicação e circulação, e das competências e
expectativas que regem a relação que cada grupo mantém com a cultura escrita. Nesses
termos, os recursos materiais, a cultura científica, a experiência pedagógica de que
dispõe os docentes e os autores de material escolar são tão constitutivos do social
quanto os princípios que organizam os seus discursos. A ligação estabelecida por
Chartier (1990; 1991; 1993) entre as construções discursivas e as propriedades sociais
objetivas designa com alguma precisão a possibilidade de um trabalho sobre práticas
que visam fazer reconhecer uma maneira específica de proceder.
O discurso competente sobre o ensino de história
Para a compreensão dos dispositivos do objeto tipográfico que propõe um texto
à leitura, Chartier (1991, p. 181) confere uma importância central ao “processo pelo
qual um texto, uma fórmula, uma norma fazem sentido para os que deles se apoderam
ou os recebem”. Contra uma definição puramente semântica do texto, enfatiza a
materialidade do objeto impresso. Essa perspectiva recusa ver, à maneira das formas
mais radicais da linguistic turn, as práticas constitutivas do social reduzidas aos
princípios que organizam os discursos. Conforme explica Chartier (2002, p. 132), “a
prática discursiva é uma prática específica que não reduz todos os outros regimes de
prática a suas estratégias, suas regularidades e suas razões”. Assim, a construção dos
interesses que se dá por meio dos discursos não é apenas vista como determinada e
limitada pelos recursos materiais e pelos utensílios intelectuais de que dispõem os
agentes. Chartier sobretudo tem mostrado que os dispositivos materiais e formais pelos
quais os textos atingem os leitores constituem um recurso essencial para se conhecer a
maneira como os agentes sociais outorgam sentido as suas práticas e aos seus
enunciados.
Essa ênfase da análise nos suportes materiais da produção e da circulação dos
impressos e na materialidade das práticas e usos da leitura vem tornando indispensável,
também ao estudo das edições didáticas, a abordagem de dois conjuntos de dispositivos.
36
Ainda conforme mostrou Chartier (1991, p. 182), por um lado, há os dispositivos que
provêm das estratégias de escrita e das intenções do autor, por outro, os que resultam de
uma decisão do editor ou de uma exigência da oficina de impressão. Ambos os
conjuntos atraíram a atenção de pesquisadores do livro didático no país e reúnem
reflexões acerca dos processos materiais de circulação e apropriação desse tipo de
publicação. Principalmente Munakata (1997); Gatti Jr. (2005), e Cassiano (2007) se
debruçaram sobre o papel e o perfil dos editores de livros didáticos de história
brasileiros e do mercado editorial. Suas investigações tanto contribuem para o
entendimento dos efeitos da industrialização dos processos de edição do livro escolar
como advertem a respeito dos condicionantes que são a realidade do mercado
consumidor e a concorrência com conglomerados editoriais de capital estrangeiro. Já o
tratamento que, entre outros, Bittencourt (1993; 1997; 2004); Davies (1996), Gatti Jr
(2004) e Munakata (2007) dão aos discursos veiculados pelo livro didático faz perceber
as marcas dos usos prescritos para os destinatários visados. Os padrões lingüísticos e as
formas de comunicação específicas que o autor e os técnicos especializados dos
processos gráficos criam ao elaborar esses textos são estudados como indícios que nos
capacitam entender o papel que o livro didático desempenha na vida escolar.
Portanto, a ênfase é útil para pensar o Manual do Professor como meio de
veiculação de técnicas de aprendizagem, sugestões de trabalho, exercícios e tarefas que
os alunos devem desempenhar para a apreensão dos conteúdos. A reflexão sobre os
suportes materiais da produção e da circulação dos impressos e acerca da materialidade
das práticas e usos da leitura põe em evidencia dispositivos de imposição de saberes e
normatização de práticas referidos a lugares de poder determinados. Na estruturação e
nas condições de ensino que esses manuais visam elaborar para os professores perpassa
uma relação de autoridade que tem muito a ver com as posições e as propriedades
sociais objetivas de autores, docentes e alunos. Com efeito, para ser editado e encontrar
seu lugar no mercado um livro didático depende do crédito outorgado pelo Estado e/ou
pelos professores ao que propõe como método de ensino. As pesquisas mostram que as
pressões editoriais existem não só em função do regime jurídico que regulamenta a
difusão (cf. CHARTIER, 2007, p. 75), mas nas idéias e valores em que se inspiram e na
suposta eficácia nos meios de ação propostos. Desde aqueles que participam do trabalho
técnico ou pedagógico de edição e o autor até a comissão de especialistas avaliadores do
PNLD, todo um sistema de qualificação é constituído para apurar a relevância do livro
didático, cujo Manual do Professor atualmente é parte indispensável, para o currículo
37
efetivo das escolas. Torres (1998, p. 157) e Munakata (2007, p. 144) entendem que o
atual processo de avaliação e exclusão das coleções didáticas não apenas repousa na
concepção de um texto programado, fechado, normativo que orienta passo a passo o
ensino, ele reduz a possibilidade de seleção do professor. Em muitos sentidos, os textos
que se propõem a organizar e prescrever como os conteúdos devem ser ensinados são
também meios através dos quais grupos de profissionais tendem a persuadir o docente
de que o ensino ou o exercício do magistério é, de fato, o que lhes dizem ser.
Ainda que o docente adote os livros mal avaliados ou use os livros didáticos de
forma muito autônoma, procedendo de modo “que nem o autor, nem o editor, nem os
formuladores das atividades, nem os avaliadores do PNLD imaginaram”
(MUNAKATA, 2007, p. 144), o Manual do Professor contém um sistema didático
construído e uma compreensão de ensino úteis para a pesquisa do como ensinar. Trata-
se de esquemas de percepção e de apreciação do magistério, logo das representações
constitutivas de muito daquilo que foi interiorizado por aqueles que exercem a docência
e que é exposto como evidência compartilhada. Segundo entende Anne-Marie Chartier
(2007, p. 70), esse tipo de discussão é, basicamente, sobre os processos por meio dos
quais se investem conceitos e objetivos dos produtores dos manuais escolares e onde se
estabelecem as regras de escrita próprias ao gênero didático. O objeto fundamental de
uma análise que, assim, se propõe reconhecer a maneira pela qual as obras didáticas
articulam competências, normas, usos e performances parece-me estar na tensão que há
entre, por um lado, a oferta pedagógica de um manual de ensino e, por outro, a demanda
por uma guia de trabalho.
Não obstante a relativa autonomia com que os professores fazem chegar o
conhecimento aos alunos, ocorre que o valor de uso do suplemento docente é justificado
pelas qualidades técnicas e influência do método dos títulos publicados. Como observa
Anne Marie Chartier (2007, p. 75), é certo que sem ser ratificado pela profissão em sala
de aula não é possível reeditar regularmente uma obra didática5. No entanto, a suposta
eficácia dos meios de ação propugnados pelo Manual do Professor tem sido afirmada
através de artifícios mediadores e promotores de conhecimento que constrangem o
professor a se submeter à linguagem do especialista. A indicação da comissão de
avaliação do PNLD, as instrumentalizações que o livro permite, a observância das novas
5 Anne-Marie Chartier (2004, p. 75) mostra que o número de edições de um título didático indica algo da aceitação da obra pelos professores. Avalia ser “impossível manter um título e reeditá-lo regularmente se ele não tivesse sido ratificado pela profissão na prática da sala de aula".
38
demandas educacionais e as credenciais acadêmicas dos autores conferem prestígio ao
conhecimento veiculado pelo livro didático. Tanto quanto as opções didáticas e
metodológicas, quem as designa e avalia se passam por indicativos de qualificação. Na
forma como esses protocolos operam sentido no Manual do Professor, as referências ao
lugar de onde o autor se pronuncia e a legitimidade do que escreveu marcam a distância
entre quem escreve sobre a prática e os docentes que procuram dar sentido prático a
uma certa “razão escolástica” (cf. BOURDIEU, 1997).
As informações que os livros de história recomendados no Guia de Livros
Didáticos PNLD-2008 reúnem sobre os autores dizem respeito as suas credenciais de
competência. Sobretudo, dão conta da titulação e da atuação profissional dos autores das
coleções. Essas referências adiantam ao leitor o lugar social em que se posicionam os
autores de livros didáticos, indicando as funções que ocupam e as instituições a partir
das quais se enunciam. A sistematização disso permite identificar quem está escrevendo
as obras didáticas e em quais circunstâncias o tem feito.
Editora Ática Formação Atuação Coleção Autor
Bach. Licen. Mest./Pós
Dr. Liv. doc.
Ens. Sup
Cons./ função
For. Cont.
Educ. Básico
Andréa Paula Hist. USP
Hist. USP
Hist. USP
Hist. USP
__ UEPG __ __ __
Carla Miucci Ferraresi Hist. USP
__ __ Hist. USP
__ __ Rede Globo
X __
História em projetos
Conceição de Oliveira Hist. USP
Hist. USP
__ __ __ __ SECAD- MEC/
Unesco
X X
Claudino Piletti Pedag. ---
__ __ Educ. USP
__ __ __ __ X História e vida Integrada
Nelson Piletti Pedag. ---
__ Educ. USP
Educ. USP
USP USP __ __ X
História Hoje Oldimar Cardoso Hist. USP
Hist. USP
Educ. USP
Educ. USP
__ __ __ __ X
Sônia Maria Mozer ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- X Descobrindo a História Vera Lúcia Pereira ---- ---- ---- ---- ---- USC ---- ---- ---
Editora Escala Educacional Formação Atuação Coleção Autor
Bach. Licen. Mest./ Pós
Dr. Liv. doc.
Ens. Sup
Cons./ função
For. Cont.
Educ. Básico
Denise Mattos Marino __ Hist. UCS
Educ. UCS
__ __ __ ONG MEC
__ __ Série Link do Tempo: História
Léo Stampacchio Hist. PUC/SP
Hist. PUC/SP
Hist. PUC/SP
__ __ __ MEC __ __
Por Dentro da História
Pedro Santiago Hist. USP
__ Hist. Unicamp
__ __ __ __ __ X
39
FTD Formação Atuação Coleção Autor
Bach. Licen. Mest./ Pós
Dr. Liv. doc.
Ens. Sup Cons./ função
For. Cont.
Educ. Básico
Antônio Pedro __ __ __ Hist. USP
__ PUC/SP __ __ X História por Eixos Temáticos
Lisânias de Souza Lima Hist. USP
Hist. USP
Hist. USP
__ __ X Editor __ X
História em Documento
Joelza Ester Rodrigue Hist. USP
__ Hist. PUC/SP
Educ. USP
__ __ __ __ X
História, Sociedade & Cidadania
Alfredo Boulos Júnior __ __ Hist. USP
Educ. PUC/SP
__ __ FDE-SP __ X
Moderna Formação Atuação Coleção Autor
Bach. Licen. Mest./ Pós
Dr. Liv. doc.
Ens. Sup
Cons./ função
For. Cont.
Educ. Básico
Myriam Becho Mota __ __ Hist. PUC/RS
__ __ __ __ __ X História: das cavernas ao terceiro milênio Patrícia Ramos Braick __ Hist.
FCH – Itabira
__ __ __ X __ __ X
Maria Raquel A. Melani Hist. USP
Hist. USP
__ __ __ __ Editora __ __
Vitória Rodrigues e Silva __ __ Hist. PUC/SP
__ __ __ __ __ __
Maria Dolores P. Vasconcellos
Hist. PUC/SP
Hist. PUC/SP
__ __ __ __ Editora __ __
João Carlos Agostini Hist. USP
Hist. USP
__ __ __ __ Editor __ X
Cândido Domingues Granjeiro
__ __ Hist. Unicamp
__ __ __ __ __ __
Projeto Araribá: História
Fábio Duarte Joly __ __ Hist. USP
__ __ __ __ __ __
Positivo Formação Atuação Coleção Autor
Bach. Licen. Mest./Pós
Dr. Liv. doc.
Ens. Sup
Cons./ função
For. Cont.
Educ. Básico
Kátia Corrêia Peixoto Alves
Hist. UFMG
__ Hist. PUC/MG
__
__ __ __ __ X Diálogos com a História
Regina Célia de Moura Gomide Belisário
Hist. UFMG
__ Hist. PUC/MG
__ __ __ __ __ X
Carla M.ª Junho Anastasia __ __ __ Política --
__ UFMG __ __ __ Encontros com a História Vanisse Maria Ribeiro -- -- X -- -- -- -- -- X
Quinteto Editorial Formação Atuação Coleção Autor
Bach. Licen. Mest./Pós
Dr. Liv. doc.
Ens. Sup
Cons./ função
For. Cont.
Educ. Básico
Maria Luísa Vaz __ Hist. USP
Hist. USP
Hist. USP
__ __ __ __ __ Navegando pela História
Silvia Panazzo __ Hist. PUC/SP
__ __ __ __ __ __ X
40
Saraiva Formação Atuação Coleção Autor
Bach. Licen. Mest./Pós
Dr. Liv. doc.
Ens. Sup
Cons./ função
For. Cont.
Educ. Básico
Eliete Toledo Hist. USP
__ __ __ __ __ __ __ X História: conceitos e procedimentos
Ricardo Dreguer Hist. USP
__ __ __ __ __ __ __ X
Saber e Fazer História
Gilberto Cotrim Hist. USP
__ Educ. Mac-
kenzie
__ __ __ Advogado __ __
Scipione Formação Atuação Coleção Autor
Bach. Licen. Mest./Pós
Dr. Liv. doc.
Ens. Sup
Cons./ função
For. Cont.
Educ. Básico
Andréa Rodrigues Dias Montellato
Hist. PUC/SP
Hist. PUC/SP
__ __ __ __ __ X X
Conceição Aparecida Cabrini
Hist. PUC/SP
Hist. PUC/SP
Comu-nicação USP
__ __ __ __ __ X
História Temática
Roberto Cotelli __ __ Hist. USP
__ __ __ __ __ X
Historiar Dora Schmidt __ __ Educ. --
Hist. --
__ UFPR __ __ __
Leonel Itaussu de Almeida Mello
Sociais USP
__ Sociais PUC/SP
Política USP
__ USP __ __ __ Construindo Consciências: História Luís César Amad Costa Sociais
USP __ Direito
PUC/SP Direito PUC/SP
__ FGV __ __ __
Nesse conjunto de 38 autores, há uma nítida predominância de bacharéis e
licenciados pelos cursos de História da Universidade de São Paulo e da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. São 18 ocorrências de autores com essa formação,
47% do total dos autores das coleções e 90% dos autores que declaram sua formação
inicial nos livros didáticos. Também predominam os autores com titulação obtida nos
programas de pós-graduação dessas universidades. Há o registro de 14 mestrados e de
11 doutorados realizados na USP e/ou na PUC-SP. Entretanto, nesses níveis de
especialização, nem sempre a titulação do autor é em história. Nelson Piletti e Oldimar
Cardoso fizeram seus estudos de mestrado e doutorado em educação na USP, Denise
Mattos Marino é mestre em educação pela Universidade Católica de Santos e Gilberto
Cotrim pelo Mackenzie. Claudino Piletti e Joelza Ester Rodrigue possuem
doutoramento em educação pela USP e Alfredo Boulus Júnior pela PUC-SP. Em
história, Andréa Paula e Maria Luísa Vaz realizaram seus mestrados e doutoramentos na
USP, Alfredo Boulos Júnior, Lisânias de Souza Lima e Fabio Duarte Joly possuem
mestrado pela USP e Joelza Ester Rodrigue, Léo Stampacchio e Vitória Rodrigues e
Silva pela PUC-SP.
41
Áreas de Formação
Embora as diversificações nesse quadro mostrem haver outros percursos de
formação não escapam da lógica de legitimação verificada na apresentação dos autores
presente nas coleções didáticas. Assim, a presença de autores egressos dos cursos de
história da UFMG, da licenciatura da Faculdade de Ciências Humanas de Itabira e de
ciências sociais da própria USP entre os livros indicados pelo PNLD-2008 de história
exprime a mesma linguagem institucionalmente articulada aos signos da competência
universitária. Mais ainda, a recomendação de autores formados nos programas de pós-
graduação em Ciências Sociais, Ciências Políticas, Comunicação e Direito da USP e da
PUC-SP ou em História da Unicamp, da PUC-MG e da PUC-RS reforçam essas
credenciais. Ao todo são 26 os autores de livros didáticos de história recomendados
pelo PNLD-2008 que indicam ter concluído estudos de pós-graduação, cerca de 68% do
total. Mais homogênea é a origem regional dessas produções, inteiramente concentrada
nas regiões Sul e Sudeste. Não há referências institucionais fora do eixo São Paulo (30),
Minas Gerais (5), Paraná (2) e Rio Grande do Sul (1). Esse predomínio coincide com a
concentração em São Paulo de 7 das 8 editoras de livros didáticos recomendadas pelo
Guia de Livros Didáticos PNLD – 2008: História.
42
Quanto à atuação profissional, as referências ao exercício da docência na
educação básica são um quesito sempre indicado. Essa indicação é utilizada por 22 dos
autores, quase 58% dos casos. Apesar de mostrar experiência em sala de aula, ela é
complementar aos outros apontamentos de atividade profissional ou titulação. Sem
maiores especificações sobre o enquadramento funcional na carreira e se permanece em
exercício, a informação apenas registra uma passagem pela profissão que é a daqueles a
quem se dirigem no Manual do Professor. Não é o que ocorre com as indicações acerca
da docência no ensino superior, realizada por 10 dos autores, quase 1/3 do conjunto.
Geralmente, dá-se conta da instituição e disciplina o que permite perceber algo da
dispersão profissional dos autores que vem publicando livros didáticos na área de
História. André Paula, Vera Lúcia Pereira, Antonio Pedro e Carla Anastácia lecionam
história na UEPG, USC, PUC-SP e UFMG respectivamente. Nelson Piletti é professor
livre docente de História da Educação aposentado da USP, Leonel Iaussu ensina
ciências políticas também na USP e Luís César Amad Costa direito comercial na FGV.
Dora Schmidt leciona Metodologia e Prática do Ensino de História na UFPR. Há
também a menção de trabalhos junto aos docentes, em programas de formação
continuada (4), de assessoria aos órgãos públicos (4) de consultoria à empresa (1) e
organização não-governamental (1).
43
A construção formal e coerente dos procedimentos didáticos que a titulação e
atuação profissional dos autores legitimam e o Manual do Professor realiza não se
desfaz, portanto, daquilo que Roger Chartier (1991, p. 186) qualificou de “sentido das
formas”. Trata-se do caráter de evento dos discursos, isto é, da ideia de que os textos
são, mais do que os temas que tratam, o resultado de uma prática. Assim, as regras que
governam a produção das obras e a organização das práticas não definem apenas os
padrões de incorporação das divisões da organização social na forma de representações
coletivas, são percebidas enquanto formas do exercício de um poder. Para Chartier
(1991, p. 184), a reflexão sobre a definição das identidades sociais depende de
instrumentos capazes de investir de pertinência operatória “as estratégias simbólicas que
determinam posições e relações e que constróem, para cada classe, grupo ou meio, um
ser-percebido constitutivo de sua identidade”. Nesse sentido, a identificação de quem
está escrevendo as obras didáticas e em quais circunstâncias o tem feito são princípios
de inteligibilidade que convém observar antes de se tentar ajustar a compreensão das
representações acerca do ensino e da docência às divisões socioprofissionais do campo
educacional. Se não esclarecem muito sobre o perfil da obra e da rede de compromissos
e interações entre os indivíduos que as escrevem e consomem, o lugar a partir do qual se
enunciam as prescrições contidas no Manual do Professor e as circunstâncias que as
fazem concebíveis, comunicáveis e compreensivas, ao menos, advertem sobre a
estratificação que há nos meios de expressão do tipo de discurso que se pretende
analisar.
44
De outra parte, a competência outorgada pelas editoras e pelos avaliadores do
MEC aos especialistas que publicam as obras didáticas submete o discurso sobre a
prática de ensino ao que Marilena Chauí (1989, p. 10) uma vez designou de norma
restritiva do “não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em
qualquer lugar e em qualquer circunstância”. Nesses termos, a noção de competência
tem a função precisa de marcar a desigualdade entre a fala e o saber do especialista e os
receptores do conhecimento. Contudo, segundo esclarece Chauí (1989, p. 13), sua
eficácia social como discurso do conhecimento consiste em permitir ao não-especialista
a ilusão de participar do saber. Daí a elaboração de uma série de discursos segundos ou
derivados parecer ser a muitos críticos uma das maneiras mais eficazes de outorgar
competência aos interlocutores que puderem assimilá-los. Para Chauí (1989, p. 146), a
elaboração de discursos de popularização do conhecimento serve apenas para ocultar
uma desigualdade social e econômica6.
Sob o signo da organização burocrática e do mercado editorial, o Manual do
Professor tanto mais reforça a idéia de competência quanto indulgentemente permite ao
docente interiorizar as práticas do seu ofício, confirmando, ainda nos termos de Chauí
(1989, p. 13), a legitimidade daqueles a quem a burocracia e a organização
determinaram previamente como autorizados a falar. Em muitos sentidos, seu discurso é
um derivado do conjunto de obras que referencia e indica para o professor. O Manual do
Professor se passa, assim, por um guia para o trabalho do dia-a-dia. Sobretudo visto a
partir da sua utilidade para a atualização e formação continuada do magistério e,
portanto, do programa e das práticas que orienta, repousa na suspeita dos professores
não terem tido formação adequada ou experiência suficiente. Conforme observa Torres
(1998, p. 157), num programa de distribuição de livros didáticos formulado em função
de tamanha desconfiança em relação ao professorado em vez do texto escolar estar a
serviço do professor ocorre o inverso: “esse tipo de texto, embora pensado para o
professor de escassa formação e experiência (...) homogeneíza os docentes e perpetua a
crescente dependência do professor com relação ao livro didático, reservando-lhe um
6 Para Marilena Chauí (1989, p. 147) o discurso competente institui regras de interdição, exclusão e monopólio sobre o saber sendo que “não é qualquer um que pode dizer qualquer coisa a qualquer outro em qualquer lugar sob qualquer circunstância”, “são erguidas barreiras e distâncias entre cada indivíduo e sua experiência” e o monopólio da informação permite uma “manipulação demagógica da cultura como coisa pública e fazer coletivo, com algo a que todos têm acesso e como promessa ilusória de uma sociedade transparente na qual todos se comunicam com todos”.
45
papel de simples manipulador de textos e manuais, limitando de fato sua formação e
crescimento”.
A distinção que Chauí opera entre a fala e o saber do especialista e os receptores
do conhecimento é de certa forma confirmada por Torres quando se reconhece o
Manual do Professor como insumo de serviço. Certeau (1994) prefere pensar questões
desse tipo nos termos de um arranjo feito com “autoridades fantasmadas e ausentes” e
seus “aparelhos de encarnação”. Embora também ele reconheça nos textos com estatuto
de ser aplicáveis, um meio para encarnar as práticas, adverte que a capacidade
instrumental das operações informadoras ou reformadoras depende daqueles que farão
se moverem. Contrariamente ao que o constante aperfeiçoamento da visibilidade e do
reticulado dos instrumentos capazes de disciplinar não importa que grupo humano faz
pensar, Certeau (1994) mostrou que os meios de fabricar autoridade e conformidade não
escapam aos artifícios e subterfúgios de resistência das pessoas comuns diante dos
empreendimentos que queiram desapossá-las e domesticá-las. Nesse modo de
compreender a construção social do discurso competente, em vez de mera manifestação
de uma exigência de interiorizar regras e normas, o Manual do Professor pode ser
percebido como uma fonte de pesquisa a respeito das formas como se vêm tratando os
paradigmas organizadores do discurso sobre as práticas de ensino.
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CAPÍTULO 02
A Produção Didática da História nos Manuais de
Ensino para Professores
Atualmente, o Manual que acompanha o exemplar do professor dos livros
didáticos propõe referenciais e preocupações sobre o como, o que e por que ensinar cujo
estudo permite amealhar pressupostos teóricos e elementos metodológicos constitutivos
de uma disciplina escolar. Trata-se de um artifício editorial que, diante das necessidades
da sala de aula e das demandas postas pelas políticas educacionais, adquiriu relevância
como instrumento de orientação e atualização do professor. A atenção a este fato na
análise dos manuais do professor dos livros recomendados pelo Programa Nacional do
Livro Didático-2008 (PNLD) na área de História apontou um conjunto específico de
aspirações práticas, de regras didáticas e de pressupostos teóricos que julguei merecer
análise sistematizadora. Não só porque o Manual do Professor mantêm relação com um
sistema construído consoante categorias, esquemas de percepção e de apreciação, regras
acerca do que e como deve ser ensinado, é visto aqui como uma fonte de pesquisa a
respeito das formas como se vêm aplicando, para fins didáticos, os paradigmas
organizadores do discurso sobre as práticas de ensino. Sobretudo, suas próprias
condições de produção remetem para a maneira como ele as cria. Nesse sentido, a lógica
que se escolheu para legitimar uma escolarização e as práticas sobre as quais se
encontra fixada constituem a problemática da análise.
Interrogando-me sobre a lógica por meio da qual o Manual do Professor
promulga e justifica determinadas intenções básicas do ensino de História e as práticas
de escolarização ali consideradas importantes e significativas, procurei abordar as
instituições e as regras que governam a produção didática desse tipo de texto.
Inicialmente, seguindo um padrão definido por Klaus Bergmann (1989), identifiquei os
pressupostos, condições e metas da aprendizagem, os métodos e a possibilidade de
47
estruturação dos conteúdos e as técnicas e materiais de ensino e as várias possibilidades
da representação da História, seja no ensino ou nos ambientes fora da escola. A seguir,
tracei os contornos dos dados e comparei os resultados. Após organizar os esquemas de
percepção e a concepção de ensino das diferentes coleções recomendadas pelo PNLD-
2008 na área de História optei por duas tópicas. A primeira diz respeito ao inventário do
instrumental metódico e teórico da História, dos critérios para seleção dos conteúdos e
das orientações e atitudes assumidos por tais obras. A segunda cinge-se ao cotejo das
rotinas de trabalho sugeridas e que se solicita realizar. Portanto, discuto aqui o Manual
do Professor como peça de prescrição de certezas metodológicas e controle técnico da
prática de ensino.
Inventário do instrumental metódico e teórico do ensino da História, dos critérios para seleção dos conteúdos e das orientações e atitudes
Empreender o inventário do instrumental metódico e teórico do ensino de
História, dos critérios para seleção dos conteúdos e das orientações com os quais
operam os manuais do professor é procedimento que permite apreçar melhor o livro
didático enquanto dispositivo de prescrição de modelos pedagógicos. Pois, como lembra
Anne-Marie Chartier (2007, p. 149), poder-se-ia esperar que “o livro do professor
explicitasse as escolhas e as rejeições dos autores, assim como suas prioridades”, e
fizesse que aqueles que o utilizassem percebessem o que ele possibilita e o que restringe
ou dificulta, entretanto, “é mais vendável dizer que um manual responde a tudo...”.
Nesse sentido, o exame das definições que legislam sobre as práticas de ensino visa o
entendimento dos valores e objetivos da matéria, “o estudo da forma como a definição
pré-ativa pode estabelecer parâmetros para a ação e negociação interativa no ambiente
da sala de aula e da própria escola”, na maneira de dizer de Ivor Goodson (1995, p. 21).
O enfoque sobre o que está prescrito acerca da prática de ensino no Manual do
Professor pareceu-me útil para pensar os parâmetros segundo os quais tem sido
organizado o discurso a respeito da aula de história. Portanto, minha perspectiva aqui
foi a de entender e situar o que se solicita que o docente de história faça da sua prática a
partir da elaboração de um mapa ilustrativo das recomendações pedagógicas para
lecionar a “matéria”.
48
Principiei, então, pela análise da organização recorrente dos textos do Manual do
Professor. Rigorosamente, os pressupostos teóricos, a metodologia, as propostas
didáticas e de avaliação, as indicações de material de apoio e o desenvolvimento das
atividades configuram o formato do suplemento pedagógico. Essa disposição de tópicos
quase não varia de uma coleção para outra, sendo que só a última delas é especifica para
cada série do ensino. Em cada um desses tópicos afirma-se o propósito da coleção, são
proclamados os principais aspectos do programa adotado. Esse protocolo de leitura dos
manuais do professor segue muito de perto as estratégias metodológicas recomendadas
no edital de convocação para inscrição no processo de avaliação e seleção de obras
didáticas do PNLD-2008 para a área de história, no qual se diz: O manual do professor é uma peça importante no esclarecimento das propostas
do livro didático. Deverá conter orientações que explicitem os pressupostos teóricos, procurando a coerência entre estes pressupostos e a apresentação dos conteúdos no livro do aluno, e as atividades propostas. O manual do professor deve ser elaborado com a participação autor do livro. Deve estar clara a opção teórica e metodológica do autor, fornecer bibliografia diversificada e outros recursos que contribuam para a formação do professor, e, ainda trazer orientação visando à articulação dos conteúdos do livro entre si e com outras áreas de conhecimento. Deve ainda apresentar potencialidades do livro didático, variedade de caminhos que podem ser seguidos a partir dos recursos apresentados no livro e trazer informações complementares às legendas das imagens constantes no livro, incentivando o professor a iniciar seus trabalhos – como mais uma opção – pelo debate destas. Além disso, é desejável que o manual estimule o professor a compreender a leitura docente como parte constitutiva das suas condições de trabalho e que seu local de atuação (cidade, bairro, sítio deve e pode ser utilizado como fonte de recursos e materiais didáticos por meio dos seus museus, arquivos, praças, meio-ambiente, e toda a cultura material ai envolvida (jornais, roupas, objetos etc.). Deve conter proposta e discussão sobre avaliação da aprendizagem e sugestões de atividades e de leituras para os alunos (BRASIL, 2007, p. 47-48).
Embora os principais protocolos de leitura desse tipo de texto coincidam nas
coleções recomendadas pelo Guia de Livros Didáticos PNLD – 2008: História, o
extenso e rico repertório de práticas e estratégias de ensino que veiculam, sobretudo,
permite tratar dos parâmetros metodológicos do ensino de história reconhecidos e
propugnados. Os pressupostos teóricos da construção do material didático e as demais
opções didático-metodológicas do Manual do Professor dão acesso a um prospecto da
escolarização, ligam-se a seus roteiros e motivos práticos. Assim, prestam-se a
esquadrinhamentos diversos.
Dispõe-se, em primeiro lugar, de uma ampla série de condições e metas de
aprendizagem da história. Fundamentalmente, os manuais do professor dos livros
didáticos de história informam que relacionar ensino, aprendizagem e pesquisa,
valorizar a interdisciplinaridade, considerar a diversidade social e as realidades dos
alunos, empregar métodos ativos e discutir as mudanças da historiografia nas últimas
49
décadas são condições do ensino da matéria. As várias coleções recomendadas pelo
PNLD-2008 mostram diferenças consideráveis na maior ou menor ênfase que dão para
esses recursos. Contudo, não escapa aos esclarecimentos de nenhuma delas comentários
que pressuponham a articulação entre procedimentos e recursos de aprendizagem e
debates historiográficos. Como os pressupostos, também os propósitos que se julga
importar ao ensino da história variam de maneira considerável nos diferentes manuais.
Igualmente, é o caso de se perguntar sobre as tendências principais, as ambições em
comum que esses textos apresentam.
Os manuais do professor das atuais coleções didáticas de história não perderam
os ganhos relacionados aos debates e confrontos surgidos no final do período da
ditadura militar7. Incorporaram a ambição de promover a postura crítica dos alunos e a
percepção de que são sujeitos e construtores da própria história. Nesse sentido, existe a
expectativa quanto a um trabalho que possibilite “a formação do juízo crítico”
(MODERNA, 2006, p. 6) ou mesmo que sirva para o aluno se situar “conscientemente
no mundo, além de conhecer de maneira crítica a sua herança pessoal e coletiva”
(SCHMIDT, 2002, p. 4). A relevância política dessas finalidades tem a ver com o
esforço de fazer do ensino de história um meio de formar para o exercício consciente da
cidadania8. “Formar cidadãos para uma vida solidária e democrática” (MODERNA,
2006, p. 6) “fazer da reflexão histórica um instrumento da construção da cidadania”
(SANTIAGO, 2006, p. 4), “auxiliar os alunos a se transformarem em cidadãos”
(CARDOSO, 2007, p. 3), “compreender a cidadania como exercício de direitos e
deveres” (BOULOS JR, 2006, p. 3) são propósitos consensuais do ensino de história
7 Reflexões como as realizadas por Fonseca (2003), Bittencourt (1997) e Silva e Antonacci (1990) afirmam que o ensino de história que se esboçou no período de redemocratização resultou da necessidade de superar o ensino identificado com a ditadura, a opressão, a ausência de liberdades e a negação de direitos. Assim, a renovação do ensino de História no início da nova República envolveu opções pelos eixos temáticos e a recusa de esquemas explicativos prévios, ausência de pontos de partida e de chegada fixos para as situações de aprendizagem, reflexões sobre as experiências cotidianas de professores e alunos, diálogo presente/passado e conceitos/realidade. 8 No Guia de Livros Didáticos PNLD-2008, a construção da cidadania é um item de avaliação das coleções didáticas de História. Segundo fica explícito no documento, neste quesito se considera se a coleção “aborda a diversidade das experiências humanas com respeito e interesse, se estimula o convívio social, o respeito, a tolerância e a liberdade; se abrange a formação da cidadania no conjunto do texto didático e não apenas nas atividades ou em um capítulo, relacionando-a ao conteúdo histórico; se aborda as temáticas das relações étnico-sociais e de gênero, considerando o combate ao preconceito, à discriminação racial e sexual e à violência contra a mulher, com vistas à construção de uma sociedade anti-racista, justa e igualitária”.
50
que, em alguns casos, têm-se mostrado instituinte da organização pedagógica da
disciplina9.
Outra pauta de objetivos que vem dominando as propostas de ensino de história
dos manuais do professor diz respeito às competências e habilidades que se procura
desenvolver por meio das aulas dessa disciplina. Sobretudo, listam-se as exigências
intelectuais da compreensão histórica: manejar quantidades, empregar conceitos,
comparar, construir idéias, questionar a realidade, compreender o sentido das idéias de
anterioridade, posterioridade e simultaneidade, adquirir informações. No entanto, as
recomendações dos manuais ainda incluem preocupações com o desenvolvimento de
atitudes de participação, de valorização do patrimônio e de respeito a diversidade de
culturas e modos de vida, por exemplo. Para adotar as noções de competência e
habilidade, as orientações de ensino assumem ainda como tarefa operar sobre as ações
cotidianas da aprendizagem. Assim, desenvolver a competência leitora e a capacidade
de escrita e as habilidades procedimentais, como usar medidas de tempo e localizar
acontecimentos, tem sido uma preocupação muito presente em algumas coleções
didáticas de história.
Às discussões acerca das condições e finalidades do ensino de história associam-
se as preocupações com os métodos e as possibilidades de estruturação dos conteúdos
da disciplina. Nesse aspecto, ao classificar as coleções de acordo com a organização dos
conteúdos, o Guia de Livros Didáticos parece ter capturado as principais possibilidades.
Assim, o Guia reúne as dezenove coleções que apresenta em quatro blocos: História
Temática, cuja proposta da coleção é organizada por temas, História Integrada, na
qual o tratamento proposto pelas coleções oferece concomitantemente a História do
Brasil, a da América e a da História Geral, História Intercalada, que ordena, sem
relacionar, a História do Brasil e da América junto com a História Geral e História
Convencional que trata da História do Brasil nas séries iniciais do segundo ciclo e
história Geral nas suas séries finais.
No entanto, há especificidades quanto ao que se anuncia nos manuais sobre a
ordenação dos conteúdos em etapas ou eixos. Por um lado, a sequenciação cronológica 9 Bittencourt (1997, p. 21) adverte que, de maneira geral, “a explicitação do conceito de cidadão que aparece nos conteúdos é limitada à cidadania política, à formação do eleitor dentro das concepções democráticas do modelo liberal”. Já a cidadania social, segundo a autora, tem sido pouco caracterizada e apenas esboçada em algumas poucas propostas de ensino da história. Conceitos de igualdade, justiça, de diferenças, de lutas e conquistas de compromissos e de rupturas ainda não são um objetivo do ensino da história claramente formulado quanto ao seu papel na formação política dos alunos, implicando, assim, a necessidade de uma revisão mais profunda dos conteúdos da disciplina.
