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Perspectivas sobre a História Ensinada Relatório Técnico‐Científico André Luiz Paulilo Relatório Científico do Projeto de Pesquisa “Discursos e Representações acerca da docência em História: perspectivas sobre o ensino de História no Ciclo II da Educação Fundamental”. Processo CNPq n.º 563733/2008-0 São Caetano do Sul 2011

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Perspectivas sobre a História Ensinada 

 

Relatório Técnico‐Científico    

André Luiz Paulilo    

   

Relatório Científico do Projeto de Pesquisa “Discursos e Representações acerca da docência em História: perspectivas sobre o ensino de História no Ciclo II da

Educação Fundamental”. Processo CNPq n.º 563733/2008-0

São Caetano do Sul 2011

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Agradecimentos 

Desde que ingressei na Universidade Municipal de São Caetano do Sul estive

imerso neste trabalho de pesquisa. Sou grato por todo o apoio obtido junto à Coordenadoria de Pesquisas Acadêmicas que na pessoa da prof.ª Maria do Carmo Romeiro viabilizou a execução do projeto na instituição. Gostaria de agradecer, de modo especial, à prof.ª Celia Maria Haas que, na gestão do curso de pedagogia, teve papel fundamental nos rumos que esse trabalho assumiu. Foi em discussões acerca da organização da Escola de Educação da universidade que propus a pesquisa e a partir das quais o trabalho se consolidou. Portanto, não sou menos grato aos colegas que me colocaram em contato com possibilidades fascinantes de estudar as metodologias de ensino. Assim, às professoras Silvia Regina Brandão, Maria de Fátima Ramos de Andrade, Ana Silva Moço Aparício, Celi de Paula e Eliane Martinof e aos professores Marcelo Dias Pereira, Ivo Ribeiro de Sá e Júlio Cesar Zozernon devo o reconhecimento do incentivo e de um apoio inestimável para o desenvolvimento da abordagem desta pesquisa. Nas oportunidades de discutir os resultados deste trabalho nos fóruns das áreas de ensino de história e do currículo, agradeço, sobretudo, a interlocução que as professoras Tânia Maria Figueiredo Braga Garcia, Flávia Eloísa Caimi e Helenice Ciampi permitiram, sem dúvida, fazendo deste texto algo mais inventivo do que ele era originalmente. Não poderia deixar de reconhecer que as minhas reflexões também se beneficiaram do contato com as alunas e os alunos que entre 2009 e 2010 cursaram a disciplina Metodologia e Prática do Ensino de História e Geografia na Universidade. Espero que reconheçam nos textos que resultaram deste relatório um pouco do percurso que me sugeriram nas aulas. Foi fundamental o apoio que recebi do CNPq na forma de auxilio a jovens pesquisadores. O financiamento dos custos da pesquisa que ele permitiu não só tornou possível viabilizar o projeto, mas assegurar a organização de um laboratório de pesquisa acerca do estudo e do ensino da História na Universidade de São Caetano do Sul.

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Resumo 

Constituída a partir de um modelo interpretativo que privilegia a análise das

práticas docentes e o estudo da história das disciplinas escolares, essa pesquisa põem

em foco as representações que os manuais dos livros didáticos de história e as propostas

de reorientação curricular do Estado de São Paulo e da cidade de São Paulo veiculam

sobre o ensino de História. No decorrer dessa pesquisa, a atenção se cingiu ao inventário

das estratégias empreendidas para impor aos docentes uma representação do “bom”

ensino, para sugerir modelos de conduta, para desqualificar certos procedimentos. A

investigação dos esquemas de percepção do trabalho docente e das atribuições do ensino

de História nos manuais do professor dos livros didáticos e nos referenciais curriculares

do Estado de São Paulo e da sua capital pretendeu entender as ações que se espera dos

docentes desta disciplina. O principal problema então abordado foi o da demanda social

junto aos professores de história. Em meio à extensão desmesurada dos campos que se

lhes pede lavrar para seus alunos, a pesquisa tratou de algumas das principais maneiras

pelas quais a docência de história costuma ser vista e representada. O dimensionamento

que se tomou por tarefa realizar com essa proposta, por um lado, utilizou como fonte os

manuais de uso que acompanham o exemplar do professor dos livros didáticos

recomendados no Programa Nacional do Livro Didático de 2008 (PNLD-2008). Por

outro lado, dedicou-se à análise das atuais propostas curriculares de História impressas e

distribuídas pelas secretarias de educação do Estado de São Paulo e da Prefeitura da

capital. Ao discutir exemplos concretos de configurações graças às quais o ensino de

história é percebido, tentou-se inventariar os traços e indícios de práticas de controle

doutrinário do trabalho educativo que ainda permanecem pouco conhecidas.

Palavras-chaves: Ensino de História; Metodologia e Prática do Ensino de História; PNLD-2008, Referenciais Curriculares do Estado de São Paulo; Expectativas de Aprendizagem da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.

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Sumário  INTRODUÇÃO  Os Discursos e as Representações acerca do Ensino de História .................................. 06  A metodologia empregada ................................................................................................. 08 

Os objetivos alcançados ...................................................................................................... 10 

Perspectivas do estudo  ....................................................................................................... 14 

PARTE I  Os manuais do professor dos livros didáticos de História  para as séries finais do ensino fundamental ......................................................................................................... 16  CAPÍTULO 01  Os manuais dos professores como fonte de pesquisa  ................................................... 23 

Uma tipificação  ................................................................................................................ 26 

Editoras, governo e professores .................................................................................... 30 

O discurso competente sobre o ensino de História  ................................................... 35 

CAPÍTULO 02  A produção didática da História nos manuais de ensino para professores  ................ 46 

Inventário do instrumental metódico e teórico do ensino da História, dos critérios para seleção dos conteúdos e das orientações e atitudes  ........................................ 47 

As rotinas de trabalho, a prescrição da prática e os modelos de ensino nos suplementos para professores das coleções didáticas de História  .......................... 60 

  CAPÍTULO 03 Os modos de enunciação nos manuais de ensino para professores de História ........ 69 

O gênero didático  ............................................................................................................ 71 

Elaboração didática da História  ..................................................................................... 77 

Critérios para a seleção dos conteúdos pedagógicos e da disciplina ....................... 83 

A docência em História nos manuais de ensino .......................................................... 87 

As fórmulas esteriotipadas da interação didática no ensino de História  ................ 92 

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PARTE II O Ensino de História nas Políticas de Reorientação Curricular do Governo do Estado de São Paulo e da Prefeitura da Capital  ......................................................................... 97  CAPÍTULO 01  Propostas de Ensino da História e Expectativas de Aprendizagem da Reorientação Curricular em São Paulo .................................................................................................... 102 

As políticas de currículo e o ensino de História  ........................................................ 104 

A elaboração didática da História nas Orientações Curriculares ............................ 110 

O discurso competente e autoridade  ......................................................................... 112 

A docência em História e as suas competências ....................................................... 117 

A interação didática no ensino de História segundo as Orientações  Curriculares  .................................................................................................................... 123 

CAPÍTULO 02  Expectativas de Aprendizagem como política de pessoal e atividades de ensino nos referenciais curriculares .................................................................................................... 127 

As rotinas de trabalho e o repertório de estratégias  ............................................... 129 

A sistematização das práticas nos referenciais curriculares: modelos de ensino e prescrição  ....................................................................................................................... 134 

A carreira e as políticas do currículo ........................................................................... 139 

CONSIDERAÇÕES FINAIS  Sobre a Metodologia e a Prática do Ensino de História .............................................. 145  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................... 156           

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INTRODUÇÃO

Os Discursos e as Representações acerca do Ensino da História

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Constituída a partir de um modelo interpretativo que privilegia a análise das

práticas docentes e o estudo da história das disciplinas escolares, essa pesquisa põem

em foco as representações que os manuais dos livros didáticos de história e as propostas

de reorientação curricular do Estado de São Paulo e da cidade de São Paulo veiculam

sobre o ensino de História. No decorrer dessa pesquisa, a atenção se cingiu ao inventário

das estratégias empreendidas para impor aos docentes uma representação do “bom”

ensino, para sugerir modelos de conduta, para desqualificar certos procedimentos.

A investigação dos esquemas de percepção do trabalho docente e das atribuições

do ensino de História nos manuais do professor dos livros didáticos e nos referenciais

curriculares do Estado de São Paulo e da sua capital pretendeu entender as ações que se

espera dos docentes desta disciplina. O principal problema então abordado foi o da

demanda social junto aos professores de história. Em meio à extensão desmesurada dos

campos que se lhes pede lavrar para seus alunos, a pesquisa trata de algumas das

principais maneiras pelas quais a docência de história costuma ser vista e representada.

O dimensionamento que se toma por tarefa realizar com essa proposta, por um

lado, utiliza como fonte os manuais de uso que acompanham o exemplar do professor

dos livros didáticos recomendados no Programa Nacional do Livro Didático de 2008

(PNLD-2008). Por outro lado, dedica-se à análise das atuais propostas curriculares de

História impressas e distribuídas pelas secretarias de educação do Estado de São Paulo e

da Prefeitura da capital. Ao discutir exemplos concretos de configurações graças às

quais o ensino de história é percebido, tentei inventariar os traços e indícios de práticas

de controle doutrinário do trabalho educativo que ainda permanecem pouco conhecidas.

Os manuais do professor e os referenciais curriculares que se têm em vista

analisar não são apenas marcados pelo debate sobre o ensino de história surgido no

período final da ditadura civil-militar. Eles testemunham também a presença de

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correntes pedagógicas que visam teorizar as modalidades de aprendizagem. Desse

modo, também repercutem as preocupações pedagógicas com a prática do ensino de

História e preconizam o protagonismo do aluno nos processos de aprendizagem. Do

ponto de vista da metodologia do ensino de História, as mudanças indicadas na maneira

de ensinar também foram uma questão para a pesquisa.

A metodologia empregada

Os procedimentos desta pesquisa foram constituídos a partir do inventário dos

manuais de uso que acompanham o exemplar do professor dos livros didáticos de

história recomendados pelo PNLD-2008. Visando compreender como o ensino de

história é percebido nesse tipo de impresso, a pesquisa principalmente enfatizou os

dispositivos que Roger Chartier (2007) identifica quando relaciona o texto e a sua

materialidade e a perspectiva que Mikhail Bakhtin (2006) propõe sobre os gêneros do

discurso. Assim, não só interessou identificar os dispositivos por meio dos quais os

manuais do professor consolidam uma dada representação (cf. CHARTIER, 1991, p.

184) do ensino e do professor de história e as estratégias simbólicas que determinam

posições e relações capazes de atribuir uma espécie de identidade para esse grupo

profissional. Também importou compreender as peculiaridades constitutivas do gênero

textual, a concepção de destinatário e os modos de enunciação dos manuais de uso do

professor (BAKHTIN, 2006).

Noutro plano de preocupações, cabe explicitar a utilidade das posições que Ivor

Goodson (1999; 2008) mantém em relação à história do currículo. Segundo Goodson

(1999, p. 21), não só o currículo, mas qualquer roteiro oficial de ensino, “é um

testemunho visível, público e sujeito a mudanças, uma lógica que se escolhe para,

mediante sua retórica, legitimar uma escolarização”. Dessa perspectiva, as propostas

oficiais de reorientação curricular podem ser vistas como indícios dos valores e

objetivos promovidos junto às instituições escolares. Esse modo de proceder esta

relacionado com a história social do currículo. Muito em razão disso, trata-se de uma

compreensão que considera na luta para se definir um currículo, as sociopolíticas e o

discurso de ordem intelectual então envolvidos. A série de publicações com que as

secretarias de educação do Estado de São Paulo e da Prefeitura da sua capital têm

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reorientado a proposta curricular de suas redes de ensino foi objeto de uma análise nesse

sentido.

A partir deste terreno de trabalho em que se enredam o texto e a sua

materialidade, realizei o tratamento analítico dos manuais de uso do professor e dos

referenciais curriculares editados pelo governo do Estado e pela Prefeitura da capital. A

leitura de todo o material envolveu estratégias de levantamento de critérios de seleção

dos conteúdos, metodologia, recursos didáticos e de linguagem e, principalmente, de

atividades e procedimentos.

Inicialmente, seguindo um padrão definido por Klaus Bergmann (1989),

identifiquei os pressupostos, condições e metas da aprendizagem, os métodos e a

possibilidade de estruturação dos conteúdos e as técnicas e materiais de ensino e as

várias possibilidades da representação da História, seja no ensino ou nos ambientes fora

da escola. A seguir, tracei os contornos dos dados e comparei os resultados. Após

organizar os esquemas de percepção e a concepção de ensino das diferentes coleções

recomendadas pelo PNLD-2008 na área de História optei por duas tópicas. A primeira

diz respeito ao inventário do instrumental metódico e teórico da História, dos critérios

para seleção dos conteúdos e das orientações e atitudes assumidas por tais obras. A

segunda cinge-se ao cotejo das rotinas de trabalho sugeridas e que se solicita realizar.

Principalmente, discuti o Manual do Professor como peça de prescrição de certezas

metodológicas e controle técnico da prática de ensino.

Repeti esse procedimento ao analisar as Propostas Curriculares publicadas entre

2006 e 2008 pelas secretarias de educação do governo de São Paulo e da Prefeitura da

capital. Assim, a partir do material que designa as propostas para o ensino de história

nas séries finais do ensino fundamental, examinei esse material no encalço das

estratégias e atividades que sistematizam. Debrucei-me sobre os referenciais

curriculares e as expectativas de aprendizagem tendo em vista as suas relações com as

recentes iniciativas de gratificação, promoção e contratação de professores na cidade e

no Estado de São Paulo. Minha principal preocupação foi mostrar que hoje medidas de

ordem administrativa seguem às orientações curriculares e prescrições acerca da

intervenção e mediação do professorado objetivando garantir o êxito das propostas por

meio da política de remuneração e dos critérios de arregimentação de novos professores.

A compreensão de toda a série de manuais e orientações também envolveu a

análise do Edital de convocação para inscrição no processo de avaliação e seleção de

obras didáticas a serem incluídas no Guia de Livros Didáticos para os anos finais do

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ensino fundamental, o Guia de Livros Didáticos PNLD 2008 - História, as Matrizes de

referência para a avaliação, Ciências Humanas; Geografia e História; ensino

fundamental e médio e a Resolução SEESP-80. Assim, tanto quanto o estudo da

reorientação curricular, a abordagem dos manuais de uso dos livros didáticos de

História procurou articular as recomendações de procedimentos às diretrizes

governamentais que a regulamentam.

Ao fundo desse esforço, as preocupações com os discursos para o professor de

História completam a análise das representações sobre a docência dessa disciplina na

escola. A partir das considerações de Bakhtin a respeito das condições de diálogo que

também o ato de fala impresso cria entre o autor, seus pares e o leitor, procurei entender

os vínculos concretos da comunicação verbal com a situação, o lugar de trabalho dos

professores. Nessa tarefa, os estudos de José Luís Fiorin (2008a; 2008b), John Austin

(1990; 1993), John Searle (1981; 1995), Greimas (1973) e Marilena Chauí (1989) foram

auxílios significativos. A observação das categorias da enunciação na análise, a atenção

à força elocutória dos atos de fala e a noção de discurso competente resultaram dessa

opção por autores que estudaram as palavras como ações em um contexto político,

social e intelectual. Sob esse ponto de vista, a investigação inventariou os modos de

enunciação em termos das suas estratégias para conferir crença e crédito às formas

institucionalizadas através das quais “representantes” encarnam uma autoridade

competente. Sobretudo assim, ocupou-se das configurações graças às quais a prática do

ensino de história é percebida.

Os objetivos alcançados

Conforme se esperava, a análise dos discursos de intelectuais, autoridades e

autores de livros didáticos acerca do ensino de História percebe nos subsídios para o

docente, práticas de controle doutrinário do trabalho educativo que ainda permanecem

pouco conhecidas.

Primeiramente, as operações de recorte e classificação que produzem as

configurações graças às quais a realidade do ensino é representada e apresentada aos

professores constituem os instrumentos de dominação simbólica mais usuais na série de

publicações aqui estudadas. Envolvem os modos e as modalidades da enunciação do

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que é requerido fazer, os protocolos considerados pertinentes para satisfazer as

exigências da disciplina e a eficácia em fazê-los reconhecer como necessários. Nesse

sentido, a prescrição, o uso dos modos imperativos do verbo ou o desejo de legitimar

uma prática pela escrita sugerem a superioridade intrínseca do que pode ser regulado

com antecedência sobre as providências decididas no momento da ação.

Depois, o lugar e as circunstâncias em que esse discurso é instituído e pode ser

proferido afirmam a competência daqueles a quem a burocracia ou organização

reconhece como tendo o direito de falar e a autoridade sobre o saber-fazer. A noção de

competência em que Marilena Chauí (1989) e Claude Lefort (1983) apoiam suas

análises sobre o discurso e o saber especializado permite discutir os manuais de uso dos

livros didáticos e os referenciais curriculares como um artifício mediador do

conhecimento por meio do qual se procura submeter o professor à linguagem do

especialista. Assim, os autores de livros didáticos e os responsáveis pela organização

dos referenciais curriculares instauram o pensamento e se exprimem em discursos

considerados verdadeiros no interior da disciplina. Seus currículos, as instituições em

nome das quais atuam e o modo como se servem das regras, das definições e técnicas do

ofício garantem tratar-se de um especialista.

Segue que fazer reconhecer, exibir o que seria próprio da maneira de ensinar a

História, implica explorar de maneira privilegiada os modos e as modalidades, os meios

e os procedimentos pelos quais se pode dirigir ao docente para dizer-lhe a verdade sobre

seu ofício. Conforme pensava Foucault (1996), o ato de escrever tal como está hoje

institucionalizado no livro, no sistema de edição e no personagem do escritor coage pelo

caráter intransitivo que o escritor empresta ao seu discurso, pelo regime de divulgação

dos editores e pelas formas de apropriação que o livro encerra. O texto, como

atualmente as videoconferências, os sítios eletrônicos e o cd-rom, envolve a autoridade

daquele que escreve ou fala ao aparelho formal da enunciação. Invariavelmente, a

produção dos referenciais curriculares e dos manuais de uso do livro didático confia aos

teóricos a produção do conhecimento e aos que atuam na prática a tarefa de ser eficazes

e, portanto, tem sido um meio importante de consagrar a oposição teoria-prática. A

despeito de articular a oferta pedagógica de um autor e a oferta comercial de um editor

(CHARTIER, 2007, p. 70) ou de investir de autoridade os grupos e indivíduos que

“vendem” suas soluções no mercado político ou acadêmico (BALL, 1998) os

referenciais e os manuais encerram escolhas compatíveis com a percepção que os

especialistas têm das dinâmicas de aprendizagem.

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Também a utilização de pequenas fórmulas correntes, sejam slogans (cf.

SCHEFFLER, 1974) ou jargões, é um meio de reiterar regras. Os estereótipos no

discurso para e sobre professores indicam o que há de habitual no ofício, as formas

relativamente regularizadas de exercer a docência, reforçadas pelo uso e pelas

circunstâncias. Segundo Barthes (2002, p. 52), trata-se de palavras repetidas como se

fosse natural, sem entusiasmo: “a via atual da verdade, o traço palpável que faz transitar

o ornamento inventado para a forma canonical, coercitiva, do significado”. Dessa

perspectiva, a proclamação insistente da autonomia do professor, da

interdisciplinaridade e do ensino voltado ao interesse do aluno e para a formação de

cidadãos torna-os evidentes por si. A manobra tem servido para solidificar slogans e

fórmulas correntes de pensar o ensino e espessá-los ao longo do discurso, ignorando sua

própria insistência, pretendendo a consistência (BARTHES, 2002, p.53).

Enfim, associar o salário dos professores a seu desempenho em termos de

resultados de concurso sobre a proposta curricular ou segundo os resultados dos exames

dos seus alunos fornece o incentivo legal para as escolas seguirem esses referenciais.

Programas do tipo “Qualidade da Escola” e “+ Qualidade na Escola” fazem da

promoção e da gratificação um meio de implantar a orientação curricular que as

autoridades políticas desejam. Esses programas dispõem de medidas para fazer do

currículo o instrumento de uma autêntica política de pessoal. De um modo geral, as

políticas sobre a escola referentes à mudança, aos currículos e à avaliação sustentam

toda uma legislação que premia a docilidade e obediência quanto à realização da

proposta, desencorajando a inventividade e criatividade. A atual reorientação curricular

do Estado de São Paulo faz da espécie de prestação de contas que são os processos

avaliativos para promoção, gratificação e admissão uma estratégia de controle da ação

educativa e liberdade do professor.

Outro tipo de objetivo foi alcançado com a organização do Programa de Estudo

e Ensino das Ciências Sociais na Universidade. O levantamento dos manuais do

professor e análise das propostas curriculares do Estado de São Paulo e da prefeitura da

capital envolveu a constituição de um grupo de pesquisa interessado no estudo e ensino

da História, mas também da Geografia, da Filosofia e da Sociologia. De funcionamento

ainda incipiente, as atividades do PROEECS consistem em organizar um acervo de

fontes sobre o ensino de História, orientar a iniciação científica e os trabalhos de

conclusão de curso interessados no estudo da metodologia e prática do ensino das

ciências humanas e sociais aplicadas e, assim, consolidar uma linha de pesquisa sobre a

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Metodologia do Ensino de História para o curso de Pedagogia da Universidade de São

Caetano.

O PROEECS funciona em espaço próprio na Universidade e contou com

aparelhamento financiado por este projeto. Possui equipamento para digitalização e

acondicionamento das fontes utilizadas para os trabalhos que vem desenvolvendo e uma

importante bibliografia sobre a História e o seu ensino. É o espaço de reunião e sede de

um grupo de alunos que pesquisam as questões de ensino das ciências sociais nas séries

iniciais do ensino fundamental. Desde 2009 mantém parceria com a E. E. Visconde de

Taunay para recuperação e organização do seu acervo documental, desenvolvendo

também atividades com seus professores e alunos.

Quanto ao acervo de fontes do próprio PROEECS, ele está constituído por 15

das 19 coleções de livros didáticos recomendadas pelo PNLD-2008 de História e com

arquivos digitalizados das propostas de reorientação curricular do Governo do Estado e

da Prefeitura da cidade de São Paulo. Há um espaço reservado para a organização de

uma hemeroteca interessada em reunir material sobre prática de ensino, políticas

públicas de educação e gestão escolar.

Foram dois os trabalhos de iniciação científica orientados nesse Programa sobre

o ensino de História. Monique de Lima concluiu o Projeto de Pesquisa “As

Representações acerca da Docência nos Manuais do Professor das Coleções Didáticas

de História”. Vinculado a esta pesquisa, esse projeto de Iniciação Científica procedeu ao

levantamento dos manuais do professor que foi posto em circulação nas escolas

paulistas do ciclo II do ensino fundamental no PNLD de 2008 na área de História. Sua

contribuição para o desenvolvimento desta pesquisa foi o construção de um quadro

compreensivo dos discursos dirigidos aos docentes de história nas coleções de História

Temática recomendadas pelo PNLD-2008. Barbara Francischini está auxiliando nesta

compreensão ao continuar o trabalho de Monique de Lima, tendo como objeto de suas

atenções a análise dos Manuais do professor das coleções de História Intercalada

recomendadas pelo PNLD-2008.

Essas iniciativas têm feito que as preocupações a respeito do Ensino e da Teoria

do Ensino de História se consolidem como uma linha de pesquisa para os alunos

interessados no estudo da História principalmente. Em muitos sentidos, o PROEECS

está atrelado às disciplinas Fundamentos e Conteúdos do Ensino de História e

Geografia e Metodologia e Prática do Ensino de História e Geografia das quais sou

professor e, portanto, além de acolher alunos de iniciação dispostos a estudar questões

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relativas ao ensino da História e da Geografia, prepara os monitores para essas

disciplinas.

Perspectivas do Estudo

À perspectiva de estudo que esta pesquisa pretendeu desenvolver não importou

aprofundar a discussão da série de prioridades e hipóteses que estão no centro dos

debates sobre as finalidades do ensino de História na escola atualmente. A sua principal

tarefa foi compreender os dispositivos de controle doutrinário do professor que

constituem os recentes referenciais propostos para se lecionar História. Por essa razão, o

esforço de compreensão se concentrou nas representações elaboradas sobre os métodos

de ensino de História nos manuais de uso dos livros didáticos recomendados pelo PNLD

da área e nos referenciais curriculares do Estado de São Paulo e da Prefeitura da capital.

Mais que das matrizes das práticas construtoras da docência em História a abordagem

trata das indicações metodológicas acerca do ensino nessa área, das práticas de sala de

aula recomendadas e da demanda da sociedade sobre o trabalho docente na área de

História.

Os resultados desse empreendimento estão organizados em duas partes. A

primeira, dividida em três capítulos, teve o intuito de fazer do Manual do Professor uma

pista para a investigação sobre o como se pensa a prática do ensino de história.

Fundamentalmente, enfatiza que esse tipo de texto trata das estratégias de organização e

método do ensino da matéria. Isso não significou dizer que ele efetivamente organiza e

institui uma metodologia de ensino, mas sim que é parte das condições de sua

emergência, inserção e funcionamento. Na segunda parte, separada em dois capítulos,

debrucei-me sobre os esquemas de percepção atualmente formalizados nas propostas de

reorientação curricular de São Paulo sobre o ensino de História. Com o intuito de

compreender suas práticas e objetivos, a abordagem discute os regimes de legibilidade e

intencionalidade dos enunciados organizados no interior das secretarias de educação do

governo do Estado de São Paulo e da Prefeitura da capital, os processos que os

produziram e as suas estratégias discursivas.

Conforme adverte Goodson (1995, p. 27), se os especialistas em currículo, os

historiadores e sociólogos da educação ignoram, em substância, a história e a construção

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social do currículo, mais fáceis se tornam a mistificação e a reprodução das formas

tradicionais de currículo. Talvez nesse sentido, o foco nas representações que

especialistas e autoridades políticas fazem das práticas dos professores e dos processos

que as constituem possa contribuir com uma perspectiva de análise.

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PARTE I

Os Manuais do Professor dos Livros Didáticos de História para as séries finais do Ensino Fundamental

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Atualmente, os editais de seleção de obras a serem incluídas nos Guias do Plano

Nacional do Livro Didático têm considerado que o livro didático “deve contribuir para

que o professor organize sua prática, encontre sugestões de aprofundamento e

proposições metodológicas coerentes com as concepções pedagógicas que postula e

com o projeto político pedagógico desenvolvido pela escola” (BRASIL. MEC, 2005, p.

30). Nesse âmbito de preocupações, o Manual do Professor é um dos dispositivos

avaliados nos livros didáticos inscritos nos Programa Nacional do Livro Didático

(PNLD) de 1999, 2002, 2005 e 2008. De acordo com o Guia de Livros Didáticos PNLD

2008, o Manual do Professor “precisa ser considerado um instrumento pedagógico

auxiliar da prática docente”. Há mesmo quem entenda que o Manual do Professor seja

um elemento da formação continuada dos professores (LUCA; BEZERRA, 2006, p. 37;

BATISTA, 2001). O próprio edital de seleção dos livros didáticos para as séries finais

do ensino fundamental do ano de 2008 assume esse propósito do Manual do Professor.

Orienta sobre a necessidade da coleção didática oferecer “discussão sobre a proposta de

avaliação da aprendizagem, leituras e informações adicionais ao livro do aluno,

bibliografia, bem como sugestões de leituras que contribuam para a formação e

atualização do professor” (BRASIL. MEC, 2005, p. 2).

Desde a última década do século passado, o Ministério da Educação (MEC), por

meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), tem se valido da

avaliação, seleção e distribuição dos livros didáticos para apurar os subsídios ao

professor. Sobre o significado e o alcance dessa política, Miranda e Luca (2004, p. 127)

consideram que o processo de aperfeiçoamento dos critérios e procedimentos de

avaliação “teve efeitos incontestáveis na forma e no conteúdo do livro didático

brasileiro”. Segundo as autoras, os indesejados efeitos financeiros trazidos pela não

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inclusão de uma obra no Guia publicado pelo MEC fez com que autores e editores

adotassem cuidados evidentes em relação aos critérios de exclusão de uma coleção

didática (cf. LUCA; MIRANDA, 2004, p. 127). Assim, a insistência de sucessivos

editais e Guias em rejeitar obras com erros de informação, conceituais ou

desatualizações graves, com preconceitos de condição econômico-social, gênero ou

etnia ou com qualquer forma de proselitismo religioso ou político parece de fato ter

qualificado a oferta de livros didáticos1. Ocorre que, nesse âmbito, a intrincada relação

entre políticas públicas, políticas privadas e avaliação não se restringe à normalização e

gerenciamento do processo de decisão sobre a definição das políticas de produção do

livro didático. A abordagem das relações entre produção e consumo de livros didáticos,

das características formais e dos conteúdos pedagógicos desses livros e suas histórias,

linguagens e matizes ideológicas, culturais e editoriais são aspectos fundamentais que

de há algum tempo os estudos sobre os usos e significados desse tipo de literatura têm

considerado2.

Embora o acumulado das análises já tenha avançado importantes questões de

pesquisa e compreendido o livro didático como um produto cultural dotado de grande

complexidade, ainda é pouco o que se tem escrito sobre os manuais do professor que lhe

acompanham. A abordagem e caracterização do chamado livro do professor, que anexo

ao livro do aluno traz o Manual do Professor, é hoje principalmente feita pelos

avaliadores do PNLD. Trata-se de um critério de julgamento e qualificação da coleção

didática. Como parte dos quesitos que o edital de seleção das obras didáticas considera

obrigatórios, a avaliação do Manual do Professor está prevista no processo de aquisição

de livros pelo PNLD desde há duas décadas. Não obstante seu caráter de resenha, os

Guias dos livros didáticos do PNLD publicados pelo FNDE constituem um primeiro

referencial de análise desse instrumento de auxílio da prática docente. Um levantamento

do que foi feito nesse campo de preocupação pouco avança além dos próprios Guias3.

1 Conforme, entre outros, Luca e Miranda (2004, p. 128) argumentam, “o fato de uma obra não estar presente no Guia publicado pelo MEC traz efeitos financeiros indesejáveis que, em alguns casos, culminam no desaparecimento de editoras e/ ou em fusões de grupos editoriais”. Nesse sentido, as autoras têm muita razão ao concluir que “a instituição de uma cultura avaliativa, num contexto político democrático, acabou por desencadear poderosos mecanismos de reajustamento e adaptação no mercado editorial”. 2 Entre os estudos internacionais sobre o livro didático destacam-se como referências de trabalho Apple (1995) Chopin (1980) e Gimeno Sacristán (s/data). Nessa área, a produção nacional é profícua de análises. Sobretudo aqui, Bittencourt (1993, 2008); Munakata (1997); Gatti Jr. (2004) e Luca (2004; 2006) serviram de fundamentação do pesquisa. 3 Há, entretanto, membros das comissões de avaliação do Programa Nacional do Livro Didático que começam a publicar suas reflexões sobre esse processo e, assim, têm subsidiado a compreensão do perfil

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Isso mostra, no mínimo, que a compreensão do Manual do Professor como dispositivo

de auxílio da prática docente e instrumento de formação e atualização do professor não

conta com o amplo conjunto de perspectivas de análise já abertas pelos estudos sobre o

livro do aluno. Entretanto, as relações entre produção e consumo, a história, a

linguagem e as matizes e clivagens da edição, dos conteúdos e das ideologias também

são questões pertinentes à discussão da forma, do referencial teórico e do conteúdo

pedagógico do livro do professor.

Ocorre que há questões específicas de análise. O Manual do Professor traz

representações da prática de ensino. Com freqüência, os discursos que prescrevem,

criticam ou excluem, exortando a “boa” prática, tem por origem tanto uma concepção

das práticas ilegítimas quanto um referente dos bons métodos, dos bons gestos, das boas

leituras. Ele se articula com as demandas previstas nos editais do PNLD, com as

trajetórias profissionais de seus autores e com as estratégias editoriais de publicação dos

livros didáticos no país. Desse modo, os manuais do professor correspondem à

fidelidade sempre regulada das opções autorais e são comandados pelo projeto que

conduz a coleção. Nesses textos, o ensino e as demais ações docentes aparecem como

representação. As prescrições do livro do professor situam-se a meio caminho dos

modelos de ensino consagrados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais ou

propugnados pela pedagogia. Elas partilham as questões e as expectativas das

utilizações metodológicas organizando-se, portanto, a partir das representações sobre os

gestos do ensino. Da análise dessas especificidades pode-se extrair elementos que

esclareçam parte do conjunto dos discursos sobre as práticas educativas, acerca das

prioridades didáticas dos atuais métodos de ensino e a respeito do próprio magistério.

Esta atenção às propriedades do Manual do Professor publicado junto ao

exemplar do professor dos livros didáticos parece-me, sobretudo, útil para o

entendimento das representações que se faz do (bom) método educativo. É essa a razão

desta primeira parte da pesquisa investigar as práticas de ensino prescritas pelos

manuais do professor dos livros didáticos de história indicados pelo PNLD 2008. A

preocupação com a forma como os atuais livros do professor propõem a realização do

ensino de história adverte sobre os artifícios mediadores e promotores de conhecimento

que constrangem a prática da docência à linguagem de um especialista. A variedade dos

estudos dos meios utilizados para a difusão das idéias já mostrou que a compreensão

das coleções didáticas recomendadas. Esse é o caso dos estudos de Luca (2004; 2006) e de Oliveira (2009).

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das instituições e formas pelas quais as idéias, as informações e as atitudes são

transmitidas e recebidas é condição para interrogar os modos de reconhecimento e

veracidade de qualquer série discursiva4. Conforme Roger Chartier (1991, p. 187) vem

propondo em sucessivos estudos nessa área, uma análise desse tipo deve considerar “os

discursos em seus próprios dispositivos, suas articulações retóricas ou narrativas, suas

estratégias de persuasão ou de demonstração”. Ainda nos termos da proposta de

Chartier (1991, p. 187), “os agenciamentos discursivos e as categorias que os fundam

não se reduzem absolutamente às idéias que enunciam ou aos temas que contenham”.

A lógica própria aos agenciamentos discursivos que os manuais do professor

operam não só me pareceu suscetível de análise, foi um meio de pensar algo dos

esquemas de percepção sobre o ensino de história formalizados pelos livros didáticos.

Assim, pretendi aqui abordar os enunciados que esses textos dirigem ao professor. O

objetivo inicial desta pesquisa é discutir os regimes de legibilidade e intencionalidade

destes enunciados, os processos que os produziram e as suas estratégias discursivas. A

idéia de compreender os manuais do professor por eles mesmos, neles mesmos, e não

pelo que eles querem dizer retoma a proposta de análise dos impressos de Chartier

naquilo que ela mais se aproxima das considerações de Foucault. Vistos por ambos os

autores como atos, uma prática particular, os discursos não se definem como um

instrumento transparente para se atingir a consciência do sujeito. Ao contrário, Foucault

e Chartier (2002, p.119-120) insistiram que “os recursos que os discursos podem pôr em

ação, os lugares de seu exercício, as regras que os limitam são histórica e socialmente

diferenciados”. Advertido disso, resolvi levantar esses problemas de interpretação na

análise dos manuais do professor recomendados pelo PNLD 2008. O intuito de fazer

desse tipo de texto uma pista para a investigação sobre o como se pensa a prática do

ensino de história fundamentalmente resultou da constatação de que as operações de

sentido sobre o mundo social não podem ser dissociadas das condições e dos meios

materiais que lhes fazem circular.

Desse modo, primeiro procurei tipificar o Manual do Professor como objeto de

pesquisa. As preocupações iniciais da abordagem têm a ver com a descrição desse tipo

de impresso e a compreensão das relações que estabelece com os leitores. Trata-se de

4 Fundamentalmente, as referências utilizadas aqui para interrogar as séries discursivas organizadas nos manuais do professor que acompanham os livros didáticos recomendados pelo PNLD-História de 2008 seguem, de um lado, as perspectivas abertas pelos estudos históricos de Roger Chartier (1990; 1991; 2002), Michel Foucault (2008) e Michel de Certeau (1994) e, por outro, as ideias de Mikhail Bakhtin (1992; 2006), John Searle (1981; 1995) e José Fiorin (2008a; 2008b) sobre a análise da linguagem.

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discernir, na materialidade dos manuais do professor que acompanham as coleções

didáticas recomendadas pelo PNLD-2008, as marcas de sua produção, circulação e uso.

Por um lado, o foco na relação entre as concepções pedagógicas e estratégias editoriais

e o discurso normativo permitiu refletir sobre algumas das regras que regem o uso que o

Programa Nacional do Livro Didático faz do Manual do Professor. Por outro, o estudo

dos esquemas de percepção e de apreciação do magistério nesse material pretende

identificar algo das maneiras pelas quais as obras didáticas articulam competências,

normas, usos e performances num discurso para professores.

Segue-se a isso um esforço de compreensão dos dispositivos por meio dos quais

o livro do professor consolida uma dada representação (CHARTIER, 1991, p. 184) do

ensino e do professor de História que tem início com o estudo da História na reflexão

didática consumada na série de manuais analisados e se conclui numa abordagem dos

enunciados então produzidos para orientar a prática docente. O segundo capítulo se

propõe a realizar o inventário do instrumental metódico e teórico do ensino de história e

das rotinas de trabalho prescritas nos manuais do professor. Com o levantamento dos

principais tipos de referências metodológicas e de atividades e das técnicas para

condução da aprendizagem que então foi realizado, a análise focou o conjunto de

práticas que se define através dos modos de percepção e de apreciação constitutivos do

que se entende ser o trabalho do professor de história. No terceiro capítulo, os manuais

do professor são examinados no plano discursivo. O estudo do gênero desses textos e

dos seus procedimentos composicionais, dos rastros do processo que os produziu e dos

expedientes que visam fazer reconhecer uma maneira própria de lecionar adverte sobre

as intrincadas operações de recorte e de classificação graças às quais uma realidade é

percebida, construída, representada (cf. CHARTIER, 2002, p. 169). Sobretudo, as

formas de que se valem os manuais do professor para expressar obrigações, finalidades

e uma certa qualificação de alunos e professores constituem mecanismos de produção

de sentido que então procurei demonstrar.

O motivo de se realizar essa investigação é enfatizar que o Manual do Professor

trata das estratégias de organização e método do ensino da matéria. Isso não significa

dizer que ele efetivamente organiza e institui uma metodologia de ensino, mas que é

parte das condições de sua emergência, inserção e funcionamento. O estudo dos

manuais do professor que acompanham os livros didáticos de História pode apenas

compreender uma modalidade das afirmações acerca do ensino dessa disciplina e não

todo o seu conteúdo. No entanto, tem-se a matéria de apropriação nos fazeres cotidianos

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da escola como objetos da pesquisa. E, assim, como bem notou Dominique Borne

(1998, p. 136), um referente de uma prática que é indispensável para o exercício da

docência e que ocupa uma parte importante do tempo escolar.

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  CAPÍTULO 01

Os Manuais do Professor como fonte de

pesquisa 

Parte suplementar que acompanha o exemplar do professor do livro didático, o

Manual do Professor oferece orientação teórico-metodológica específica ao docente

para a utilização da obra na sala de aula. Trata-se de uma exigência do edital de

inscrição no processo de avaliação para o PNLD, que reconhece nesse tipo de texto um

recurso para o esclarecimento das propostas do livro didático. Nesse sentido, o Manual

do Professor não é somente um aspecto da edição. Sobretudo, atende as prescrições do

poder público quanto à acepção e organização dos dispositivos dos textos que lhe

devem caracterizar. Indissociáveis uma da outra, as dimensões editorial e política desses

manuais suscitam questões que, já bastante exploradas por estudos sobre os livros do

aluno, enredam o texto, o livro e as suas estratégias simbólicas.

As análises de Alain Choppin (2000) sobre os aspectos formais dos manuais

didáticos, de Anne-Marie Chartier (2007) a respeito dos papéis prescritivos que os

textos oficiais e o cotidiano da profissão docente exercem nesse âmbito e de Michael

Apple (1995) acerca dos efeitos do atual estágio do consumo de material didático pelas

escolas têm indicado caminhos fecundos de pesquisa. No que se refere aos livros

didáticos de história do aluno, Bittencourt (1993), Munakata (1997) e Gatti Jr. (1998) já

publicaram estudos bem sucedidos nesses âmbitos de análise. As perspectivas então

abertas à abordagem dos aspectos formais, dos conteúdos e pedagogias e das políticas

de aquisição, edição e distribuição desse tipo de obra mostram que há dispositivos

textuais de produção e apresentação do conhecimento indissociáveis da forma como o

livro circula e das práticas que ele enseja.

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Algumas novas pesquisas têm reivindicado outras possibilidades de

investigação. A recepção e o uso dos livros didáticos em sala de aula é atualmente

bastante explorada. Matela (1994), Costa (1997), Araújo (2001), Cassiano (2003) e

Bittencourt (2004) avaliam que as interferências de professores e alunos fazem parte da

compreensão do livro didático. Principalmente, nessas pesquisas pergunta-se sobre

como seu público-alvo utiliza os conteúdos, os instrumentos de aprendizagem, a

ideologia e os valores neles contidos (cf. BITTENCOURT, 2004, p. 302).

Os resultados acumulados por esses estudos permitem ter uma compreensão já

bastante assentada a respeito dos processos de produção do livro didático de história e

dos conhecimentos que ele veicula. Conforme o levantamento de Kênia Hilda Moreira

(2006), existem análises sobre o discurso veiculado pelo livro didático, seus conteúdos

expressos e os meios de sua edição, cujas principais conclusões testemunham a profusão

de usos e problemáticas suscitados desse recurso de ensino. Principalmente as

investigações acerca das práticas e dos significados que se operam a partir do uso do

livro didático de história permitem interrogar a substância e o conteúdo da história

ensinada. Seus resultados de pesquisa mostram-se úteis ao chamar a atenção para o fato

da história local, do cotidiano e de outras populações que não as européias ganharem

importância na crítica de uma disciplina escolar ainda em grande parte dominada pelo

modelo histórico eurocêntrico, economicista e voltado para a formação do Estado-

nação.

Embora todas essas prevenções também sejam pertinentes para uma abordagem

dos métodos de aprendizagem da disciplina que os livros didáticos incluem, as questões

que os manuais do professor melhor possibilitam propor são outras. Dirigido ao

docente, esse tipo de texto têm a finalidade de expor a concepção de aprendizagem que

o livro do aluno contém. De onde, a ênfase dada às abordagens metodológicas, às

instruções operacionais, aos meios e materiais do ensino de história que organizam

representações, categorias intelectuais e formas retóricas em orientações de trabalho. Os

manuais do professor não são apenas marcados por um protocolo de leitura, eles

testemunham também a presença de uma importante discussão didática sobre o ensino

de história, que visa teorizar as modalidades de aprendizagem, preconiza o trabalho com

fontes e propõe uma nova cultura da participação.

Assim, o Manual do Professor atualmente não é apenas uma referência

pedagógica para o ensino, principalmente designa o lugar de um discurso sobre a prática

do ensino. Nesse âmbito, parece razoável interrogar sua força ilocutória, as estratégias

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que propõe e a ordem de representações que instaura, seja para discutir as escolhas de

seus autores ou para inventariar as demandas dirigidas ao professor de história

ultimamente. Mais que as opções didáticas e metodológicas expressas no Manual do

Professor dos livros didáticos de história, as justificativas das quais se vale indicam as

modalidades de aprendizagem, os recursos e a maneira de ensinar a matéria já

socialmente compartilhada, considerada legítima. Trata-se de pistas para se

compreender algo das relações que o Manual do Professor mantém com as práticas de

aula.

De circulação pouco vista fora dos percursos da sua distribuição nas escolas, os

manuais respondem à idéia de que é necessário por em ação instrumentos que possam

contribuir para a contínua atualização do professor. Nesses termos, atentar para os

discursos que o Manual do Professor veicula me pareceu ser um recurso para pensar os

atuais processos de construção da didática da história. No que se segue, a preocupação

com as representações que esse tipo de publicação faz do ensino de história e da prática

docente resultou num estudo dos dispositivos do seu agenciamento discursivo e de

algumas das categorias que os fundam. Sobretudo porque os manuais do professor

fornecem indícios sobre as práticas educativas que eles próprios prescrevem, achei que

seria uma boa idéia abordar os modelos de ensino e aprendizagem da história a partir

dos procedimentos recomendados nesse tipo de publicação. Por essa razão, em vez de

interrogar os docentes sobre as suas práticas e as pressões a que são submetidos em sua

vida profissional, importou-me analisar as estratégias de que esses manuais são o

produto. Contra as formulações abruptas provenientes dos levantamentos estatísticos ou

do inventário das aparelhagens mentais, o esforço de pesquisa seguiu outro caminho.

