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Departamento de História RELATÓRIO DE PESQUISA PIBIC/CNPQ Aluna: Carolina de Abreu Jardim Orientadora: Maria Elisa Noronha de Sá Introdução A pesquisa intitula-se “Olhares Cruzados: intelectuais e a constituição de um novo vocabulário político na Argentina e no Brasil no século XIX”, orientada pela professora Maria Elisa Noronha de Sá. Este projeto de pesquisa insere-se na esfera da história intelectual e objetiva comparar o pensamento de alguns intelectuais brasileiros e argentinos, considerados autores e atores singulares na construção dos estados nacionais da República Argentina e do Império do Brasil ao longo do século XIX. A análise concentrou-se, no segundo semestre de 2012, em dois intelectuais da segunda metade do século XIX: Aureliano Cândido Tavares Bastos e Juan Bautista Alberdi. Dois pensadores importantes, influentes e atuantes nas discussões e decisões políticas da época, que defenderam algumas ideias semelhantes, mas que conservaram diferenças que podem ser colocadas em diálogo. No inicio de 2013, começamos uma nova pesquisa, intitulada “Intelectuais e a constituição de um novo vocabulário político na América Ibérica no século XIX”. Seu objetivo é comparar o pensamento de alguns intelectuais considerados autores e atores privilegiados nos processos de independência e na construção dos estados nacionais na América Ibérica ao longo do século XIX. No debate contemporâneo acerca do fazer história intelectual, dois enfoques ou tradições historiográficas têm se destacado no estudo da história do pensamento político e social: o contextualismo lingüístico da Escola de Cambridge, representado principalmente por Quentin Skinner e John Pocock e a história conceitual alemã, representada por Reinhart Koselleck. Destacam-se estas perspectivas como horizontes possíveis para permear as reflexões, procurando estabelecer na pesquisa uma possível aproximação entre as duas visões. Desenvolvimento No primeiro momento, a pesquisa enfocou os textos teóricos sobre a história da República Argentina, especialmente, Fundamentos da organização política da Argentina de Alberdi, de 1852. No segundo momento, concentrou-se nas três principais obras de Tavares Bastos: Cartas do Solitário, A Província e Males do Presente e as Esperanças do Futuro. Começou-se, então, a comparar as ideias e concepções desses autores em relação à imigração e à educação; considerando-se, especialmente, os projetos políticos desenvolvidos pelos autores: a Monarquia Federativa de Tavares Bastos e a República Possível de Alberdi. No segundo semestre de 2012, cada uma das bolsistas ficou responsável por comparar uma questão abordada pelos dois autores. Decidi comparar dois projetos políticos: a República Possível, de Juan Bautista Alberdi, proposta no livro “Bases y puntos de partida para la organización politica de la Republica Argentina, publicado em 1852, e a Monarquia Federativa, de Aureliano Cândido Tavares Bastos, desenvolvida em “A Província”, de 1870. Esse trabalho acabou se tornando o tema da minha monografia de final de curso, cujo titulo é “A Monarquia Federativa de Aureliano Cândido Tavares Bastos e a República Possível de Juan Bautista Alberdi”. Um resumo da monografia encontra-se em anexo (anexo 1). Em paralelo ao desenvolvimento do trabalho citado acima, assisti ao curso de pós- graduação Na encruzilhada: os letrados latino-americanos diante da crise e derrubada dos

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Departamento de História

RELATÓRIO DE PESQUISA PIBIC/CNPQ

Aluna: Carolina de Abreu Jardim

Orientadora: Maria Elisa Noronha de Sá

Introdução A pesquisa intitula-se “Olhares Cruzados: intelectuais e a constituição de um novo

vocabulário político na Argentina e no Brasil no século XIX”, orientada pela professora Maria

Elisa Noronha de Sá. Este projeto de pesquisa insere-se na esfera da história intelectual e

objetiva comparar o pensamento de alguns intelectuais brasileiros e argentinos, considerados

autores e atores singulares na construção dos estados nacionais da República Argentina e do

Império do Brasil ao longo do século XIX. A análise concentrou-se, no segundo semestre de

2012, em dois intelectuais da segunda metade do século XIX: Aureliano Cândido Tavares Bastos

e Juan Bautista Alberdi. Dois pensadores importantes, influentes e atuantes nas discussões e

decisões políticas da época, que defenderam algumas ideias semelhantes, mas que conservaram

diferenças que podem ser colocadas em diálogo. No inicio de 2013, começamos uma nova

pesquisa, intitulada “Intelectuais e a constituição de um novo vocabulário político na América

Ibérica no século XIX”. Seu objetivo é comparar o pensamento de alguns intelectuais

considerados autores e atores privilegiados nos processos de independência e na construção dos

estados nacionais na América Ibérica ao longo do século XIX.

No debate contemporâneo acerca do fazer história intelectual, dois enfoques ou tradições

historiográficas têm se destacado no estudo da história do pensamento político e social: o

contextualismo lingüístico da Escola de Cambridge, representado principalmente por Quentin

Skinner e John Pocock e a história conceitual alemã, representada por Reinhart Koselleck.

Destacam-se estas perspectivas como horizontes possíveis para permear as reflexões, procurando

estabelecer na pesquisa uma possível aproximação entre as duas visões.

Desenvolvimento

No primeiro momento, a pesquisa enfocou os textos teóricos sobre a história da

República Argentina, especialmente, Fundamentos da organização política da Argentina de

Alberdi, de 1852. No segundo momento, concentrou-se nas três principais obras de Tavares

Bastos: Cartas do Solitário, A Província e Males do Presente e as Esperanças do Futuro.

Começou-se, então, a comparar as ideias e concepções desses autores em relação à imigração e à

educação; considerando-se, especialmente, os projetos políticos desenvolvidos pelos autores: a

Monarquia Federativa de Tavares Bastos e a República Possível de Alberdi.