51
é assumida e justificada como forma de favorecer a compreensão dos acontecimentos no
decorrer do tempo. Por outro, as coleções organizadas em módulos coordenados por
temas, em eixos de estruturação da matéria e dos materiais lembram que a realização de
estudos comparados auxiliam o entendimento “das mudanças, permanências,
continuidades, semelhanças e diferenças observáveis entre variados processos
históricos” (MARINO, STAMPACCHIO, 2005, p. 10). A polarização entre ambas as
propostas de articulação dos conteúdos também tem a ver com a fundamentação
histórica das coleções. A organização temática da história favorece o ensino da história
social, permitindo romper a periodização linear e valorizar grupos sociais diversos, os
seus movimentos de reivindicação e lutas. Já a sequenciação cronológica privilegia a
história política, em muitos sentidos, acentuando o papel histórico dos Estados-nação na
organização dos períodos de tempo.
É suplementar a essa discussão sobre os critérios de seleção e estruturação dos
conteúdos a dos métodos e procedimentos de aula. Os manuais do professor das
coleções didáticas de história principalmente sugerem que o ensino de história se dê por
interação, através do diálogo, do debate e da discussão. O uso de questões motivadoras
(CABRINI, MONTELLATO, CATELLI JR., 2002), a ênfase na leitura (MODERNA,
2006) e na aprendizagem significativa (STAMPACCHIO; MARINO, 2005; SCHMIDT,
2002; PAULA, FERRARESI, OLIVEIRA, 2006) são recursos centrais em algumas
dessas coleções. De modo geral, os manuais lembram que o ensino da história contribui
para a formação intelectual do aluno quando há indagações e críticas. Considerar a
realidade do aluno, trabalhar a idéia de simultaneidade, conjugar aspectos sociais,
políticos, econômicos e culturais que compõe o processo histórico são procedimentos
improváveis de ocorrer sem uma aproximação dinâmica entre professor e aluno.
Segundo os manuais do professor, tanto as explicações quanto os procedimentos
investigativos devem ensejar a possibilidade de os professores desenvolverem junto aos
alunos habilidades de observação, análise, comparação, estabelecimento de relações e
construção de conceitos e a competência leitora. Mediador no processo de
aprendizagem dos alunos, o professor é impelido a atuar para criar uma relação ativa e
crítica do aluno com a cultura e a sociedade em que está inserido. Nesse sentido,
valoriza-se o trabalho com documentos e materiais auxiliares, estudos do meio, busca de
informações em arquivos locais, estudos do patrimônio, dos monumentos, do cinema,
da arte, da literatura e dos meios de comunicação impressa e audiovisual como forma de
operar o ensino nas aulas de história.
52
Também recorrente quando se trata de discutir as prescrições de ensino, os
critérios para seleção dos conteúdos são o pressuposto das necessidades, dos objetivos e
das funções educativas. A opção pela história cronológica da maior parte dos manuais
do professor fundamenta-se ainda como abordagem didática. Em alguns casos, essa
abordagem é vista como aquela que “melhor se ajusta ao desenvolvimento
psicocognitivo do educando para o qual se destina a coleção” (RODRIGUE, 2006, p. 5).
Em outros, a perspectiva cronológica serve de critério para organizar um sistema de
adaptação que “permita localizar acontecimentos no tempo, identificar sua duração e
relacioná-los” (MODERNA, 2006, p. 7). Já nas coleções temáticas, os princípios
didáticos e a metodologia que determinam os recortes programáticos insistem na
interação com outros métodos e conteúdos de diferentes áreas do conhecimento, na
problematização do cotidiano e na relação passado-presente como forma de conduzir a
aprendizagem da história. A maior ou menor ênfase sobre a possibilidade de trabalho
por projetos (CABRINI, MONTELLATO, CATELLI JR, 2002; PAULA, FERRARESI,
OLIVEIRA, 2006), os processos de ensino-aprendizagem voltados para a assimilação
gradativa de conceitos (PEDRO, LIMA, 2006; TOLEDO, DREGUER, 2006), as
especificidades da faixa etária (SCHMIDT, 2002; RODRIGUE, 2006) e as
competências, habilidades e atitudes geradas na sala de aula (STAMPACCHIO;
MARINO, 2005; MODERNA, 2006) igualmente estabelecem as diferenças de
concepção dessas coleções quanto aos objetivos e ao papel educativo do ensino de
história.
Ainda aqui há critérios comuns de seleção dos conteúdos. O principal deles diz
respeito ao que se considera significativo para a realidade dos alunos. A ideia de que os
conteúdos selecionados devem se relacionar com a realidade dos alunos para ser
significativos está presente na maior parte das coleções didáticas de história
recomendadas no PNLD-2008. Não obstante as opções teóricas ou metodológicas, os
manuais do professor dessas obras concordam que a vida cotidiana dos alunos, a sua
história e a história da sua gente e da localidade onde esses jovens vivem importam ao
ensino da matéria10. Contudo, a maneira de propor ações nesse sentido diverge segundo
a perspectiva do estudo de história adotado em cada coleção. Rodrigue (2006, p. 6), por
exemplo, entende que centrar a aprendizagem na realidade mais próxima do aluno não
10 No Edital de convocação para inscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas afirma-se que o texto deve ser capaz de envolver o aluno, considerado como sujeito que tem consciência de estar, ao seu modo fazendo história. Assim, é exigido que os manuais de uso desses livros considerem a realidade local como fonte de recursos e materiais didáticos.
53
significa aproximar o conteúdo exclusivamente da atualidade social do educando, “mas
também entender as motivações intrínsecas que estimulam os interesses e as
necessidades psíquicas do pré-adolescente”. Schmidt (2002, p. 9) faz da própria
juventude um eixo articulador na organização dos conteúdos e protagonista da história.
Para Melo e Costa (2006, p. 6) a realidade do aluno é “algo além das experiências
estritamente ligadas ao dia-a-dia, mas que engloba as diversas realidades mostradas pela
televisão, jornais, revistas, internet”. Em outras coleções, a recomendação para
entrevistar familiares, visitar museus e instituições da cidade e trabalhar com
documentação local segue nessa direção, sublinhando que a história local e a memória
conferem sentido à aprendizagem da história. Outra compreensão do que se pode
considerar conteúdo no ensino de História vem sendo estabelecida por algumas coleções
quando enfatizam o papel das reflexões e atitudes desenvolvidas pela classe na
aprendizagem. Principalmente, Stampacchio e Marino (2006) e Cabrini, Montellato e
Catelli Jr., (2002) entendem como conteúdos curriculares também o conhecimento
coletivo, as competências, habilidades, conceitos, procedimentos e clima gerado em sala
de aula. Sem ser hegemônica, essa postura é uma tendência que inclui os processos de
aprendizagem entre as orientações para o professor de história.
Ainda como algo relevante a ser notado, encontra-se no Manual do Professor de
qualquer uma das coleções recomendadas pelo PNLD 2008 uma série de propostas para
a avaliação dos alunos. Em geral, trata-se da definição e da aplicação dos processos de
avaliação escolar. Nesse sentido, a primeira preocupação é com o conceito de avaliação.
O comum tem sido propor a avaliação como um processo contínuo, composto por
diversos instrumentos, e de aspecto global e dinâmico visando acompanhar o processo
de ensino e aprendizagem. Sobretudo, enfatiza-se o aspecto qualitativo da avaliação,
numa perspectiva de acompanhamento continuado das aprendizagens e das dificuldades
dos alunos. Os manuais do professor das coleções didáticas de história propugnam um
avaliação formativa e que ocorre para orientar o aluno sobre seu próprio desempenho e
o professor acerca dos seus diagnósticos. O texto dos manuais do professor também se
ocupa com os procedimentos que a avaliação deve viabilizar. As recomendações
principalmente insistem que a avaliação deve ser ela mesma um momento de
aprendizagem, contemplar as especificidades e habilidades prévias dos alunos e ser vista
como uma comprovação para o aluno de seus progressos em direção a um
conhecimento sistematizado. Ao professor, a avaliação deve servir para o planejamento,
54
propiciando-lhe instrumentos para questionar suas práticas e estratégias e o alcance dos
seus propósitos.
As seções sobre a avaliação dos manuais do professor que acompanham as
coleções didáticas de história também sugerem os meios de realizá-la. Assim, das
indicações consta desde as tarefas mais cotidianas até as atividades avaliativas mais
sistematizadoras. As tarefas de casa, a observação sistemática das atividades em sala, a
análise das produções dos alunos constituem um conjunto de tarefas cotidianas que se
recomenda registrar e avaliar continuamente. Mais sistemáticas e habituais, as
avaliações parciais, as atividades específicas para a avaliação, a organização de debates
e a realização de seminários não deixam de ser recomendadas como instrumentos de
verificação das aprendizagens. A importância de estimular a participação do aluno nos
processos de avaliação aparece como tendência. Em alguns dos manuais das coleções
didáticas de história sublinha-se a utilidade de explicitar ao aluno a forma como a
avaliação se realiza, os meios utilizados e os objetivos a serem alcançados (cf.
SCHMIDT, 2002; SANTIAGO, 2006; COTRIM, 2002). A prática da autoavaliação por
parte dos alunos e a busca de formas cooperativas de avaliar constituem sugestões nesse
mesmo sentido. A orientação de explicitar para os alunos os critérios pelos quais são
avaliados e de estabelecer critérios coletivos de autoavaliação dos estudantes aponta
para formas de estimular a participação na sala de aula.
Quanto ao que é preciso ser avaliado, reitera-se sobremaneira a aquisição de
habilidades e competências. Mais que o saber histórico e os marcos de aprendizagem
estabelecidos pelos conteúdos, preocupa o desenvolvimento das linguagens, as
habilidades de observação, interpretação, análise e estabelecimento de relações, a
capacidade de interpretar textos e imagens, elaborar conclusões, relacionar assuntos e
definir conceitos. Nesse âmbito, avaliar é sobretudo sondar competências específicas,
certificar-se do domínio de certas habilidades básicas de compreensão e raciocínio.
Assim, o patrimônio e a cultura que a história leva a partilhar pouco mobilizam no
momento de definição dos critérios de avaliação. Não obstante tratarem pouco da
avaliação de questões desse tipo, os manuais do professor das coleções didáticas
recomendadas pelo PNLD-2008 referenciam principalmente a capacidade de elaborar
conceitos ou construir novos conhecimentos históricos e de elaboração da idéia de
anterioridade, posterioridade e simultaneidade entre as competências e habilidades que
se precisa avaliar.
55
A quase totalidade das coleções fornece, no Manual do Professor, um sortido
repertório de orientações sobre as competências, as habilidades e atitudes que convém
cultivar no aluno por meio do ensino de História. Um aspecto desse repertório diz
respeito às habilidades cognitivas: capacidade de análise, raciocínio, inferência,
interpretação crítica, síntese, juízo de valor no manejo das fontes de informação. Outro
aspecto se relaciona com habilidades de observação, identificação e compreensão e de
realizar demonstração, debate, relação e pesquisa. A competência leitora e escritora
também é observada e, assim, o reconhecimento e trato com fontes escritas,
iconográficas, mapas temáticos, gráficos e tabelas, a simples localização de
informações, o relacionamento e integração de segmentos do texto, a construção de
argumentos para avaliar e julgar idéias. Sobretudo se insiste que o ensino da história
serve à aquisição da capacidade de ler e interpretar textos de linguagem verbal, visual e
enunciados, construir e contestar argumentações e usar melhor as informações
acumuladas. Quanto às atitudes que cumpre o ensino de história promover, as
intelectuais e socialmente tolerantes, as investigativas e de respeito aos valores humanos
predominam. Em geral, nesse aspecto, trata-se do ensino de História como que de um
instrumento de agenciamento da postura do aluno. Por essa razão, aos manuais do
professor das coleções didáticas de história interessa lembrar a postura intelectual ativa
e participativa do aluno como um resultado necessário do ensino da matéria.
Em meio aos modos de dar inteligibilidade às práticas de ensino que acredita
viabilizar, o Manual do Professor entretece referências de leitura e de trabalho cuja
utilidade e importância procura ressaltar. Por um lado, o levantamento das citações
realizada nos textos da parte comum dos manuais do professor e, por outro, o estudo das
recomendações sobre o uso e aplicação do livro didático em sala de aula permite ter
uma ideia do tipo de trabalho que se solicita do docente de história. A citação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais é feita em cerca da metade dos manuais das coleções
analisadas. De certa forma, a justificativa das opções de conteúdo e dos critérios de
trabalho ocorre segundo o que está estabelecido nos parâmetros curriculares nacionais
de história. As outras fontes legais indicadas não têm o mesmo alcance e são específicas
de uma ou outra coleção. Assim são os casos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional e da Resolução CNE/CEB n.º 2, de 7 de abril de 1998, que instituiu as
diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental. Igualmente esporádicas, as
referências às avaliações internacionais como o Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes (PISA) lembram o mal desempenho do Brasil e a necessidade do próprio
56
ensino de história contribuir para a melhoria dos índices de proficiência em leitura (cf.
MODERNA, 2006, p. 8). Quanto aos autores de referência, geralmente não há menção
nos textos da parte comum dos manuais do professor das coleções didáticas de história
embora as sempre numerosas referências bibliográficas indiquem preferências e
esclareçam sobre a fundamentação teórica dos autores11. Quando ocorrem as citações
diretas, sobretudo predominam as referências aos trabalhos de Jacques Le Goff e Eric
Hobsbawn. No mais, as orientações dos manuais do professor provêm das próprias
convicções dos seus autores do que seja um bom trabalho de ensino da história. Ainda
que tão variadas quanto as coleções recomendadas pelo PNLD-2008, as sugestões de
procedimentos constituem conjuntos bem definidos de práticas e de estratégias que
atualmente parecem determinar a didática da história.
Nesse sentido, uma primeira tendência definida de orientações aponta para o uso
de diferentes linguagens no trabalho com a disciplina de história. O texto jornalístico, a
literatura, os mapas históricos e iconografia, os poemas, as canções, a memória oral e os
filmes constituem gêneros que se recomenda tratar com o propósito de ensinar história.
Outro conjunto de recomendações diz respeito ao registro das situações de
aprendizagem. À parte dos manuais do professor das coleções didáticas de história
preocupa a elaboração de instrumentos capazes de registrar os resultados do ensino e
indicar as necessidades de intervenção e reorientação dos processos de ensino e de
aprendizagem12. As diversas formas de registro das atividades cotidianas e do
desempenho dos alunos então sugeridas principalmente convidam o professor a planejar
a sua prática a partir das informações assim obtidas. Também os apontamentos sobre os
procedimentos de aula definem um conjunto comum de recomendações. Entre a
utilidade da aula expositiva e do trabalho em grupo até a capacidade do professor
problematizar os processos históricos que ensina, muito é dito nos manuais do professor
a respeito das estratégias de ensino da história. A começar pelas competências que o
ofício de historiador exige: interpretar a experiência histórica, conhecer o processo de
construção da historiografia e os conceitos e as categorias do discurso historiográfico,
os conteúdos históricos, a especificidade do conhecimento histórico, a bibliografia
pertinente e atualizada para um determinado conteúdo histórico e ser capaz de fazer
11 Conferir na seção A elaboração didática da História, Capítulo 3. 12 STAMPACCHIO e MARINO (2006, p 14-15), por exemplo, trazem modelos de fichas de acompanhamento dos alunos como sugestão de instrumentos de registros individuais e coletivos que contemplem tanto habilidades, procedimentos e atitudes particulares da disciplina quanto aquelas que permeiam o conjunto de disciplinas da educação fundamental.
57
uma leitura critica de textos históricos. Sublinha-se que o professor observa, anota,
replaneja e envolve os alunos no trabalho, que ele deve percorrer a sala e criar
oportunidades de comunicação, de interação na sala de aula. O diagnóstico prévio de
seus alunos, a realização da leitura e discussão propostas nos documentos, a correção
coletiva das questões e exercícios, a participação de atividades extra-classes e prestar
atenção no significado que os alunos dão para os conteúdos ensinados constituem outro
tanto de observações sobre a melhor maneira de identificar problemas de compreensão
ou os conteúdos que não foram suficientemente explorados. Enfim, uma última
tendência bem definida nos manuais do professor das coleções didáticas de história tem
a ver com a autonomia do professor para realizar as escolhas conforme suas realidades
de trabalho. É geral a compreensão de que o professor pode reconstruir a proposta do
livro didático em sua sala de aula trazendo outros conteúdos que tenham relevância para
seu grupo e incorporando acontecimentos e problemáticas locais (SCHMIDT, 2002;
CABRINI, MONTELLATO, CATELLI JR, 2002 e PAULA, FERRARESI;
OLIVEIRA, 2006, por exemplo). Também tem sido assim com os manuais do professor
dessas coleções que reconhecem a autonomia do professor para ampliar, recriar e
adaptar a utilização do livro didático de acordo com as suas necessidades e as de seu
aluno. Expressões como “a ideia é que o livro didático comporta-se como obra-aberta,
pronto para a interferência e a reelaboração do professor” (MELO; COSTA, 2006, p. 7)
ou “a preparação de uma aula e sua efetivação é tarefa complexa, comportando
inúmeras variáveis que somente são dominadas pelo educador em seu contato singular
com os alunos” (COTRIM, 2002, p. 5) indicam-no. Portanto, a liberdade de escolha do
professor, a sua decisão sobre a conveniência ou não das atividades propostas e
experiência profissional constam das estratégias que os manuais do professor das
coleções didáticas de história determinam o bom ensino de história.
Este esquadrinhamento, apenas preliminar e com o intuito de servir como roteiro
de indagações, é uma tentativa de descrever de maneira compreensiva a concepção de
ensino de história que os manuais do professor difundem atualmente. Assim, no
levantamento dos pressupostos teóricos, da metodologia, da organização didática e das
propostas de avaliação que constituem o Manual do Professor como suplemento
pedagógico, pretendi evidenciar a lógica e a retórica da matéria, os seus meios e
recursos. A visada apoiou-se um tanto em Bergmann (1989), nos critérios de
classificação dos âmbitos de atuação da didática da história, e outro tanto em Goodson
(1995), para entender também o Manual do Professor como um roteiro ilustrativo das
58
metas e estruturas prévias que situam a prática de ensino contemporânea. O principal
resultado desse trabalho parece-me ser a constatação de que o ensino de história
atualmente é, sobretudo, pensado segundo critérios historiográficos e tendo em vista, na
maioria das vezes, metas educativas. Nos manuais do professor os conteúdos do ensino
não se separam das modalidades da sua transmissão. É enfatizada a aprendizagem das
operações intelectuais que permitem a construção de um discurso. Como tem analisado
Dominique Borne (1998), no nível que lhe é próprio o aluno, deve descobrir, analisar e
classificar. Nos manuais do professor, solicita-se que se ensine as operações que
conduzam os alunos a “fazer história”. Fazer com que os alunos manipulem dados e
produzam sentido combinando-os são requisições já comuns de encontrar nas
orientações aos professores nos manuais de história. Por outro lado, ainda o ensino de
história é frequentemente associado às finalidades cívicas e culturais. Dar a cada um o
sentimento de pertencer a uma comunidade, levar a partilhar de um patrimônio e de uma
cultura, permanece como meta do ensino de história. Nas séries finais do ensino
fundamental, a abordagem de Atenas no século V, da República Romana, do Século das
Luzes, das ditas Revoluções Burguesas e da história nacional são tidas como
indispensáveis para a formação do cidadão. Conforme adverte Bittencourt (1997, p. 22),
essa concepção especificamente política de cidadania não esclarece sobre “as novas
concepções de ação política dos movimentos sociais e seu papel na luta pela conquista
da cidadania” como os ecológicos, feministas ou raciais ou com os movimentos e lutas
pela moradia e pela terra.
De fato, conhecer os valores e objetivos patenteados pelo ensino de história não
é tudo o que se pode tentar para estudar o que os manuais do professor podem
expressar. O que não é dito parece tão significativo quanto às recomendações
apresentadas. Em parte, a reflexão sobre o sentido implícito dos objetivos do ensino de
história decorre da constatação de que “o processo de produção do conhecimento
histórico escolar é significativo para revelar as clivagens entre os objetivos e a seleção
dos conteúdos previstos” (BITTENCOURT, 1997, p. 23). Nesse sentido, o papel do
ensino de história na formação política do aluno é apenas um exemplo entre outros. Por
outro lado, não há nenhuma concessão ao contraditório nas recomendações dos manuais
para os professores de história. Ainda que atualmente já se recomende ao docente
prestar atenção no significado que os alunos dão para os conteúdos ensinados, o ensino
de história, nesse tipo de impresso, é apenas visto como uma experiência intelectual. A
mobilização de energia que a aprendizagem exige, a aventura emocional e social que
59
representa e a qualidade da relação afetiva com o professor são questões que, por
exemplo, os manuais do professor atualmente ignoram. Enfim, há pressupostos sem
nenhuma necessidade de ser explicitados, pois são partilhados de forma consensual pela
época e pela profissão. Anne-Marie Chartier (2007, p. 74) tem insistido que a leitura dos
manuais didáticos deve também perceber “aquilo que o autor não acreditava ser
necessário recusar ou criticar, ou seja, questões que faziam parte das evidências da
época”. Segundo propõe, as estratégias comerciais e a capacidade de difusão pesam
mais para o destino editorial das coleções didáticas que as qualidades intrínsecas do
produto. Ainda que o modelo de ensino fique assim paralisado pela representação que se
faz do (bom) ensino de história, o professor que conduz a turma, organiza os exercícios,
ajuda os alunos e julga seus trabalhos não apenas executa o programa ou serve ao
método, mas demanda meios. Isso significa que entre a margem de iniciativa em que ele
cria sua maneira de dar aula e os dispositivos pedagógicos de trabalho e orientação da
sua prática há finalidades das quais pouco se fala. Sobretudo, a análise dessas questões
por Anne-Marie Chartier (2007, p. 162) dá pistas para compreender que o preparo de
um material didático visa à economia de tempo e energia para “liberar e fazer crescer o
investimento do professor no trabalho de sala de aula”.
Também a análise da versão negada dos pressupostos, condições e metas da
aprendizagem da história nesses textos é útil à compreensão das conjeturas e
expectativas envolvidas na elaboração do que se vai solicitar que o docente de história
faça da sua prática em sala de aula. Das práticas de memorização e transmissão de
conhecimento baseada na exposição de conteúdos à avaliação como instrumento de
controle, vigilância e punição do aluno, a lista das práticas proscritas do discurso sobre
o ensino de história é grande. Tanto é criticado o ensino de história como mera
transmissão de informações quanto a prática historiadora que cultua heróis e
personalidades ou representa uma visão evolutiva e progressiva da história. Considerado
tradicional, o ensino realizado por aula expositiva e exercícios de fixação de conteúdo e
que valoriza a memorização reúne o maior número de críticas. Nesse sentido, constam
objeções às orientações didáticas previamente determinadas e inflexíveis, aos materiais
didáticos fechados em si mesmos, ao desenvolvimento de quadros cronológicos e à
transmissão unilateral de conhecimentos. A grande maioria dos manuais do professor
ultimamente recomendados também não admitem estratégias de avaliação que
comprovam de maneira cabal e definitiva, classificam ou controlam a aprendizagem do
aluno. Não se compreendem mais os temas propostos para conteúdo como cânones de
60
uma verdade absoluta e os documentos já não são vistos como reflexos da verdade. A
compreensão literal dos fatos dos positivistas já não é aceita nos manuais do professor
das coleções didáticas de história. A renovação historiográfica da última geração
estimulou a discussão do método histórico também nos manuais do professor. Na atual
perspectiva, a função formativa do ensino de história não prescinde da dimensão
científica do saber histórico. E, assim, o trabalho com fontes, as questões de
interpretação historiográfica, as problemáticas locais e os métodos históricos de
compreensão e interpretação tem se consolidado como uma questão de ensino.
Nesta outra pauta, é possível discernir melhor as fronteiras que os aspectos
proclamados pelas coleções didáticas respeitam, a forma como circunstanciam o
discurso sobre a prática de ensino. Certamente, o terreno tumultua-se assim, associando
ao proclamado o negado e o que não é dito. Porém, isso mostra bem que a oferta de
ajuda dos manuais do professor para definir objetivos e programas do ensino é tão
marcada pela “cultura de pesquisa do autor, seus valores pedagógicos e políticos, suas
preferências culturais e estéticas, sua experiência com crianças e com a aprendizagem
escolar” quanto pelo que ele não acredita ser necessário recusar ou criticar, ou mesmo,
sequer dizer (cf. CHARTIER, 2007, p. 74 e 149). De qualquer modo, o estudo do
Manual do Professor das coleções didáticas de história abre perspectivas para a análise
das orientações sobre as condições, finalidades e objetivos do ensino de História. As
rotinas de trabalho, os modelos de exercício, os recursos indicados, os roteiros de
procedimentos, as práticas de organização da aula e, sobretudo, as orientações visando
articulação de conteúdos e estratégias são elementos com que se pode pensar não os
fundamentos da aprendizagem histórica, como solicitam Bergmann (1989) e Rüsen
(1987; 2002), ou os grupos e estruturas que operam e formulam o currículo, ao modo de
Goodson (1988; 1995), mas os esquemas de percepção e de apreciação constitutivos do
que se entende ser o trabalho do professor de história.
As rotinas de trabalho, a prescrição da prática e os modelos de ensino nos suplementos para professores das coleções didáticas de história
A ênfase nas práticas de sala de aula é hoje uma postura firmemente sustentada
nos manuais do professor das coleções didáticas de história. As sugestões de atividades
61
e a indicação das técnicas para a condução da aprendizagem compõem no livro do
professor um variado repertório de meios e procedimentos de ensino. Trata-se de
recursos de apoio ao uso do livro didático, mas também de orientação visando
possibilitar o desenvolvimento de estratégias de aula variadas. Nesse sentido, o Manual
do Professor é tanto um compêndio de especificação técnica quanto uma forma de
mostrar ao docente que há outras fontes de material didático. Em razão desse seu caráter
operacional, mais afeito ao uso no dia-a-dia do que para ser lido, dá acesso a um
discurso sobre a prática de sala de aula. Bem verdade que não ao do professor acerca
dessa prática, e sim ao discurso a respeito do que ele deve e pode fazer em sala de aula,
sobre a prática docente e dirigido ao próprio professor. Entretanto, a abordagem desse
tipo de interpelação não é menos útil ao entendimento das expectativas, exigências e
necessidades do ensino de história que o trabalho de campo junto aos professores. Sua
relevância, porém, tem mais a ver com o estudo das demandas vindas da sociedade e do
poder público enquanto as pesquisas empíricas dos procedimentos didáticos do
magistério têm considerado os resultados de certas performances e a compreensão do
exercício docente por parte do próprio professor (como em: CABRINI et. al., 1986).
Principalmente, a atenção para as instruções operacionais dos suplementos pedagógicos
proporciona um contato estreito com normas tácitas da ação em sala13.
A parte específica dos manuais do professor, aquela que orienta o uso do livro
didático de uma determinada série são também roteiros de atividades sugestivos. Depois
das considerações sobre a fundamentação teórico-metodológica da coleção seguem as
instruções que concernem à realização dos exercícios, das rotinas de trabalho e, por
vezes, da própria aula em cada novo ponto da matéria. No sentido de caracterizar as
principais configurações desses conjuntos de propostas, procedi de modo a indicar
possíveis articulações. Trabalhei na classificação dos procedimentos de ensino tratados
nos manuais do professor das coleções didáticas recomendadas no PNLD-2008 por
setores segundo eles sejam ordens de serviço, estratégias de aula, modelos de atividade
ou insumo para o trabalho. Importou fazer do levantamento das tarefas associadas ao
exercício da docência, dos expedientes utilizados para conduzir as aprendizagens e dos
materiais referenciados um meio de lidar com as soluções didáticas elaboradas para 13 Debrucei-me sobre um discurso de ordem intelectual advertido por Goodson (1995) de que tratar dos parâmetros da prática, dos aspectos comuns do sucesso e fracasso em escolarização com vistas a compreender as estratégias para fazer crer que determinada versão do ensino deve ser considerada boa não é o mesmo que buscar por um ensino eficaz. Para Goodson (1995, p. 28), a história da boa sala de aula ou da melhor escola, como dos melhores meios e métodos de ensino resulta da “luta para fazer crer que determinada versão de escola deveria ser considerada boa”.
62
operar com os sentidos do ensino da história. Mesmo que de maneira ainda um tanto
preliminar, as indicações que então se pôde fazer a respeito dão conta das experiências
educacionais que se pensa que as aulas de história podem proporcionar.
No ponto de partida, há uma mesma preocupação face aos procedimentos de
aula. Trata-se de considerações sobre a preparação da aula, o seu encaminhamento e o
retorno dos resultados. Assim, considerei como ordens de serviço as instruções para
providenciar material, prestar esclarecimentos, corrigir atividades e preparar roteiros de
ensino. Essas solicitações são as mais constantes, lembrando que a organização do
expediente de sala de aula é parte das tarefas do magistério. Os manuais do professor
apontam quando preparar a aula corrigir as atividades do mesmo modo que sublinham a
necessidade de esclarecer, discutir e explicar determinados pontos da matéria ou dos
exercícios. Solicitam-se ainda do professor o fornecimento de matérias de jornais, fotos,
materiais e gravuras, de texto, música e filme, de mapas e livros de literatura para o
trabalho dos alunos em classe.
Outra preocupação acentuada nesse tipo de texto diz respeito à performance do
professor. Segundo sugere a leitura dos manuais do professor das coleções didáticas de
História, o docente pode se utilizar de uma série de práticas para predispor os alunos
motivando seu interesse pelos temas. Sobretudo nesse sentido é que o professor deve
explorar o material trazido pelos alunos, recorrer aos exemplos concretos e fáceis, ler
com expressão para motivar o interesse pelo tema, trabalhar oralmente em aula e evitar
que a dinâmica do trabalho polarize os debates e divida a sala. As instruções que se
encontram nos manuais do professor pedem aos docentes que problematizem em vez de
narrarem, que indiquem relações em forma de questionamento, estimulem e orientem o
debate propondo questões motivadoras ou deixando no ar uma questão para reflexão.
Igualmente, salientar, reiterar, sugerir, relacionar com o presente, acompanhar a leitura
de texto e as pesquisas, orientar os ensaios de peça e a preparação de trabalhos se
associam à maneira de ensinar história recomendada nos manuais do professor das
coleções didáticas. Também a utilização da lousa tem sido pensada como recurso para
otimizar o desempenho do professor em sala de aula. Em vez de suporte para o texto
que serviria para a cópia dos alunos, a lousa é indicada para a sistematização de
informações, para listar as conclusões dos alunos, enfim, trata-se de um recurso para
tornar coletivo o resultado de pesquisa apresentado pelos alunos.
Há ainda um conjunto de procedimentos que se sugere adotar para lecionar
história nas séries finais do ensino fundamental. Os manuais do professor reúnem
63
tarefas que os professores devem realizar antes, durante e depois da aula. Antes da aula,
insiste-se na preparação: elaboração de uma pauta do que deve ser discutido, fazer
transparências, assistir ao filme antes dos alunos e editá-lo. Durante a aula
propriamente, as recomendações vão desde o levantamento dos conhecimentos prévios
do aluno até a verificação das tarefas realizadas. A ênfase então recai sobre as
estratégias que se pode constituir para ensinar e controlar a aula. Nessa perspectiva, a
administração do tempo, a conversa com os alunos, o levantamento do significado de
palavras desconhecidas de um texto, a orientação da observação de imagens e de mapas,
o incentivo à busca de respostas mais precisas às questões, a reprodução de música e a
exibição de filmes são frequentemente lembrados. Depois da aula, principalmente,
requer-se do professor socializar as respostas dos alunos, corrigi-las, rever, retomar
ideias dos alunos, expor os seus trabalhos, recolher e arquivar atividades para, quando
for o caso, um uso posterior. A leitura dos manuais do professor das coleções didáticas
de história mostra que a performance esperada do professor na aula vai além dos
procedimentos adotados na sala. Nesse caso, tanto quanto o que se diz e é feito para
ensinar história aos estudantes e gerir a aula, também as providências de bastidores, a
preparação e o retorno das atividades fazem parte do repertório de procedimentos
costumeiramente recomendados ao professor.
Segue que os manuais do professor das coleções didáticas de história organizam
em atividades o trabalho de sala de aula. Oferecem uma aplicação exemplar dos
conteúdos do livro do aluno em atividades de produção textual, confecção de material,
pesquisa, estudo do meio, leitura e discussão. Para realizar uma descrição mais
articulada desse conjunto de instruções, distingui as atividades eventuais das atividades
de rotina. Considerei atividades de rotina aquelas que aparecem constantemente
indicadas em diversos temas desenvolvidos pela coleção didática e que, portanto,
parecem ser cotidianas no ensino de história. Por outro lado, entendi como atividades
eventuais aquelas que têm sentido fazer só no caso de compreender um determinado
tema, de considerar o entorno social do aluno ou, então, de tratar de questões específicas
do passado e da história ainda presentes atualmente e que, por isso, marcam momentos
excepcionais de trabalho escolar.
Em muitos sentidos, as atividades rotineiras recomendadas nos manuais do
professor das coleções didáticas corroboram os afazeres já a muito praticados na escola.
Para a formação intelectual do estudante, por exemplo, definir, comparar, explicar
relações de significância, enumerar, comentar, propor questões, sintetizar, lembrar
64
recapitular e ler individualmente e de forma antecipada os textos continuam sendo
expectativas importantes. Também na produção material dos alunos a elaboração de
cartazes e de material visual, a coleta de imagens, a montagem de quadros
comparativos, as colagens, a consulta a jornais e revistas e o manuseio de objetos
permanecem práticas respeitadas e recomendadas. Do mesmo modo, desenhar, encenar,
representar idéias, situações ou objetos por meio de diferentes linguagens, confeccionar
mapas, construir quadros sinópticos, produzir ou interpretar caricaturas e charges já são
práticas incorporadas ao ensino de história nas escolas que ainda se recomenda
observar. Às tradicionais anotações no caderno, práticas variadas de pesquisa,
classificações, relatórios, resumos e questionários somam-se versões atualizadas do
registro escrito: produção de textos, tabulações, indicação gráfica, elaboração de
esquetes ou enredos para dramatização. Igualmente, associam-se ao ensino de história a
realização de entrevistas, de apresentações orais de diversos tipos, de debates e de
descrição oral. Dar opinião e responder questões motivadoras e problematizadoras
completa esse quadro de atividades orais que o ensino de história costumeiramente
exige. Com freqüência, a qualificação das práticas de leitura tem sido considerada mais
uma atribuição do ensino de história. Nesse sentido, alguns dos manuais do professor
analisados recomendam com alguma insistência o exercício da leitura em voz alta, a
prática da leitura dirigida e da leitura criativa. O trabalho a partir de documentos ocupa
uma parte importante das recomendações dos manuais e se articula tão bem com as
novas exigências e operações da aprendizagem do pensamento lógico e crítico quanto
com práticas mais ancestrais do ensino de história como a elaboração de quadros
cronológicos, o trabalho em grupo e a leitura em dupla.