Parti da análise do Manual do Professor dos livros didáticos de História

recomendados no Guia do PNLD-2008 para identificar “com o quê” e “como” ele

pretende instrumentalizar o professor para ensinar a matéria. Trata-se de dimensionar os

discursos que põem em ação e as regras que limitam a sua produção. Assim, debrucei-

me sobre as marcas dos usos prescritos e dos destinatários visados nesse tipo de

impresso com vistas a apurar que práticas fomentam, quais denunciam e como

interpelam o docente de história. Essa abordagem favorece a obtenção de indícios sobre

os métodos pedagógicos usuais, sobre critérios de seleção de conteúdos, sobre os

pressupostos teóricos que orientam as iniciativas de ensino e sobre as políticas de

formação continuada de professores. No entanto, os resultados desse procedimento não

deixam de ter limites e restrições. Por meio da atenção ao instituído pela escrita

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consegue-se muito pouco sobre os usos que são feitos do Manual do Professor. Vem de

Certeau (1994, p. 94) a advertência de que “diante de uma produção racionalizada,

expansionista, centralizada, espetacular e barulhenta se posta uma produção de tipo

totalmente diverso, qualificada como ‘consumo’, que tem como característica suas

astúcias, seu esfarelamento em conformidade com as ocasiões, suas piratarias, sua

clandestinidade, seu murmúrio incansável, em suma, uma quase-invisibilidade, pois ela

quase não se faz notar por produtos próprios mas por uma arte de utilizar aqueles que

lhe são impostos". Portanto, não convém perder de vista que as pessoas adaptam o

sistema de objetos e de significados às próprias necessidades. Por outro lado, antes de

investigar os usos feitos pelo magistério do Manual do Professor penso que cumpre

entender melhor esse tipo de material que lhe chega às mãos.

Uma tipificação

Quando em 1996 determinou-se que a aquisição de obras didáticas com verbas

públicas para distribuição em território nacional estaria sujeita à inscrição e avaliação

prévias, segundo regras estipuladas em edital próprio (MIRANDA; LUCA, 2004, p.

127), o setor editorial brasileiro estabeleceu fortes dependências em relação aos critérios

de avaliação estipulados por meio do PNLD. Conforme os mecanismos que Miranda e

Luca (2004) explicitam ao analisar os processos de avaliação dos livros de história

destinados ao segmento de 5ª a 8ª série de 1999, 2002 e 2005, “o fato de uma obra não

estar presente no Guia publicado pelo MEC traz efeitos financeiros indesejáveis que, em

alguns casos, culminaram no desaparecimento de editoras e/ou em fusões de grupos

editoriais”. Assim, não só os princípios gerais da área e os critérios eliminatórios

publicados pelo Edital ditam as condições e as especificações para inscrição no processo

de avaliação e seleção das coleções didáticas, como também indicam os critérios de

qualificação da coleção e os objetivos da área no ensino fundamental. Entre todos esses

ditames, há indicações específicas para a produção dos manuais do professor que, desse

modo, importam destacar.

Desde a implantação do atual sistema de avaliação das coleções didáticas pelo

MEC/FNDE em 1999 é vedado que o exemplar do professor seja uma cópia do livro do

aluno com exercícios resolvidos. No Edital do PNLD 2008 a exigência é que ele

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“ofereça orientação teórico-metodológica e de articulação dos conteúdos do livro entre

si e com outras áreas do conhecimento; ofereça, também, discussão sobre a proposta de

avaliação da aprendizagem, leituras e informações adicionais ao livro do aluno,

bibliografia, bem como sugestões de leitura que contribua para a formação e atualização

do professor”. Insiste-se ainda que as orientações ao professor tenham coerência com a

apresentação dos conteúdos e com as atividades propostas no livro do aluno. A

concepção de meio de atualização e de auxiliar do uso do livro didático na sala de aula

que aparece no edital tipifica o Manual do Professor como instrumento complementar

do trabalho docente.

Igualmente, o Guia de Livros Didáticos PNLD 2008: História concebe e avalia o

Manual do Professor como um impresso de orientação e apoio ao magistério. A

avaliação que traz publicada sob a forma de resenha dos livros então recomendados

inclui comentários circunstanciados sobre o Manual do Professor de cada coleção. Em

seu conjunto, mais que instituir os fundamentos e os objetivos desse impresso, o Guia

qualifica os tipos de manuais e as discussões que sustentam. Trata-se da análise das 19

coleções recomendadas, agrupadas em quatro blocos, segundo a organização dos

conteúdos:

organização temática (a proposta da coleção é organizada por temas)

Código Série Editora Autores Ano páginas Unidades 012 Série Link do tempo: história Escala

Educacional Denise Mattos Marino Léo Stampacchio

154 4 módulos

061 História por eixos temáticos Editora FTD Antônio Pedro Lizânias de Souza Lima

2006 270 8 eixos

104 História temática Scipione Andréa R. Dias Montellato Conceição Aparecida Cabrini Roberto Catelli Jr.

238 4 eixos

105 Historiar – fazendo, contando e narrando a história

Scipione Dora Schmidt

222 2 a 4 cap.

organização integrada (História do Brasil, da América e Geral, seguindo ou não a ordem do estabelecimento das sociedades.

Para a integração destas histórias, é imprescindível que se estabeleçam relações contextualizadas entre os conteúdos tratados, considerando a simultaneidade dos acontecimentos no tempo e no espaço)

Código Série Editora Autores Ano páginas Unidades 013 Por dentro da História Escala Educacional Célia Regina Cerqueira Vicentino

Maria Aparecida Cosomano Pedro Santiago

280 3 a 4 unid.

033 História em projetos Ática Andréa Paula Carla Miucci Ferraresi Conceição de Oliveira

2006 272 3 a 5 unid.

075 Projeto Araribá – História Moderna Editora Moderna 238 8 unidades076 História: das cavernas ao

terceiro milênio Moderna Myrian Becho Mota

Patrícia Ramos Braick 298 4 unidades

088 Diálogos com a história Positivo Kátia Corrêia Peixoto Alves Regina Gomido Belisário

2006 220 4 unidades

140 Navegando pela história Quinteto Editorial Maria Luiza Vaz Silvia Panazzo

186 4 a 5 unid.

151 História: conceitos e procedimentos

Saraiva Eliete Toledo Ricardo Dreguer

172 4 unidades

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organização intercalada (ordena a história do brasil e da América junto com a Geral, normalmente em ordem cronológica

crescente, mas os conteúdos não são relacionados entre estas histórias, apenas os assuntos são alternados nos espaços em que ocorreram, conforme a seqüência temporal)

Código Série Editora Autores Ano Pág. Unidades 029 História e vida integrada Ática Claudino Piletti

Nelson Piletti 242 21 a 24 cap.

032 História Hoje Ática Oldimar Pontes Cardoso 290 23 a 24 cap. 060 História em documento: imagem e texto FTD Joelza Ester Rodrigue 300 4 a 5 unid. 062 História, sociedade e cidadania FTD Alfredo Boulos Júnior 258 17 a 21 cap. 089 Encontros com a história Positivo Carla Maria Junho Anastasia

Vanise Maria Ribeiro 260 3 a 4 unid.

103 Construindo consciências – história Scipione Leonel Itaussu de Almeida Mello 250 18 a 19 cap. 152 Saber e fazer história Saraiva Gilberto Cotrim 200 12 a 17 cap.

organização convencional (A organização dos conteúdos é feita a partir da 5ª série em história do Brasil, Colônia e Império, e na 6ª

série com a Primeira República até a redemocratização; na 7ª série, começa com História Geral, incluindo Pré História, Antigüidade e medieval, e, na 8ª série, estuda-se Moderna e Contemporânea)

Código Série Editora Autores Ano Pág. Unidades 030 Descobrindo a história Ática Sônia Maria Mozer

Vera Lúcia Pereira Telles Nunes 2006 288 21 a 32 cap.

Como no Edital, no Guia de Livros Didáticos PNLD 2008: História insiste-se

que o Manual do Professor precisa ser considerado um instrumento pedagógico auxiliar

da prática docente, sugerir leituras e outros recursos para a atualização do professor. No

entanto, é mais específico na maneira de fazê-lo indicando que avaliou as informações

adicionais ao Livro do Aluno, a forma de orientar a execução das atividades e objetivos

propostos e buscou identificar as propostas e discussões sobre avaliação da

aprendizagem e sugestões de atividades e de leitura para os alunos.

Uma conclusão geral expressada no Guia diz respeito à heterogeneidade dos

elementos contemplados pelos manuais do professor das coleções então recomendadas.

Bastante diversos entre si, nem sempre os manuais tratam todos os quesitos que a

Comissão de Avaliação considerou necessários. Um simples levantamento panorâmico

dos aspectos destacados nas considerações publicadas no Guia de Livros Didáticos

PNLD 2008: História já mostra o que melhor qualifica o Manual do Professor.

Invariavelmente, sugestões de procedimentos, propostas metodológicas, bibliografia

atualizada, comentários adicionais de conteúdo e atividade, listas de livros e textos de

apoio, orientações no uso de recursos didáticos e considerações sobre a metodologia de

ensino quando aparecem são registrados e abordados. Na prática, o Guia constitui o

Manual do Professor como o lugar da discussão em torno dos pressupostos históricos

da coleção, da organização didática da aula que se propõe, das fontes, escritas,

iconográficas ou orais, e da avaliação do processo de ensino e aprendizagem.

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É possível constatar a irregularidade indicada pelo Guia de Livros Didáticos

PNLD 2008: História quanto aos quesitos tratados nos manuais do professor das

coleções didáticas na própria definição que os livros didáticos têm desse suplemento.

Das 19 séries recomendadas pelo PNLD 2008, nove apresentam uma designação

alternativa a de Manual do Professor. Nas coleções que evitam utilizar a expressão

“manual”, os títulos dessa parte do exemplar do professor variam sob as fórmulas de

Caderno de Orientações Pedagógicas, de Manual Pedagógico, de Livro do Professor, de

Orientações ao Professor, de Assessoria Pedagógica, de Guia e Recursos Didáticos,

Suplemento do Professor ou de Apoio Didático. Nesses casos, o domínio das ideias de

orientação, assessoria, apoio didático e guia demonstra algo das pretensões didáticas da

coleção. Em parte, tais ideias observam o propósito de fazer do Manual do Professor

mais do que uma formalidade editorial. Por outro lado, afirma-se o valor de meio de

atualização e de auxiliar do uso do livro didático na sala de aula que o Edital e o Guia

do PNLD-2008 conferem a esse recurso.

Também variam de uma coleção para outra os agenciamentos do texto, as suas

formas tipográficas e diagramação. Com uma editoração invariavelmente feita em duas

cores, as seções que organizam os textos dos manuais do professor das diversas

coleções não são sempre as mesmas. A ênfase nos procedimentos didáticos em algumas

das coleções, o foco na fundamentação histórica em outras e a insistência com que outra

parte dos Manuais sublinha o perfil psicológico da faixa etária e da metodologia a ser

desenvolvida para o desenvolvimento do conteúdo de história, confirmam a

heterogeneidade das abordagens e dos dispositivos que propõem a leitura das

instruções. As orientações para a resolução dos exercícios ou atividades propostas no

livro do aluno estão em todas as séries.

A despeito das diferenças de acento e enfoque, há outros protocolos de leitura

que são observados por todas as coleções recomendadas pelo PNLD-2008. De partida

são discutidos os pressupostos teóricos da coleção, sua fundamentação metodológica e

linha historiográfica. Após, as orientações dos autores tratam dos procedimentos de

trabalho propostos na coleção e da organização didática dos conteúdos, dos temas ou da

ordem dos capítulos. Por um lado, expõe-se a metodologia de ensino desenvolvida pela

coleção, os seus princípios pedagógicos, seu modo de trabalhar e de fazer trabalhar com

as fontes e as estratégias explicativa e de investigação adotadas. De outro, ficam

explícitas, por meio de considerações gerais sobre os propósitos da edição do livro

didático, as questões de estruturação da coleção como objetivos, seqüência e

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encadeamento das unidades e iconografia. Depois disso, uma proposta de avaliação é

apresentada e justificada. Seguem-se seções com sugestões de material didático

suplementar, geralmente filmes, músicas e sítios da internet, e de bibliografia

complementar de ensino para o professor.

Conforme solicitado em Edital, avaliado pelo Guia de Livros Didáticos PNLD

2008: História e assumido por seus autores, o Manual do Professor deve incentivar a

autonomia do docente na prática educativa. É visto como um recurso tanto para

explicitar a proposta pedagógica e a concepção de história que a coleção comporta

quanto para sugerir atividades e procedimentos de avaliação. Tido como instrumento de

apoio relevante no exercício do magistério porque coloca em cena a proposta de um

trabalho educativo cotidiano, o Manual do Professor, sobretudo, é parte da oferta

pedagógica de um autor e da oferta comercial de um editor de livros didáticos (cf.

CHARTIER, 2007, p. 70). No entanto, para interrogar o valor de uso desse tipo de

impresso talvez seja mais útil ter em conta a forma da escolha e a maneira como se faz a

sua distribuição. A regulamentação estabelecida pelo edital e o processo de escolha do

professor principalmente suscitam questões acerca das relações que docentes e governo

mantêm com as prioridades didáticas dos atuais métodos do ensino de história. Em

muitos sentidos, os vínculos entre o poder público e o mercado da edição escolar fazem

pensar a conjuntura que age sobre os guias de trabalho dos livros didáticos quando se

trata do valor de uso do Manual do Professor, das orientações dos seus autores ou

mesmo da divulgação das editoras.

Editoras, governo e professores

Segundo o entendimento que Anne-Marie Chartier (2007, p. 148-149) tem dos

livros didáticos, a sua elaboração é guiada pela combinação de pressões conjunturais e

das orientações dos autores. Trata-se da edição de um material escolar que tanto

apresenta um conjunto de saberes quanto ordena um repertório de exercícios de acordo

com o público visado e as prescrições vigentes para o ensino. Assim, conforme

argumenta Chartier (2007, p. 148-149), os autores de manuais não só devem levar em

consideração os programas e textos oficiais como também o cotidiano da profissão

docente. Essa argumentação acompanha as seguintes linhas. Os manuais didáticos

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evoluem em função dos programas, mas não somente em decorrência desse fator. “A

edição escolar forjou hábitos de trabalho, dispositivos didáticos, expectativas e

exigências que os professores colocam em prática”. A conjuntura age tanto em favor das

rupturas, como em favor das continuidades. Tanto a chegada de pesquisadores

especialistas ao campo da edição escolar e a mudança dos objetivos do ensino

fundamental “estão modificando o processo de criação dos livros didáticos” quanto as

inquietações com uma eficácia imediata dos métodos de ensino fazem “os editores

repetirem as fórmulas já experimentadas, que sabem que funcionam e nas quais os

professores confiam”. As orientações dos autores participam do espaço da invenção ou

da perpetuação das tradições. “Na criação de um livro didático, estão envolvidos a

cultura da pesquisa científica do autor, seus valores pedagógicos e políticos, suas

preferências culturais e estéticas, sua experiência com crianças e com a aprendizagem

escolar, sua hierarquia das prioridades e urgências, quando se trata de textos para ler ou

das escolhas de exercício”.

No caso do Manual do Professor, esses aspectos estão ainda mais evidentes pois

o autor, em alguma medida, escreve sobre eles. A referência aos PCNs e a historiografia

citada nas coleções, as propostas de planejamento do curso, as indicações sobre material

didático complementar e o discurso que o autor produz sobre o método empregado

permitem abordar as respostas que se costumam dar às prescrições do programa e às

pressões da realidade profissional da docência. Ao proporem estratégias de aula,

princípios de legitimação dos objetos de estudo, normas de cientificidade e modos de

avaliação, os autores dos manuais para professor decodificam os procedimentos

metodológicos do ensino. Daí a pertinência de se perguntar como o fazem. Desde o tipo

de organização e encaminhamento pedagógico que propõem para o ensino de História

até o inventário de meios e recursos do trabalho em sala, o Manual do Professor opera

escolhas, guia conteúdos, uma progressão, exercícios e modalidades de avaliação. Por

essa razão, pensar os modos de articulação que esse tipo de texto mantém com as

práticas sobre as quais orienta não só é uma maneira de considerar o sentido que

produzem como também de compreender o “horizonte de expectativa” do público a que

se dirige (cf. JAUSS, 1978, p. 21).

A combinação de fatores da qual trata Chartier (2007, p. 149) adverte que os

modelos de ensino se inscrevem nas formas institucionais da escola e do mercado

quando pensados em função dos seus suportes materiais. O recurso às fórmulas já

experimentadas, conferindo-se prioridade aquilo que já é clássico em um livro didático,

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contribui não só para dar feição às antecipações do leitor em relação ao texto, mas para

angariar novos públicos ou usos inéditos. Em tese, o docente dispõe do Manual do

Professor como um suplemento em formato 205 mm x 275 mm editado em duas cores e

cujo argumento invariavelmente compreende os pressupostos teóricos da coleção, a

metodologia de ensino então desenvolvida, os objetivos, a seqüência e encadeamento

das unidades, uma proposta de avaliação, sugestões de material didático complementar

e orientações para a resolução dos exercícios ou atividades propostas no livro do aluno.

Na prática, porém, sem se saber o perfil dos professores que utilizam o Manual, ou

mesmo se de fato o lêem e usam no preparo das suas aulas, a análise do efeito produzido

no ensino da matéria fica restrita a um inventário de possibilidades. Mais uma vez aqui,

o acúmulo de pesquisa sobre o livro do aluno deve sinalizar as principais vias de

abordagem.

Neste terreno de trabalho em que se enredam texto e leitor, várias proposições já

foram articuladas de maneira a mostrar os usos que os professores fazem do livro

didático. Em comum, há o reconhecimento de que o conhecimento contido nos livros

depende da forma pela qual o professor o faz chegar aos alunos. Nas atuais pesquisas

sobre livro didático está assentado que ele pressupõe uma leitura que necessita da

intermediação do professor. Ao tratar dessa questão, Circe Bittencourt (2004, 316-319)

conclui que a utilização do livro didático pelos professores é muito diversa. Não

obstante muitas das pesquisas ainda insistirem que toda a ideologia desse tipo de

material é incorporada por alunos e professores sem mediação alguma, a autora adverte

que a recepção feita pelos usuários é variada, “até porque o público escolar não é

constituído por um grupo social homogêneo” (BITTENCOURT, 2004, p. 317). Nesse

mesmo âmbito, Luciana Telles de Araújo (2001) mostrou que geralmente as obras

didáticas para complementar as explicações dos professores e que um número

considerável de professores apenas faz uso dos exercícios e atividades propostas pelo

livro do aluno. Outro recurso amplamente utilizado, segundo Araújo (2001, p. 73), nas

obras didáticas pelos professores são as imagens cuja compilação feita nos livros

permite os alunos refletirem sobre as representações que lhes são “postas diante dos

olhos”. Noutra perspectiva, Célia Cristina Cassiano (2004) apresenta dados de pesquisa

que lhe permitiram entender como aspectos da materialidade dos livros didáticos

interferem na prática pedagógica do professor. Sobretudo, ela mostra que muitas vezes

esses livros atuam como “um constrangimento que obriga o professor a reelaborar o

desenvolvimento de sua prática”, muito em função do material distribuído pelo PNLD,

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e mesmo que chegam a alterar os saberes pedagógicos que circulam na sala de aula

(CASSIANO, 2004, p. 47).

O emprego de entrevistas e questionários nessas pesquisas tem permitido

entender como se dão a escolha e o uso do livro didático entre os professores. Algumas

das conclusões dos estudos de Araújo (2001) e Cassiano (2004) autorizam

aproximações com os manuais do professor. Por um lado, a constatação de que é

bastante comum o uso do livro didático na preparação das aulas e no planejamento

escolar sugere que a leitura do Manual do Professor talvez seja também uma prática

auxiliar efetiva. Em todo caso, parece-me útil ter em conta as ponderações de Araújo

(2001) sobre a variabilidade do grau de dependência dos professores em relação ao

material didático. De acordo com as suas conclusões, essa é uma questão associada à

formação e às condições de trabalho do professor, sobretudo à quantidade de escolas e

horas de aula semanais. Por outro lado, a distância que o professor mantém do uso

prescrito pelos formuladores do material didático têm sido melhor qualificada. Cassiano

(2003) mostrou que os professores da sua amostra ignoraram o Guia de Livros

Didáticos porque preferem fazer suas escolhas com o livro na mão. Araújo (2001) trás o

exemplo de um professor que dizia adotar o livro didático apenas para utilizar as

ilustrações. Em muitas das entrevistas compiladas por Araújo e Cassiano o livro

didático aparece como um ponto de apoio para a organização das aulas, servindo como

matriz e como “meio de recordar” temas pouco vistos na licenciatura. Para Gimeno

Sacristán (s/data, p. 110), a apropriação efetiva do livro pelos professores é tão criativa

quanto capaz de acomodar o uso dos materiais didáticos a “um uso correto a partir de

pressupostos da democracia cultural, atualização científica e pedagógica”.

Nesse âmbito de considerações, a pertinência do Manual do Professor por vezes

é discutida noutros termos. Nas recomendações que Antônio Augusto Gomes Batista

(2001) fez ao MEC em estudo encomendado pela Secretaria de Educação Fundamental

do Ministério, além de contribuir para a atualização do magistério, o Manual do

Professor deveria ter a função de orientar uma utilização correta do livro didático. Em

sentido absolutamente contrário às conclusões dos estudos sobre o uso que os docentes

fazem dos livros didáticos, ver no Manual do Professor apenas um meio de referir o uso

mais apropriado desse tipo de material escolar reduz as possibilidades de compreensão

das estratégias de ordenamento das questões pedagógicas nas coleções didáticas.

Superar essa perspectiva de análise implica considerar os esquemas geradores de

classificação e de percepção articulados pelo suplemento de orientação didática. Roger

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Chartier (2002, p. 119) postula pensar as relações que mantêm as produções discursivas

e as práticas sociais para se inscrever “a compreensão dos diversos enunciados que

modelam as realidades no seio das restrições objetivas que limitam e tornam possível,

ao mesmo tempo, sua enunciação”. Sobretudo, trata-se de levar em conta não só as

estratégias através das quais autores e editores tentam impor uma ortodoxia do texto,

uma leitura forçosa, mas igualmente, a liberdade dos leitores.

Sob a perspectiva das possibilidades de leitura, Kazumi Munakata (2007, p. 141-

143) mostrou haver no livro didático toda uma maquinaria singular que postula a

desnecessidade do professor. A Munakata (2007, p. 143) parece que as reiteradas

solicitações dirigidas ao leitor-aluno para formar grupos de discussão, procurar

professores de outras disciplinas, realizar entrevistas com pessoas de um determinado

período resultam de um modelo de ensino que pretende reduzir a possibilidade do

professor escapar das orientações então propostas no livro didático. Segundo conclui o

autor, quanto mais protocolos de leitura um livro contiver, mais desnecessária é a

autonomia do professor. O Manual do Professor, no entanto, pressupõe o docente, mas,

igualmente, apresenta dispositivos de condicionamento do uso do livro didático. Alguns

deles, explícitos, recorrem ao discurso na forma de nota, carta ou apresentação. Outros

dispositivos estão implícitos nos comentários sobre o trabalho desenvolvido em cada

unidade do livro, nas indicações complementares de material e num conjunto de

estratégias editoriais para impor uma justa compreensão do material como no caso dos

títulos, das caixas de texto e dos ícones. Cotejar assim o Manual do Professor com o

livro do aluno não só dá ensejo para uma verificação da coerência entre a proposta

aplicada no texto didático e enunciada no suplemento docente, entre o conhecimento

escolar posto à disposição para os alunos e as possibilidades pedagógicas sugeridas ao

professor. Com essa aproximação abre-se uma via de análise que principalmente

permite considerar as coleções didáticas como uma forma institucionalizada e

objetivada em virtude da qual certos agentes dotam de eficácia uma disciplina, uma

ordem ou representação do ensino.

A questão posta pelo desencontro entre a estratégia dos autores, das editoras e do

governo e a apropriação efetiva do livro pelos professores é a das posições e

propriedades sociais objetivas, exteriores ao discurso, que caracterizam os diferentes

grupos, comunidades ou classes que constituem o mundo social. Na dinâmica de análise

elaborada por Roger Chartier (1991; 1993) para articular a construção discursiva do

mundo social à construção social dos discursos, há uma importante contribuição para a

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abordagem desse traço das atuais condutas e ações de ensino. Fundamentalmente,

Chartier (2007, p. 65) tem mostrado que as apropriações concretas e as inventivas dos

leitores dependem, em seu conjunto, dos efeitos de sentido das obras, dos usos e dos

significados impostos pelas formas de sua publicação e circulação, e das competências e

expectativas que regem a relação que cada grupo mantém com a cultura escrita. Nesses

termos, os recursos materiais, a cultura científica, a experiência pedagógica de que

dispõe os docentes e os autores de material escolar são tão constitutivos do social

quanto os princípios que organizam os seus discursos. A ligação estabelecida por

Chartier (1990; 1991; 1993) entre as construções discursivas e as propriedades sociais

objetivas designa com alguma precisão a possibilidade de um trabalho sobre práticas

que visam fazer reconhecer uma maneira específica de proceder.

O discurso competente sobre o ensino de história

Para a compreensão dos dispositivos do objeto tipográfico que propõe um texto

à leitura, Chartier (1991, p. 181) confere uma importância central ao “processo pelo

qual um texto, uma fórmula, uma norma fazem sentido para os que deles se apoderam

ou os recebem”. Contra uma definição puramente semântica do texto, enfatiza a

materialidade do objeto impresso. Essa perspectiva recusa ver, à maneira das formas

mais radicais da linguistic turn, as práticas constitutivas do social reduzidas aos

princípios que organizam os discursos. Conforme explica Chartier (2002, p. 132), “a

prática discursiva é uma prática específica que não reduz todos os outros regimes de

prática a suas estratégias, suas regularidades e suas razões”. Assim, a construção dos

interesses que se dá por meio dos discursos não é apenas vista como determinada e

limitada pelos recursos materiais e pelos utensílios intelectuais de que dispõem os

agentes. Chartier sobretudo tem mostrado que os dispositivos materiais e formais pelos

quais os textos atingem os leitores constituem um recurso essencial para se conhecer a

maneira como os agentes sociais outorgam sentido as suas práticas e aos seus

enunciados.

Essa ênfase da análise nos suportes materiais da produção e da circulação dos

impressos e na materialidade das práticas e usos da leitura vem tornando indispensável,

também ao estudo das edições didáticas, a abordagem de dois conjuntos de dispositivos.

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Ainda conforme mostrou Chartier (1991, p. 182), por um lado, há os dispositivos que

provêm das estratégias de escrita e das intenções do autor, por outro, os que resultam de

uma decisão do editor ou de uma exigência da oficina de impressão. Ambos os

conjuntos atraíram a atenção de pesquisadores do livro didático no país e reúnem

reflexões acerca dos processos materiais de circulação e apropriação desse tipo de

publicação. Principalmente Munakata (1997); Gatti Jr. (2005), e Cassiano (2007) se

debruçaram sobre o papel e o perfil dos editores de livros didáticos de história

brasileiros e do mercado editorial. Suas investigações tanto contribuem para o

entendimento dos efeitos da industrialização dos processos de edição do livro escolar

como advertem a respeito dos condicionantes que são a realidade do mercado

consumidor e a concorrência com conglomerados editoriais de capital estrangeiro. Já o

tratamento que, entre outros, Bittencourt (1993; 1997; 2004); Davies (1996), Gatti Jr

(2004) e Munakata (2007) dão aos discursos veiculados pelo livro didático faz perceber

as marcas dos usos prescritos para os destinatários visados. Os padrões lingüísticos e as

formas de comunicação específicas que o autor e os técnicos especializados dos

processos gráficos criam ao elaborar esses textos são estudados como indícios que nos

capacitam entender o papel que o livro didático desempenha na vida escolar.

Portanto, a ênfase é útil para pensar o Manual do Professor como meio de

veiculação de técnicas de aprendizagem, sugestões de trabalho, exercícios e tarefas que

os alunos devem desempenhar para a apreensão dos conteúdos. A reflexão sobre os

suportes materiais da produção e da circulação dos impressos e acerca da materialidade

das práticas e usos da leitura põe em evidencia dispositivos de imposição de saberes e

normatização de práticas referidos a lugares de poder determinados. Na estruturação e

nas condições de ensino que esses manuais visam elaborar para os professores perpassa

uma relação de autoridade que tem muito a ver com as posições e as propriedades

sociais objetivas de autores, docentes e alunos. Com efeito, para ser editado e encontrar

seu lugar no mercado um livro didático depende do crédito outorgado pelo Estado e/ou

pelos professores ao que propõe como método de ensino. As pesquisas mostram que as

pressões editoriais existem não só em função do regime jurídico que regulamenta a

difusão (cf. CHARTIER, 2007, p. 75), mas nas idéias e valores em que se inspiram e na

suposta eficácia nos meios de ação propostos. Desde aqueles que participam do trabalho

técnico ou pedagógico de edição e o autor até a comissão de especialistas avaliadores do

PNLD, todo um sistema de qualificação é constituído para apurar a relevância do livro

didático, cujo Manual do Professor atualmente é parte indispensável, para o currículo

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efetivo das escolas. Torres (1998, p. 157) e Munakata (2007, p. 144) entendem que o

atual processo de avaliação e exclusão das coleções didáticas não apenas repousa na

concepção de um texto programado, fechado, normativo que orienta passo a passo o

ensino, ele reduz a possibilidade de seleção do professor. Em muitos sentidos, os textos

que se propõem a organizar e prescrever como os conteúdos devem ser ensinados são

também meios através dos quais grupos de profissionais tendem a persuadir o docente

de que o ensino ou o exercício do magistério é, de fato, o que lhes dizem ser.

Ainda que o docente adote os livros mal avaliados ou use os livros didáticos de

forma muito autônoma, procedendo de modo “que nem o autor, nem o editor, nem os

formuladores das atividades, nem os avaliadores do PNLD imaginaram”

(MUNAKATA, 2007, p. 144), o Manual do Professor contém um sistema didático

construído e uma compreensão de ensino úteis para a pesquisa do como ensinar. Trata-

se de esquemas de percepção e de apreciação do magistério, logo das representações

constitutivas de muito daquilo que foi interiorizado por aqueles que exercem a docência

e que é exposto como evidência compartilhada. Segundo entende Anne-Marie Chartier

(2007, p. 70), esse tipo de discussão é, basicamente, sobre os processos por meio dos

quais se investem conceitos e objetivos dos produtores dos manuais escolares e onde se

estabelecem as regras de escrita próprias ao gênero didático. O objeto fundamental de

uma análise que, assim, se propõe reconhecer a maneira pela qual as obras didáticas

articulam competências, normas, usos e performances parece-me estar na tensão que há

entre, por um lado, a oferta pedagógica de um manual de ensino e, por outro, a demanda

por uma guia de trabalho.

Não obstante a relativa autonomia com que os professores fazem chegar o

conhecimento aos alunos, ocorre que o valor de uso do suplemento docente é justificado

pelas qualidades técnicas e influência do método dos títulos publicados. Como observa

Anne Marie Chartier (2007, p. 75), é certo que sem ser ratificado pela profissão em sala

de aula não é possível reeditar regularmente uma obra didática5. No entanto, a suposta

eficácia dos meios de ação propugnados pelo Manual do Professor tem sido afirmada

através de artifícios mediadores e promotores de conhecimento que constrangem o

professor a se submeter à linguagem do especialista. A indicação da comissão de

avaliação do PNLD, as instrumentalizações que o livro permite, a observância das novas

5 Anne-Marie Chartier (2004, p. 75) mostra que o número de edições de um título didático indica algo da aceitação da obra pelos professores. Avalia ser “impossível manter um título e reeditá-lo regularmente se ele não tivesse sido ratificado pela profissão na prática da sala de aula".

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demandas educacionais e as credenciais acadêmicas dos autores conferem prestígio ao

conhecimento veiculado pelo livro didático. Tanto quanto as opções didáticas e

metodológicas, quem as designa e avalia se passam por indicativos de qualificação. Na

forma como esses protocolos operam sentido no Manual do Professor, as referências ao

lugar de onde o autor se pronuncia e a legitimidade do que escreveu marcam a distância

entre quem escreve sobre a prática e os docentes que procuram dar sentido prático a

uma certa “razão escolástica” (cf. BOURDIEU, 1997).

As informações que os livros de história recomendados no Guia de Livros

Didáticos PNLD-2008 reúnem sobre os autores dizem respeito as suas credenciais de

competência. Sobretudo, dão conta da titulação e da atuação profissional dos autores das

coleções. Essas referências adiantam ao leitor o lugar social em que se posicionam os

autores de livros didáticos, indicando as funções que ocupam e as instituições a partir

das quais se enunciam. A sistematização disso permite identificar quem está escrevendo

as obras didáticas e em quais circunstâncias o tem feito.

Editora Ática Formação Atuação Coleção Autor

Bach. Licen. Mest./Pós

Dr. Liv. doc.

Ens. Sup

Cons./ função

For. Cont.

Educ. Básico

Andréa Paula Hist. USP

Hist. USP

Hist. USP

Hist. USP

__ UEPG __ __ __

Carla Miucci Ferraresi Hist. USP

__ __ Hist. USP

__ __ Rede Globo

X __

História em projetos

Conceição de Oliveira Hist. USP

Hist. USP

__ __ __ __ SECAD- MEC/

Unesco

X X

Claudino Piletti Pedag. ---

__ __ Educ. USP

__ __ __ __ X História e vida Integrada

Nelson Piletti Pedag. ---

__ Educ. USP

Educ. USP

USP USP __ __ X

História Hoje Oldimar Cardoso Hist. USP

Hist. USP

Educ. USP

Educ. USP

__ __ __ __ X

Sônia Maria Mozer ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- X Descobrindo a História Vera Lúcia Pereira ---- ---- ---- ---- ---- USC ---- ---- ---

Editora Escala Educacional Formação Atuação Coleção Autor

Bach. Licen. Mest./ Pós

Dr. Liv. doc.

Ens. Sup

Cons./ função

For. Cont.

Educ. Básico

Denise Mattos Marino __ Hist. UCS

Educ. UCS

__ __ __ ONG MEC

__ __ Série Link do Tempo: História

Léo Stampacchio Hist. PUC/SP

Hist. PUC/SP

Hist. PUC/SP

__ __ __ MEC __ __

Por Dentro da História

Pedro Santiago Hist. USP

__ Hist. Unicamp

__ __ __ __ __ X

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39

FTD Formação Atuação Coleção Autor

Bach. Licen. Mest./ Pós

Dr. Liv. doc.

Ens. Sup Cons./ função

For. Cont.

Educ. Básico

Antônio Pedro __ __ __ Hist. USP

__ PUC/SP __ __ X História por Eixos Temáticos

Lisânias de Souza Lima Hist. USP

Hist. USP

Hist. USP

__ __ X Editor __ X

História em Documento

Joelza Ester Rodrigue Hist. USP

__ Hist. PUC/SP

Educ. USP

__ __ __ __ X

História, Sociedade & Cidadania

Alfredo Boulos Júnior __ __ Hist. USP

Educ. PUC/SP

__ __ FDE-SP __ X

Moderna Formação Atuação Coleção Autor

Bach. Licen. Mest./ Pós

Dr. Liv. doc.

Ens. Sup

Cons./ função

For. Cont.

Educ. Básico

Myriam Becho Mota __ __ Hist. PUC/RS

__ __ __ __ __ X História: das cavernas ao terceiro milênio Patrícia Ramos Braick __ Hist.

FCH – Itabira

__ __ __ X __ __ X

Maria Raquel A. Melani Hist. USP

Hist. USP

__ __ __ __ Editora __ __

Vitória Rodrigues e Silva __ __ Hist. PUC/SP

__ __ __ __ __ __

Maria Dolores P. Vasconcellos

Hist. PUC/SP

Hist. PUC/SP

__ __ __ __ Editora __ __

João Carlos Agostini Hist. USP

Hist. USP

__ __ __ __ Editor __ X

Cândido Domingues Granjeiro

__ __ Hist. Unicamp

__ __ __ __ __ __

Projeto Araribá: História

Fábio Duarte Joly __ __ Hist. USP

__ __ __ __ __ __

Positivo Formação Atuação Coleção Autor

Bach. Licen. Mest./Pós

Dr. Liv. doc.

Ens. Sup

Cons./ função

For. Cont.

Educ. Básico

Kátia Corrêia Peixoto Alves

Hist. UFMG

__ Hist. PUC/MG

__

__ __ __ __ X Diálogos com a História

Regina Célia de Moura Gomide Belisário

Hist. UFMG

__ Hist. PUC/MG

__ __ __ __ __ X

Carla M.ª Junho Anastasia __ __ __ Política --

__ UFMG __ __ __ Encontros com a História Vanisse Maria Ribeiro -- -- X -- -- -- -- -- X

Quinteto Editorial Formação Atuação Coleção Autor

Bach. Licen. Mest./Pós

Dr. Liv. doc.

Ens. Sup

Cons./ função

For. Cont.

Educ. Básico

Maria Luísa Vaz __ Hist. USP

Hist. USP

Hist. USP

__ __ __ __ __ Navegando pela História

Silvia Panazzo __ Hist. PUC/SP

__ __ __ __ __ __ X

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40

Saraiva Formação Atuação Coleção Autor

Bach. Licen. Mest./Pós

Dr. Liv. doc.

Ens. Sup

Cons./ função

For. Cont.

Educ. Básico

Eliete Toledo Hist. USP

__ __ __ __ __ __ __ X História: conceitos e procedimentos

Ricardo Dreguer Hist. USP

__ __ __ __ __ __ __ X

Saber e Fazer História

Gilberto Cotrim Hist. USP

__ Educ. Mac-

kenzie

__ __ __ Advogado __ __

Scipione Formação Atuação Coleção Autor

Bach. Licen. Mest./Pós

Dr. Liv. doc.

Ens. Sup

Cons./ função

For. Cont.

Educ. Básico

Andréa Rodrigues Dias Montellato

Hist. PUC/SP

Hist. PUC/SP

__ __ __ __ __ X X

Conceição Aparecida Cabrini

Hist. PUC/SP

Hist. PUC/SP

Comu-nicação USP

__ __ __ __ __ X

História Temática

Roberto Cotelli __ __ Hist. USP

__ __ __ __ __ X

Historiar Dora Schmidt __ __ Educ. --

Hist. --

__ UFPR __ __ __

Leonel Itaussu de Almeida Mello

Sociais USP

__ Sociais PUC/SP

Política USP

__ USP __ __ __ Construindo Consciências: História Luís César Amad Costa Sociais

USP __ Direito

PUC/SP Direito PUC/SP

__ FGV __ __ __

Nesse conjunto de 38 autores, há uma nítida predominância de bacharéis e

licenciados pelos cursos de História da Universidade de São Paulo e da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo. São 18 ocorrências de autores com essa formação,

47% do total dos autores das coleções e 90% dos autores que declaram sua formação

inicial nos livros didáticos. Também predominam os autores com titulação obtida nos

programas de pós-graduação dessas universidades. Há o registro de 14 mestrados e de

11 doutorados realizados na USP e/ou na PUC-SP. Entretanto, nesses níveis de

especialização, nem sempre a titulação do autor é em história. Nelson Piletti e Oldimar

Cardoso fizeram seus estudos de mestrado e doutorado em educação na USP, Denise

Mattos Marino é mestre em educação pela Universidade Católica de Santos e Gilberto

Cotrim pelo Mackenzie. Claudino Piletti e Joelza Ester Rodrigue possuem

doutoramento em educação pela USP e Alfredo Boulus Júnior pela PUC-SP. Em

história, Andréa Paula e Maria Luísa Vaz realizaram seus mestrados e doutoramentos na

USP, Alfredo Boulos Júnior, Lisânias de Souza Lima e Fabio Duarte Joly possuem

mestrado pela USP e Joelza Ester Rodrigue, Léo Stampacchio e Vitória Rodrigues e

Silva pela PUC-SP.

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Áreas de Formação 

Embora as diversificações nesse quadro mostrem haver outros percursos de

formação não escapam da lógica de legitimação verificada na apresentação dos autores

presente nas coleções didáticas. Assim, a presença de autores egressos dos cursos de

história da UFMG, da licenciatura da Faculdade de Ciências Humanas de Itabira e de

ciências sociais da própria USP entre os livros indicados pelo PNLD-2008 de história

exprime a mesma linguagem institucionalmente articulada aos signos da competência

universitária. Mais ainda, a recomendação de autores formados nos programas de pós-

graduação em Ciências Sociais, Ciências Políticas, Comunicação e Direito da USP e da

PUC-SP ou em História da Unicamp, da PUC-MG e da PUC-RS reforçam essas

credenciais. Ao todo são 26 os autores de livros didáticos de história recomendados

pelo PNLD-2008 que indicam ter concluído estudos de pós-graduação, cerca de 68% do

total. Mais homogênea é a origem regional dessas produções, inteiramente concentrada

nas regiões Sul e Sudeste. Não há referências institucionais fora do eixo São Paulo (30),

Minas Gerais (5), Paraná (2) e Rio Grande do Sul (1). Esse predomínio coincide com a

concentração em São Paulo de 7 das 8 editoras de livros didáticos recomendadas pelo

Guia de Livros Didáticos PNLD – 2008: História.

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Quanto à atuação profissional, as referências ao exercício da docência na

educação básica são um quesito sempre indicado. Essa indicação é utilizada por 22 dos

autores, quase 58% dos casos. Apesar de mostrar experiência em sala de aula, ela é

complementar aos outros apontamentos de atividade profissional ou titulação. Sem

maiores especificações sobre o enquadramento funcional na carreira e se permanece em

exercício, a informação apenas registra uma passagem pela profissão que é a daqueles a

quem se dirigem no Manual do Professor. Não é o que ocorre com as indicações acerca

da docência no ensino superior, realizada por 10 dos autores, quase 1/3 do conjunto.

Geralmente, dá-se conta da instituição e disciplina o que permite perceber algo da

dispersão profissional dos autores que vem publicando livros didáticos na área de

História. André Paula, Vera Lúcia Pereira, Antonio Pedro e Carla Anastácia lecionam

história na UEPG, USC, PUC-SP e UFMG respectivamente. Nelson Piletti é professor

livre docente de História da Educação aposentado da USP, Leonel Iaussu ensina

ciências políticas também na USP e Luís César Amad Costa direito comercial na FGV.

Dora Schmidt leciona Metodologia e Prática do Ensino de História na UFPR. Há

também a menção de trabalhos junto aos docentes, em programas de formação

continuada (4), de assessoria aos órgãos públicos (4) de consultoria à empresa (1) e

organização não-governamental (1).

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A construção formal e coerente dos procedimentos didáticos que a titulação e

atuação profissional dos autores legitimam e o Manual do Professor realiza não se

desfaz, portanto, daquilo que Roger Chartier (1991, p. 186) qualificou de “sentido das

formas”. Trata-se do caráter de evento dos discursos, isto é, da ideia de que os textos

são, mais do que os temas que tratam, o resultado de uma prática. Assim, as regras que

governam a produção das obras e a organização das práticas não definem apenas os

padrões de incorporação das divisões da organização social na forma de representações

coletivas, são percebidas enquanto formas do exercício de um poder. Para Chartier

(1991, p. 184), a reflexão sobre a definição das identidades sociais depende de

instrumentos capazes de investir de pertinência operatória “as estratégias simbólicas que

determinam posições e relações e que constróem, para cada classe, grupo ou meio, um

ser-percebido constitutivo de sua identidade”. Nesse sentido, a identificação de quem

está escrevendo as obras didáticas e em quais circunstâncias o tem feito são princípios

de inteligibilidade que convém observar antes de se tentar ajustar a compreensão das

representações acerca do ensino e da docência às divisões socioprofissionais do campo

educacional. Se não esclarecem muito sobre o perfil da obra e da rede de compromissos

e interações entre os indivíduos que as escrevem e consomem, o lugar a partir do qual se

enunciam as prescrições contidas no Manual do Professor e as circunstâncias que as

fazem concebíveis, comunicáveis e compreensivas, ao menos, advertem sobre a

estratificação que há nos meios de expressão do tipo de discurso que se pretende

analisar.