No segundo semestre de 2012, cada uma das bolsistas ficou responsável por comparar

uma questão abordada pelos dois autores. Decidi comparar dois projetos políticos: a República

Possível, de Juan Bautista Alberdi, proposta no livro “Bases y puntos de partida para la

organización politica de la Republica Argentina”, publicado em 1852, e a Monarquia Federativa,

de Aureliano Cândido Tavares Bastos, desenvolvida em “A Província”, de 1870.

Esse trabalho acabou se tornando o tema da minha monografia de final de curso, cujo

titulo é “A Monarquia Federativa de Aureliano Cândido Tavares Bastos e a República Possível de

Juan Bautista Alberdi”. Um resumo da monografia encontra-se em anexo (anexo 1).

Em paralelo ao desenvolvimento do trabalho citado acima, assisti ao curso de pós-

graduação “Na encruzilhada: os letrados latino-americanos diante da crise e derrubada dos

Departamento de História

impérios ibero-americanos, 1810-1820”, ministrado pelo professor Jorge Myers, da Universidade

Nacional de Quilmes, da Argentina. O curso teve como objetivo explorar e analisar, a partir de

uma perspectiva comparada, as trajetórias de alguns dos principais “letrados patriotas” que

participaram dos processos de independência na Hispano-América e no Brasil. Pretendeu-se

ampliar o conhecimento de dois aspectos da história das independências ibero-americanas: a

história dos intelectuais que participaram deste processo, e a história dos debates político-

ideológicos que foram postos em circulação em seus discursos.

Como já dito, no inicio de 2013 iniciamos uma nova pesquisa intitulada “Intelectuais e a

constituição de um novo vocabulário político na América Ibérica no século XIX”. Seu objetivo é

comparar o pensamento de alguns intelectuais considerados autores e atores privilegiados nos

processos de independência e na construção dos estados nacionais na América Ibérica ao longo

do século XIX.

Utilizando-se do conceito de letrado patriota como aquele que pensava a sociedade com

autonomia em relação à Igreja ou à Coroa e que se considerava legitimado para falar em nome de

sua “pátria”, escolheu-se, inicialmente, três intelectuais que viveram em um contexto de

indefinição política e que se posicionaram publicamente para defender suas ideias de pátria. No

Brasil, José Bonifácio de Andrada e Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo, conhecido como Frei

Caneca. Na Argentina, Bernardino Rivadávia.

Cada uma das alunas-pesquisadoras ficou responsável por um intelectual. Eu fiquei

responsável por Bernardino Rivadávia (anexos 2 e 4). Esta fase foi iniciada com a discussão do

conceito de letrado patriota, aproveitando o curso de Jorge Myers (anexo 5).

O letrado patriota surge num contexto de profunda crise político-institucional dos

impérios ibéricos e atua durante esta crise e no período de independência das colônias luso-

espanholas. Os letrados patriotas foram os intelectuais que pensavam a sociedade sem ligação

necessária com a Igreja ou a Coroa e que se consideravam legitimados para falar em nome da

pátria. Em 1807/1808, os impérios ibéricos entram em colapso devido à invasão napoleônica.

Com a crise na natureza da unidade política dos impérios, surge a possibilidade de se repensar o

pacto colonial. É nesse contexto de indefinição, de ruptura, que surge o letrado patriota.

Muitos letrados patriotas eram ilustrados, mas não necessariamente. Importante destacar

que a ilustração ibérica teve duas características específicas, foi uma ilustração católica e de

funcionários. Ou seja, os ilustrados ibéricos criticavam às instituições religiosas, mas não os

dogmas da fé, e eram, em sua maioria, funcionários da Coroa.

Destacam-se três etapas no surgimento dos letrados patriotas:

a) Jesuítas no exílio: estes respondem às críticas sobre a inferioridade americana. Esses

discursos serão recuperados na época da independência. O exílio teve um papel importante neste

período de crise, pois significava a impossibilidade de voltar ao local de origem, ou seja, a pátria

natal. Vendo-se numa situação a princípio sem volta, o exilado toma consciência de seu

patriotismo. De fora, fica mais fácil ver/imaginar o que seria esta pátria. Não poder voltar cria

uma situação sociológica específica.

b) Precursores: sofrem influência do ineditismo da declaração de independência dos

Estados Unidos. Imersos na crise dos impérios ibéricos, esses intelectuais defendiam a igualdade

de direitos entre os súditos americanos e peninsulares. Com a crise, abre-se a possibilidade de

renegociação do pacto colonial, cujas alternativas iam desde uma maior participação nas

decisões imperiais até a independência plena.

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c) Letrado no processo revolucionário: a identidade imperial/colonial estava em crise,

precisava ser redefinida. Esses se encontravam numa situação onde havia maior margem de

manobra política, ainda que os laços com a metrópole ainda não tivessem sido rompidos

totalmente. Atuavam, portanto, com mais autonomia e tornaram-se porta-vozes de suas pátrias.

Ao falar em nome da pátria, o letrado patriota tinha o desafio de definir esta pátria. Havia

várias pátrias possíveis, estas podem despontar, simultaneamente, nos discursos dos letrados

patriotas. A pátria poderia ser imperial, americana, “nacional” ou local. Pátria e nação, por serem

construções jurídicas, sociais, econômicas e culturais, precisavam ser demarcadas. A nação

política é uma comunidade soberana portadora de direitos e obrigações políticas, onde se faz

sentir a vontade soberana do povo.