Por outro lado, o conjunto das atividades mais excepcionais que se pôde reunir
lendo os manuais do professor indica que o ensino de história também tem sido um
espaço para as crianças e adolescentes se mostrarem em suas obras e interagir. Por meio
de entrevistas, jogos e excursões, o aluno vivencia uma concepção de história em que a
participação e a tolerância importam tanto quanto os “lugares de memória” (cf. NORA,
1993). A prática da entrevista com pessoas da comunidade, familiares e professores e a
consulta aos mais velhos prestigia a memória que o outro carrega, legitima uma relação
com o passado14. Já os jogos de adivinhação, de perguntas e respostas ou de percurso e
14 Em estudo recente, Kazumi Munakata (2007) observou que há problemas no modo como essas sugestões são feitas. Segundo percebe Munakata (2007, p. 141-143), “no rol das pessoas a ser entrevistadas, há tipos humanos que não são encontráveis em qualquer lugar e meio social” e, mesmo quando encontrados, não são todos que estão dispostos a expor suas experiências e práticas,
65
a reconstituição de jogos de outros tempos e culturas são recomendados para prender o
máximo de sentido histórico num mínimo de sinais e códigos e consolidar
solidariedades numa dinâmica de participação francamente lúdica. No ensino de história
as excursões a monumentos e museus são práticas que a tempos se observa como forma
de fixar um estado de coisas e materializar um conjunto de significados. Ultimamente, e
os manuais de professores indicam-no, a visita ao arquivo da cidade, aos sítios
arqueológicos, à câmara municipal, às agências de turismo ou ao supermercado ou
mercearia cumpre função semelhante. A percepção de que o ensino de história propícia
a oportunidade de o aluno externar em práticas, produtos, trabalhos e tarefas coletivas
também está consolidada nas coleções didáticas da área. Assim, seja na elaboração de
um calendário, seja na construção de uma ampulheta ou maquete e na confecção de um
livro de receitas, os expedientes práticos que se veiculam nos manuais do professor
permitem incorporar o fazer dos alunos e seu produzir ao ensino da história. Do mesmo
modo, dramatizar uma cena, produzir um fóssil de maneira artificial ou um mosaico,
imitar pintura rupestre, organizar um álbum da turma ou um arquivo pessoal de matérias
interessantes, criação de um prospecto turístico, contribuir na confecção de uma caixa
da saudade, montar um arquivo de imagens, confere ao ensino de história uma
propensão mais ativa e produtiva.
Outro ponto de contato entre as coleções didáticas de história: as estratégias
visando a exposição dos resultados obtidos com as atividades. Nos manuais do
professor há um elenco de propostas sobre como conduzir as atividades ordinárias e
extraordinárias da sala de aula cuja maneira de cruzar e imbricar as práticas e os
conteúdos do ensino de história importa entender. Trata-se de abordar os modos
considerados adequados de externar os produtos da aprendizagem. As formas
consagradas das exposições escolares permanecem uma referência importante. Assim, a
apresentação oral, a elaboração de mural, painel ou cartaz e a dramatização teatral
continuam tendo uma importante presença entre as sugestões indicadas nos manuais do
professor das coleções didáticas de história. Expor os produtos da aprendizagem é uma
preocupação que ratifica o uso de recursos e estratégias didáticas mais ativas no ensino
de história. As propostas de musicar, simular um programa de auditório ou um
telejornal e filmar seguem a mesma direção, valorizando mais as dimensões
principalmente se forem dolorosas e passíveis de preconceito. Geralmente sugeridas diretamente aos alunos no livro texto quando caberia ao professor organizá-las, incitam o aluno a passar por cima da competência e autonomia do professor da disciplina.
66
consideradas formadoras das atividades programadas na sala de aula ou na escola. Mais
uns que outros, os manuais do professor percebem as formas de apresentação e exibição
dos trabalhos discentes como registros daquilo que o ensino de história pode manifestar.
Principalmente, a exposição dos resultados de pesquisa e dos trabalhos escolares é tida
como recurso didático que valoriza os produtos pelos quais os alunos aprenderam a
matéria. Nesse sentido, a organização de mostras, de feiras de cultura ou de
apresentações dos alunos que os manuais do professor recomendam também reitera
práticas usuais da escola e dos docentes como a produção coletiva de atividades, a
centralidade conferida às práticas e a externalização de produtos.
Finalmente, os manuais dos professores das coleções didáticas reúnem textos e
referências que servem de insumo para o trabalho docente. Em muitos sentidos, trata-se
de uma compilação de informações complementares e de recursos para a atualização do
professor visando estimulá-lo a compreender a leitura e a utilização de fontes presente
em seu local de atuação como parte constitutiva das suas condições de trabalho. Assim,
não só o repertório de autores e obras, de fontes, de meios e de linguagens com os quais
lidam os manuais de professores informa sobre a utensilagem usual do ensino da
matéria, principalmente consolida tendências de socialização dos bens culturais. Por um
lado, as citações de textos para apoio do professor e de indicação de filmes, músicas,
livros e quadrinhos para trabalho em sala de aula dizem muito sobre a perspectiva que
os manuais apresentam o ensino da história. Há tanto coleções em que predominam as
referências aos historiadores de ofício nos seus manuais do professor quanto as que
incorporam neles um repertório mais significativo de indicações de romancistas,
músicos, cineastas e cartunistas. Insistir na autoridade que autores como Marc Bloch, Le
Goff, François Dosse, Eric Hobsbawn ou Perry Anderson têm no campo da história e
apoiar neles as referências de leitura indicadas ao professor, reforça a especialização
docente e as premissas teórico-metodológicas do ofício do historiador. Do mesmo
modo, a história problematizada por meio de canções e filmes e através da literatura ou
das histórias em quadrinhos mostra o espaço que há no ensino de história para o
trabalho com diferentes manifestações culturais. A presença das canções de Chico
Buarque e Renato Russo, dos quadrinhos de René Goscinny e Albert Uderzo, Ziraldo e
Miguel Paiva ou de imagens dos Flintstones e de Charles Chaplin propõe considerar no
ensino as várias possibilidades da representação da história fora dos ambientes da
escola. Conforme uma vez entendeu Klaus Bergmann (1989, p. 35), trata-se de
67
dimensões diferentes de uma única conexão constituída pela indagação acerca de uma
maneira particular de pensar que é a História.
Por outro lado, o trabalho a partir de documentos ocupa uma parte importante
das recomendações dos manuais do professor das coleções didáticas de história.
Solicita-se que parte da pesquisa escolar ocorra a partir de fontes como, por exemplo,
revistas, artigos de jornal, periódicos e mapas locais, fotografia, documentos pessoais,
peças publicitárias, legislação e depoimentos orais. Os manuais do professor lembram o
docente que diários, cartas, cartões postais, charges, monumentos e moedas também
servem como material para um trabalho com fontes documentais. Sobretudo, a
insistência com que atualmente se vem insistindo na coleta e manipulação de um
material desse tipo sugere a incorporação de procedimentos do fazer da história no
ensino. Nesse sentido, aos conteúdos, somam-se as aprendizagens das operações
intelectuais que permitem a construção de um discurso. Como bem percebeu
Dominique Borne (1998, p. 139), também no ensino de história os documentos devem
ser cuidadosamente identificados e inscritos numa cronologia e depois postos em
relação com outros documentos. Ainda que as preocupações com a aprendizagem das
operações de construção do discurso histórico venham se firmando estão longe de
substituir as usuais recomendações acerca da pesquisa escolar em revistas,
enciclopédias, dicionários, atlas geográfico, livros, almanaques e, mais recentemente, na
internet. O uso ilustrativo de imagens, através das reproduções de pinturas, gravuras e
fotografias e dos folhetos turísticos e histórias em quadrinhos, permanece parte das
recomendações de ensino da história. Enfim, o repertório de materiais possíveis de
utilizar nas aulas de história que os manuais do professor indicam não só é numeroso e
variado como viabiliza modalidades de transmissão moduladas em função das questões
do presente. Entre tudo o que então se indica utilizar para lecionar a história, os manuais
do professor das coleções didáticas de história evidenciam as possibilidades de estudo
na utilização dos documentos, das mídias e dos impressos escolares como recursos
didáticos.
Sintetizando então: o Manual do Professor das coleções didáticas recomendadas
pelo PNLD – 2008 veicula considerações sobre a preparação da aula, o seu
encaminhamento e o retorno dos resultados, propõe estratégias educativas e modelos de
atividade e oferece insumos que expressam objetivos práticos e utilitários de ensino.
Portanto, nesse tipo de impresso se articulam ao conteúdo explícito uma concepção de
aprendizagem e um repertório de textos e referências para o trabalho docente. Na área
68
de História, os manuais do professor organizam e sistematizam conteúdos e
procedimentos visando não apenas auxiliar a prática do ensino, mas também contribuir
para uma formação contínua do docente. Conforme recomenda o edital de convocação
para inscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas do PNLD-2008,
trata-se, assim, de um recurso de “orientação teórico-metodológica” (BRASIL, 2007, p.
2). Nesse sentido, fundamentalmente os manuais do professor recomendados para a área
de História têm veiculado discursos sobre o modo de ensinar a matéria junto aos que
atuam na prática. O estudo desses discursos parece indicar que são insistentemente
lembrados aos professores de história os gestos e fazeres já bastante associados à
docência. O inventário das rotinas de trabalho escolhidas e retrabalhadas nos manuais
do professor reitera estratégias de ensino, instrumentos para as aulas e textos para
compreender e pensar sem considerar a desenvoltura necessária à condução de uma
turma de alunos ou o valor de uso de muitas das “receitas” propostas. Dessa
perspectiva, as omissões sobre a complexidade da realização do trabalho educativo por
parte dos manuais do professor das coleções didáticas de história são tão representativas
do que se solicita que o docente da matéria faça da sua prática quanto o que se propõe e
reproduz explicitamente.
69
CAPÍTULO 03
Os modos de enunciação nos Manuais de Ensino
para Professores de História
Entre as muitas formas que assume a atividade discursiva a que motivou esta
pesquisa é antes de tudo um produto didático-escolar, destinado a orientar e organizar
uma prática de ensino. Trata-se da análise de um gênero textual que interpela o docente-
leitor, pressupondo-o e instaurando-o explicitamente no discurso. O estudo dos manuais
do professor dos livros didáticos de história recomendados pelo PNLD-2008, sobretudo,
permite lidar com as representações sociais que esse artifício de comunicação mobiliza
e repercute. Os indícios linguísticos que materializam o leitor que os autores desses
impressos têm em mente valem como rastros dos processos através dos quais expressam
um pensamento sobre a docência. Do mesmo modo, as pistas linguísticas responsáveis
por introduzir no texto a posição do autor contribuem para a percepção dos mecanismos
persuasivos que se utiliza no texto. Para Prost (1996, p. 317), essas são duas operações
necessárias ao estudo de uma enunciação. Segundo ele entende, uma maneira de
dissolver a evidência das significações imediatas é atentar para “a relação entre o texto e
aquele que o produziu, entre o enunciado realizado e o enunciador”.
As lições dadas por Benveniste (1966; 1974), Searle (1981; 1995), e Foucault
(2008, p. 98) há tempos mostraram os discursos como atos ou práticas que fazem com
que apareça “um domínio de estruturas e de unidades possíveis com conteúdos
concretos, no tempo e no espaço”. Esse é também o âmbito das contribuições de
Jakobson (1969), Greimas (1973), Kerbrat-Orecchioni (1980) e Fiorin (2008) para o
estudo da enunciação pelo menos de dois modos, por uma teoria narrativa ou, senão, por
meio da semiótica. As discussões desses autores desenvolveram algumas das mais
esclarecedoras abordagens sobre a atividade discursiva, contribuindo para entender as
astúcias da enunciação e os seus usos a partir da análise do discurso. Entre as exigências
70
metodológicas de análise da palavra organizada em discurso, a linguística propõe tratar
a enunciação como sistema, tomando-a a partir de esquemas gerais que permanecem
invariantes sob a diversidade infinita dos atos particulares de fala. Desde que se
desenvolveu uma linguística do discurso, não mais se opõe, conforme adverte Catherine
Kerbrat-Orecchioni (1980, p. 29-30), “a enunciação ao enunciado como o ato ao seu
produto”. Sob esse aspecto, o mais das vezes há pesquisas que buscam identificar e
descrever os traços do ato no produto.
O estudo da enunciação permite localizar alguns sinais da demanda e
compreender os apelos de mudança sobre o trabalho do professor de história. E esses
sinais e apelos são numerosos hoje na sociedade. A opinião pública se indigna
periodicamente com a cultura histórica dos estudantes do país. Vez por outra a imprensa
publica sondagens sobre a má formação, real ou suposta, dos docentes. Não está
distante disso a polêmica que em 2007 o livro História Crítica de Mário Schmidt
suscitou na imprensa mesmo sem estar recomendado pelo PNLD de História do ano
seguinte. O ensino da história é, portanto, parte do debate público a respeito da
qualidade da educação e, nessa condição, um objeto de discussões ativas. Considerando-
se as posições de Bakhtin (1992; 2006) acerca das possibilidades de análise da
comunicação verbal, os manuais do professor dos livros didáticos também são uma
forma de participar dessas discussões. Sua abordagem chama a atenção para o papel dos
livros na interação verbal. Segundo Bakhtin (1992, p. 123) também o livro constitui um
elemento da comunicação verbal.
A Bakhtin (1992, p. 123) a enunciação também serviu para designar o discurso
escrito. Na obra desse autor, o livro e os textos são considerados atos de fala impressos
e, então, sujeitos aos mesmos princípios da interação verbal presentes no diálogo. Foi
Bakhtin (1992; 2006) quem tratou pela primeira vez as astúcias da enunciação a partir
do estudo dos gêneros textuais e do estilo. Por meio do emprego de conceitos como
dialogismo, polifônia e heteroglossia mostrou que sob as palavras de alguém ressoa a
voz de outrem (cf. TODOROV, 1981). Principalmente, a obra de Bakhtin permite
entender as diferentes instâncias enunciativas instauradas no texto. Por meio dela se
vêm discutido, entre outras questões, as diferentes vozes que podem ser ouvidas em um
texto (BURKE, 1998; 2005), as astúcias e as estratégias da enunciação (TODOROV,
1970; FIORIN, 2008) e mesmo as orientações sociais que se manifestam nos textos
(STAM, 2000). Em muitos sentidos, as perspectivas abertas por Bakhtin para os estudos
da linguagem (cf. PONZIO, 2008) sugerem que também os textos são um produto da
71
interação social, não só determinados pela situação imediata ou pelo contexto que
constitui o conjunto das condições de vida de uma determinada comunidade linguística
como feitos para serem apreendidos de maneira ativa, para serem estudados e
comentados.
Essa ideia de texto me pareceu muito apropriada para o estudo do Manual do
Professor nos livros didáticos recomendados pelo PNLD-2008. Com efeito, trata-se de
um tipo de publicação específico, escrito para o professor, feito mais para ser utilizada
no dia-a-dia do que para ser lido e cuja distribuição gratuita garante a sua circulação nas
escolas. Nesse sentido, pode ser entendido como um objeto editorial que, como diria
Bakhtin (1992, p. 124-125), “responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as
respostas e objeções potenciais e procura apoio”. Já para a maior parte das análises a
respeito da produção do livro didático no Brasil parece claro que a oferta pedagógica
trazida nesse material procura se inserir diretamente no contexto não verbalizado da
prática docente e nele se ampliar pela ação, pelo gesto ou pela atitude do leitor.
Sobretudo a perspectiva elaborada por Bakhtin (1992; 2006) para pensar a linguagem
dos textos permite abordar os termos em que se dá a apreensão da situação de
enunciação pelos recursos linguísticos do discurso. De modo que, para discutir o ensino
de história proposto nos manuais do professor, recorri às concepções de obra, criação
verbal, compreensão responsiva e do problema da comunicação social enunciadas por
Bakhtin.
O propósito deste capítulo, portanto, é perscrutar as formas e os tipos de
interação verbal a que se prestam os manuais do professor dos livros didáticos de
história recomendados pelo PNLD-2008. Por essa razão, debrucei-me sobre o gênero
dos seus textos, a intenção discursiva dos seus autores e a posição semântica que os
docentes ocupam neles. A aposta da análise que se segue está em compreender as
formas como os manuais do professor se dirigem ao docente-leitor, à sua experiência e
consciência.
O gênero didático
No Manual do Professor se utiliza um tipo relativamente estável de enunciados.
Tanto a construção composicional e o estilo de linguagem desses textos são específicos
72
quanto às suas condições de enunciação e finalidades próprias. Conforme foi visto no
capítulo inicial, a despeito das diferenças de acento e enfoque, há protocolos de leitura
que são observados por todas as coleções recomendadas pelo PNLD-2008.
Invariavelmente, nos manuais do professor de história são discutidos, de partida, os
pressupostos teóricos da coleção, sua fundamentação metodológica e linha
historiográfica. Após isso, tratam-se dos procedimentos de trabalho propostos na
coleção e da organização didática dos conteúdos, dos temas ou da ordem dos capítulos.
Por um lado, expõe-se a metodologia de ensino desenvolvida pela coleção, os seus
princípios pedagógicos, seu modo de trabalhar e de fazer trabalhar com as fontes e as
estratégias explicativa e de investigação adotadas. De outro, ficam explícitas, por meio
de considerações gerais sobre os propósitos da edição do livro didático, as questões de
estruturação da coleção como objetivos, sequência e encadeamento das unidades e
iconografia. Depois disso, uma proposta de avaliação é apresentada e justificada.
Seguem-se seções com sugestões de material didático suplementar, geralmente filmes,
músicas e sítios da internet, e de bibliografia complementar de ensino para o professor.
O estudo que Bakhtin (2006, p. 261-335) produziu sobre os gêneros do discurso
mostra-se útil à compreensão das relações entre os enunciados e a especificidade do
campo de atividade no qual foram produzidos. De acordo com as conclusões, a
composição das fórmulas correntes de expressão, ou dos seus protocolos de leitura, se
formam nas condições da comunicação discursiva imediata. Assim, para Bakhtin (2006,
p. 265), na abordagem dos vestígios que a vida deixa na linguagem o enunciado é um
núcleo problemático de importância. Entre os locais da enunciação onde os
pesquisadores haurem os fatos linguísticos de que necessitam, os manuais do professor
são aqueles nos quais melhor podem operar com as evidências das escolhas técnicas e
procedimentais dirigidas ao magistério já em serviço. Em notáveis estudos históricos
sobre os manuais de ensino, Choppin (2000) e Anne-Marie Chartier (2007) insistem que
os textos regulamentares oficiais e o cotidiano da profissão docente impõem condições à
enunciação dos autores de obras didáticas. Não só o poder político define muito do que
se deve tratar como o que se sabe sobre o trabalho do dia-a-dia na sala de aula produz
demandas específicas. Portanto, a composição típica dos textos dos manuais efetua-se
na interação verbal entre quem governa, aquele que os produzem, os seus usuários e os
críticos. Nesse aspecto, a historiografia adverte ainda que um formalismo demasiado e
uma abstração exagerada da investigação justamente deformam a historicidade das
relações da língua com a atividade humana que a enunciou.
73
Os manuais do professor que acompanham os livros didáticos recomendados
pelo PNLD possuem a estabilidade e o padrão típico de construção dos enunciados de
um gênero discursivo. São uma forma normalizada, mas segura, da vontade discursiva
de um autor se manifestar. Ainda que, conforme explica Bakhtin (2006, p. 283), bem
mais flexíveis, plásticas e livres que as formas da língua, as formas de gênero também
moldam o discurso. Assim, a despeito de toda individualidade e do caráter criativo que
distinguem cada um desses manuais entre si, há formas indispensáveis e obrigatórias
para a compreensão do que se enuncia num Manual do Professor. A análise delas pode
servir de guia para o estudo do tipo de composição utilizada, suas condições de
elaboração e aplicação. A maneira como Bakhtin (2006) estudou os gêneros do discurso
sugere que a conclusibilidade de significado, a expressividade e o endereçamento são os
principais elementos constitutivos das formas de enunciação. Seguindo esse modelo,
tais elementos são determinados pelo campo da atividade humana e da vida a qual o
enunciado se refere. Para Bakhtin (2006, p. 289; 301), não só a escolha do gênero de
discurso é determinada pelas tarefas do sujeito e em consideração às atitudes em prol
das quais o enunciado é criado como também em função da força e da influência do
destinatário no enunciado.
A tarefa precípua do Manual do Professor é orientar o docente na utilização do
livro didático. Esse sentido da obra determina as suas peculiaridades estilístico-
composicionais. Como já se tratou no capítulo anterior, um manual didático mais se
parece com um guia de trabalho para ser utilizado no dia-a-dia e impõe conteúdos, uma
progressão, exercícios e modalidades de avaliação. A divisão do texto em numerosas
seções, a sua eventual organização por tópicos, a presença de excertos de outros textos,
as sucessivas indicações bibliográficas sistematizam um repertório considerável de
instruções e referências para o trabalho docente. A opção por textos que informam sobre
o conteúdo ou por explicações acerca da realização das atividades, o uso, ou não, de
orientações cartográficas, a frequente remissão ao livro do aluno e demais recursos para
orientar o trabalho docente em sala de aula também compõem o conteúdo semântico-
objetal (BAKHTIN, 2006, p. 289) dos manuais dos professores. O rico arsenal de
recursos linguísticos de que o Manual do Professor se vale para exprimir o objeto do
seu discurso inclui procedimentos didáticos específicos. Em muitos sentidos, a obra
didática reproduz e combina fórmulas já experimentadas de transmissão dos conteúdos
e dos seus métodos e categorias de estruturação. Portanto, entre as suas particularidades
74
estilístico-composicionais podem ser percebidos os imperativos didáticos da cultura
escolar a qual se destina.
No Manual do Professor se efetiva um copioso registro do trabalho didático que
supõe o exercício da docência. De modo que nesse tipo de impresso também se vê o
modo propriamente escolar de escansão do tempo, a repartição das atividades no
interior do ano, a duração dada às sequências de curso, o ritmo de exercícios e controles
diversos. Entre os seus traços estilístico-composicionais predominam valores,
preocupações e recursos que não escaparam aos estudos acerca dos saberes e das
disciplinas escolares. Sobretudo porque os manuais dos professores respeitam boa parte
da economia interna que distingue a escola de outras entidades culturais, sua morfologia
também se constitui a partir das rotinas escolares de ensino mais comuns. Em todos os
manuais do professor dos livros didáticos de História recomendados pelo PNLD-2008
os valores de apresentação e de clarificação predominam. Não só há nesses textos uma
marcante preocupação com a progressividade e a sua divisão formal em partes e
subpartes como a abundância de redundâncias na informação, o recurso aos comentários
explicativos e às técnicas de condensação. Igualmente, as esquematizações, a
exemplificação e o lugar concedido às questões e aos exercícios cumprem uma função
de controle ou de reforço pelo qual se reconhece o gênero didático de comunicação.
Como sublinharam Chervel (1990, p. 204) e Forquin (1992, p. 35) quando analisaram as
condições de realização prática cotidiana do ofício de escolar, os savoir-faires internos à
sala de aula, as competências operatórias de curto alcance e de função adaptativa, os
rituais, as rotinas e as receitas constituem o campo da atividade humana ao redor do
qual se vulgarizam os procedimentos de ensino e se fixam as suas representações.
A relação que os autores dos manuais do professor estabelecem com o seu
conteúdo semântico-objetal é outro elemento desse tipo de enunciado. Esse não-próprio
das palavras que, no entanto, lhes tornam uma espécie de representante da plenitude do
enunciado como posição valorativa, é para Bakhtin (2006, p. 294) a expressão da
autoridade de um autor. Na ordem de preocupações de Bakhtin, trata-se de pensar o
processo de criação do enunciado a partir do contato que mantém com a realidade
concreta. Assim, a especificação do gênero didático aludido acima determina um
primeiro âmbito de composição temática e de estilo. Os valores pedagógicos e políticos,
as preferências culturais e estéticas, a experiência com a aprendizagem escolar do autor
e os rastros do processo que organizam no discurso também determinam opções e
prioridades. As opções pela história temática ou pelo encadeamento cronológico dos
75
conteúdos, pela integração dos conteúdos de história geral e do Brasil ou não e entre
uma abordagem acentuadamente historiográfica ou marcada pelas metodologias da
aprendizagem nas coleções didáticas de História recomendadas em 2008 refletem algo
das escolhas que hoje é possível expressar sobre o ensino de história.
Sobretudo a ideia de Mikhail Bakhtin (2006, p. 289-293) de que a relação
subjetiva emocionalmente valorativa do autor-falante com o conteúdo do objeto e do
sentido do seu enunciado é um elemento expressivo determinante da composição e do
estilo do discurso adverte sobre a existência de “alguns contatos típicos dos significados
das palavras com a realidade concreta”. No caso de alguns dos manuais do professor
que acompanham os livros didáticos de História, o tom expressivo de palavras como
“olhar” ou “mudança” não são os típicos dessas palavras. Determinadas pelo contexto,
essas palavras se prestam a uma reacentuação que lhes modificam o sentido. Por meio
do recurso aos desenvolvimentos perifrásticos e de sinestesia se realiza a transferência
de percepções da esfera de um sentido para a de outro, do que resulta uma fusão de
impressões com poder sugestivo como em: “O aluno deve aprender a olhar a realidade
com ‘olhos históricos’” (SCHMIDT, 2002, vol. II, p. 04) ou “O Big-Bang poderia ser
comparado, por exemplo, à descoberta do amor, ou a uma grande mudança na vida que,
depois de um período ‘estrondoso’, de grande confusão, dá origem a ‘novos mundos’ ”
(PANAZZO; VAZ, 2002, vol. I, p. 14). Esse tipo de expressividade pode ser vista como
um efeito estilístico da necessidade funcional da didatização atribuída por Forquin
(1992, p. 34) aos saberes escolares.
A predominância dos valores de apresentação e de clarificação e os recursos
linguísticos de sua expressividade determinam, ao lado do elemento semântico-objetal,
o gênero dos manuais para professores de História. Ainda segundo a proposta de análise
de Bakhtin (2006, p. 296-297), não basta estudar as formas estáveis e normativas típicas
de um enunciado para se compreender a realidade viva e as funções sociais de um
determinado gênero discursivo. Para Bakhtin (2006, p. 297), o enunciado ocupa uma
posição definida em uma dada esfera da comunicação, em uma dada questão, em um
dado assunto, sendo impossível alguém definir sua posição sem correlacioná-la com
outras posições. O corolário dessa perspectiva é o de que “cada enunciado é pleno de
variadas atitudes responsivas a outros enunciados de dada esfera da comunicação
discursiva” (BAKHTIN, 2006, p. 297). No que diz respeito aos manuais do professor
que acompanham os livros didáticos de História recomendados pelo PNLD-2008 se
verifica que, em certa medida, não deixam de ser também uma resposta àquilo que já foi
76
escrito sobre o ensino de história. Entre as condições de produção desse tipo de texto, a
reassimilação dos enunciados de outros sobre o ensino de história determina o destaque
dado a determinados elementos, as repetições e a escolha de certos tipos de expressões.
Assim, as sistemáticas referências aos documentos oficiais, à história social inglesa e à
nova história cultural, o recurso à citação dos recentes resultados de pesquisa acerca do
ensino de história e do livro didático no Brasil e também o uso de noções típicas dessas
discussões deixam evidente a tonalidade dialógica (BAKHTIN, 2006, p. 299) dos
enunciados de que se compõem os manuais do professor recomendados para a área de
História.
Outro traço constitutivo do enunciado é então o seu endereçamento, o seu
direcionamento a alguém. Do mesmo modo que se compreende que um discurso está
voltado não só para o seu objeto mas também para os discursos do outro sobre ele, que
se constrói levando em conta as atitudes responsivas também está posto que tem um
destinatário. Para Bakhtin (2006, p. 301), tanto a composição quanto o estilo do
enunciado dependem da força e a influência do destinatário no discurso, pois, como o
falante, o escritor percebe e representa para si os seus destinatários. Nesse sentido, é a
concepção típica de docente que determina o Manual do Professor como gênero. Ainda
segundo a perspectiva de Bakhtin (2006), o autor do enunciado presume uma resposta
dos destinatários, construindo o texto ao encontro dessa resposta na espera de uma ativa
compreensão responsiva. Trata-se de uma percepção do papel ativo que o destinatário
do enunciado cumpre na construção dos discursos uma vez que ao se escrever para um
público determinado põe-se em conta a influência dele sobre a comunicação.
Principalmente, quando se dá uma resposta pronta às objeções já previstas ou se apela
para toda sorte de subterfúgios ficam as pistas de uma tentativa de responder o que
ainda está por vir com a leitura de um enunciado. Outro conjunto de operações leva em
conta o fundo aperceptível da percepção de um enunciado pelo destinatário: “até que
ponto está a par da situação, dispõe de conhecimentos especiais de um dado campo
cultural da comunicação, suas concepções e convicções, os seus preconceitos, as suas
simpatias e antipatias” (BAKHTIN, 2006, p. 302).
A literatura didática endereçada aos professores na forma de manual resulta da
escolha de procedimentos composicionais e meios linguísticos que refletem a posição
social, o título e o peso do destinatário. Os manuais do professor contêm indícios que
materializam o leitor que o autor tem em mente e, assim, dão o registro de uma forma
específica de compreender o docente e o exercício da docência. O estudo histórico das
77
mudanças desse tipo de registro sobre o trabalho docente tem se mostrado uma tarefa
interessante e importante (cf. BITTENCOURT, 1993; GASPARELLO, 2004;
FREITAS, 2006). A história do ensino de história mostra que tanto há formas
convencionais de apelo aos leitores-docentes (BITTENCOURT, 1993; 2004) quanto
existe, paralelamente ao autor real, representações de autores testa-de-ferro, editores,
narradores de toda espécie (cf. FREITAS, 2006). É prudente que um estudo da situação
da produção atual não deixe de considerar que cada época têm como característica suas
concepções especificas de destinatário do Manual, a sensação especial e a compreensão
do seu leitor. Mais uma vez, em uma época na qual é destacado o papel do leitor e seu
horizonte de expectativas na construção do significado (cf. JAUSS, 1978; CERTEAU,
1994; BURKE, 2002) as noções de atitude e compreensão responsivas são de relevância
para o estudo das representações que se têm da docência em história.
Elaboração didática da História
As discussões sobre a utilização do livro didático nas aulas de história
frequentemente tratam da intermediação do professor, que o escolhe, seleciona os
capítulos ou partes que devem ser lidos e dá orientações aos alunos (ARAUJO, 2001;
OLIVEIRA, 2009, ROCHA, 2009), e ignoram o papel do professor para quem escreve
obras didáticas. No entanto, Circe Bittencourt (2004, p. 317) adverte que, desde seu
processo inicial de confecção, os manuais didáticos pressupõem uma leitura que
necessita da intermediação do professor. Nesse sentido, Araújo (2001) constatou que é
comum o uso do livro didático na preparação das aulas e no planejamento e que “o grau
de dependência dos professores em relação a esse material está associado à sua
formação e às condições de trabalho” (cf. BITTENCOURT, 2004, p. 318). No Manual
do Professor, são justamente as demandas de uso do livro didático no preparo das aulas
e as questões de apropriação da obra didática pelo docente que o autor pressupõe e
procura responder. Conforme propõe Bakhtin (2006, p. 272), esse empenho do autor em
tornar inteligível o seu enunciado indica que “ele não espera uma compreensão passiva,
por assim dizer, que apenas duble o seu pensamento em voz alheia, mas uma resposta,
uma concordância, uma participação, uma objeção, uma execução”. Como tantos outros
78
gêneros do discurso escrito, o Manual do Professor é concebido para essa compreensão
ativamente responsiva de efeito retardado: Todo enunciado – da réplica sucinta do diálogo cotidiano ao grande romance
ou tratado científico – tem, por assim dizer, um princípio absoluto e um fim absoluto: antes do seu início, os enunciados de outros; depois do seu término, os enunciados responsivos de outros (ou ao menos uma compreensão ativamente responsiva silenciosa do outro ou, por último, uma ação responsiva baseada nessa compreensão). O falante termina o seu enunciado para passar a palavra ao outro ou dar lugar à sua compreensão ativamente responsiva (BAKHTIN, 2006, p. 275).
Na perspectiva de Bakhtin (2006, p. 279), a obra está disposta para a resposta do
outro, para a sua ativa compreensão responsiva que, como a réplica do diálogo, pode
assumir diferentes formas: “influência educativa sobre os leitores, sobre suas
convicções, respostas críticas, influência sobre seguidores e continuadores”. Ainda
significativo para o entendimento da enunciação, Bakhtin (2006, p. 302) insiste que a
vontade discursiva do autor que produziu a obra “sempre leva em conta o fundo
aperceptível da percepção do seu discurso pelo destinatário”. Nesse modo de
compreender as relações entre os meios linguísticos do discurso e a expressividade e
endereçamento dos seus enunciados se verifica que a comunicação discursiva impõe ao
falante, como também ao autor, uma atitude responsiva direta. As pistas linguísticas que
esse fenômeno introduz numa obra permitem perceber as escolhas dos procedimentos
composicionais e, assim, parte das relações entre o texto e aquele que o produziu. O
sistema de pronomes, os advérbios de circunstância, os conectivos, o tempo dos verbos
e suas modalizações trazem a marca daquele que produziu o texto, indicam os usos que
se fez das categorias de pessoa, espaço e tempo na enunciação (cf. FIORIN, 2008).
Nesse sentido, são todos vestígios do direcionamento e das respostas às objeções já
previstas, das tonalidades dialógicas, da maior ou menor influência do destinatário e da
vontade discursiva que determinaram a escolha dos recursos linguísticos feita por um
autor.
Nos manuais do professor, geralmente o autor não se envolve pessoalmente com
seu discurso. À exceção de incisos nos quais ele então assume a responsabilidade das
suas análises e posições, os enunciados são pouco modalizados e evitam confrontar o
leitor. Para Bakhtin (2006, p. 304) tal estilo, objetivo-neutro, produz uma seleção de
meios linguísticos extremamente genérica e abstraída do seu aspecto expressivo. É o
que também se verifica nos manuais do professor recomendados pelo PNLD-2008. Não
só as considerações gerais sobre o formato e o uso do suplemento do professor se
apoiam numa forma de autoridade científica específica como as orientações sobre as
79
atividades propostas têm entre suas principais características o uso do modo imperativo,
as repetições e redundâncias e a impessoalidade. No conjunto desses textos, subsiste
mais a preocupação de explicar que a de convencer e, portanto, sua “objetividade” não é
senão o efeito de um discurso de instituição (cf. NUNES, 1995, p. 14-15; PROST, 1996,
p. 319; CERTEAU, 2007, p. 72-73). Em 2008, quase a totalidade das obras didáticas de
história recomendadas pela primeira vez no PNLD não rediscutem os paradigmas
historiográficos ou representam uma nova proposta de ensino-aprendizagem e de
didática da história15. Apenas a coleção publicada por Andréa Paula, Carla Ferraresi e
Conceição de Oliveira (2007) recebeu viva recomendação no Guia de Livros Didáticos
PNLD 2008: História tanto por incorporar importantes elementos da renovação
historiográfica quanto por propor estratégias pedagógicas de elaboração de projetos
histórico-sociais baseado na realidade dos alunos. No entanto, fundamentalmente, a
nova oferta editorial ou atualiza a proposta para uma história temática apresentada há
cerca de uma década e que ainda mostra fôlego comercial e acadêmico16 ou abrange os
pressupostos, as condições e as metas da aprendizagem regulamentadas por decretos
como os de n.º 10.639/03, que introduziu no currículo a obrigatoriedade da temática
História e Cultura Afro-Brasileira, e n.º 11.645/08, que a atualiza, e sugeridas pelos
atuais índices de avaliação educacional. Trata-se de uma oferta que tanto responde uma
demanda já reconhecida quanto repete as fórmulas já experimentadas.
Sob esse ponto de vista, pode-se pensar com Michel de Certeau (2007, p. 73)
que como os estudos históricos também os manuais didáticos estão muito mais ligados
“ao complexo de uma fabricação específica e coletiva do que ao estatuto de efeito de
uma filosofia pessoal”. Não só uma interpretação, a elaboração de novas pertinências,
um modo de organização característico enunciam uma operação que se situa num
conjunto de práticas como, ainda, esboçam um lugar institucional e as leis de um meio.
Conforme avaliam Choppin (2002, p. 22) e Bittencourt (2004, p. 302), nem por isso a
obra didática deixa de ser uma representação que a sociedade quer dar de si mesma.