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De outra parte, a competência outorgada pelas editoras e pelos avaliadores do

MEC aos especialistas que publicam as obras didáticas submete o discurso sobre a

prática de ensino ao que Marilena Chauí (1989, p. 10) uma vez designou de norma

restritiva do “não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em

qualquer lugar e em qualquer circunstância”. Nesses termos, a noção de competência

tem a função precisa de marcar a desigualdade entre a fala e o saber do especialista e os

receptores do conhecimento. Contudo, segundo esclarece Chauí (1989, p. 13), sua

eficácia social como discurso do conhecimento consiste em permitir ao não-especialista

a ilusão de participar do saber. Daí a elaboração de uma série de discursos segundos ou

derivados parecer ser a muitos críticos uma das maneiras mais eficazes de outorgar

competência aos interlocutores que puderem assimilá-los. Para Chauí (1989, p. 146), a

elaboração de discursos de popularização do conhecimento serve apenas para ocultar

uma desigualdade social e econômica6.

Sob o signo da organização burocrática e do mercado editorial, o Manual do

Professor tanto mais reforça a idéia de competência quanto indulgentemente permite ao

docente interiorizar as práticas do seu ofício, confirmando, ainda nos termos de Chauí

(1989, p. 13), a legitimidade daqueles a quem a burocracia e a organização

determinaram previamente como autorizados a falar. Em muitos sentidos, seu discurso é

um derivado do conjunto de obras que referencia e indica para o professor. O Manual do

Professor se passa, assim, por um guia para o trabalho do dia-a-dia. Sobretudo visto a

partir da sua utilidade para a atualização e formação continuada do magistério e,

portanto, do programa e das práticas que orienta, repousa na suspeita dos professores

não terem tido formação adequada ou experiência suficiente. Conforme observa Torres

(1998, p. 157), num programa de distribuição de livros didáticos formulado em função

de tamanha desconfiança em relação ao professorado em vez do texto escolar estar a

serviço do professor ocorre o inverso: “esse tipo de texto, embora pensado para o

professor de escassa formação e experiência (...) homogeneíza os docentes e perpetua a

crescente dependência do professor com relação ao livro didático, reservando-lhe um

6 Para Marilena Chauí (1989, p. 147) o discurso competente institui regras de interdição, exclusão e monopólio sobre o saber sendo que “não é qualquer um que pode dizer qualquer coisa a qualquer outro em qualquer lugar sob qualquer circunstância”, “são erguidas barreiras e distâncias entre cada indivíduo e sua experiência” e o monopólio da informação permite uma “manipulação demagógica da cultura como coisa pública e fazer coletivo, com algo a que todos têm acesso e como promessa ilusória de uma sociedade transparente na qual todos se comunicam com todos”.

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papel de simples manipulador de textos e manuais, limitando de fato sua formação e

crescimento”.

A distinção que Chauí opera entre a fala e o saber do especialista e os receptores

do conhecimento é de certa forma confirmada por Torres quando se reconhece o

Manual do Professor como insumo de serviço. Certeau (1994) prefere pensar questões

desse tipo nos termos de um arranjo feito com “autoridades fantasmadas e ausentes” e

seus “aparelhos de encarnação”. Embora também ele reconheça nos textos com estatuto

de ser aplicáveis, um meio para encarnar as práticas, adverte que a capacidade

instrumental das operações informadoras ou reformadoras depende daqueles que farão

se moverem. Contrariamente ao que o constante aperfeiçoamento da visibilidade e do

reticulado dos instrumentos capazes de disciplinar não importa que grupo humano faz

pensar, Certeau (1994) mostrou que os meios de fabricar autoridade e conformidade não

escapam aos artifícios e subterfúgios de resistência das pessoas comuns diante dos

empreendimentos que queiram desapossá-las e domesticá-las. Nesse modo de

compreender a construção social do discurso competente, em vez de mera manifestação

de uma exigência de interiorizar regras e normas, o Manual do Professor pode ser

percebido como uma fonte de pesquisa a respeito das formas como se vêm tratando os

paradigmas organizadores do discurso sobre as práticas de ensino.

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  CAPÍTULO 02

A Produção Didática da História nos Manuais de

Ensino para Professores 

Atualmente, o Manual que acompanha o exemplar do professor dos livros

didáticos propõe referenciais e preocupações sobre o como, o que e por que ensinar cujo

estudo permite amealhar pressupostos teóricos e elementos metodológicos constitutivos

de uma disciplina escolar. Trata-se de um artifício editorial que, diante das necessidades

da sala de aula e das demandas postas pelas políticas educacionais, adquiriu relevância

como instrumento de orientação e atualização do professor. A atenção a este fato na

análise dos manuais do professor dos livros recomendados pelo Programa Nacional do

Livro Didático-2008 (PNLD) na área de História apontou um conjunto específico de

aspirações práticas, de regras didáticas e de pressupostos teóricos que julguei merecer

análise sistematizadora. Não só porque o Manual do Professor mantêm relação com um

sistema construído consoante categorias, esquemas de percepção e de apreciação, regras

acerca do que e como deve ser ensinado, é visto aqui como uma fonte de pesquisa a

respeito das formas como se vêm aplicando, para fins didáticos, os paradigmas

organizadores do discurso sobre as práticas de ensino. Sobretudo, suas próprias

condições de produção remetem para a maneira como ele as cria. Nesse sentido, a lógica

que se escolheu para legitimar uma escolarização e as práticas sobre as quais se

encontra fixada constituem a problemática da análise.

Interrogando-me sobre a lógica por meio da qual o Manual do Professor

promulga e justifica determinadas intenções básicas do ensino de História e as práticas

de escolarização ali consideradas importantes e significativas, procurei abordar as

instituições e as regras que governam a produção didática desse tipo de texto.

Inicialmente, seguindo um padrão definido por Klaus Bergmann (1989), identifiquei os

pressupostos, condições e metas da aprendizagem, os métodos e a possibilidade de

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estruturação dos conteúdos e as técnicas e materiais de ensino e as várias possibilidades

da representação da História, seja no ensino ou nos ambientes fora da escola. A seguir,

tracei os contornos dos dados e comparei os resultados. Após organizar os esquemas de

percepção e a concepção de ensino das diferentes coleções recomendadas pelo PNLD-

2008 na área de História optei por duas tópicas. A primeira diz respeito ao inventário do

instrumental metódico e teórico da História, dos critérios para seleção dos conteúdos e

das orientações e atitudes assumidos por tais obras. A segunda cinge-se ao cotejo das

rotinas de trabalho sugeridas e que se solicita realizar. Portanto, discuto aqui o Manual

do Professor como peça de prescrição de certezas metodológicas e controle técnico da

prática de ensino.

Inventário do instrumental metódico e teórico do ensino da História, dos critérios para seleção dos conteúdos e das orientações e atitudes

Empreender o inventário do instrumental metódico e teórico do ensino de

História, dos critérios para seleção dos conteúdos e das orientações com os quais

operam os manuais do professor é procedimento que permite apreçar melhor o livro

didático enquanto dispositivo de prescrição de modelos pedagógicos. Pois, como lembra

Anne-Marie Chartier (2007, p. 149), poder-se-ia esperar que “o livro do professor

explicitasse as escolhas e as rejeições dos autores, assim como suas prioridades”, e

fizesse que aqueles que o utilizassem percebessem o que ele possibilita e o que restringe

ou dificulta, entretanto, “é mais vendável dizer que um manual responde a tudo...”.

Nesse sentido, o exame das definições que legislam sobre as práticas de ensino visa o

entendimento dos valores e objetivos da matéria, “o estudo da forma como a definição

pré-ativa pode estabelecer parâmetros para a ação e negociação interativa no ambiente

da sala de aula e da própria escola”, na maneira de dizer de Ivor Goodson (1995, p. 21).

O enfoque sobre o que está prescrito acerca da prática de ensino no Manual do

Professor pareceu-me útil para pensar os parâmetros segundo os quais tem sido

organizado o discurso a respeito da aula de história. Portanto, minha perspectiva aqui

foi a de entender e situar o que se solicita que o docente de história faça da sua prática a

partir da elaboração de um mapa ilustrativo das recomendações pedagógicas para

lecionar a “matéria”.

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Principiei, então, pela análise da organização recorrente dos textos do Manual do

Professor. Rigorosamente, os pressupostos teóricos, a metodologia, as propostas

didáticas e de avaliação, as indicações de material de apoio e o desenvolvimento das

atividades configuram o formato do suplemento pedagógico. Essa disposição de tópicos

quase não varia de uma coleção para outra, sendo que só a última delas é especifica para

cada série do ensino. Em cada um desses tópicos afirma-se o propósito da coleção, são

proclamados os principais aspectos do programa adotado. Esse protocolo de leitura dos

manuais do professor segue muito de perto as estratégias metodológicas recomendadas

no edital de convocação para inscrição no processo de avaliação e seleção de obras

didáticas do PNLD-2008 para a área de história, no qual se diz: O manual do professor é uma peça importante no esclarecimento das propostas

do livro didático. Deverá conter orientações que explicitem os pressupostos teóricos, procurando a coerência entre estes pressupostos e a apresentação dos conteúdos no livro do aluno, e as atividades propostas. O manual do professor deve ser elaborado com a participação autor do livro. Deve estar clara a opção teórica e metodológica do autor, fornecer bibliografia diversificada e outros recursos que contribuam para a formação do professor, e, ainda trazer orientação visando à articulação dos conteúdos do livro entre si e com outras áreas de conhecimento. Deve ainda apresentar potencialidades do livro didático, variedade de caminhos que podem ser seguidos a partir dos recursos apresentados no livro e trazer informações complementares às legendas das imagens constantes no livro, incentivando o professor a iniciar seus trabalhos – como mais uma opção – pelo debate destas. Além disso, é desejável que o manual estimule o professor a compreender a leitura docente como parte constitutiva das suas condições de trabalho e que seu local de atuação (cidade, bairro, sítio deve e pode ser utilizado como fonte de recursos e materiais didáticos por meio dos seus museus, arquivos, praças, meio-ambiente, e toda a cultura material ai envolvida (jornais, roupas, objetos etc.). Deve conter proposta e discussão sobre avaliação da aprendizagem e sugestões de atividades e de leituras para os alunos (BRASIL, 2007, p. 47-48).

Embora os principais protocolos de leitura desse tipo de texto coincidam nas

coleções recomendadas pelo Guia de Livros Didáticos PNLD – 2008: História, o

extenso e rico repertório de práticas e estratégias de ensino que veiculam, sobretudo,

permite tratar dos parâmetros metodológicos do ensino de história reconhecidos e

propugnados. Os pressupostos teóricos da construção do material didático e as demais

opções didático-metodológicas do Manual do Professor dão acesso a um prospecto da

escolarização, ligam-se a seus roteiros e motivos práticos. Assim, prestam-se a

esquadrinhamentos diversos.

Dispõe-se, em primeiro lugar, de uma ampla série de condições e metas de

aprendizagem da história. Fundamentalmente, os manuais do professor dos livros

didáticos de história informam que relacionar ensino, aprendizagem e pesquisa,

valorizar a interdisciplinaridade, considerar a diversidade social e as realidades dos

alunos, empregar métodos ativos e discutir as mudanças da historiografia nas últimas

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décadas são condições do ensino da matéria. As várias coleções recomendadas pelo

PNLD-2008 mostram diferenças consideráveis na maior ou menor ênfase que dão para

esses recursos. Contudo, não escapa aos esclarecimentos de nenhuma delas comentários

que pressuponham a articulação entre procedimentos e recursos de aprendizagem e

debates historiográficos. Como os pressupostos, também os propósitos que se julga

importar ao ensino da história variam de maneira considerável nos diferentes manuais.

Igualmente, é o caso de se perguntar sobre as tendências principais, as ambições em

comum que esses textos apresentam.

Os manuais do professor das atuais coleções didáticas de história não perderam

os ganhos relacionados aos debates e confrontos surgidos no final do período da

ditadura militar7. Incorporaram a ambição de promover a postura crítica dos alunos e a

percepção de que são sujeitos e construtores da própria história. Nesse sentido, existe a

expectativa quanto a um trabalho que possibilite “a formação do juízo crítico”

(MODERNA, 2006, p. 6) ou mesmo que sirva para o aluno se situar “conscientemente

no mundo, além de conhecer de maneira crítica a sua herança pessoal e coletiva”

(SCHMIDT, 2002, p. 4). A relevância política dessas finalidades tem a ver com o

esforço de fazer do ensino de história um meio de formar para o exercício consciente da

cidadania8. “Formar cidadãos para uma vida solidária e democrática” (MODERNA,

2006, p. 6) “fazer da reflexão histórica um instrumento da construção da cidadania”

(SANTIAGO, 2006, p. 4), “auxiliar os alunos a se transformarem em cidadãos”

(CARDOSO, 2007, p. 3), “compreender a cidadania como exercício de direitos e

deveres” (BOULOS JR, 2006, p. 3) são propósitos consensuais do ensino de história

7 Reflexões como as realizadas por Fonseca (2003), Bittencourt (1997) e Silva e Antonacci (1990) afirmam que o ensino de história que se esboçou no período de redemocratização resultou da necessidade de superar o ensino identificado com a ditadura, a opressão, a ausência de liberdades e a negação de direitos. Assim, a renovação do ensino de História no início da nova República envolveu opções pelos eixos temáticos e a recusa de esquemas explicativos prévios, ausência de pontos de partida e de chegada fixos para as situações de aprendizagem, reflexões sobre as experiências cotidianas de professores e alunos, diálogo presente/passado e conceitos/realidade. 8 No Guia de Livros Didáticos PNLD-2008, a construção da cidadania é um item de avaliação das coleções didáticas de História. Segundo fica explícito no documento, neste quesito se considera se a coleção “aborda a diversidade das experiências humanas com respeito e interesse, se estimula o convívio social, o respeito, a tolerância e a liberdade; se abrange a formação da cidadania no conjunto do texto didático e não apenas nas atividades ou em um capítulo, relacionando-a ao conteúdo histórico; se aborda as temáticas das relações étnico-sociais e de gênero, considerando o combate ao preconceito, à discriminação racial e sexual e à violência contra a mulher, com vistas à construção de uma sociedade anti-racista, justa e igualitária”.

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que, em alguns casos, têm-se mostrado instituinte da organização pedagógica da

disciplina9.

Outra pauta de objetivos que vem dominando as propostas de ensino de história

dos manuais do professor diz respeito às competências e habilidades que se procura

desenvolver por meio das aulas dessa disciplina. Sobretudo, listam-se as exigências

intelectuais da compreensão histórica: manejar quantidades, empregar conceitos,

comparar, construir idéias, questionar a realidade, compreender o sentido das idéias de

anterioridade, posterioridade e simultaneidade, adquirir informações. No entanto, as

recomendações dos manuais ainda incluem preocupações com o desenvolvimento de

atitudes de participação, de valorização do patrimônio e de respeito a diversidade de

culturas e modos de vida, por exemplo. Para adotar as noções de competência e

habilidade, as orientações de ensino assumem ainda como tarefa operar sobre as ações

cotidianas da aprendizagem. Assim, desenvolver a competência leitora e a capacidade

de escrita e as habilidades procedimentais, como usar medidas de tempo e localizar

acontecimentos, tem sido uma preocupação muito presente em algumas coleções

didáticas de história.

Às discussões acerca das condições e finalidades do ensino de história associam-

se as preocupações com os métodos e as possibilidades de estruturação dos conteúdos

da disciplina. Nesse aspecto, ao classificar as coleções de acordo com a organização dos

conteúdos, o Guia de Livros Didáticos parece ter capturado as principais possibilidades.

Assim, o Guia reúne as dezenove coleções que apresenta em quatro blocos: História

Temática, cuja proposta da coleção é organizada por temas, História Integrada, na

qual o tratamento proposto pelas coleções oferece concomitantemente a História do

Brasil, a da América e a da História Geral, História Intercalada, que ordena, sem

relacionar, a História do Brasil e da América junto com a História Geral e História

Convencional que trata da História do Brasil nas séries iniciais do segundo ciclo e

história Geral nas suas séries finais.

No entanto, há especificidades quanto ao que se anuncia nos manuais sobre a

ordenação dos conteúdos em etapas ou eixos. Por um lado, a sequenciação cronológica 9 Bittencourt (1997, p. 21) adverte que, de maneira geral, “a explicitação do conceito de cidadão que aparece nos conteúdos é limitada à cidadania política, à formação do eleitor dentro das concepções democráticas do modelo liberal”. Já a cidadania social, segundo a autora, tem sido pouco caracterizada e apenas esboçada em algumas poucas propostas de ensino da história. Conceitos de igualdade, justiça, de diferenças, de lutas e conquistas de compromissos e de rupturas ainda não são um objetivo do ensino da história claramente formulado quanto ao seu papel na formação política dos alunos, implicando, assim, a necessidade de uma revisão mais profunda dos conteúdos da disciplina.

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é assumida e justificada como forma de favorecer a compreensão dos acontecimentos no

decorrer do tempo. Por outro, as coleções organizadas em módulos coordenados por

temas, em eixos de estruturação da matéria e dos materiais lembram que a realização de

estudos comparados auxiliam o entendimento “das mudanças, permanências,

continuidades, semelhanças e diferenças observáveis entre variados processos

históricos” (MARINO, STAMPACCHIO, 2005, p. 10). A polarização entre ambas as

propostas de articulação dos conteúdos também tem a ver com a fundamentação

histórica das coleções. A organização temática da história favorece o ensino da história

social, permitindo romper a periodização linear e valorizar grupos sociais diversos, os

seus movimentos de reivindicação e lutas. Já a sequenciação cronológica privilegia a

história política, em muitos sentidos, acentuando o papel histórico dos Estados-nação na

organização dos períodos de tempo.

É suplementar a essa discussão sobre os critérios de seleção e estruturação dos

conteúdos a dos métodos e procedimentos de aula. Os manuais do professor das

coleções didáticas de história principalmente sugerem que o ensino de história se dê por

interação, através do diálogo, do debate e da discussão. O uso de questões motivadoras

(CABRINI, MONTELLATO, CATELLI JR., 2002), a ênfase na leitura (MODERNA,

2006) e na aprendizagem significativa (STAMPACCHIO; MARINO, 2005; SCHMIDT,

2002; PAULA, FERRARESI, OLIVEIRA, 2006) são recursos centrais em algumas

dessas coleções. De modo geral, os manuais lembram que o ensino da história contribui

para a formação intelectual do aluno quando há indagações e críticas. Considerar a

realidade do aluno, trabalhar a idéia de simultaneidade, conjugar aspectos sociais,

políticos, econômicos e culturais que compõe o processo histórico são procedimentos

improváveis de ocorrer sem uma aproximação dinâmica entre professor e aluno.

Segundo os manuais do professor, tanto as explicações quanto os procedimentos

investigativos devem ensejar a possibilidade de os professores desenvolverem junto aos

alunos habilidades de observação, análise, comparação, estabelecimento de relações e

construção de conceitos e a competência leitora. Mediador no processo de

aprendizagem dos alunos, o professor é impelido a atuar para criar uma relação ativa e

crítica do aluno com a cultura e a sociedade em que está inserido. Nesse sentido,

valoriza-se o trabalho com documentos e materiais auxiliares, estudos do meio, busca de

informações em arquivos locais, estudos do patrimônio, dos monumentos, do cinema,

da arte, da literatura e dos meios de comunicação impressa e audiovisual como forma de

operar o ensino nas aulas de história.

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Também recorrente quando se trata de discutir as prescrições de ensino, os

critérios para seleção dos conteúdos são o pressuposto das necessidades, dos objetivos e

das funções educativas. A opção pela história cronológica da maior parte dos manuais

do professor fundamenta-se ainda como abordagem didática. Em alguns casos, essa

abordagem é vista como aquela que “melhor se ajusta ao desenvolvimento

psicocognitivo do educando para o qual se destina a coleção” (RODRIGUE, 2006, p. 5).

Em outros, a perspectiva cronológica serve de critério para organizar um sistema de

adaptação que “permita localizar acontecimentos no tempo, identificar sua duração e

relacioná-los” (MODERNA, 2006, p. 7). Já nas coleções temáticas, os princípios

didáticos e a metodologia que determinam os recortes programáticos insistem na

interação com outros métodos e conteúdos de diferentes áreas do conhecimento, na

problematização do cotidiano e na relação passado-presente como forma de conduzir a

aprendizagem da história. A maior ou menor ênfase sobre a possibilidade de trabalho

por projetos (CABRINI, MONTELLATO, CATELLI JR, 2002; PAULA, FERRARESI,

OLIVEIRA, 2006), os processos de ensino-aprendizagem voltados para a assimilação

gradativa de conceitos (PEDRO, LIMA, 2006; TOLEDO, DREGUER, 2006), as

especificidades da faixa etária (SCHMIDT, 2002; RODRIGUE, 2006) e as

competências, habilidades e atitudes geradas na sala de aula (STAMPACCHIO;

MARINO, 2005; MODERNA, 2006) igualmente estabelecem as diferenças de

concepção dessas coleções quanto aos objetivos e ao papel educativo do ensino de

história.

Ainda aqui há critérios comuns de seleção dos conteúdos. O principal deles diz

respeito ao que se considera significativo para a realidade dos alunos. A ideia de que os

conteúdos selecionados devem se relacionar com a realidade dos alunos para ser

significativos está presente na maior parte das coleções didáticas de história

recomendadas no PNLD-2008. Não obstante as opções teóricas ou metodológicas, os

manuais do professor dessas obras concordam que a vida cotidiana dos alunos, a sua

história e a história da sua gente e da localidade onde esses jovens vivem importam ao

ensino da matéria10. Contudo, a maneira de propor ações nesse sentido diverge segundo

a perspectiva do estudo de história adotado em cada coleção. Rodrigue (2006, p. 6), por

exemplo, entende que centrar a aprendizagem na realidade mais próxima do aluno não

10 No Edital de convocação para inscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas afirma-se que o texto deve ser capaz de envolver o aluno, considerado como sujeito que tem consciência de estar, ao seu modo fazendo história. Assim, é exigido que os manuais de uso desses livros considerem a realidade local como fonte de recursos e materiais didáticos.

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significa aproximar o conteúdo exclusivamente da atualidade social do educando, “mas

também entender as motivações intrínsecas que estimulam os interesses e as

necessidades psíquicas do pré-adolescente”. Schmidt (2002, p. 9) faz da própria

juventude um eixo articulador na organização dos conteúdos e protagonista da história.

Para Melo e Costa (2006, p. 6) a realidade do aluno é “algo além das experiências

estritamente ligadas ao dia-a-dia, mas que engloba as diversas realidades mostradas pela

televisão, jornais, revistas, internet”. Em outras coleções, a recomendação para

entrevistar familiares, visitar museus e instituições da cidade e trabalhar com

documentação local segue nessa direção, sublinhando que a história local e a memória

conferem sentido à aprendizagem da história. Outra compreensão do que se pode

considerar conteúdo no ensino de História vem sendo estabelecida por algumas coleções

quando enfatizam o papel das reflexões e atitudes desenvolvidas pela classe na

aprendizagem. Principalmente, Stampacchio e Marino (2006) e Cabrini, Montellato e

Catelli Jr., (2002) entendem como conteúdos curriculares também o conhecimento

coletivo, as competências, habilidades, conceitos, procedimentos e clima gerado em sala

de aula. Sem ser hegemônica, essa postura é uma tendência que inclui os processos de

aprendizagem entre as orientações para o professor de história.

Ainda como algo relevante a ser notado, encontra-se no Manual do Professor de

qualquer uma das coleções recomendadas pelo PNLD 2008 uma série de propostas para

a avaliação dos alunos. Em geral, trata-se da definição e da aplicação dos processos de

avaliação escolar. Nesse sentido, a primeira preocupação é com o conceito de avaliação.

O comum tem sido propor a avaliação como um processo contínuo, composto por

diversos instrumentos, e de aspecto global e dinâmico visando acompanhar o processo

de ensino e aprendizagem. Sobretudo, enfatiza-se o aspecto qualitativo da avaliação,

numa perspectiva de acompanhamento continuado das aprendizagens e das dificuldades

dos alunos. Os manuais do professor das coleções didáticas de história propugnam um

avaliação formativa e que ocorre para orientar o aluno sobre seu próprio desempenho e

o professor acerca dos seus diagnósticos. O texto dos manuais do professor também se

ocupa com os procedimentos que a avaliação deve viabilizar. As recomendações

principalmente insistem que a avaliação deve ser ela mesma um momento de

aprendizagem, contemplar as especificidades e habilidades prévias dos alunos e ser vista

como uma comprovação para o aluno de seus progressos em direção a um

conhecimento sistematizado. Ao professor, a avaliação deve servir para o planejamento,

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propiciando-lhe instrumentos para questionar suas práticas e estratégias e o alcance dos

seus propósitos.

As seções sobre a avaliação dos manuais do professor que acompanham as

coleções didáticas de história também sugerem os meios de realizá-la. Assim, das

indicações consta desde as tarefas mais cotidianas até as atividades avaliativas mais

sistematizadoras. As tarefas de casa, a observação sistemática das atividades em sala, a

análise das produções dos alunos constituem um conjunto de tarefas cotidianas que se

recomenda registrar e avaliar continuamente. Mais sistemáticas e habituais, as

avaliações parciais, as atividades específicas para a avaliação, a organização de debates

e a realização de seminários não deixam de ser recomendadas como instrumentos de

verificação das aprendizagens. A importância de estimular a participação do aluno nos

processos de avaliação aparece como tendência. Em alguns dos manuais das coleções

didáticas de história sublinha-se a utilidade de explicitar ao aluno a forma como a

avaliação se realiza, os meios utilizados e os objetivos a serem alcançados (cf.

SCHMIDT, 2002; SANTIAGO, 2006; COTRIM, 2002). A prática da autoavaliação por

parte dos alunos e a busca de formas cooperativas de avaliar constituem sugestões nesse

mesmo sentido. A orientação de explicitar para os alunos os critérios pelos quais são

avaliados e de estabelecer critérios coletivos de autoavaliação dos estudantes aponta

para formas de estimular a participação na sala de aula.

Quanto ao que é preciso ser avaliado, reitera-se sobremaneira a aquisição de

habilidades e competências. Mais que o saber histórico e os marcos de aprendizagem

estabelecidos pelos conteúdos, preocupa o desenvolvimento das linguagens, as

habilidades de observação, interpretação, análise e estabelecimento de relações, a

capacidade de interpretar textos e imagens, elaborar conclusões, relacionar assuntos e

definir conceitos. Nesse âmbito, avaliar é sobretudo sondar competências específicas,

certificar-se do domínio de certas habilidades básicas de compreensão e raciocínio.

Assim, o patrimônio e a cultura que a história leva a partilhar pouco mobilizam no

momento de definição dos critérios de avaliação. Não obstante tratarem pouco da

avaliação de questões desse tipo, os manuais do professor das coleções didáticas

recomendadas pelo PNLD-2008 referenciam principalmente a capacidade de elaborar

conceitos ou construir novos conhecimentos históricos e de elaboração da idéia de

anterioridade, posterioridade e simultaneidade entre as competências e habilidades que

se precisa avaliar.

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A quase totalidade das coleções fornece, no Manual do Professor, um sortido

repertório de orientações sobre as competências, as habilidades e atitudes que convém

cultivar no aluno por meio do ensino de História. Um aspecto desse repertório diz

respeito às habilidades cognitivas: capacidade de análise, raciocínio, inferência,

interpretação crítica, síntese, juízo de valor no manejo das fontes de informação. Outro

aspecto se relaciona com habilidades de observação, identificação e compreensão e de

realizar demonstração, debate, relação e pesquisa. A competência leitora e escritora

também é observada e, assim, o reconhecimento e trato com fontes escritas,

iconográficas, mapas temáticos, gráficos e tabelas, a simples localização de

informações, o relacionamento e integração de segmentos do texto, a construção de

argumentos para avaliar e julgar idéias. Sobretudo se insiste que o ensino da história

serve à aquisição da capacidade de ler e interpretar textos de linguagem verbal, visual e

enunciados, construir e contestar argumentações e usar melhor as informações

acumuladas. Quanto às atitudes que cumpre o ensino de história promover, as

intelectuais e socialmente tolerantes, as investigativas e de respeito aos valores humanos

predominam. Em geral, nesse aspecto, trata-se do ensino de História como que de um

instrumento de agenciamento da postura do aluno. Por essa razão, aos manuais do

professor das coleções didáticas de história interessa lembrar a postura intelectual ativa

e participativa do aluno como um resultado necessário do ensino da matéria.

Em meio aos modos de dar inteligibilidade às práticas de ensino que acredita

viabilizar, o Manual do Professor entretece referências de leitura e de trabalho cuja

utilidade e importância procura ressaltar. Por um lado, o levantamento das citações

realizada nos textos da parte comum dos manuais do professor e, por outro, o estudo das

recomendações sobre o uso e aplicação do livro didático em sala de aula permite ter

uma ideia do tipo de trabalho que se solicita do docente de história. A citação dos

Parâmetros Curriculares Nacionais é feita em cerca da metade dos manuais das coleções

analisadas. De certa forma, a justificativa das opções de conteúdo e dos critérios de

trabalho ocorre segundo o que está estabelecido nos parâmetros curriculares nacionais

de história. As outras fontes legais indicadas não têm o mesmo alcance e são específicas

de uma ou outra coleção. Assim são os casos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional e da Resolução CNE/CEB n.º 2, de 7 de abril de 1998, que instituiu as

diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental. Igualmente esporádicas, as

referências às avaliações internacionais como o Programa Internacional de Avaliação de

Estudantes (PISA) lembram o mal desempenho do Brasil e a necessidade do próprio

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ensino de história contribuir para a melhoria dos índices de proficiência em leitura (cf.

MODERNA, 2006, p. 8). Quanto aos autores de referência, geralmente não há menção

nos textos da parte comum dos manuais do professor das coleções didáticas de história

embora as sempre numerosas referências bibliográficas indiquem preferências e

esclareçam sobre a fundamentação teórica dos autores11. Quando ocorrem as citações

diretas, sobretudo predominam as referências aos trabalhos de Jacques Le Goff e Eric

Hobsbawn. No mais, as orientações dos manuais do professor provêm das próprias

convicções dos seus autores do que seja um bom trabalho de ensino da história. Ainda

que tão variadas quanto as coleções recomendadas pelo PNLD-2008, as sugestões de

procedimentos constituem conjuntos bem definidos de práticas e de estratégias que

atualmente parecem determinar a didática da história.

Nesse sentido, uma primeira tendência definida de orientações aponta para o uso

de diferentes linguagens no trabalho com a disciplina de história. O texto jornalístico, a

literatura, os mapas históricos e iconografia, os poemas, as canções, a memória oral e os

filmes constituem gêneros que se recomenda tratar com o propósito de ensinar história.

Outro conjunto de recomendações diz respeito ao registro das situações de

aprendizagem. À parte dos manuais do professor das coleções didáticas de história

preocupa a elaboração de instrumentos capazes de registrar os resultados do ensino e

indicar as necessidades de intervenção e reorientação dos processos de ensino e de

aprendizagem12. As diversas formas de registro das atividades cotidianas e do

desempenho dos alunos então sugeridas principalmente convidam o professor a planejar

a sua prática a partir das informações assim obtidas. Também os apontamentos sobre os

procedimentos de aula definem um conjunto comum de recomendações. Entre a

utilidade da aula expositiva e do trabalho em grupo até a capacidade do professor

problematizar os processos históricos que ensina, muito é dito nos manuais do professor

a respeito das estratégias de ensino da história. A começar pelas competências que o

ofício de historiador exige: interpretar a experiência histórica, conhecer o processo de

construção da historiografia e os conceitos e as categorias do discurso historiográfico,

os conteúdos históricos, a especificidade do conhecimento histórico, a bibliografia

pertinente e atualizada para um determinado conteúdo histórico e ser capaz de fazer

11 Conferir na seção A elaboração didática da História, Capítulo 3. 12 STAMPACCHIO e MARINO (2006, p 14-15), por exemplo, trazem modelos de fichas de acompanhamento dos alunos como sugestão de instrumentos de registros individuais e coletivos que contemplem tanto habilidades, procedimentos e atitudes particulares da disciplina quanto aquelas que permeiam o conjunto de disciplinas da educação fundamental.

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uma leitura critica de textos históricos. Sublinha-se que o professor observa, anota,

replaneja e envolve os alunos no trabalho, que ele deve percorrer a sala e criar

oportunidades de comunicação, de interação na sala de aula. O diagnóstico prévio de

seus alunos, a realização da leitura e discussão propostas nos documentos, a correção

coletiva das questões e exercícios, a participação de atividades extra-classes e prestar

atenção no significado que os alunos dão para os conteúdos ensinados constituem outro

tanto de observações sobre a melhor maneira de identificar problemas de compreensão

ou os conteúdos que não foram suficientemente explorados. Enfim, uma última

tendência bem definida nos manuais do professor das coleções didáticas de história tem

a ver com a autonomia do professor para realizar as escolhas conforme suas realidades

de trabalho. É geral a compreensão de que o professor pode reconstruir a proposta do

livro didático em sua sala de aula trazendo outros conteúdos que tenham relevância para

seu grupo e incorporando acontecimentos e problemáticas locais (SCHMIDT, 2002;

CABRINI, MONTELLATO, CATELLI JR, 2002 e PAULA, FERRARESI;

OLIVEIRA, 2006, por exemplo). Também tem sido assim com os manuais do professor

dessas coleções que reconhecem a autonomia do professor para ampliar, recriar e

adaptar a utilização do livro didático de acordo com as suas necessidades e as de seu

aluno. Expressões como “a ideia é que o livro didático comporta-se como obra-aberta,

pronto para a interferência e a reelaboração do professor” (MELO; COSTA, 2006, p. 7)

ou “a preparação de uma aula e sua efetivação é tarefa complexa, comportando

inúmeras variáveis que somente são dominadas pelo educador em seu contato singular

com os alunos” (COTRIM, 2002, p. 5) indicam-no. Portanto, a liberdade de escolha do

professor, a sua decisão sobre a conveniência ou não das atividades propostas e

experiência profissional constam das estratégias que os manuais do professor das

coleções didáticas de história determinam o bom ensino de história.

Este esquadrinhamento, apenas preliminar e com o intuito de servir como roteiro

de indagações, é uma tentativa de descrever de maneira compreensiva a concepção de

ensino de história que os manuais do professor difundem atualmente. Assim, no

levantamento dos pressupostos teóricos, da metodologia, da organização didática e das

propostas de avaliação que constituem o Manual do Professor como suplemento

pedagógico, pretendi evidenciar a lógica e a retórica da matéria, os seus meios e

recursos. A visada apoiou-se um tanto em Bergmann (1989), nos critérios de

classificação dos âmbitos de atuação da didática da história, e outro tanto em Goodson

(1995), para entender também o Manual do Professor como um roteiro ilustrativo das

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metas e estruturas prévias que situam a prática de ensino contemporânea. O principal

resultado desse trabalho parece-me ser a constatação de que o ensino de história

atualmente é, sobretudo, pensado segundo critérios historiográficos e tendo em vista, na

maioria das vezes, metas educativas. Nos manuais do professor os conteúdos do ensino

não se separam das modalidades da sua transmissão. É enfatizada a aprendizagem das

operações intelectuais que permitem a construção de um discurso. Como tem analisado

Dominique Borne (1998), no nível que lhe é próprio o aluno, deve descobrir, analisar e

classificar. Nos manuais do professor, solicita-se que se ensine as operações que

conduzam os alunos a “fazer história”. Fazer com que os alunos manipulem dados e

produzam sentido combinando-os são requisições já comuns de encontrar nas

orientações aos professores nos manuais de história. Por outro lado, ainda o ensino de

história é frequentemente associado às finalidades cívicas e culturais. Dar a cada um o

sentimento de pertencer a uma comunidade, levar a partilhar de um patrimônio e de uma

cultura, permanece como meta do ensino de história. Nas séries finais do ensino

fundamental, a abordagem de Atenas no século V, da República Romana, do Século das

Luzes, das ditas Revoluções Burguesas e da história nacional são tidas como

indispensáveis para a formação do cidadão. Conforme adverte Bittencourt (1997, p. 22),

essa concepção especificamente política de cidadania não esclarece sobre “as novas

concepções de ação política dos movimentos sociais e seu papel na luta pela conquista

da cidadania” como os ecológicos, feministas ou raciais ou com os movimentos e lutas

pela moradia e pela terra.

De fato, conhecer os valores e objetivos patenteados pelo ensino de história não

é tudo o que se pode tentar para estudar o que os manuais do professor podem

expressar. O que não é dito parece tão significativo quanto às recomendações

apresentadas. Em parte, a reflexão sobre o sentido implícito dos objetivos do ensino de

história decorre da constatação de que “o processo de produção do conhecimento

histórico escolar é significativo para revelar as clivagens entre os objetivos e a seleção

dos conteúdos previstos” (BITTENCOURT, 1997, p. 23). Nesse sentido, o papel do

ensino de história na formação política do aluno é apenas um exemplo entre outros. Por

outro lado, não há nenhuma concessão ao contraditório nas recomendações dos manuais

para os professores de história. Ainda que atualmente já se recomende ao docente

prestar atenção no significado que os alunos dão para os conteúdos ensinados, o ensino

de história, nesse tipo de impresso, é apenas visto como uma experiência intelectual. A

mobilização de energia que a aprendizagem exige, a aventura emocional e social que

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representa e a qualidade da relação afetiva com o professor são questões que, por

exemplo, os manuais do professor atualmente ignoram. Enfim, há pressupostos sem

nenhuma necessidade de ser explicitados, pois são partilhados de forma consensual pela

época e pela profissão. Anne-Marie Chartier (2007, p. 74) tem insistido que a leitura dos

manuais didáticos deve também perceber “aquilo que o autor não acreditava ser

necessário recusar ou criticar, ou seja, questões que faziam parte das evidências da

época”. Segundo propõe, as estratégias comerciais e a capacidade de difusão pesam

mais para o destino editorial das coleções didáticas que as qualidades intrínsecas do

produto. Ainda que o modelo de ensino fique assim paralisado pela representação que se

faz do (bom) ensino de história, o professor que conduz a turma, organiza os exercícios,

ajuda os alunos e julga seus trabalhos não apenas executa o programa ou serve ao

método, mas demanda meios. Isso significa que entre a margem de iniciativa em que ele

cria sua maneira de dar aula e os dispositivos pedagógicos de trabalho e orientação da

sua prática há finalidades das quais pouco se fala. Sobretudo, a análise dessas questões

por Anne-Marie Chartier (2007, p. 162) dá pistas para compreender que o preparo de

um material didático visa à economia de tempo e energia para “liberar e fazer crescer o

investimento do professor no trabalho de sala de aula”.

Também a análise da versão negada dos pressupostos, condições e metas da

aprendizagem da história nesses textos é útil à compreensão das conjeturas e

expectativas envolvidas na elaboração do que se vai solicitar que o docente de história

faça da sua prática em sala de aula. Das práticas de memorização e transmissão de

conhecimento baseada na exposição de conteúdos à avaliação como instrumento de

controle, vigilância e punição do aluno, a lista das práticas proscritas do discurso sobre

o ensino de história é grande. Tanto é criticado o ensino de história como mera

transmissão de informações quanto a prática historiadora que cultua heróis e

personalidades ou representa uma visão evolutiva e progressiva da história. Considerado

tradicional, o ensino realizado por aula expositiva e exercícios de fixação de conteúdo e

que valoriza a memorização reúne o maior número de críticas. Nesse sentido, constam

objeções às orientações didáticas previamente determinadas e inflexíveis, aos materiais

didáticos fechados em si mesmos, ao desenvolvimento de quadros cronológicos e à

transmissão unilateral de conhecimentos. A grande maioria dos manuais do professor

ultimamente recomendados também não admitem estratégias de avaliação que

comprovam de maneira cabal e definitiva, classificam ou controlam a aprendizagem do

aluno. Não se compreendem mais os temas propostos para conteúdo como cânones de

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uma verdade absoluta e os documentos já não são vistos como reflexos da verdade. A

compreensão literal dos fatos dos positivistas já não é aceita nos manuais do professor

das coleções didáticas de história. A renovação historiográfica da última geração

estimulou a discussão do método histórico também nos manuais do professor. Na atual

perspectiva, a função formativa do ensino de história não prescinde da dimensão

científica do saber histórico. E, assim, o trabalho com fontes, as questões de

interpretação historiográfica, as problemáticas locais e os métodos históricos de

compreensão e interpretação tem se consolidado como uma questão de ensino.

Nesta outra pauta, é possível discernir melhor as fronteiras que os aspectos

proclamados pelas coleções didáticas respeitam, a forma como circunstanciam o

discurso sobre a prática de ensino. Certamente, o terreno tumultua-se assim, associando

ao proclamado o negado e o que não é dito. Porém, isso mostra bem que a oferta de

ajuda dos manuais do professor para definir objetivos e programas do ensino é tão

marcada pela “cultura de pesquisa do autor, seus valores pedagógicos e políticos, suas

preferências culturais e estéticas, sua experiência com crianças e com a aprendizagem

escolar” quanto pelo que ele não acredita ser necessário recusar ou criticar, ou mesmo,

sequer dizer (cf. CHARTIER, 2007, p. 74 e 149). De qualquer modo, o estudo do

Manual do Professor das coleções didáticas de história abre perspectivas para a análise

das orientações sobre as condições, finalidades e objetivos do ensino de História. As

rotinas de trabalho, os modelos de exercício, os recursos indicados, os roteiros de

procedimentos, as práticas de organização da aula e, sobretudo, as orientações visando

articulação de conteúdos e estratégias são elementos com que se pode pensar não os

fundamentos da aprendizagem histórica, como solicitam Bergmann (1989) e Rüsen

(1987; 2002), ou os grupos e estruturas que operam e formulam o currículo, ao modo de

Goodson (1988; 1995), mas os esquemas de percepção e de apreciação constitutivos do

que se entende ser o trabalho do professor de história.

As rotinas de trabalho, a prescrição da prática e os modelos de ensino nos suplementos para professores das coleções didáticas de história

A ênfase nas práticas de sala de aula é hoje uma postura firmemente sustentada

nos manuais do professor das coleções didáticas de história. As sugestões de atividades

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e a indicação das técnicas para a condução da aprendizagem compõem no livro do

professor um variado repertório de meios e procedimentos de ensino. Trata-se de

recursos de apoio ao uso do livro didático, mas também de orientação visando

possibilitar o desenvolvimento de estratégias de aula variadas. Nesse sentido, o Manual

do Professor é tanto um compêndio de especificação técnica quanto uma forma de

mostrar ao docente que há outras fontes de material didático. Em razão desse seu caráter

operacional, mais afeito ao uso no dia-a-dia do que para ser lido, dá acesso a um

discurso sobre a prática de sala de aula. Bem verdade que não ao do professor acerca

dessa prática, e sim ao discurso a respeito do que ele deve e pode fazer em sala de aula,

sobre a prática docente e dirigido ao próprio professor. Entretanto, a abordagem desse

tipo de interpelação não é menos útil ao entendimento das expectativas, exigências e

necessidades do ensino de história que o trabalho de campo junto aos professores. Sua

relevância, porém, tem mais a ver com o estudo das demandas vindas da sociedade e do

poder público enquanto as pesquisas empíricas dos procedimentos didáticos do

magistério têm considerado os resultados de certas performances e a compreensão do

exercício docente por parte do próprio professor (como em: CABRINI et. al., 1986).

Principalmente, a atenção para as instruções operacionais dos suplementos pedagógicos

proporciona um contato estreito com normas tácitas da ação em sala13.

A parte específica dos manuais do professor, aquela que orienta o uso do livro

didático de uma determinada série são também roteiros de atividades sugestivos. Depois

das considerações sobre a fundamentação teórico-metodológica da coleção seguem as

instruções que concernem à realização dos exercícios, das rotinas de trabalho e, por

vezes, da própria aula em cada novo ponto da matéria. No sentido de caracterizar as

principais configurações desses conjuntos de propostas, procedi de modo a indicar

possíveis articulações. Trabalhei na classificação dos procedimentos de ensino tratados

nos manuais do professor das coleções didáticas recomendadas no PNLD-2008 por

setores segundo eles sejam ordens de serviço, estratégias de aula, modelos de atividade

ou insumo para o trabalho. Importou fazer do levantamento das tarefas associadas ao

exercício da docência, dos expedientes utilizados para conduzir as aprendizagens e dos

materiais referenciados um meio de lidar com as soluções didáticas elaboradas para 13 Debrucei-me sobre um discurso de ordem intelectual advertido por Goodson (1995) de que tratar dos parâmetros da prática, dos aspectos comuns do sucesso e fracasso em escolarização com vistas a compreender as estratégias para fazer crer que determinada versão do ensino deve ser considerada boa não é o mesmo que buscar por um ensino eficaz. Para Goodson (1995, p. 28), a história da boa sala de aula ou da melhor escola, como dos melhores meios e métodos de ensino resulta da “luta para fazer crer que determinada versão de escola deveria ser considerada boa”.

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operar com os sentidos do ensino da história. Mesmo que de maneira ainda um tanto

preliminar, as indicações que então se pôde fazer a respeito dão conta das experiências

educacionais que se pensa que as aulas de história podem proporcionar.