A pátria podia ser definida por local de nascimento ou por convicção, por adoção. A

identidade de nascimento é diferente da identidade jurídica do cidadão. A pátria nacional era

defendida politicamente, era da vontade geral dos cidadãos. Neste caso, o local de nascimento

não importava. Para os românticos ocorre o contrário, a construção política deve dar conta da

preexistência de uma história, de uma herança. Primeiro, se pertence a uma nação, com uma

história especifica. No entanto, para os letrados patriotas, primeiro se faz parte da humanidade;

de forma que, os cidadãos, por vontade política, poderiam criar sua pátria em qualquer lugar. Ou

seja, a pátria poderia ser construída de acordo com a vontade coletiva de seus cidadãos. Para

eles, os valores políticos eram universais.

Importante ressaltar que os momentos de liberdade de imprensa foram muito férteis.

Surgiram novas condições para a prática do periodismo, propiciando ao letrado patriota um

fórum público de debate. A liberdade de imprensa criou algo novo, que não existia no Antigo

Regime: a polêmica, o debate público. Assim, a polêmica pública foi legitimada. Os discursos

dos letrados patriotas eram legitimados no “tribunal” da opinião pública.

O letrado patriota era marcado por uma ambiguidade profunda em sua referência política,

pois a instabilidade política era grande e as possibilidades eram muitas, de forma que os

discursos também se transformavam com rapidez para poder dar conta dos novos cenários

políticos. Assim, os letrados patriotas foram marcados por certo pragmatismo, uma vez que os

discursos visavam resultados práticos, e por mudanças bruscas, já que a realidade mudava

rapidamente. Assim, podemos dizer que as circunstâncias, marcadas por mudanças vertiginosas e

de resultados incertos, transformaram alguns intelectuais em letrados patriotas. Estes se viram

numa posição inédita que os obrigou a assumir a tarefa de atuar politicamente. O letrado patriota

se colocou como porta-voz da sociedade, como defensor dos interesses de sua pátria, legitimado

pelo debate público.

A fase seguinte foi analisar os textos de Rivadávia, mas primeiro foi necessário estudar o

contexto político, econômico e social da Argentina no período em que Rivadávia atuava

politicamente. O resultado desta pesquisa está em um texto que se encontra no anexo 2.

Em julho de 2012 participamos do Seminário do PIBIC na PUC-Rio com apresentação de

texto (anexo3).

Anexo 1: Monarquia Federativa x República Possível Esse trabalho pretende analisar e comparar dois projetos políticos: a República Possível

de Juan Bautista Alberdi, proposta no livro “Bases y puntos de partida para la organización

politica de la Republica Argentina”, publicado em 1852, e a Monarquia Federativa, de Aureliano

Cândido Tavares Bastos, desenvolvida em “A Província”, de 1870. Pretende-se focar,

especialmente, os conceitos de centralização, descentralização, unitarismo e federalismo. Além

Departamento de História

disso, pretende discutir como as questões ligadas à herança colonial, à imigração e à instrução

pública foram tratadas pelos autores.

Entre 1810 e 1825, a maior parte do território das Américas havia rompido os laços

coloniais com as metrópoles e começava a enfrentar novos desafios. Foi um período vivido

intensamente, marcado por muitas revoluções, revoltas e guerras civis. Eram muitos os sonhos, as

utopias, as ideias e os projetos que poderiam e que foram postos em prática, com maior ou menor

sucesso. Após a independência política, restava ainda um longo caminho a ser percorrido.

Precisava-se edificar os novos Estados, o que não era menos problemático. Cada país, dentro de

suas especificidades, tinha que criar e manter uma nova ordem.

Alberdi e Tavares Bastos não pertenciam à geração que lutou pela independência,

receberam um legado histórico que foi tomado como ponto de partida para o desenvolvimento de

seus projetos políticos. Propuseram mudanças políticas, econômicas e sociais que levariam,

conforme acreditavam, ao progresso de suas nações. Dessa forma, este trabalho pretende

apresentar e comparar dois diagnósticos e dois projetos desenvolvidos algumas décadas após a

conquista da independência política pela República da Argentina e pelo Império do Brasil.

Os discursos escolhidos foram desenvolvidos por atores específicos que procuravam

intervir politicamente em seus países, ou seja, tinham uma intencionalidade definida. Dessa

forma, o discurso funcionava como um instrumento de ação para intervir na sociedade,

defendendo seus projetos e/ou criticando outros. De acordo com Koselleck, “todos os

testemunhos atestam a maneira como a experiência do passado foi elaborada em uma situação

concreta, assim como a maneira pela qual expectativas, esperanças e prognósticos foram

traduzidos à superfície da linguagem”1.

Alberdi e Tavares Bastos propõem, como caminho para se chegar à civilização e ao

progresso, reformas políticas que passavam pela elaboração de uma carta constitucional, no caso

da República da Argentina, e por uma reforma político-administrativa, no caso do Império do

Brasil. A hipótese é que esses projetos políticos pressupunham um arcabouço jurídico específico

que propiciasse o crescimento econômico e material de seus países. Esse arcabouço jurídico seria

um dos pré-requisitos necessários para o desenvolvimento.

Neste sentido, a questão da distribuição de poder entre governo central e províncias era

primordial nos projetos políticos analisados, pois define o tipo de organização de poder que o

Estado deveria adotar. Essa questão aparecerá na obra de Tavares Bastos na discussão entre

centralização e descentralização e na de Alberdi entre unitarismo e federalismo.

A formação do Estado argentino foi bastante conturbada, especialmente nos primeiros dez

anos após a declaração da independência. A primeira tentativa de se elaborar uma constituição

ocorreu logo no ano seguinte ao da independência, em 1811, projeto rapidamente frustrado. Na

segunda tentativa, em 1813, a assembleia chegou a se reunir, mas foi dissolvida antes de

completar sua função. Em 1816, o novo congresso proclama a independência das Províncias

Unidas e a constituição foi promulgada em 1819. No ano seguinte, houve sete assembleias, quatro

Juntas de Representantes e foram nomeados mais de nove governadores.