Como discurso para e sobre a docência, os manuais do professor trazem os efeitos disso
na maneira que refletem a situação extraverbal da qual tratam. Da representação que
15 Em primeira edição as coleções Projeto Araribá, História em Projetos, História, Sociedade & Cidadania, Encontros com a História, Diálogos com a História, Construindo Consciências-História, Por dentro da História e História Hoje são exemplos de projetos editoriais bem sucedidos no processo de avaliação do Programa Nacional do Livro Didático de 2008. 16 Sobretudo é o caso da Coleção História Temática, de Montellato, Cabrini e Catelli. Noutra perspectiva de trabalho e organização dos conteúdos de História, as coleções Saber e Fazer História e História e Vida Integrada também são exemplos de sucesso editorial.
80
esse tipo de texto, por exemplo, apresenta do ensino e da escola apreende-se melhor o
discurso historiográfico acerca da didática da História que sobre as condições do ensino
de História na escola. De acordo com o que foi tratado no capítulo inicial,
principalmente as formas de avaliação instituídas pelo PNLD asseguram uma seleção
pelos pares que apreciam a obra didática segundo critérios científicos decisivos para o
autor ser “acreditado” (cf. CERTEAU, 2007, p. 72). No caso dos manuais do professor,
observa-se que se afigura um ensino pensado sobre o instrumental metódico e teórico da
História, mas que ignora muito das dificuldades que os professores de história têm de
passar para apreender um pouco das realidades que tentam explicar.
Assim, os textos de apoio, as referências bibliográficas, as sugestões de registro
e o conjunto de atividades que o Guia de Livros Didáticos PNLD 2008 – História
ressalta e tanto valoriza nos manuais do professor não devem se passar por meros
subsídios para a orientar metodologicamente o trabalho docente e assegurar boa
formação ao professor. Nesse repertório de textos e elementos de referência, que o
Manual do Professor compila, também é marcante o tipo de escolha, pois ela remete
uma certa percepção que se tem do destinatário. Em geral, observa-se o que o edital de
convocação determina como “recursos que contribuam para a formação do professor”
(BRASIL, 2005, p. 47) com uma seleção de textos de apoio e indicações bibliográficas
voltados para a discussão historiográfica. A citação e compilação de textos de
especialistas sobre determinada questão ou período histórico e mesmo as indicações de
leitura desempenham um papel de atualização e de esclarecimento das propostas do
livro didático. Entretanto, para autores como Munakata (2007, 139) e Torres (1998, p.
160-161), a centralidade que o livro didático assume nesse âmbito de preocupações
repousa na suspeita de que os professores não teriam tido formação adequada. Há, por
outro lado, recursos didáticos que os próprios manuais trazem elaborado para uso do
professor. Nesse sentido, as fichas de avaliação (STAMPACCHIO; MARINO, 2005, p.
14-15) os organograma da coleção (STAMPACCHIO; MARINO, 2005, p. 16;
MONTELLATO; CABRINI; CATELLI, 2002, p. 7-10; MODERNA, 2006, p. 7;
BRAICK; MOTA, 2006, p. 10-11) e as sugestões de planejamento (SANTIAGO, 2005,
p. 14; CARDOSO, 2007, p. 10-21) são insumos de trabalho que também reforçam a
separação entre os que planejam o ensino e os que executam. Paim (2007, p. 162) tem
insistido na idéia que sob a prescrição desses modelos criam-se técnicas que o professor
deve repassar. Outras indicações que visam orientar o trabalho escolar são as de sítios
na internet e de filmes. A incorporação de outras linguagens além da escrita no ensino
81
de história tem feito do computador e do cinema recursos cada vez mais explorados nos
manuais do professor. Na concepção de ensino de história e pesquisa escolar que se vai
consolidando nas obras didáticas, as possibilidades de trabalho com os recursos da
informática e os produtos da indústria do entretenimento ganham uma grande
importância didática. Sobretudo quando permitem explorar uma área fronteiriça entre a
discussão historiográfica e as circunstâncias nas quais se desenvolve o trabalho
docente17.
Essas inserções textuais no enunciado dos manuais são do mesmo tipo do que
Choppin (2002, p. 23) chamou de paratexto das obras didáticas para tratar com uma
estrutura que não mais possibilita uma leitura continuada. As ilustrações, o textos
citados, os exercícios e as questões rompem o percurso linear do texto-base tanto no
livro do aluno quanto no manual que acompanha o exemplar do professor. O paratexto
nos manuais do professor também produz uma concepção de docência. Principalmente,
os textos complementares, os excertos, as indicações bibliográficas e de material e as
sugestões de atividades apontam que o domínio dos conteúdos por parte do professor é
uma preocupação central. Os subsídios que se indica e se procura organizar por meio
dos manuais do professor assumem o instrumental metodológico e teórico da história
como condição de exercício da docência na área. Sem abrir mão das considerações
sobre o que ensinar em história, o Manual do Professor se caracteriza hoje por ter de
explicitar os pressupostos, as condições e metas da aprendizagem na disciplina
específica da história e os meios do seu ensino. Quando se analisa a maneira como as
conexões entre o texto-base e o paratexto são realizadas no exemplar do professor dos
livros didáticos pode-se perceber algo da terminologia que orienta as expectativas em
relação ao exercício da docência em história. Ligar a vida presente ao legado da
humanidade (MODERNA, 2006, p. 22), compreender as realidades que se tenta explicar
(cf. DREGUER; TOLEDO, 2006) ou relacionar o fato a temas e aos sujeitos que o
produziram para buscar uma explicação (MONTELLATO; CABRINI; CATELLI,
2002) são ações consideradas parte do ofício da docência em história nesse tipo de
impressos. Do mesmo modo que há expectativas quanto ao que é ensinado, espera-se
que na maneira de ensinar o docente de história comente e explique a matéria, relacione
os fatos, destaque conteúdos, demonstre os processos de mudança ao longo do tempo,
17 Os manuais de uso dos livros didáticos organizam referências de sítios da internet dos principais museus do país e de algumas das instituições de pesquisa histórica e de preservação do patrimônio histórico. Também são referenciados um extenso conjunto de filmes históricos nesse tipo de impresso.
82
informe sobre a atualidade de algumas questões históricas e estimule a aprendizagem do
aluno. Se em alguma medida se pode concluir que a docência em história se caracteriza
por fazer intervir nos atuais assuntos de interesse da juventude explicações racionais e
exigências de convivência e participação social um dado interessante é a exígua
presença de orientações relacionais que não as de ordem operacional: orientar,
acompanhar, corrigir, estimular, avaliar, explicar, solicitar...
Sobretudo é assim na parte específica dos manuais do professor. A recorrência
com que se convenciona a ação do professor em sala de aula nas orientações específicas
por série dos manuais resulta numa concepção de docência pautada em categorias como
habilidade, competência e autonomia. Relacionar, compreender, explicar, acompanhar,
orientar, corrigir e avaliar são tanto expressões da ordem das habilidades quanto das
competências que se solicitam dos docentes nos manuais didáticos. Não há coleção
recomendada no PNLD de 2008 desprovida desse tipo de percepção da docência. A
preocupação com os expedientes de exposição dos conteúdos, de desenvolvimento das
atividade e de devolução dos resultados produz uma seleção de meios linguísticos não
só do ponto de vista da sua adequação ao objeto do discurso mas da perspectiva do
proposto fundo aperceptível do destinatário do discurso (cf. BAKHTIN, 2006, p. 304).
Portanto, uma peculiaridade constitutiva e determinante da parte específica dos manuais
do professor é a forma típica com que representa a docência em História. Pressupõem-se
um trabalho autônomo, operado em função do conteúdo pedagógico das atividades
propostas para compreensão e estudo da matéria e segundo um repertório de
procedimentos metódicos de aula. O Manual do Professor justifica e fundamenta esse
trabalho instrumental sobre os exercícios e o seu controle dando preferência às práticas
de produção textual e pesquisa dos alunos em detrimento da memorização e da cópia.
Sob esses termos, a didática que se constroi para o ensino de história nos
manuais do professor parece definida por uma combinação de práticas articuladas e
apresentadas sob a forma de atividades. Efetivamente, para Choppin (2002, p. 23) a
dimensão dinâmica da obra didática atribuí funções especiais aos exercícios, às questões
e às atividades que se estendem sobre a paginação e demais características tipográficas.
A estrutura editorial que os manuais do professor organizam em parte específica para
discutir as respostas dos exercícios propostos no livro do aluno e sugerir outras
atividades e ações também compreende quadros explicativos, pictogramas de
sinalização e manchas visando permitir ao usuário apreender a forma como a obra foi
instrumentalizada. Por um lado, conforme explica Choppin (2002, p. 23), nem tudo
83
figura no mesmo plano sendo modesto o lugar que ocupa a localização ou mera
memorização de informações. Ao contrário, a análise e a dissertação, o debate, a
interpretação e a crítica colocam em jogo não só o rigor nas deduções, as posições
pessoais e a criatividade dos alunos, mas as orientações e a mediação do próprio
professor. Por outro lado, os procedimentos retóricos que assim organizam as propostas
de exercícios evidenciam as posições do autor quanto às estratégias de produção do
conhecimento histórico na sala de aula. Nem sempre a compreensão do leitor-docente é
deixada por conta da estruturação a qual o Manual do Professor se presta. Geralmente
por meio do recurso às introduções ou de inserções explicativas e incisos, os autores se
pronunciam e esclarecem suas opções de procedimento. Nessas passagens do texto, a
relação valorativa do autor com o objeto do seu discurso favorece o estudo das
representações que se constrói sobre a docência. As pistas linguísticas responsáveis por
introduzir no texto a posição do autor não só contribuem para a percepção dos
mecanismos persuasivos então utilizados como para analisar os tipos de estratégias
através das quais o autor pode expressar seu pensamento.
A indicação dos critérios para a seleção dos conteúdos pedagógicos e
da disciplina
Na indicação dos critérios para seleção dos conteúdos pedagógicos e da
disciplina que os manuais do professor registram nas introduções ou nas inserções
explicativas e incisos segue o investimento dos autores em enunciar e produzir uma
interpretação correta. Como hoje advertem as pesquisas acerca do uso do livro didático
(ARAÚJO, 2001; BITTENCOURT, 2004), esse esforço chega ser proporcional ao grau
de liberdade do usuário perante a obra didática. Quanto mais se postula que os leitores
reais não se conformam ao leitor suposto pelo discurso, melhor elaborados são os
artifícios que visam a fazer com que o Manual do Professor seja lido por seu leitor
como um discurso competente (cf. CHAUÍ, 1989). Nas coleções didáticas em que os
enunciados na primeira pessoa do plural predominam nos textos dos manuais do
professor, as escolhas e rejeições dos autores, assim como algo de suas prioridades, são
explicitadas (cf. STAMPACCHIO; MARINO, 2005 ou DREGUER; TOLEDO, 2006).
Sobretudo na parte específica desses manuais, os incisos nos quais os autores prestam
84
orientações adicionais a respeito da realização dos exercícios a expertice é acentuada.
Esclarecimentos do tipo “usamos o termo ‘região’ e não cidade, município ou bairro
porque, em muitos casos, as atividades econômicas apresentam um caráter regional
envolvendo vários municípios” (STAMPACCHIO; MARINO, 2005, vol. 1, 2005, p.
19) ou “partimos dos diversos significados atuais do termo república, bem como da
etimologia da palavra, vinculando-a à ideia de ‘coisa pública’, ou seja de garantia do
interesse coletivo” (DREGUER; TOLEDO, 2006, vol. 1, p. 37), sublinham o
conhecimento que os autores têm acerca do que se propõem tratar.
Nesses casos, existe o envolvimento pessoal dos autores com o discurso e uma
maior exposição sua diante do leitor. Conforme advertem, entre outros, Bakhtin (1988)
e Booth (1970) na verdade não se tem acesso a esse sujeito senão por aquilo que ele
enuncia, tratando-se, por isso, de um autor apenas constituído pelo texto; aquele que
pertence ao campo da teoria da enunciação (FIORIN, 2008, p. 63). Não obstante a
efetividade do que assinala a teoria, tanto quanto o lugar de onde fala o autor e os seus
valores pedagógicos e políticos e experiência profissional, a forma como o autor se
coloca no texto determina a construção e o estilo do enunciado. Quando se considera os
discursos como atos (PROST, 1996, p. 317), o sistema dos pronomes, os advérbios de
circunstância, as conexões, os tempos e modos verbais permitem reconhecer na relação
entre o texto e aquele que o produziu as relações entre as posições actanciais do
enunciador e a do enunciatário (cf. GREIMAS; COURTÈS, 1979, p. 125). Nos manuais
do professor em que predominam os enunciados na primeira pessoa do plural essas
relações são constituídas sob a forma de sugestão, amenizando-se o caráter mais ou
menos imperativo das instruções. Assim, fórmulas como “sugerimos um momento de
discussão sobre o mapa em sala de aula e até mesmo de decifração de algumas
inscrições” (PILETTI; PILETTI, 2007, vol. 1, p. 39), “sugerimos que essas questões
sejam representadas para os alunos, levando-os a se indagarem sobre as respostas dadas
no início dos trabalhos” (MODERNA, 2006, vol. 1, p. 62) ou “sugerimos que cada
grupo de cinco alunos entreviste apenas cinco pessoas” (STAMPACCHIO; MARINO,
2005, vol. 1, 2005, p. 21), atestam a autonomia do docente-leitor, procurando influir por
meio de recomendações.
Uma variação dessa forma é o recurso ao plural majestático, ou a embreagem da
primeira pessoa do plural pela primeira do singular quando se trata de um enunciador
que usa nós porque se pretende um indivíduo que não fala em seu próprio nome, mas
em nome de um Saber. Nesses casos, também é reconhecida a autonomia do leitor e do
85
docente e há uma constante amenização das formas verbais imperativas, predominando
as sugestões. Com efeito, são recorrentes os enunciados do tipo “sugerimos ainda que se
dê especial atenção ao boxe sobre Pompéia” (BOULOS JR, 2006, vol. 1, p. 29) e
“apresentamos a seguir uma proposta que pode ser adaptada e reproduzida”
(SANTIAGO, vol. 1, p. 14, 2006). Na primeira pessoa, os textos dos manuais do
professor tanto explicitam com maior precisão as escolhas quanto expõe as posições do
autor sob a forma de considerações. Mostra isso o frequente recurso que há nessas
coleções a expressões como “consideramos oportuno lembrar”, “optamos partir das...”
ou “tomamos o cuidado de escolher” (BOULOS JR, vol. 1, p. 13, p. 15, p. 14).
Por outro lado, há coleções didáticas em que se preferiu utilizar formas de
indeterminação do sujeito nos enunciados dos manuais do professor (por exemplo,
CARDOSO, 2007; MONTELLATO; CABRINI; CATELLI, 2002 e BRAICK; MOTA,
2006). Segundo Fiorin (2008, p. 86), a forma indeterminada serve para que o
enunciador se esvazie de toda e qualquer subjetividade e se apresente apenas como
papel social. Nos manuais do professor em que esse tipo de enunciado predomina,
geralmente, as indicações operacionais recrudescem sob a forma de propostas e
pretensões. Afirmações acerca das expectativas de aprendizagem são as mais
recorrentes nesse sentido: “pretende-se formar no aluno a habilidade de leituras
diferenciadas respeitando a natureza explicativa de cada uma delas sem a preocupação
de confrontá-las e classificá-las como verdadeiras ou falsas” (MONTELLATO;
CABRINI; CATELLI, 2002, vol. 1, p. 39), “procura-se despertar nos alunos o interesse
pelas civilizações grega e romana” (BRAICK; MOTA, 2006, vol. 1, p. 55). Nesses
casos, as prescrições também se apoiam em evidências que, se julga, sejam
compartilhadas por todos. Passagens como, por exemplo, “parte-se dos valores e
eventos do passado que permanecem vivos no presente para não só estabelecer o
vínculo entre passado e presente, mas também atestar a força que as tradições exercem
sobre o presente” (MONTELLATO; CABRINI; CATELLI, 2002, vol. 1, p. 27) e
“introduz-se, neste capítulo, o estudo do período de consolidação da democracia grega e
da formação de seu patrimônio cultural, procurando demonstrar a necessidade de lutar
para preservar as conquistas” (BRAICK; MOTA, 2006, vol. 1, p. 59), presumem que o
estudo da história deve influir nas atuais formas de convivência.
Entre as sugestões dos textos em primeira pessoa e as propostas e pretensões dos
textos que se utilizam das formas indeterminadas em lugar da primeira pessoa ocorrem
maneiras intermediárias de enunciar os critérios para seleção dos conteúdos
86
pedagógicos e da disciplina nos manuais do professor. Em PANAZZO e VAZ (2002, v.
1, p. 10) ocorre o uso da primeira pessoa do plural para expressar pretensões quanto ao
trabalho com os conceitos históricos e um acentuado emprego dos modos verbais
imperativos. Já as coleções publicadas por RODRIGUE (2002) e SCHIMIDT (2005),
embora utilizem formas indeterminadas em lugar da primeira pessoa, manifestam-se por
meio de sugestões e do emprego de uma série de recursos para amenizar o caráter mais
ou menos imperativo que envolve as suas proposições. As diferentes formas do autor
intervir no texto do Manual do Professor conformam certos contornos, desenha, a partir
das seleções operadas e dos traços manifestados do seu agenciamento, o que Denis
Bertrand (1982, p. 34-35) chama de disposição cognitiva. Para Bertrand (apud. FIORIN,
2008, p. 63), “o sujeito pragmático da enunciação torna-se desde então ‘configurável’
como um feixe de atitudes em relação aos objetos de conhecimento que ele põe no lugar
e que dispõe segundo as aberturas e as coerções de uma certa ordem do saber”. Nesse
sentido, o autor que se constitui implicitamente no texto é responsável pela
conclusibilidade específica do enunciado18. O conjunto de avaliações e as
representações que, desse modo, ele efetiva no discurso se afigura de maneira a fazer
reconhecer uma maneira própria de estar no mundo (cf. BAKHTIN, 2006).
Em relação ao que é enunciado no Manual do Professor, as inserções
explicativas e incisos nos quais o autor se instala em primeira pessoa ou se indetermina
no texto não são mais que uma pequena parte do seu discurso. As demais estratégias
actanciais (cf. FIORIN, 2008) e recursos para o autor tornar inteligível seus propósitos
se dão sob a forma do gênero no qual o enunciado foi construído. Assim, a intenção
discursiva do autor, sua vontade discursiva, também se revela nas estratégias
linguísticas propiciadas pelo gênero do discurso escolhido. Os manuais do professor das
coleções didáticas recomendadas pelo PNLD-2008 são determinados por considerações
técnicas e por princípios que se busca transformar em regras de ação práticas. Entre
tantas outras, essa sua especificidade configura os procedimentos composicionais e
meios linguísticos que, conforme fazem pensar as proposições de Bakhtin (2006) e de
Bertrand (1982), refletem a posição social e o peso do destinatário. Nessa perspectiva,
um levantamento sumário dos indícios linguísticos que materializam o leitor implícito
nos textos desses impressos adverte que o insistente uso das formas verbais imperativas
18 Para Bakhtin (2006, p. 280-281), a inteireza acabada do enunciado, que assegura a possibilidade de compreensão responsiva, é determinada por três elementos intimamente ligados no enunciado: 1) exauribilidade do objeto e do sentido; 2) projeto de discurso ou vontade de discurso do falante; 3) formas típicas composicionais e de gênero do acabamento.
87
ou, então, a escolha do modo indicativo quando se busca orientar uma ação prática do
professor não é uma mera opção estilística.
A docência em História nos manuais do professor
Retomando a maneira ativa como Bakhtin (2006, p. 302) percebe o destinatário
de um enunciado, compreende-se que a escolha dos procedimentos composicionais e
dos meios linguísticos do texto leva em conta a sua compreensão responsiva, projetando
na obra uma representação do leitor. Segundo Fiorin (2008, p. 64), “o texto constrói um
tipo de leitor chamado a participar de seus valores” e que, assim, “intervém
indiretamente como filtro e produtor do texto”. Quando nos manuais do professor o
autor busca orientar uma ação prática é ao seu leitor presumido – o professor – a quem
se dirige. A atenção para o estudo dos dispositivos e dos mecanismos graças aos quais o
texto materializa o leitor que esse autor tem em mente é particularmente fecunda para se
compreender a forma como ele expressa uma representação sobre a docência. É dessa
perspectiva que o gênero didático e o estilo do discurso dos manuais do professor
servem de signos visíveis de uma determinada compreensão do exercício do magistério.
O uso recorrente do imperativo é o primeiro elemento capaz de revelar o
funcionamento refletido da representação nos manuais do professor. Operar o sentido do
fazer no texto através de ordens que pretendem organizar a ação, descrevê-la ou
prescrevê-la tem sido a prática no Manual do Professor. Esses textos constroem o leitor-
docente dizendo-lhe o que fazer como se suspeitassem da sua escassa formação e
experiência e do que lhe falta saber. Por um lado, trata-se de um modo usual de dar
eficácia ao que foi pensado como necessário para a transmissão de conhecimentos.
Entretanto, é igualmente um meio de fixar uma fórmula de trabalho. Expressões como
“faça uma revisão com a turma sobre a contagem do tempo” (PANAZZO; VAZ, 2002,
vol. 1, p. 12) ou “chame a atenção dos alunos para a existência de engenhos onde se
fabrica açúcar” e “destaque a relação entre portugueses e índios” (RODRIGUE, 2002,
vol. 2, p. 56) visam persuadir o docente a incorporar essas ações na sua prática através
de determinações. Nas coleções em que as orientações se dão preferencialmente assim,
o papel do docente para quem construiu o texto fica reduzido a de um executor de
tarefas.
88
Também há outros modos de dizer o que é pressuposto e condição da ação
docente nos manuais de ensino de história. Em muitas coleções recomendadas no
PNLD-2008 (como em MODERNA, 2006), os esclarecimentos sobre os conteúdos da
disciplina visam contribuir para se ver com maior clareza o que deve ser ensinado. As
longas sequências sobre a lei de terras de 1850 ou acerca da democracia grega no
Manual do Professor favorecem a concretização de uma possibilidade de abordagem da
matéria em detrimento de outras. Conforme advertem Ciampi et. ali. (1990, p. 150-151),
muitas vezes, na prática, o docente se relaciona com a historiografia como que com a
verdade sobre o tema, e não como uma representação dela. Nesse sentido, os manuais
do professor elaboram séries inteiras de discursos segundos ou derivados por cujo
intermédio é outorgada competência aos interlocutores que puderem assimilá-los (cf.
CHAUÍ, 1989, p. 12). Podem-se distinguir duas formas principais de fazê-lo.
Primeiramente, as explicações do conteúdo são apresentadas para informar o leitor
(MODERNA, 2006, por exemplo) ou como respostas às questões propostas no livro do
aluno (SANTIAGO, 2005; MELLO; COSTA, 2006). Em ambos os casos, dão-se
soluções de inteligibilidade aos critérios de expressão e às problemáticas discutidas no
livro do aluno como, por exemplo, na passagem que se segue: Após a abdicação de D. Pedro I, vários conflitos ameaçaram fragmentar o território
brasileiro em diversas nações independentes. Por quase vinte anos o governo regencial e o imperial lutaram contra a ameaça separatista, procurando fortalecer o poder central. Resultado, o Brasil entrou a década de 1850 como uma nação consolidada, tendo reconhecido o poder do imperador e até mesmo reunindo relativas condições para o desenvolvimento econômico. Entretanto, o país ainda se caracterizava pela ordem oligárquica, fundamentada na economia de latifúndios movidos pela mão-de-obra escrava. A Lei de Terras de 1850 é o melhor exemplo da permanência do poder oligárquico, uma vez que restringiu o acesso da população pobre à propriedade da terra (MODERNA, 2006, v. 3, p. 79). A segunda forma geral de trazer orientação visando o êxito do docente na
consecução do ensino tem sido tratar das questões de método. O Manual do Professor
das coleções didáticas de História propõe estratégias de ensino e metodologias de
abordagem que introduzindo e apresentando o conteúdo (cf. RIBEIRO; ANASTASIA,
2006; BOULOS JR, 2006 ou PILETTI; PILETTI, 2007) ou como destaques de seção
(como CARDOSO, 2007, por exemplo) possibilitam criar determinadas situações de
aprendizagem. Isso se observa bem na passagem citada: O que é importante, neste capítulo, além da análise dos movimentos dos anos 20, é
mostrar ao aluno as várias interpretações a respeito da Revolução de 1930. Existe uma extensa literatura sobre esse tema, apresentando inúmeras possibilidades de análise do movimento e a participação de atores políticos diferentes, o que permite ao professor, trabalhar com o aluno a constatação de que não há uma verdade absoluta na história e que as várias versões são discursos historiográficos escritos de acordo com valores de sua época. Estes, por sua vez, são construídos
89
sobre outros discursos da época, que são as fontes utilizadas pelo historiador. É uma chance para que o aluno compreenda que não pode recuperar o passado, mas, sim, estudar os discursos, nas suas diversas linguagens, feitos no e sobre o passado (RIBEIRO; ANASTASIA, 2006, v. 4, p. 21). Expedientes desse tipo são característicos dos manuais do professor que
acompanham os livros didáticos de história recomendados pelo PNLD-2008. A se
acreditar, como Chauí (1989) e Paim (2007), que por detrás do discurso competente do
especialista já está pressuposta a incompetência do não-especialista, a mediação do
Manual do Professor apenas permite a ilusão do professor participar do saber histórico
especializado. Nesse sentido, os estudos acerca dos discursos que se criam para e sobre
os professores advertem a respeito das mudanças dos significados originais de várias
categorias e expressões historicamente relacionadas ao exercício qualificado da
docência. Suspeita-se de um mascaramento das reais intenções das propostas que hoje
se pautam em categorias como habilidade, competência, autonomia da escola e do
professor (cf. PAIM, 2007; SILVA, 2008). Conforme avalia Silva (2008, p. 40), do
modo como esses termos estão incorporados aos dispositivos normativos evidenciam
apenas uma linguagem de natureza prescritiva e funcional.
Os boxes, os incisos e inserções explicativas, os destaques e os textos
complementares são outro conjunto de dispositivos discursivos e editoriais que nos
manuais do professor constituem o aparelho formal da enunciação nas coleções
didáticas de História. Tanto quanto o recurso às formas verbais, esses auxílios resultam
de escolhas que revelam algo das perspectivas que se tem sobre a docência. O empenho
voltado para fornecer recursos diversificados ao professor se traduz nos pontos da
matéria e estratégias que são tratados à parte, em boxes, ou destacados em seções
especificas, nas considerações a respeito do conteúdo e da prática e no que se
complementa por meio de textos citados. Esse expediente atende ao que é solicitado em
edital (p. 47) e aparece assentada numa percepção de que os professores não tiveram
formação adequada. Entradas como, por exemplo, “Atenção, professor:” (RODRIGUE,
2002) “Orientações adicionais para o professor” (STAMPACCHIO; MARINO, 2006),
“Comentário:” (MONTELLATO; CABRINI; CATELLI, 2002) e “Dica:”
(SANTIAGO, 2006) ou introduzem uma proposta de estratégia ou insistem na
importância de algum conteúdo específico. Da mesma forma, destaques do tipo “ler
com expressão para motivar o interesse pelo tema” (RODRIGUE, 2002) ou boxes
visando ampliar o que há para dizer de um determinado conteúdo e propondo atividades
indicam que se escreve para o leitor de um guia de trabalho. Assim, também os textos
90
complementares e demais indicações de bibliografia, sítios, filmes e instituições de
pesquisa buscam contribuir com referências acerca do que falta o professor ter ou saber.
Sobretudo desta perspectiva, o Manual do Professor constitui repertórios inteiros de
atividades, imagens e referências de material impresso e audiovisual.
Além das orientações de método e de conteúdo e do repertório indicado de
materiais, as referências à docência que são feitas nos manuais do professor fazem
reconhecer uma certa maneira de exercer o magistério. As solicitações de atividades, os
destaques, os incisos e inserções explicativas contidas nesse tipo de impresso envolvem
uma determinada concepção do seu destinatário. Os manuais das 19 coleções didáticas
de história recomendadas pelo PNLD-2008 demandam ações do professor por meio do
uso de, entre muitos outros mais, verbos como orientar, esclarecer, escolher,
selecionar, propor, coordenar, estabelecer critérios, explicar, auxiliar e apresentar
conclusões. Conforme apontei anteriormente, assim, trabalha-se numa lógica que
pressupõe o domínio de uma série de habilidades e competências por parte do professor
e não reconhece nos saberes e estratégias próprias do seu ofício um móvel da prática,
um meio de “criar condições para o trabalho coletivo numa situação de pressão
institucional” (CHARTIER, 2007, p.168). O estudo das solicitações de atividade e
leitura indicadas nos manuais do professor foi aqui uma maneira de inventariar os
modos pelos quais a prática do ensino de História é percebida.
A maneira como esses manuais caracterizam a ação ou o conhecimento que se
solicita do professor articula atividades pragmáticas e cognitivas. Recorrentes, os
períodos do tipo “Você pode orientar o trabalho de pesquisa nos grupos e a organização
dos dados obtidos” (STAMPACCHIO; MARINA, 2005, v. 1, p. 18) ou “(...) ensine aos
alunos como fazer o fichamento dos livros que lêem” (PANAZZO; VAZ, 2002, v. 1, p.
16) lembram ao seu leitor que há esquemas de ações breves, estáveis e simples de fazer
para ensinar procedimentos de estudo. Por outro lado, indicações como “(...) consulte e
leia esse material, de forma a garantir uma formação continuada (SANTIAGO, 2006, v.
1, p. 23) e “cabe ao professor avaliar a coerência e a argumentação dos alunos”
(RIBEIRO; ANASTASIA, 2006, v. 1, p. 15) insistem que as condições do fazer
dependem de um saber. Saber e fazer e saber-fazer são condições da prática docente
que não se enredam facilmente nos manuais do professor das coleções didáticas de
História. Em muitos aspectos, o investimento que é realizado no Manual do Professor
para engendrar dinâmicas de evolução do ofício mascara toda uma série de ações
profissionais ordinárias, mas sem estatuto no discurso de formação docente. Assim,
91
apesar das insistentes recomendações acerca do trabalho com diferentes linguagens,
com fontes e recursos audiovisuais, por meio de dramatizações e de jogos e de
organização de eventos, debates e passeios, não há o que se encontrar nesses impressos
sobre os constrangimentos específicos do exercício da docência. As formas de
organização da classe e o controle da sua disciplina, os gestos, as maneiras de fazer e os
procedimentos de conduta entre outras tantas ações implícitas da aula são largamente
ignoradas diante da preocupação com as questões metodológicas da matéria, os
processos de aprendizagem, e as modalidades de atividade e avaliação.
O trabalho com os manuais permite constituir não mais que um repertório das
invariantes estruturais do ensino de história. Desse modo, as estratégias constitutivas da
prática do ensino de história e consideradas dignas de serem transmitidas se passam por
evidências do saber docente valorizado nessa disciplina. As rotinas de elaboração visual
das aprendizagens (cartazes, paineis e construção de materiais), de discussão e reflexão
(debates, seminários e entrevistas) ou de síntese (exposições, resumos) e as dinâmicas
de jogos e representações prescritas nos manuais do professor das coleções didáticas
recomendadas no PNLD-2008 fazem reconhecer uma prática que privilegia a cultura da
participação. Igualmente, abordagens didáticas cada vez mais capazes de refletir os
avanços da ciência histórica e a incorporação de soluções pedagógicas propostas para o
ensino de história visam atingir o fundo e a forma da narração histórica em sala de aula.
Nesse sentido, as múltiplas práticas de ensino que assim se pode identificar não deixam
de se fundar e de dar expressão a um conjunto de padrões didáticos estruturados e
sugeridos no país para o ensino da História no processo da chamada abertura
democrática de fins dos anos 70 do século passado. Contudo, hoje a incorporação pelas
instituições daquele discurso de redefinição da História ensinada possui significados
próprios e segue numa perspectiva de reforçar a separação entre os que pensam e os que
fazem (cf. PAIM, 2007, p. 161; CHAUÍ, 1989, p. 13). Não por acaso, como as reformas
educacionais das últimas duas décadas, os manuais do professor dão crédito aos
procedimentos de trabalho racionalmente realizáveis, passíveis de planejamento e
registro e a docência é representada, simplesmente, como capaz de reiterá-los.
92
As fórmulas estereotipadas da interação didática no ensino de História
As pesquisas sobre as maneiras do professor realizar seu trabalho em sala de
aula e dele usar os materiais didáticos mostram que, no fazer cotidiano, os docentes
tornam possíveis variações em relação ao prescrito e planejado. Os estudos de Araújo
(2001), Cassiano (2003), Soares (2008), Bittencourt (2008) e Rocha (2009) vêm
documentando expedientes de ensino e administração do dia-a-dia da sala de aula que
impedem tomar o professor como simples executor de modelos prescritos. Não obstante
toda uma literatura que trata dos níveis de autonomia e de planejamento do professor
(ARROYO, 2000; THERRIEN; DAMASCENO, 2000; PIMENTA, 2002;
CONTRERAS, 2002), aquela perspectiva persiste nos manuais do professor das
coleções didáticas de História como característica de seu gênero discursivo. Conforme
insistia Bakhtin (2006, p. 282), todos os enunciados “possuem formas relativamente
estáveis e típicas de construção do todo”. Desse modo, persuadir o leitor a respeito da
melhor forma de uso da obra parece ser, em muitos dos seus sentidos, uma exigência do
manual. Contudo, os espaços de ação que o docente se autoriza ter e que as pesquisas
recentes fazem reconhecer não são ignoradas. Os manuais do professor prevêem a
possibilidade de escolha e decisão do professor numa pequena parte das suas instruções,
assumindo que há limites à apropriação das orientações prescritas.
As formulações do tipo “O professor deve escolher...” (MONTELLATO, 2002,
v. 1, p. 77) ou “Você deverá escolher...” (STAMPACCHIO; MARINO, 2005, vol. 1, p.
19) dão solução à necessidade de estimular o professor a compreender que seu local de
atuação deve ser utilizado como fonte de recursos e materiais didáticos. O apelo mais
direto nessa direção diz respeito ao reconhecimento de que a cultura material disponível
no ambiente, nos museus ou arquivos de uma determinada cidade é parte dos recursos
para lecionar história. Assim, não há, nos manuais do professor das coleções assim
orientadas, relutância ou subterfúgio algum em delegar aos docentes escolhas quanto
aos objetos de trabalho mais de acordo com a realidade local. Nesse mesmo sentido, as
escolhas quanto à organização das atividades recomendadas no Manual do Professor
indicam, igualmente, que há uma autonomia necessária ao exercício da docência.
Noutro extremo dessa situação, a validade que as escolhas do professor têm para o
ensino apenas se manifesta de modo hipotético. A variação sobre o prescrito é apenas
considerada abstratamente, sem que ela precise ou venha a se realizar. O reiterado
93
emprego de expressões como “você pode (ou poderia) orientar, estabelecer ...”, “seria
interessante que você...”, “se o professor achar conveniente...” ou “pode-se ainda
propor...” denotam uma situação cuja condição de realização é desconhecido do
emissor. Essa relação do enunciado lingüístico com a realidade é ilustrativa do lugar que
as escolhas do professor têm nos discursos endereçados para quem atua na prática.
Mesmo nas coleções em que se reconhece a certa liberdade que o professor tem para
escolher objetos de ensino e pesquisa e procedimentos essa tem sido a forma
predominante de expressar a autonomia docente. Complementar às demandas da
necessidade e às condições de realização do ensino, outra maneira de se reconhecer o
espaço de manobra do professor na sala de aula tem a ver com as possíveis adaptações
que então se podem fazer e com as alternativas cuja conveniência a própria prescrição
considera. De antemão, o texto dos manuais do professor indicam o que vem a ser
passível de ser adaptado e reproduzido (como em SANTIAGO, 2006, p. 10 e 14) e
ponderam sobre o que é indiferente aplicar como atividade individual, em dupla ou
grupo ou, então, conduzir oralmente ou por escrito (como em SCHMIDT, 2002, p. 14).
Essas fórmulas vêm se fixando nos manuais do professor, refletindo as
discussões a respeito das possibilidades de autonomia no exercício do magistério.