No ponto de partida, há uma mesma preocupação face aos procedimentos de

aula. Trata-se de considerações sobre a preparação da aula, o seu encaminhamento e o

retorno dos resultados. Assim, considerei como ordens de serviço as instruções para

providenciar material, prestar esclarecimentos, corrigir atividades e preparar roteiros de

ensino. Essas solicitações são as mais constantes, lembrando que a organização do

expediente de sala de aula é parte das tarefas do magistério. Os manuais do professor

apontam quando preparar a aula corrigir as atividades do mesmo modo que sublinham a

necessidade de esclarecer, discutir e explicar determinados pontos da matéria ou dos

exercícios. Solicitam-se ainda do professor o fornecimento de matérias de jornais, fotos,

materiais e gravuras, de texto, música e filme, de mapas e livros de literatura para o

trabalho dos alunos em classe.

Outra preocupação acentuada nesse tipo de texto diz respeito à performance do

professor. Segundo sugere a leitura dos manuais do professor das coleções didáticas de

História, o docente pode se utilizar de uma série de práticas para predispor os alunos

motivando seu interesse pelos temas. Sobretudo nesse sentido é que o professor deve

explorar o material trazido pelos alunos, recorrer aos exemplos concretos e fáceis, ler

com expressão para motivar o interesse pelo tema, trabalhar oralmente em aula e evitar

que a dinâmica do trabalho polarize os debates e divida a sala. As instruções que se

encontram nos manuais do professor pedem aos docentes que problematizem em vez de

narrarem, que indiquem relações em forma de questionamento, estimulem e orientem o

debate propondo questões motivadoras ou deixando no ar uma questão para reflexão.

Igualmente, salientar, reiterar, sugerir, relacionar com o presente, acompanhar a leitura

de texto e as pesquisas, orientar os ensaios de peça e a preparação de trabalhos se

associam à maneira de ensinar história recomendada nos manuais do professor das

coleções didáticas. Também a utilização da lousa tem sido pensada como recurso para

otimizar o desempenho do professor em sala de aula. Em vez de suporte para o texto

que serviria para a cópia dos alunos, a lousa é indicada para a sistematização de

informações, para listar as conclusões dos alunos, enfim, trata-se de um recurso para

tornar coletivo o resultado de pesquisa apresentado pelos alunos.

Há ainda um conjunto de procedimentos que se sugere adotar para lecionar

história nas séries finais do ensino fundamental. Os manuais do professor reúnem

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tarefas que os professores devem realizar antes, durante e depois da aula. Antes da aula,

insiste-se na preparação: elaboração de uma pauta do que deve ser discutido, fazer

transparências, assistir ao filme antes dos alunos e editá-lo. Durante a aula

propriamente, as recomendações vão desde o levantamento dos conhecimentos prévios

do aluno até a verificação das tarefas realizadas. A ênfase então recai sobre as

estratégias que se pode constituir para ensinar e controlar a aula. Nessa perspectiva, a

administração do tempo, a conversa com os alunos, o levantamento do significado de

palavras desconhecidas de um texto, a orientação da observação de imagens e de mapas,

o incentivo à busca de respostas mais precisas às questões, a reprodução de música e a

exibição de filmes são frequentemente lembrados. Depois da aula, principalmente,

requer-se do professor socializar as respostas dos alunos, corrigi-las, rever, retomar

ideias dos alunos, expor os seus trabalhos, recolher e arquivar atividades para, quando

for o caso, um uso posterior. A leitura dos manuais do professor das coleções didáticas

de história mostra que a performance esperada do professor na aula vai além dos

procedimentos adotados na sala. Nesse caso, tanto quanto o que se diz e é feito para

ensinar história aos estudantes e gerir a aula, também as providências de bastidores, a

preparação e o retorno das atividades fazem parte do repertório de procedimentos

costumeiramente recomendados ao professor.

Segue que os manuais do professor das coleções didáticas de história organizam

em atividades o trabalho de sala de aula. Oferecem uma aplicação exemplar dos

conteúdos do livro do aluno em atividades de produção textual, confecção de material,

pesquisa, estudo do meio, leitura e discussão. Para realizar uma descrição mais

articulada desse conjunto de instruções, distingui as atividades eventuais das atividades

de rotina. Considerei atividades de rotina aquelas que aparecem constantemente

indicadas em diversos temas desenvolvidos pela coleção didática e que, portanto,

parecem ser cotidianas no ensino de história. Por outro lado, entendi como atividades

eventuais aquelas que têm sentido fazer só no caso de compreender um determinado

tema, de considerar o entorno social do aluno ou, então, de tratar de questões específicas

do passado e da história ainda presentes atualmente e que, por isso, marcam momentos

excepcionais de trabalho escolar.

Em muitos sentidos, as atividades rotineiras recomendadas nos manuais do

professor das coleções didáticas corroboram os afazeres já a muito praticados na escola.

Para a formação intelectual do estudante, por exemplo, definir, comparar, explicar

relações de significância, enumerar, comentar, propor questões, sintetizar, lembrar

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recapitular e ler individualmente e de forma antecipada os textos continuam sendo

expectativas importantes. Também na produção material dos alunos a elaboração de

cartazes e de material visual, a coleta de imagens, a montagem de quadros

comparativos, as colagens, a consulta a jornais e revistas e o manuseio de objetos

permanecem práticas respeitadas e recomendadas. Do mesmo modo, desenhar, encenar,

representar idéias, situações ou objetos por meio de diferentes linguagens, confeccionar

mapas, construir quadros sinópticos, produzir ou interpretar caricaturas e charges já são

práticas incorporadas ao ensino de história nas escolas que ainda se recomenda

observar. Às tradicionais anotações no caderno, práticas variadas de pesquisa,

classificações, relatórios, resumos e questionários somam-se versões atualizadas do

registro escrito: produção de textos, tabulações, indicação gráfica, elaboração de

esquetes ou enredos para dramatização. Igualmente, associam-se ao ensino de história a

realização de entrevistas, de apresentações orais de diversos tipos, de debates e de

descrição oral. Dar opinião e responder questões motivadoras e problematizadoras

completa esse quadro de atividades orais que o ensino de história costumeiramente

exige. Com freqüência, a qualificação das práticas de leitura tem sido considerada mais

uma atribuição do ensino de história. Nesse sentido, alguns dos manuais do professor

analisados recomendam com alguma insistência o exercício da leitura em voz alta, a

prática da leitura dirigida e da leitura criativa. O trabalho a partir de documentos ocupa

uma parte importante das recomendações dos manuais e se articula tão bem com as

novas exigências e operações da aprendizagem do pensamento lógico e crítico quanto

com práticas mais ancestrais do ensino de história como a elaboração de quadros

cronológicos, o trabalho em grupo e a leitura em dupla.

Por outro lado, o conjunto das atividades mais excepcionais que se pôde reunir

lendo os manuais do professor indica que o ensino de história também tem sido um

espaço para as crianças e adolescentes se mostrarem em suas obras e interagir. Por meio

de entrevistas, jogos e excursões, o aluno vivencia uma concepção de história em que a

participação e a tolerância importam tanto quanto os “lugares de memória” (cf. NORA,

1993). A prática da entrevista com pessoas da comunidade, familiares e professores e a

consulta aos mais velhos prestigia a memória que o outro carrega, legitima uma relação

com o passado14. Já os jogos de adivinhação, de perguntas e respostas ou de percurso e

14 Em estudo recente, Kazumi Munakata (2007) observou que há problemas no modo como essas sugestões são feitas. Segundo percebe Munakata (2007, p. 141-143), “no rol das pessoas a ser entrevistadas, há tipos humanos que não são encontráveis em qualquer lugar e meio social” e, mesmo quando encontrados, não são todos que estão dispostos a expor suas experiências e práticas,

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a reconstituição de jogos de outros tempos e culturas são recomendados para prender o

máximo de sentido histórico num mínimo de sinais e códigos e consolidar

solidariedades numa dinâmica de participação francamente lúdica. No ensino de história

as excursões a monumentos e museus são práticas que a tempos se observa como forma

de fixar um estado de coisas e materializar um conjunto de significados. Ultimamente, e

os manuais de professores indicam-no, a visita ao arquivo da cidade, aos sítios

arqueológicos, à câmara municipal, às agências de turismo ou ao supermercado ou

mercearia cumpre função semelhante. A percepção de que o ensino de história propícia

a oportunidade de o aluno externar em práticas, produtos, trabalhos e tarefas coletivas

também está consolidada nas coleções didáticas da área. Assim, seja na elaboração de

um calendário, seja na construção de uma ampulheta ou maquete e na confecção de um

livro de receitas, os expedientes práticos que se veiculam nos manuais do professor

permitem incorporar o fazer dos alunos e seu produzir ao ensino da história. Do mesmo

modo, dramatizar uma cena, produzir um fóssil de maneira artificial ou um mosaico,

imitar pintura rupestre, organizar um álbum da turma ou um arquivo pessoal de matérias

interessantes, criação de um prospecto turístico, contribuir na confecção de uma caixa

da saudade, montar um arquivo de imagens, confere ao ensino de história uma

propensão mais ativa e produtiva.

Outro ponto de contato entre as coleções didáticas de história: as estratégias

visando a exposição dos resultados obtidos com as atividades. Nos manuais do

professor há um elenco de propostas sobre como conduzir as atividades ordinárias e

extraordinárias da sala de aula cuja maneira de cruzar e imbricar as práticas e os

conteúdos do ensino de história importa entender. Trata-se de abordar os modos

considerados adequados de externar os produtos da aprendizagem. As formas

consagradas das exposições escolares permanecem uma referência importante. Assim, a

apresentação oral, a elaboração de mural, painel ou cartaz e a dramatização teatral

continuam tendo uma importante presença entre as sugestões indicadas nos manuais do

professor das coleções didáticas de história. Expor os produtos da aprendizagem é uma

preocupação que ratifica o uso de recursos e estratégias didáticas mais ativas no ensino

de história. As propostas de musicar, simular um programa de auditório ou um

telejornal e filmar seguem a mesma direção, valorizando mais as dimensões

principalmente se forem dolorosas e passíveis de preconceito. Geralmente sugeridas diretamente aos alunos no livro texto quando caberia ao professor organizá-las, incitam o aluno a passar por cima da competência e autonomia do professor da disciplina.

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consideradas formadoras das atividades programadas na sala de aula ou na escola. Mais

uns que outros, os manuais do professor percebem as formas de apresentação e exibição

dos trabalhos discentes como registros daquilo que o ensino de história pode manifestar.

Principalmente, a exposição dos resultados de pesquisa e dos trabalhos escolares é tida

como recurso didático que valoriza os produtos pelos quais os alunos aprenderam a

matéria. Nesse sentido, a organização de mostras, de feiras de cultura ou de

apresentações dos alunos que os manuais do professor recomendam também reitera

práticas usuais da escola e dos docentes como a produção coletiva de atividades, a

centralidade conferida às práticas e a externalização de produtos.

Finalmente, os manuais dos professores das coleções didáticas reúnem textos e

referências que servem de insumo para o trabalho docente. Em muitos sentidos, trata-se

de uma compilação de informações complementares e de recursos para a atualização do

professor visando estimulá-lo a compreender a leitura e a utilização de fontes presente

em seu local de atuação como parte constitutiva das suas condições de trabalho. Assim,

não só o repertório de autores e obras, de fontes, de meios e de linguagens com os quais

lidam os manuais de professores informa sobre a utensilagem usual do ensino da

matéria, principalmente consolida tendências de socialização dos bens culturais. Por um

lado, as citações de textos para apoio do professor e de indicação de filmes, músicas,

livros e quadrinhos para trabalho em sala de aula dizem muito sobre a perspectiva que

os manuais apresentam o ensino da história. Há tanto coleções em que predominam as

referências aos historiadores de ofício nos seus manuais do professor quanto as que

incorporam neles um repertório mais significativo de indicações de romancistas,

músicos, cineastas e cartunistas. Insistir na autoridade que autores como Marc Bloch, Le

Goff, François Dosse, Eric Hobsbawn ou Perry Anderson têm no campo da história e

apoiar neles as referências de leitura indicadas ao professor, reforça a especialização

docente e as premissas teórico-metodológicas do ofício do historiador. Do mesmo

modo, a história problematizada por meio de canções e filmes e através da literatura ou

das histórias em quadrinhos mostra o espaço que há no ensino de história para o

trabalho com diferentes manifestações culturais. A presença das canções de Chico

Buarque e Renato Russo, dos quadrinhos de René Goscinny e Albert Uderzo, Ziraldo e

Miguel Paiva ou de imagens dos Flintstones e de Charles Chaplin propõe considerar no

ensino as várias possibilidades da representação da história fora dos ambientes da

escola. Conforme uma vez entendeu Klaus Bergmann (1989, p. 35), trata-se de

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dimensões diferentes de uma única conexão constituída pela indagação acerca de uma

maneira particular de pensar que é a História.

Por outro lado, o trabalho a partir de documentos ocupa uma parte importante

das recomendações dos manuais do professor das coleções didáticas de história.

Solicita-se que parte da pesquisa escolar ocorra a partir de fontes como, por exemplo,

revistas, artigos de jornal, periódicos e mapas locais, fotografia, documentos pessoais,

peças publicitárias, legislação e depoimentos orais. Os manuais do professor lembram o

docente que diários, cartas, cartões postais, charges, monumentos e moedas também

servem como material para um trabalho com fontes documentais. Sobretudo, a

insistência com que atualmente se vem insistindo na coleta e manipulação de um

material desse tipo sugere a incorporação de procedimentos do fazer da história no

ensino. Nesse sentido, aos conteúdos, somam-se as aprendizagens das operações

intelectuais que permitem a construção de um discurso. Como bem percebeu

Dominique Borne (1998, p. 139), também no ensino de história os documentos devem

ser cuidadosamente identificados e inscritos numa cronologia e depois postos em

relação com outros documentos. Ainda que as preocupações com a aprendizagem das

operações de construção do discurso histórico venham se firmando estão longe de

substituir as usuais recomendações acerca da pesquisa escolar em revistas,

enciclopédias, dicionários, atlas geográfico, livros, almanaques e, mais recentemente, na

internet. O uso ilustrativo de imagens, através das reproduções de pinturas, gravuras e

fotografias e dos folhetos turísticos e histórias em quadrinhos, permanece parte das

recomendações de ensino da história. Enfim, o repertório de materiais possíveis de

utilizar nas aulas de história que os manuais do professor indicam não só é numeroso e

variado como viabiliza modalidades de transmissão moduladas em função das questões

do presente. Entre tudo o que então se indica utilizar para lecionar a história, os manuais

do professor das coleções didáticas de história evidenciam as possibilidades de estudo

na utilização dos documentos, das mídias e dos impressos escolares como recursos

didáticos.

Sintetizando então: o Manual do Professor das coleções didáticas recomendadas

pelo PNLD – 2008 veicula considerações sobre a preparação da aula, o seu

encaminhamento e o retorno dos resultados, propõe estratégias educativas e modelos de

atividade e oferece insumos que expressam objetivos práticos e utilitários de ensino.

Portanto, nesse tipo de impresso se articulam ao conteúdo explícito uma concepção de

aprendizagem e um repertório de textos e referências para o trabalho docente. Na área

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de História, os manuais do professor organizam e sistematizam conteúdos e

procedimentos visando não apenas auxiliar a prática do ensino, mas também contribuir

para uma formação contínua do docente. Conforme recomenda o edital de convocação

para inscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas do PNLD-2008,

trata-se, assim, de um recurso de “orientação teórico-metodológica” (BRASIL, 2007, p.

2). Nesse sentido, fundamentalmente os manuais do professor recomendados para a área

de História têm veiculado discursos sobre o modo de ensinar a matéria junto aos que

atuam na prática. O estudo desses discursos parece indicar que são insistentemente

lembrados aos professores de história os gestos e fazeres já bastante associados à

docência. O inventário das rotinas de trabalho escolhidas e retrabalhadas nos manuais

do professor reitera estratégias de ensino, instrumentos para as aulas e textos para

compreender e pensar sem considerar a desenvoltura necessária à condução de uma

turma de alunos ou o valor de uso de muitas das “receitas” propostas. Dessa

perspectiva, as omissões sobre a complexidade da realização do trabalho educativo por

parte dos manuais do professor das coleções didáticas de história são tão representativas

do que se solicita que o docente da matéria faça da sua prática quanto o que se propõe e

reproduz explicitamente.

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  CAPÍTULO 03

Os modos de enunciação nos Manuais de Ensino

para Professores de História 

Entre as muitas formas que assume a atividade discursiva a que motivou esta

pesquisa é antes de tudo um produto didático-escolar, destinado a orientar e organizar

uma prática de ensino. Trata-se da análise de um gênero textual que interpela o docente-

leitor, pressupondo-o e instaurando-o explicitamente no discurso. O estudo dos manuais

do professor dos livros didáticos de história recomendados pelo PNLD-2008, sobretudo,

permite lidar com as representações sociais que esse artifício de comunicação mobiliza

e repercute. Os indícios linguísticos que materializam o leitor que os autores desses

impressos têm em mente valem como rastros dos processos através dos quais expressam

um pensamento sobre a docência. Do mesmo modo, as pistas linguísticas responsáveis

por introduzir no texto a posição do autor contribuem para a percepção dos mecanismos

persuasivos que se utiliza no texto. Para Prost (1996, p. 317), essas são duas operações

necessárias ao estudo de uma enunciação. Segundo ele entende, uma maneira de

dissolver a evidência das significações imediatas é atentar para “a relação entre o texto e

aquele que o produziu, entre o enunciado realizado e o enunciador”.

As lições dadas por Benveniste (1966; 1974), Searle (1981; 1995), e Foucault

(2008, p. 98) há tempos mostraram os discursos como atos ou práticas que fazem com

que apareça “um domínio de estruturas e de unidades possíveis com conteúdos

concretos, no tempo e no espaço”. Esse é também o âmbito das contribuições de

Jakobson (1969), Greimas (1973), Kerbrat-Orecchioni (1980) e Fiorin (2008) para o

estudo da enunciação pelo menos de dois modos, por uma teoria narrativa ou, senão, por

meio da semiótica. As discussões desses autores desenvolveram algumas das mais

esclarecedoras abordagens sobre a atividade discursiva, contribuindo para entender as

astúcias da enunciação e os seus usos a partir da análise do discurso. Entre as exigências

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metodológicas de análise da palavra organizada em discurso, a linguística propõe tratar

a enunciação como sistema, tomando-a a partir de esquemas gerais que permanecem

invariantes sob a diversidade infinita dos atos particulares de fala. Desde que se

desenvolveu uma linguística do discurso, não mais se opõe, conforme adverte Catherine

Kerbrat-Orecchioni (1980, p. 29-30), “a enunciação ao enunciado como o ato ao seu

produto”. Sob esse aspecto, o mais das vezes há pesquisas que buscam identificar e

descrever os traços do ato no produto.

O estudo da enunciação permite localizar alguns sinais da demanda e

compreender os apelos de mudança sobre o trabalho do professor de história. E esses

sinais e apelos são numerosos hoje na sociedade. A opinião pública se indigna

periodicamente com a cultura histórica dos estudantes do país. Vez por outra a imprensa

publica sondagens sobre a má formação, real ou suposta, dos docentes. Não está

distante disso a polêmica que em 2007 o livro História Crítica de Mário Schmidt

suscitou na imprensa mesmo sem estar recomendado pelo PNLD de História do ano

seguinte. O ensino da história é, portanto, parte do debate público a respeito da

qualidade da educação e, nessa condição, um objeto de discussões ativas. Considerando-

se as posições de Bakhtin (1992; 2006) acerca das possibilidades de análise da

comunicação verbal, os manuais do professor dos livros didáticos também são uma

forma de participar dessas discussões. Sua abordagem chama a atenção para o papel dos

livros na interação verbal. Segundo Bakhtin (1992, p. 123) também o livro constitui um

elemento da comunicação verbal.

A Bakhtin (1992, p. 123) a enunciação também serviu para designar o discurso

escrito. Na obra desse autor, o livro e os textos são considerados atos de fala impressos

e, então, sujeitos aos mesmos princípios da interação verbal presentes no diálogo. Foi

Bakhtin (1992; 2006) quem tratou pela primeira vez as astúcias da enunciação a partir

do estudo dos gêneros textuais e do estilo. Por meio do emprego de conceitos como

dialogismo, polifônia e heteroglossia mostrou que sob as palavras de alguém ressoa a

voz de outrem (cf. TODOROV, 1981). Principalmente, a obra de Bakhtin permite

entender as diferentes instâncias enunciativas instauradas no texto. Por meio dela se

vêm discutido, entre outras questões, as diferentes vozes que podem ser ouvidas em um

texto (BURKE, 1998; 2005), as astúcias e as estratégias da enunciação (TODOROV,

1970; FIORIN, 2008) e mesmo as orientações sociais que se manifestam nos textos

(STAM, 2000). Em muitos sentidos, as perspectivas abertas por Bakhtin para os estudos

da linguagem (cf. PONZIO, 2008) sugerem que também os textos são um produto da

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interação social, não só determinados pela situação imediata ou pelo contexto que

constitui o conjunto das condições de vida de uma determinada comunidade linguística

como feitos para serem apreendidos de maneira ativa, para serem estudados e

comentados.

Essa ideia de texto me pareceu muito apropriada para o estudo do Manual do

Professor nos livros didáticos recomendados pelo PNLD-2008. Com efeito, trata-se de

um tipo de publicação específico, escrito para o professor, feito mais para ser utilizada

no dia-a-dia do que para ser lido e cuja distribuição gratuita garante a sua circulação nas

escolas. Nesse sentido, pode ser entendido como um objeto editorial que, como diria

Bakhtin (1992, p. 124-125), “responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as

respostas e objeções potenciais e procura apoio”. Já para a maior parte das análises a

respeito da produção do livro didático no Brasil parece claro que a oferta pedagógica

trazida nesse material procura se inserir diretamente no contexto não verbalizado da

prática docente e nele se ampliar pela ação, pelo gesto ou pela atitude do leitor.

Sobretudo a perspectiva elaborada por Bakhtin (1992; 2006) para pensar a linguagem

dos textos permite abordar os termos em que se dá a apreensão da situação de

enunciação pelos recursos linguísticos do discurso. De modo que, para discutir o ensino

de história proposto nos manuais do professor, recorri às concepções de obra, criação

verbal, compreensão responsiva e do problema da comunicação social enunciadas por

Bakhtin.

O propósito deste capítulo, portanto, é perscrutar as formas e os tipos de

interação verbal a que se prestam os manuais do professor dos livros didáticos de

história recomendados pelo PNLD-2008. Por essa razão, debrucei-me sobre o gênero

dos seus textos, a intenção discursiva dos seus autores e a posição semântica que os

docentes ocupam neles. A aposta da análise que se segue está em compreender as

formas como os manuais do professor se dirigem ao docente-leitor, à sua experiência e

consciência.

O gênero didático

No Manual do Professor se utiliza um tipo relativamente estável de enunciados.

Tanto a construção composicional e o estilo de linguagem desses textos são específicos

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quanto às suas condições de enunciação e finalidades próprias. Conforme foi visto no

capítulo inicial, a despeito das diferenças de acento e enfoque, há protocolos de leitura

que são observados por todas as coleções recomendadas pelo PNLD-2008.

Invariavelmente, nos manuais do professor de história são discutidos, de partida, os

pressupostos teóricos da coleção, sua fundamentação metodológica e linha

historiográfica. Após isso, tratam-se dos procedimentos de trabalho propostos na

coleção e da organização didática dos conteúdos, dos temas ou da ordem dos capítulos.

Por um lado, expõe-se a metodologia de ensino desenvolvida pela coleção, os seus

princípios pedagógicos, seu modo de trabalhar e de fazer trabalhar com as fontes e as

estratégias explicativa e de investigação adotadas. De outro, ficam explícitas, por meio

de considerações gerais sobre os propósitos da edição do livro didático, as questões de

estruturação da coleção como objetivos, sequência e encadeamento das unidades e

iconografia. Depois disso, uma proposta de avaliação é apresentada e justificada.

Seguem-se seções com sugestões de material didático suplementar, geralmente filmes,

músicas e sítios da internet, e de bibliografia complementar de ensino para o professor.

O estudo que Bakhtin (2006, p. 261-335) produziu sobre os gêneros do discurso

mostra-se útil à compreensão das relações entre os enunciados e a especificidade do

campo de atividade no qual foram produzidos. De acordo com as conclusões, a

composição das fórmulas correntes de expressão, ou dos seus protocolos de leitura, se

formam nas condições da comunicação discursiva imediata. Assim, para Bakhtin (2006,

p. 265), na abordagem dos vestígios que a vida deixa na linguagem o enunciado é um

núcleo problemático de importância. Entre os locais da enunciação onde os

pesquisadores haurem os fatos linguísticos de que necessitam, os manuais do professor

são aqueles nos quais melhor podem operar com as evidências das escolhas técnicas e

procedimentais dirigidas ao magistério já em serviço. Em notáveis estudos históricos

sobre os manuais de ensino, Choppin (2000) e Anne-Marie Chartier (2007) insistem que

os textos regulamentares oficiais e o cotidiano da profissão docente impõem condições à

enunciação dos autores de obras didáticas. Não só o poder político define muito do que

se deve tratar como o que se sabe sobre o trabalho do dia-a-dia na sala de aula produz

demandas específicas. Portanto, a composição típica dos textos dos manuais efetua-se

na interação verbal entre quem governa, aquele que os produzem, os seus usuários e os

críticos. Nesse aspecto, a historiografia adverte ainda que um formalismo demasiado e

uma abstração exagerada da investigação justamente deformam a historicidade das

relações da língua com a atividade humana que a enunciou.

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Os manuais do professor que acompanham os livros didáticos recomendados

pelo PNLD possuem a estabilidade e o padrão típico de construção dos enunciados de

um gênero discursivo. São uma forma normalizada, mas segura, da vontade discursiva

de um autor se manifestar. Ainda que, conforme explica Bakhtin (2006, p. 283), bem

mais flexíveis, plásticas e livres que as formas da língua, as formas de gênero também

moldam o discurso. Assim, a despeito de toda individualidade e do caráter criativo que

distinguem cada um desses manuais entre si, há formas indispensáveis e obrigatórias

para a compreensão do que se enuncia num Manual do Professor. A análise delas pode

servir de guia para o estudo do tipo de composição utilizada, suas condições de

elaboração e aplicação. A maneira como Bakhtin (2006) estudou os gêneros do discurso

sugere que a conclusibilidade de significado, a expressividade e o endereçamento são os

principais elementos constitutivos das formas de enunciação. Seguindo esse modelo,

tais elementos são determinados pelo campo da atividade humana e da vida a qual o

enunciado se refere. Para Bakhtin (2006, p. 289; 301), não só a escolha do gênero de

discurso é determinada pelas tarefas do sujeito e em consideração às atitudes em prol

das quais o enunciado é criado como também em função da força e da influência do

destinatário no enunciado.

A tarefa precípua do Manual do Professor é orientar o docente na utilização do

livro didático. Esse sentido da obra determina as suas peculiaridades estilístico-

composicionais. Como já se tratou no capítulo anterior, um manual didático mais se

parece com um guia de trabalho para ser utilizado no dia-a-dia e impõe conteúdos, uma

progressão, exercícios e modalidades de avaliação. A divisão do texto em numerosas

seções, a sua eventual organização por tópicos, a presença de excertos de outros textos,

as sucessivas indicações bibliográficas sistematizam um repertório considerável de

instruções e referências para o trabalho docente. A opção por textos que informam sobre

o conteúdo ou por explicações acerca da realização das atividades, o uso, ou não, de

orientações cartográficas, a frequente remissão ao livro do aluno e demais recursos para

orientar o trabalho docente em sala de aula também compõem o conteúdo semântico-

objetal (BAKHTIN, 2006, p. 289) dos manuais dos professores. O rico arsenal de

recursos linguísticos de que o Manual do Professor se vale para exprimir o objeto do

seu discurso inclui procedimentos didáticos específicos. Em muitos sentidos, a obra

didática reproduz e combina fórmulas já experimentadas de transmissão dos conteúdos

e dos seus métodos e categorias de estruturação. Portanto, entre as suas particularidades

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estilístico-composicionais podem ser percebidos os imperativos didáticos da cultura

escolar a qual se destina.

No Manual do Professor se efetiva um copioso registro do trabalho didático que

supõe o exercício da docência. De modo que nesse tipo de impresso também se vê o

modo propriamente escolar de escansão do tempo, a repartição das atividades no

interior do ano, a duração dada às sequências de curso, o ritmo de exercícios e controles

diversos. Entre os seus traços estilístico-composicionais predominam valores,

preocupações e recursos que não escaparam aos estudos acerca dos saberes e das

disciplinas escolares. Sobretudo porque os manuais dos professores respeitam boa parte

da economia interna que distingue a escola de outras entidades culturais, sua morfologia

também se constitui a partir das rotinas escolares de ensino mais comuns. Em todos os

manuais do professor dos livros didáticos de História recomendados pelo PNLD-2008

os valores de apresentação e de clarificação predominam. Não só há nesses textos uma

marcante preocupação com a progressividade e a sua divisão formal em partes e

subpartes como a abundância de redundâncias na informação, o recurso aos comentários

explicativos e às técnicas de condensação. Igualmente, as esquematizações, a

exemplificação e o lugar concedido às questões e aos exercícios cumprem uma função

de controle ou de reforço pelo qual se reconhece o gênero didático de comunicação.

Como sublinharam Chervel (1990, p. 204) e Forquin (1992, p. 35) quando analisaram as

condições de realização prática cotidiana do ofício de escolar, os savoir-faires internos à

sala de aula, as competências operatórias de curto alcance e de função adaptativa, os

rituais, as rotinas e as receitas constituem o campo da atividade humana ao redor do

qual se vulgarizam os procedimentos de ensino e se fixam as suas representações.

A relação que os autores dos manuais do professor estabelecem com o seu

conteúdo semântico-objetal é outro elemento desse tipo de enunciado. Esse não-próprio

das palavras que, no entanto, lhes tornam uma espécie de representante da plenitude do

enunciado como posição valorativa, é para Bakhtin (2006, p. 294) a expressão da

autoridade de um autor. Na ordem de preocupações de Bakhtin, trata-se de pensar o

processo de criação do enunciado a partir do contato que mantém com a realidade

concreta. Assim, a especificação do gênero didático aludido acima determina um

primeiro âmbito de composição temática e de estilo. Os valores pedagógicos e políticos,

as preferências culturais e estéticas, a experiência com a aprendizagem escolar do autor

e os rastros do processo que organizam no discurso também determinam opções e

prioridades. As opções pela história temática ou pelo encadeamento cronológico dos

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conteúdos, pela integração dos conteúdos de história geral e do Brasil ou não e entre

uma abordagem acentuadamente historiográfica ou marcada pelas metodologias da

aprendizagem nas coleções didáticas de História recomendadas em 2008 refletem algo

das escolhas que hoje é possível expressar sobre o ensino de história.

Sobretudo a ideia de Mikhail Bakhtin (2006, p. 289-293) de que a relação

subjetiva emocionalmente valorativa do autor-falante com o conteúdo do objeto e do

sentido do seu enunciado é um elemento expressivo determinante da composição e do

estilo do discurso adverte sobre a existência de “alguns contatos típicos dos significados

das palavras com a realidade concreta”. No caso de alguns dos manuais do professor

que acompanham os livros didáticos de História, o tom expressivo de palavras como

“olhar” ou “mudança” não são os típicos dessas palavras. Determinadas pelo contexto,

essas palavras se prestam a uma reacentuação que lhes modificam o sentido. Por meio

do recurso aos desenvolvimentos perifrásticos e de sinestesia se realiza a transferência

de percepções da esfera de um sentido para a de outro, do que resulta uma fusão de

impressões com poder sugestivo como em: “O aluno deve aprender a olhar a realidade

com ‘olhos históricos’” (SCHMIDT, 2002, vol. II, p. 04) ou “O Big-Bang poderia ser

comparado, por exemplo, à descoberta do amor, ou a uma grande mudança na vida que,

depois de um período ‘estrondoso’, de grande confusão, dá origem a ‘novos mundos’ ”

(PANAZZO; VAZ, 2002, vol. I, p. 14). Esse tipo de expressividade pode ser vista como

um efeito estilístico da necessidade funcional da didatização atribuída por Forquin

(1992, p. 34) aos saberes escolares.

A predominância dos valores de apresentação e de clarificação e os recursos

linguísticos de sua expressividade determinam, ao lado do elemento semântico-objetal,

o gênero dos manuais para professores de História. Ainda segundo a proposta de análise

de Bakhtin (2006, p. 296-297), não basta estudar as formas estáveis e normativas típicas

de um enunciado para se compreender a realidade viva e as funções sociais de um

determinado gênero discursivo. Para Bakhtin (2006, p. 297), o enunciado ocupa uma

posição definida em uma dada esfera da comunicação, em uma dada questão, em um

dado assunto, sendo impossível alguém definir sua posição sem correlacioná-la com

outras posições. O corolário dessa perspectiva é o de que “cada enunciado é pleno de

variadas atitudes responsivas a outros enunciados de dada esfera da comunicação

discursiva” (BAKHTIN, 2006, p. 297). No que diz respeito aos manuais do professor

que acompanham os livros didáticos de História recomendados pelo PNLD-2008 se

verifica que, em certa medida, não deixam de ser também uma resposta àquilo que já foi

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escrito sobre o ensino de história. Entre as condições de produção desse tipo de texto, a

reassimilação dos enunciados de outros sobre o ensino de história determina o destaque

dado a determinados elementos, as repetições e a escolha de certos tipos de expressões.

Assim, as sistemáticas referências aos documentos oficiais, à história social inglesa e à

nova história cultural, o recurso à citação dos recentes resultados de pesquisa acerca do

ensino de história e do livro didático no Brasil e também o uso de noções típicas dessas

discussões deixam evidente a tonalidade dialógica (BAKHTIN, 2006, p. 299) dos

enunciados de que se compõem os manuais do professor recomendados para a área de

História.

Outro traço constitutivo do enunciado é então o seu endereçamento, o seu

direcionamento a alguém. Do mesmo modo que se compreende que um discurso está

voltado não só para o seu objeto mas também para os discursos do outro sobre ele, que

se constrói levando em conta as atitudes responsivas também está posto que tem um

destinatário. Para Bakhtin (2006, p. 301), tanto a composição quanto o estilo do

enunciado dependem da força e a influência do destinatário no discurso, pois, como o

falante, o escritor percebe e representa para si os seus destinatários. Nesse sentido, é a

concepção típica de docente que determina o Manual do Professor como gênero. Ainda

segundo a perspectiva de Bakhtin (2006), o autor do enunciado presume uma resposta

dos destinatários, construindo o texto ao encontro dessa resposta na espera de uma ativa

compreensão responsiva. Trata-se de uma percepção do papel ativo que o destinatário

do enunciado cumpre na construção dos discursos uma vez que ao se escrever para um

público determinado põe-se em conta a influência dele sobre a comunicação.

Principalmente, quando se dá uma resposta pronta às objeções já previstas ou se apela

para toda sorte de subterfúgios ficam as pistas de uma tentativa de responder o que

ainda está por vir com a leitura de um enunciado. Outro conjunto de operações leva em

conta o fundo aperceptível da percepção de um enunciado pelo destinatário: “até que

ponto está a par da situação, dispõe de conhecimentos especiais de um dado campo

cultural da comunicação, suas concepções e convicções, os seus preconceitos, as suas

simpatias e antipatias” (BAKHTIN, 2006, p. 302).

A literatura didática endereçada aos professores na forma de manual resulta da

escolha de procedimentos composicionais e meios linguísticos que refletem a posição

social, o título e o peso do destinatário. Os manuais do professor contêm indícios que

materializam o leitor que o autor tem em mente e, assim, dão o registro de uma forma

específica de compreender o docente e o exercício da docência. O estudo histórico das

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mudanças desse tipo de registro sobre o trabalho docente tem se mostrado uma tarefa

interessante e importante (cf. BITTENCOURT, 1993; GASPARELLO, 2004;

FREITAS, 2006). A história do ensino de história mostra que tanto há formas

convencionais de apelo aos leitores-docentes (BITTENCOURT, 1993; 2004) quanto

existe, paralelamente ao autor real, representações de autores testa-de-ferro, editores,

narradores de toda espécie (cf. FREITAS, 2006). É prudente que um estudo da situação

da produção atual não deixe de considerar que cada época têm como característica suas

concepções especificas de destinatário do Manual, a sensação especial e a compreensão

do seu leitor. Mais uma vez, em uma época na qual é destacado o papel do leitor e seu

horizonte de expectativas na construção do significado (cf. JAUSS, 1978; CERTEAU,

1994; BURKE, 2002) as noções de atitude e compreensão responsivas são de relevância

para o estudo das representações que se têm da docência em história.

Elaboração didática da História

As discussões sobre a utilização do livro didático nas aulas de história

frequentemente tratam da intermediação do professor, que o escolhe, seleciona os

capítulos ou partes que devem ser lidos e dá orientações aos alunos (ARAUJO, 2001;

OLIVEIRA, 2009, ROCHA, 2009), e ignoram o papel do professor para quem escreve

obras didáticas. No entanto, Circe Bittencourt (2004, p. 317) adverte que, desde seu

processo inicial de confecção, os manuais didáticos pressupõem uma leitura que

necessita da intermediação do professor. Nesse sentido, Araújo (2001) constatou que é

comum o uso do livro didático na preparação das aulas e no planejamento e que “o grau

de dependência dos professores em relação a esse material está associado à sua

formação e às condições de trabalho” (cf. BITTENCOURT, 2004, p. 318). No Manual

do Professor, são justamente as demandas de uso do livro didático no preparo das aulas

e as questões de apropriação da obra didática pelo docente que o autor pressupõe e

procura responder. Conforme propõe Bakhtin (2006, p. 272), esse empenho do autor em

tornar inteligível o seu enunciado indica que “ele não espera uma compreensão passiva,

por assim dizer, que apenas duble o seu pensamento em voz alheia, mas uma resposta,

uma concordância, uma participação, uma objeção, uma execução”. Como tantos outros

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gêneros do discurso escrito, o Manual do Professor é concebido para essa compreensão

ativamente responsiva de efeito retardado: Todo enunciado – da réplica sucinta do diálogo cotidiano ao grande romance

ou tratado científico – tem, por assim dizer, um princípio absoluto e um fim absoluto: antes do seu início, os enunciados de outros; depois do seu término, os enunciados responsivos de outros (ou ao menos uma compreensão ativamente responsiva silenciosa do outro ou, por último, uma ação responsiva baseada nessa compreensão). O falante termina o seu enunciado para passar a palavra ao outro ou dar lugar à sua compreensão ativamente responsiva (BAKHTIN, 2006, p. 275).

Na perspectiva de Bakhtin (2006, p. 279), a obra está disposta para a resposta do

outro, para a sua ativa compreensão responsiva que, como a réplica do diálogo, pode

assumir diferentes formas: “influência educativa sobre os leitores, sobre suas

convicções, respostas críticas, influência sobre seguidores e continuadores”. Ainda

significativo para o entendimento da enunciação, Bakhtin (2006, p. 302) insiste que a

vontade discursiva do autor que produziu a obra “sempre leva em conta o fundo

aperceptível da percepção do seu discurso pelo destinatário”. Nesse modo de

compreender as relações entre os meios linguísticos do discurso e a expressividade e

endereçamento dos seus enunciados se verifica que a comunicação discursiva impõe ao

falante, como também ao autor, uma atitude responsiva direta. As pistas linguísticas que

esse fenômeno introduz numa obra permitem perceber as escolhas dos procedimentos

composicionais e, assim, parte das relações entre o texto e aquele que o produziu. O

sistema de pronomes, os advérbios de circunstância, os conectivos, o tempo dos verbos

e suas modalizações trazem a marca daquele que produziu o texto, indicam os usos que

se fez das categorias de pessoa, espaço e tempo na enunciação (cf. FIORIN, 2008).

Nesse sentido, são todos vestígios do direcionamento e das respostas às objeções já

previstas, das tonalidades dialógicas, da maior ou menor influência do destinatário e da

vontade discursiva que determinaram a escolha dos recursos linguísticos feita por um

autor.

Nos manuais do professor, geralmente o autor não se envolve pessoalmente com

seu discurso. À exceção de incisos nos quais ele então assume a responsabilidade das

suas análises e posições, os enunciados são pouco modalizados e evitam confrontar o

leitor. Para Bakhtin (2006, p. 304) tal estilo, objetivo-neutro, produz uma seleção de

meios linguísticos extremamente genérica e abstraída do seu aspecto expressivo. É o

que também se verifica nos manuais do professor recomendados pelo PNLD-2008. Não

só as considerações gerais sobre o formato e o uso do suplemento do professor se

apoiam numa forma de autoridade científica específica como as orientações sobre as

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atividades propostas têm entre suas principais características o uso do modo imperativo,

as repetições e redundâncias e a impessoalidade. No conjunto desses textos, subsiste

mais a preocupação de explicar que a de convencer e, portanto, sua “objetividade” não é

senão o efeito de um discurso de instituição (cf. NUNES, 1995, p. 14-15; PROST, 1996,

p. 319; CERTEAU, 2007, p. 72-73). Em 2008, quase a totalidade das obras didáticas de

história recomendadas pela primeira vez no PNLD não rediscutem os paradigmas

historiográficos ou representam uma nova proposta de ensino-aprendizagem e de

didática da história15. Apenas a coleção publicada por Andréa Paula, Carla Ferraresi e

Conceição de Oliveira (2007) recebeu viva recomendação no Guia de Livros Didáticos

PNLD 2008: História tanto por incorporar importantes elementos da renovação

historiográfica quanto por propor estratégias pedagógicas de elaboração de projetos

histórico-sociais baseado na realidade dos alunos. No entanto, fundamentalmente, a

nova oferta editorial ou atualiza a proposta para uma história temática apresentada há

cerca de uma década e que ainda mostra fôlego comercial e acadêmico16 ou abrange os

pressupostos, as condições e as metas da aprendizagem regulamentadas por decretos

como os de n.º 10.639/03, que introduziu no currículo a obrigatoriedade da temática

História e Cultura Afro-Brasileira, e n.º 11.645/08, que a atualiza, e sugeridas pelos

atuais índices de avaliação educacional. Trata-se de uma oferta que tanto responde uma

demanda já reconhecida quanto repete as fórmulas já experimentadas.

Sob esse ponto de vista, pode-se pensar com Michel de Certeau (2007, p. 73)

que como os estudos históricos também os manuais didáticos estão muito mais ligados

“ao complexo de uma fabricação específica e coletiva do que ao estatuto de efeito de

uma filosofia pessoal”. Não só uma interpretação, a elaboração de novas pertinências,

um modo de organização característico enunciam uma operação que se situa num

conjunto de práticas como, ainda, esboçam um lugar institucional e as leis de um meio.

Conforme avaliam Choppin (2002, p. 22) e Bittencourt (2004, p. 302), nem por isso a

obra didática deixa de ser uma representação que a sociedade quer dar de si mesma.

Como discurso para e sobre a docência, os manuais do professor trazem os efeitos disso

na maneira que refletem a situação extraverbal da qual tratam. Da representação que

15 Em primeira edição as coleções Projeto Araribá, História em Projetos, História, Sociedade & Cidadania, Encontros com a História, Diálogos com a História, Construindo Consciências-História, Por dentro da História e História Hoje são exemplos de projetos editoriais bem sucedidos no processo de avaliação do Programa Nacional do Livro Didático de 2008. 16 Sobretudo é o caso da Coleção História Temática, de Montellato, Cabrini e Catelli. Noutra perspectiva de trabalho e organização dos conteúdos de História, as coleções Saber e Fazer História e História e Vida Integrada também são exemplos de sucesso editorial.

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esse tipo de texto, por exemplo, apresenta do ensino e da escola apreende-se melhor o

discurso historiográfico acerca da didática da História que sobre as condições do ensino

de História na escola. De acordo com o que foi tratado no capítulo inicial,

principalmente as formas de avaliação instituídas pelo PNLD asseguram uma seleção

pelos pares que apreciam a obra didática segundo critérios científicos decisivos para o

autor ser “acreditado” (cf. CERTEAU, 2007, p. 72). No caso dos manuais do professor,

observa-se que se afigura um ensino pensado sobre o instrumental metódico e teórico da

História, mas que ignora muito das dificuldades que os professores de história têm de

passar para apreender um pouco das realidades que tentam explicar.