Dois projetos políticos sobre como organizar o novo estado lutavam pela hegemonia: os

unitários, que queriam manter o sistema centralista da época da colônia, defendido principalmente

pelo grupo de Buenos Aires; e os federais, que reivindicavam o poder das províncias, ou seja, um

modelo mais descentralizado. Essa polarização marcou o cenário político argentino no século

XIX. O problema central era a distribuição de poder entre as províncias e o governo central. “A

construção de um Estado destinado a tomar o lugar do império espanhol na região do Prata

1 KOSELLECK, Reinhart. Futuro e passado. p.15

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mostrou-se excepcionalmente difícil, e a história da Argentina nesses anos foi marcada por lutas

civis intermitentes, polarizadas em torno de dois principais grupos políticos, os federalistas e os

unitários, que levaram a um progressivo enfraquecimento da legitimidade da formal soberania da

autoridade central desses governos”2.

O Partido da Ordem, unitarista, assume o poder em 1821. Bernardino Rivadávia, Ministro

do Governo, implanta uma série de reformas e, em 1824, convoca um novo congresso

constituinte. Entretanto, seu governo foi muito tumultuado não só pela guerra com o Império do

Brasil, devido à questão da Banda Oriental (de 1825 a 1828), como pelo ressurgimento de guerras

civis na região do Prata. “A constituição unitária, promulgada em 24 de dezembro de 1826, não

só nunca foi aplicada, como, em julho de 1827, tanto a Presidência Nacional como o Congresso

Constituinte desapareceriam novamente do cenário”3.

Com a queda de Rivadávia, sobe ao poder Juan Manuel de Rosas, do Partido Federal.

Rosas foi governador da Província de Buenos Aires de 1829 a 1832 e de 1835 a 1852, e costurou

um sistema onde as províncias eram ligadas por acordos entre si, por um sistema de pactos

interprovinciais chamado de Confederação Argentina. Não havia órgão nacional, mas as

províncias do interior deram poderes para a província de Buenos Aires, ou seja, para Rosas, tratar

da política externa, já que o porto de Buenos Aires era o mais importante.

Em 1851, o general Justo José Urquiza, governador da província de Entre Ríos, enfrenta

Rosas, que acaba caindo definitivamente na Batalha de Monte Caseros, em 1852. Abre-se, assim,

uma nova possibilidade de construção de um Estado nacional. Convoca-se, então, uma nova

assembleia constituinte em 1853 e promulga-se uma constituição neste mesmo ano. O texto

constitucional foi baseado no livro de Juan Bautista Alberdi, “Bases y puntos de partida para la

organización politica de la Republica Argentina”, publicado em 1852.

Alberdi fez parte de um grupo de jovens escritores românticos, conhecidos como Geração

de 37, que toma para si a tarefa de construir uma identidade argentina, seja nas letras, seja na

política. A Geração de 37 foi o primeiro movimento intelectual que ambicionou transformar, ou

melhor, criar uma cultura própria para o seu país. Os membros da geração romântica eram da

elite, portenha ou provinciana e, em sua maioria, estudaram no Colégio de Ciências Morales e na

Universidade de Buenos Aires, instituições criadas por Rivadávia, que, por serem seculares,

tinham autonomia frente ao Estado e à Igreja.

Juan Bautista Alberdi, um dos principais integrantes da geração de 37, nasceu em

Tucumán, em 1810. Mudou-se ainda criança para Buenos Aires e estudou no Colégio de Ciências

Morais e na Universidade de Buenos Aires. Em 1837, uniu-se formalmente ao “Salão literário”.

Devido à sua oposição ao governo Rosas, foi para o exílio, primeiro para o Uruguai e depois para

o Chile. Retorna à Argentina em 1852, após a Batalha de Caseros.

Apesar de no início do governo rosista a Geração de 1837 não ter se manifestado contra

ele, pouco tempo depois uma das marcas do grupo seria o antirrosismo implacável, o que os

forçou a procurar exílio, principalmente no Chile e no Uruguai. Isso ocorreu porque, no início do

governo Rosas, alguns intelectuais acreditavam fortemente que Rosas simbolizava um desvio no

caminho do progresso, uma excepcionalidade, e que sua queda não tardaria.

Como foi dito, “Bases y puntos” foi o modelo usado para a constituição de 1853. A

intenção do autor era formar um governo viável. A primeira fase após a independência tinha

como objetivo destruir a ordem antiga e garantir a liberdade política; a segunda fase, seria

2 SÁ, Maria Elisa Noronha de. Civilização e barbárie: a construção da idéia de nação: Brasil e Argentina. p.26 3 MYERS, Jorge. A revolução de independência no Rio da Prata e as origens da nacionalidade argentina (1806-

1825). p. 82

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construir uma nova ordem. Alberdi propõe uma nova ordem a partir de elementos históricos,

unitários (como a língua e a religião, por exemplo) e federais (como a certa autonomia das

províncias no período colonial) e tenta criar uma república possível, ainda longe da ideal. A partir

da análise da realidade argentina, procura elementos que possam melhorá-la, modificá-la, de

forma que o país avançasse rumo à civilização. Partia do pressuposto que a herança colonial

espanhola estava entranhada na sociedade argentina. Alberdi propunha um equilíbrio entre o

governo central e as províncias. Queria um governo misto, que unisse unitários e federais.

A Constituição de 1853 foi promulgada, mas devido, principalmente, a questões com a

província de Buenos Aires, ela não foi bem sucedida. Apesar de ser considerada a capital natural

do país, Buenos Aires era a província mais problemática, pois dominava a navegação do Rio da

Prata e as rendas alfandegárias deste comércio e não aceitava dividir esta renda com as demais

províncias. Essa questão demorou a ser resolvida e dificultou a formação do Estado argentino.