Outros tipos recorrentes de formulações servem às necessidades de escrever sobre o
trabalho ordinário dos docentes aos docentes. A colaboração entre professores de
disciplinas diferentes, a sistematização dos conhecimentos prévios dos alunos, as
atitudes que se pretende que o aluno desenvolva constituem um repertório de fórmulas
correntes nos atuais manuais do professor. Trata-se de recursos reiterados nas
orientações ao docente que acompanham as coleções didáticas de história. Bakhtin
(1992, p. 126) fala em estereótipos no discurso quando se identificam procedimentos
assim comuns de enunciação, relativamente regularizados no canal de interação social
que lhe é reservado e reforçado pelo uso e pelas circunstâncias. Nesse sentido, as formas
particulares de palavras-alusões fazem reconhecer elementos da interação que o ensino
de história delimita, por exemplo, com o currículo, a sociedade e o aluno (interesse).
No que se refere ao currículo, a requisição da participação de professores de
outra disciplina nas propostas de atividades de história é normalmente o meio pelo qual
se proclamam os ideais da interdisciplinaridade ou a transversalidade curricular nos
manuais do professor das coleções didáticas da área. Assim, as indicações acerca das
possibilidades de colaboração dos professores de Matemática e Ciências ou a solicitação
da participação de docentes das áreas de Geografia, Artes, Língua Portuguesa e
94
Educação Física prevêem a importância e a necessidade de atividades
multidisciplinares. Ocorre que a iniciativa se limita a essa espécie de personalização do
componente curricular no docente. Mesmo promovendo ações conjuntas entre
professores, na maior parte das vezes, os manuais didáticos das coleções escolares de
história desconsideram que a interdisciplinaridade envolve raciocínio específico e um
planejamento de aula conjugado de diferentes disciplinas. Ainda são poucas as
orientações que percebem o próprio conhecimento histórico como interdisciplinar
(como em PILETTI; PILETTI, 2005, p. 32). Em todo caso, as formulações sobre a
interdisciplinaridade se dão em qualquer manual do professor, refletindo uma certa
representação acerca do ensino da matéria e das suas relações com o currículo escolar.
A respeito das finalidades sociais do ensino de história, a contribuição que ele
oferece para a construção de uma cidadania enraizada numa comunidade é
reiteradamente proclamada. Conforme mostrou Circe Bittencourt (1997, p. 20), “o papel
da História como disciplina encarregada da formação do cidadão político não é velado
ou implícito, como ocorre nas demais disciplinas curriculares”. Propõe-se formar
cidadãos para uma vida solidária e democrática, com visão crítica da realidade e espírito
participativo. Há expectativas nesse sentido quanto ao desenvolvimento de atitudes e
procedimentos e a possibilidade de elaborar conhecimentos a partir da experiência. Os
manuais do professor das coleções didáticas de história recomendadas pelo PNLD-2008
registram que o ensino da matéria contribui para construir uma comunidade aberta a
outras solidariedades que não a da nação e, assim, uma perspectiva indispensável para o
exercício do pensamento livre. Todas essas fórmulas servem às necessidades de
elaboração do papel do ensino da história no currículo, são elementos regulares do
discurso sobre o ensino de história que se veiculam nos manuais da disciplina.
Sobretudo, elas são delimitadas e determinadas pela missão que se confia ao ensino de
história, aos seus professores e à escola.
Outra formulação que participa das diferentes formas de construção dos
enunciados sobre o ensino de história nos manuais didáticos é a do interesse dos alunos.
As orientações ao professor desses manuais solicitam que os docentes despertem e
explorem o envolvimento do aluno com as problemáticas propostas no ensino da
História. Mobilizar os alunos para refletirem sobre o conhecimento histórico é
invariavelmente tida como responsabilidade do professor. Nos manuais didáticos, as
condições para criar o interesse da classe pela abordagem da matéria estão associadas ao
“talento” do professor para instigar e envolver todos os participantes, estimulando-os.
95
Nesse sentido, há coleções que subsidiam com sugestões de questões motivadoras, de
filmes, de músicas e brincadeiras. Outras coleções demandam do professor estimular os
alunos a interrogar, refletir, levantar dúvidas e observar, motivá-los nas tarefas e
produções. Ainda que mesmo assim não se deixe de acreditar que a execução das
atividades propostas por si só produz aprendizagem, os manuais do professor das
coleções didáticas de história solicitam a presença do docente nas dinâmicas de
aprendizagem.
As idéias de Bakhtin (1992, p. 126) sobre a estrutura sociológica da enunciação
mostram que “toda situação inscrita duravelmente nos costumes possui um auditório
organizado de uma certa maneira e consequentemente um certo repertório de pequenas
fórmulas correntes”. Depois de duas décadas de funcionamento do PNLD, as coleções
didáticas são parte da rotina escolar e tem se adaptado a esse meio social refletindo o
tipo das suas estruturas de funcionamento, os seus objetivos e a composição social do
grupo que as integra. Também nos manuais do professor encontram-se formas
específicas de construção das enunciações que, além de um uso característico de
palavras-alusões, expressam obrigação, fins e uma qualificação do ofício. Mais uma
vez, a relevância dessas configurações discursivas específicas para o estudo dos
métodos e técnicas de ensino diz respeito às operações de recorte e de classificação
graças às quais produzem certa percepção da realidade.
A construção de enunciações que Bakhtin (1992, p. 126) considera haver nos
lugares de trabalho, na escola parece ser representativa das relações que a docência
mantém com as práticas do seu ofício, com o conhecimento e com o aluno. Há vestígios
das relações que se travam na escola nos textos dos manuais do professor. Nota-se
primeiro que a relação de poder expressa pelas obrigações do ofício docente fica sempre
muito reduzida aos serviços ordinários. O planejamento, o registro, a orientação das
atividades, a correção dos resultados, o estímulo à atenção do aluno, a distribuição dos
materiais e organização do trabalho e da apresentação dos alunos em sala são os
imperativos cotidianos reiterados ao docente-leitor a cada novo conjunto de temas e
atividades. Por outro lado, as finalidades do ensino se estendem desmesuradamente.
Além de contribuir para a formação de cidadãos e construir uma ideia clara dos
acontecimentos e processos históricos e de sua sucessão no tempo pede-se ao professor
de história que também provoque atitudes solidárias de convívio social e tolerância,
promova o desenvolvimento do juízo crítico e desenvolva a competência leitora dos
seus alunos. Entre outros tanto exemplos, desenvolver habilidades cognitivas como
96
capacidade de análise, inferência, interpretação e síntese e valorizar o patrimônio
histórico e cultural de diferentes sociedades tem se associado nos manuais do professor
às tarefas impostas pela inclusão de diferentes visões do passado no ensino da história
do país e a crítica ao eurocentrismo.
Entre o que se concede e aquilo que se demanda do professor, constata-se que os
manuais das coleções didáticas de história formalizam as configurações por meio das
quais a docência e a aprendizagem devem ser percebidas. Assim, ainda que percebida
em função das suas atividades mais ordinárias, a docência de história têm sido
apresentada nos manuais do professor sob a perspectiva da eficácia. É o professor de
história que ajuda a ordenar um discurso sobre o mundo, cria possibilidades de
investigação dos processos históricos locais e dá tratamento didático capaz de facilitar
ao aluno o exercício do pensamento livre. O ofício, então, requer preparo para
problematizar, para analisar e questionar a realidade de uma atualidade sem tradição ou
passado. Em muitos sentidos, o professor de história que os manuais das coleções
didáticas ostentam não é o mesmo daquele que definem como seu destinatário.
97
PARTE II
O Ensino de História nas Políticas de Reorientação Curricular do Governo do Estado de São Paulo e da Prefeitura da Capital
98
Entre 2004 e 2006 a coligação PSDB-PFL conseguiu eleger José Serra primeiro
para a Prefeitura de São Paulo e, em seguida, para o Governo do Estado de São Paulo.
A partir de então, os currículos escolares foram rediscutidos nas secretarias de educação
do município e do estado com o propósito de “reverter o quadro de fracasso escolar” e
“baixo rendimento do ensino público”. Ainda com Serra na prefeitura em 2006, a
Secretaria Municipal de Educação de São Paulo publicou o seu Referencial de
Expectativas para o Desenvolvimento da Competência Leitora e escritora no Ciclo II
do Ensino Fundamental. No mesmo ano, mas já sob o governo de Gilberto Kassab, em
substituição a Serra, foram editados e distribuídos aos professores da rede municipal os
cadernos de orientação didática específica para cada disciplina do currículo. A
Secretaria Municipal de Educação produziu as Orientações Curriculares e Proposição
de expectativas de Aprendizagem do Ensino Fundamental II no ano seguinte. Em 2008,
a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo desenvolveu uma política do mesmo
tipo. Fez, inicialmente, publicar um documento geral de Proposta Curricular que foi
seguida pela edição em cada bimestre letivo do Caderno do Professor de cada área do
currículo. Também no Governo do Estado, sob o comando de Serra, a proposta de uma
ação integrada e articulada sobre toda a “rede de ensino” incluiu a distribuição de
material impresso específico da área de atuação do professor.
Ambos os conjuntos de orientações trazem Referenciais de História que
permitem pensar algo dos esquemas de percepção atualmente formalizados nas
propostas de reorientação curricular de São Paulo sobre o ensino dessa matéria. Entre
2006 e 2008, os volumes então publicados pelas secretarias de educação municipal e
estadual têm de modo progressivo instituído saberes que submetem o trabalho docente a
processos de ordenação e racionalização expressos em sugestões e prescrições. O estudo
99
desse repertório de impressos evidencia como as autoridades se dirigem aos docentes.
Contendo orientações e expectativas e refletindo a concepção oficial dos responsáveis
pela educação na cidade e no Estado de São Paulo, os referenciais de História divulgam
uma proposta de ensino e aprendizagem de cada conteúdo para cada ciclo escolar. Esses
textos constituem uma fonte significativa para a análise das representações da docência
de história do ponto de vista daqueles que procuram disciplinar e orientar o trabalho de
ensino de acordo com os objetivos das políticas educacionais dos governos estadual ou
municipal. Assim, as propostas de intervenção que são feitas nos referenciais também
informam sobre as prioridades didáticas das estratégias de ensino presentemente
propugnadas pelas secretarias de educação da cidade e do Estado de São Paulo.
Debrucei-me sobre essa pista de investigação com o intuito de compreender as
práticas e os objetivos sociais do ensino de História que as atuais políticas de
reorientação curricular articulam em São Paulo. Nesse sentido, a abordagem das
Expectativas de Aprendizagem, das Orientações Curriculares e dos Cadernos do
Professor permite apreender discursos do tipo que Nóvoa (2002, p. 11) considera
exprimir desejos de futuro ao mesmo tempo em que denunciam situações do presente.
Estudei os enunciados que o discurso desses textos dirige ao professor a fim de discutir,
também dessa perspectiva, os regimes de legibilidade e intencionalidade destes
enunciados, os processos que os produziram e as suas estratégias discursivas.
Fundamentalmente, trata-se de uma análise das propostas curriculares do Estado de São
Paulo e da Prefeitura da capital publicadas para orientar a prática docente nas escolas
públicas. Como no caso dos manuais do professor das coleções didáticas, a tipificação,
o estudo do gênero desses textos e dos seus procedimentos composicionais, dos rastros
do processo que os produziu e dos expedientes que visam fazer reconhecer uma maneira
própria de lecionar enfoca o funcionamento da representação no conjunto de
dispositivos discursivos e materiais que constituem o aparelho formal da enunciação (cf.
CHARTIER, 2002, p. 169). As formas de que se valem as publicações institucionais de
reorientação curricular para expressar obrigações, finalidades e uma certa qualificação
do corpo docente constituem mecanismos de produção de sentido que aqui mereceram
atenção.
O primeiro capítulo desta segunda parte trata principalmente dessas questões. De
onde a atenção dada aos elementos capazes de indicar a relação entre o texto e aquele
que o produziu, as marcas daquele que o enunciou. Igualmente, importou analisar o que
Mikhail Bakhtin (2006, p. 302) definiu como fundo aperceptível de compreensão
100
responsiva, isto é, o modo como o destinatário é presumido e representado por quem
produziu o texto. Antes de abordar o conteúdo das afirmações técnico-pedagógicas das
publicações institucionais das secretarias de educação do município e do estado de São
Paulo busquei tratar das modalidades de sua enunciação. Portanto, o que se segue
inicialmente é um estudo de tipificação das condições de credibilidade dos dispositivos
representativos utilizados nos impressos da Prefeitura e do Estado de São Paulo para
reorientar a prática da docência em história. Conforme insistia Bakhtin (1992, p. 123), a
análise dos meios da comunicação impressa tem a ver com o esquadrinhamento das
condições da eficácia ou do fracasso dos mecanismos discursivos que visam interagir
com o leitor, responder-lhe algo, refutar, confirmar, antecipar as respostas e objeções
potenciais, procurar apoio. Em parte, as atuais medidas de reorientação curricular têm
mesmo sido esse elemento de comunicação das autoridades educacionais com os
professores, constituindo objeto de discussão e estudo, de comentário e crítica entre os
quadros da escola e nos departamentos técnicos do ensino.
Por outro lado, os referenciais de História publicados nesse contexto de
reorganização representam a política curricular para a área. Fazem parte do ciclo das
políticas educacionais cuja formulação discursiva, segundo Ball, Bowe e Gold (1992),
articulam influência política, produção de textos e a prática. Os autores de Reforming
education and changing schools propõem que o foco da análise de políticas deveria
incidir sobre a formação do discurso da política e sobre a interpretação ativa que os
profissionais que atuam no contexto da prática fazem para relacionar os textos da
política à prática (cf. MAINARDES, 2006, p. 50). Como se vê, os textos são apenas
uma parte muito específica das políticas. Dentre as várias formas que esses textos
podem tomar, desde a legislação e os comentários sobre os textos oficiais até os vídeos,
os referenciais curriculares constituem apenas mais um tipo. Portanto, os resultados da
sua análise não têm representatividade suficiente para permitir conclusões sobre a
dinâmica das reformas educativas recentemente iniciadas. Ainda assim, essas ações
sobre as disciplinas do currículo podem ser das mais hábeis e os seus artifícios gerar
questões estruturais valiosas para a pesquisa, pois as disciplinas, segundo entendem
alguns, articulam práticas e teorias que se situam no nível macro do sistema de ensino e
no plano micro da experiência concreta (GOODSON, 2008; SILVA 2007; SILVA,
1999). Não obstante as limitações, o estudo do conjunto de orientações e cadernos
editados pela prefeitura da capital e pelo governo do Estado auxilia na compreensão das
101
relações entre a concepção de currículo e o projeto de formação que essas propostas
mantêm.
Nesta parte, o segundo capítulo principalmente enfoca o discurso dirigido aos
professores de História pelas secretarias de educação do estado e do município de São
Paulo e suas estratégias para conferir legitimidade às mudanças propugnadas. O estudo
das prescrições oficiais é então enfatizado para se entender as visões e os significados
do projeto de inovação que elas expressam. A análise combina o inventário dos
dispositivos e das rotinas do trabalho docente organizados nas Expectativas de
Aprendizagem, nas Orientações Curriculares e nos Cadernos do Professor e uma
abordagem do uso que a prefeitura e o governo do Estado de São Paulo têm feito desses
referenciais para qualificar o trabalho educativo das escolas públicas. O argumento que,
desse modo, procurei desenvolver aqui sublinha a utilidade das ações de reorientação
curricular em São Paulo para a implantação de políticas de contratação e promoção
docente voltadas para a generalização de um padrão mínimo de qualidade e o
pagamento por resultados. Portanto, o viés adotado pela abordagem privilegia os
materiais impressos que as estratégias de remodelação das práticas escolares puseram
em circulação entre os professores. O caso das publicações da área de história
exemplifica muito das escolhas e dos valores relevantes às pretensões das atuais
reorientações curriculares de São Paulo, mas também coloca questões de investigação
específicas. A maneira como a história é didatizada e o seu ensino prescrito nessas
propostas suscita práticas, tópicos programáticos e relações pedagógicas cuja análise
importa à compreensão do sentido atualmente construído para o ensino da história na
escola pública. Assim, tratei dos referenciais curriculares de História produzidas nas
secretarias municipal e estadual de educação de São Paulo como meio para discutir as
práticas escolares, as ações e criações que as autoridades públicas demandam do
docente nessa área do ensino fundamental.
102
CAPÍTULO 01
Propostas de Ensino da História e Expectativas de
Aprendizagem da Reorientação Curricular em São Paulo
Como parte das atuais políticas de currículo e escolarização do governo de São
Paulo e da Prefeitura da capital, os professores de História do ciclo II do ensino
fundamental receberam uma série de materiais impressos para orientar o ensino da
matéria. Ainda que iniciadas em gestões organizadas por José Serra, primeiro na
prefeitura (2005-2006) e depois no governo do Estado (2006-2010), tratam-se de
iniciativas específicas a cada uma dessas redes de ensino.
Em 2006 foi apresentado pela Diretoria de Orientação Técnica da Secretaria
Municipal de Educação de São Paulo o documento geral do projeto “Ler e escrever em
todas as áreas do Ciclo II”. Sob o título Referencial de Expectativas para o
Desenvolvimento da Competência Leitora e Escritora no Ciclo II do Ensino
Fundamental, chegou aos docentes e coordenadores pedagógicos das escolas
municipais da capital uma publicação institucional visando subsidiar o planejamento
das ações dos professores (SÃO PAULO, 2006a, p. 7). Já sob a administração Gilberto
Kassab, que em substituição ao governo Serra prosseguiu a sua política curricular,
seguiram-se os referencias específicos de cada disciplina. Editado em 2006, o
Referencial de Expectativas para o Desenvolvimento da Competência Leitora e
Escritora no Ciclo II do Ensino Fundamental em História traz orientações de como
organizar o trabalho com os diferentes gêneros de texto no ensino de História. No ano
seguinte, a publicação das Orientações Curriculares para o Ensino Fundamental em
História no ciclo II estabelece expectativas quanto à aprendizagem da matéria.
A mesma estratégia foi organizada na Secretaria de Estado da Educação de São
Paulo em 2008 quando então os professores das escolas estaduais receberam uma versão
103
impressa da Proposta Curricular do Estado de São Paulo para os níveis de ensino
fundamental-ciclo II e médio. Embora já inicialmente discriminado por disciplina, o
documento básico apresenta os princípios orientadores da proposta geral. Informa que
Orientações para a Gestão do Currículo na Escola acompanham a iniciativa que, no
entanto, só se completa com um conjunto de documentos dirigidos especialmente aos
professores, os Cadernos dos Professores (SÃO PAULO, 2008, p. 9). No decorrer do
ano ocorreu a distribuição desses cadernos aos docentes do ciclo II do ensino
fundamental e do médio. Organizado em volumes bimestrais, todo o material dirigido
ao professor constitui uma coleção de 28 cadernos por disciplina. Como as demais, a
coleção de História é organizada por séries e constituída de orientações para o trabalho
de sala de aula, para a avaliação e a recuperação. Em 2009, além de edições atualizadas
do Caderno do Professor, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo também
distribuiu aos alunos o Caderno do Aluno, impresso de referência para as atividades em
sala de aula.
Esses esforços, que, assim, põem em evidência dispositivos de generalização de
saberes e normatização de práticas, sobretudo configuram situações e modalidades de
uso escolar de procedimentos pedagógicos veiculados a partir de lugares de poder
determinados. Nos expedientes com que atualmente se vêm tentando determinar os
conteúdos e os meios do ensino de História em São Paulo, importou-me compreender
algo dos modos como veiculam representações sobre o papel da docência de história na
escola pública, sobre as condições de uso das orientações curriculares por parte dos
professores e sobre as relações de ensino e aprendizagem que funcionam como regras
de uso dos materiais escolares. A fim de repensar as formas como o ensino de história é
desse modo construído e percebido pelo poder político, analisei o conjunto de
orientações curriculares editados pela secretaria municipal e estadual da educação de
São Paulo para o ciclo II do ensino fundamental. Portanto, o que segue diz respeito ao
estudo comparado do Referencial de Expectativas para o Desenvolvimento da
Competência Leitora e Escritora no Ciclo II do Ensino Fundamental-História, das
Orientações Curriculares para o Ensino Fundamental e proposição de Expectativas de
Aprendizagem-Ensino Fundamental II-História,da Proposta Curricular do Estado de
São Paulo-História e de 16 dos seus 28 Cadernos do Professor de História e dos
dispositivos materiais de sua produção e circulação. Trata-se de uma abordagem das
formas e dos tipos de interação verbal a que se prestam, das representações que
104
determinados agentes fazem de si próprios, de suas práticas, das práticas dos outros e da
escola fundamental.
As políticas de currículo e o ensino de História
As mudanças na configuração do currículo recentemente propostas pelas
secretarias de educação do município de São Paulo e do Estado afirmam as suas
pretensões quanto à melhoria da qualidade do ensino das escolas públicas. São,
sobretudo, respostas à situação de fracasso escolar que ambas as gestões acusam
caracterizar suas redes de ensino. Em vista dos resultados obtidos nas avaliações
externas ou segundo uma compreensão que considera ineficiente as políticas de
descentralização que conferiram autonomia às escolas para definir seus próprios
projetos pedagógicos, vem se buscando ações integradas e articuladas para reverter esse
quadro. Na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (2008, p.8) as iniciativas
visam à produção e à divulgação de subsídios que incidam diretamente na organização
da escola e das aulas. Associam-se o currículo à gestão complementando a Proposta
Curricular com um segundo documento, de Orientações para a Gestão do Currículo na
Escola e dirigido aos dirigentes e gestores escolares. Já as mudanças que a Secretaria
Municipal de Educação propõe para o currículo do Ciclo II do Ensino Fundamental
estão articuladas ao “Programa Ler e Escrever – Prioridade na Escola Municipal”.
Composto por três projetos – “Toda Força ao 1º Ano”, “Projeto Intensivo no Ciclo I” e
“Ler e Escrever em Todas as Áreas do Ciclo II” –, este programa tem a finalidade de
“reverter o quadro de fracasso escolar associado à alfabetização” (SÃO PAULO, 2006a,
p. 6). Em conjunto, os materiais elaborados pela Diretoria de Orientação Técnica da
Secretaria Municipal orientam o ensino da leitura e da escrita em todas as séries e áreas
do ensino fundamental.
A tendência a assumir que o currículo pode ser administrado por meio de uma
política de orientações prevalece em ambas as propostas. Conforme sugerem Ball,
Bowe e Gold (1992), os textos representam uma política desse tipo de diversas formas:
textos legais, comentários, pronunciamentos e vídeos. Sobretudo, são produtos de
múltiplas agendas e sua formulação envolve intenções e negociação dentro do Estado e
do processo de formulação da política. Ball (1993) explica que assim as orientações
105
incorporam significados e utilizam de proposições e palavras por meio das quais certas
possibilidades de pensamento são construídas. Segundo sua análise, enquanto discurso,
a política estabelece limites sobre o que é permitido pensar e tem o efeito de distribuir a
fala, uma vez que somente algumas vozes serão investidas de autoridade. Mainardes
(2006, p. 54) mostra que, com base em Foucault, Ball entende que as políticas podem
então tornar-se “regimes de verdade”. Em muitos sentidos, estudos como os de Ball,
Bowe e Gold, como também os de Bernstein (1996), Apple (1997), Popkewitz (1997),
Silva (2007) e Goodson (2008), discutem os modos como as relações de poder e
dominação vão sendo institucionalizadas por meio do currículo. Não obstante as
diferenças de perspectiva, suas análises evidenciam que o currículo se compõe pela
construção de significados e de valores culturais, e que estes estão relacionados à
dinâmica de produção do poder. Portanto, não há porque deixar de considerar as atuais
pretensões de mudança nos currículos das escolas municipais da capital e das estaduais
de São Paulo como um novo episódio no enredo histórico de conflitos em torno da
construção e reconstrução de parâmetros para as práticas de sala de aula.
Também neste caso, trata-se de discutir como as atuais reorientações do
currículo têm produzido um novo discurso regulativo e se legitimado. A política
curricular que as secretarias de educação municipal e estadual de São Paulo vêm
instituindo nas suas redes de ensino detalha metas e padrões de desempenho dos
professores, prescreve-lhes as estratégias e enfatiza um ensino voltado para avaliações
externas. A reação contra a autonomia conferida às escolas na Lei de Diretrizes e Bases
e a capacidade dos professores rejeitarem ou refratarem as mudanças de orientação
assume como incontestável a suspeita dos docentes não terem tido formação adequada e
da escola realçar a segregação social em termos de proficiência e rendimento dos seus
alunos. Nesse sentido, os referenciais curriculares tanto conferem estruturação ao
currículo oficial básico de toda a rede de ensino quanto contribuem para tornar
gerenciáveis as performances dos docentes em sala de aula de um ponto de vista
organizacional. Assim, o objetivo de organizar melhor o sistema educacional e
qualificar o currículo das escolas públicas a partir de um foco definido, a atenção aos
indicadores de qualidade do trabalho docente e a ambição de intervir sobre a gestão da
sala de aula justificam as atuais iniciativas de reforma em São Paulo. A orientação
curricular que domina o campo dessas ações é racionalista e intimamente associada a
formas de administração e ao estabelecimento de metas. Nas diferentes disciplinas que
compõem o currículo do ciclo II das escolas de ensino fundamental, pode-se notar que o
106
enfoque nas práticas visa desenvolver procedimentos adequados às prescrições. Na
verdade, as especificações técnicas para se lecionar a matéria apenas conservam o
arcabouço estrutural que já rodeia o ensino público conquanto entesouram as disciplinas
escolares como base para o currículo19.
Enquadrado nessa espécie de perspectiva estandardizada das atuais propostas
curriculares, o ensino de História enfrenta um duplo desafio. Por um lado, demanda-se
da docência em história desenvolver as capacidades de leitura e escrita dos alunos.
Além das questões intrínsecas aos métodos da história e do seu ensino, os referenciais
de História afirmam a necessidade do professor organizar uma rotina de leitura com os
alunos e desencadear possibilidades de registro de leitura de textos de diversos gêneros.
De acordo com o que mostram esses documentos, o ensino de História deve contribuir
para a seleção, organização e difusão de práticas, rotinas e finalidades de leitura operada
na escola por meio de estratégias capazes de estimular os estudantes a preocupar-se com
a leitura e a questionar a diversidade do que é possível ler. Por outro, reinventar uma
abordagem que levasse em conta as diferentes visões sobre o passado e o presente do
país tem sido uma contribuição esperada por setores cada vez mais amplos da sociedade
para a formação de uma nova cultura de participação. Os significados sociais da ação
sobre o currículo ainda não deixam de envolver o ensino da história com a agenda
política do momento. A história permanece uma disciplina central aos esforços que, no
Brasil, desde o processo da abertura democrática, visam fazer o aluno compreender o
seu tempo e perceber-se como agente social capaz de transformar a realidade. No
entanto, em vez de contribuir para que o aluno adquira uma postura crítica em relação à
sociedade em que vive, o ensino da história vem sendo um vetor da inclusão social.
Ainda por meio do questionamento e da problematização da realidade, o ensino da
história atualmente presta-se melhor à “construção de cidadãos enraizados numa
comunidade de memória livremente escolhida”, como percebe Dominique Borne (1998,
p. 140), “sem arrogância” e “aberta a outras solidariedades que não a de nação”.
Os referenciais de História hoje implantados pelo município da capital e pelo
governo do Estado não são apenas marcados pelas modalidades da aprendizagem com
que programam o ensino. Eles testemunham também o tipo de atenção que se dirige aos 19 Segundo a perspectiva aberta por Ivor Goodson (2008, p. 28) a disciplina escolar funciona como arquétipo da divisão e da fragmentação do conhecimento na sociedade atual. De acordo com Goodson, “encapsulados no microcosmo de cada disciplina, debates mais amplos sobre os objetivos sociais do ensino são levados a cabo, mas esses debates são realizados de uma maneira insulada e segmentada (na verdade, sedimentada) na série de diferentes níveis internos e externos e nas arenas públicas e privadas do discurso.
107
docentes dessa disciplina nas escolas públicas. O estudo da maneira como nessas
instruções os especialistas e as autoridades públicas tentam se apoderar do papel que
lhes convém e atribuir ao docente os papéis que escolheram para eles sugere a
importância do texto na gestão da política de currículo. Nesse sentido, análises sobre o
funcionamento refletido da representação, como são as de Chartier (1991) e Prost
(2008), enriquecem a compreensão dos efeitos de sentido que as formas de enunciação
das propostas curriculares produzem. Na análise do texto dos referenciais, levar em
conta o conjunto dos dispositivos discursivos e materiais que constituem o aparelho
formal de enunciação permite explorar os meios através dos quais a docência é
percebida, construída e representada nesses documentos. Para identificar e articular as
diversas relações que o poder público e os especialistas mantêm com o docente de
história importa discutir as concepções de destinatários típicas dessas propostas
curriculares. Há nos referenciais curriculares uma série de artifícios para impor uma
significação unívoca, para enunciar e produzir sua correta interpretação, que é também
um modo de supor o exercício adequado da docência. Por essa razão, as relações entre
as atuais políticas de currículo e o ensino de história levaram-me a pensar nos discursos
para e sobre os professores como um instrumento essencial para compreender as
estratégias de regulação da atividade da docência nessa disciplina. Sobretudo porque as
representações da docência que autoridades e especialistas afirmam ao professor fazem
parte integrante da realidade do magistério, definem um campo de lutas no qual os
referenciais curriculares tem uma pertinência operatória ímpar no ordenamento e na
hierarquização da autoridade e das competências.
A elaboração didática da História nas Orientações Curriculares
São sérias as críticas que os estudos sobre as políticas educativas e ensino
consolidaram a respeito do alcance efetivo das prescrições curriculares. Bernstein
(1996), Sacristán (1996), Apple (1982) e Goodson (1995) contribuíram de diferentes
formas para a abordagem da distância que há entre a produção do discurso oficial e sua
incorporação pelas instituições educativas. Suas considerações acerca da passagem do
discurso instrucional e regulativo para a prática insistiam que as escolas atribuem
significados próprios aos dispositivos normativos oficiais. Essa perspectiva de análise
108
contribuiu para o desenvolvimento de pesquisas preocupadas em situar o conjunto de
agentes constituintes do saber escolar, especialmente professores, alunos e comunidade
escolar. Especialmente Paul Willis (1991) e Stephen Ball com Ivor Goodson (1984)
procuraram entender como grupos particulares atuam durante as mudanças do currículo,
respondem-nas ou apropriam-se delas. A publicação no Brasil dos principais teóricos do
currículo e das reflexões de Antônio Flávio Moreira (1990), André Chervel (1990), Jean
Claude Forquin (1992), David Hamilton (1992), Thomas Tadeu Silva (1994; 1999) e
Popkewitz (1998) consolidaram a abordagem das especificidades do conhecimento
escolar como uma área profícua de investigação. Para Circe Bittencourt (2003, p. 13), as
disciplinas escolares passaram a ser incluídas como um dos objetos importantes das
investigações sobre as práticas escolares nesse processo. Os resultados mais recentes de
pesquisa na área de ensino de história dão-lhe razão. Ao mostrar o papel do professor e
do seu horizonte de expectativas na construção dos significados das propostas de
reforma do currículo, as análises dos paradigmas atuais do ensino de história têm
permitido ver uma educação que está muito distante das intenções mandatárias. O
estudo do uso efetivo do livro didático (ARAÚJO, 2001), das práticas de construção,
elaboração e correção de atividades (SOARES, 2008), da apropriação dos programas de
ensino (CIAMPI, 2000) e do funcionamento dos mecanismos da ação docente (CAIMI,
2008) no ensino de história vai mostrando que respostas criativas e práticas
consequentes se impõem à urdidura das prescrições.
Apesar disso, a compreensão dos programas de ensino não deixa de interessar.
Como avalia Monica Ribeiro da Silva (2008, p. 34-35), considerar que nas escolas se
reinterpreta, reelabora e redimensiona o discurso oficial não significa, porém,
menosprezar a relevância desse discurso. Sobretudo, sua importância está na força que
exerce na produção de um novo discurso regulativo. A legitimidade que o currículo
oficial confere às finalidades educacionais de escolarização das reformas quando realiza
a apropriação de um ideário pedagógico já legitimado implica estudo. Nessa direção, as
investigações acerca das prescrições da sua linguagem normativa (BERNSTEIN, 1996),
do contexto da produção do seu texto (BALL, BOWE, GOLD, 1992) e da história da
sua construção (GOODSON, 1995) constituem referências que têm permitido analisar a
operacionalização da linguagem nos currículos oficiais. No Brasil, o acumulado das
abordagens preocupadas com essas problemáticas adverte acerca das condições de
locução daquilo que é prescrito para o ensino. Atualmente, as análises das prescrições
curriculares de autores como Silva (2008), Silva (1999), Gimeno Sacristán (1998),
109
Moreira (1997) e Silva e Moreira (1994) mostram que o apelo à noção de competências,
as representações e as práticas que as prescrições formalizam nas escolas e a insistência
na necessidade de adequação da escola às mudanças ocorridas no âmbito da economia e
da cultura impactam o ordenamento das disciplinas escolares.
Na perspectiva aberta por esses estudos, compreende-se que as demandas
políticas e sociais constituem um primeiro aspecto de reorganização dos procedimentos
de ensino nas escolas públicas. Na elaboração da didática de ensino das propostas de
reforma, a incorporação da agenda política de governo define encaminhamentos que dão
respostas efetivas aos problemas priorizados. Assim, as atuais propostas de reorientação
curricular do Governo de São Paulo e da Prefeitura da capital também contribuem para
a apropriação das políticas públicas de educação nas escolas. Ainda que a fragmentação
do currículo em disciplinas particularize as discussões sobre os objetivos sociais e
políticos do ensino no interior de cada área do conhecimento, há expedientes visando
articular e conjugar fins comuns ao ensino do que quer que seja na escola. Em muitos
sentidos, o apelo às noções de competências e habilidades, a sua organização pelos
ciclos e séries e a determinação dos conteúdos específicos nas propostas de ensino de
História respondem a artifícios desse tipo. A prioridade para a competência da leitura e
da escrita, a formação de cidadãos críticos e participantes e o compromisso com a
transformação das condições de vida das crianças que frequentam as escolas públicas,
que tanto as Expectativas de Aprendizagem em História quanto a Proposta Curricular de
História recomendam aos seus professores, constituem o compromisso das autoridades
públicas com o ensino de qualidade e tudo o que ele significa para a vulgata política do
momento. Em função desse tipo de redefinição do currículo, o ensino de história
incorpora todo um gênero de metodologias. As “atividades seqüenciais”, as “situações
de aprendizagem” e as rotinas de leitura e avaliação são exemplos de sugestões de
estratégias que promovem práticas restritas, muitas vezes associadas ao trabalho de sala
de aula e ao cotidiano da escola. No entanto, sob o argumento de assegurar “ações
comuns” ou generalizar “padrões”, definem o professor como um mediador prático das
intenções de outras pessoas. Conforme percebeu Goodson (2008) no caso da Inglaterra,
a centralização do poder de decisão nos serviços de educação significou desconsiderar o
professor como intérprete moral e o definidor parcial do currículo. Igualmente, as
orientações curriculares do Estado de São Paulo e da sua capital reduzem a docência às
suas tarefas de mediação por meio de um repertório de procedimentos em que se insiste
fazer o professor cumprir.
110
Outro aspecto da reorientação curricular das escolas públicas em São Paulo diz
respeito aos dispositivos de sua organização enquanto proposta. A publicação e
distribuição do Referencial de Expectativas e das Orientações Curriculares aos
professores do ensino municipal e da Proposta Curricular do Estado e do Caderno do
Professor para o magistério estadual reedita uma estratégia comum e já bem estudada
de reforma do ensino20. A investigação histórica das iniciativas de organização de
material impresso visando apresentar as iniciativas de mudança e modelar as práticas
que então prescrevem não só tem percebido e analisado as regras que regem o uso que
as reformas fazem desse tipo de material. Também vem delineando itinerários de
investigação profícuos para a compreensão dos impressos de reforma como meio das
representações que determinados agentes fazem de si mesmos, de suas práticas, das
práticas de outros agentes, de instituições como a escola e dos processos que as
constituem (cf. CARVALHO, 1998, p. 38). Nesse sentido, a ênfase na materialidade do
objeto impresso, a atenção em relação à sua configuração textual e tipográfica, é uma
exigência inicial da análise que se propõe aqui.