Assim, os textos de apoio, as referências bibliográficas, as sugestões de registro

e o conjunto de atividades que o Guia de Livros Didáticos PNLD 2008 – História

ressalta e tanto valoriza nos manuais do professor não devem se passar por meros

subsídios para a orientar metodologicamente o trabalho docente e assegurar boa

formação ao professor. Nesse repertório de textos e elementos de referência, que o

Manual do Professor compila, também é marcante o tipo de escolha, pois ela remete

uma certa percepção que se tem do destinatário. Em geral, observa-se o que o edital de

convocação determina como “recursos que contribuam para a formação do professor”

(BRASIL, 2005, p. 47) com uma seleção de textos de apoio e indicações bibliográficas

voltados para a discussão historiográfica. A citação e compilação de textos de

especialistas sobre determinada questão ou período histórico e mesmo as indicações de

leitura desempenham um papel de atualização e de esclarecimento das propostas do

livro didático. Entretanto, para autores como Munakata (2007, 139) e Torres (1998, p.

160-161), a centralidade que o livro didático assume nesse âmbito de preocupações

repousa na suspeita de que os professores não teriam tido formação adequada. Há, por

outro lado, recursos didáticos que os próprios manuais trazem elaborado para uso do

professor. Nesse sentido, as fichas de avaliação (STAMPACCHIO; MARINO, 2005, p.

14-15) os organograma da coleção (STAMPACCHIO; MARINO, 2005, p. 16;

MONTELLATO; CABRINI; CATELLI, 2002, p. 7-10; MODERNA, 2006, p. 7;

BRAICK; MOTA, 2006, p. 10-11) e as sugestões de planejamento (SANTIAGO, 2005,

p. 14; CARDOSO, 2007, p. 10-21) são insumos de trabalho que também reforçam a

separação entre os que planejam o ensino e os que executam. Paim (2007, p. 162) tem

insistido na idéia que sob a prescrição desses modelos criam-se técnicas que o professor

deve repassar. Outras indicações que visam orientar o trabalho escolar são as de sítios

na internet e de filmes. A incorporação de outras linguagens além da escrita no ensino

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de história tem feito do computador e do cinema recursos cada vez mais explorados nos

manuais do professor. Na concepção de ensino de história e pesquisa escolar que se vai

consolidando nas obras didáticas, as possibilidades de trabalho com os recursos da

informática e os produtos da indústria do entretenimento ganham uma grande

importância didática. Sobretudo quando permitem explorar uma área fronteiriça entre a

discussão historiográfica e as circunstâncias nas quais se desenvolve o trabalho

docente17.

Essas inserções textuais no enunciado dos manuais são do mesmo tipo do que

Choppin (2002, p. 23) chamou de paratexto das obras didáticas para tratar com uma

estrutura que não mais possibilita uma leitura continuada. As ilustrações, o textos

citados, os exercícios e as questões rompem o percurso linear do texto-base tanto no

livro do aluno quanto no manual que acompanha o exemplar do professor. O paratexto

nos manuais do professor também produz uma concepção de docência. Principalmente,

os textos complementares, os excertos, as indicações bibliográficas e de material e as

sugestões de atividades apontam que o domínio dos conteúdos por parte do professor é

uma preocupação central. Os subsídios que se indica e se procura organizar por meio

dos manuais do professor assumem o instrumental metodológico e teórico da história

como condição de exercício da docência na área. Sem abrir mão das considerações

sobre o que ensinar em história, o Manual do Professor se caracteriza hoje por ter de

explicitar os pressupostos, as condições e metas da aprendizagem na disciplina

específica da história e os meios do seu ensino. Quando se analisa a maneira como as

conexões entre o texto-base e o paratexto são realizadas no exemplar do professor dos

livros didáticos pode-se perceber algo da terminologia que orienta as expectativas em

relação ao exercício da docência em história. Ligar a vida presente ao legado da

humanidade (MODERNA, 2006, p. 22), compreender as realidades que se tenta explicar

(cf. DREGUER; TOLEDO, 2006) ou relacionar o fato a temas e aos sujeitos que o

produziram para buscar uma explicação (MONTELLATO; CABRINI; CATELLI,

2002) são ações consideradas parte do ofício da docência em história nesse tipo de

impressos. Do mesmo modo que há expectativas quanto ao que é ensinado, espera-se

que na maneira de ensinar o docente de história comente e explique a matéria, relacione

os fatos, destaque conteúdos, demonstre os processos de mudança ao longo do tempo,

17 Os manuais de uso dos livros didáticos organizam referências de sítios da internet dos principais museus do país e de algumas das instituições de pesquisa histórica e de preservação do patrimônio histórico. Também são referenciados um extenso conjunto de filmes históricos nesse tipo de impresso.

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informe sobre a atualidade de algumas questões históricas e estimule a aprendizagem do

aluno. Se em alguma medida se pode concluir que a docência em história se caracteriza

por fazer intervir nos atuais assuntos de interesse da juventude explicações racionais e

exigências de convivência e participação social um dado interessante é a exígua

presença de orientações relacionais que não as de ordem operacional: orientar,

acompanhar, corrigir, estimular, avaliar, explicar, solicitar...

Sobretudo é assim na parte específica dos manuais do professor. A recorrência

com que se convenciona a ação do professor em sala de aula nas orientações específicas

por série dos manuais resulta numa concepção de docência pautada em categorias como

habilidade, competência e autonomia. Relacionar, compreender, explicar, acompanhar,

orientar, corrigir e avaliar são tanto expressões da ordem das habilidades quanto das

competências que se solicitam dos docentes nos manuais didáticos. Não há coleção

recomendada no PNLD de 2008 desprovida desse tipo de percepção da docência. A

preocupação com os expedientes de exposição dos conteúdos, de desenvolvimento das

atividade e de devolução dos resultados produz uma seleção de meios linguísticos não

só do ponto de vista da sua adequação ao objeto do discurso mas da perspectiva do

proposto fundo aperceptível do destinatário do discurso (cf. BAKHTIN, 2006, p. 304).

Portanto, uma peculiaridade constitutiva e determinante da parte específica dos manuais

do professor é a forma típica com que representa a docência em História. Pressupõem-se

um trabalho autônomo, operado em função do conteúdo pedagógico das atividades

propostas para compreensão e estudo da matéria e segundo um repertório de

procedimentos metódicos de aula. O Manual do Professor justifica e fundamenta esse

trabalho instrumental sobre os exercícios e o seu controle dando preferência às práticas

de produção textual e pesquisa dos alunos em detrimento da memorização e da cópia.

Sob esses termos, a didática que se constroi para o ensino de história nos

manuais do professor parece definida por uma combinação de práticas articuladas e

apresentadas sob a forma de atividades. Efetivamente, para Choppin (2002, p. 23) a

dimensão dinâmica da obra didática atribuí funções especiais aos exercícios, às questões

e às atividades que se estendem sobre a paginação e demais características tipográficas.

A estrutura editorial que os manuais do professor organizam em parte específica para

discutir as respostas dos exercícios propostos no livro do aluno e sugerir outras

atividades e ações também compreende quadros explicativos, pictogramas de

sinalização e manchas visando permitir ao usuário apreender a forma como a obra foi

instrumentalizada. Por um lado, conforme explica Choppin (2002, p. 23), nem tudo

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figura no mesmo plano sendo modesto o lugar que ocupa a localização ou mera

memorização de informações. Ao contrário, a análise e a dissertação, o debate, a

interpretação e a crítica colocam em jogo não só o rigor nas deduções, as posições

pessoais e a criatividade dos alunos, mas as orientações e a mediação do próprio

professor. Por outro lado, os procedimentos retóricos que assim organizam as propostas

de exercícios evidenciam as posições do autor quanto às estratégias de produção do

conhecimento histórico na sala de aula. Nem sempre a compreensão do leitor-docente é

deixada por conta da estruturação a qual o Manual do Professor se presta. Geralmente

por meio do recurso às introduções ou de inserções explicativas e incisos, os autores se

pronunciam e esclarecem suas opções de procedimento. Nessas passagens do texto, a

relação valorativa do autor com o objeto do seu discurso favorece o estudo das

representações que se constrói sobre a docência. As pistas linguísticas responsáveis por

introduzir no texto a posição do autor não só contribuem para a percepção dos

mecanismos persuasivos então utilizados como para analisar os tipos de estratégias

através das quais o autor pode expressar seu pensamento.

A indicação dos critérios para a seleção dos conteúdos pedagógicos e

da disciplina

Na indicação dos critérios para seleção dos conteúdos pedagógicos e da

disciplina que os manuais do professor registram nas introduções ou nas inserções

explicativas e incisos segue o investimento dos autores em enunciar e produzir uma

interpretação correta. Como hoje advertem as pesquisas acerca do uso do livro didático

(ARAÚJO, 2001; BITTENCOURT, 2004), esse esforço chega ser proporcional ao grau

de liberdade do usuário perante a obra didática. Quanto mais se postula que os leitores

reais não se conformam ao leitor suposto pelo discurso, melhor elaborados são os

artifícios que visam a fazer com que o Manual do Professor seja lido por seu leitor

como um discurso competente (cf. CHAUÍ, 1989). Nas coleções didáticas em que os

enunciados na primeira pessoa do plural predominam nos textos dos manuais do

professor, as escolhas e rejeições dos autores, assim como algo de suas prioridades, são

explicitadas (cf. STAMPACCHIO; MARINO, 2005 ou DREGUER; TOLEDO, 2006).

Sobretudo na parte específica desses manuais, os incisos nos quais os autores prestam

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orientações adicionais a respeito da realização dos exercícios a expertice é acentuada.

Esclarecimentos do tipo “usamos o termo ‘região’ e não cidade, município ou bairro

porque, em muitos casos, as atividades econômicas apresentam um caráter regional

envolvendo vários municípios” (STAMPACCHIO; MARINO, 2005, vol. 1, 2005, p.

19) ou “partimos dos diversos significados atuais do termo república, bem como da

etimologia da palavra, vinculando-a à ideia de ‘coisa pública’, ou seja de garantia do

interesse coletivo” (DREGUER; TOLEDO, 2006, vol. 1, p. 37), sublinham o

conhecimento que os autores têm acerca do que se propõem tratar.

Nesses casos, existe o envolvimento pessoal dos autores com o discurso e uma

maior exposição sua diante do leitor. Conforme advertem, entre outros, Bakhtin (1988)

e Booth (1970) na verdade não se tem acesso a esse sujeito senão por aquilo que ele

enuncia, tratando-se, por isso, de um autor apenas constituído pelo texto; aquele que

pertence ao campo da teoria da enunciação (FIORIN, 2008, p. 63). Não obstante a

efetividade do que assinala a teoria, tanto quanto o lugar de onde fala o autor e os seus

valores pedagógicos e políticos e experiência profissional, a forma como o autor se

coloca no texto determina a construção e o estilo do enunciado. Quando se considera os

discursos como atos (PROST, 1996, p. 317), o sistema dos pronomes, os advérbios de

circunstância, as conexões, os tempos e modos verbais permitem reconhecer na relação

entre o texto e aquele que o produziu as relações entre as posições actanciais do

enunciador e a do enunciatário (cf. GREIMAS; COURTÈS, 1979, p. 125). Nos manuais

do professor em que predominam os enunciados na primeira pessoa do plural essas

relações são constituídas sob a forma de sugestão, amenizando-se o caráter mais ou

menos imperativo das instruções. Assim, fórmulas como “sugerimos um momento de

discussão sobre o mapa em sala de aula e até mesmo de decifração de algumas

inscrições” (PILETTI; PILETTI, 2007, vol. 1, p. 39), “sugerimos que essas questões

sejam representadas para os alunos, levando-os a se indagarem sobre as respostas dadas

no início dos trabalhos” (MODERNA, 2006, vol. 1, p. 62) ou “sugerimos que cada

grupo de cinco alunos entreviste apenas cinco pessoas” (STAMPACCHIO; MARINO,

2005, vol. 1, 2005, p. 21), atestam a autonomia do docente-leitor, procurando influir por

meio de recomendações.

Uma variação dessa forma é o recurso ao plural majestático, ou a embreagem da

primeira pessoa do plural pela primeira do singular quando se trata de um enunciador

que usa nós porque se pretende um indivíduo que não fala em seu próprio nome, mas

em nome de um Saber. Nesses casos, também é reconhecida a autonomia do leitor e do

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docente e há uma constante amenização das formas verbais imperativas, predominando

as sugestões. Com efeito, são recorrentes os enunciados do tipo “sugerimos ainda que se

dê especial atenção ao boxe sobre Pompéia” (BOULOS JR, 2006, vol. 1, p. 29) e

“apresentamos a seguir uma proposta que pode ser adaptada e reproduzida”

(SANTIAGO, vol. 1, p. 14, 2006). Na primeira pessoa, os textos dos manuais do

professor tanto explicitam com maior precisão as escolhas quanto expõe as posições do

autor sob a forma de considerações. Mostra isso o frequente recurso que há nessas

coleções a expressões como “consideramos oportuno lembrar”, “optamos partir das...”

ou “tomamos o cuidado de escolher” (BOULOS JR, vol. 1, p. 13, p. 15, p. 14).

Por outro lado, há coleções didáticas em que se preferiu utilizar formas de

indeterminação do sujeito nos enunciados dos manuais do professor (por exemplo,

CARDOSO, 2007; MONTELLATO; CABRINI; CATELLI, 2002 e BRAICK; MOTA,

2006). Segundo Fiorin (2008, p. 86), a forma indeterminada serve para que o

enunciador se esvazie de toda e qualquer subjetividade e se apresente apenas como

papel social. Nos manuais do professor em que esse tipo de enunciado predomina,

geralmente, as indicações operacionais recrudescem sob a forma de propostas e

pretensões. Afirmações acerca das expectativas de aprendizagem são as mais

recorrentes nesse sentido: “pretende-se formar no aluno a habilidade de leituras

diferenciadas respeitando a natureza explicativa de cada uma delas sem a preocupação

de confrontá-las e classificá-las como verdadeiras ou falsas” (MONTELLATO;

CABRINI; CATELLI, 2002, vol. 1, p. 39), “procura-se despertar nos alunos o interesse

pelas civilizações grega e romana” (BRAICK; MOTA, 2006, vol. 1, p. 55). Nesses

casos, as prescrições também se apoiam em evidências que, se julga, sejam

compartilhadas por todos. Passagens como, por exemplo, “parte-se dos valores e

eventos do passado que permanecem vivos no presente para não só estabelecer o

vínculo entre passado e presente, mas também atestar a força que as tradições exercem

sobre o presente” (MONTELLATO; CABRINI; CATELLI, 2002, vol. 1, p. 27) e

“introduz-se, neste capítulo, o estudo do período de consolidação da democracia grega e

da formação de seu patrimônio cultural, procurando demonstrar a necessidade de lutar

para preservar as conquistas” (BRAICK; MOTA, 2006, vol. 1, p. 59), presumem que o

estudo da história deve influir nas atuais formas de convivência.

Entre as sugestões dos textos em primeira pessoa e as propostas e pretensões dos

textos que se utilizam das formas indeterminadas em lugar da primeira pessoa ocorrem

maneiras intermediárias de enunciar os critérios para seleção dos conteúdos

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pedagógicos e da disciplina nos manuais do professor. Em PANAZZO e VAZ (2002, v.

1, p. 10) ocorre o uso da primeira pessoa do plural para expressar pretensões quanto ao

trabalho com os conceitos históricos e um acentuado emprego dos modos verbais

imperativos. Já as coleções publicadas por RODRIGUE (2002) e SCHIMIDT (2005),

embora utilizem formas indeterminadas em lugar da primeira pessoa, manifestam-se por

meio de sugestões e do emprego de uma série de recursos para amenizar o caráter mais

ou menos imperativo que envolve as suas proposições. As diferentes formas do autor

intervir no texto do Manual do Professor conformam certos contornos, desenha, a partir

das seleções operadas e dos traços manifestados do seu agenciamento, o que Denis

Bertrand (1982, p. 34-35) chama de disposição cognitiva. Para Bertrand (apud. FIORIN,

2008, p. 63), “o sujeito pragmático da enunciação torna-se desde então ‘configurável’

como um feixe de atitudes em relação aos objetos de conhecimento que ele põe no lugar

e que dispõe segundo as aberturas e as coerções de uma certa ordem do saber”. Nesse

sentido, o autor que se constitui implicitamente no texto é responsável pela

conclusibilidade específica do enunciado18. O conjunto de avaliações e as

representações que, desse modo, ele efetiva no discurso se afigura de maneira a fazer

reconhecer uma maneira própria de estar no mundo (cf. BAKHTIN, 2006).

Em relação ao que é enunciado no Manual do Professor, as inserções

explicativas e incisos nos quais o autor se instala em primeira pessoa ou se indetermina

no texto não são mais que uma pequena parte do seu discurso. As demais estratégias

actanciais (cf. FIORIN, 2008) e recursos para o autor tornar inteligível seus propósitos

se dão sob a forma do gênero no qual o enunciado foi construído. Assim, a intenção

discursiva do autor, sua vontade discursiva, também se revela nas estratégias

linguísticas propiciadas pelo gênero do discurso escolhido. Os manuais do professor das

coleções didáticas recomendadas pelo PNLD-2008 são determinados por considerações

técnicas e por princípios que se busca transformar em regras de ação práticas. Entre

tantas outras, essa sua especificidade configura os procedimentos composicionais e

meios linguísticos que, conforme fazem pensar as proposições de Bakhtin (2006) e de

Bertrand (1982), refletem a posição social e o peso do destinatário. Nessa perspectiva,

um levantamento sumário dos indícios linguísticos que materializam o leitor implícito

nos textos desses impressos adverte que o insistente uso das formas verbais imperativas

18 Para Bakhtin (2006, p. 280-281), a inteireza acabada do enunciado, que assegura a possibilidade de compreensão responsiva, é determinada por três elementos intimamente ligados no enunciado: 1) exauribilidade do objeto e do sentido; 2) projeto de discurso ou vontade de discurso do falante; 3) formas típicas composicionais e de gênero do acabamento.

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ou, então, a escolha do modo indicativo quando se busca orientar uma ação prática do

professor não é uma mera opção estilística.

A docência em História nos manuais do professor

Retomando a maneira ativa como Bakhtin (2006, p. 302) percebe o destinatário

de um enunciado, compreende-se que a escolha dos procedimentos composicionais e

dos meios linguísticos do texto leva em conta a sua compreensão responsiva, projetando

na obra uma representação do leitor. Segundo Fiorin (2008, p. 64), “o texto constrói um

tipo de leitor chamado a participar de seus valores” e que, assim, “intervém

indiretamente como filtro e produtor do texto”. Quando nos manuais do professor o

autor busca orientar uma ação prática é ao seu leitor presumido – o professor – a quem

se dirige. A atenção para o estudo dos dispositivos e dos mecanismos graças aos quais o

texto materializa o leitor que esse autor tem em mente é particularmente fecunda para se

compreender a forma como ele expressa uma representação sobre a docência. É dessa

perspectiva que o gênero didático e o estilo do discurso dos manuais do professor

servem de signos visíveis de uma determinada compreensão do exercício do magistério.

O uso recorrente do imperativo é o primeiro elemento capaz de revelar o

funcionamento refletido da representação nos manuais do professor. Operar o sentido do

fazer no texto através de ordens que pretendem organizar a ação, descrevê-la ou

prescrevê-la tem sido a prática no Manual do Professor. Esses textos constroem o leitor-

docente dizendo-lhe o que fazer como se suspeitassem da sua escassa formação e

experiência e do que lhe falta saber. Por um lado, trata-se de um modo usual de dar

eficácia ao que foi pensado como necessário para a transmissão de conhecimentos.

Entretanto, é igualmente um meio de fixar uma fórmula de trabalho. Expressões como

“faça uma revisão com a turma sobre a contagem do tempo” (PANAZZO; VAZ, 2002,

vol. 1, p. 12) ou “chame a atenção dos alunos para a existência de engenhos onde se

fabrica açúcar” e “destaque a relação entre portugueses e índios” (RODRIGUE, 2002,

vol. 2, p. 56) visam persuadir o docente a incorporar essas ações na sua prática através

de determinações. Nas coleções em que as orientações se dão preferencialmente assim,

o papel do docente para quem construiu o texto fica reduzido a de um executor de

tarefas.

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Também há outros modos de dizer o que é pressuposto e condição da ação

docente nos manuais de ensino de história. Em muitas coleções recomendadas no

PNLD-2008 (como em MODERNA, 2006), os esclarecimentos sobre os conteúdos da

disciplina visam contribuir para se ver com maior clareza o que deve ser ensinado. As

longas sequências sobre a lei de terras de 1850 ou acerca da democracia grega no

Manual do Professor favorecem a concretização de uma possibilidade de abordagem da

matéria em detrimento de outras. Conforme advertem Ciampi et. ali. (1990, p. 150-151),

muitas vezes, na prática, o docente se relaciona com a historiografia como que com a

verdade sobre o tema, e não como uma representação dela. Nesse sentido, os manuais

do professor elaboram séries inteiras de discursos segundos ou derivados por cujo

intermédio é outorgada competência aos interlocutores que puderem assimilá-los (cf.

CHAUÍ, 1989, p. 12). Podem-se distinguir duas formas principais de fazê-lo.

Primeiramente, as explicações do conteúdo são apresentadas para informar o leitor

(MODERNA, 2006, por exemplo) ou como respostas às questões propostas no livro do

aluno (SANTIAGO, 2005; MELLO; COSTA, 2006). Em ambos os casos, dão-se

soluções de inteligibilidade aos critérios de expressão e às problemáticas discutidas no

livro do aluno como, por exemplo, na passagem que se segue: Após a abdicação de D. Pedro I, vários conflitos ameaçaram fragmentar o território

brasileiro em diversas nações independentes. Por quase vinte anos o governo regencial e o imperial lutaram contra a ameaça separatista, procurando fortalecer o poder central. Resultado, o Brasil entrou a década de 1850 como uma nação consolidada, tendo reconhecido o poder do imperador e até mesmo reunindo relativas condições para o desenvolvimento econômico. Entretanto, o país ainda se caracterizava pela ordem oligárquica, fundamentada na economia de latifúndios movidos pela mão-de-obra escrava. A Lei de Terras de 1850 é o melhor exemplo da permanência do poder oligárquico, uma vez que restringiu o acesso da população pobre à propriedade da terra (MODERNA, 2006, v. 3, p. 79). A segunda forma geral de trazer orientação visando o êxito do docente na

consecução do ensino tem sido tratar das questões de método. O Manual do Professor

das coleções didáticas de História propõe estratégias de ensino e metodologias de

abordagem que introduzindo e apresentando o conteúdo (cf. RIBEIRO; ANASTASIA,

2006; BOULOS JR, 2006 ou PILETTI; PILETTI, 2007) ou como destaques de seção

(como CARDOSO, 2007, por exemplo) possibilitam criar determinadas situações de

aprendizagem. Isso se observa bem na passagem citada: O que é importante, neste capítulo, além da análise dos movimentos dos anos 20, é

mostrar ao aluno as várias interpretações a respeito da Revolução de 1930. Existe uma extensa literatura sobre esse tema, apresentando inúmeras possibilidades de análise do movimento e a participação de atores políticos diferentes, o que permite ao professor, trabalhar com o aluno a constatação de que não há uma verdade absoluta na história e que as várias versões são discursos historiográficos escritos de acordo com valores de sua época. Estes, por sua vez, são construídos

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sobre outros discursos da época, que são as fontes utilizadas pelo historiador. É uma chance para que o aluno compreenda que não pode recuperar o passado, mas, sim, estudar os discursos, nas suas diversas linguagens, feitos no e sobre o passado (RIBEIRO; ANASTASIA, 2006, v. 4, p. 21). Expedientes desse tipo são característicos dos manuais do professor que

acompanham os livros didáticos de história recomendados pelo PNLD-2008. A se

acreditar, como Chauí (1989) e Paim (2007), que por detrás do discurso competente do

especialista já está pressuposta a incompetência do não-especialista, a mediação do

Manual do Professor apenas permite a ilusão do professor participar do saber histórico

especializado. Nesse sentido, os estudos acerca dos discursos que se criam para e sobre

os professores advertem a respeito das mudanças dos significados originais de várias

categorias e expressões historicamente relacionadas ao exercício qualificado da

docência. Suspeita-se de um mascaramento das reais intenções das propostas que hoje

se pautam em categorias como habilidade, competência, autonomia da escola e do

professor (cf. PAIM, 2007; SILVA, 2008). Conforme avalia Silva (2008, p. 40), do

modo como esses termos estão incorporados aos dispositivos normativos evidenciam

apenas uma linguagem de natureza prescritiva e funcional.

Os boxes, os incisos e inserções explicativas, os destaques e os textos

complementares são outro conjunto de dispositivos discursivos e editoriais que nos

manuais do professor constituem o aparelho formal da enunciação nas coleções

didáticas de História. Tanto quanto o recurso às formas verbais, esses auxílios resultam

de escolhas que revelam algo das perspectivas que se tem sobre a docência. O empenho

voltado para fornecer recursos diversificados ao professor se traduz nos pontos da

matéria e estratégias que são tratados à parte, em boxes, ou destacados em seções

especificas, nas considerações a respeito do conteúdo e da prática e no que se

complementa por meio de textos citados. Esse expediente atende ao que é solicitado em

edital (p. 47) e aparece assentada numa percepção de que os professores não tiveram

formação adequada. Entradas como, por exemplo, “Atenção, professor:” (RODRIGUE,

2002) “Orientações adicionais para o professor” (STAMPACCHIO; MARINO, 2006),

“Comentário:” (MONTELLATO; CABRINI; CATELLI, 2002) e “Dica:”

(SANTIAGO, 2006) ou introduzem uma proposta de estratégia ou insistem na

importância de algum conteúdo específico. Da mesma forma, destaques do tipo “ler

com expressão para motivar o interesse pelo tema” (RODRIGUE, 2002) ou boxes

visando ampliar o que há para dizer de um determinado conteúdo e propondo atividades

indicam que se escreve para o leitor de um guia de trabalho. Assim, também os textos

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complementares e demais indicações de bibliografia, sítios, filmes e instituições de

pesquisa buscam contribuir com referências acerca do que falta o professor ter ou saber.

Sobretudo desta perspectiva, o Manual do Professor constitui repertórios inteiros de

atividades, imagens e referências de material impresso e audiovisual.

Além das orientações de método e de conteúdo e do repertório indicado de

materiais, as referências à docência que são feitas nos manuais do professor fazem

reconhecer uma certa maneira de exercer o magistério. As solicitações de atividades, os

destaques, os incisos e inserções explicativas contidas nesse tipo de impresso envolvem

uma determinada concepção do seu destinatário. Os manuais das 19 coleções didáticas

de história recomendadas pelo PNLD-2008 demandam ações do professor por meio do

uso de, entre muitos outros mais, verbos como orientar, esclarecer, escolher,

selecionar, propor, coordenar, estabelecer critérios, explicar, auxiliar e apresentar

conclusões. Conforme apontei anteriormente, assim, trabalha-se numa lógica que

pressupõe o domínio de uma série de habilidades e competências por parte do professor

e não reconhece nos saberes e estratégias próprias do seu ofício um móvel da prática,

um meio de “criar condições para o trabalho coletivo numa situação de pressão

institucional” (CHARTIER, 2007, p.168). O estudo das solicitações de atividade e

leitura indicadas nos manuais do professor foi aqui uma maneira de inventariar os

modos pelos quais a prática do ensino de História é percebida.

A maneira como esses manuais caracterizam a ação ou o conhecimento que se

solicita do professor articula atividades pragmáticas e cognitivas. Recorrentes, os

períodos do tipo “Você pode orientar o trabalho de pesquisa nos grupos e a organização

dos dados obtidos” (STAMPACCHIO; MARINA, 2005, v. 1, p. 18) ou “(...) ensine aos

alunos como fazer o fichamento dos livros que lêem” (PANAZZO; VAZ, 2002, v. 1, p.

16) lembram ao seu leitor que há esquemas de ações breves, estáveis e simples de fazer

para ensinar procedimentos de estudo. Por outro lado, indicações como “(...) consulte e

leia esse material, de forma a garantir uma formação continuada (SANTIAGO, 2006, v.

1, p. 23) e “cabe ao professor avaliar a coerência e a argumentação dos alunos”

(RIBEIRO; ANASTASIA, 2006, v. 1, p. 15) insistem que as condições do fazer

dependem de um saber. Saber e fazer e saber-fazer são condições da prática docente

que não se enredam facilmente nos manuais do professor das coleções didáticas de

História. Em muitos aspectos, o investimento que é realizado no Manual do Professor

para engendrar dinâmicas de evolução do ofício mascara toda uma série de ações

profissionais ordinárias, mas sem estatuto no discurso de formação docente. Assim,

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apesar das insistentes recomendações acerca do trabalho com diferentes linguagens,

com fontes e recursos audiovisuais, por meio de dramatizações e de jogos e de

organização de eventos, debates e passeios, não há o que se encontrar nesses impressos

sobre os constrangimentos específicos do exercício da docência. As formas de

organização da classe e o controle da sua disciplina, os gestos, as maneiras de fazer e os

procedimentos de conduta entre outras tantas ações implícitas da aula são largamente

ignoradas diante da preocupação com as questões metodológicas da matéria, os

processos de aprendizagem, e as modalidades de atividade e avaliação.

O trabalho com os manuais permite constituir não mais que um repertório das

invariantes estruturais do ensino de história. Desse modo, as estratégias constitutivas da

prática do ensino de história e consideradas dignas de serem transmitidas se passam por

evidências do saber docente valorizado nessa disciplina. As rotinas de elaboração visual

das aprendizagens (cartazes, paineis e construção de materiais), de discussão e reflexão

(debates, seminários e entrevistas) ou de síntese (exposições, resumos) e as dinâmicas

de jogos e representações prescritas nos manuais do professor das coleções didáticas

recomendadas no PNLD-2008 fazem reconhecer uma prática que privilegia a cultura da

participação. Igualmente, abordagens didáticas cada vez mais capazes de refletir os

avanços da ciência histórica e a incorporação de soluções pedagógicas propostas para o

ensino de história visam atingir o fundo e a forma da narração histórica em sala de aula.

Nesse sentido, as múltiplas práticas de ensino que assim se pode identificar não deixam

de se fundar e de dar expressão a um conjunto de padrões didáticos estruturados e

sugeridos no país para o ensino da História no processo da chamada abertura

democrática de fins dos anos 70 do século passado. Contudo, hoje a incorporação pelas

instituições daquele discurso de redefinição da História ensinada possui significados

próprios e segue numa perspectiva de reforçar a separação entre os que pensam e os que

fazem (cf. PAIM, 2007, p. 161; CHAUÍ, 1989, p. 13). Não por acaso, como as reformas

educacionais das últimas duas décadas, os manuais do professor dão crédito aos

procedimentos de trabalho racionalmente realizáveis, passíveis de planejamento e

registro e a docência é representada, simplesmente, como capaz de reiterá-los.

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As fórmulas estereotipadas da interação didática no ensino de História

As pesquisas sobre as maneiras do professor realizar seu trabalho em sala de

aula e dele usar os materiais didáticos mostram que, no fazer cotidiano, os docentes

tornam possíveis variações em relação ao prescrito e planejado. Os estudos de Araújo

(2001), Cassiano (2003), Soares (2008), Bittencourt (2008) e Rocha (2009) vêm

documentando expedientes de ensino e administração do dia-a-dia da sala de aula que

impedem tomar o professor como simples executor de modelos prescritos. Não obstante

toda uma literatura que trata dos níveis de autonomia e de planejamento do professor

(ARROYO, 2000; THERRIEN; DAMASCENO, 2000; PIMENTA, 2002;

CONTRERAS, 2002), aquela perspectiva persiste nos manuais do professor das

coleções didáticas de História como característica de seu gênero discursivo. Conforme

insistia Bakhtin (2006, p. 282), todos os enunciados “possuem formas relativamente

estáveis e típicas de construção do todo”. Desse modo, persuadir o leitor a respeito da

melhor forma de uso da obra parece ser, em muitos dos seus sentidos, uma exigência do

manual. Contudo, os espaços de ação que o docente se autoriza ter e que as pesquisas

recentes fazem reconhecer não são ignoradas. Os manuais do professor prevêem a

possibilidade de escolha e decisão do professor numa pequena parte das suas instruções,

assumindo que há limites à apropriação das orientações prescritas.

As formulações do tipo “O professor deve escolher...” (MONTELLATO, 2002,

v. 1, p. 77) ou “Você deverá escolher...” (STAMPACCHIO; MARINO, 2005, vol. 1, p.

19) dão solução à necessidade de estimular o professor a compreender que seu local de

atuação deve ser utilizado como fonte de recursos e materiais didáticos. O apelo mais

direto nessa direção diz respeito ao reconhecimento de que a cultura material disponível

no ambiente, nos museus ou arquivos de uma determinada cidade é parte dos recursos

para lecionar história. Assim, não há, nos manuais do professor das coleções assim

orientadas, relutância ou subterfúgio algum em delegar aos docentes escolhas quanto

aos objetos de trabalho mais de acordo com a realidade local. Nesse mesmo sentido, as

escolhas quanto à organização das atividades recomendadas no Manual do Professor

indicam, igualmente, que há uma autonomia necessária ao exercício da docência.

Noutro extremo dessa situação, a validade que as escolhas do professor têm para o

ensino apenas se manifesta de modo hipotético. A variação sobre o prescrito é apenas

considerada abstratamente, sem que ela precise ou venha a se realizar. O reiterado

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emprego de expressões como “você pode (ou poderia) orientar, estabelecer ...”, “seria

interessante que você...”, “se o professor achar conveniente...” ou “pode-se ainda

propor...” denotam uma situação cuja condição de realização é desconhecido do

emissor. Essa relação do enunciado lingüístico com a realidade é ilustrativa do lugar que

as escolhas do professor têm nos discursos endereçados para quem atua na prática.

Mesmo nas coleções em que se reconhece a certa liberdade que o professor tem para

escolher objetos de ensino e pesquisa e procedimentos essa tem sido a forma

predominante de expressar a autonomia docente. Complementar às demandas da

necessidade e às condições de realização do ensino, outra maneira de se reconhecer o

espaço de manobra do professor na sala de aula tem a ver com as possíveis adaptações

que então se podem fazer e com as alternativas cuja conveniência a própria prescrição

considera. De antemão, o texto dos manuais do professor indicam o que vem a ser

passível de ser adaptado e reproduzido (como em SANTIAGO, 2006, p. 10 e 14) e

ponderam sobre o que é indiferente aplicar como atividade individual, em dupla ou

grupo ou, então, conduzir oralmente ou por escrito (como em SCHMIDT, 2002, p. 14).

Essas fórmulas vêm se fixando nos manuais do professor, refletindo as

discussões a respeito das possibilidades de autonomia no exercício do magistério.

Outros tipos recorrentes de formulações servem às necessidades de escrever sobre o

trabalho ordinário dos docentes aos docentes. A colaboração entre professores de

disciplinas diferentes, a sistematização dos conhecimentos prévios dos alunos, as

atitudes que se pretende que o aluno desenvolva constituem um repertório de fórmulas

correntes nos atuais manuais do professor. Trata-se de recursos reiterados nas

orientações ao docente que acompanham as coleções didáticas de história. Bakhtin

(1992, p. 126) fala em estereótipos no discurso quando se identificam procedimentos

assim comuns de enunciação, relativamente regularizados no canal de interação social

que lhe é reservado e reforçado pelo uso e pelas circunstâncias. Nesse sentido, as formas

particulares de palavras-alusões fazem reconhecer elementos da interação que o ensino

de história delimita, por exemplo, com o currículo, a sociedade e o aluno (interesse).

No que se refere ao currículo, a requisição da participação de professores de

outra disciplina nas propostas de atividades de história é normalmente o meio pelo qual

se proclamam os ideais da interdisciplinaridade ou a transversalidade curricular nos

manuais do professor das coleções didáticas da área. Assim, as indicações acerca das

possibilidades de colaboração dos professores de Matemática e Ciências ou a solicitação

da participação de docentes das áreas de Geografia, Artes, Língua Portuguesa e

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Educação Física prevêem a importância e a necessidade de atividades

multidisciplinares. Ocorre que a iniciativa se limita a essa espécie de personalização do

componente curricular no docente. Mesmo promovendo ações conjuntas entre

professores, na maior parte das vezes, os manuais didáticos das coleções escolares de

história desconsideram que a interdisciplinaridade envolve raciocínio específico e um

planejamento de aula conjugado de diferentes disciplinas. Ainda são poucas as

orientações que percebem o próprio conhecimento histórico como interdisciplinar

(como em PILETTI; PILETTI, 2005, p. 32). Em todo caso, as formulações sobre a

interdisciplinaridade se dão em qualquer manual do professor, refletindo uma certa

representação acerca do ensino da matéria e das suas relações com o currículo escolar.

A respeito das finalidades sociais do ensino de história, a contribuição que ele

oferece para a construção de uma cidadania enraizada numa comunidade é

reiteradamente proclamada. Conforme mostrou Circe Bittencourt (1997, p. 20), “o papel

da História como disciplina encarregada da formação do cidadão político não é velado

ou implícito, como ocorre nas demais disciplinas curriculares”. Propõe-se formar

cidadãos para uma vida solidária e democrática, com visão crítica da realidade e espírito

participativo. Há expectativas nesse sentido quanto ao desenvolvimento de atitudes e

procedimentos e a possibilidade de elaborar conhecimentos a partir da experiência. Os

manuais do professor das coleções didáticas de história recomendadas pelo PNLD-2008

registram que o ensino da matéria contribui para construir uma comunidade aberta a

outras solidariedades que não a da nação e, assim, uma perspectiva indispensável para o

exercício do pensamento livre. Todas essas fórmulas servem às necessidades de

elaboração do papel do ensino da história no currículo, são elementos regulares do

discurso sobre o ensino de história que se veiculam nos manuais da disciplina.

Sobretudo, elas são delimitadas e determinadas pela missão que se confia ao ensino de

história, aos seus professores e à escola.

Outra formulação que participa das diferentes formas de construção dos

enunciados sobre o ensino de história nos manuais didáticos é a do interesse dos alunos.

As orientações ao professor desses manuais solicitam que os docentes despertem e

explorem o envolvimento do aluno com as problemáticas propostas no ensino da

História. Mobilizar os alunos para refletirem sobre o conhecimento histórico é

invariavelmente tida como responsabilidade do professor. Nos manuais didáticos, as

condições para criar o interesse da classe pela abordagem da matéria estão associadas ao

“talento” do professor para instigar e envolver todos os participantes, estimulando-os.

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Nesse sentido, há coleções que subsidiam com sugestões de questões motivadoras, de

filmes, de músicas e brincadeiras. Outras coleções demandam do professor estimular os

alunos a interrogar, refletir, levantar dúvidas e observar, motivá-los nas tarefas e

produções. Ainda que mesmo assim não se deixe de acreditar que a execução das

atividades propostas por si só produz aprendizagem, os manuais do professor das

coleções didáticas de história solicitam a presença do docente nas dinâmicas de

aprendizagem.

As idéias de Bakhtin (1992, p. 126) sobre a estrutura sociológica da enunciação

mostram que “toda situação inscrita duravelmente nos costumes possui um auditório

organizado de uma certa maneira e consequentemente um certo repertório de pequenas

fórmulas correntes”. Depois de duas décadas de funcionamento do PNLD, as coleções

didáticas são parte da rotina escolar e tem se adaptado a esse meio social refletindo o

tipo das suas estruturas de funcionamento, os seus objetivos e a composição social do

grupo que as integra. Também nos manuais do professor encontram-se formas

específicas de construção das enunciações que, além de um uso característico de

palavras-alusões, expressam obrigação, fins e uma qualificação do ofício. Mais uma

vez, a relevância dessas configurações discursivas específicas para o estudo dos

métodos e técnicas de ensino diz respeito às operações de recorte e de classificação

graças às quais produzem certa percepção da realidade.

A construção de enunciações que Bakhtin (1992, p. 126) considera haver nos

lugares de trabalho, na escola parece ser representativa das relações que a docência

mantém com as práticas do seu ofício, com o conhecimento e com o aluno. Há vestígios

das relações que se travam na escola nos textos dos manuais do professor. Nota-se

primeiro que a relação de poder expressa pelas obrigações do ofício docente fica sempre

muito reduzida aos serviços ordinários. O planejamento, o registro, a orientação das

atividades, a correção dos resultados, o estímulo à atenção do aluno, a distribuição dos

materiais e organização do trabalho e da apresentação dos alunos em sala são os

imperativos cotidianos reiterados ao docente-leitor a cada novo conjunto de temas e

atividades. Por outro lado, as finalidades do ensino se estendem desmesuradamente.

Além de contribuir para a formação de cidadãos e construir uma ideia clara dos

acontecimentos e processos históricos e de sua sucessão no tempo pede-se ao professor

de história que também provoque atitudes solidárias de convívio social e tolerância,

promova o desenvolvimento do juízo crítico e desenvolva a competência leitora dos

seus alunos. Entre outros tanto exemplos, desenvolver habilidades cognitivas como

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capacidade de análise, inferência, interpretação e síntese e valorizar o patrimônio

histórico e cultural de diferentes sociedades tem se associado nos manuais do professor

às tarefas impostas pela inclusão de diferentes visões do passado no ensino da história

do país e a crítica ao eurocentrismo.

Entre o que se concede e aquilo que se demanda do professor, constata-se que os

manuais das coleções didáticas de história formalizam as configurações por meio das

quais a docência e a aprendizagem devem ser percebidas. Assim, ainda que percebida

em função das suas atividades mais ordinárias, a docência de história têm sido

apresentada nos manuais do professor sob a perspectiva da eficácia. É o professor de

história que ajuda a ordenar um discurso sobre o mundo, cria possibilidades de

investigação dos processos históricos locais e dá tratamento didático capaz de facilitar

ao aluno o exercício do pensamento livre. O ofício, então, requer preparo para

problematizar, para analisar e questionar a realidade de uma atualidade sem tradição ou

passado. Em muitos sentidos, o professor de história que os manuais das coleções

didáticas ostentam não é o mesmo daquele que definem como seu destinatário.

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PARTE II

O Ensino de História nas Políticas de Reorientação Curricular do Governo do Estado de São Paulo e da Prefeitura da Capital

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Entre 2004 e 2006 a coligação PSDB-PFL conseguiu eleger José Serra primeiro

para a Prefeitura de São Paulo e, em seguida, para o Governo do Estado de São Paulo.

A partir de então, os currículos escolares foram rediscutidos nas secretarias de educação

do município e do estado com o propósito de “reverter o quadro de fracasso escolar” e

“baixo rendimento do ensino público”. Ainda com Serra na prefeitura em 2006, a

Secretaria Municipal de Educação de São Paulo publicou o seu Referencial de

Expectativas para o Desenvolvimento da Competência Leitora e escritora no Ciclo II

do Ensino Fundamental. No mesmo ano, mas já sob o governo de Gilberto Kassab, em

substituição a Serra, foram editados e distribuídos aos professores da rede municipal os

cadernos de orientação didática específica para cada disciplina do currículo. A

Secretaria Municipal de Educação produziu as Orientações Curriculares e Proposição

de expectativas de Aprendizagem do Ensino Fundamental II no ano seguinte. Em 2008,

a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo desenvolveu uma política do mesmo

tipo. Fez, inicialmente, publicar um documento geral de Proposta Curricular que foi

seguida pela edição em cada bimestre letivo do Caderno do Professor de cada área do

currículo. Também no Governo do Estado, sob o comando de Serra, a proposta de uma

ação integrada e articulada sobre toda a “rede de ensino” incluiu a distribuição de

material impresso específico da área de atuação do professor.

Ambos os conjuntos de orientações trazem Referenciais de História que

permitem pensar algo dos esquemas de percepção atualmente formalizados nas

propostas de reorientação curricular de São Paulo sobre o ensino dessa matéria. Entre

2006 e 2008, os volumes então publicados pelas secretarias de educação municipal e

estadual têm de modo progressivo instituído saberes que submetem o trabalho docente a

processos de ordenação e racionalização expressos em sugestões e prescrições. O estudo

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desse repertório de impressos evidencia como as autoridades se dirigem aos docentes.

Contendo orientações e expectativas e refletindo a concepção oficial dos responsáveis

pela educação na cidade e no Estado de São Paulo, os referenciais de História divulgam

uma proposta de ensino e aprendizagem de cada conteúdo para cada ciclo escolar. Esses

textos constituem uma fonte significativa para a análise das representações da docência

de história do ponto de vista daqueles que procuram disciplinar e orientar o trabalho de

ensino de acordo com os objetivos das políticas educacionais dos governos estadual ou

municipal. Assim, as propostas de intervenção que são feitas nos referenciais também

informam sobre as prioridades didáticas das estratégias de ensino presentemente

propugnadas pelas secretarias de educação da cidade e do Estado de São Paulo.