Na conjuntura das independências das Américas, o caso do Brasil foi bastante peculiar,

pois foi o único país que não adotou o sistema republicano logo após a proclamação da

independência. Com exceção do México, que durante um breve período foi governado por um

imperador, o Brasil foi o único país a adotar a monarquia e ter como primeiro governante o

herdeiro da coroa da antiga metrópole.

Em 1823, um ano após proclamar a independência, D. Pedro I convoca a formação de

uma assembleia constituinte. No entanto, no final do mesmo ano, fechou a assembléia e, em

1824, outorgou a primeira carta constitucional do Brasil. De acordo com o texto, havia a divisão

dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário), porém, esses eram subordinados ao Poder

Moderador, exclusivo do imperador, que poderia anular qualquer decisão tomada pelos demais

poderes. O poder excessivo nas mãos de D. Pedro I, a crescente percepção de que os portugueses

eram privilegiados nas escolhas dos cargos, a derrota na Guerra Cisplatina (que resultou na

formação da República Oriental do Uruguai), o aumento dos confrontos entre portugueses e

brasileiros e a disputa pela Coroa portuguesa, após a morte de D. João VI, fizeram com que D.

Pedro I abdicasse o trono em 7 de abril de 1831 em favor de seu filho, Pedro de Alcântara, que

tinha apenas cinco anos. Iniciava-se, então, o período regencial. Este foi de 1831 a 1840, com a

declaração da maioridade de D. Pedro II. Neste período, o Império do Brasil era governado por

regentes escolhidos pela Assembleia Geral.

O período regencial foi muito conturbado politicamente e marcado por várias revoltas: a

Cabanagem, no Pará; a Balaiada, no Maranhão; a Sabinada, na Bahia; e a Guerra dos Farrapos, no

Rio Grande do Sul. Em 1834, aprovou-se o Ato Adicional, que foi uma tentativa de reforma

liberal descentralizante, que dava mais poderes às províncias. O Ato Adicional aboliu o Conselho

de Estado, instituiu a regência una, eletiva e temporária, e criou as Assembleias Provinciais, que

receberam a prerrogativa de definir receitas e despesas provinciais, podendo, inclusive criar

impostos e cargos municipais e provinciais. Dessa forma, as províncias passaram a ter poderes

políticos efetivos, ganhando autonomia em relação ao poder central.

As reformas liberais não eram um consenso entre os grupos políticos. Os grupos

contrários à descentralização, especialmente o Partido Conservador, reagiram e aprovaram a Lei

de Interpretação do Ato Adicional, em 1840, que revogava os aspectos mais liberais do Ato

Adicional, como a administração policial, administrativa e jurídica das províncias, além de

reorganizar a Guarda Nacional. Essa lei é um marco do chamado Regresso Conservador, que

objetivava reduzir a autonomia das províncias e fortalecer o poder do governo central.

O programa do Partido Conservador consistia em reforçar a autoridade monárquica e

restabelecer a centralização político-administrativa, alegando ser esta a única forma de restaurar a

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ordem e por um fim às ameaças à unidade territorial.

O debate entre os partidários da centralização (conservadores) e os da descentralização

(liberais) ressurge na década de 1860. Nas eleições de 1860, o Partido Liberal consegue vitórias

importantes e vários jovens liberais foram eleitos para o Parlamento, incluindo o alagoano

Tavares Bastos. Em termos econômicos, a década de 1860 foi marcada por progressos materiais

em decorrência do fim do tráfico negreiro, decretado pela Lei Eusébio de Queiroz de 1850. Os

recursos antes usados no tráfico de escravos foram desviados para o comércio e manufatura, que

registraram forte crescimento no período. A indústria cafeeira do oeste de São Paulo ganhava

cada vez mais força, firmando-se como um novo pólo agro-exportador. A conjuntura agora era

outra, o Estado estava consolidado, precisava-se, na opinião de muitos, incluindo Tavares Bastos,

desenvolve-lo economicamente e socialmente.

É neste contexto de renascimento do discurso liberal que se insere Tavares Bastos.

Nascido em Alagoas, em 1839, formou-se em direito em 1858, com apenas 19 anos, e elegeu-se

deputado por Alagoas em 1860. Nesta época, assumiu, também, um cargo de oficial da Secretaria

da Marinha, do qual foi exonerado em 1861 por proferir discursos críticos em relação aos

assuntos do ministério. Foi reeleito outras duas vezes deputado por sua província, mas teve sua

carreira parlamentar encerrada em 1868, com a dissolução da assembleia. Continuou atuando na

política como escritor, firme em seu ideal liberal e crítico em relação aos conservadores. Morreu

jovem, em 1875, aos 36 anos, época em que o Império do Brasil já demonstrava suas fragilidades.

A Monarquia Federativa

Publicado trinta anos após a aprovação da Lei de Interpretação do Ato Adicional de 1840,

marca do retorno conservador, “A Província” é o texto onde as propostas de Tavares Bastos estão

mais amadurecidas e detalhadas. O ponto central da obra é a defesa da descentralização política e

administrativa do Império do Brasil. Neste texto, o autor critica e propõe mudanças específicas

em diversas áreas, mostrando como a centralização excessiva do Estado afetava cada uma delas.

Propõe, portanto, uma ampla reforma político-administrativa de cunho liberal. Tavares Bastos

amplia, neste texto, as críticas contidas nos livros anteriores – Cartas do Solitário, de 1862, e Os

Males do Passado e as Esperanças do Futuro, de 1862. Passa a incluir um viés mais político e não

apenas de organização administrativa. Nas palavras de Gabriela Nunes Ferreira: “Ao binômio

indivíduo/poder central, o autor antepõe agora o binômio província/poder central”4. Ou seja, a

província deixa de ser uma instância meramente administrativa para tornar-se personagem central

na proposta política de Tavares Bastos, pois, neste momento, as províncias passam a ter o papel

fundamental de proteger as liberdades individuais contra o despotismo do poder central.