Os volumes distribuídos aos professores das escolas municipais da capital e
estaduais são coloridos e ilustrados, possuem um formato de 228mm x 270mm com
lombada quadrada no primeiro caso e 198mm x 258mm com lombada tipo canoa no
segundo21. Fundamentalmente, no entanto, as duas coleções distinguem-se pela
organização do conteúdo e argumento visual. Por um lado, os três volumes de
orientações da Secretaria Municipal de Educação abrangem diretrizes gerais de trabalho
enquanto o material da Secretaria de Estado da Educação se constitui de fascículos
bimestrais especificados por série e voltados para a resolução de situações de
aprendizagem. Por outro lado, a compilação das imagens sugere algo dos projetos de
realização que as secretarias Municipal e Estadual de Educação propõem. No material
da Prefeitura de São Paulo prevalecem imagens do cotidiano das escolas municipais da
capital. Além das ilustrações e da edição de documentos de periódicos, há fotografias de
alunos e de espaços de leitura e aula das escolas do município e reproduções de
20 Em texto programático Marta Carvalho (1998, p. 35) tanto pensa a análise dos impressos de destinação escolar da perspectiva de sua produção e distribuição, como produto de estratégias editoriais em estrita correspondência com os usos que modelarmente lhes são prescritos, quanto da perspectiva dos usos escolares desse tipo de impresso, abordando-o como suporte material de práticas pedagógicas na sala de aula. Catani e Bastos (1997) e Carvalho e Toledo (2007) são estudos aplicados. 21 À exceção do Referencial de expectativas para o desenvolvimento da competência leitora e escritora no ciclo II do ensino fundamental - história que possui lombada tipo canoa na qual se utiliza o grampeamento entre o miolo e a capa como no material distribuído pelo Governo do Estado de São Paulo em 2008.
111
trabalhos escolares dos alunos. Dos volumes produzidos pela Secretaria de Estado da
Educação de São Paulo apenas consta o repertório de documentação escrita, ilustrações,
fotografias e reproduções de obras de arte previstas para o uso dos professores.
Comparativamente, a ideia de incorporar as experiências desenvolvidas ou vivenciadas
por professores e alunos como referência de trabalho é mais acentuada no material da
prefeitura que no do governo estadual, este mais voltado para a compilação de fontes e
material de apoio às aulas.
Ainda de acordo com as recomendações de método dos estudos sobre a edição
de textos (PROST, 1996; CHARTIER, 1991; McKENZIE, 1986), é significativo
discernir na materialidade dos impressos analisados as marcas de sua produção,
circulação e uso. Não só os dispositivos do objeto tipográfico que propõem um texto a
leitura produz sentido. Também as maneiras segundo as quais os textos podem ser lidos,
os procedimentos de interpretação e os móveis do discurso consolidam recursos de
apropriação. As condições de exercício da docência nas escolas da prefeitura e do
estado, a maneira como os docentes entenderam o propósito dos impressos que
receberam ou os artifícios textuais que procuram construir o leitor-professor
determinam modos de ler e procedimentos de interpretação significativos. Assim, tanto
as representações inscritas nos textos quanto as produzidas pelos leitores importam à
compreensão dos dispositivos materiais e formais pelos quais a Proposição de
Expectativas de Aprendizagem em História e a Proposta Curricular de História
atingem os professores. Daí, mesmo quando voltada para o “mundo do texto”, a análise
não pode deixar de considerar o “mundo do leitor” se pretender tratar com as
peculiaridades constitutivas de um determinado gênero do discurso.
Por fim, adverte-se que os modelos inscritos em produtos culturais como as
propostas curriculares remetem a práticas cujo exercício pressupõe um lugar de poder.
Conforme preveniu Foucault (2008, p. 58), é preciso também descrever os lugares
institucionais de onde o discurso se legitima e a situação que os sujeitos titulares da fala
nesses lugares ocupam em relação aos domínios ou grupos de objetos sobre os quais
falam. O fato da Proposição de Expectativas de Aprendizagem em História e da
Proposta Curricular de História ser publicações institucionais das secretarias de
educação do Município e do Estado circunscreve suas concepções pedagógicas às
estratégias políticas do governo para os serviços de educação. Em muitos sentidos, os
responsáveis pela produção dos textos desses materiais articulam os interesses mais
estreitos e dogmáticos da política pública à linguagem do interesse público mais geral.
112
Atuam de um dos diferentes lugares de produção dos textos na qualidade de
especialistas e, em razão disso, “controlam” as representações sobre o como ensinar.
Não só o prestígio de especialista legitima o discurso oficial, mas, sobretudo, as
possibilidades de pensamento que são construídas dessa maneira investem de autoridade
os responsáveis pelos textos desse tipo de impresso de orientação. À análise dos
regimes de verdade que as políticas de reorientação curricular sancionam por meio das
suas publicações institucionais também importa entender o trabalho daqueles cuja
contribuição foi instituir um discurso sobre o ensino.
O discurso competente e autoridade
Com base em Foucault, Stephen Ball (1993) explica que a política estabelece
limites sobre o que é permitido pensar e investe de autoridade somente algumas vozes.
Para Ball (1993; 1994), como discurso, a política resulta de múltiplas influências e
agendas e sua formulação envolve intenções e negociação dentro do Estado, num
processo em que apenas algumas formulações e concepções são reconhecidas como
legítimas e apenas alguns são ouvidos. Nesse mesmo sentido, as considerações de
Marilena Chauí (1989, p. 7 e 147) sobre a noção de competência esclarecem que “não é
qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em
qualquer circunstância”. A condição de prestígio daqueles que representam as regras
dadas pelo mundo da burocracia e da organização permite identificar os especialistas,
seus lugares na hierarquia organizacional e os meios das suas ações. Para Chauí (1989,
p. 13), isso é parte do trabalho de compreensão dos artifícios mediadores e promotores
de conhecimento que constrangem cada um a se submeter à linguagem do especialista.
De muitos modos, essa reflexão acerca do conhecimento enquanto discurso competente
contribui para o questionamento das condições de produção de materiais impressos de
orientação para professores. Tanto a competência quanto a autoridade para falar e
transmitir instruções aos docentes da rede de ensino são elementos que servem para
intimidar. Da maneira como Elison Paim (2007, p. 162) se apropriou dessas questões,
mostrou-se que “por detrás do discurso competente (...) já está dado que os professores,
como os incompetentes que são, devem apenas reproduzir aquilo que é produzido por
aqueles que possuem competência para tal”.
113
Não obstante tratar-se de documentos de referência e orientação da prática
docente, o Referencial de Expectativas e as Orientações Curriculares, a Proposta
Curricular de História e os Cadernos do Professor de História recusam essa faceta da
desigualdade entre os que pensam e os que fazem. Há um esforço das secretarias de
educação do Estado de São Paulo e do município da sua capital para fazer reconhecer
que o professorado participou na elaboração desses materiais. Nas proposições de
expectativas da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo consta a presença de
um grupo de referência formado por professores em exercício nas escolas da prefeitura.
Já o material publicado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (2008, p. 8)
contenta-se em anunciar que iniciou um processo de consulta a escolas e professores,
para “identificar, sistematizar e divulgar boas práticas existentes nas escolas de São
Paulo”. Pretendendo articular conhecimento e herança pedagógicos com experiências
escolares de sucesso, a Secretaria de Educação do Estado assume ter partido dos
conhecimentos e das experiências práticas já acumuladas. Em ambas as secretarias,
insistiram no papel do professor como co-produtor dos textos distribuídos.
Na parte específica de História da Proposta Curricular do Estado de São Paulo
(2008a, p. 43) nega-se o caráter imperativo de instruções normativas a serem aplicadas à
força pelos professores. O texto incentiva que o docente “siga seu próprio caminho,
aplicando a seu modo, as sugestões que são oferecidas (SÃO PAULO, SEE, 2008a, p.
43). Assim, a política de produção e divulgação de subsídios que incidam diretamente
na organização das aulas não parece desconsiderar o intérprete criativo que é o
professor. A publicação dos diferentes volumes do Caderno do Professor – História
segue esse mesmo princípio, reconhecendo a possibilidade do docente realizar
mudanças para adequar as propostas à sua experiência, ao seu grupo de alunos e às suas
condições de trabalho (SÃO PAULO, SEE, 2008b, p. 8). Em alguns dos cadernos
iniciais reconheceu-se como fundamental a intermediação do professor e a sua vivência
preciosa para a realização da proposta (SÃO PAULO, SEE, 2008c, p. 45; 2008d, p. 43;
2008e, p. 54). Em muitos sentidos, o conjunto de impressos da Secretaria de Educação
do Estado aceita que a proposta curricular está sujeita à interpretação e recriação.
Do mesmo modo, a Secretaria Municipal de Educação da capital acentua que as
suas propostas foram produzidas coletivamente, através da reflexão de um grupo de
referência da área. No Referencial de Expectativas para o desenvolvimento da
competência leitora e escritora no ciclo II do Ensino Fundamental - História são
esclarecidas as condições de elaboração do texto de orientação. Já a introdução afirma
114
que “este texto foi elaborado com base no diálogo com professores de História das
escolas e técnicos da Diretoria de Orientação Técnica (DOT) – Ensinos Fundamental e
Médio, da Secretaria Municipal de Educação” (SÃO PAULO, SME, 2006, p. 15). Os
trabalhos do Grupo de Referência22, formado por professores de 10 escolas municipais,
e da Equipe SME/DOT23 foram coordenados, num regime de assessoria, por Antonia
Terra de Calazans Fernandes24 que cuidou da elaboração final do referencial. Ao longo
do texto há 8 remissões às colaborações desses professores para as sugestões de
atividades. Trataram-se fundamentalmente de propostas de trabalho com diversos
gêneros textuais. No documento que a Secretaria publicou depois, o Grupo de
Referência modificou sua composição aumentando para 14 seus integrantes25. A equipe
técnica se estendeu de 16 para 26 integrantes também modificando a sua composição26,
incluindo as equipes técnicas das Coordenadorias de Educação. Ainda na qualidade de
assessora, Antonia Terra de Calazans Fernandes foi mais uma vez responsável pela
elaboração final da proposta de História, desta vez, em conjunto com Circe Maria
Fernandes Bittencourt27. As Orientações Curriculares: proposição de expectativas de
22 Constituíram o Grupo de Referência de História da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo as professoras Angela Marques da Silva, da EMEF Dr. Manoel de Abreu, Carmem Bassi Barbosa, da EMEF Rodrigues Alves, Denise Maria Martins Pires, da EMEF Guilherme de Almeida, Ester Vieira, da EMEF Sargento Antonio Alves da Silva, Kátia Nascimento, da EMEF Antonia e Artur Begbie, Marli Oliveira de Carvalho, da EMEF Tenente José Maria P. Duarte, Olindina Francisca de O. Ferreira, da EMEF Isabel Vieira Ferreira, e Tereza Maria de Paula, da EMEF Olavo Fontoura e os professores Nilson dos Santos, da EMEF Clóvis Graciano, e Renato Trindade Júnior, da EMEF Prof. Roberto Mange. 23 A equipe da SME/DOT foi constituída por Antonio Gomes Jardim, Benedita Terezinha Rosa de Oliveira, Carlos Alberto Mendes de Lima, Delma Aparecida da Silva, Elenita Neli Beber, Ione Aparecida Cardoso Oliveira, Jarbas Mazzariello, José Alves Ferreira Neto, Lia Cristina Lotito Paraventi, Maria Virgínia Ortiz de Camargo, Rachel de Oliveira, Regina Célia Lico Suzuki, Rita de Cássio Aníbal, Romy Schinzare, Rosa Peres Soares e Tidu Kagohara. 24 Possui graduação, licenciatura e mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo. Foi professora do Departamento de História da FFLCH-USP. 25 Ingressaram no Grupo de Referência de História as professoras Ana Maria Pereira, Carolina M. Marques, Denise Yurie Moraes, Márcia Maria Tripodi, Marlei Luciane Bernum e os professores Angélico dos Santos e Davi Costa Duarte. Deixaram o Grupo de Referência as professoras Tereza Maria de Paula e Kátia Nascimento e o professor Nilson dos Santos. 26 Foram responsáveis pela coordenação do processo as equipes técnicas das Coordenadorias de Educação: Adriana de Lima Ferrão, Angela Maria Ramos de Baere, Audelina Mendonça Bezerra, Clélio Souza Marcondes, Denise Bullara Martins da Silva, Elisa Mirian Katz, Eugênia Regina de carvalho Rossato, Flávia Rogéria da Silva, Francisco José Pires, Ivone de Oliveira Galindo Ferreira, Josefa Garcia Penteado, Yukiko Kouchi, Marcos Ganzeli, Maria Antonia S. M. Facco, Maria Aparecida Luchiari, Maria Aparecida Serapião Teixeira, Maria do Carmo Ferreira Lofti, Maria Eliza Frizzarini, Maria Isabel de Souza Santos, Maria Khadiga Saleh, Sandra da Costa Lacerda, Selma Nicolau Lobão Torres, Silvia Maria Campos da Silveira, Simone Aparecida Machado, Valéria Mendes S. Mazzoli e Vera Lucia Machado Marques. 27 Foi professora de Prática de Ensino de História na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Atualmente leciona no Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e tem participado de cursos de formação de professores da rede pública e tem-se dedicado à formação de professores indígenas.
115
aprendizagem – Ensino Fundamental II – História não referenciam as sugestões do
Grupo de Referência e dão poucas pistas da sua colaboração efetiva. Comparativamente
ao Referencial de Expectativas para o desenvolvimento da competência leitora e
escritora no ciclo II do Ensino Fundamental, a linguagem desses dois documentos tem
outra organização, adotando estratégias diferentes de persuasão do leitor.
A pluralidade de leituras e o envolvimento do docente-leitor no processo de
formulação da política curricular que o material organizado pela prefeitura da capital e
pelo governo do Estado entre 2006 e 2008 reconhece como fatores relevantes para a
implantação das suas propostas não anulam o sistema de autoridade fundado na
hierarquia funcional. A compreensão que Ball (1992, p. 22) tem da política como texto
enfatiza que a sua formulação é uma questão de disputa. No caso do Referencial de
Expectativas e das Orientações Curriculares de História, da Proposta Curricular de
História e dos Cadernos do Professor de História, as secretarias de educação assumem
a autoria dos textos definidos por especialistas responsáveis. A identificação dos
elaboradores da área ou das autorias nos créditos em publicações institucionais define os
lugares de procedência dos discursos reconhecidos e legitimados. A prática confirma
que as publicações institucionais envolvem arranjos de função e expressam autoridade e
prestígio mobilizando estratégias de legitimidade e representação. Nesse sentido, a
composição dessa série de orientações didáticas é tanto o resultado de uma prática de
ordenação e controle dos modos de reconhecimento e veracidade dos discursos a
respeito do ensino de história quanto dos arranjos de nomeação.
A abordagem de Ball acerca da política como texto considera que os professores
e demais profissionais exercem um papel ativo no processo de interpretação e
reinterpretação das políticas curriculares, reconhecendo que suas crenças e
entendimento das propostas têm implicações para o processo de implantação das
propostas de reforma. Como advertem as atuais pesquisas em lingüística e teoria
literária que inspiram essas reflexões de Ball (1992), a estruturação da linguagem e as
estratégias utilizadas pelos autores procuram fazer frente a essa liberdade do leitor
interpretar através de uma série de recursos (BAKHTIN, 2006; BARTHES, 2002;
MAINGUENEAU, 1995; ECO, 1971). Quando se considera os discursos como atos
(PROST, 1996, p. 317), o sistema dos pronomes, os advérbios de circunstância, as
conexões, os tempos e modos verbais permitem reconhecer na relação entre o texto e
aquele que o produziu as relações entre as posições actanciais do enunciador e a do
enunciatário (cf. GREIMAS; COURTÈS, 1979, p. 125). Outras estratégias actanciais
116
(cf. FIORIN, 2008) e recursos para o autor tornar inteligível seus propósitos se dão sob
a forma do gênero no qual o enunciado foi construído. Assim, a intenção discursiva do
autor, sua vontade discursiva, também se revela nas estratégias linguísticas propiciadas
pelo gênero do discurso escolhido.
Os referenciais curriculares são determinados por considerações técnicas e por
princípios que se busca transformar em regras de ação práticas. Predominam as
preocupações quanto à conduta mais adequada ou acerca da melhor opção de
procedimentos para ensinar. Os esclarecimentos sobre os conteúdos da disciplina
determinam o que deve ser ensinado. As longas sequências sobre os gêneros textuais ou
acerca dos eixos temáticos no Referencial de Expectativas e nas Orientações
Curriculares favorecem a concretização de uma possibilidade de abordagem da matéria
em detrimento de outras. Nesse mesmo sentido, as explicações do conteúdo são
apresentadas em função das expectativas de aprendizagem para informar o docente-
leitor. Fundamentalmente, trazem soluções de inteligibilidade aos critérios de expressão
e às problemáticas propostas no currículo. A Proposta Curricular do Estado de São
Paulo repete essa mesma estrutura, embora lhe dê outra organização. Há longas
exposições sobre o conteúdo de ensino e as sequências de atividades conduzem aos
objetivos do que é apresentado no currículo. Os 16 fascículos do Caderno do Professor
permitem estabelecer rotinas e detalhar atividades para todo o conteúdo indicado para o
ciclo II do ensino fundamental. Ao todo essa parte da coleção se constitui de 64
situações de aprendizagem cujo principal objetivo é a divulgação de subsídios que
incidam na organização das aulas (SÃO PAULO, 2008a, p. 8). Portanto, o caráter
exemplar da proposta do Estado é de outra natureza que a da prefeitura. No seu
conjunto, o material procura formalizar estratégias específicas de abordagem dos
conteúdos. O caráter prescritivo é acentuado pela preferência do modo imperativo dos
verbos e a indicação minuciosa de referências bibliográficas, filmes e sítios eletrônicos
adverte o leitor do repertório de recursos disponíveis para o preparo das aulas.
A docência em História e as suas competências
Um traço constitutivo das considerações técnicas e dos princípios nos
referenciais curriculares é a concepção típica de destinatário que o determina como
117
gênero. Trata-se de um tipo de enunciado voltado aos professores em exercício nas
escolas públicas e, portanto, determinado pelo campo de atividade dessa coletividade de
profissionais. A quem se destina o enunciado, como o que escreve percebe e representa
para si os seus destinatários, qual é a força e a influência deles nos enunciados são
questões das quais, para Bakhtin (2006, p. 301), dependem tanto a composição quanto o
estilo de um texto. O papel daqueles para quem se constrói o enunciado é
excepcionalmente grande na abordagem que Bakhtin (1992; 2006) propõe. De acordo
com sua compreensão, o ato de fala, inclusive o impresso, envolve uma determinada
concepção de seu destinatário e da atividade humana a que se refere, projetando na obra
uma representação de leitor. Segundo Fiorin (2008, p. 64), “o texto constrói um tipo de
leitor chamado a participar de seus valores” e que, assim, “intervém indiretamente como
filtro e produtor do texto”. Quando nos referenciais curriculares aquele que escreveu
busca orientar uma ação prática é ao seu leitor presumido – o professor – a quem se
dirige. A atenção para o estudo dos dispositivos e dos mecanismos graças aos quais o
texto materializa o leitor que esse autor tem em mente é particularmente fecunda para se
compreender a forma como ele expressa uma representação sobre a docência. Nessa
perspectiva, um levantamento sumário dos indícios linguísticos que materializam o
leitor implícito nos textos desses impressos adverte que o insistente uso das formas
verbais imperativas ou, então, a escolha da forma infinitiva dos verbos quando se busca
orientar uma ação prática do professor não é uma mera opção estilística. (p. 18).
Entre o Referencial de Expectativas e os documentos específicos para a área de
História, organizados pela prefeitura de São Paulo, há diferenças de estruturação da
narrativa quanto à ênfase no que é preciso o professor fazer e naquilo que é necessário o
estudante aprender. No primeiro documento, predominam as orientações de
procedimento didático e o foco principal do texto é o docente. No outro conjunto, as
preocupações com as práticas de aula e o método não foram abandonadas, mas as
orientações para implantação das expectativas conferem centralidade ao aluno
acentuando a importância das suas vivências, daquilo que ele já é capaz de fazer e
daquilo que ele passa a ser capaz de perceber, identificar e construir.
O uso do modo imperativo dos verbos é uma característica marcante do
Referencial de Expectativas comum às áreas do ciclo II do ensino fundamental.
Sentenças do tipo “organize o registro do que os estudantes falam” (SÃO PAULO,
SME, 2006a, p. 14), “formule questões que ajudem os estudantes” (SÃO PAULO,
SME, 2006a, p. 26) ou “ensine-os a elaborar resumos escritos dos textos” (SÃO
118
PAULO, SME, 2006a, p. 40) operam o sentido do fazer através de ordens que
pretendem organizar a ação, descrevê-la ou prescrevê-la. No Referencial de
Expectativas da área específica e nas Orientações Curriculares de História,
predominam as formas amenizadas do imperativo e uma maior ênfase na aprendizagem
do aluno. O insistente uso do verbo na sua forma infinitiva para definir a maneira mais
adequada do professor proceder de fato suaviza o texto mostrando cuidado com o modo
de tratar o docente-leitor. Ainda que expressões como “envolver os alunos em
atividades em que a leitura seja significativa” (SÃO PAULO, SME, 2006b, p. 12),
“apresentar os locais onde os alunos podem pesquisar” (SÃO PAULO, SME, 2007, p.
80) ou “organizar a análise comparativa na lousa” (SÃO PAULO, SME, 2007, p. 91)
visem persuadir o docente a incorporar essas ações à sua prática, evidenciam outra
opção de linguagem. Diferentemente do referencial geral do ciclo II do ensino
fundamental, os documentos específicos horizontalizam a relação autor-leitor
contornando algo dos protocolos de autoridade da hierarquia funcional na linguagem.
Também há nos Cadernos do Professor da Proposta Curricular do Estado um
uso recorrente do modo imperativo. Como no Referencial de Expectativas comum às
áreas do ciclo II do ensino fundamental, essa prática indica algo do funcionamento
refletido da representação sobre a docência nas publicações institucionais. Esses textos
constroem o leitor-docente dizendo-lhe o que fazer como se suspeitassem da sua escassa
formação e experiência. Por um lado, trata-se de um modo usual de dar eficácia ao que
foi pensado como necessário para a transmissão de conhecimentos. Entretanto, é
igualmente um meio de fixar uma fórmula de trabalho. Expressões como “peça que
busquem, no livro didático e em dicionários” (SÃO PAULO, SEE, 2008o, p.11) ou
“oriente os alunos a sempre redigir respostas completas” (SÃO PAULO, SEE, 2008m,
p. 23) e “mostre para os alunos que os documentos são a expressão do passado” (SÃO
PAULO, SEE, 2008c, p. 12) visam persuadir o docente a incorporar essas ações na sua
prática através de determinações. Nesses casos, o papel do docente para quem se
construiu o texto ficou reduzido a de um mero executor de tarefas.
Outros modos de dizer o que é pressuposto e condição da ação docente nos
manuais de ensino de história definem-se na proposta da metodologia, das técnicas e
conhecimentos que o professor deve repassar. As atividades-modelo conduzidas nas
situações de aprendizagem do Caderno do Professor e nas atividades seqüenciais das
Orientações Curriculares de História visam subsidiar o docente com estratégias de
abordagem da matéria. Trata-se de um expediente sistemático no primeiro documento e
119
apenas referencial no segundo. No Caderno do Professor, as situações de aprendizagem
pautam-se em número de aulas e na organização bimestral do ano letivo. Nesse formato,
por exemplo, as atividades sobre o “Rio Nilo e o trabalho camponês no Egito antigo”,
“o código de Hamurabi”, a “África, o berço da humanidade” e as “Invenções da China
antiga” constituem o Caderno do Professor do 2º Bimestre da 5ª série e os exercícios
acerca do “Tráfico negreiro e escravismo no Brasil”, da “Ocupação holandesa no
Brasil”, da “Mineração e vida urbana no Brasil” e da “Crise do sistema colonial” o
Caderno do Professor do 4º Bimestre da 6ª série. As Orientações Curriculares
organizam não mais que 7 atividades sequenciais, sendo duas para o 1º, o 2º e o 3º ano
do ciclo II e uma para o 4º ano. Nesse caso, o esforço vai no sentido de mostrar uma
possível articulação entre as atividades e as expectativas de aprendizagem
sistematizadas no documento de orientação. As diferenças de extensão e propósito de
ambas as iniciativas não impedem de percebê-las como medidas para normatizar as
práticas da sala de aula. À preocupação política com a qualidade do ensino e o trabalho
do professor no ensino dos conteúdos respondem com um centralismo regulador que
reduz as circunstâncias nas quais o professor desenvolve o seu trabalho aos fazeres mais
cotidianos do exercício da docência.
Também há longas explicações sobre o conteúdo da matéria que contribuem
para isso. Sobretudo o Caderno do Professor se vale dos esclarecimentos acerca da
matéria de ensino como recurso para orientar o docente na condução da aula.
Abordagens a respeito do “Império Romano” (SÃO PAULO, SEE, 2008j, p. 23) ou da
“origem da expressão Idade Média” (SÃO PAULO, SEE, 2008c, p. 14) e da “lei de
terras de 1850” (SÃO PAULO, SEE, 2008q, p. 11) são partes de séries inteiras de
discursos segundos ou derivados por cujo intermédio se outorga competência aqueles
que puderem assimilá-los (cf. CHAUÍ, 1989, p. 12). Sob a mesma perspectiva, as
considerações acerca dos gêneros de fontes principalmente realizadas no Referencial de
Expectativas e nas Orientações Curriculares de História constrangem a prática do
docente ao discurso do especialista. As discussões em torno do texto literário, da canção
popular, do texto jornalístico, da crônica, do discurso político, das imagens e de tabelas
e gráficos (cf. SÃO PAULO, SME, 2006b) orientam a organização do conhecimento e o
desenvolvimento do conteúdo segundo um discurso já institucionalizado na
Universidade. Igualmente assim, as recomendações quanto ao trabalho com relatos de
viajantes, pinturas e fotografias (SÃO PAULO, SME, 2007) resultam desse artifício
mediador e promotor de conhecimento que são as publicações institucionais de
120
orientação curricular. O atual investimento na elaboração desse tipo de discurso de
vulgarização do conhecimento especializado ainda parece ser o que Chauí (1989, p. 13)
identificou como a manifestação de um procedimento pelo qual “a ilusão coletiva de
conhecer apenas confirma o poderio daqueles a quem a burocracia e a organização
determinaram previamente como autorizados a saber”.
Os boxes com orientações, as tabelas e gráficos, as legendas, os destaques e as
reproduções de fontes escritas e imagens são outro conjunto de dispositivos discursivos
e editoriais que constituem o aparelho formal da enunciação nos referenciais
curriculares. Tanto quanto o recurso às formas verbais, esses auxílios resultam de
escolhas que revelam algo das perspectivas que se tem sobre a docência. Sobretudo
úteis para especificar as informações, referenciando ou detalhando dados e orientações,
os boxes, as tabelas e gráficos, as legendas e os destaques constituem um intrincado
sistema de indicações sobre a organização do material compilado nas propostas
curriculares de história. Os protocolos de leitura que esses recursos criam não só
enfatizam, evidenciam ou organizam aquilo de relevante das prescrições, como também
sinalizam com procedimentos de associação entre os objetivos e os conteúdos do ensino
de história, de progressão da matéria e de referenciação das escolhas. De outra parte, as
reproduções de fontes escritas e imagens oferecem um conjunto de materiais para as
aulas. Contribuem para subsidiar com documentos históricos o trabalho docente. Nesse
sentido, a bibliografia, os filmes, as canções e os sítios da internet completam o
repertório de indicações impressa e audiovisual considerado fundamental para o
desenvolvimento da matéria de estudo. Em muitos sentidos, esses expedientes editoriais
servem para suprir o professor de referências daquilo que se supõe lhe faltar ter ou
saber, para atualizá-lo.
Além de discursos para os professores, os referenciais curriculares editados pelas
secretarias de educação do município e do Estado de São Paulo veiculam discursos
sobre os professores. Como as orientações de método e de conteúdo e o repertório
indicado de materiais, as referências à docência que são feitas nesses impressos fazem
reconhecer uma certa maneira de exercer o magistério. A ideia geral e comum
predominante diz respeito à compreensão do docente como um mediador. Os
referenciais curriculares em estudo tanto insistem que o professor assuma a sua tarefa de
mediador de leitura e, assim, o papel daquele que desvela questões e problemas (SÃO
PAULO, SME, 2006a, p. 08) quanto que depende da qualidade de suas mediações as
competências e habilidades desenvolvidas na escola (SÃO PAULO, SEE, 2008a, p. 14;
121
SÃO PAULO, SME, 2007, p. 22). Em atividades organizadas na forma de sequências
didáticas ou projetos, através de situações de aprendizagem e das rotinas de trabalho, o
professor fica responsável pela “acomodação” de um saber específico ao aluno.
Principalmente, pensa-se que cumpre à docência levar em conta a realidade dos alunos,
suas resistências e interesses como contrapartida da tarefa de ensinar.
A leitura do conjunto das orientações curriculares indica que há uma demanda
muito variada de ações no ensino. Não escapa às secretarias de educação do Estado de
São Paulo e da sua capital que estimular, orientar, valorizar, esclarecer, auxiliar e
avaliar o aluno, selecionar, organizar e explicar o conteúdo ou lidar com a diversidade,
questionar, solicitar, debater, problematizar e planejar o trabalho constituem referências
consolidadas para o exercício do magistério. Sobretudo, as recomendações publicadas
organizam e sistematizam esses procedimentos criando rotinas ou modelos de atividade
para servir de referência para os docentes. Assim, além de ações, as orientações
curriculares do Estado e do Município de São Paulo modelam sequências inteiras de
aula, desde a sondagem da proficiência dos alunos até as estratégias de avaliação. Fica
pressuposto nisso o domínio de uma série de habilidades e competências por parte do
professor para conduzir as aulas. A opção por estratégias desse tipo de orientação do
trabalho docente se não traz novas atribuições e responsabilidades ao professor parece
denunciar a desconfiança que se tem da sua capacidade de pensar, definir e executar as
atividades de ensino. Ainda que pensados para assegurar uma generalização de
proposta, os referencias são mais uma aposta na indução imediata de ações renovadoras
ou eficazes de ensino por meio da manipulação de textos normativos por parte do
professorado.
Também é útil considerar as solicitações mais específicas que esses documentos
veiculam. Há momentos em que os referencias curriculares apostam na criatividade do
professor (SÃO PAULO, SME, 2006a, p. 35; 2006b, p. 33 e 51; SÃO PAULO, SEE,
2008a, p. 43). Recomendam que o docente crie situações de trabalho e estratégias
didáticas e de leitura (SÃO PAULO, SME, 2006a; 2006b) e, por vezes, reconhecem
ajustes e adaptações como tarefas criativas (SÃO PAULO, SEE, 2008c, p. 45).
Invariavelmente, esse trabalho apenas se completa com o registro dos processos e
resultados. As propostas de reorientação curricular insistem na necessidade de registrar
o que o docente for realizando e os resultados conseguidos. Prestam-se, inclusive, a
oferecer tabelas e formulários estandardizados para o preenchimento do professor (SÃO
PAULO, SME, 2006a, p. 14 e 20; 2006b, p. 11; SÃO PAULO, SEE, 2008b, p. 44). Em
122
certa medida, os referenciais curriculares associam criatividade e controle numa
burocratização singular do processo educativo. Pede-se para que se registre o que os
estudantes falam, como trabalham, suas expectativas, almeja-se que se planeje, execute
e avalie por meio de registros sem que seja preciso pensar sobre as categorias ou
modelos utilizados. Não obstante toda a preocupação com a escrituração e apesar de,
por vezes, os referenciais curriculares apostarem na dimensão criativa do exercício da
docência, nota-se neles uma cuidadosa atenção a alguns qualificativos do magistério.
Em primeiro lugar, a responsabilidade. O Referencial de Expectativas para o
Desenvolvimento da Competência Leitora e Escritora no Ciclo II do Ensino
Fundamental – História realiza a articulação entre as diretrizes curriculares da
Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e a área de história assumindo que o
ensino da leitura é da responsabilidade do professor de História: Podemos partir da concepção de que a leitura é um meio de aprendizagem de
conteúdos históricos e, portanto, aprender a ler e a questionar historicamente um texto deve ser encarado como objeto de ensino e aprendizagem. A leitura torna-se, assim, um conteúdo procedimental, e, com isso, é responsabilidade do professor de história planejar e desenvolver estratégias didáticas voltadas especificamente para formar leitores e para permitir que, pela leitura, os estudantes se apropriem de informações e aprendam a pensar historicamente (SÃO PAULO, SME, 2006b, p. 20).
Por outro lado, a preocupação da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo
com a gestão da sala de aula imputa ao professor a responsabilidade pelo comando do
espaço da classe: (...) ao se atribuir ao (à) professor(a) a responsabilidade pelo comando da sala
de aula, não se está propondo nenhuma forma de controle autoritário, felizmente há tempos banido do ambiente escolar. Contudo, recusar o autoritarismo não significa abrir mão da responsabilidade de ensinar ou, em outras palavras, levar a aprender. Quando o(a) professor(a) se ausenta nessa relação básica, o aluno sai da escola, malformado e é nesta hora que a importância dos compromissos do docente com sua formação aparecem em toda sua dimensão. É deles que depende seu desempenho, resultante das relações com os programas oficiais, com o livro e outros recursos didático-pedagógicos, além dos alunos – que devem representar o principal objetivo de toda ação educativa (SÃO PAULO, 2008a, p. 42).
Além da responsabilidade, o compromisso e a dedicação, gostar de história e ler
são atributos por meio dos quais os referenciais curriculares qualificam o trabalho do
professor de História. Incluir variáveis desse tipo entre as orientações de procedimento e
conduta lembra o leitor que há problemas nesse sentido e que ainda é preciso sublinhar
as obrigações éticas e os valores profissionais associados à docência ao próprio docente.
123
A interação didática no ensino de História segundo as Orientações Curriculares
Entre os tantos procedimentos que os referenciais curriculares adotam para
orientar o professorado, o recurso ao compromisso e à dedicação dos docentes, ao gosto
pela matéria que lecionam e aos seus hábitos de leitura ajuda a pensar as condições da
eficácia do exercício da docência atualmente. Sobretudo, o Referencial, as Orientações,
a Proposta Curricular e a série de Cadernos do Professor dão crédito aos qualificadores
das interações do professor com a classe. Nessa direção, recomendam ao docente ler
para a turma, debater com os estudantes, tornar possível a inclusão, apresentar os locais
onde os alunos podem pesquisar, estabelecer laços entre a escola e a comunidade.
Orientações no sentido de lidar com a diversidade, considerar a realidade e os interesses
dos alunos e de explicitar os costumes de um bom leitor somam ainda outras indicações
para a abordagem da sala de aula. Ao professor, portanto, é solicitado que propicie
situações de participação dos alunos na aula, conduza-a rotineiramente e favoreça a
aprendizagem ativa, baseada num convívio positivo do professor com as suas classes.
Chama a atenção nessas prescrições a maneira como são realizadas. Embora se
tratando de documentos específicos da área de História, predominam orientações gerais
sobre os procedimentos docentes. Pensar na organização do trabalho pedagógico ou na
eficácia do ensino constitui procedimentos esperados de qualquer docente, não
caracteriza uma prática específica do professor de história. O material editado pelas
secretarias de educação do Estado de São Paulo e do município da capital sistematiza
diretrizes para o preparo da aula, a atuação docente e a avaliação dos alunos que,
comuns na rotina do magistério, insiste-se em prescrever. Em certa medida, a opção
pela reiteração dos fazeres do ofício nos referenciais curriculares afirma que o ensino da
história é uma especialidade da docência e, portanto, o professor que o realiza, parte dos
quadros da educação. Compreender assim esse artifício dos cadernos de orientações
didáticas implica reconhecer que as expectativas em relação às contribuições do
professor de história para o ensino da leitura e da escrita ou para a gestão da sala de aula
resultam mais que de uma reflexão didática específica, da política educacional do
momento.