Debrucei-me sobre essa pista de investigação com o intuito de compreender as

práticas e os objetivos sociais do ensino de História que as atuais políticas de

reorientação curricular articulam em São Paulo. Nesse sentido, a abordagem das

Expectativas de Aprendizagem, das Orientações Curriculares e dos Cadernos do

Professor permite apreender discursos do tipo que Nóvoa (2002, p. 11) considera

exprimir desejos de futuro ao mesmo tempo em que denunciam situações do presente.

Estudei os enunciados que o discurso desses textos dirige ao professor a fim de discutir,

também dessa perspectiva, os regimes de legibilidade e intencionalidade destes

enunciados, os processos que os produziram e as suas estratégias discursivas.

Fundamentalmente, trata-se de uma análise das propostas curriculares do Estado de São

Paulo e da Prefeitura da capital publicadas para orientar a prática docente nas escolas

públicas. Como no caso dos manuais do professor das coleções didáticas, a tipificação,

o estudo do gênero desses textos e dos seus procedimentos composicionais, dos rastros

do processo que os produziu e dos expedientes que visam fazer reconhecer uma maneira

própria de lecionar enfoca o funcionamento da representação no conjunto de

dispositivos discursivos e materiais que constituem o aparelho formal da enunciação (cf.

CHARTIER, 2002, p. 169). As formas de que se valem as publicações institucionais de

reorientação curricular para expressar obrigações, finalidades e uma certa qualificação

do corpo docente constituem mecanismos de produção de sentido que aqui mereceram

atenção.

O primeiro capítulo desta segunda parte trata principalmente dessas questões. De

onde a atenção dada aos elementos capazes de indicar a relação entre o texto e aquele

que o produziu, as marcas daquele que o enunciou. Igualmente, importou analisar o que

Mikhail Bakhtin (2006, p. 302) definiu como fundo aperceptível de compreensão

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responsiva, isto é, o modo como o destinatário é presumido e representado por quem

produziu o texto. Antes de abordar o conteúdo das afirmações técnico-pedagógicas das

publicações institucionais das secretarias de educação do município e do estado de São

Paulo busquei tratar das modalidades de sua enunciação. Portanto, o que se segue

inicialmente é um estudo de tipificação das condições de credibilidade dos dispositivos

representativos utilizados nos impressos da Prefeitura e do Estado de São Paulo para

reorientar a prática da docência em história. Conforme insistia Bakhtin (1992, p. 123), a

análise dos meios da comunicação impressa tem a ver com o esquadrinhamento das

condições da eficácia ou do fracasso dos mecanismos discursivos que visam interagir

com o leitor, responder-lhe algo, refutar, confirmar, antecipar as respostas e objeções

potenciais, procurar apoio. Em parte, as atuais medidas de reorientação curricular têm

mesmo sido esse elemento de comunicação das autoridades educacionais com os

professores, constituindo objeto de discussão e estudo, de comentário e crítica entre os

quadros da escola e nos departamentos técnicos do ensino.

Por outro lado, os referenciais de História publicados nesse contexto de

reorganização representam a política curricular para a área. Fazem parte do ciclo das

políticas educacionais cuja formulação discursiva, segundo Ball, Bowe e Gold (1992),

articulam influência política, produção de textos e a prática. Os autores de Reforming

education and changing schools propõem que o foco da análise de políticas deveria

incidir sobre a formação do discurso da política e sobre a interpretação ativa que os

profissionais que atuam no contexto da prática fazem para relacionar os textos da

política à prática (cf. MAINARDES, 2006, p. 50). Como se vê, os textos são apenas

uma parte muito específica das políticas. Dentre as várias formas que esses textos

podem tomar, desde a legislação e os comentários sobre os textos oficiais até os vídeos,

os referenciais curriculares constituem apenas mais um tipo. Portanto, os resultados da

sua análise não têm representatividade suficiente para permitir conclusões sobre a

dinâmica das reformas educativas recentemente iniciadas. Ainda assim, essas ações

sobre as disciplinas do currículo podem ser das mais hábeis e os seus artifícios gerar

questões estruturais valiosas para a pesquisa, pois as disciplinas, segundo entendem

alguns, articulam práticas e teorias que se situam no nível macro do sistema de ensino e

no plano micro da experiência concreta (GOODSON, 2008; SILVA 2007; SILVA,

1999). Não obstante as limitações, o estudo do conjunto de orientações e cadernos

editados pela prefeitura da capital e pelo governo do Estado auxilia na compreensão das

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relações entre a concepção de currículo e o projeto de formação que essas propostas

mantêm.

Nesta parte, o segundo capítulo principalmente enfoca o discurso dirigido aos

professores de História pelas secretarias de educação do estado e do município de São

Paulo e suas estratégias para conferir legitimidade às mudanças propugnadas. O estudo

das prescrições oficiais é então enfatizado para se entender as visões e os significados

do projeto de inovação que elas expressam. A análise combina o inventário dos

dispositivos e das rotinas do trabalho docente organizados nas Expectativas de

Aprendizagem, nas Orientações Curriculares e nos Cadernos do Professor e uma

abordagem do uso que a prefeitura e o governo do Estado de São Paulo têm feito desses

referenciais para qualificar o trabalho educativo das escolas públicas. O argumento que,

desse modo, procurei desenvolver aqui sublinha a utilidade das ações de reorientação

curricular em São Paulo para a implantação de políticas de contratação e promoção

docente voltadas para a generalização de um padrão mínimo de qualidade e o

pagamento por resultados. Portanto, o viés adotado pela abordagem privilegia os

materiais impressos que as estratégias de remodelação das práticas escolares puseram

em circulação entre os professores. O caso das publicações da área de história

exemplifica muito das escolhas e dos valores relevantes às pretensões das atuais

reorientações curriculares de São Paulo, mas também coloca questões de investigação

específicas. A maneira como a história é didatizada e o seu ensino prescrito nessas

propostas suscita práticas, tópicos programáticos e relações pedagógicas cuja análise

importa à compreensão do sentido atualmente construído para o ensino da história na

escola pública. Assim, tratei dos referenciais curriculares de História produzidas nas

secretarias municipal e estadual de educação de São Paulo como meio para discutir as

práticas escolares, as ações e criações que as autoridades públicas demandam do

docente nessa área do ensino fundamental.

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  CAPÍTULO 01

Propostas de Ensino da História e Expectativas de

Aprendizagem da Reorientação Curricular em São Paulo 

Como parte das atuais políticas de currículo e escolarização do governo de São

Paulo e da Prefeitura da capital, os professores de História do ciclo II do ensino

fundamental receberam uma série de materiais impressos para orientar o ensino da

matéria. Ainda que iniciadas em gestões organizadas por José Serra, primeiro na

prefeitura (2005-2006) e depois no governo do Estado (2006-2010), tratam-se de

iniciativas específicas a cada uma dessas redes de ensino.

Em 2006 foi apresentado pela Diretoria de Orientação Técnica da Secretaria

Municipal de Educação de São Paulo o documento geral do projeto “Ler e escrever em

todas as áreas do Ciclo II”. Sob o título Referencial de Expectativas para o

Desenvolvimento da Competência Leitora e Escritora no Ciclo II do Ensino

Fundamental, chegou aos docentes e coordenadores pedagógicos das escolas

municipais da capital uma publicação institucional visando subsidiar o planejamento

das ações dos professores (SÃO PAULO, 2006a, p. 7). Já sob a administração Gilberto

Kassab, que em substituição ao governo Serra prosseguiu a sua política curricular,

seguiram-se os referencias específicos de cada disciplina. Editado em 2006, o

Referencial de Expectativas para o Desenvolvimento da Competência Leitora e

Escritora no Ciclo II do Ensino Fundamental em História traz orientações de como

organizar o trabalho com os diferentes gêneros de texto no ensino de História. No ano

seguinte, a publicação das Orientações Curriculares para o Ensino Fundamental em

História no ciclo II estabelece expectativas quanto à aprendizagem da matéria.

A mesma estratégia foi organizada na Secretaria de Estado da Educação de São

Paulo em 2008 quando então os professores das escolas estaduais receberam uma versão

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impressa da Proposta Curricular do Estado de São Paulo para os níveis de ensino

fundamental-ciclo II e médio. Embora já inicialmente discriminado por disciplina, o

documento básico apresenta os princípios orientadores da proposta geral. Informa que

Orientações para a Gestão do Currículo na Escola acompanham a iniciativa que, no

entanto, só se completa com um conjunto de documentos dirigidos especialmente aos

professores, os Cadernos dos Professores (SÃO PAULO, 2008, p. 9). No decorrer do

ano ocorreu a distribuição desses cadernos aos docentes do ciclo II do ensino

fundamental e do médio. Organizado em volumes bimestrais, todo o material dirigido

ao professor constitui uma coleção de 28 cadernos por disciplina. Como as demais, a

coleção de História é organizada por séries e constituída de orientações para o trabalho

de sala de aula, para a avaliação e a recuperação. Em 2009, além de edições atualizadas

do Caderno do Professor, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo também

distribuiu aos alunos o Caderno do Aluno, impresso de referência para as atividades em

sala de aula.

Esses esforços, que, assim, põem em evidência dispositivos de generalização de

saberes e normatização de práticas, sobretudo configuram situações e modalidades de

uso escolar de procedimentos pedagógicos veiculados a partir de lugares de poder

determinados. Nos expedientes com que atualmente se vêm tentando determinar os

conteúdos e os meios do ensino de História em São Paulo, importou-me compreender

algo dos modos como veiculam representações sobre o papel da docência de história na

escola pública, sobre as condições de uso das orientações curriculares por parte dos

professores e sobre as relações de ensino e aprendizagem que funcionam como regras

de uso dos materiais escolares. A fim de repensar as formas como o ensino de história é

desse modo construído e percebido pelo poder político, analisei o conjunto de

orientações curriculares editados pela secretaria municipal e estadual da educação de

São Paulo para o ciclo II do ensino fundamental. Portanto, o que segue diz respeito ao

estudo comparado do Referencial de Expectativas para o Desenvolvimento da

Competência Leitora e Escritora no Ciclo II do Ensino Fundamental-História, das

Orientações Curriculares para o Ensino Fundamental e proposição de Expectativas de

Aprendizagem-Ensino Fundamental II-História,da Proposta Curricular do Estado de

São Paulo-História e de 16 dos seus 28 Cadernos do Professor de História e dos

dispositivos materiais de sua produção e circulação. Trata-se de uma abordagem das

formas e dos tipos de interação verbal a que se prestam, das representações que

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determinados agentes fazem de si próprios, de suas práticas, das práticas dos outros e da

escola fundamental.

As políticas de currículo e o ensino de História

As mudanças na configuração do currículo recentemente propostas pelas

secretarias de educação do município de São Paulo e do Estado afirmam as suas

pretensões quanto à melhoria da qualidade do ensino das escolas públicas. São,

sobretudo, respostas à situação de fracasso escolar que ambas as gestões acusam

caracterizar suas redes de ensino. Em vista dos resultados obtidos nas avaliações

externas ou segundo uma compreensão que considera ineficiente as políticas de

descentralização que conferiram autonomia às escolas para definir seus próprios

projetos pedagógicos, vem se buscando ações integradas e articuladas para reverter esse

quadro. Na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (2008, p.8) as iniciativas

visam à produção e à divulgação de subsídios que incidam diretamente na organização

da escola e das aulas. Associam-se o currículo à gestão complementando a Proposta

Curricular com um segundo documento, de Orientações para a Gestão do Currículo na

Escola e dirigido aos dirigentes e gestores escolares. Já as mudanças que a Secretaria

Municipal de Educação propõe para o currículo do Ciclo II do Ensino Fundamental

estão articuladas ao “Programa Ler e Escrever – Prioridade na Escola Municipal”.

Composto por três projetos – “Toda Força ao 1º Ano”, “Projeto Intensivo no Ciclo I” e

“Ler e Escrever em Todas as Áreas do Ciclo II” –, este programa tem a finalidade de

“reverter o quadro de fracasso escolar associado à alfabetização” (SÃO PAULO, 2006a,

p. 6). Em conjunto, os materiais elaborados pela Diretoria de Orientação Técnica da

Secretaria Municipal orientam o ensino da leitura e da escrita em todas as séries e áreas

do ensino fundamental.

A tendência a assumir que o currículo pode ser administrado por meio de uma

política de orientações prevalece em ambas as propostas. Conforme sugerem Ball,

Bowe e Gold (1992), os textos representam uma política desse tipo de diversas formas:

textos legais, comentários, pronunciamentos e vídeos. Sobretudo, são produtos de

múltiplas agendas e sua formulação envolve intenções e negociação dentro do Estado e

do processo de formulação da política. Ball (1993) explica que assim as orientações

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incorporam significados e utilizam de proposições e palavras por meio das quais certas

possibilidades de pensamento são construídas. Segundo sua análise, enquanto discurso,

a política estabelece limites sobre o que é permitido pensar e tem o efeito de distribuir a

fala, uma vez que somente algumas vozes serão investidas de autoridade. Mainardes

(2006, p. 54) mostra que, com base em Foucault, Ball entende que as políticas podem

então tornar-se “regimes de verdade”. Em muitos sentidos, estudos como os de Ball,

Bowe e Gold, como também os de Bernstein (1996), Apple (1997), Popkewitz (1997),

Silva (2007) e Goodson (2008), discutem os modos como as relações de poder e

dominação vão sendo institucionalizadas por meio do currículo. Não obstante as

diferenças de perspectiva, suas análises evidenciam que o currículo se compõe pela

construção de significados e de valores culturais, e que estes estão relacionados à

dinâmica de produção do poder. Portanto, não há porque deixar de considerar as atuais

pretensões de mudança nos currículos das escolas municipais da capital e das estaduais

de São Paulo como um novo episódio no enredo histórico de conflitos em torno da

construção e reconstrução de parâmetros para as práticas de sala de aula.

Também neste caso, trata-se de discutir como as atuais reorientações do

currículo têm produzido um novo discurso regulativo e se legitimado. A política

curricular que as secretarias de educação municipal e estadual de São Paulo vêm

instituindo nas suas redes de ensino detalha metas e padrões de desempenho dos

professores, prescreve-lhes as estratégias e enfatiza um ensino voltado para avaliações

externas. A reação contra a autonomia conferida às escolas na Lei de Diretrizes e Bases

e a capacidade dos professores rejeitarem ou refratarem as mudanças de orientação

assume como incontestável a suspeita dos docentes não terem tido formação adequada e

da escola realçar a segregação social em termos de proficiência e rendimento dos seus

alunos. Nesse sentido, os referenciais curriculares tanto conferem estruturação ao

currículo oficial básico de toda a rede de ensino quanto contribuem para tornar

gerenciáveis as performances dos docentes em sala de aula de um ponto de vista

organizacional. Assim, o objetivo de organizar melhor o sistema educacional e

qualificar o currículo das escolas públicas a partir de um foco definido, a atenção aos

indicadores de qualidade do trabalho docente e a ambição de intervir sobre a gestão da

sala de aula justificam as atuais iniciativas de reforma em São Paulo. A orientação

curricular que domina o campo dessas ações é racionalista e intimamente associada a

formas de administração e ao estabelecimento de metas. Nas diferentes disciplinas que

compõem o currículo do ciclo II das escolas de ensino fundamental, pode-se notar que o

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enfoque nas práticas visa desenvolver procedimentos adequados às prescrições. Na

verdade, as especificações técnicas para se lecionar a matéria apenas conservam o

arcabouço estrutural que já rodeia o ensino público conquanto entesouram as disciplinas

escolares como base para o currículo19.

Enquadrado nessa espécie de perspectiva estandardizada das atuais propostas

curriculares, o ensino de História enfrenta um duplo desafio. Por um lado, demanda-se

da docência em história desenvolver as capacidades de leitura e escrita dos alunos.

Além das questões intrínsecas aos métodos da história e do seu ensino, os referenciais

de História afirmam a necessidade do professor organizar uma rotina de leitura com os

alunos e desencadear possibilidades de registro de leitura de textos de diversos gêneros.

De acordo com o que mostram esses documentos, o ensino de História deve contribuir

para a seleção, organização e difusão de práticas, rotinas e finalidades de leitura operada

na escola por meio de estratégias capazes de estimular os estudantes a preocupar-se com

a leitura e a questionar a diversidade do que é possível ler. Por outro, reinventar uma

abordagem que levasse em conta as diferentes visões sobre o passado e o presente do

país tem sido uma contribuição esperada por setores cada vez mais amplos da sociedade

para a formação de uma nova cultura de participação. Os significados sociais da ação

sobre o currículo ainda não deixam de envolver o ensino da história com a agenda

política do momento. A história permanece uma disciplina central aos esforços que, no

Brasil, desde o processo da abertura democrática, visam fazer o aluno compreender o

seu tempo e perceber-se como agente social capaz de transformar a realidade. No

entanto, em vez de contribuir para que o aluno adquira uma postura crítica em relação à

sociedade em que vive, o ensino da história vem sendo um vetor da inclusão social.

Ainda por meio do questionamento e da problematização da realidade, o ensino da

história atualmente presta-se melhor à “construção de cidadãos enraizados numa

comunidade de memória livremente escolhida”, como percebe Dominique Borne (1998,

p. 140), “sem arrogância” e “aberta a outras solidariedades que não a de nação”.

Os referenciais de História hoje implantados pelo município da capital e pelo

governo do Estado não são apenas marcados pelas modalidades da aprendizagem com

que programam o ensino. Eles testemunham também o tipo de atenção que se dirige aos 19 Segundo a perspectiva aberta por Ivor Goodson (2008, p. 28) a disciplina escolar funciona como arquétipo da divisão e da fragmentação do conhecimento na sociedade atual. De acordo com Goodson, “encapsulados no microcosmo de cada disciplina, debates mais amplos sobre os objetivos sociais do ensino são levados a cabo, mas esses debates são realizados de uma maneira insulada e segmentada (na verdade, sedimentada) na série de diferentes níveis internos e externos e nas arenas públicas e privadas do discurso.

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docentes dessa disciplina nas escolas públicas. O estudo da maneira como nessas

instruções os especialistas e as autoridades públicas tentam se apoderar do papel que

lhes convém e atribuir ao docente os papéis que escolheram para eles sugere a

importância do texto na gestão da política de currículo. Nesse sentido, análises sobre o

funcionamento refletido da representação, como são as de Chartier (1991) e Prost

(2008), enriquecem a compreensão dos efeitos de sentido que as formas de enunciação

das propostas curriculares produzem. Na análise do texto dos referenciais, levar em

conta o conjunto dos dispositivos discursivos e materiais que constituem o aparelho

formal de enunciação permite explorar os meios através dos quais a docência é

percebida, construída e representada nesses documentos. Para identificar e articular as

diversas relações que o poder público e os especialistas mantêm com o docente de

história importa discutir as concepções de destinatários típicas dessas propostas

curriculares. Há nos referenciais curriculares uma série de artifícios para impor uma

significação unívoca, para enunciar e produzir sua correta interpretação, que é também

um modo de supor o exercício adequado da docência. Por essa razão, as relações entre

as atuais políticas de currículo e o ensino de história levaram-me a pensar nos discursos

para e sobre os professores como um instrumento essencial para compreender as

estratégias de regulação da atividade da docência nessa disciplina. Sobretudo porque as

representações da docência que autoridades e especialistas afirmam ao professor fazem

parte integrante da realidade do magistério, definem um campo de lutas no qual os

referenciais curriculares tem uma pertinência operatória ímpar no ordenamento e na

hierarquização da autoridade e das competências.

A elaboração didática da História nas Orientações Curriculares

São sérias as críticas que os estudos sobre as políticas educativas e ensino

consolidaram a respeito do alcance efetivo das prescrições curriculares. Bernstein

(1996), Sacristán (1996), Apple (1982) e Goodson (1995) contribuíram de diferentes

formas para a abordagem da distância que há entre a produção do discurso oficial e sua

incorporação pelas instituições educativas. Suas considerações acerca da passagem do

discurso instrucional e regulativo para a prática insistiam que as escolas atribuem

significados próprios aos dispositivos normativos oficiais. Essa perspectiva de análise

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contribuiu para o desenvolvimento de pesquisas preocupadas em situar o conjunto de

agentes constituintes do saber escolar, especialmente professores, alunos e comunidade

escolar. Especialmente Paul Willis (1991) e Stephen Ball com Ivor Goodson (1984)

procuraram entender como grupos particulares atuam durante as mudanças do currículo,

respondem-nas ou apropriam-se delas. A publicação no Brasil dos principais teóricos do

currículo e das reflexões de Antônio Flávio Moreira (1990), André Chervel (1990), Jean

Claude Forquin (1992), David Hamilton (1992), Thomas Tadeu Silva (1994; 1999) e

Popkewitz (1998) consolidaram a abordagem das especificidades do conhecimento

escolar como uma área profícua de investigação. Para Circe Bittencourt (2003, p. 13), as

disciplinas escolares passaram a ser incluídas como um dos objetos importantes das

investigações sobre as práticas escolares nesse processo. Os resultados mais recentes de

pesquisa na área de ensino de história dão-lhe razão. Ao mostrar o papel do professor e

do seu horizonte de expectativas na construção dos significados das propostas de

reforma do currículo, as análises dos paradigmas atuais do ensino de história têm

permitido ver uma educação que está muito distante das intenções mandatárias. O

estudo do uso efetivo do livro didático (ARAÚJO, 2001), das práticas de construção,

elaboração e correção de atividades (SOARES, 2008), da apropriação dos programas de

ensino (CIAMPI, 2000) e do funcionamento dos mecanismos da ação docente (CAIMI,

2008) no ensino de história vai mostrando que respostas criativas e práticas

consequentes se impõem à urdidura das prescrições.

Apesar disso, a compreensão dos programas de ensino não deixa de interessar.

Como avalia Monica Ribeiro da Silva (2008, p. 34-35), considerar que nas escolas se

reinterpreta, reelabora e redimensiona o discurso oficial não significa, porém,

menosprezar a relevância desse discurso. Sobretudo, sua importância está na força que

exerce na produção de um novo discurso regulativo. A legitimidade que o currículo

oficial confere às finalidades educacionais de escolarização das reformas quando realiza

a apropriação de um ideário pedagógico já legitimado implica estudo. Nessa direção, as

investigações acerca das prescrições da sua linguagem normativa (BERNSTEIN, 1996),

do contexto da produção do seu texto (BALL, BOWE, GOLD, 1992) e da história da

sua construção (GOODSON, 1995) constituem referências que têm permitido analisar a

operacionalização da linguagem nos currículos oficiais. No Brasil, o acumulado das

abordagens preocupadas com essas problemáticas adverte acerca das condições de

locução daquilo que é prescrito para o ensino. Atualmente, as análises das prescrições

curriculares de autores como Silva (2008), Silva (1999), Gimeno Sacristán (1998),

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Moreira (1997) e Silva e Moreira (1994) mostram que o apelo à noção de competências,

as representações e as práticas que as prescrições formalizam nas escolas e a insistência

na necessidade de adequação da escola às mudanças ocorridas no âmbito da economia e

da cultura impactam o ordenamento das disciplinas escolares.

Na perspectiva aberta por esses estudos, compreende-se que as demandas

políticas e sociais constituem um primeiro aspecto de reorganização dos procedimentos

de ensino nas escolas públicas. Na elaboração da didática de ensino das propostas de

reforma, a incorporação da agenda política de governo define encaminhamentos que dão

respostas efetivas aos problemas priorizados. Assim, as atuais propostas de reorientação

curricular do Governo de São Paulo e da Prefeitura da capital também contribuem para

a apropriação das políticas públicas de educação nas escolas. Ainda que a fragmentação

do currículo em disciplinas particularize as discussões sobre os objetivos sociais e

políticos do ensino no interior de cada área do conhecimento, há expedientes visando

articular e conjugar fins comuns ao ensino do que quer que seja na escola. Em muitos

sentidos, o apelo às noções de competências e habilidades, a sua organização pelos

ciclos e séries e a determinação dos conteúdos específicos nas propostas de ensino de

História respondem a artifícios desse tipo. A prioridade para a competência da leitura e

da escrita, a formação de cidadãos críticos e participantes e o compromisso com a

transformação das condições de vida das crianças que frequentam as escolas públicas,

que tanto as Expectativas de Aprendizagem em História quanto a Proposta Curricular de

História recomendam aos seus professores, constituem o compromisso das autoridades

públicas com o ensino de qualidade e tudo o que ele significa para a vulgata política do

momento. Em função desse tipo de redefinição do currículo, o ensino de história

incorpora todo um gênero de metodologias. As “atividades seqüenciais”, as “situações

de aprendizagem” e as rotinas de leitura e avaliação são exemplos de sugestões de

estratégias que promovem práticas restritas, muitas vezes associadas ao trabalho de sala

de aula e ao cotidiano da escola. No entanto, sob o argumento de assegurar “ações

comuns” ou generalizar “padrões”, definem o professor como um mediador prático das

intenções de outras pessoas. Conforme percebeu Goodson (2008) no caso da Inglaterra,

a centralização do poder de decisão nos serviços de educação significou desconsiderar o

professor como intérprete moral e o definidor parcial do currículo. Igualmente, as

orientações curriculares do Estado de São Paulo e da sua capital reduzem a docência às

suas tarefas de mediação por meio de um repertório de procedimentos em que se insiste

fazer o professor cumprir.

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Outro aspecto da reorientação curricular das escolas públicas em São Paulo diz

respeito aos dispositivos de sua organização enquanto proposta. A publicação e

distribuição do Referencial de Expectativas e das Orientações Curriculares aos

professores do ensino municipal e da Proposta Curricular do Estado e do Caderno do

Professor para o magistério estadual reedita uma estratégia comum e já bem estudada

de reforma do ensino20. A investigação histórica das iniciativas de organização de

material impresso visando apresentar as iniciativas de mudança e modelar as práticas

que então prescrevem não só tem percebido e analisado as regras que regem o uso que

as reformas fazem desse tipo de material. Também vem delineando itinerários de

investigação profícuos para a compreensão dos impressos de reforma como meio das

representações que determinados agentes fazem de si mesmos, de suas práticas, das

práticas de outros agentes, de instituições como a escola e dos processos que as

constituem (cf. CARVALHO, 1998, p. 38). Nesse sentido, a ênfase na materialidade do

objeto impresso, a atenção em relação à sua configuração textual e tipográfica, é uma

exigência inicial da análise que se propõe aqui.

Os volumes distribuídos aos professores das escolas municipais da capital e

estaduais são coloridos e ilustrados, possuem um formato de 228mm x 270mm com

lombada quadrada no primeiro caso e 198mm x 258mm com lombada tipo canoa no

segundo21. Fundamentalmente, no entanto, as duas coleções distinguem-se pela

organização do conteúdo e argumento visual. Por um lado, os três volumes de

orientações da Secretaria Municipal de Educação abrangem diretrizes gerais de trabalho

enquanto o material da Secretaria de Estado da Educação se constitui de fascículos

bimestrais especificados por série e voltados para a resolução de situações de

aprendizagem. Por outro lado, a compilação das imagens sugere algo dos projetos de

realização que as secretarias Municipal e Estadual de Educação propõem. No material

da Prefeitura de São Paulo prevalecem imagens do cotidiano das escolas municipais da

capital. Além das ilustrações e da edição de documentos de periódicos, há fotografias de

alunos e de espaços de leitura e aula das escolas do município e reproduções de

20 Em texto programático Marta Carvalho (1998, p. 35) tanto pensa a análise dos impressos de destinação escolar da perspectiva de sua produção e distribuição, como produto de estratégias editoriais em estrita correspondência com os usos que modelarmente lhes são prescritos, quanto da perspectiva dos usos escolares desse tipo de impresso, abordando-o como suporte material de práticas pedagógicas na sala de aula. Catani e Bastos (1997) e Carvalho e Toledo (2007) são estudos aplicados. 21 À exceção do Referencial de expectativas para o desenvolvimento da competência leitora e escritora no ciclo II do ensino fundamental - história que possui lombada tipo canoa na qual se utiliza o grampeamento entre o miolo e a capa como no material distribuído pelo Governo do Estado de São Paulo em 2008.

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trabalhos escolares dos alunos. Dos volumes produzidos pela Secretaria de Estado da

Educação de São Paulo apenas consta o repertório de documentação escrita, ilustrações,

fotografias e reproduções de obras de arte previstas para o uso dos professores.

Comparativamente, a ideia de incorporar as experiências desenvolvidas ou vivenciadas

por professores e alunos como referência de trabalho é mais acentuada no material da

prefeitura que no do governo estadual, este mais voltado para a compilação de fontes e

material de apoio às aulas.

Ainda de acordo com as recomendações de método dos estudos sobre a edição

de textos (PROST, 1996; CHARTIER, 1991; McKENZIE, 1986), é significativo

discernir na materialidade dos impressos analisados as marcas de sua produção,

circulação e uso. Não só os dispositivos do objeto tipográfico que propõem um texto a

leitura produz sentido. Também as maneiras segundo as quais os textos podem ser lidos,

os procedimentos de interpretação e os móveis do discurso consolidam recursos de

apropriação. As condições de exercício da docência nas escolas da prefeitura e do

estado, a maneira como os docentes entenderam o propósito dos impressos que

receberam ou os artifícios textuais que procuram construir o leitor-professor

determinam modos de ler e procedimentos de interpretação significativos. Assim, tanto

as representações inscritas nos textos quanto as produzidas pelos leitores importam à

compreensão dos dispositivos materiais e formais pelos quais a Proposição de

Expectativas de Aprendizagem em História e a Proposta Curricular de História

atingem os professores. Daí, mesmo quando voltada para o “mundo do texto”, a análise

não pode deixar de considerar o “mundo do leitor” se pretender tratar com as

peculiaridades constitutivas de um determinado gênero do discurso.

Por fim, adverte-se que os modelos inscritos em produtos culturais como as

propostas curriculares remetem a práticas cujo exercício pressupõe um lugar de poder.

Conforme preveniu Foucault (2008, p. 58), é preciso também descrever os lugares

institucionais de onde o discurso se legitima e a situação que os sujeitos titulares da fala

nesses lugares ocupam em relação aos domínios ou grupos de objetos sobre os quais

falam. O fato da Proposição de Expectativas de Aprendizagem em História e da

Proposta Curricular de História ser publicações institucionais das secretarias de

educação do Município e do Estado circunscreve suas concepções pedagógicas às

estratégias políticas do governo para os serviços de educação. Em muitos sentidos, os

responsáveis pela produção dos textos desses materiais articulam os interesses mais

estreitos e dogmáticos da política pública à linguagem do interesse público mais geral.

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Atuam de um dos diferentes lugares de produção dos textos na qualidade de

especialistas e, em razão disso, “controlam” as representações sobre o como ensinar.

Não só o prestígio de especialista legitima o discurso oficial, mas, sobretudo, as

possibilidades de pensamento que são construídas dessa maneira investem de autoridade

os responsáveis pelos textos desse tipo de impresso de orientação. À análise dos

regimes de verdade que as políticas de reorientação curricular sancionam por meio das

suas publicações institucionais também importa entender o trabalho daqueles cuja

contribuição foi instituir um discurso sobre o ensino.

O discurso competente e autoridade

Com base em Foucault, Stephen Ball (1993) explica que a política estabelece

limites sobre o que é permitido pensar e investe de autoridade somente algumas vozes.

Para Ball (1993; 1994), como discurso, a política resulta de múltiplas influências e

agendas e sua formulação envolve intenções e negociação dentro do Estado, num

processo em que apenas algumas formulações e concepções são reconhecidas como

legítimas e apenas alguns são ouvidos. Nesse mesmo sentido, as considerações de

Marilena Chauí (1989, p. 7 e 147) sobre a noção de competência esclarecem que “não é

qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em

qualquer circunstância”. A condição de prestígio daqueles que representam as regras

dadas pelo mundo da burocracia e da organização permite identificar os especialistas,

seus lugares na hierarquia organizacional e os meios das suas ações. Para Chauí (1989,

p. 13), isso é parte do trabalho de compreensão dos artifícios mediadores e promotores

de conhecimento que constrangem cada um a se submeter à linguagem do especialista.

De muitos modos, essa reflexão acerca do conhecimento enquanto discurso competente

contribui para o questionamento das condições de produção de materiais impressos de

orientação para professores. Tanto a competência quanto a autoridade para falar e

transmitir instruções aos docentes da rede de ensino são elementos que servem para

intimidar. Da maneira como Elison Paim (2007, p. 162) se apropriou dessas questões,

mostrou-se que “por detrás do discurso competente (...) já está dado que os professores,

como os incompetentes que são, devem apenas reproduzir aquilo que é produzido por

aqueles que possuem competência para tal”.

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Não obstante tratar-se de documentos de referência e orientação da prática

docente, o Referencial de Expectativas e as Orientações Curriculares, a Proposta

Curricular de História e os Cadernos do Professor de História recusam essa faceta da

desigualdade entre os que pensam e os que fazem. Há um esforço das secretarias de

educação do Estado de São Paulo e do município da sua capital para fazer reconhecer

que o professorado participou na elaboração desses materiais. Nas proposições de

expectativas da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo consta a presença de

um grupo de referência formado por professores em exercício nas escolas da prefeitura.

Já o material publicado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (2008, p. 8)

contenta-se em anunciar que iniciou um processo de consulta a escolas e professores,

para “identificar, sistematizar e divulgar boas práticas existentes nas escolas de São

Paulo”. Pretendendo articular conhecimento e herança pedagógicos com experiências

escolares de sucesso, a Secretaria de Educação do Estado assume ter partido dos

conhecimentos e das experiências práticas já acumuladas. Em ambas as secretarias,

insistiram no papel do professor como co-produtor dos textos distribuídos.

Na parte específica de História da Proposta Curricular do Estado de São Paulo

(2008a, p. 43) nega-se o caráter imperativo de instruções normativas a serem aplicadas à

força pelos professores. O texto incentiva que o docente “siga seu próprio caminho,

aplicando a seu modo, as sugestões que são oferecidas (SÃO PAULO, SEE, 2008a, p.

43). Assim, a política de produção e divulgação de subsídios que incidam diretamente

na organização das aulas não parece desconsiderar o intérprete criativo que é o

professor. A publicação dos diferentes volumes do Caderno do Professor – História

segue esse mesmo princípio, reconhecendo a possibilidade do docente realizar

mudanças para adequar as propostas à sua experiência, ao seu grupo de alunos e às suas

condições de trabalho (SÃO PAULO, SEE, 2008b, p. 8). Em alguns dos cadernos

iniciais reconheceu-se como fundamental a intermediação do professor e a sua vivência

preciosa para a realização da proposta (SÃO PAULO, SEE, 2008c, p. 45; 2008d, p. 43;

2008e, p. 54). Em muitos sentidos, o conjunto de impressos da Secretaria de Educação

do Estado aceita que a proposta curricular está sujeita à interpretação e recriação.

Do mesmo modo, a Secretaria Municipal de Educação da capital acentua que as

suas propostas foram produzidas coletivamente, através da reflexão de um grupo de

referência da área. No Referencial de Expectativas para o desenvolvimento da

competência leitora e escritora no ciclo II do Ensino Fundamental - História são

esclarecidas as condições de elaboração do texto de orientação. Já a introdução afirma

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que “este texto foi elaborado com base no diálogo com professores de História das

escolas e técnicos da Diretoria de Orientação Técnica (DOT) – Ensinos Fundamental e

Médio, da Secretaria Municipal de Educação” (SÃO PAULO, SME, 2006, p. 15). Os

trabalhos do Grupo de Referência22, formado por professores de 10 escolas municipais,

e da Equipe SME/DOT23 foram coordenados, num regime de assessoria, por Antonia

Terra de Calazans Fernandes24 que cuidou da elaboração final do referencial. Ao longo

do texto há 8 remissões às colaborações desses professores para as sugestões de

atividades. Trataram-se fundamentalmente de propostas de trabalho com diversos

gêneros textuais. No documento que a Secretaria publicou depois, o Grupo de

Referência modificou sua composição aumentando para 14 seus integrantes25. A equipe

técnica se estendeu de 16 para 26 integrantes também modificando a sua composição26,

incluindo as equipes técnicas das Coordenadorias de Educação. Ainda na qualidade de

assessora, Antonia Terra de Calazans Fernandes foi mais uma vez responsável pela

elaboração final da proposta de História, desta vez, em conjunto com Circe Maria

Fernandes Bittencourt27. As Orientações Curriculares: proposição de expectativas de

22 Constituíram o Grupo de Referência de História da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo as professoras Angela Marques da Silva, da EMEF Dr. Manoel de Abreu, Carmem Bassi Barbosa, da EMEF Rodrigues Alves, Denise Maria Martins Pires, da EMEF Guilherme de Almeida, Ester Vieira, da EMEF Sargento Antonio Alves da Silva, Kátia Nascimento, da EMEF Antonia e Artur Begbie, Marli Oliveira de Carvalho, da EMEF Tenente José Maria P. Duarte, Olindina Francisca de O. Ferreira, da EMEF Isabel Vieira Ferreira, e Tereza Maria de Paula, da EMEF Olavo Fontoura e os professores Nilson dos Santos, da EMEF Clóvis Graciano, e Renato Trindade Júnior, da EMEF Prof. Roberto Mange. 23 A equipe da SME/DOT foi constituída por Antonio Gomes Jardim, Benedita Terezinha Rosa de Oliveira, Carlos Alberto Mendes de Lima, Delma Aparecida da Silva, Elenita Neli Beber, Ione Aparecida Cardoso Oliveira, Jarbas Mazzariello, José Alves Ferreira Neto, Lia Cristina Lotito Paraventi, Maria Virgínia Ortiz de Camargo, Rachel de Oliveira, Regina Célia Lico Suzuki, Rita de Cássio Aníbal, Romy Schinzare, Rosa Peres Soares e Tidu Kagohara. 24 Possui graduação, licenciatura e mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo. Foi professora do Departamento de História da FFLCH-USP. 25 Ingressaram no Grupo de Referência de História as professoras Ana Maria Pereira, Carolina M. Marques, Denise Yurie Moraes, Márcia Maria Tripodi, Marlei Luciane Bernum e os professores Angélico dos Santos e Davi Costa Duarte. Deixaram o Grupo de Referência as professoras Tereza Maria de Paula e Kátia Nascimento e o professor Nilson dos Santos. 26 Foram responsáveis pela coordenação do processo as equipes técnicas das Coordenadorias de Educação: Adriana de Lima Ferrão, Angela Maria Ramos de Baere, Audelina Mendonça Bezerra, Clélio Souza Marcondes, Denise Bullara Martins da Silva, Elisa Mirian Katz, Eugênia Regina de carvalho Rossato, Flávia Rogéria da Silva, Francisco José Pires, Ivone de Oliveira Galindo Ferreira, Josefa Garcia Penteado, Yukiko Kouchi, Marcos Ganzeli, Maria Antonia S. M. Facco, Maria Aparecida Luchiari, Maria Aparecida Serapião Teixeira, Maria do Carmo Ferreira Lofti, Maria Eliza Frizzarini, Maria Isabel de Souza Santos, Maria Khadiga Saleh, Sandra da Costa Lacerda, Selma Nicolau Lobão Torres, Silvia Maria Campos da Silveira, Simone Aparecida Machado, Valéria Mendes S. Mazzoli e Vera Lucia Machado Marques. 27 Foi professora de Prática de Ensino de História na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Atualmente leciona no Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e tem participado de cursos de formação de professores da rede pública e tem-se dedicado à formação de professores indígenas.

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aprendizagem – Ensino Fundamental II – História não referenciam as sugestões do

Grupo de Referência e dão poucas pistas da sua colaboração efetiva. Comparativamente

ao Referencial de Expectativas para o desenvolvimento da competência leitora e

escritora no ciclo II do Ensino Fundamental, a linguagem desses dois documentos tem

outra organização, adotando estratégias diferentes de persuasão do leitor.

A pluralidade de leituras e o envolvimento do docente-leitor no processo de

formulação da política curricular que o material organizado pela prefeitura da capital e

pelo governo do Estado entre 2006 e 2008 reconhece como fatores relevantes para a

implantação das suas propostas não anulam o sistema de autoridade fundado na

hierarquia funcional. A compreensão que Ball (1992, p. 22) tem da política como texto

enfatiza que a sua formulação é uma questão de disputa. No caso do Referencial de

Expectativas e das Orientações Curriculares de História, da Proposta Curricular de

História e dos Cadernos do Professor de História, as secretarias de educação assumem

a autoria dos textos definidos por especialistas responsáveis. A identificação dos

elaboradores da área ou das autorias nos créditos em publicações institucionais define os

lugares de procedência dos discursos reconhecidos e legitimados. A prática confirma

que as publicações institucionais envolvem arranjos de função e expressam autoridade e

prestígio mobilizando estratégias de legitimidade e representação. Nesse sentido, a

composição dessa série de orientações didáticas é tanto o resultado de uma prática de

ordenação e controle dos modos de reconhecimento e veracidade dos discursos a

respeito do ensino de história quanto dos arranjos de nomeação.

A abordagem de Ball acerca da política como texto considera que os professores

e demais profissionais exercem um papel ativo no processo de interpretação e

reinterpretação das políticas curriculares, reconhecendo que suas crenças e

entendimento das propostas têm implicações para o processo de implantação das

propostas de reforma. Como advertem as atuais pesquisas em lingüística e teoria

literária que inspiram essas reflexões de Ball (1992), a estruturação da linguagem e as

estratégias utilizadas pelos autores procuram fazer frente a essa liberdade do leitor

interpretar através de uma série de recursos (BAKHTIN, 2006; BARTHES, 2002;

MAINGUENEAU, 1995; ECO, 1971). Quando se considera os discursos como atos

(PROST, 1996, p. 317), o sistema dos pronomes, os advérbios de circunstância, as

conexões, os tempos e modos verbais permitem reconhecer na relação entre o texto e

aquele que o produziu as relações entre as posições actanciais do enunciador e a do

enunciatário (cf. GREIMAS; COURTÈS, 1979, p. 125). Outras estratégias actanciais

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(cf. FIORIN, 2008) e recursos para o autor tornar inteligível seus propósitos se dão sob

a forma do gênero no qual o enunciado foi construído. Assim, a intenção discursiva do

autor, sua vontade discursiva, também se revela nas estratégias linguísticas propiciadas

pelo gênero do discurso escolhido.

Os referenciais curriculares são determinados por considerações técnicas e por

princípios que se busca transformar em regras de ação práticas. Predominam as

preocupações quanto à conduta mais adequada ou acerca da melhor opção de

procedimentos para ensinar. Os esclarecimentos sobre os conteúdos da disciplina

determinam o que deve ser ensinado. As longas sequências sobre os gêneros textuais ou

acerca dos eixos temáticos no Referencial de Expectativas e nas Orientações

Curriculares favorecem a concretização de uma possibilidade de abordagem da matéria

em detrimento de outras. Nesse mesmo sentido, as explicações do conteúdo são

apresentadas em função das expectativas de aprendizagem para informar o docente-

leitor. Fundamentalmente, trazem soluções de inteligibilidade aos critérios de expressão

e às problemáticas propostas no currículo. A Proposta Curricular do Estado de São

Paulo repete essa mesma estrutura, embora lhe dê outra organização. Há longas

exposições sobre o conteúdo de ensino e as sequências de atividades conduzem aos

objetivos do que é apresentado no currículo. Os 16 fascículos do Caderno do Professor

permitem estabelecer rotinas e detalhar atividades para todo o conteúdo indicado para o

ciclo II do ensino fundamental. Ao todo essa parte da coleção se constitui de 64

situações de aprendizagem cujo principal objetivo é a divulgação de subsídios que

incidam na organização das aulas (SÃO PAULO, 2008a, p. 8). Portanto, o caráter

exemplar da proposta do Estado é de outra natureza que a da prefeitura. No seu

conjunto, o material procura formalizar estratégias específicas de abordagem dos

conteúdos. O caráter prescritivo é acentuado pela preferência do modo imperativo dos

verbos e a indicação minuciosa de referências bibliográficas, filmes e sítios eletrônicos

adverte o leitor do repertório de recursos disponíveis para o preparo das aulas.