Na primeira parte, Tavares Bastos defende a federalização do império, criticando e

apontando os erros trazidos com a centralização e as vantagens que viriam com a

descentralização. A fim de exemplificar e reforçar sua argumentação, o autor ilustra o debate

tomando o federalismo norte-americano como modelo a ser seguido e a França como um modelo

de centralização a ser evitado. Na segunda parte, o autor delineia como e com quais poderes as

instituições provinciais deveriam funcionar. Aponta, ainda, as vantagens da nova distribuição de

poder. A última parte do livro discute questões que seriam de interesse geral da nação: a instrução

pública, a emancipação, as associações, a imigração e as obras públicas, que precisariam de uma

ação conjunta dos poderes central e provincial. Além, claro, da centralização, estas questões

seriam os grandes entraves ao progresso do país e precisariam ser resolvidas com urgência.

4 FERREIRA, Gabriela Nunes. Centralização e Descentralização no Império: o debate entre Tavares Bastos e

Visconde de Uruguai. p.75.

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Como defensor da liberdade, Tavares Bastos acreditava que esta não poderia vir de um

sistema sufocante, ou seja, de um sistema centralizado. A questão passava a ser, no entender do

autor, a federalização, não só no Brasil, mas em toda parte, inclusive na França, exemplo de

administração centralizada.

A liberdade é a questão central de Tavares Bastos e a base do progresso, individual e

coletivo. O patriotismo e as virtudes cívicas nascem do exercício da liberdade, assim como a

responsabilidade. Logo, apenas tendo liberdade, poderia o povo ter responsabilidade. O Regresso

Conservador, ao centralizar a tomada de decisões nas mãos de uns poucos, privou o povo da

liberdade de decidir o que era melhor para ele.

No caso do Brasil, a descentralização seria ainda mais necessária dada a dimensão

territorial do país. As realidades de cada região do Brasil eram, e são, completamente distintas.

Ou seja, a própria geografia do país pediria um governo descentralizado, já que a centralização

exigiria uma uniformidade impossível no Brasil. As províncias precisavam, para Tavares Bastos,

ser libertadas do peso e da lentidão do executivo central.

Tavares Bastos não nega, entretanto, que erros e excessos foram cometidos no período em

que o Ato Adicional estava plenamente em voga. Afirma, por exemplo, que em alguns lugares a

inclusão do juiz de paz foi prematura devido à falta de uma “certa civilização”. Mas, em vez de

ser abolida em alguns pontos, aboliu-se tudo, o que seria um exemplo da uniformidade

característica da centralização. “Não desconhecemos o valor de uma péssima educação histórica,

que, sem preparar os povos para a liberdade, cérca de perigos formidáveis as instituições novas.

Duplo é, sem dúvida, o crime do despotismo: ensangüentando ou esterilizando o passado,

embaraça o futuro”5. Desse modo, segundo o autor, negam ao país a aptidão e o condenam a

tutela do governo. Entra-se, portanto, num ciclo vicioso. Tavares Bastos acreditava que faltava ao

povo brasileiro virtudes cívicas, mas se continuasse tutelado, elas nunca seriam adquiridas; já que

a responsabilidade, o patriotismo e o dever cívico nasceriam do exercício da liberdade.

Para ele, nada muda radicalmente do dia para a noite, a liberdade deveria ser exercitada

para poder ser aperfeiçoada, mas não houve tempo para isso. Afirma que não pedia a plena

autonomia dos estados norte-americanos, a “centralização e federação, cada um desses dous

modos de governo suporta gradações”6. Queria, claro, algo mais próximo dos Estados-Unidos do

que da França. Da mesma forma, o importante não era a forma de governo, monarquia ou

república, mas sua organização interna. “Abstraindo de instituições que eficazmente assegurem a

liberdade, monarquia e república são puras questões de forma”7.

Na segunda parte do livro, o autor analisa o Ato Adicional de 1834 e apresenta as

instituições que cada província deveria ter, definindo os poderes de cada uma delas. Tavares

Bastos se refere, reiteradamente, à aprovação do Ato Adicional como uma revolução, e à geração

de 1834 como uma geração revolucionária. A proclamação da independência, em 1822, e a

abdicação de D. Pedro I, em 1831, também seriam exemplos de revolução. Revolução sempre

usada com um sentido positivo, como algo que trouxe, ou visava trazer, transformações que

levariam o país ao progresso, à civilização.

O capítulo sobre o Ato Adicional se inicia da seguinte forma: “Em 1831 uma revolução

nacional tentára quebrar o molde antigo que comprimia o Brazil, e imitar francamente os modelos

5 IBID. p.31. 6 IBID. p.35. 7 IBID. p.61.

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americanos. O grande prestígio desse movimento memorável é a idéa que o illuminou e dirigiu”8.

Essa afirmação explicita, claramente, a idéia defendida pelo autor.

O projeto proposto em 1831, logo após a abdicação de D. Pedro I, era mais liberal do que

o Ato Adicional. Inicialmente, cada província teria constituição própria, elaborada por suas

assembleias. O projeto inicial era marcado pelas ideias dos exaltados, mas, após várias emendas,

perdeu seu caráter mais radical. Essas propostas foram a origem do Ato Adicional de 1834, e

sugeririam, para o autor, a ousadia e a vontade de mudança e modernização daquela geração.

Tavares Bastos divide a história do império em três gerações: a primeira realizou a

independência e participou da assembleia constituinte de 1823, obra “coroada mais tarde pelo

acto adicional”. A segunda foi responsável pelo Regresso Conservador, pela centralização que

marcou o segundo reinado. Ele pertenceria à terceira, a qual tinha a tarefa de reformar o país

através da descentralização para construir o progresso.