No conjunto geral, naturalmente, há recomendações especialmente dirigidas ao
professor de história. Problematizar a realidade social através da análise do passado,
124
insistindo no papel da história como iluminação do passado sobre o presente, encabeça
a lista de orientações de fundo. Nessa mesma lista, recomenda-se, por exemplo,
acompanhar os momentos iniciais da formação da consciência crítica, participar de
maneira ativa do processo de percepção e formação dos valores constituintes da
cidadania e contextualizar uma produção cultural ou documento (SÃO PAULO, SEE,
2008a, p. 41), discutir discursos políticos nas aulas e confrontar idéias do seu texto (cf.
SÃO PAULO, SME, 2006b, p. 35 e 45). Orientações para o trabalho com fontes são
igualmente recorrentes nos referenciais curriculares. Tem importado tratar da seleção e
crítica de textos históricos de diversos gêneros (crônicas, discurso político, texto
jornalístico) de imagens (mapas, obras de arte, charges, fotografia, filmes, gravuras) e
representações gráficas e estatísticas com finalidades didáticas. Ciosos da solides
teórico-metodológica do trabalho docente, os materiais de orientação curricular
sublinham que também o ensino de história deve observar o rigor historiográfico no
tratamento das fontes. Outro conjunto de recomendações que é especifica para o ensino
de história diz respeito às reflexões sobre o tempo. Em relação às conexões temporais
da agência humana do passado que o estudo da história produz, os referenciais
curriculares basicamente orientam o docente recorrer à linha cronológica e trabalhar
com diferentes concepções de tempo histórico. Sobre as temporalidades, as
recomendações são tão procedimentais quanto a respeito das fontes: comparar e
relacionar, criar estratégias de leitura favoráveis para a compreensão do aluno, propor
projetos de trabalho, promover questões e utilizar o material didático.
Parte significativa dos referenciais curriculares estudados aqui tem a ver com o
esforço de sistematizar saberes que tratam da interação professor, aluno e objeto de
estudo. As formas de conduzir a classe e o controle da sua disciplina, os gestos, as
maneiras de fazer e os procedimentos de conduta entre outras tantas ações implícitas da
aula são assumidas como diretrizes. Parece ser central às atuais propostas de
reorientação curricular da cidade e do Estado de São Paulo promover estratégias de
abordagem da classe e de condução das atividades. Ainda que presentes, as
recomendações acerca do trabalho com diferentes linguagens, com fontes e recursos
audiovisuais, por meio de dramatizações e de jogos e de organização de eventos,
debates e passeios secundam a preocupação com a rotina dos fazeres escolares. Esses
referenciais curriculares contemplam indicações do que anotar na lousa, de quando é
preciso passar entre os grupos, sobre a conveniência de se corrigir a lição de casa e da
utilidade de toda uma série de outras medidas relacionadas à sala de aula. Assim, mais
125
até que os métodos de trabalho do professor de história, o Referencial de Expectativas
da Prefeitura e a Proposta Curricular de História do Estado focam a aptidão do
magistério para lecionar.
Para ministrar aulas, conta-se que esses recursos sejam perspicazes para efetivar
relações de ensino e aprendizagem de cada conteúdo para cada faixa etária. Essa
concepção da atuação docente na sala de aula sugere que a persuasão do aluno estará
garantida se considerada as suas fases de vida e condições sociais. A falta de saber do
aluno ou a sua má vontade, que podem ser muito difíceis de persuadir, jamais são
designadas. Ao professor de história, afirma-se que as vivências escolares dos alunos, o
entendimento das dimensões históricas das vivências deles e o domínio de conteúdos
relacionados aos problemas vividos por eles fundamentam o objeto do seu trabalho que
é a aprendizagem desses alunos (SÃO PAULO, SME, 2007; SÃO PAULO, SEE,
2008a). Os pontos que então merecem ser enfatizados dizem respeito ao compromisso
dos alunos com suas ações. Nos referenciais insiste-se que fazer os alunos produzirem,
providenciarem, trocarem informações ou questionarem, entre tantos outros
procedimentos de aprendizagem, depende do tipo de trabalho realizado na escola. No
entanto, essas atitudes não são a expressão imediata, automática e objetiva das
estratégias de persuasão que se recomendam aos professores nos referenciais
curriculares. Servir de exemplo ou considerar a realidade dos alunos e seus interesses
não garante eficácia plena aos modos do professor viabilizar a aprendizagem escolar.
Essas convenções que visam a fazer o professor motivar o aluno com práticas
compreensíveis e significativas apóiam-se em valores da época: o atrativo das fontes, a
facilidade do que está pronto para consumir, o sucesso certo e instantâneo que gratifica.
Ocorre que o desejo de que todos os alunos vivam, diariamente, a experiência de ser
capazes de compreender as instruções, de aplicá-las de fazer progressos comporta risco
autêntico nas turmas em que a maior parte deles vem de famílias distanciadas da cultura
escolar. Conforme sugerem os estudos de Fonseca (2006, p. 70), Caimi (2008, p. 184-
185) e Rocha (2009, p. 221) muitos professores diminuem sensivelmente o nível das
exigências perante as dificuldades que suas turmas apresentam. Nesses casos, as
atividades que dão segurança, como as tarefas de execução parcelada e rotineira, são
privilegiadas. Por outro lado, quando convencido que os horizontes de experiência dos
seus alunos são limitados ao meio urbano imediato, o professor prefere não abordar
experiências ou realidades culturais que lhes são muito estranhas (SAVIANI, 1991, p.
74-75).
126
A mirada que os referenciais curriculares lançam sobre as condições da eficácia
do exercício da docência abrange também considerações sobre a escola. Nesse ponto, há
singularidades de entendimento que se difíceis de articular num mesmo conjunto de
considerações, permitem especificar tendências importantes de enquadramento
institucional do magistério. No Referencial de expectativas para o desenvolvimento da
competência leitora e escritora no ciclo II do ensino fundamental, o docente é posto a
serviço da investigação e sondagem das características do letramento da comunidade a
que pertence a escola. Junto à equipe técnica e outros funcionários e estudantes, o
professor deve contribuir com o processo de avaliação diagnóstica dos alunos que inclui
a elaboração de estratégias para verificar o grau de proficiência de leitura em diversas
esferas discursivas. Já o Referencial de expectativas para o desenvolvimento da
competência leitora e escritora no ciclo II do ensino fundamental-História limita-se a
afirmar que o desenvolvimento da competência leitora e escritora é responsabilidade de
toda a escola. Oferece instrumentos de organização do trabalho a ser realizado tendo em
vista subsidiar as ações desencadeadas pelo Projeto “Ler e Escrever em todas as áreas
do Ciclo II”, mas apenas trata do ensino de História. Essa concepção volta nas
Orientações curriculares: proposição de expectativas de aprendizagem – Ensino
Fundamental II - História que, no entanto, avança no sentido de reconhecer que todos
os sujeitos que participam da escola, de algum modo, interferem e constroem o saber
escolar. Assim, chama a atenção para o fato de além de alunos e professores e demais
educadores da escola, os pais, editores e autores de livros didáticos e autores de
referência da historiografia contribuem para as escolhas do que se espera ensinar e do
que se aprende realmente de história na escola (SÃO PAULO, SME, 2007, p. 32).
Enfim, na Proposta Curricular do Estado de São Paulo a escola é vista a partir da sua
estruturação funcional e o professor do seu lugar nessa organização. A fim de que todos
se apropriem das suas orientações, o documento insiste que a escola deve fazê-lo
coletivamente, “tendo à frente seus gestores para capacitar os professores em seu dia-a-
dia” (SÃO PAULO, SEE, 2008a, p. 15).
Entre a percepção das formas de manifestação dos saberes históricos e a
concepção de que são administráveis, os referenciais curriculares testemunham que as
estratégias de constituição do conhecimento e das aprendizagens em história são tão
plurais quanto as próprias discussões teórico-metodológicas e historiográficas.
Organizados em previsão e controle, resta saber se quando defronte aos professores suas
informações são diretamente utilizáveis, seus protocolos de ação respeitados e suas
127
“receitas” capazes de nutrir a troca de experiências. É perguntar sobre o que as
propostas de reorientação curricular incorporam às práticas de ensino perante as praxes
do processo de trabalho dos professores. Aos formuladores das atuais propostas
curriculares, não ocorreu reconhecer que a eficácia dos referenciais depende da
percepção e do julgamento de seus destinatários. No entanto, quantas vezes o engodo e
a ostentação do aparato das secretarias de educação que o exercício da docência
desmente não são vistos como ineficiência, incompetência ou incapacidade do
professor?
128
CAPÍTULO 02
Expectativas de Aprendizagem
como Política de Pessoal
Desde que iniciou o “Programa Ler e Escrever – Prioridade na Escola
Municipal” na rede de ensino da capital até José Serra deixar o governo do Estado de
São Paulo, a gestão da coligação PSDB-DEM envolveu o magistério com os resultados
da aprendizagem. Hoje, em São Paulo, uma série de padrões e sistemas de exames atua
para realçar os níveis de proficiência das escolas e dos seus professores. O governo do
Estado de São Paulo, nesse período, criou um sistema de gratificação e promoção em
função desses resultados com o “Programa de Qualidade da Escola”. Na prefeitura da
capital, os resultados obtidos em avaliações externas têm servido para determinar quais
esferas discursivas requerem maior investimento e qual o aprofundamento necessário
para reverter o quadro de fracasso escolar associado à alfabetização. Por um lado, se
vem associando o salário dos professores a seu desempenho em termos dos resultados
do exame ou do teste de seus alunos, por outro, as políticas de currículo avançam sobre
as áreas de autonomia profissional dos docentes.
De um modo geral, essas iniciativas procuram dar sustentação a regimes de
ensino enunciados com bastante clareza e transparência. Entre 2006 e 2008, a
publicação do Referencial de Expectativas do Ciclo II, do Referencial de Expectativas
de História, das Orientações Curriculares, da Proposta Curricular do Estado e dos
Cadernos do Professor e sua distribuição aos professores veiculou todo um repertório
de conhecimentos especializados para servir de fundamento ao exercício da docência.
Entre o roteiro de lições e o subsídio à prática, esses impressos configuram
representações sobre as práticas docentes e sobre as relações ensino/aprendizagem que
importa compreender quando se questiona as estratégias de imposição de saberes
pedagógicos pelo poder público. Trata-se da atenção às configurações por meio das
129
quais a realidade é percebida e aos procedimentos que visam ordená-la. Como escreveu
Chartier (2009, p. 51-52), as representações não são simples imagens, verídicas ou
enganosas, de uma realidade que lhe seria externa; elas possuem uma energia própria
que leva a crer que as coisas são, efetivamente, o que dizem que são.
Por essa razão, pode ser útil discutir os vínculos entre as categorias em que se
fundam os agenciamentos discursivos dos atuais referenciais curriculares das secretarias
de educação do Estado de São Paulo e da sua capital e as matrizes de classificação e
julgamento dos níveis de proficiência das escolas e dos seus professores. O propósito
deste capítulo é fazê-lo a partir do material que designa as propostas para o ensino de
história no ciclo II do ensino fundamental. Assim, examinei esse material no encalço
das estratégias e atividades que sistematizam e tendo em vista a sua relação com as
recentes iniciativas de gratificação, promoção e contratação de professores na cidade e
no Estado de São Paulo. Minha principal preocupação será mostrar que hoje seguem às
orientações curriculares e prescrições acerca da intervenção e mediação do professorado
medidas de ordem administrativa visando garantir o êxito das propostas por meio da
política de remuneração e dos critérios de arregimentação de novos professores.
As rotinas de trabalho e o repertório de estratégias e atividades de ensino nos referenciais curriculares
O conjunto de publicações que as secretarias de educação do Estado de São
Paulo e da sua capital distribuíram aos seus professores entre 2006 e 2008 enfatiza as
rotinas de trabalho. Há uma preocupação muito evidente com a estruturação da aula e o
seu desenvolvimento. Pode-se colher, entre outros elementos, um protocolo de
procedimentos – apresentação para os alunos do tema, sondagem do que já sabem a
respeito, problematização, organização do conhecimento e desenvolvimento dos
conteúdos, síntese e finalização. Nesse âmbito, as prescrições são de ordem estruturante
e recorrente. Insiste-se que a apresentação do tema considere a relevância do que será
estudado e oriente os alunos quanto aos conteúdos, critérios de trabalho e objetivos. A
sondagem do que os alunos já sabem a respeito do tema deve sensibilizá-los para as
questões relativas ao tema do qual se tratará. Com a problematização tornam-se centrais
a aproximação do tema de estudo com o presente, a comparação entre símiles e a crítica
130
das fontes. A organização do conhecimento sistematiza o que foi problematizado com a
contribuição dos alunos para a incursão no tema. Nesse momento, o registro em lousa
dos resultados é providência sempre reiterada. Para o desenvolvimento do conteúdo, os
referenciais curriculares sugerem estratégias, orientam a metodologia, propõem roteiros
de análise, sequências didáticas e situações de aprendizagem. A síntese com que se
finaliza a atividade recupera informações, contextualiza historicamente as questões
estudadas e reforça a sua demarcação no tempo e no espaço.
Enquanto na apresentação, na sondagem, na problematização, na organização do
conhecimento e na síntese percebem-se as etapas de abordagem dos conteúdos pelo
professor, as orientações para o desenvolvimento da matéria permitem vislumbrar a
própria episteme de professor que os referenciais curriculares consolidam. Sujeito ativo,
o professor é o responsável pela eficácia do saber a ser ensinado e mediador cultural. A
história que ensina é resultado das expectativas de aprendizagem. A atividade e
experimentação respondem pela teoria psico-pedagógica. Os procedimentos de coleta,
organização e registro de informações, a leitura e produção de textos servem ao
professor como instrumentos de exercício e controle do rendimento do aluno, o debate e
a argumentação como principal processo de aprendizagem e o apelo à realidade e ao já
conhecido do aluno como recurso desencadeador do interesse do jovem. Ainda que se
possa trinchar o conhecimento da pedagogia da história propugnada nas atuais propostas
curriculares de São Paulo com ponderações assim, a propriedade desses paradigmas da
atuação do professor para a compreensão das formas como elas propõem ensinar a
disciplina no ciclo II da escola fundamental é apenas parcial.
Há considerações muito específicas de conduta e método que prestam um
valioso testemunho sobre os fazeres cotidianos que se espera do professor de história.
Elas completam com um receituário de práticas o discurso para os praticantes. Pelo
compêndio das práticas ou por meio do exemplo, os referenciais curriculares
ambicionam aumentar seu valor de uso junto aos professores e participar das vias
cotidianas de trocas entre esse corpo de praticantes.
Acerca da conduta do professor de história debrucei-me sobre as passagens dos
referenciais curriculares que orientam o contato do docente com os alunos e com outros
colegas e a postura em sala de aula. Em primeiro lugar, há uma preocupação específica
com a condução do diálogo em sala. Perante a manifestação dos alunos sobre um
questionamento, recomenda-se que o professor procure não ratificar nem negar o que os
estudantes falam e sim retomar, registrar, confrontar suas posições (SÃO PAULO,
131
SME, 2006a, p. 14). Converter expectativas em perguntas, explorar as estratégias de
pergunta e resposta e facilitar a participação dos alunos na aula expositiva também são
recursos lembrados para sustentar e encaminhar as discussões entre professor e alunos
em aula. Igualmente, incentiva-se a troca de idéias entre os alunos. Nessa direção, a
escolha de intervenções didáticas que promovam discussões abertas, o debate e a troca
de resultados das pesquisas escolares são as opções indicadas ao professor de história.
Outras estratégias para provocar a participação oral dos alunos são o convite aos alunos
produzirem um resumo oral do texto lido e a solicitação por sorteio. Em sentido inverso,
encontram-se recomendações para que, enquanto expõe e orienta, o professor mantenha
a atenção do aluno. Nesse quesito, evitar dispersar-se em detalhes irrelevantes,
concentrar-se em questões que favoreçam a compreensão, explicitar claramente os
propósitos da aula, ilustrar e estar atento ao que dizem os estudantes adverte sobre a
necessidade de interessar a audiência. Considerações sobre o perfil de atuação do
professor de história e o trabalho integrado entre professores completam os referenciais
de conduta de que, em geral, as orientações curriculares tratam.
Ao professor de história, os referenciais curriculares associam a ideia de que em
suas aulas se pode promover o debate, a reflexão e, portanto, a liberdade de pensamento.
Muito em razão disso, questionar seus alunos, observar o respeito às diferenças entre os
alunos como entre os povos e realizar a crítica e a análise das fontes e dos materiais
didáticos implicam numa postura democrática do professor diante da classe. Assim,
essas publicações reiteram que o docente de história viabilize o acesso dos estudantes a
diversas fontes de informação, permita o aluno expressar publicamente o que pensa
(SÃO PAULO, SME, 2006a, p. 41) e, entre outras atitudes, acompanhe, sem dirigir, a
formação da consciência crítica de crianças e adolescentes (SÃO PAULO, SEE, 2008a,
p. 41). O trabalho em conjunto com professores de outras disciplinas também é indicado
para o ensino da História. No material impresso do município, o professor orientador da
sala de leitura aparece como o maior colaborador das atividades em que se exigem
livros, planejamento de tarefas com revistas e jornais, oficinas de leitura e produção de
texto (SÃO PAULO, SME, 2006a, p. 16-17). Sobretudo os Cadernos do Professor da
proposta curricular do Estado para o ensino de História prevêem momentos muito
específicos de colaboração entre professores de diferentes áreas. No conjunto de
Cadernos da 5ª série sugerem-se um projeto interdisciplinar abordando o uso da água na
antiguidade oriental e na sociedade contemporânea e a organização de um jogo de
percurso sobre a crise do império romano envolvendo os professores de Arte, Língua
132
Portuguesa, Ciências, Geografia e Matemática. O trabalho em conjunto com um
professor de Matemática volta a ser solicitado na 8ª série, por ocasião de uma atividade
de construção e interpretação de gráficos (SÃO PAULO, SEE, 2008e, p. 24).
Sobre as considerações de método, contentei-me em perfilar o que os
referenciais curriculares dizem ser necessário fazer para conduzir o ensino da história.
Alguns dos encaminhamentos da aula têm a ver com a própria metodologia da História
e conferem um certo rigor crítico ao ensino. Outra parte deles, dizem respeito às
preocupações pedagógicas com a compreensão, interesse e participação dos alunos.
Trata-se, principalmente, dos procedimentos que, por um lado, visam fazer aprender a
matéria e, por outro, arranjam-se com o desejo do aluno aprender. Há ainda soluções de
método muito próprias das práticas de ensino da história. Elas resultam da preocupação
em conciliar, numa situação de ensino, o domínio da natureza específica do
conhecimento histórico e o desafio de saber como introduzir e encaminhar as tarefas de
aprendizagem para os alunos.
Do primeiro conjunto de estratégias constam as premissas metodológicas
elementares da pesquisa histórica. Indagar sobre o significado histórico das fontes e
ressaltar a imperiosa necessidade da sua crítica são operações de compreensão
incorporadas nos referenciais curriculares atualmente distribuídos em São Paulo. Entre
os procedimentos utilizados na pesquisa histórica, a produção de dados apoiados em
documentos, a atenção ao autor e às suas ideias através da investigação de quem ele foi
e das características da sua obra ou o recurso aos métodos comparativos têm também
uma aplicação didática. Igualmente, focar produções que se tornaram referência para o
estudo de um tema ou esclarecem sobre uma questão de interesse e perguntar pelo
significado histórico das exigências do presente servem de parâmetro para orientar o
ensino da História nas atuais propostas curriculares. Assim, vê-se que a perspectiva dita
acadêmica cumpre um papel relevante de referência ao ensino da História propugnado
pelas autoridades públicas e seus especialistas para as escolas.
À outra série de recomendações pertencem as situações de aprendizagem, as
atividades seqüenciais, enfim, as práticas programáveis de ensino. Nos esquemas
propostos pelos referenciais curriculares, predomina a preocupação com a pertinência e
eficácia das interações que o professor de história é capaz de estabelecer com seus
alunos. Nessa direção, há expectativas quanto a capacidade de o professor induzir e
conduzir debates e discussões, dele explorar as oportunidades para o debate, orientar a
leitura e o estudo dos alunos, os grupos de trabalhos e a coleta e a sistematização de
133
informações em mapas, murais, paineis e cartazes, organizar a exposição dos resultados
das atividades e incentivar a utilização de materiais diversos. Tão importante quanto
essas ações, a condução da aula é motivo de uma série de recomendações. Em primeiro
plano, os docentes são lembrados da importância, para aula, da análise de documentos,
do encaminhamento das reflexões, da demonstração e da construção de sínteses
consistentes. Secundam esses procedimentos as preocupações em relação ao momento
de transcrever um texto na lousa, de utilizar o material didático e de recuperar
exemplos, repetir e destacar aspectos da matéria ensinada. Já a atenção com o que é
produzido em classe encoraja a elaboração de textos coletivos com os alunos e de
roteiros de pesquisa. A valorização das atividades de escrita e pesquisa vai no sentido de
mostrar o resultado desses trabalhos e de fazer com que professores e alunos se revelem
em suas obras, em seus trabalhos apresentados ou expostos.
Enfim, as soluções de método muito próprias do ensino de História reúnem os
procedimentos a ser utilizados na abordagem dos conteúdos históricos escolares.
Concorrem com a realização da aprendizagem articulando estratégias de preleção e
meios de propor o estudo e a reflexão sobre a História. Assim, por um lado, a exposição
do tema é um atributo das aulas de História que se deve levar em conta. A aula
expositiva, por vezes do tipo magistral, constitui-se, nos referenciais curriculares, como
instrumento adequado para apresentar a conjuntura dos fatos, situar o aluno na História
do presente e contextualizar historicamente. Segundo esses mesmos referenciais, serve
ainda para o professor confrontar as ideias identificadas nas fontes e conceituadas de
acordo na própria linguagem do documento com conceituações históricas de épocas
passadas. Recorrer às ilustrações e aos mapas históricos ou do mundo são práticas
indicadas para o professor fazer cumprir as finalidades da sua preleção. Por outro lado,
preocupam as condições para o trabalho coletivo da classe. Trata-se de orientações para
situações com protocolos muito controlados de atuação e para auxiliar os alunos de
forma a que eles possam desenvolver novas formas de compreender e interpretar a
realidade. Do primeiro tipo são as recomendações para organizar um material
diversificado de consulta e referência sobre o tema ou problema tratado, ir construindo
uma linha do tempo, apresentar materiais que favoreçam a pesquisa de informações em
diversas fontes, ensinar os estudantes procedimentos de como lidar, ler, avaliar e
interpretar seus materiais, meios e linguagens e encontrar na própria fonte pistas do seu
contexto histórico. As orientações para se conseguir dos alunos uma compreensão e
uma apreciação dos caminhos da participação numa comunidade, sobretudo, envolvem
134
práticas de análise. A preocupação de analisar as fontes tanto em relação ao contexto no
qual foram produzidas e são veiculados como aos conteúdos em estudo e fazer os
alunos refletirem sobre seu conhecimento a respeito da história não são apenas indícios
da presença do método do historiador na sala de aula. Os referenciais curriculares que as
secretarias de educação do Estado de São Paulo e da sua capital vêm implantando na
última década associam a operação histórica ao estudo da organização política em que
os alunos se inserem e aos ideais e atitudes que se relacionam à cidadania. Reconhecem
que para tornar o mundo inelegível ao aluno, pelo desenvolvimento de uma perspectiva
histórica, não só importa satisfazer o interesse dos adolescentes e adequar o assunto ao
processo de aprendizagem, também é preciso ter rigor crítico.
A sistematização das práticas nos referenciais curriculares: modelos de ensino e prescrição
Além das considerações de conduta e método, existem orientações bastante
direcionadas quanto à produção coletiva de atividades e a externalização dos produtos.
Trata-se de uma pedagogia centrada em práticas e tarefas. O objetivo de subsidiar o
trabalho do professor no ensino dos conteúdos é também sensibilizar o docente da sua
condição de produtor. Segundo a Proposta Curricular do Estado de São Paulo (2008, p.
18): A aprendizagem é o centro da atividade escolar. Por extensão, o professor caracteriza-se como um profissional da aprendizagem e não tanto do ensino. Isto é, ele apresenta e explica conteúdos, organiza situações para a aprendizagem de conceitos, métodos, formas de agir e pensar, em suma, promove conhecimentos que possam ser mobilizados em competências e habilidades, as quais, por sua vez, instrumentalizam os alunos para enfrentar os problemas do mundo real. Essa compreensão repete a perspectiva das Orientações Curriculares (2007, p.
58) quando considera a aprendizagem uma construção pessoal que pode ser favorecida
por situações criadas pelo professor, a escola e a sociedade. Assim, a aprendizagem é
vista nas Orientações Curriculares da Secretaria Municipal de Educação (2007, p. 19)
como: (...) compreensão de significados que se relacionam a experiências anteriores e vivências pessoais dos estudantes, permitindo a formulação de problemas que os incentivem a aprender mais, como também o estabelecimento de diferentes tipos de relações entre fatos, objetos, acontecimentos, noções e conceitos, desencadeando mudanças de comportamentos e contribuindo para a utilização do que é aprendido em novas situações.
135
Em ambos os casos, a organização curricular é considerada uma ferramenta de
apoio à prática docente, que deve auxiliar o professor na tarefa de planejar trajetórias
para que seus estudantes possam construir aprendizagens significativas. No entanto,
enquanto na Proposta Curricular do Estado de São Paulo a história aprendida se
transforma e manifesta em produtos, as Orientações Curriculares do Município atrelam
as atividades a longos tempos de interação, valorizando mais a trama de relações
estabelecidas nas aulas.
Nas práticas previstas no Referencial de Expectativas para o Desenvolvimento
da Competência Leitora e Escritora no Ciclo II do Ensino Fundamental - História e nas
Orientações Curriculares. Proposição de Expectativas de Aprendizagem – História são
acentuadas as prescrições quanto ao planejamento das interações. Recomenda-se
organizar atividades que estimulam os estudantes a preocupar-se com a leitura e a
questionar a diversidade do que é possível ler nas páginas impressas (SÃO PAULO,
SME, 2006b, p. 27). Predomina a preocupação com as oportunidades de leitura criadas
pelo professor na aula: prever a possibilidade de leitura, realizar a leitura, ler
coletivamente e, sobretudo, explorar as interpretações questionando, solicitando a
opinião dos alunos, confrontando diferentes textos e organizando as análises. O debate
das ideias e entre as diferentes interpretações constitui o principal recurso para que os
alunos assumam a palavra e participem da aula.
Além da leitura e do debate, conversar com cada grupo, desenvolver atividades
de confrontação de legendas criadas para uma mesma imagem ou mapa, utilizar o livro
didático e o material paradidático e visitar museus são tidos como meios do professor
envolver seus alunos com a aprendizagem. As preocupações com os procedimentos de
organização e sistematização completam as recomendações dos referenciais curriculares
da secretaria municipal de educação de São Paulo. Durante o desenvolvimento da aula,
o papel do professor é instigar, promover questões para que os alunos observem,
dialogar. Ao final, pretende-se que o docente contextualize as fontes utilizadas,
estabeleça relações e retome os conteúdos. Enfim, a preparação da aula implica em
organização dos materiais para apresentar aos alunos. Compreende-se que essas ações
viabilizam a criação de canais de diálogo entre o professor e seus alunos, principal
objetivo das orientações curriculares.
A produção de atividades por parte dos alunos é prevista como desdobramento
da aula. Sobretudo o Referencial de Expectativas associa a leitura de textos, imagens,
mapas e gráficos às possibilidades de escrita. Nesse documento, a formação de leitores
136
resulta da aprendizagem de “como questionar e como estar atento às ideias imersas nas
complexas dimensões dos diferentes gêneros de texto, dos contextos em que se inserem
e das autorias, nas formas, nas relações e na diversidade de linguagens em que se
expressam” (SÃO PAULO, SME, 2006b, p. 29). Anotar as hipóteses iniciais e os
conhecimentos prévios, sistematizar as informações colhidas dos textos, escrever
interpretações para textos, imagens, gráficos e mapas, reescrever os textos,
complementar o que foi estudado com pesquisas, produzir textos nos estilos dos textos
lidos são considerados meios para isso. Outras ações mais específicas constituem um
repertório variado de atividades. Propor aos alunos o desenvolvimento de projetos de lei
para serem enviados para o Parlamento Jovem Municipal e solicitar que os alunos criem
títulos para imagens ou que elaborem textos coletivos, elaborar textos com os estudantes
ou organizar a coleta de informações a serem incluídas em tabelas apropriadas seguem
como sugestões para a realização de exercícios de escrita e leitura.
As Orientações Curriculares retomam essa diretriz, ampliando a abrangência
das atividades. Insistem que na sala de aula pode haver uma grande linha do tempo a ser
progressivamente preenchida com cada contexto estudado (SÃO PAULO, SME, 2007,
p. 92). Para a avaliação individual, as Orientações Curriculares sugerem ao professor
pedir para os alunos escreverem um texto contando o que sabiam antes e o que
aprenderam com o trabalho realizado (SÃO PAULO, SME, 2007, p. 95) ou que sejam
feitos desenhos a partir de descrições elaboradas pelos próprios alunos (SÃO PAULO,
SME, 2007, p. 109). Em grupo, as solicitações abrangem a listagem do que já se sabe ou
de aspectos da matéria estudada, pesquisa ou, pelo menos, a divisão das tarefas de
pesquisa, a reescrita de textos lidos em sala, a produção de murais com os resultados do
trabalho na classe. Debater e registrar as conclusões de aula, apresentações e a produção
de textos sobre as discussões acerca do tema explorado pela classe são realizações que
se pede para ocorrer coletivamente.
Na Proposta Curricular do Estado de São Paulo, os Cadernos do Professor,
organizados por séries e por bimestres, apresentam situações de aprendizagem para
orientar o trabalho do professor no ensino dos conteúdos disciplinares de história (cf.
SÃO PAULO, 2008a, p. 9). Trata-se de uma compilação de atividades sobre a matéria
que é assumida como subsídio para a gestão da sala de aula, para a avaliação e a
recuperação. Em meio aos apelos das sugestões de métodos e estratégias de trabalho nas
aulas e suas implicações para o exercício da docência em História, as atividades de
produção pareceram-me ser o principal vetor das orientações. A partir da abordagem de
137
toda a série de produtos que se propõe fazer nos diferentes Cadernos do Professor da
área de História podem ser identificados certos padrões nas práticas recomendadas.
Diferente do que ocorre no material da Secretaria Municipal de Educação, a Proposta
Curricular do Estado de São Paulo privilegia o registro e os produtos da aprendizagem.
A interação e as relações estabelecidas na aula entre professor e alunos são
fomentadas em função do que se vai produzir. Assim, mais que o debate e a
confrontação das interpretações de leitura, a proposta curricular do Estado valoriza os
procedimentos de desenvolvimento de tarefas e a produção coletiva das atividades. Num
total de 64, distribuídas em 16 Cadernos, as chamadas situações de aprendizagem
também trazem planos de aula, levantam alternativas, contrapõem possibilidades de
ação e orientam a interpretação do significado do que solicitam fazer. Uma parte delas
se define em produções de construção coletiva. Outra parte, articulando práticas de
estudo, pesquisa e análise, organiza procedimentos de compreensão de textos de época e
tipos variados de fontes históricas. Outra parte ainda das situações de aprendizagem
orienta o registro individual das observações realizadas. O conjunto todo é perpassado
por práticas de trabalho em grupo e da apresentação de seminários, pela coleta e
organização de informações em fontes diversas e a sistematização de dados e conceitos.
Há variedade de produções: varal, página de jornal, dicionário ilustrado, murais,
textos ilustrados, cartazes, cadernos de registro, cartões postais, painel ilustrado, álbum
de figurinhas, história em quadrinhos, quadro informativo, maquete, revista cultural,
anúncio publicitário, jogos de percurso, mapa e noticiário. Principalmente, elas
motivam apresentações e exposições. Segundo Arroyo (2000, p. 156) esses são os
momentos em que os alunos se sentem “atores, artistas, produtores de algo, artífices
individuais ou coletivos e a escola abre espaços para que as crianças e adolescentes se
mostrem em suas obras, suas artes, os produtos que lhes dão orgulho e identidade”. A
Proposta Curricular do Estado de São Paulo também parece apostar que seja assim.
Pretende que a adolescência e a juventude externe sua formação em práticas, atividades,
produtos e tarefas coletivas. Nessa perspectiva, o ensino de História contribui para o
desenvolvimento das capacidades de leitura, reflexão e escrita com temas cuja
elucidação deve partir de situações cotidianas e conduzir a vivências educativo-
culturais.
No entanto, essa concepção prático-ativa de educação convive com
procedimentos mais fundados nas tarefas de observação, análise e síntese características
do ofício do historiador. É igualmente importante a quantidade de estudos dirigidos de
138
textos, organização de glossários, fichas e mapas conceituais, pesquisa escrita,
elaboração de cronologias, análise de fontes e mapas, produção escrita, comparação de
documentos indicada nos Cadernos do Professor da área de História. Recomenda-se a
socialização entre os alunos dos resultados desses esforços de investigação e análise em
debates, discussões ou seminários. De certa forma, também os passos do método
historiográfico são aproveitados para as tarefas do ensino e a apresentação dos
resultados respeita os tradicionais meios de divulgação e avaliação do trabalho
intelectual. Na Proposta Curricular do Estado de São Paulo (2008a, p. 41), o esforço
para superar “as sempre lembradas formas tradicionais de ensino” não significa que o
professor deva abdicar dos recursos do método histórico, do uso da palavra ou do
domínio do assunto e do conhecimento das diferenças entre o ofício do historiador e do
professor.
Conforme espero ter conseguido mostrar, a formatação do auxílio ao professor
responde a ideia que se faz do seu trabalho em sala de aula. Na proposta curricular do
Estado de São Paulo, o Caderno do Professor reúne subsídios e orienta a utilização dos
recursos para uma série de aulas organizadas em função do produto que se vai construir.
No Referencial de Expectativas e nas Orientações Curriculares publicadas pela
Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, a produção é um mero desdobramento
da aula, apoio e prolongamento da reflexão. Não obstante as diferenças, o governo do
Estado e a Prefeitura da capital reconhecem na aprendizagem da leitura e da escrita um
campo comum do ato de ensinar e na elucidação das relações entre passado e presente e
no exercício do pensamento livre os habituais referentes da história ensinada.
Reconhecer as afinidades ou convergências entre ambas as propostas curriculares não
significa dizer, no entanto, que serão compartilhados entre os professores.
Como advertiu Dominique Bourne (1998, p. 140), não serão os programas que
transformarão, como num passe de mágica, o ensino de história, pois “os docentes e a
maneira como são formados são mais importantes que os programas, e ainda mais
capital é a coerência da missão que a nação lhes confia”. De fato, as apropriações do
que pareceu ser útil das propostas curriculares de história aos professores não foi algo
que esta pesquisa pôde estudar. As abordagens atuais sobre como ocorrem na prática as
apropriações de programas, diretrizes curriculares e livros didáticos advertem acerca da
variedade de soluções de aplicação e interpretações (cf. FONSECA, 2006; ROCHA,
2009). Na própria Proposta Curricular do Estado (2008, p. 43) reconhece-se se tratar
de mais uma tentativa talvez condenada, no nascedouro, a produzir os mesmos e
139
modestos resultados de anteriores. Outra maneira de perceber a questão da apropriação
das propostas de inovação do ensino pelos professores é compreender como se dão as
suas trocas de informação. Nesse último sentido, Miguel Arroyo (2000) e Anne-Marie
Chartier (2007) contribuem com considerações sobre as estruturas de apoio mútuo entre
os professores.