A docência em História e as suas competências

Um traço constitutivo das considerações técnicas e dos princípios nos

referenciais curriculares é a concepção típica de destinatário que o determina como

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gênero. Trata-se de um tipo de enunciado voltado aos professores em exercício nas

escolas públicas e, portanto, determinado pelo campo de atividade dessa coletividade de

profissionais. A quem se destina o enunciado, como o que escreve percebe e representa

para si os seus destinatários, qual é a força e a influência deles nos enunciados são

questões das quais, para Bakhtin (2006, p. 301), dependem tanto a composição quanto o

estilo de um texto. O papel daqueles para quem se constrói o enunciado é

excepcionalmente grande na abordagem que Bakhtin (1992; 2006) propõe. De acordo

com sua compreensão, o ato de fala, inclusive o impresso, envolve uma determinada

concepção de seu destinatário e da atividade humana a que se refere, projetando na obra

uma representação de leitor. Segundo Fiorin (2008, p. 64), “o texto constrói um tipo de

leitor chamado a participar de seus valores” e que, assim, “intervém indiretamente como

filtro e produtor do texto”. Quando nos referenciais curriculares aquele que escreveu

busca orientar uma ação prática é ao seu leitor presumido – o professor – a quem se

dirige. A atenção para o estudo dos dispositivos e dos mecanismos graças aos quais o

texto materializa o leitor que esse autor tem em mente é particularmente fecunda para se

compreender a forma como ele expressa uma representação sobre a docência. Nessa

perspectiva, um levantamento sumário dos indícios linguísticos que materializam o

leitor implícito nos textos desses impressos adverte que o insistente uso das formas

verbais imperativas ou, então, a escolha da forma infinitiva dos verbos quando se busca

orientar uma ação prática do professor não é uma mera opção estilística. (p. 18).

Entre o Referencial de Expectativas e os documentos específicos para a área de

História, organizados pela prefeitura de São Paulo, há diferenças de estruturação da

narrativa quanto à ênfase no que é preciso o professor fazer e naquilo que é necessário o

estudante aprender. No primeiro documento, predominam as orientações de

procedimento didático e o foco principal do texto é o docente. No outro conjunto, as

preocupações com as práticas de aula e o método não foram abandonadas, mas as

orientações para implantação das expectativas conferem centralidade ao aluno

acentuando a importância das suas vivências, daquilo que ele já é capaz de fazer e

daquilo que ele passa a ser capaz de perceber, identificar e construir.

O uso do modo imperativo dos verbos é uma característica marcante do

Referencial de Expectativas comum às áreas do ciclo II do ensino fundamental.

Sentenças do tipo “organize o registro do que os estudantes falam” (SÃO PAULO,

SME, 2006a, p. 14), “formule questões que ajudem os estudantes” (SÃO PAULO,

SME, 2006a, p. 26) ou “ensine-os a elaborar resumos escritos dos textos” (SÃO

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PAULO, SME, 2006a, p. 40) operam o sentido do fazer através de ordens que

pretendem organizar a ação, descrevê-la ou prescrevê-la. No Referencial de

Expectativas da área específica e nas Orientações Curriculares de História,

predominam as formas amenizadas do imperativo e uma maior ênfase na aprendizagem

do aluno. O insistente uso do verbo na sua forma infinitiva para definir a maneira mais

adequada do professor proceder de fato suaviza o texto mostrando cuidado com o modo

de tratar o docente-leitor. Ainda que expressões como “envolver os alunos em

atividades em que a leitura seja significativa” (SÃO PAULO, SME, 2006b, p. 12),

“apresentar os locais onde os alunos podem pesquisar” (SÃO PAULO, SME, 2007, p.

80) ou “organizar a análise comparativa na lousa” (SÃO PAULO, SME, 2007, p. 91)

visem persuadir o docente a incorporar essas ações à sua prática, evidenciam outra

opção de linguagem. Diferentemente do referencial geral do ciclo II do ensino

fundamental, os documentos específicos horizontalizam a relação autor-leitor

contornando algo dos protocolos de autoridade da hierarquia funcional na linguagem.

Também há nos Cadernos do Professor da Proposta Curricular do Estado um

uso recorrente do modo imperativo. Como no Referencial de Expectativas comum às

áreas do ciclo II do ensino fundamental, essa prática indica algo do funcionamento

refletido da representação sobre a docência nas publicações institucionais. Esses textos

constroem o leitor-docente dizendo-lhe o que fazer como se suspeitassem da sua escassa

formação e experiência. Por um lado, trata-se de um modo usual de dar eficácia ao que

foi pensado como necessário para a transmissão de conhecimentos. Entretanto, é

igualmente um meio de fixar uma fórmula de trabalho. Expressões como “peça que

busquem, no livro didático e em dicionários” (SÃO PAULO, SEE, 2008o, p.11) ou

“oriente os alunos a sempre redigir respostas completas” (SÃO PAULO, SEE, 2008m,

p. 23) e “mostre para os alunos que os documentos são a expressão do passado” (SÃO

PAULO, SEE, 2008c, p. 12) visam persuadir o docente a incorporar essas ações na sua

prática através de determinações. Nesses casos, o papel do docente para quem se

construiu o texto ficou reduzido a de um mero executor de tarefas.

Outros modos de dizer o que é pressuposto e condição da ação docente nos

manuais de ensino de história definem-se na proposta da metodologia, das técnicas e

conhecimentos que o professor deve repassar. As atividades-modelo conduzidas nas

situações de aprendizagem do Caderno do Professor e nas atividades seqüenciais das

Orientações Curriculares de História visam subsidiar o docente com estratégias de

abordagem da matéria. Trata-se de um expediente sistemático no primeiro documento e

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apenas referencial no segundo. No Caderno do Professor, as situações de aprendizagem

pautam-se em número de aulas e na organização bimestral do ano letivo. Nesse formato,

por exemplo, as atividades sobre o “Rio Nilo e o trabalho camponês no Egito antigo”,

“o código de Hamurabi”, a “África, o berço da humanidade” e as “Invenções da China

antiga” constituem o Caderno do Professor do 2º Bimestre da 5ª série e os exercícios

acerca do “Tráfico negreiro e escravismo no Brasil”, da “Ocupação holandesa no

Brasil”, da “Mineração e vida urbana no Brasil” e da “Crise do sistema colonial” o

Caderno do Professor do 4º Bimestre da 6ª série. As Orientações Curriculares

organizam não mais que 7 atividades sequenciais, sendo duas para o 1º, o 2º e o 3º ano

do ciclo II e uma para o 4º ano. Nesse caso, o esforço vai no sentido de mostrar uma

possível articulação entre as atividades e as expectativas de aprendizagem

sistematizadas no documento de orientação. As diferenças de extensão e propósito de

ambas as iniciativas não impedem de percebê-las como medidas para normatizar as

práticas da sala de aula. À preocupação política com a qualidade do ensino e o trabalho

do professor no ensino dos conteúdos respondem com um centralismo regulador que

reduz as circunstâncias nas quais o professor desenvolve o seu trabalho aos fazeres mais

cotidianos do exercício da docência.

Também há longas explicações sobre o conteúdo da matéria que contribuem

para isso. Sobretudo o Caderno do Professor se vale dos esclarecimentos acerca da

matéria de ensino como recurso para orientar o docente na condução da aula.

Abordagens a respeito do “Império Romano” (SÃO PAULO, SEE, 2008j, p. 23) ou da

“origem da expressão Idade Média” (SÃO PAULO, SEE, 2008c, p. 14) e da “lei de

terras de 1850” (SÃO PAULO, SEE, 2008q, p. 11) são partes de séries inteiras de

discursos segundos ou derivados por cujo intermédio se outorga competência aqueles

que puderem assimilá-los (cf. CHAUÍ, 1989, p. 12). Sob a mesma perspectiva, as

considerações acerca dos gêneros de fontes principalmente realizadas no Referencial de

Expectativas e nas Orientações Curriculares de História constrangem a prática do

docente ao discurso do especialista. As discussões em torno do texto literário, da canção

popular, do texto jornalístico, da crônica, do discurso político, das imagens e de tabelas

e gráficos (cf. SÃO PAULO, SME, 2006b) orientam a organização do conhecimento e o

desenvolvimento do conteúdo segundo um discurso já institucionalizado na

Universidade. Igualmente assim, as recomendações quanto ao trabalho com relatos de

viajantes, pinturas e fotografias (SÃO PAULO, SME, 2007) resultam desse artifício

mediador e promotor de conhecimento que são as publicações institucionais de

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orientação curricular. O atual investimento na elaboração desse tipo de discurso de

vulgarização do conhecimento especializado ainda parece ser o que Chauí (1989, p. 13)

identificou como a manifestação de um procedimento pelo qual “a ilusão coletiva de

conhecer apenas confirma o poderio daqueles a quem a burocracia e a organização

determinaram previamente como autorizados a saber”.

Os boxes com orientações, as tabelas e gráficos, as legendas, os destaques e as

reproduções de fontes escritas e imagens são outro conjunto de dispositivos discursivos

e editoriais que constituem o aparelho formal da enunciação nos referenciais

curriculares. Tanto quanto o recurso às formas verbais, esses auxílios resultam de

escolhas que revelam algo das perspectivas que se tem sobre a docência. Sobretudo

úteis para especificar as informações, referenciando ou detalhando dados e orientações,

os boxes, as tabelas e gráficos, as legendas e os destaques constituem um intrincado

sistema de indicações sobre a organização do material compilado nas propostas

curriculares de história. Os protocolos de leitura que esses recursos criam não só

enfatizam, evidenciam ou organizam aquilo de relevante das prescrições, como também

sinalizam com procedimentos de associação entre os objetivos e os conteúdos do ensino

de história, de progressão da matéria e de referenciação das escolhas. De outra parte, as

reproduções de fontes escritas e imagens oferecem um conjunto de materiais para as

aulas. Contribuem para subsidiar com documentos históricos o trabalho docente. Nesse

sentido, a bibliografia, os filmes, as canções e os sítios da internet completam o

repertório de indicações impressa e audiovisual considerado fundamental para o

desenvolvimento da matéria de estudo. Em muitos sentidos, esses expedientes editoriais

servem para suprir o professor de referências daquilo que se supõe lhe faltar ter ou

saber, para atualizá-lo.

Além de discursos para os professores, os referenciais curriculares editados pelas

secretarias de educação do município e do Estado de São Paulo veiculam discursos

sobre os professores. Como as orientações de método e de conteúdo e o repertório

indicado de materiais, as referências à docência que são feitas nesses impressos fazem

reconhecer uma certa maneira de exercer o magistério. A ideia geral e comum

predominante diz respeito à compreensão do docente como um mediador. Os

referenciais curriculares em estudo tanto insistem que o professor assuma a sua tarefa de

mediador de leitura e, assim, o papel daquele que desvela questões e problemas (SÃO

PAULO, SME, 2006a, p. 08) quanto que depende da qualidade de suas mediações as

competências e habilidades desenvolvidas na escola (SÃO PAULO, SEE, 2008a, p. 14;

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SÃO PAULO, SME, 2007, p. 22). Em atividades organizadas na forma de sequências

didáticas ou projetos, através de situações de aprendizagem e das rotinas de trabalho, o

professor fica responsável pela “acomodação” de um saber específico ao aluno.

Principalmente, pensa-se que cumpre à docência levar em conta a realidade dos alunos,

suas resistências e interesses como contrapartida da tarefa de ensinar.

A leitura do conjunto das orientações curriculares indica que há uma demanda

muito variada de ações no ensino. Não escapa às secretarias de educação do Estado de

São Paulo e da sua capital que estimular, orientar, valorizar, esclarecer, auxiliar e

avaliar o aluno, selecionar, organizar e explicar o conteúdo ou lidar com a diversidade,

questionar, solicitar, debater, problematizar e planejar o trabalho constituem referências

consolidadas para o exercício do magistério. Sobretudo, as recomendações publicadas

organizam e sistematizam esses procedimentos criando rotinas ou modelos de atividade

para servir de referência para os docentes. Assim, além de ações, as orientações

curriculares do Estado e do Município de São Paulo modelam sequências inteiras de

aula, desde a sondagem da proficiência dos alunos até as estratégias de avaliação. Fica

pressuposto nisso o domínio de uma série de habilidades e competências por parte do

professor para conduzir as aulas. A opção por estratégias desse tipo de orientação do

trabalho docente se não traz novas atribuições e responsabilidades ao professor parece

denunciar a desconfiança que se tem da sua capacidade de pensar, definir e executar as

atividades de ensino. Ainda que pensados para assegurar uma generalização de

proposta, os referencias são mais uma aposta na indução imediata de ações renovadoras

ou eficazes de ensino por meio da manipulação de textos normativos por parte do

professorado.

Também é útil considerar as solicitações mais específicas que esses documentos

veiculam. Há momentos em que os referencias curriculares apostam na criatividade do

professor (SÃO PAULO, SME, 2006a, p. 35; 2006b, p. 33 e 51; SÃO PAULO, SEE,

2008a, p. 43). Recomendam que o docente crie situações de trabalho e estratégias

didáticas e de leitura (SÃO PAULO, SME, 2006a; 2006b) e, por vezes, reconhecem

ajustes e adaptações como tarefas criativas (SÃO PAULO, SEE, 2008c, p. 45).

Invariavelmente, esse trabalho apenas se completa com o registro dos processos e

resultados. As propostas de reorientação curricular insistem na necessidade de registrar

o que o docente for realizando e os resultados conseguidos. Prestam-se, inclusive, a

oferecer tabelas e formulários estandardizados para o preenchimento do professor (SÃO

PAULO, SME, 2006a, p. 14 e 20; 2006b, p. 11; SÃO PAULO, SEE, 2008b, p. 44). Em

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certa medida, os referenciais curriculares associam criatividade e controle numa

burocratização singular do processo educativo. Pede-se para que se registre o que os

estudantes falam, como trabalham, suas expectativas, almeja-se que se planeje, execute

e avalie por meio de registros sem que seja preciso pensar sobre as categorias ou

modelos utilizados. Não obstante toda a preocupação com a escrituração e apesar de,

por vezes, os referenciais curriculares apostarem na dimensão criativa do exercício da

docência, nota-se neles uma cuidadosa atenção a alguns qualificativos do magistério.

Em primeiro lugar, a responsabilidade. O Referencial de Expectativas para o

Desenvolvimento da Competência Leitora e Escritora no Ciclo II do Ensino

Fundamental – História realiza a articulação entre as diretrizes curriculares da

Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e a área de história assumindo que o

ensino da leitura é da responsabilidade do professor de História: Podemos partir da concepção de que a leitura é um meio de aprendizagem de

conteúdos históricos e, portanto, aprender a ler e a questionar historicamente um texto deve ser encarado como objeto de ensino e aprendizagem. A leitura torna-se, assim, um conteúdo procedimental, e, com isso, é responsabilidade do professor de história planejar e desenvolver estratégias didáticas voltadas especificamente para formar leitores e para permitir que, pela leitura, os estudantes se apropriem de informações e aprendam a pensar historicamente (SÃO PAULO, SME, 2006b, p. 20).

Por outro lado, a preocupação da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo

com a gestão da sala de aula imputa ao professor a responsabilidade pelo comando do

espaço da classe: (...) ao se atribuir ao (à) professor(a) a responsabilidade pelo comando da sala

de aula, não se está propondo nenhuma forma de controle autoritário, felizmente há tempos banido do ambiente escolar. Contudo, recusar o autoritarismo não significa abrir mão da responsabilidade de ensinar ou, em outras palavras, levar a aprender. Quando o(a) professor(a) se ausenta nessa relação básica, o aluno sai da escola, malformado e é nesta hora que a importância dos compromissos do docente com sua formação aparecem em toda sua dimensão. É deles que depende seu desempenho, resultante das relações com os programas oficiais, com o livro e outros recursos didático-pedagógicos, além dos alunos – que devem representar o principal objetivo de toda ação educativa (SÃO PAULO, 2008a, p. 42).

Além da responsabilidade, o compromisso e a dedicação, gostar de história e ler

são atributos por meio dos quais os referenciais curriculares qualificam o trabalho do

professor de História. Incluir variáveis desse tipo entre as orientações de procedimento e

conduta lembra o leitor que há problemas nesse sentido e que ainda é preciso sublinhar

as obrigações éticas e os valores profissionais associados à docência ao próprio docente.

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A interação didática no ensino de História segundo as Orientações Curriculares

Entre os tantos procedimentos que os referenciais curriculares adotam para

orientar o professorado, o recurso ao compromisso e à dedicação dos docentes, ao gosto

pela matéria que lecionam e aos seus hábitos de leitura ajuda a pensar as condições da

eficácia do exercício da docência atualmente. Sobretudo, o Referencial, as Orientações,

a Proposta Curricular e a série de Cadernos do Professor dão crédito aos qualificadores

das interações do professor com a classe. Nessa direção, recomendam ao docente ler

para a turma, debater com os estudantes, tornar possível a inclusão, apresentar os locais

onde os alunos podem pesquisar, estabelecer laços entre a escola e a comunidade.

Orientações no sentido de lidar com a diversidade, considerar a realidade e os interesses

dos alunos e de explicitar os costumes de um bom leitor somam ainda outras indicações

para a abordagem da sala de aula. Ao professor, portanto, é solicitado que propicie

situações de participação dos alunos na aula, conduza-a rotineiramente e favoreça a

aprendizagem ativa, baseada num convívio positivo do professor com as suas classes.

Chama a atenção nessas prescrições a maneira como são realizadas. Embora se

tratando de documentos específicos da área de História, predominam orientações gerais

sobre os procedimentos docentes. Pensar na organização do trabalho pedagógico ou na

eficácia do ensino constitui procedimentos esperados de qualquer docente, não

caracteriza uma prática específica do professor de história. O material editado pelas

secretarias de educação do Estado de São Paulo e do município da capital sistematiza

diretrizes para o preparo da aula, a atuação docente e a avaliação dos alunos que,

comuns na rotina do magistério, insiste-se em prescrever. Em certa medida, a opção

pela reiteração dos fazeres do ofício nos referenciais curriculares afirma que o ensino da

história é uma especialidade da docência e, portanto, o professor que o realiza, parte dos

quadros da educação. Compreender assim esse artifício dos cadernos de orientações

didáticas implica reconhecer que as expectativas em relação às contribuições do

professor de história para o ensino da leitura e da escrita ou para a gestão da sala de aula

resultam mais que de uma reflexão didática específica, da política educacional do

momento.

No conjunto geral, naturalmente, há recomendações especialmente dirigidas ao

professor de história. Problematizar a realidade social através da análise do passado,

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insistindo no papel da história como iluminação do passado sobre o presente, encabeça

a lista de orientações de fundo. Nessa mesma lista, recomenda-se, por exemplo,

acompanhar os momentos iniciais da formação da consciência crítica, participar de

maneira ativa do processo de percepção e formação dos valores constituintes da

cidadania e contextualizar uma produção cultural ou documento (SÃO PAULO, SEE,

2008a, p. 41), discutir discursos políticos nas aulas e confrontar idéias do seu texto (cf.

SÃO PAULO, SME, 2006b, p. 35 e 45). Orientações para o trabalho com fontes são

igualmente recorrentes nos referenciais curriculares. Tem importado tratar da seleção e

crítica de textos históricos de diversos gêneros (crônicas, discurso político, texto

jornalístico) de imagens (mapas, obras de arte, charges, fotografia, filmes, gravuras) e

representações gráficas e estatísticas com finalidades didáticas. Ciosos da solides

teórico-metodológica do trabalho docente, os materiais de orientação curricular

sublinham que também o ensino de história deve observar o rigor historiográfico no

tratamento das fontes. Outro conjunto de recomendações que é especifica para o ensino

de história diz respeito às reflexões sobre o tempo. Em relação às conexões temporais

da agência humana do passado que o estudo da história produz, os referenciais

curriculares basicamente orientam o docente recorrer à linha cronológica e trabalhar

com diferentes concepções de tempo histórico. Sobre as temporalidades, as

recomendações são tão procedimentais quanto a respeito das fontes: comparar e

relacionar, criar estratégias de leitura favoráveis para a compreensão do aluno, propor

projetos de trabalho, promover questões e utilizar o material didático.

Parte significativa dos referenciais curriculares estudados aqui tem a ver com o

esforço de sistematizar saberes que tratam da interação professor, aluno e objeto de

estudo. As formas de conduzir a classe e o controle da sua disciplina, os gestos, as

maneiras de fazer e os procedimentos de conduta entre outras tantas ações implícitas da

aula são assumidas como diretrizes. Parece ser central às atuais propostas de

reorientação curricular da cidade e do Estado de São Paulo promover estratégias de

abordagem da classe e de condução das atividades. Ainda que presentes, as

recomendações acerca do trabalho com diferentes linguagens, com fontes e recursos

audiovisuais, por meio de dramatizações e de jogos e de organização de eventos,

debates e passeios secundam a preocupação com a rotina dos fazeres escolares. Esses

referenciais curriculares contemplam indicações do que anotar na lousa, de quando é

preciso passar entre os grupos, sobre a conveniência de se corrigir a lição de casa e da

utilidade de toda uma série de outras medidas relacionadas à sala de aula. Assim, mais

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até que os métodos de trabalho do professor de história, o Referencial de Expectativas

da Prefeitura e a Proposta Curricular de História do Estado focam a aptidão do

magistério para lecionar.

Para ministrar aulas, conta-se que esses recursos sejam perspicazes para efetivar

relações de ensino e aprendizagem de cada conteúdo para cada faixa etária. Essa

concepção da atuação docente na sala de aula sugere que a persuasão do aluno estará

garantida se considerada as suas fases de vida e condições sociais. A falta de saber do

aluno ou a sua má vontade, que podem ser muito difíceis de persuadir, jamais são

designadas. Ao professor de história, afirma-se que as vivências escolares dos alunos, o

entendimento das dimensões históricas das vivências deles e o domínio de conteúdos

relacionados aos problemas vividos por eles fundamentam o objeto do seu trabalho que

é a aprendizagem desses alunos (SÃO PAULO, SME, 2007; SÃO PAULO, SEE,

2008a). Os pontos que então merecem ser enfatizados dizem respeito ao compromisso

dos alunos com suas ações. Nos referenciais insiste-se que fazer os alunos produzirem,

providenciarem, trocarem informações ou questionarem, entre tantos outros

procedimentos de aprendizagem, depende do tipo de trabalho realizado na escola. No

entanto, essas atitudes não são a expressão imediata, automática e objetiva das

estratégias de persuasão que se recomendam aos professores nos referenciais

curriculares. Servir de exemplo ou considerar a realidade dos alunos e seus interesses

não garante eficácia plena aos modos do professor viabilizar a aprendizagem escolar.

Essas convenções que visam a fazer o professor motivar o aluno com práticas

compreensíveis e significativas apóiam-se em valores da época: o atrativo das fontes, a

facilidade do que está pronto para consumir, o sucesso certo e instantâneo que gratifica.

Ocorre que o desejo de que todos os alunos vivam, diariamente, a experiência de ser

capazes de compreender as instruções, de aplicá-las de fazer progressos comporta risco

autêntico nas turmas em que a maior parte deles vem de famílias distanciadas da cultura

escolar. Conforme sugerem os estudos de Fonseca (2006, p. 70), Caimi (2008, p. 184-

185) e Rocha (2009, p. 221) muitos professores diminuem sensivelmente o nível das

exigências perante as dificuldades que suas turmas apresentam. Nesses casos, as

atividades que dão segurança, como as tarefas de execução parcelada e rotineira, são

privilegiadas. Por outro lado, quando convencido que os horizontes de experiência dos

seus alunos são limitados ao meio urbano imediato, o professor prefere não abordar

experiências ou realidades culturais que lhes são muito estranhas (SAVIANI, 1991, p.

74-75).

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A mirada que os referenciais curriculares lançam sobre as condições da eficácia

do exercício da docência abrange também considerações sobre a escola. Nesse ponto, há

singularidades de entendimento que se difíceis de articular num mesmo conjunto de

considerações, permitem especificar tendências importantes de enquadramento

institucional do magistério. No Referencial de expectativas para o desenvolvimento da

competência leitora e escritora no ciclo II do ensino fundamental, o docente é posto a

serviço da investigação e sondagem das características do letramento da comunidade a

que pertence a escola. Junto à equipe técnica e outros funcionários e estudantes, o

professor deve contribuir com o processo de avaliação diagnóstica dos alunos que inclui

a elaboração de estratégias para verificar o grau de proficiência de leitura em diversas

esferas discursivas. Já o Referencial de expectativas para o desenvolvimento da

competência leitora e escritora no ciclo II do ensino fundamental-História limita-se a

afirmar que o desenvolvimento da competência leitora e escritora é responsabilidade de

toda a escola. Oferece instrumentos de organização do trabalho a ser realizado tendo em

vista subsidiar as ações desencadeadas pelo Projeto “Ler e Escrever em todas as áreas

do Ciclo II”, mas apenas trata do ensino de História. Essa concepção volta nas

Orientações curriculares: proposição de expectativas de aprendizagem – Ensino

Fundamental II - História que, no entanto, avança no sentido de reconhecer que todos

os sujeitos que participam da escola, de algum modo, interferem e constroem o saber

escolar. Assim, chama a atenção para o fato de além de alunos e professores e demais

educadores da escola, os pais, editores e autores de livros didáticos e autores de

referência da historiografia contribuem para as escolhas do que se espera ensinar e do

que se aprende realmente de história na escola (SÃO PAULO, SME, 2007, p. 32).

Enfim, na Proposta Curricular do Estado de São Paulo a escola é vista a partir da sua

estruturação funcional e o professor do seu lugar nessa organização. A fim de que todos

se apropriem das suas orientações, o documento insiste que a escola deve fazê-lo

coletivamente, “tendo à frente seus gestores para capacitar os professores em seu dia-a-

dia” (SÃO PAULO, SEE, 2008a, p. 15).

Entre a percepção das formas de manifestação dos saberes históricos e a

concepção de que são administráveis, os referenciais curriculares testemunham que as

estratégias de constituição do conhecimento e das aprendizagens em história são tão

plurais quanto as próprias discussões teórico-metodológicas e historiográficas.

Organizados em previsão e controle, resta saber se quando defronte aos professores suas

informações são diretamente utilizáveis, seus protocolos de ação respeitados e suas

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“receitas” capazes de nutrir a troca de experiências. É perguntar sobre o que as

propostas de reorientação curricular incorporam às práticas de ensino perante as praxes

do processo de trabalho dos professores. Aos formuladores das atuais propostas

curriculares, não ocorreu reconhecer que a eficácia dos referenciais depende da

percepção e do julgamento de seus destinatários. No entanto, quantas vezes o engodo e

a ostentação do aparato das secretarias de educação que o exercício da docência

desmente não são vistos como ineficiência, incompetência ou incapacidade do

professor?

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  CAPÍTULO 02

Expectativas de Aprendizagem

como Política de Pessoal

Desde que iniciou o “Programa Ler e Escrever – Prioridade na Escola

Municipal” na rede de ensino da capital até José Serra deixar o governo do Estado de

São Paulo, a gestão da coligação PSDB-DEM envolveu o magistério com os resultados

da aprendizagem. Hoje, em São Paulo, uma série de padrões e sistemas de exames atua

para realçar os níveis de proficiência das escolas e dos seus professores. O governo do

Estado de São Paulo, nesse período, criou um sistema de gratificação e promoção em

função desses resultados com o “Programa de Qualidade da Escola”. Na prefeitura da

capital, os resultados obtidos em avaliações externas têm servido para determinar quais

esferas discursivas requerem maior investimento e qual o aprofundamento necessário

para reverter o quadro de fracasso escolar associado à alfabetização. Por um lado, se

vem associando o salário dos professores a seu desempenho em termos dos resultados

do exame ou do teste de seus alunos, por outro, as políticas de currículo avançam sobre

as áreas de autonomia profissional dos docentes.

De um modo geral, essas iniciativas procuram dar sustentação a regimes de

ensino enunciados com bastante clareza e transparência. Entre 2006 e 2008, a

publicação do Referencial de Expectativas do Ciclo II, do Referencial de Expectativas

de História, das Orientações Curriculares, da Proposta Curricular do Estado e dos

Cadernos do Professor e sua distribuição aos professores veiculou todo um repertório

de conhecimentos especializados para servir de fundamento ao exercício da docência.

Entre o roteiro de lições e o subsídio à prática, esses impressos configuram

representações sobre as práticas docentes e sobre as relações ensino/aprendizagem que

importa compreender quando se questiona as estratégias de imposição de saberes

pedagógicos pelo poder público. Trata-se da atenção às configurações por meio das

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quais a realidade é percebida e aos procedimentos que visam ordená-la. Como escreveu

Chartier (2009, p. 51-52), as representações não são simples imagens, verídicas ou

enganosas, de uma realidade que lhe seria externa; elas possuem uma energia própria

que leva a crer que as coisas são, efetivamente, o que dizem que são.

Por essa razão, pode ser útil discutir os vínculos entre as categorias em que se

fundam os agenciamentos discursivos dos atuais referenciais curriculares das secretarias

de educação do Estado de São Paulo e da sua capital e as matrizes de classificação e

julgamento dos níveis de proficiência das escolas e dos seus professores. O propósito

deste capítulo é fazê-lo a partir do material que designa as propostas para o ensino de

história no ciclo II do ensino fundamental. Assim, examinei esse material no encalço

das estratégias e atividades que sistematizam e tendo em vista a sua relação com as

recentes iniciativas de gratificação, promoção e contratação de professores na cidade e

no Estado de São Paulo. Minha principal preocupação será mostrar que hoje seguem às

orientações curriculares e prescrições acerca da intervenção e mediação do professorado

medidas de ordem administrativa visando garantir o êxito das propostas por meio da

política de remuneração e dos critérios de arregimentação de novos professores.

As rotinas de trabalho e o repertório de estratégias e atividades de ensino nos referenciais curriculares

O conjunto de publicações que as secretarias de educação do Estado de São

Paulo e da sua capital distribuíram aos seus professores entre 2006 e 2008 enfatiza as

rotinas de trabalho. Há uma preocupação muito evidente com a estruturação da aula e o

seu desenvolvimento. Pode-se colher, entre outros elementos, um protocolo de

procedimentos – apresentação para os alunos do tema, sondagem do que já sabem a

respeito, problematização, organização do conhecimento e desenvolvimento dos

conteúdos, síntese e finalização. Nesse âmbito, as prescrições são de ordem estruturante

e recorrente. Insiste-se que a apresentação do tema considere a relevância do que será

estudado e oriente os alunos quanto aos conteúdos, critérios de trabalho e objetivos. A

sondagem do que os alunos já sabem a respeito do tema deve sensibilizá-los para as

questões relativas ao tema do qual se tratará. Com a problematização tornam-se centrais

a aproximação do tema de estudo com o presente, a comparação entre símiles e a crítica

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das fontes. A organização do conhecimento sistematiza o que foi problematizado com a

contribuição dos alunos para a incursão no tema. Nesse momento, o registro em lousa

dos resultados é providência sempre reiterada. Para o desenvolvimento do conteúdo, os

referenciais curriculares sugerem estratégias, orientam a metodologia, propõem roteiros

de análise, sequências didáticas e situações de aprendizagem. A síntese com que se

finaliza a atividade recupera informações, contextualiza historicamente as questões

estudadas e reforça a sua demarcação no tempo e no espaço.

Enquanto na apresentação, na sondagem, na problematização, na organização do

conhecimento e na síntese percebem-se as etapas de abordagem dos conteúdos pelo

professor, as orientações para o desenvolvimento da matéria permitem vislumbrar a

própria episteme de professor que os referenciais curriculares consolidam. Sujeito ativo,

o professor é o responsável pela eficácia do saber a ser ensinado e mediador cultural. A

história que ensina é resultado das expectativas de aprendizagem. A atividade e

experimentação respondem pela teoria psico-pedagógica. Os procedimentos de coleta,

organização e registro de informações, a leitura e produção de textos servem ao

professor como instrumentos de exercício e controle do rendimento do aluno, o debate e

a argumentação como principal processo de aprendizagem e o apelo à realidade e ao já

conhecido do aluno como recurso desencadeador do interesse do jovem. Ainda que se

possa trinchar o conhecimento da pedagogia da história propugnada nas atuais propostas

curriculares de São Paulo com ponderações assim, a propriedade desses paradigmas da

atuação do professor para a compreensão das formas como elas propõem ensinar a

disciplina no ciclo II da escola fundamental é apenas parcial.

Há considerações muito específicas de conduta e método que prestam um

valioso testemunho sobre os fazeres cotidianos que se espera do professor de história.

Elas completam com um receituário de práticas o discurso para os praticantes. Pelo

compêndio das práticas ou por meio do exemplo, os referenciais curriculares

ambicionam aumentar seu valor de uso junto aos professores e participar das vias

cotidianas de trocas entre esse corpo de praticantes.

Acerca da conduta do professor de história debrucei-me sobre as passagens dos

referenciais curriculares que orientam o contato do docente com os alunos e com outros

colegas e a postura em sala de aula. Em primeiro lugar, há uma preocupação específica

com a condução do diálogo em sala. Perante a manifestação dos alunos sobre um

questionamento, recomenda-se que o professor procure não ratificar nem negar o que os

estudantes falam e sim retomar, registrar, confrontar suas posições (SÃO PAULO,

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SME, 2006a, p. 14). Converter expectativas em perguntas, explorar as estratégias de

pergunta e resposta e facilitar a participação dos alunos na aula expositiva também são

recursos lembrados para sustentar e encaminhar as discussões entre professor e alunos

em aula. Igualmente, incentiva-se a troca de idéias entre os alunos. Nessa direção, a

escolha de intervenções didáticas que promovam discussões abertas, o debate e a troca

de resultados das pesquisas escolares são as opções indicadas ao professor de história.

Outras estratégias para provocar a participação oral dos alunos são o convite aos alunos

produzirem um resumo oral do texto lido e a solicitação por sorteio. Em sentido inverso,

encontram-se recomendações para que, enquanto expõe e orienta, o professor mantenha

a atenção do aluno. Nesse quesito, evitar dispersar-se em detalhes irrelevantes,

concentrar-se em questões que favoreçam a compreensão, explicitar claramente os

propósitos da aula, ilustrar e estar atento ao que dizem os estudantes adverte sobre a

necessidade de interessar a audiência. Considerações sobre o perfil de atuação do

professor de história e o trabalho integrado entre professores completam os referenciais

de conduta de que, em geral, as orientações curriculares tratam.

Ao professor de história, os referenciais curriculares associam a ideia de que em

suas aulas se pode promover o debate, a reflexão e, portanto, a liberdade de pensamento.

Muito em razão disso, questionar seus alunos, observar o respeito às diferenças entre os

alunos como entre os povos e realizar a crítica e a análise das fontes e dos materiais

didáticos implicam numa postura democrática do professor diante da classe. Assim,

essas publicações reiteram que o docente de história viabilize o acesso dos estudantes a

diversas fontes de informação, permita o aluno expressar publicamente o que pensa

(SÃO PAULO, SME, 2006a, p. 41) e, entre outras atitudes, acompanhe, sem dirigir, a

formação da consciência crítica de crianças e adolescentes (SÃO PAULO, SEE, 2008a,

p. 41). O trabalho em conjunto com professores de outras disciplinas também é indicado

para o ensino da História. No material impresso do município, o professor orientador da

sala de leitura aparece como o maior colaborador das atividades em que se exigem

livros, planejamento de tarefas com revistas e jornais, oficinas de leitura e produção de

texto (SÃO PAULO, SME, 2006a, p. 16-17). Sobretudo os Cadernos do Professor da

proposta curricular do Estado para o ensino de História prevêem momentos muito

específicos de colaboração entre professores de diferentes áreas. No conjunto de

Cadernos da 5ª série sugerem-se um projeto interdisciplinar abordando o uso da água na

antiguidade oriental e na sociedade contemporânea e a organização de um jogo de

percurso sobre a crise do império romano envolvendo os professores de Arte, Língua

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Portuguesa, Ciências, Geografia e Matemática. O trabalho em conjunto com um

professor de Matemática volta a ser solicitado na 8ª série, por ocasião de uma atividade

de construção e interpretação de gráficos (SÃO PAULO, SEE, 2008e, p. 24).

Sobre as considerações de método, contentei-me em perfilar o que os

referenciais curriculares dizem ser necessário fazer para conduzir o ensino da história.

Alguns dos encaminhamentos da aula têm a ver com a própria metodologia da História

e conferem um certo rigor crítico ao ensino. Outra parte deles, dizem respeito às

preocupações pedagógicas com a compreensão, interesse e participação dos alunos.

Trata-se, principalmente, dos procedimentos que, por um lado, visam fazer aprender a

matéria e, por outro, arranjam-se com o desejo do aluno aprender. Há ainda soluções de

método muito próprias das práticas de ensino da história. Elas resultam da preocupação

em conciliar, numa situação de ensino, o domínio da natureza específica do

conhecimento histórico e o desafio de saber como introduzir e encaminhar as tarefas de

aprendizagem para os alunos.

Do primeiro conjunto de estratégias constam as premissas metodológicas

elementares da pesquisa histórica. Indagar sobre o significado histórico das fontes e

ressaltar a imperiosa necessidade da sua crítica são operações de compreensão

incorporadas nos referenciais curriculares atualmente distribuídos em São Paulo. Entre

os procedimentos utilizados na pesquisa histórica, a produção de dados apoiados em

documentos, a atenção ao autor e às suas ideias através da investigação de quem ele foi

e das características da sua obra ou o recurso aos métodos comparativos têm também

uma aplicação didática. Igualmente, focar produções que se tornaram referência para o

estudo de um tema ou esclarecem sobre uma questão de interesse e perguntar pelo

significado histórico das exigências do presente servem de parâmetro para orientar o

ensino da História nas atuais propostas curriculares. Assim, vê-se que a perspectiva dita

acadêmica cumpre um papel relevante de referência ao ensino da História propugnado

pelas autoridades públicas e seus especialistas para as escolas.

À outra série de recomendações pertencem as situações de aprendizagem, as

atividades seqüenciais, enfim, as práticas programáveis de ensino. Nos esquemas

propostos pelos referenciais curriculares, predomina a preocupação com a pertinência e

eficácia das interações que o professor de história é capaz de estabelecer com seus

alunos. Nessa direção, há expectativas quanto a capacidade de o professor induzir e

conduzir debates e discussões, dele explorar as oportunidades para o debate, orientar a

leitura e o estudo dos alunos, os grupos de trabalhos e a coleta e a sistematização de

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informações em mapas, murais, paineis e cartazes, organizar a exposição dos resultados

das atividades e incentivar a utilização de materiais diversos. Tão importante quanto

essas ações, a condução da aula é motivo de uma série de recomendações. Em primeiro

plano, os docentes são lembrados da importância, para aula, da análise de documentos,

do encaminhamento das reflexões, da demonstração e da construção de sínteses

consistentes. Secundam esses procedimentos as preocupações em relação ao momento

de transcrever um texto na lousa, de utilizar o material didático e de recuperar

exemplos, repetir e destacar aspectos da matéria ensinada. Já a atenção com o que é

produzido em classe encoraja a elaboração de textos coletivos com os alunos e de

roteiros de pesquisa. A valorização das atividades de escrita e pesquisa vai no sentido de

mostrar o resultado desses trabalhos e de fazer com que professores e alunos se revelem

em suas obras, em seus trabalhos apresentados ou expostos.

Enfim, as soluções de método muito próprias do ensino de História reúnem os

procedimentos a ser utilizados na abordagem dos conteúdos históricos escolares.

Concorrem com a realização da aprendizagem articulando estratégias de preleção e

meios de propor o estudo e a reflexão sobre a História. Assim, por um lado, a exposição

do tema é um atributo das aulas de História que se deve levar em conta. A aula

expositiva, por vezes do tipo magistral, constitui-se, nos referenciais curriculares, como

instrumento adequado para apresentar a conjuntura dos fatos, situar o aluno na História

do presente e contextualizar historicamente. Segundo esses mesmos referenciais, serve

ainda para o professor confrontar as ideias identificadas nas fontes e conceituadas de

acordo na própria linguagem do documento com conceituações históricas de épocas

passadas. Recorrer às ilustrações e aos mapas históricos ou do mundo são práticas

indicadas para o professor fazer cumprir as finalidades da sua preleção. Por outro lado,

preocupam as condições para o trabalho coletivo da classe. Trata-se de orientações para

situações com protocolos muito controlados de atuação e para auxiliar os alunos de

forma a que eles possam desenvolver novas formas de compreender e interpretar a

realidade. Do primeiro tipo são as recomendações para organizar um material

diversificado de consulta e referência sobre o tema ou problema tratado, ir construindo

uma linha do tempo, apresentar materiais que favoreçam a pesquisa de informações em

diversas fontes, ensinar os estudantes procedimentos de como lidar, ler, avaliar e

interpretar seus materiais, meios e linguagens e encontrar na própria fonte pistas do seu

contexto histórico. As orientações para se conseguir dos alunos uma compreensão e

uma apreciação dos caminhos da participação numa comunidade, sobretudo, envolvem

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práticas de análise. A preocupação de analisar as fontes tanto em relação ao contexto no

qual foram produzidas e são veiculados como aos conteúdos em estudo e fazer os

alunos refletirem sobre seu conhecimento a respeito da história não são apenas indícios

da presença do método do historiador na sala de aula. Os referenciais curriculares que as

secretarias de educação do Estado de São Paulo e da sua capital vêm implantando na

última década associam a operação histórica ao estudo da organização política em que

os alunos se inserem e aos ideais e atitudes que se relacionam à cidadania. Reconhecem

que para tornar o mundo inelegível ao aluno, pelo desenvolvimento de uma perspectiva

histórica, não só importa satisfazer o interesse dos adolescentes e adequar o assunto ao

processo de aprendizagem, também é preciso ter rigor crítico.

A sistematização das práticas nos referenciais curriculares: modelos de ensino e prescrição

Além das considerações de conduta e método, existem orientações bastante

direcionadas quanto à produção coletiva de atividades e a externalização dos produtos.

Trata-se de uma pedagogia centrada em práticas e tarefas. O objetivo de subsidiar o

trabalho do professor no ensino dos conteúdos é também sensibilizar o docente da sua

condição de produtor. Segundo a Proposta Curricular do Estado de São Paulo (2008, p.

18): A aprendizagem é o centro da atividade escolar. Por extensão, o professor caracteriza-se como um profissional da aprendizagem e não tanto do ensino. Isto é, ele apresenta e explica conteúdos, organiza situações para a aprendizagem de conceitos, métodos, formas de agir e pensar, em suma, promove conhecimentos que possam ser mobilizados em competências e habilidades, as quais, por sua vez, instrumentalizam os alunos para enfrentar os problemas do mundo real. Essa compreensão repete a perspectiva das Orientações Curriculares (2007, p.

58) quando considera a aprendizagem uma construção pessoal que pode ser favorecida

por situações criadas pelo professor, a escola e a sociedade. Assim, a aprendizagem é

vista nas Orientações Curriculares da Secretaria Municipal de Educação (2007, p. 19)

como: (...) compreensão de significados que se relacionam a experiências anteriores e vivências pessoais dos estudantes, permitindo a formulação de problemas que os incentivem a aprender mais, como também o estabelecimento de diferentes tipos de relações entre fatos, objetos, acontecimentos, noções e conceitos, desencadeando mudanças de comportamentos e contribuindo para a utilização do que é aprendido em novas situações.

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Em ambos os casos, a organização curricular é considerada uma ferramenta de

apoio à prática docente, que deve auxiliar o professor na tarefa de planejar trajetórias

para que seus estudantes possam construir aprendizagens significativas. No entanto,

enquanto na Proposta Curricular do Estado de São Paulo a história aprendida se

transforma e manifesta em produtos, as Orientações Curriculares do Município atrelam

as atividades a longos tempos de interação, valorizando mais a trama de relações

estabelecidas nas aulas.

Nas práticas previstas no Referencial de Expectativas para o Desenvolvimento

da Competência Leitora e Escritora no Ciclo II do Ensino Fundamental - História e nas

Orientações Curriculares. Proposição de Expectativas de Aprendizagem – História são

acentuadas as prescrições quanto ao planejamento das interações. Recomenda-se

organizar atividades que estimulam os estudantes a preocupar-se com a leitura e a

questionar a diversidade do que é possível ler nas páginas impressas (SÃO PAULO,

SME, 2006b, p. 27). Predomina a preocupação com as oportunidades de leitura criadas

pelo professor na aula: prever a possibilidade de leitura, realizar a leitura, ler

coletivamente e, sobretudo, explorar as interpretações questionando, solicitando a

opinião dos alunos, confrontando diferentes textos e organizando as análises. O debate

das ideias e entre as diferentes interpretações constitui o principal recurso para que os

alunos assumam a palavra e participem da aula.

Além da leitura e do debate, conversar com cada grupo, desenvolver atividades

de confrontação de legendas criadas para uma mesma imagem ou mapa, utilizar o livro

didático e o material paradidático e visitar museus são tidos como meios do professor

envolver seus alunos com a aprendizagem. As preocupações com os procedimentos de

organização e sistematização completam as recomendações dos referenciais curriculares

da secretaria municipal de educação de São Paulo. Durante o desenvolvimento da aula,

o papel do professor é instigar, promover questões para que os alunos observem,

dialogar. Ao final, pretende-se que o docente contextualize as fontes utilizadas,

estabeleça relações e retome os conteúdos. Enfim, a preparação da aula implica em

organização dos materiais para apresentar aos alunos. Compreende-se que essas ações

viabilizam a criação de canais de diálogo entre o professor e seus alunos, principal

objetivo das orientações curriculares.