De acordo com Tavares Bastos, um dos problemas do Ato Adicional era que ele não

estabelecia uma federação, como a norte-americana, “mas um regimen que participava de ambos

os systemas, centralisador e descentralisador”9. As leis e os códigos eram nacionais, mas os

magistrados eram provinciais. A Assembleia Provincial era eleita pelo povo, mas o presidente da

província era nomeado pelo poder central. Esses conflitos deveriam ser remediados, mas não

justificavam o fim do projeto liberal ou a reação conservadora.

Tavares Bastos volta a afirmar que houve abusos e excessos nas assembléias provinciais,

erros que deveriam ser corrigidos, mas, novamente, a reação foi exagerada. O autor chama a Lei

de Interpretação de 1840, marca do Regresso, de um golpe de Estado. Precisava-se de instruções

para que as assembleias provinciais atuassem dentro dos limites previsto pelo ato, mas não havia

necessidade de suprimi-lo. Na opinião do autor, a Reação aniquilou o poder provincial. Reitera

que apenas a liberdade poderia estimular a responsabilidade. Caberia ao partido liberal reaver o

espírito do Ato Adicional. Para que isso fosse possível, o poder legislativo provincial deveria ser

dividido em duas câmaras – câmara dos deputados e senado provincial. O ato adicional permitia a

criação de um senado provincial, desde que a Assembleia o pedisse ao parlamento. Era, portanto,

uma instância facultativa à cada província. O senado, que poderia ter mandatos de maior duração

que a câmara, seria o conselheiro dos presidentes das províncias. O Senado evitaria, também, a

intervenção do executivo. O presidente de província era um delegado do poder central,

responsável por administrar os interesses gerais na província, e executar as resoluções da

assembleia local, preocupada com os interesses particulares de cada província. O conflito era

inevitável. A eleição para presidente da província acabaria com essa instabilidade.

De acordo com o Ato Adicional, o “regimem das municipalidades, a policia e a força

policial, a justiça local ou a de primeira instancia, devem ser de competência do poder legislativo

provincial”10

. A uniformidade foi instaurada com a Lei de Interpretação do Ato Adicional de

1840. Num país marcado pela diversidade regional e pela dimensão territorial, a uniformidade

seria, segundo o autor, contra-produtiva, pois as peculiaridades locais seriam ignoradas. O

federalismo se adaptaria melhor à heterogeneidade do país. Neste sentido, “a variedade sob o

systema federativo leva decidida vantagem à uniformidade administrativa, quer da monarchia

centralisada, quer da república una e indivisível”11

. Ou seja, para ele, o problema não é a forma de

governo, mas a distribuição de poder.

8 IBID. p.79. 9 IBID. p. 86. 10 IBID. p.141. 11 IBID. p.145.

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Tavares Bastos não poderia ignorar o problema da escravidão. Defende a emancipação

gradual do trabalho escravo. Por uma questão de segurança, sugere que a emancipação se

iniciasse nas províncias de fronteira, já que nessas regiões haveria o risco de incitação de levantes

de escravos por países vizinhos, em especial se houvesse conflito em relação à demarcação das

fronteiras. Apresenta a proposta de criação de um fundo nacional para a alforria de cativos. Nas

províncias onde o número de escravos fosse pequeno, o governo deveria comprar a alforria de

todos. Como não poderia deixar de ser, as províncias teriam um papel fundamental no processo

de abolição da escravidão. As províncias deveriam realizar um censo para que as políticas

públicas em relação à emancipação fossem mais eficientes. Deveriam, principalmente, criar

escolas para os alforriados. “A escola para todos, para o filho do negro, para o próprio negro

adulto, eis tudo! Emancipar e instruir, são duas operações intimamente ligadas”12

. Além disso, o

governo central deveria criar taxas altíssimas para a transferência de escravos de uma província

para outra a fim de desestimular o tráfico interno.

A instrução pública é considerada fundamental para os povos, principalmente para aqueles

que ainda não são civilizados. Uma vez que o sistema proposto por Tavares Bastos baseia-se na

liberdade do indivíduo, tanto em relação à indústria como em relação à representação política, é

vital que o indivíduo saiba tomar decisões, já que a responsabilidade final seria dele. Assim, a

educação é peça-chave do sistema. Entretanto, o sistema educativo também precisaria de

reformas. Sublinha que o ensino deve se basear nas ciências práticas, não nas belas letras ou no

latim. Essas disciplinas poderiam ser ensinadas em escolas particulares, mas não pelo governo,

não com verba pública. Propõe um imposto para financiar o ensino elementar, pois não há

educação de qualidade e eficaz sem dispêndio de muito dinheiro. Uma vez que todo o país seria

beneficiado pelos resultados de um bom sistema educacional, o imposto deveria incidir sobre toda

a população. Assevera que o dinheiro público deveria financiar apenas uma educação que

favorecesse o progresso do país.

Em 1834, a “camara dos deputados votára que o Brazil seria uma monarchia federativa”13

,

diz Tavares Bastos, e é exatamente isto que ele defende. Ele não propõe o fim da monarquia, mas

que esta não seja centralizada, mas federal.

Assim, Tavares Bastos acreditava que o modelo ideal para o Império do Brasil seria o que

chamou de Monarquia Federativa, ou seja, um modelo de organização política descentralizada.

Cada província deveria ter poder decisório, podendo definir sua estrutura político-administrativa,

seus impostos, salários dos funcionários, prioridade de obras, entre outras. Uma vez que cada

província possuía características próprias, históricas e geográficas, caberia a seus habitantes

decidir e definir suas prioridades e a melhor forma de atuar. Para o autor, era impossível que um

pequeno grupo na capital pudesse conhecer os problemas e as soluções de cada província.