Por um lado, Arroyo (2000, p. 151) mostra que o professor se afirma como
profissional de práticas a partir da troca de experiências. Sobretudo, enfatiza a
importância dos encontros, das oficinas e redes de comunicação onde as práticas sejam
socializadas para a criação de uma rede de experiências, de práticas significativas entre
as escolas e os coletivos de professores. Por outro, Anne-Marie Chartier (2007, p. 204)
propõe uma compreensão da dinâmica da troca de experiências entre os pares. Ao
analisar o valor de troca das famosas “receitas”, conclui que o discurso oral ligado às
práticas permite que os professores se identifiquem como um corpo de praticantes,
embora cada um trabalhe em sua sala de aula. Tanto quanto a ideia de rede de
experiências, a concepção de valor de troca sublinha que há práticas que os professores
sabem e controlam e cuja reelaboração depende das ações que realizam, das situações
pedagógicas que experimentam e dos procedimentos de trabalho que põem em uso (cf.
CHARTIER, 2007, p. 204). Em muitos sentidos, mais que a partir de qualquer auxílio à
ação docente, a atualização dos saberes úteis para a prática ocorre em meio a trocas
informais.
A carreira e as políticas do currículo
Há indícios de que essa dimensão do ofício da docência não foi ignorada na
Proposta Curricular do Estado ou no Referencial de Expectativas e nas Orientações
Curriculares da Secretaria Municipal de Educação. Um deles é a insistência com que se
solicita a intermediação do professor para ajustes, adaptações e alterações que
considerar pertinentes. Reiteradamente, a experiência do docente, sua iniciativa e
preferências constituem domínios que as orientações curriculares de história
reconhecem. Que o docente siga seu próprio caminho, aplicando, a seu modo, as
sugestões que são oferecidas é recomendação que na Proposta Curricular do Estado
(2008, p. 43) soa com um tom de resignação: “Mas uma coisa deve ser dita desde já:
140
seja qual for o procedimento adotado, os resultados dependerão, sempre, da prática
constante da leitura”.
A abertura de canais de participação do professorado na elaboração das
propostas e orientações é outro indício do reconhecimento da importância da
experiência e dos encontros para a atualização dos saberes úteis à prática docente. A
criação do grupo de referência da área de história a partir de integrantes do magistério
municipal envolveu professores, equipe da Diretoria de Orientações Técnicas da
Secretaria Municipal de Educação e especialistas da área num esforço de trabalho
coletivo. A proposta estadual reserva espaço para a avaliação dos resultados obtidos
com o Caderno do Professor por parte do docente para possíveis ajustes futuros. Na
edição de 2009 desses Cadernos, o Secretário de Educação do Estado reconhece que a
revisão para o aprimoramento da proposta curricular resultou das análises e sugestões
dos professores. Dessa forma, os órgãos centrais da educação mostram também desejar
tirar partido da experiência do magistério e participar da sua rede de trocas. Ocorre que
a tentativa de administrar a implantação das novas propostas curriculares recai não
propriamente nas práticas de ensino, mas na mobilização dos praticantes.
A Proposta Curricular do Estado de São Paulo, os Cadernos do Professor, o
Referencial de Expectativas e as Orientações Curriculares cumprem o papel de
generalizar rotinas de ensino e integrar projetos e programas de ação. Acredita-se que,
assim, contribuam para “organizar melhor o sistema educacional” (SÃO PAULO, SEE,
2008) ou, para planejar uma “estratégia que ao mesmo tempo dê conta da complexidade
e tamanho da rede” (SÃO PAULO, SME, 2006a, p. 8). No entanto, as práticas que as
secretarias de educação do governo do Estado e da prefeitura da capital constituíram em
torno das suas propostas e referenciais curriculares mostram tratar-se de exigências
específica e minuciosamente definida de ensino. O modo como os novos padrões de
conteúdo e os sistemas de avaliação que o acompanham dificultam as regras de
promoção e contratação dos professores manifesta a exigência de aquiescência com a
definição governamental de currículo.
A criação do Programa Qualidade da Escola exige da escola o cumprimento de
metas e que os professores sejam gratificados de acordo com o sucesso que têm em
efetivar a proposta curricular. Na área de história a manobra se efetivou com a
vinculação do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo à
proposta curricular em 2009. Depois de consolidar a estruturação do currículo oficial da
educação básica de São Paulo, a Secretaria de Estado da Educação procurou tornar clara
141
a vinculação do SARESP ao currículo publicando as Matrizes de Referência para a
Avaliação SARESP – Ensino Fundamental e Médio – História e Geografia. Trata-se de
um documento que descreve o elenco de metas de aprendizagem desejáveis em História
e Geografia, estabelecendo, conforme entende a coordenadora geral da proposta, “os
conteúdos disciplinares a serem desenvolvidos em cada ano ou ciclo e que se espera que
os alunos sejam capazes de realizar com esses conteúdos, expresso na forma de
competências e habilidades claramente avaliáveis”. Nesse sentido, trata-se da versão
estadual da proposição de expectativas de aprendizagem da Secretaria Municipal de
Educação de São Paulo.
O novo regime de avaliação do desempenho das escolas públicas estaduais mede
o desempenho dos alunos pelos resultados do SARESP e o fluxo escolar pela taxa
média de aprovação nas séries iniciais e finais do ensino fundamental e ensino médio
para estabelecer o Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo
(IDESP) por escola. A partir desses índices, a Secretaria de Estado da Educação
estabelece as metas para o ano seguinte. A gratificação dos professores resulta da
satisfação das metas determinadas. Também o processo de promoção por merecimento
dos professores da rede estadual paulista exige o domínio da proposta curricular da
Secretaria. A Resolução SE-80, de 3 de novembro de 2009, inclui a Proposta
Curricular do Estado de São Paulo para o ensino de História na bibliografia dos
exames e concursos de professores que concorrerem à promoção por merecimento.
Ambas as iniciativas constituem meios para obter adesão e apoio nas escolas e lembrar
aos professores a existência de uma hierarquia e a sua autoridade. As práticas de
avaliação das escolas segundo resultados e de associação do salário dos professores ao
seu desempenho, por um lado, pressionam para que as escolas sigam as mudanças
ordenadas, mas, por outro, insuflam suspeitas e dúvidas. Segundo Anne-Marie Chartier
(2007, p. 228), o que apreendem não é o que se passa na educação, mas a eficácia de
certos discursos em responder ou não às expectativas do poder público.
As medidas organizadas pela Secretaria Municipal de Educação para associar
currículo e desempenho ainda não configuram nada tão estruturado. Entretanto, os
recentes concursos de ingresso no magistério e acesso nos quadros técnicos se valeram
dos referenciais curriculares na bibliografia. As Orientações Curriculares de História
constam da bibliografia do concurso de ingresso para professores de história e do
concurso de acesso para o cargo de coordenador. Em ambos os editais, compõem a
seção “organização dos conteúdos de aprendizagem e desenvolvimento da competência
142
leitora e os saberes escolares das áreas de conhecimento” (SÃO PAULO, SME, 2009, p.
11). Como conteúdo de seleção, as rotinas e modelos de ensino que as publicações
institucionais prescrevem não só exigem compreensão, entranham o ingresso, ou o
acesso, com metas detalhadas e padrões de desempenho. Esse tipo de indicação realça
expectativas quanto ao domínio das situações programáveis de ensino que as
orientações curriculares veiculam. Assim, o planejamento de longos períodos de
interação e a valorização do debate, da reflexão e das práticas de produção de texto e
leitura foi mais que um referencial de trabalho para o ensino de História. Constituíram
também um perfil profissional do professor de História no concurso de ingresso da
prefeitura de São Paulo.
Outra iniciativa que mostra as exigências das autoridades públicas quanto à
aquiescência do docente com a definição governamental de currículo é a organização da
Escola de Formação de Professores do Estado. Sua criação foi anunciada em 2009 como
uma parte do programa “+ Qualidade na Escola” e, na prática, interpõe entre a seleção
em concurso público e o ingresso na carreira do magistério um curso especial de quatro
meses. O novo regime de contratação sinaliza que a Secretaria de Educação do Estado
busca atrelar os objetivos dos seus programas aos conhecimentos de que o professor
precisa e relacioná-los às situações de sala de aula. O firme controle da qualificação dos
professores e as exigências de mudanças curriculares por parte do governo têm sido
compreendido por Ivor Goodson (2008, p. 109) como meios de dizer que o tempo em
que os professores eram autônomos e independentes acabou: (...) o novo profissional é tecnicamente competente, segue as novas diretrizes e práticas, e considera o ensino como um emprego no qual, como em outros, ele/ela é gerenciado e dirigido e transmite o que lhe pedem que transmita. Em meio às iniciativas em curso nas redes municipal e estadual de educação, as
missões e envolvimento pessoal que sustentam o sentido que o professor de história tem
do ensino apenas insufla velhos jargões. “Gostar de história” ou a “autonomia e reflexão
do professor” são sentenças que perdem o significado quando se deve obedecer aos
ditados de outros e cujo nível de desempenho deve ser rigorosamente monitorado. Na
medida em que servem de base para a crença de que a perícia e o controle pertencem à
administração central, à sua burocracia e especialistas, as prescrições de novos
currículos e diretrizes de reforma requerem maior cumplicidade e não personalidade.
Prevalecem o cerco à autonomia profissional e as suspeitas em relação à formação
inicial do professor.
143
Nesse sentido, as orientações e os referenciais curriculares configuram uma
autêntica política de pessoal. Instituem ações focadas e para todos, iniciantes e
veteranos, com o propósito de articular projetos e programas de ação nas escolas.
Conforme mostram os exemplos do governo do Estado e da Prefeitura de São Paulo, as
mudanças no currículo têm determinado grandes temas a serem abordados de acordo
com avaliações periódicas. O foco da Proposta Curricular do Estado para o ensino de
História, do Referencial de Expectativas e das Orientações Curriculares nos
conhecimentos sobre a didática e a metodologia da história instrui sobre o conjunto
adequado de procedimentos e competências para o professor da disciplina atuar em sala
de aula. Publicações desse tipo generalizam uma forma específica e minuciosamente
definida de ensino. Tratar das concepções gerais, objetivos mais imediatos e esquemas
de trabalho, indicar e sugerir estratégias de aplicação dos métodos e, depois, avaliar o
trabalho que foi feito, a competência e eficácia do docente em responder ou não as
expectativas são o passo a passo de uma política que privilegia a autoridade dos
especialistas que formularam os programas e dos funcionários que supervisionam e
avaliam a implantação das propostas. O pagamento por resultados é uma espécie de
corolário dessa estratégia de organização do trabalho educativo que incentiva a
aquiescência com a definição curricular governamental. Como fontes de ideias,
sugestões, incentivos e restrições, os referenciais curriculares estabelecem critérios para
a atuação dos professores, servindo de parâmetro de promoção dos que já atuam e de
ingresso dos novatos. Em parte, a contratação e a promoção resultam da eficácia em
responder as expectativas que orientam o currículo.
As evidências que os referenciais curriculares de História permitem reunir dos
programas e projetos educacionais do governo indicam haver uma agenda voltada para
organização dos fazeres cotidianos da docência. A Proposta Curricular do Estado para
o ensino de História, os Cadernos do Professor, o Referencial de Expectativas e as
Orientações Curriculares de história do município de São Paulo instruem os docentes
que favoreçam a formação de leitores e escritores, planejem períodos de interação com a
classe e, enfim, melhorem a qualidade das aprendizagens na escola pública.
Estritamente, os referenciais de história solicitam dos professores a problematização das
fontes, o trabalho com diversos gêneros textuais e a capacidade de explorar a dimensão
formadora das práticas e dos seus produtos. O que o governo tem feito é tentar
implantar isso tudo utilizando uma ampla série de artifícios tão incisivos quanto a
efetivação no cargo, as gratificações por desempenho e a política de promoções. A
144
distribuição de material para pronta utilização ou os demais subsídios para o processo
de seleção e organização de conteúdos são os dispositivos fundamentais dessa política
de pessoal. Ao apresentarem o conhecimento oficial, suas propostas e programas de
ação, contribuem para a consolidação de um regime de verdade sobre o ensino que não
só é sugestivo ou influente, mas que se impõe por avaliações e controle sistemático.
145
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sobre a Metodologia e a Prática do Ensino de História nos Manuais do Professor dos Livros Didáticos recomendados pelo PNLD-2008 e nas Políticas de Reorientação Curricular do Governo do Estado de
São Paulo e da Prefeitura da Capital
146
Os indícios que procurei reunir para compreender as maneiras como a docência
da história tem sido vista e representada deram-me boas pistas acerca das estratégias
utilizadas para conferir crença e crédito ao que se diz ser a verdade sobre a prática desse
ofício. O motivo desta pesquisa veio de um incômodo com as preocupações de
momento com o trabalho do professor de história e diz respeito aos atuais esforços de
qualificação docente. Daí a hipótese que fixou o lugar da investigação que realizei:
perante o professor há muitos que lhe pretendem dizer qual é a verdade muda do seu
ofício. Portanto, o impulso para esta pesquisa envolveu a ideia de que a ação exige que
as pessoas falem por sua conta. Sobretudo, Anne-Marie Chartier (2007, p. 203-204)
mostrou que quando os professores se põem a falar, eles próprios têm um discurso sobre
o que são e o que deveriam ser as práticas. Para os propósitos deste trabalho, esse
problema do direito, ou melhor, da autoridade para dizer foi central.
Fundamentalmente, abordei as orientações de ensino dos Manuais do Professor
que acompanharam os livros didáticos de história recomendados pelo PNLD-2008 e das
propostas curriculares de História do governo do Estado de São Paulo e da prefeitura da
sua capital com vistas a perceber “quem” enuncia e como induz as escolhas didáticas e
pedagógicas. Um primeiro conjunto de conclusões de pesquisa decorreu desta atenção
aos “autores” dos instrumentos de auxílio pedagógico do professor. Embora a
experiência docente na educação básica seja uma credencial explorada pelos autores de
livros didáticos, a instituição de formação e a posição no campo do ensino superior
prevalecem como indicativos de autoridade. Como ocorre nos livros didáticos, nas
Orientações Curriculares a experiência docente também é referenciada: reconhece-se a
participação ou a consulta aos docentes da rede de ensino no processo de elaboração dos
documentos. Contudo, é a condição de assessor ou de especialistas responsáveis que
define os lugares de procedência dos discursos reconhecidos e legitimados. Tal prática
147
confirma que as publicações institucionais envolvem arranjos de função e expressam
autoridade e prestígio mobilizando estratégias de legitimidade e representação. Nesse
sentido, a composição da série de orientações didáticas publicadas pela SEE-SP e pela
SME da capital do Estado resultou tanto de uma prática de ordenação e controle dos
modos de reconhecimento e veracidade dos discursos a respeito do ensino de história
quanto dos arranjos de nomeação das equipes de especialistas.
A espécie de divisão do trabalho que assim a edição escolar e a contratação de
trabalho especializado de orientação curricular pelo poder público estabelecem no
sistema de educação impõe papéis prescritos aos docentes. Na lógica que Anne Marie
Chartier (2007, p. 148) percebe nessa forma de organizar as práticas do ensino, “os
programas e os textos oficiais definem as finalidades, e os conteúdos da aprendizagem
no âmbito da escola, e os professores os colocam em prática, por meio dos livros
didáticos”. Em relação aqueles que se encarregam da elaboração do material didático ou
de orientação, o exercício da docência se reduz às tarefas prático-empíricas. Nesse
sentido, a autoridade dos especialistas na elaboração dos discursos sobre a prática
docente é confirmada à custa da desvalorização dos professores como produtores ou
geradores de conhecimento pedagógico. Conforme compreendem Nóvoa (2002) e
Viñao Frago (2001, p. 41), a consolidação, afirmação e reconhecimento social, político
e econômico do saber científico sobre a educação tem excluído o dito saber prático, de
base empírica, como espaço de produção do saber pedagógico. Nas publicações que
analisei, a associação entre especialistas e discursos formados no campo da pesquisa
acadêmica são indícios de um processo desse mesmo tipo. Predominantemente foram
especialistas das universidades de São Paulo e de Campinas e da Pontifícia
Universidade Católica que conduziram e assessoraram a elaboração das orientações
curriculares para a área de História nas secretarias de educação do Estado de São Paulo
e do município da sua capital. O processo de seleção dos livros recomendados pelo
PNLD resulta de uma avaliação entre os pares que, feito no âmbito dos departamentos
de história e educação das universidades públicas, tem credenciado cada vez mais
produções organizadas segundo os critérios da pesquisa universitária.
Foucault (1996, p. 9 e 10) nota que por meio do direito do sujeito que fala se dá
a sua ligação com o poder. Principalmente, a prescrição, o uso dos modos imperativos
do verbo ou o desejo de legitimar uma prática pela escrita sugerem a prevalência do que
pode ser regulado com antecedência sobre as providências decididas no momento da
ação. No caso das publicações estudadas, certo número de operações de recorte e
148
classificação produziu as configurações graças às quais a realidade do ensino foi
representada e apresentada aos professores. Os modos e as modalidades da enunciação
do que é requerido fazer, os protocolos considerados pertinentes para satisfazer as
exigências da disciplina e a eficácia em fazê-los reconhecer como necessários referem-
se a um professor que poderia realizar corretamente a orientação. Esse é o cerne do
caráter intransitivo que os escritores emprestam aos seus discursos nessas publicações
instrucionais. Pelo contrário, quando os docentes se põem a falar e a agir em seu nome,
eles não opõem uma representação a uma outra, eles não opõem a prática à teoria. Sob
as sempre lembradas formas tradicionais de ensino que essas publicações imputam aos
professores não se observa apenas o apego a outra organização da aula e da escola ou da
metodologia de trabalho, mas, como compreende Foucault (2003, p. 42), a percepção de
um ponto singular onde o poder se exerce às suas custas. Foi dessa perspectiva que
busquei compreender em discursos tão específicos quanto os dos manuais do professor
e das orientações curriculares as iniciativas para fazer crescer o investimento do
professor de história no trabalho de sala de aula.
Sobretudo recentemente, nessas publicações, as sugestões de atividade e a
indicação de meios para a condução da aprendizagem dão ênfase às práticas de sala de
aula. Os manuais do professor dos livros didáticos e as orientações curriculares reúnem
um variado repertório de procedimentos e recursos de ensino. Trata-se de impressos de
caráter operacional, mais afeitos ao uso no dia-a-dia do que para ser lido e que veiculam
um discurso sobre a prática. Nesse sentido, as suas especificações, expectativas e
exigências acerca do ensino de história foram compreendidas como expressão de
demandas vindas da sociedade e do poder público. Interessou discutir os manuais do
professor dos livros didáticos e as orientações curriculares como um elemento das atuais
estratégias de formação continuada de professores. O edital de convocação para
inscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas e as propostas
curriculares do governo do estado e da prefeitura de São Paulo consideram esses
impressos como peças que auxiliam na atualização do professor e uma contribuição para
a sua formação continuada. Assim, o seu estudo me pareceu relevante porque são
publicações que oferecem insumos que expressam objetivos práticos e utilitários de
ensino. Trata-se de uma série de indicações a respeito da preparação da aula, do seu
encaminhamento e do retorno dos resultados e acerca de estratégias educativas e
modelos de atividade que importa pelo esforço de veicular um discurso sobre o modo de
ensinar junto aos que atuam na prática.
149
Entre o que se concede e aquilo que se demanda do professor, constata-se que os
manuais das coleções didáticas de história e as propostas de reorientação curricular
formalizam as configurações por meio das quais a docência e a aprendizagem devem ser
percebidas. Ainda que percebida em função das suas atividades mais ordinárias, a
docência de história tem sido apresentada nessas publicações sob a perspectiva da
eficácia. Segundo o que se pôde ler nelas, o professor de história ajuda a ordenar um
discurso sobre o mundo, cria possibilidades de investigação dos processos históricos
locais e dá tratamento didático capaz de facilitar ao aluno o exercício do pensamento
livre. O ofício, então, requer preparo para problematizar, para analisar e questionar a
realidade de uma atualidade sem tradição ou passado. Nota-se primeiro que a relação de
poder expressa pelas obrigações do ofício docente fica muito reduzida aos serviços
ordinários. O planejamento, o registro, a orientação das atividades, a correção dos
resultados, o estímulo à atenção do aluno, a distribuição dos materiais e organização do
trabalho e da apresentação dos alunos em sala são os imperativos cotidianos reiterados
ao docente-leitor a cada novo conjunto de temas e atividades. Por outro lado, as
finalidades do ensino se estendem desmesuradamente. Além de contribuir para a
formação de cidadãos e construir uma ideia clara dos acontecimentos e processos
históricos e de sua sucessão no tempo pede-se ao professor de história que também
provoque atitudes solidárias de convívio social e tolerância, promova o
desenvolvimento do juízo crítico e desenvolva a competência leitora dos seus alunos.
Entre outros tantos exemplos, desenvolver habilidades cognitivas como capacidade de
análise, inferência, interpretação e síntese e valorizar o patrimônio histórico e cultural
de diferentes sociedades tem se associado nos manuais do professor às tarefas impostas
pela inclusão de diferentes visões do passado no ensino da história do país e a crítica ao
eurocentrismo.
Conforme evidenciou a leitura de todo o conjunto documental, o professor de
história que os manuais das coleções didáticas e os documentos de área ostentam não é
o mesmo daquele que definem como seu destinatário. Através da análise do discurso
dirigido aos docentes nesse conjunto de materiais espero ter mostrado também que a
vulgarização do conhecimento histórico especializado tem se valido de uma linguagem
representativa das relações mantidas pelas autoridades e especialistas do ensino com os
professores. Principalmente, procurei sublinhar os protocolos de autoridade da
hierarquia funcional presentes no recorrente uso do modo imperativo dos verbos. Operar
o sentido do fazer no texto através de ordens que pretendem organizar a ação, descrevê-
150
la ou prescrevê-la tem sido a prática no Manual do Professor e nos Cadernos do
Professor da Proposta Curricular do Estado. Esses textos constroem o leitor-docente
dizendo-lhe o que fazer como se suspeitassem da sua escassa formação e experiência e
do que lhe falta saber. Por um lado, trata-se de um modo usual de dar eficácia ao que foi
pensado como necessário para a transmissão de conhecimentos. Entretanto, é
igualmente um meio de fixar uma fórmula de trabalho. Também há outros modos de
dizer o que é pressuposto e condição da ação docente nos manuais de ensino de história.
As formas amenizadas do modo imperativo no Referencial de Expectativas da área
específica e nas Orientações Curriculares e o insistente uso do verbo na sua forma
infinitiva suavizam o texto mostrando cuidado com o modo de tratar o docente-leitor.
Esse outro tipo de linguagem horizontaliza mais a relação autor-leitor contornando algo
do exercício da autoridade funcional na linguagem.
Em muitas coleções recomendadas no PNLD-2008 e nos próprios referenciais e
orientações curriculares, os esclarecimentos sobre os conteúdos da disciplina visam
contribuir para se ver com maior clareza o que deve ser ensinado. Do mesmo modo que
há expectativas quanto ao que é ensinado, esses documentos esperam que, na maneira
de ensinar, o docente de história comente e explique a matéria, relacione os fatos,
destaque conteúdos, demonstre os processos de mudança ao longo do tempo, informe
sobre a atualidade de algumas questões históricas e estimule a aprendizagem do aluno.
Se em alguma medida se pode concluir que a docência em história se caracteriza por
fazer intervir nos atuais assuntos de interesse da juventude explicações racionais e
exigências de convivência e participação social um dado interessante é a exígua
presença de orientações relacionais que não as de ordem operacional: orientar,
acompanhar, corrigir, estimular, avaliar, explicar, solicitar... Sobretudo é assim na parte
específica dos manuais do professor. Já nos referenciais curriculares são freqüentes o
recurso ao compromisso e à dedicação dos docentes, ao gosto pela matéria que lecionam
e aos seus hábitos de leitura. Sobretudo, o Referencial, as Orientações, a Proposta
Curricular e a série de Cadernos do Professor dão crédito aos qualificadores das
interações do professor com a classe. Nessa direção, recomendam ao docente ler para a
turma, debater com os estudantes, tornar possível a inclusão, apresentar os locais onde
os alunos podem pesquisar, estabelecer laços entre a escola e a comunidade.
Orientações no sentido de lidar com a diversidade, considerar a realidade e os interesses
dos alunos e de explicitar os costumes de um bom leitor somam ainda outras indicações
para a abordagem da sala de aula. Ao professor, portanto, é solicitado que propicie
151
situações de participação dos alunos na aula, conduza-a rotineiramente e favoreça a
aprendizagem ativa, baseada num convívio positivo do professor com as suas classes.
Apesar das diferenças de ênfase, é tão recorrente encontrar nos manuais
didáticos quanto nos referenciais curriculares uma concepção da atividade do professor
pautada em categorias como habilidade, competência e autonomia. Relacionar,
compreender, explicar, acompanhar, orientar, corrigir e avaliar mostrara-se ser tanto
expressões da ordem das habilidades quanto das competências que se solicitam dos
docentes nesses tipos de publicação. Na análise que então realizei delas, concordei com
autores que suspeitam de um mascaramento das reais intenções de propostas assim
orientadas. Conforme avaliam Paim (2007) e Silva (2008, p. 40), o modo como termos
do tipo habilidade, competência e autonomia estão incorporados aos dispositivos
normativos evidenciam apenas uma linguagem de natureza prescritiva e funcional.
Incluir qualificativos como competência, compromisso e dedicação entre as orientações
de procedimento e conduta lembram os leitores que há problemas nesse sentido e que
ainda é preciso sublinhar as obrigações éticas e os valores profissionais associados à
docência ao próprio docente.
Essas conclusões de pesquisa resultaram do propósito de compreender os meios
através dos quais a docência é representada, percebida e construída em documentos de
orientação didática na área de História. Sobretudo lhes dão algum fundamento as formas
como Chartier (1991) pensou os dispositivos discursivos e materiais da enunciação e a
maneira ativa a partir da qual Bakhtin (2006) percebeu o papel do destinatário na
escolha dos procedimentos composicionais e dos meios linguísticos de um texto. Há nos
referenciais curriculares uma série de artifícios para impor uma significação unívoca,
para enunciar e produzir uma interpretação correta, que é também um modo de supor o
exercício adequado da docência. Por essa razão, as relações entre as atuais políticas de
currículo e o ensino de história levaram-me a pensar nos discursos para e sobre os
professores como um instrumento essencial para compreender as estratégias de
regulação da atividade da docência nessa disciplina. Sobretudo porque as representações
da docência que autoridades e especialistas afirmam ao professor fazem parte integrante
da realidade do magistério, definem um campo de lutas no qual os manuais do professor
e os referenciais curriculares tem uma pertinência operatória ímpar no ordenamento e na
hierarquização da autoridade e das competências. Em conformidade com as análises de
Chartier, espero ter conseguido mostrar na materialidade dos impressos analisados as
marcas de sua produção, circulação e uso e, assim, apontado algo dos artifícios textuais
152
que procuram construir o leitor-professor e determinar seus modos de ler. Do mesmo
modo, utilizei Bakhtin para sublinhar que tanto a composição quanto o estilo do
enunciado dependem da força e a influência do destinatário no discurso, pois, como o
falante, o escritor percebe e representa para si os seus destinatários.
Segundo os resultados obtidos nesse empreendimento de pesquisa, penso ter
encontrado indícios suficientes para afirmar que a formatação do auxílio ao professor
corresponde à ideia que se faz do seu trabalho em sala de aula. Quando nos manuais do
professor ou nos referenciais curriculares os autores buscam orientar uma ação prática é
ao seu leitor presumido – o professor – a quem se dirigem. Assim, a atenção para o
estudo dos dispositivos e dos mecanismos a partir dos quais textos deste tipo
materializam os leitores que esses autores têm em mente foi particularmente fecunda
para se compreender a forma como eles expressam uma representação sobre a docência.
Dessa perspectiva, o gênero didático e o estilo do discurso dos manuais do professor e
das orientações curriculares constituem signos muito visíveis de uma determinada
compreensão do exercício do magistério. No geral, o estudo da forma de empregar os
tempos e modos verbais, os pronomes, os advérbios de circunstância e os conectivos
confirma uma tradição de análise dos livros didáticos e das políticas curriculares já
consolidada e que critica o quanto esses dois tipos de publicação reduzem o papel do
professor a de um mero executor de tarefas. Nessa direção, também é possível perceber
que os manuais do professor e os referenciais curriculares assentam uma percepção de
que os professores não tiveram formação adequada. No entanto, não vão apenas nesse
sentido as considerações que se pode fazer sobre as representações acerca da docência
instauradas pelos seus textos. Sobretudo, tratou-se aqui de também reconhecer as
formas institucionais e objetivadas em virtude das quais se vem marcando e
significando simbolicamente o exercício da docência em História.
No quadro compreensivo que então se pode propor a respeito das exigências que
se procura fazer o docente interiorizar, inventariei primeiro as estratégias e rotinas tidas
como constitutivas da prática do ensino de História pelos manuais do professor e pelos
referenciais curriculares. Principalmente, há operações que sob a justificativa de tornar
os utensílios conceituais da história menos opacos ao entendimento dos docentes e
alunos visam atingir o fundo e a forma da narração histórica em sala de aula. Por um
lado, predominam orientações para organizar as rotinas de elaboração visual das
aprendizagens (cartazes, paineis e construção de materiais), de discussão e reflexão
(debates, seminários e entrevistas) ou de síntese (exposições, resumos) e as dinâmicas
153
de jogos e representações. Por outro, percebe-se a elaboração de abordagens didáticas
cada vez mais capazes de refletir os avanços da ciência histórica e a incorporação de
soluções pedagógicas propostas para o ensino de história. Encabeçam a lista de
orientações de fundo as indicações para o professor problematizar a realidade social
através da análise do passado, insistindo no papel da história como iluminação do
passado sobre o presente. Também se recomenda acompanhar os momentos iniciais da
formação da consciência crítica, participar de maneira ativa do processo de percepção e
formação dos valores constituintes da cidadania e contextualizar uma produção cultural
ou documento, discutir discursos políticos nas aulas e confrontar idéias do seu texto.
Orientações para o trabalho com fontes são igualmente recorrentes nos manuais do
professor e nos referenciais curriculares. Tem importado tratar da seleção e crítica de
textos históricos de diversos gêneros (crônicas, discurso político, texto jornalístico) de
imagens (mapas, obras de arte, charges, fotografia, filmes, gravuras) e representações
gráficas e estatísticas com finalidades didáticas. Ciosos da solidez teórico-metodológica
do trabalho docente, os materiais de orientação didática sublinham que também o ensino
de história deve observar o rigor historiográfico no tratamento das fontes. Outro
conjunto de recomendações que é especifica para o ensino de história diz respeito às
reflexões sobre o tempo. Em relação às conexões temporais da agência humana do
passado que o estudo da história produz, os manuais didáticos e os referenciais
curriculares basicamente orientam o docente recorrer à linha cronológica e trabalhar
com diferentes concepções de tempo histórico. Sobre as temporalidades, as
recomendações são tão procedimentais quanto a respeito das fontes: comparar e
relacionar, criar estratégias de leitura favoráveis para a compreensão do aluno, propor
projetos de trabalho, promover questões e utilizar o material didático.
De ordem mais geral, as instruções para a gestão das atividades da sala de aula
seguem numa lógica que pressupõe o domínio de uma série de habilidades e
competências por parte do professor. Assim, as ações de estimular, orientar, valorizar,
esclarecer, auxiliar e avaliar o aluno, selecionar, organizar e explicar o conteúdo ou de
lidar com a diversidade, questionar, solicitar, debater, problematizar e planejar o
trabalho constituem referências consolidadas para o exercício do magistério. Há
também passagens em que os manuais didáticos e os referencias curriculares apostam na
criatividade do professor, recomendando que o docente crie situações de trabalho e
estratégias didáticas e de leitura. Também são reconhecidos como tarefas criativas os
ajustes e as adaptações que se espera que o professor realize. As publicações dirigidas
154
aos docentes invariavelmente consideram que no conjunto o trabalho em sala de aula
apenas se completa com o registro dos processos e resultados. Tanto quanto as
propostas de reorientação curricular, os manuais do professor insistem na necessidade
de registrar o que o docente for realizando e os resultados conseguidos.
Outra característica do exercício da docência que os manuais do professor e os
referencias curriculares formalizam por meio de seus dispositivos narrativos e suas
estratégias de persuasão ou de demonstração diz respeito à interação com os alunos.
Insistentemente, recomenda-se ao docente ler para a turma, debater com os estudantes,
tornar possível a inclusão, apresentar os locais onde os alunos podem pesquisar,
estabelecer laços entre a escola e a comunidade. Fazer o professor motivar o aluno com
práticas compreensíveis e significativas somam mais indicações para a abordagem da
sala de aula. Trata-se de uma série de orientações que se apóiam em valores da época: o
atrativo das fontes, a facilidade do que está pronto para consumir, o sucesso certo e
instantâneo que gratifica. E, em torno dessa concepção do trabalho que deve ser
realizado pela escola, fazer os alunos produzirem, providenciarem, trocarem
informações ou questionarem, entre tantos outros procedimentos de aprendizagem
estabelece a atual especificidade do exercício da docência.
Ainda quanto às interações que os manuais e os referenciais esperam ocorrer na
sala de aula existem especificidades de acentuação. Nos manuais não há o que encontrar
acerca das formas de organização da classe e o controle da sua disciplina, os gestos, as
maneiras de fazer e os procedimentos de conduta entre outras tantas ações implícitas da
aula. Nesse tipo de impresso predomina a preocupação com as questões metodológicas
da matéria, os processos de aprendizagem, e as modalidades de atividade e avaliação. Já
nas orientações curriculares, as recomendações abrangem um domínio de
procedimentos entendido como de gestão da sala de aula. As formas de conduzir a
classe e o controle da sua disciplina, os gestos, as maneiras de fazer e os procedimentos
de conduta entre outras tantas ações implícitas da aula são assumidas como diretrizes.
Pareceu ser uma questão específica das atuais propostas de reorientação curricular da
cidade e do Estado de São Paulo promover estratégias de abordagem da classe e de
condução das suas atividades.
Especialmente os referencias curriculares compreendem a função docente como
de mediação. Por um lado, insistem que o professor assuma a sua tarefa de mediador de
leitura e, assim, o papel daquele que desvela questões e problemas. Por outro, as
orientações curriculares do Estado de São Paulo e da prefeitura da capital reconhecem
155
que as competências e habilidades desenvolvidas na escola dependem da qualidade das
mediações realizadas pelo professor. Nesse sentido, a cuidadosa atenção que dispensam
a alguns qualificativos da docência é relevante para a compreensão das representações
que agentes determinados do poder público fazem das práticas docentes. Sobretudo a
responsabilidade pelo comando do espaço da escola, o compromisso e a dedicação são
os atributos principais por meio dos quais os referenciais curriculares qualificam o
trabalho do professor. Conforme adverte Roger Chartier (1991, p. 183), expedientes
desse tipo contribuem para marcar de modo visível a representação social de um grupo
ou classe.
As pesquisas sobre as maneiras do professor realizar seu trabalho em sala de
aula e dele usar os materiais didáticos mostram que, no fazer cotidiano, os docentes
tornam possíveis variações em relação ao esperado, ao prescrito e planejado. Uma série
de estudos tem documentando expedientes de ensino e administração do dia-a-dia da
sala de aula que impedem tomar o professor como simples executor de modelos
prescritos. Diferentemente das análises que operam com a distinção entre a fala e o
saber competente do especialista e os receptores do conhecimento, cuja participação no
saber é visto como mera ilusão, essa literatura reconhece os espaços de ação que o
docente se autoriza ter em relação às orientações prescritas. Assim, e muito de acordo
com o entendimento de Michel de Certeau (1994), vem-se percebendo que os meios de
fabricar autoridade e conformidade não escapam aos artifícios e subterfúgios de
resistência das pessoas comuns diante dos empreendimentos que queiram desapossá-las
e domesticá-las. Seguindo essa orientação de pesquisa, abordei os manuais dos
professores das coleções didáticas de história recomendadas pelo PNLD-2008, os
Referenciais Curriculares da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e a
Proposta Curricular do Estado de São Paulo como fontes para o estudo das formas como
se vêm tratando os paradigmas organizadores do discurso sobre as práticas de ensino.
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