A produção de atividades por parte dos alunos é prevista como desdobramento

da aula. Sobretudo o Referencial de Expectativas associa a leitura de textos, imagens,

mapas e gráficos às possibilidades de escrita. Nesse documento, a formação de leitores

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resulta da aprendizagem de “como questionar e como estar atento às ideias imersas nas

complexas dimensões dos diferentes gêneros de texto, dos contextos em que se inserem

e das autorias, nas formas, nas relações e na diversidade de linguagens em que se

expressam” (SÃO PAULO, SME, 2006b, p. 29). Anotar as hipóteses iniciais e os

conhecimentos prévios, sistematizar as informações colhidas dos textos, escrever

interpretações para textos, imagens, gráficos e mapas, reescrever os textos,

complementar o que foi estudado com pesquisas, produzir textos nos estilos dos textos

lidos são considerados meios para isso. Outras ações mais específicas constituem um

repertório variado de atividades. Propor aos alunos o desenvolvimento de projetos de lei

para serem enviados para o Parlamento Jovem Municipal e solicitar que os alunos criem

títulos para imagens ou que elaborem textos coletivos, elaborar textos com os estudantes

ou organizar a coleta de informações a serem incluídas em tabelas apropriadas seguem

como sugestões para a realização de exercícios de escrita e leitura.

As Orientações Curriculares retomam essa diretriz, ampliando a abrangência

das atividades. Insistem que na sala de aula pode haver uma grande linha do tempo a ser

progressivamente preenchida com cada contexto estudado (SÃO PAULO, SME, 2007,

p. 92). Para a avaliação individual, as Orientações Curriculares sugerem ao professor

pedir para os alunos escreverem um texto contando o que sabiam antes e o que

aprenderam com o trabalho realizado (SÃO PAULO, SME, 2007, p. 95) ou que sejam

feitos desenhos a partir de descrições elaboradas pelos próprios alunos (SÃO PAULO,

SME, 2007, p. 109). Em grupo, as solicitações abrangem a listagem do que já se sabe ou

de aspectos da matéria estudada, pesquisa ou, pelo menos, a divisão das tarefas de

pesquisa, a reescrita de textos lidos em sala, a produção de murais com os resultados do

trabalho na classe. Debater e registrar as conclusões de aula, apresentações e a produção

de textos sobre as discussões acerca do tema explorado pela classe são realizações que

se pede para ocorrer coletivamente.

Na Proposta Curricular do Estado de São Paulo, os Cadernos do Professor,

organizados por séries e por bimestres, apresentam situações de aprendizagem para

orientar o trabalho do professor no ensino dos conteúdos disciplinares de história (cf.

SÃO PAULO, 2008a, p. 9). Trata-se de uma compilação de atividades sobre a matéria

que é assumida como subsídio para a gestão da sala de aula, para a avaliação e a

recuperação. Em meio aos apelos das sugestões de métodos e estratégias de trabalho nas

aulas e suas implicações para o exercício da docência em História, as atividades de

produção pareceram-me ser o principal vetor das orientações. A partir da abordagem de

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toda a série de produtos que se propõe fazer nos diferentes Cadernos do Professor da

área de História podem ser identificados certos padrões nas práticas recomendadas.

Diferente do que ocorre no material da Secretaria Municipal de Educação, a Proposta

Curricular do Estado de São Paulo privilegia o registro e os produtos da aprendizagem.

A interação e as relações estabelecidas na aula entre professor e alunos são

fomentadas em função do que se vai produzir. Assim, mais que o debate e a

confrontação das interpretações de leitura, a proposta curricular do Estado valoriza os

procedimentos de desenvolvimento de tarefas e a produção coletiva das atividades. Num

total de 64, distribuídas em 16 Cadernos, as chamadas situações de aprendizagem

também trazem planos de aula, levantam alternativas, contrapõem possibilidades de

ação e orientam a interpretação do significado do que solicitam fazer. Uma parte delas

se define em produções de construção coletiva. Outra parte, articulando práticas de

estudo, pesquisa e análise, organiza procedimentos de compreensão de textos de época e

tipos variados de fontes históricas. Outra parte ainda das situações de aprendizagem

orienta o registro individual das observações realizadas. O conjunto todo é perpassado

por práticas de trabalho em grupo e da apresentação de seminários, pela coleta e

organização de informações em fontes diversas e a sistematização de dados e conceitos.

Há variedade de produções: varal, página de jornal, dicionário ilustrado, murais,

textos ilustrados, cartazes, cadernos de registro, cartões postais, painel ilustrado, álbum

de figurinhas, história em quadrinhos, quadro informativo, maquete, revista cultural,

anúncio publicitário, jogos de percurso, mapa e noticiário. Principalmente, elas

motivam apresentações e exposições. Segundo Arroyo (2000, p. 156) esses são os

momentos em que os alunos se sentem “atores, artistas, produtores de algo, artífices

individuais ou coletivos e a escola abre espaços para que as crianças e adolescentes se

mostrem em suas obras, suas artes, os produtos que lhes dão orgulho e identidade”. A

Proposta Curricular do Estado de São Paulo também parece apostar que seja assim.

Pretende que a adolescência e a juventude externe sua formação em práticas, atividades,

produtos e tarefas coletivas. Nessa perspectiva, o ensino de História contribui para o

desenvolvimento das capacidades de leitura, reflexão e escrita com temas cuja

elucidação deve partir de situações cotidianas e conduzir a vivências educativo-

culturais.

No entanto, essa concepção prático-ativa de educação convive com

procedimentos mais fundados nas tarefas de observação, análise e síntese características

do ofício do historiador. É igualmente importante a quantidade de estudos dirigidos de

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textos, organização de glossários, fichas e mapas conceituais, pesquisa escrita,

elaboração de cronologias, análise de fontes e mapas, produção escrita, comparação de

documentos indicada nos Cadernos do Professor da área de História. Recomenda-se a

socialização entre os alunos dos resultados desses esforços de investigação e análise em

debates, discussões ou seminários. De certa forma, também os passos do método

historiográfico são aproveitados para as tarefas do ensino e a apresentação dos

resultados respeita os tradicionais meios de divulgação e avaliação do trabalho

intelectual. Na Proposta Curricular do Estado de São Paulo (2008a, p. 41), o esforço

para superar “as sempre lembradas formas tradicionais de ensino” não significa que o

professor deva abdicar dos recursos do método histórico, do uso da palavra ou do

domínio do assunto e do conhecimento das diferenças entre o ofício do historiador e do

professor.

Conforme espero ter conseguido mostrar, a formatação do auxílio ao professor

responde a ideia que se faz do seu trabalho em sala de aula. Na proposta curricular do

Estado de São Paulo, o Caderno do Professor reúne subsídios e orienta a utilização dos

recursos para uma série de aulas organizadas em função do produto que se vai construir.

No Referencial de Expectativas e nas Orientações Curriculares publicadas pela

Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, a produção é um mero desdobramento

da aula, apoio e prolongamento da reflexão. Não obstante as diferenças, o governo do

Estado e a Prefeitura da capital reconhecem na aprendizagem da leitura e da escrita um

campo comum do ato de ensinar e na elucidação das relações entre passado e presente e

no exercício do pensamento livre os habituais referentes da história ensinada.

Reconhecer as afinidades ou convergências entre ambas as propostas curriculares não

significa dizer, no entanto, que serão compartilhados entre os professores.

Como advertiu Dominique Bourne (1998, p. 140), não serão os programas que

transformarão, como num passe de mágica, o ensino de história, pois “os docentes e a

maneira como são formados são mais importantes que os programas, e ainda mais

capital é a coerência da missão que a nação lhes confia”. De fato, as apropriações do

que pareceu ser útil das propostas curriculares de história aos professores não foi algo

que esta pesquisa pôde estudar. As abordagens atuais sobre como ocorrem na prática as

apropriações de programas, diretrizes curriculares e livros didáticos advertem acerca da

variedade de soluções de aplicação e interpretações (cf. FONSECA, 2006; ROCHA,

2009). Na própria Proposta Curricular do Estado (2008, p. 43) reconhece-se se tratar

de mais uma tentativa talvez condenada, no nascedouro, a produzir os mesmos e

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modestos resultados de anteriores. Outra maneira de perceber a questão da apropriação

das propostas de inovação do ensino pelos professores é compreender como se dão as

suas trocas de informação. Nesse último sentido, Miguel Arroyo (2000) e Anne-Marie

Chartier (2007) contribuem com considerações sobre as estruturas de apoio mútuo entre

os professores.

Por um lado, Arroyo (2000, p. 151) mostra que o professor se afirma como

profissional de práticas a partir da troca de experiências. Sobretudo, enfatiza a

importância dos encontros, das oficinas e redes de comunicação onde as práticas sejam

socializadas para a criação de uma rede de experiências, de práticas significativas entre

as escolas e os coletivos de professores. Por outro, Anne-Marie Chartier (2007, p. 204)

propõe uma compreensão da dinâmica da troca de experiências entre os pares. Ao

analisar o valor de troca das famosas “receitas”, conclui que o discurso oral ligado às

práticas permite que os professores se identifiquem como um corpo de praticantes,

embora cada um trabalhe em sua sala de aula. Tanto quanto a ideia de rede de

experiências, a concepção de valor de troca sublinha que há práticas que os professores

sabem e controlam e cuja reelaboração depende das ações que realizam, das situações

pedagógicas que experimentam e dos procedimentos de trabalho que põem em uso (cf.

CHARTIER, 2007, p. 204). Em muitos sentidos, mais que a partir de qualquer auxílio à

ação docente, a atualização dos saberes úteis para a prática ocorre em meio a trocas

informais.

A carreira e as políticas do currículo

Há indícios de que essa dimensão do ofício da docência não foi ignorada na

Proposta Curricular do Estado ou no Referencial de Expectativas e nas Orientações

Curriculares da Secretaria Municipal de Educação. Um deles é a insistência com que se

solicita a intermediação do professor para ajustes, adaptações e alterações que

considerar pertinentes. Reiteradamente, a experiência do docente, sua iniciativa e

preferências constituem domínios que as orientações curriculares de história

reconhecem. Que o docente siga seu próprio caminho, aplicando, a seu modo, as

sugestões que são oferecidas é recomendação que na Proposta Curricular do Estado

(2008, p. 43) soa com um tom de resignação: “Mas uma coisa deve ser dita desde já:

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seja qual for o procedimento adotado, os resultados dependerão, sempre, da prática

constante da leitura”.

A abertura de canais de participação do professorado na elaboração das

propostas e orientações é outro indício do reconhecimento da importância da

experiência e dos encontros para a atualização dos saberes úteis à prática docente. A

criação do grupo de referência da área de história a partir de integrantes do magistério

municipal envolveu professores, equipe da Diretoria de Orientações Técnicas da

Secretaria Municipal de Educação e especialistas da área num esforço de trabalho

coletivo. A proposta estadual reserva espaço para a avaliação dos resultados obtidos

com o Caderno do Professor por parte do docente para possíveis ajustes futuros. Na

edição de 2009 desses Cadernos, o Secretário de Educação do Estado reconhece que a

revisão para o aprimoramento da proposta curricular resultou das análises e sugestões

dos professores. Dessa forma, os órgãos centrais da educação mostram também desejar

tirar partido da experiência do magistério e participar da sua rede de trocas. Ocorre que

a tentativa de administrar a implantação das novas propostas curriculares recai não

propriamente nas práticas de ensino, mas na mobilização dos praticantes.

A Proposta Curricular do Estado de São Paulo, os Cadernos do Professor, o

Referencial de Expectativas e as Orientações Curriculares cumprem o papel de

generalizar rotinas de ensino e integrar projetos e programas de ação. Acredita-se que,

assim, contribuam para “organizar melhor o sistema educacional” (SÃO PAULO, SEE,

2008) ou, para planejar uma “estratégia que ao mesmo tempo dê conta da complexidade

e tamanho da rede” (SÃO PAULO, SME, 2006a, p. 8). No entanto, as práticas que as

secretarias de educação do governo do Estado e da prefeitura da capital constituíram em

torno das suas propostas e referenciais curriculares mostram tratar-se de exigências

específica e minuciosamente definida de ensino. O modo como os novos padrões de

conteúdo e os sistemas de avaliação que o acompanham dificultam as regras de

promoção e contratação dos professores manifesta a exigência de aquiescência com a

definição governamental de currículo.

A criação do Programa Qualidade da Escola exige da escola o cumprimento de

metas e que os professores sejam gratificados de acordo com o sucesso que têm em

efetivar a proposta curricular. Na área de história a manobra se efetivou com a

vinculação do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo à

proposta curricular em 2009. Depois de consolidar a estruturação do currículo oficial da

educação básica de São Paulo, a Secretaria de Estado da Educação procurou tornar clara

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a vinculação do SARESP ao currículo publicando as Matrizes de Referência para a

Avaliação SARESP – Ensino Fundamental e Médio – História e Geografia. Trata-se de

um documento que descreve o elenco de metas de aprendizagem desejáveis em História

e Geografia, estabelecendo, conforme entende a coordenadora geral da proposta, “os

conteúdos disciplinares a serem desenvolvidos em cada ano ou ciclo e que se espera que

os alunos sejam capazes de realizar com esses conteúdos, expresso na forma de

competências e habilidades claramente avaliáveis”. Nesse sentido, trata-se da versão

estadual da proposição de expectativas de aprendizagem da Secretaria Municipal de

Educação de São Paulo.

O novo regime de avaliação do desempenho das escolas públicas estaduais mede

o desempenho dos alunos pelos resultados do SARESP e o fluxo escolar pela taxa

média de aprovação nas séries iniciais e finais do ensino fundamental e ensino médio

para estabelecer o Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo

(IDESP) por escola. A partir desses índices, a Secretaria de Estado da Educação

estabelece as metas para o ano seguinte. A gratificação dos professores resulta da

satisfação das metas determinadas. Também o processo de promoção por merecimento

dos professores da rede estadual paulista exige o domínio da proposta curricular da

Secretaria. A Resolução SE-80, de 3 de novembro de 2009, inclui a Proposta

Curricular do Estado de São Paulo para o ensino de História na bibliografia dos

exames e concursos de professores que concorrerem à promoção por merecimento.

Ambas as iniciativas constituem meios para obter adesão e apoio nas escolas e lembrar

aos professores a existência de uma hierarquia e a sua autoridade. As práticas de

avaliação das escolas segundo resultados e de associação do salário dos professores ao

seu desempenho, por um lado, pressionam para que as escolas sigam as mudanças

ordenadas, mas, por outro, insuflam suspeitas e dúvidas. Segundo Anne-Marie Chartier

(2007, p. 228), o que apreendem não é o que se passa na educação, mas a eficácia de

certos discursos em responder ou não às expectativas do poder público.

As medidas organizadas pela Secretaria Municipal de Educação para associar

currículo e desempenho ainda não configuram nada tão estruturado. Entretanto, os

recentes concursos de ingresso no magistério e acesso nos quadros técnicos se valeram

dos referenciais curriculares na bibliografia. As Orientações Curriculares de História

constam da bibliografia do concurso de ingresso para professores de história e do

concurso de acesso para o cargo de coordenador. Em ambos os editais, compõem a

seção “organização dos conteúdos de aprendizagem e desenvolvimento da competência

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leitora e os saberes escolares das áreas de conhecimento” (SÃO PAULO, SME, 2009, p.

11). Como conteúdo de seleção, as rotinas e modelos de ensino que as publicações

institucionais prescrevem não só exigem compreensão, entranham o ingresso, ou o

acesso, com metas detalhadas e padrões de desempenho. Esse tipo de indicação realça

expectativas quanto ao domínio das situações programáveis de ensino que as

orientações curriculares veiculam. Assim, o planejamento de longos períodos de

interação e a valorização do debate, da reflexão e das práticas de produção de texto e

leitura foi mais que um referencial de trabalho para o ensino de História. Constituíram

também um perfil profissional do professor de História no concurso de ingresso da

prefeitura de São Paulo.

Outra iniciativa que mostra as exigências das autoridades públicas quanto à

aquiescência do docente com a definição governamental de currículo é a organização da

Escola de Formação de Professores do Estado. Sua criação foi anunciada em 2009 como

uma parte do programa “+ Qualidade na Escola” e, na prática, interpõe entre a seleção

em concurso público e o ingresso na carreira do magistério um curso especial de quatro

meses. O novo regime de contratação sinaliza que a Secretaria de Educação do Estado

busca atrelar os objetivos dos seus programas aos conhecimentos de que o professor

precisa e relacioná-los às situações de sala de aula. O firme controle da qualificação dos

professores e as exigências de mudanças curriculares por parte do governo têm sido

compreendido por Ivor Goodson (2008, p. 109) como meios de dizer que o tempo em

que os professores eram autônomos e independentes acabou: (...) o novo profissional é tecnicamente competente, segue as novas diretrizes e práticas, e considera o ensino como um emprego no qual, como em outros, ele/ela é gerenciado e dirigido e transmite o que lhe pedem que transmita. Em meio às iniciativas em curso nas redes municipal e estadual de educação, as

missões e envolvimento pessoal que sustentam o sentido que o professor de história tem

do ensino apenas insufla velhos jargões. “Gostar de história” ou a “autonomia e reflexão

do professor” são sentenças que perdem o significado quando se deve obedecer aos

ditados de outros e cujo nível de desempenho deve ser rigorosamente monitorado. Na

medida em que servem de base para a crença de que a perícia e o controle pertencem à

administração central, à sua burocracia e especialistas, as prescrições de novos

currículos e diretrizes de reforma requerem maior cumplicidade e não personalidade.

Prevalecem o cerco à autonomia profissional e as suspeitas em relação à formação

inicial do professor.

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Nesse sentido, as orientações e os referenciais curriculares configuram uma

autêntica política de pessoal. Instituem ações focadas e para todos, iniciantes e

veteranos, com o propósito de articular projetos e programas de ação nas escolas.

Conforme mostram os exemplos do governo do Estado e da Prefeitura de São Paulo, as

mudanças no currículo têm determinado grandes temas a serem abordados de acordo

com avaliações periódicas. O foco da Proposta Curricular do Estado para o ensino de

História, do Referencial de Expectativas e das Orientações Curriculares nos

conhecimentos sobre a didática e a metodologia da história instrui sobre o conjunto

adequado de procedimentos e competências para o professor da disciplina atuar em sala

de aula. Publicações desse tipo generalizam uma forma específica e minuciosamente

definida de ensino. Tratar das concepções gerais, objetivos mais imediatos e esquemas

de trabalho, indicar e sugerir estratégias de aplicação dos métodos e, depois, avaliar o

trabalho que foi feito, a competência e eficácia do docente em responder ou não as

expectativas são o passo a passo de uma política que privilegia a autoridade dos

especialistas que formularam os programas e dos funcionários que supervisionam e

avaliam a implantação das propostas. O pagamento por resultados é uma espécie de

corolário dessa estratégia de organização do trabalho educativo que incentiva a

aquiescência com a definição curricular governamental. Como fontes de ideias,

sugestões, incentivos e restrições, os referenciais curriculares estabelecem critérios para

a atuação dos professores, servindo de parâmetro de promoção dos que já atuam e de

ingresso dos novatos. Em parte, a contratação e a promoção resultam da eficácia em

responder as expectativas que orientam o currículo.

As evidências que os referenciais curriculares de História permitem reunir dos

programas e projetos educacionais do governo indicam haver uma agenda voltada para

organização dos fazeres cotidianos da docência. A Proposta Curricular do Estado para

o ensino de História, os Cadernos do Professor, o Referencial de Expectativas e as

Orientações Curriculares de história do município de São Paulo instruem os docentes

que favoreçam a formação de leitores e escritores, planejem períodos de interação com a

classe e, enfim, melhorem a qualidade das aprendizagens na escola pública.

Estritamente, os referenciais de história solicitam dos professores a problematização das

fontes, o trabalho com diversos gêneros textuais e a capacidade de explorar a dimensão

formadora das práticas e dos seus produtos. O que o governo tem feito é tentar

implantar isso tudo utilizando uma ampla série de artifícios tão incisivos quanto a

efetivação no cargo, as gratificações por desempenho e a política de promoções. A

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distribuição de material para pronta utilização ou os demais subsídios para o processo

de seleção e organização de conteúdos são os dispositivos fundamentais dessa política

de pessoal. Ao apresentarem o conhecimento oficial, suas propostas e programas de

ação, contribuem para a consolidação de um regime de verdade sobre o ensino que não

só é sugestivo ou influente, mas que se impõe por avaliações e controle sistemático.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sobre a Metodologia e a Prática do Ensino de História nos Manuais do Professor dos Livros Didáticos recomendados pelo PNLD-2008 e nas Políticas de Reorientação Curricular do Governo do Estado de

São Paulo e da Prefeitura da Capital

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Os indícios que procurei reunir para compreender as maneiras como a docência

da história tem sido vista e representada deram-me boas pistas acerca das estratégias

utilizadas para conferir crença e crédito ao que se diz ser a verdade sobre a prática desse

ofício. O motivo desta pesquisa veio de um incômodo com as preocupações de

momento com o trabalho do professor de história e diz respeito aos atuais esforços de

qualificação docente. Daí a hipótese que fixou o lugar da investigação que realizei:

perante o professor há muitos que lhe pretendem dizer qual é a verdade muda do seu

ofício. Portanto, o impulso para esta pesquisa envolveu a ideia de que a ação exige que

as pessoas falem por sua conta. Sobretudo, Anne-Marie Chartier (2007, p. 203-204)

mostrou que quando os professores se põem a falar, eles próprios têm um discurso sobre

o que são e o que deveriam ser as práticas. Para os propósitos deste trabalho, esse

problema do direito, ou melhor, da autoridade para dizer foi central.

Fundamentalmente, abordei as orientações de ensino dos Manuais do Professor

que acompanharam os livros didáticos de história recomendados pelo PNLD-2008 e das

propostas curriculares de História do governo do Estado de São Paulo e da prefeitura da

sua capital com vistas a perceber “quem” enuncia e como induz as escolhas didáticas e

pedagógicas. Um primeiro conjunto de conclusões de pesquisa decorreu desta atenção

aos “autores” dos instrumentos de auxílio pedagógico do professor. Embora a

experiência docente na educação básica seja uma credencial explorada pelos autores de

livros didáticos, a instituição de formação e a posição no campo do ensino superior

prevalecem como indicativos de autoridade. Como ocorre nos livros didáticos, nas

Orientações Curriculares a experiência docente também é referenciada: reconhece-se a

participação ou a consulta aos docentes da rede de ensino no processo de elaboração dos

documentos. Contudo, é a condição de assessor ou de especialistas responsáveis que

define os lugares de procedência dos discursos reconhecidos e legitimados. Tal prática

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confirma que as publicações institucionais envolvem arranjos de função e expressam

autoridade e prestígio mobilizando estratégias de legitimidade e representação. Nesse

sentido, a composição da série de orientações didáticas publicadas pela SEE-SP e pela

SME da capital do Estado resultou tanto de uma prática de ordenação e controle dos

modos de reconhecimento e veracidade dos discursos a respeito do ensino de história

quanto dos arranjos de nomeação das equipes de especialistas.

A espécie de divisão do trabalho que assim a edição escolar e a contratação de

trabalho especializado de orientação curricular pelo poder público estabelecem no

sistema de educação impõe papéis prescritos aos docentes. Na lógica que Anne Marie

Chartier (2007, p. 148) percebe nessa forma de organizar as práticas do ensino, “os

programas e os textos oficiais definem as finalidades, e os conteúdos da aprendizagem

no âmbito da escola, e os professores os colocam em prática, por meio dos livros

didáticos”. Em relação aqueles que se encarregam da elaboração do material didático ou

de orientação, o exercício da docência se reduz às tarefas prático-empíricas. Nesse

sentido, a autoridade dos especialistas na elaboração dos discursos sobre a prática

docente é confirmada à custa da desvalorização dos professores como produtores ou

geradores de conhecimento pedagógico. Conforme compreendem Nóvoa (2002) e

Viñao Frago (2001, p. 41), a consolidação, afirmação e reconhecimento social, político

e econômico do saber científico sobre a educação tem excluído o dito saber prático, de

base empírica, como espaço de produção do saber pedagógico. Nas publicações que

analisei, a associação entre especialistas e discursos formados no campo da pesquisa

acadêmica são indícios de um processo desse mesmo tipo. Predominantemente foram

especialistas das universidades de São Paulo e de Campinas e da Pontifícia

Universidade Católica que conduziram e assessoraram a elaboração das orientações

curriculares para a área de História nas secretarias de educação do Estado de São Paulo

e do município da sua capital. O processo de seleção dos livros recomendados pelo

PNLD resulta de uma avaliação entre os pares que, feito no âmbito dos departamentos

de história e educação das universidades públicas, tem credenciado cada vez mais

produções organizadas segundo os critérios da pesquisa universitária.

Foucault (1996, p. 9 e 10) nota que por meio do direito do sujeito que fala se dá

a sua ligação com o poder. Principalmente, a prescrição, o uso dos modos imperativos

do verbo ou o desejo de legitimar uma prática pela escrita sugerem a prevalência do que

pode ser regulado com antecedência sobre as providências decididas no momento da

ação. No caso das publicações estudadas, certo número de operações de recorte e

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classificação produziu as configurações graças às quais a realidade do ensino foi

representada e apresentada aos professores. Os modos e as modalidades da enunciação

do que é requerido fazer, os protocolos considerados pertinentes para satisfazer as

exigências da disciplina e a eficácia em fazê-los reconhecer como necessários referem-

se a um professor que poderia realizar corretamente a orientação. Esse é o cerne do

caráter intransitivo que os escritores emprestam aos seus discursos nessas publicações

instrucionais. Pelo contrário, quando os docentes se põem a falar e a agir em seu nome,

eles não opõem uma representação a uma outra, eles não opõem a prática à teoria. Sob

as sempre lembradas formas tradicionais de ensino que essas publicações imputam aos

professores não se observa apenas o apego a outra organização da aula e da escola ou da

metodologia de trabalho, mas, como compreende Foucault (2003, p. 42), a percepção de

um ponto singular onde o poder se exerce às suas custas. Foi dessa perspectiva que

busquei compreender em discursos tão específicos quanto os dos manuais do professor

e das orientações curriculares as iniciativas para fazer crescer o investimento do

professor de história no trabalho de sala de aula.

Sobretudo recentemente, nessas publicações, as sugestões de atividade e a

indicação de meios para a condução da aprendizagem dão ênfase às práticas de sala de

aula. Os manuais do professor dos livros didáticos e as orientações curriculares reúnem

um variado repertório de procedimentos e recursos de ensino. Trata-se de impressos de

caráter operacional, mais afeitos ao uso no dia-a-dia do que para ser lido e que veiculam

um discurso sobre a prática. Nesse sentido, as suas especificações, expectativas e

exigências acerca do ensino de história foram compreendidas como expressão de

demandas vindas da sociedade e do poder público. Interessou discutir os manuais do

professor dos livros didáticos e as orientações curriculares como um elemento das atuais

estratégias de formação continuada de professores. O edital de convocação para

inscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas e as propostas

curriculares do governo do estado e da prefeitura de São Paulo consideram esses

impressos como peças que auxiliam na atualização do professor e uma contribuição para

a sua formação continuada. Assim, o seu estudo me pareceu relevante porque são

publicações que oferecem insumos que expressam objetivos práticos e utilitários de

ensino. Trata-se de uma série de indicações a respeito da preparação da aula, do seu

encaminhamento e do retorno dos resultados e acerca de estratégias educativas e

modelos de atividade que importa pelo esforço de veicular um discurso sobre o modo de

ensinar junto aos que atuam na prática.

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Entre o que se concede e aquilo que se demanda do professor, constata-se que os

manuais das coleções didáticas de história e as propostas de reorientação curricular

formalizam as configurações por meio das quais a docência e a aprendizagem devem ser

percebidas. Ainda que percebida em função das suas atividades mais ordinárias, a

docência de história tem sido apresentada nessas publicações sob a perspectiva da

eficácia. Segundo o que se pôde ler nelas, o professor de história ajuda a ordenar um

discurso sobre o mundo, cria possibilidades de investigação dos processos históricos

locais e dá tratamento didático capaz de facilitar ao aluno o exercício do pensamento

livre. O ofício, então, requer preparo para problematizar, para analisar e questionar a

realidade de uma atualidade sem tradição ou passado. Nota-se primeiro que a relação de

poder expressa pelas obrigações do ofício docente fica muito reduzida aos serviços

ordinários. O planejamento, o registro, a orientação das atividades, a correção dos

resultados, o estímulo à atenção do aluno, a distribuição dos materiais e organização do

trabalho e da apresentação dos alunos em sala são os imperativos cotidianos reiterados

ao docente-leitor a cada novo conjunto de temas e atividades. Por outro lado, as

finalidades do ensino se estendem desmesuradamente. Além de contribuir para a

formação de cidadãos e construir uma ideia clara dos acontecimentos e processos

históricos e de sua sucessão no tempo pede-se ao professor de história que também

provoque atitudes solidárias de convívio social e tolerância, promova o

desenvolvimento do juízo crítico e desenvolva a competência leitora dos seus alunos.

Entre outros tantos exemplos, desenvolver habilidades cognitivas como capacidade de

análise, inferência, interpretação e síntese e valorizar o patrimônio histórico e cultural

de diferentes sociedades tem se associado nos manuais do professor às tarefas impostas

pela inclusão de diferentes visões do passado no ensino da história do país e a crítica ao

eurocentrismo.

Conforme evidenciou a leitura de todo o conjunto documental, o professor de

história que os manuais das coleções didáticas e os documentos de área ostentam não é

o mesmo daquele que definem como seu destinatário. Através da análise do discurso

dirigido aos docentes nesse conjunto de materiais espero ter mostrado também que a

vulgarização do conhecimento histórico especializado tem se valido de uma linguagem

representativa das relações mantidas pelas autoridades e especialistas do ensino com os

professores. Principalmente, procurei sublinhar os protocolos de autoridade da

hierarquia funcional presentes no recorrente uso do modo imperativo dos verbos. Operar

o sentido do fazer no texto através de ordens que pretendem organizar a ação, descrevê-

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la ou prescrevê-la tem sido a prática no Manual do Professor e nos Cadernos do

Professor da Proposta Curricular do Estado. Esses textos constroem o leitor-docente

dizendo-lhe o que fazer como se suspeitassem da sua escassa formação e experiência e

do que lhe falta saber. Por um lado, trata-se de um modo usual de dar eficácia ao que foi

pensado como necessário para a transmissão de conhecimentos. Entretanto, é

igualmente um meio de fixar uma fórmula de trabalho. Também há outros modos de

dizer o que é pressuposto e condição da ação docente nos manuais de ensino de história.

As formas amenizadas do modo imperativo no Referencial de Expectativas da área

específica e nas Orientações Curriculares e o insistente uso do verbo na sua forma

infinitiva suavizam o texto mostrando cuidado com o modo de tratar o docente-leitor.

Esse outro tipo de linguagem horizontaliza mais a relação autor-leitor contornando algo

do exercício da autoridade funcional na linguagem.

Em muitas coleções recomendadas no PNLD-2008 e nos próprios referenciais e

orientações curriculares, os esclarecimentos sobre os conteúdos da disciplina visam

contribuir para se ver com maior clareza o que deve ser ensinado. Do mesmo modo que

há expectativas quanto ao que é ensinado, esses documentos esperam que, na maneira

de ensinar, o docente de história comente e explique a matéria, relacione os fatos,

destaque conteúdos, demonstre os processos de mudança ao longo do tempo, informe

sobre a atualidade de algumas questões históricas e estimule a aprendizagem do aluno.

Se em alguma medida se pode concluir que a docência em história se caracteriza por

fazer intervir nos atuais assuntos de interesse da juventude explicações racionais e

exigências de convivência e participação social um dado interessante é a exígua

presença de orientações relacionais que não as de ordem operacional: orientar,

acompanhar, corrigir, estimular, avaliar, explicar, solicitar... Sobretudo é assim na parte

específica dos manuais do professor. Já nos referenciais curriculares são freqüentes o

recurso ao compromisso e à dedicação dos docentes, ao gosto pela matéria que lecionam

e aos seus hábitos de leitura. Sobretudo, o Referencial, as Orientações, a Proposta

Curricular e a série de Cadernos do Professor dão crédito aos qualificadores das

interações do professor com a classe. Nessa direção, recomendam ao docente ler para a

turma, debater com os estudantes, tornar possível a inclusão, apresentar os locais onde

os alunos podem pesquisar, estabelecer laços entre a escola e a comunidade.

Orientações no sentido de lidar com a diversidade, considerar a realidade e os interesses

dos alunos e de explicitar os costumes de um bom leitor somam ainda outras indicações

para a abordagem da sala de aula. Ao professor, portanto, é solicitado que propicie

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situações de participação dos alunos na aula, conduza-a rotineiramente e favoreça a

aprendizagem ativa, baseada num convívio positivo do professor com as suas classes.

Apesar das diferenças de ênfase, é tão recorrente encontrar nos manuais

didáticos quanto nos referenciais curriculares uma concepção da atividade do professor

pautada em categorias como habilidade, competência e autonomia. Relacionar,

compreender, explicar, acompanhar, orientar, corrigir e avaliar mostrara-se ser tanto

expressões da ordem das habilidades quanto das competências que se solicitam dos

docentes nesses tipos de publicação. Na análise que então realizei delas, concordei com

autores que suspeitam de um mascaramento das reais intenções de propostas assim

orientadas. Conforme avaliam Paim (2007) e Silva (2008, p. 40), o modo como termos

do tipo habilidade, competência e autonomia estão incorporados aos dispositivos

normativos evidenciam apenas uma linguagem de natureza prescritiva e funcional.

Incluir qualificativos como competência, compromisso e dedicação entre as orientações

de procedimento e conduta lembram os leitores que há problemas nesse sentido e que

ainda é preciso sublinhar as obrigações éticas e os valores profissionais associados à

docência ao próprio docente.

Essas conclusões de pesquisa resultaram do propósito de compreender os meios

através dos quais a docência é representada, percebida e construída em documentos de

orientação didática na área de História. Sobretudo lhes dão algum fundamento as formas

como Chartier (1991) pensou os dispositivos discursivos e materiais da enunciação e a

maneira ativa a partir da qual Bakhtin (2006) percebeu o papel do destinatário na

escolha dos procedimentos composicionais e dos meios linguísticos de um texto. Há nos

referenciais curriculares uma série de artifícios para impor uma significação unívoca,

para enunciar e produzir uma interpretação correta, que é também um modo de supor o

exercício adequado da docência. Por essa razão, as relações entre as atuais políticas de

currículo e o ensino de história levaram-me a pensar nos discursos para e sobre os

professores como um instrumento essencial para compreender as estratégias de

regulação da atividade da docência nessa disciplina. Sobretudo porque as representações

da docência que autoridades e especialistas afirmam ao professor fazem parte integrante

da realidade do magistério, definem um campo de lutas no qual os manuais do professor

e os referenciais curriculares tem uma pertinência operatória ímpar no ordenamento e na

hierarquização da autoridade e das competências. Em conformidade com as análises de

Chartier, espero ter conseguido mostrar na materialidade dos impressos analisados as

marcas de sua produção, circulação e uso e, assim, apontado algo dos artifícios textuais

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que procuram construir o leitor-professor e determinar seus modos de ler. Do mesmo

modo, utilizei Bakhtin para sublinhar que tanto a composição quanto o estilo do

enunciado dependem da força e a influência do destinatário no discurso, pois, como o

falante, o escritor percebe e representa para si os seus destinatários.

Segundo os resultados obtidos nesse empreendimento de pesquisa, penso ter

encontrado indícios suficientes para afirmar que a formatação do auxílio ao professor

corresponde à ideia que se faz do seu trabalho em sala de aula. Quando nos manuais do

professor ou nos referenciais curriculares os autores buscam orientar uma ação prática é

ao seu leitor presumido – o professor – a quem se dirigem. Assim, a atenção para o

estudo dos dispositivos e dos mecanismos a partir dos quais textos deste tipo

materializam os leitores que esses autores têm em mente foi particularmente fecunda

para se compreender a forma como eles expressam uma representação sobre a docência.

Dessa perspectiva, o gênero didático e o estilo do discurso dos manuais do professor e

das orientações curriculares constituem signos muito visíveis de uma determinada

compreensão do exercício do magistério. No geral, o estudo da forma de empregar os

tempos e modos verbais, os pronomes, os advérbios de circunstância e os conectivos

confirma uma tradição de análise dos livros didáticos e das políticas curriculares já

consolidada e que critica o quanto esses dois tipos de publicação reduzem o papel do

professor a de um mero executor de tarefas. Nessa direção, também é possível perceber

que os manuais do professor e os referenciais curriculares assentam uma percepção de

que os professores não tiveram formação adequada. No entanto, não vão apenas nesse

sentido as considerações que se pode fazer sobre as representações acerca da docência

instauradas pelos seus textos. Sobretudo, tratou-se aqui de também reconhecer as

formas institucionais e objetivadas em virtude das quais se vem marcando e

significando simbolicamente o exercício da docência em História.

No quadro compreensivo que então se pode propor a respeito das exigências que

se procura fazer o docente interiorizar, inventariei primeiro as estratégias e rotinas tidas

como constitutivas da prática do ensino de História pelos manuais do professor e pelos

referenciais curriculares. Principalmente, há operações que sob a justificativa de tornar

os utensílios conceituais da história menos opacos ao entendimento dos docentes e

alunos visam atingir o fundo e a forma da narração histórica em sala de aula. Por um

lado, predominam orientações para organizar as rotinas de elaboração visual das

aprendizagens (cartazes, paineis e construção de materiais), de discussão e reflexão

(debates, seminários e entrevistas) ou de síntese (exposições, resumos) e as dinâmicas

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de jogos e representações. Por outro, percebe-se a elaboração de abordagens didáticas

cada vez mais capazes de refletir os avanços da ciência histórica e a incorporação de

soluções pedagógicas propostas para o ensino de história. Encabeçam a lista de

orientações de fundo as indicações para o professor problematizar a realidade social

através da análise do passado, insistindo no papel da história como iluminação do

passado sobre o presente. Também se recomenda acompanhar os momentos iniciais da

formação da consciência crítica, participar de maneira ativa do processo de percepção e

formação dos valores constituintes da cidadania e contextualizar uma produção cultural

ou documento, discutir discursos políticos nas aulas e confrontar idéias do seu texto.

Orientações para o trabalho com fontes são igualmente recorrentes nos manuais do

professor e nos referenciais curriculares. Tem importado tratar da seleção e crítica de

textos históricos de diversos gêneros (crônicas, discurso político, texto jornalístico) de

imagens (mapas, obras de arte, charges, fotografia, filmes, gravuras) e representações

gráficas e estatísticas com finalidades didáticas. Ciosos da solidez teórico-metodológica

do trabalho docente, os materiais de orientação didática sublinham que também o ensino

de história deve observar o rigor historiográfico no tratamento das fontes. Outro

conjunto de recomendações que é especifica para o ensino de história diz respeito às

reflexões sobre o tempo. Em relação às conexões temporais da agência humana do

passado que o estudo da história produz, os manuais didáticos e os referenciais

curriculares basicamente orientam o docente recorrer à linha cronológica e trabalhar

com diferentes concepções de tempo histórico. Sobre as temporalidades, as

recomendações são tão procedimentais quanto a respeito das fontes: comparar e

relacionar, criar estratégias de leitura favoráveis para a compreensão do aluno, propor

projetos de trabalho, promover questões e utilizar o material didático.

De ordem mais geral, as instruções para a gestão das atividades da sala de aula

seguem numa lógica que pressupõe o domínio de uma série de habilidades e

competências por parte do professor. Assim, as ações de estimular, orientar, valorizar,

esclarecer, auxiliar e avaliar o aluno, selecionar, organizar e explicar o conteúdo ou de

lidar com a diversidade, questionar, solicitar, debater, problematizar e planejar o

trabalho constituem referências consolidadas para o exercício do magistério. Há

também passagens em que os manuais didáticos e os referencias curriculares apostam na

criatividade do professor, recomendando que o docente crie situações de trabalho e

estratégias didáticas e de leitura. Também são reconhecidos como tarefas criativas os

ajustes e as adaptações que se espera que o professor realize. As publicações dirigidas

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aos docentes invariavelmente consideram que no conjunto o trabalho em sala de aula

apenas se completa com o registro dos processos e resultados. Tanto quanto as

propostas de reorientação curricular, os manuais do professor insistem na necessidade

de registrar o que o docente for realizando e os resultados conseguidos.

Outra característica do exercício da docência que os manuais do professor e os

referencias curriculares formalizam por meio de seus dispositivos narrativos e suas

estratégias de persuasão ou de demonstração diz respeito à interação com os alunos.

Insistentemente, recomenda-se ao docente ler para a turma, debater com os estudantes,

tornar possível a inclusão, apresentar os locais onde os alunos podem pesquisar,

estabelecer laços entre a escola e a comunidade. Fazer o professor motivar o aluno com

práticas compreensíveis e significativas somam mais indicações para a abordagem da

sala de aula. Trata-se de uma série de orientações que se apóiam em valores da época: o

atrativo das fontes, a facilidade do que está pronto para consumir, o sucesso certo e

instantâneo que gratifica. E, em torno dessa concepção do trabalho que deve ser

realizado pela escola, fazer os alunos produzirem, providenciarem, trocarem

informações ou questionarem, entre tantos outros procedimentos de aprendizagem

estabelece a atual especificidade do exercício da docência.

Ainda quanto às interações que os manuais e os referenciais esperam ocorrer na

sala de aula existem especificidades de acentuação. Nos manuais não há o que encontrar

acerca das formas de organização da classe e o controle da sua disciplina, os gestos, as

maneiras de fazer e os procedimentos de conduta entre outras tantas ações implícitas da

aula. Nesse tipo de impresso predomina a preocupação com as questões metodológicas

da matéria, os processos de aprendizagem, e as modalidades de atividade e avaliação. Já

nas orientações curriculares, as recomendações abrangem um domínio de

procedimentos entendido como de gestão da sala de aula. As formas de conduzir a

classe e o controle da sua disciplina, os gestos, as maneiras de fazer e os procedimentos

de conduta entre outras tantas ações implícitas da aula são assumidas como diretrizes.

Pareceu ser uma questão específica das atuais propostas de reorientação curricular da

cidade e do Estado de São Paulo promover estratégias de abordagem da classe e de

condução das suas atividades.

Especialmente os referencias curriculares compreendem a função docente como

de mediação. Por um lado, insistem que o professor assuma a sua tarefa de mediador de

leitura e, assim, o papel daquele que desvela questões e problemas. Por outro, as

orientações curriculares do Estado de São Paulo e da prefeitura da capital reconhecem

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que as competências e habilidades desenvolvidas na escola dependem da qualidade das

mediações realizadas pelo professor. Nesse sentido, a cuidadosa atenção que dispensam

a alguns qualificativos da docência é relevante para a compreensão das representações

que agentes determinados do poder público fazem das práticas docentes. Sobretudo a

responsabilidade pelo comando do espaço da escola, o compromisso e a dedicação são

os atributos principais por meio dos quais os referenciais curriculares qualificam o

trabalho do professor. Conforme adverte Roger Chartier (1991, p. 183), expedientes

desse tipo contribuem para marcar de modo visível a representação social de um grupo

ou classe.

As pesquisas sobre as maneiras do professor realizar seu trabalho em sala de

aula e dele usar os materiais didáticos mostram que, no fazer cotidiano, os docentes

tornam possíveis variações em relação ao esperado, ao prescrito e planejado. Uma série

de estudos tem documentando expedientes de ensino e administração do dia-a-dia da

sala de aula que impedem tomar o professor como simples executor de modelos

prescritos. Diferentemente das análises que operam com a distinção entre a fala e o

saber competente do especialista e os receptores do conhecimento, cuja participação no

saber é visto como mera ilusão, essa literatura reconhece os espaços de ação que o

docente se autoriza ter em relação às orientações prescritas. Assim, e muito de acordo

com o entendimento de Michel de Certeau (1994), vem-se percebendo que os meios de

fabricar autoridade e conformidade não escapam aos artifícios e subterfúgios de

resistência das pessoas comuns diante dos empreendimentos que queiram desapossá-las

e domesticá-las. Seguindo essa orientação de pesquisa, abordei os manuais dos

professores das coleções didáticas de história recomendadas pelo PNLD-2008, os

Referenciais Curriculares da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e a

Proposta Curricular do Estado de São Paulo como fontes para o estudo das formas como

se vêm tratando os paradigmas organizadores do discurso sobre as práticas de ensino.

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Referências Bibliográficas

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