Considerava que a centralização – político, administrativa, policial e judicial – bloqueava

o progresso econômico do país, além de ser fonte de corrupção. Acreditava que faltava à

população educação cívica para o exercício de um governo realmente livre; no entanto, entendia

que apenas a prática da liberdade política individual traria a responsabilidade e a sabedoria

necessárias para a formação de um governo realmente livre e democrático. O progresso, para

Tavares Bastos, estava ligado inexoravelmente à liberdade individual.

A centralização tolhia o progresso, pois o acúmulo de decisões nas mãos de poucos

atrasava o processo decisório, além destas serem tomadas por pessoas que desconheciam as

verdadeiras necessidades e características das demais regiões do Brasil. Todas as questões

12 IBID. p.273. 13 IBID. p.79.

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centrais eram prejudicadas: a imigração, a instrução, a emancipação, as estradas, a navegação, as

obras, enfim, o progresso.

Propunha que cada província criasse suas instituições, acabando com a uniformidade,

impossível num país de dimensões continentais. Ao governo central caberia, principalmente, as

relações internacionais, a paz e a guerra, o exército e os assuntos que envolvessem mais de uma

província. A administração local deveria ser independente do poder central.

Uma das vantagens da descentralização seria a variedade de soluções, o que faria com que

se descobrisse e se tentasse soluções diversas, que serviriam de exemplos para as outras

províncias. Essa seria, para Tavares Bastos, a forma de se achar as melhores soluções para os

problemas brasileiros.

Apesar de visar o progresso econômico do país, a proposta é política, uma vez que, para

o autor, os entraves econômicos eram políticos, pois estes impediam o desenvolvimento

econômico. Ou seja, a reforma política do Estado teria como conseqüência o avanço econômico.

Assim, a Monarquia Federativa coroa o pensamento de um intelectual preocupado com o

progresso do Império do Brasil. Defendia um liberalismo adaptado às circunstâncias reais do país.

Apesar de apoiar o modelo norte-americano, Tavares Bastos não defendia o sistema republicano,

pois achava que o problema não era o sistema de governo – republicano ou monarquista – mas a

distribuição de poder entre governo central e províncias.

A República Possível Após a queda de Juan Manuel Rosas na Batalha de Monte Caseros em 1852, a Argentina

se encontrava, novamente, em um momento de reconstrução do Estado Nacional. Alberdi, que

estava exilado no Chile, escreve às pressas “Bases y puntos”, publicado inicialmente em

Valparaíso. Procurava, assim, influenciar o novo congresso constituinte convocado para redigir

uma nova carta em 1853. Apesar de ter morado longos períodos fora da Argentina, a preocupação

central de Alberdi sempre foi a situação política, econômica e social de seu país de origem.

O autor afirma que as constituições escritas no período de pós-independência tinham

como objetivo principal garantir a liberdade recém-conquistada. As gerações anteriores souberam

fazer a independência, mas não constituir um país. A Argentina encontrava-se, segundo o autor,

em um momento em que a independência e a liberdade estavam garantidas, mas faltavam

“progresso material, população, riqueza”14

. Se antes a preocupação era garantir a independência,

agora precisava-se assegurar o crescimento econômico. O objetivo passava a ser o progresso do

país. Essa tarefa era o objetivo principal de Alberdi, para isso, a “Constituição deve reconhecer,

entre suas grandes finalidades, a inviolabilidade do direito do trabalho e da indústria”15

.

Após vários períodos de guerra civil, uma das preocupações centrais do projeto de

Alberdi era a estabilidade política. A República Argentina só seria viável se fosse mista, ou seja,

unitária e federal. Precisava-se, portanto, de algo que combinasse esses dois pólos. Para Alberdi,

nenhum dos dois poderia ser ignorado uma vez que a identidade argentina tinha características

unitárias – traços comuns a todos – e características federais, exclusivas de cada região.

Em termos políticos, não se podia ignorar os períodos em que as províncias se

autogovernaram; por outro lado, o país necessitava de grandes obras, como estradas e rodovias,

que só poderiam ser executadas por um governo central, dado o volume de recursos necessário e

por envolverem várias províncias. Estava, portanto, consciente da necessidade de conciliar

unitários e federais, uma vez que sem esta união qualquer tentativa de formação de um Estado

14 IBID. p.31. 15 IBID. p.100.

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nacional seria impossível. Na visão do autor, a Argentina não tinha condições de ser nem

puramente unitária, nem puramente federal, uma vez que encontrava-se, em sua história,

características que justificavam ambas. Assim, o ideal seria uma federação unitária ou uma

unidade federativa.

Entre os antecedentes unitários da época colonial destacam-se a origem espanhola da

população, a língua, os costumes, a religião, a unidade territorial, a unidade de leis e governo.

Entre os da época da revolução, enfatizam-se a crença na república, os sacrifícios da guerra de

independência, a unidade diplomática internacional, a unidade de glórias e símbolos16

.

Como antecedentes federativos, ressaltam-se as rivalidades provinciais; os períodos de

isolamento e autonomia; as características de solo, clima, hábitos e pronúncia específicas de cada

província; a falta de estradas, canais, comunicações e transportes; os tratados e ligas parciais

firmados entre as províncias durante a revolução; além dos costumes adquiridos de autogestão.

Para o autor, “trata-se de uma solução inevitável e única, resultante da aplicação dos dois

grandes termos do problema argentino – a nação e a província”17

. Procurava conciliar a soberania

do poder provincial com a soberania do poder central, disputa primordial entre os diversos grupos

políticos argentinos desde a Revolução de Maio de 1810. Alberdi ressalta que há diferentes graus

de federação e os aspectos históricos e físicos de cada país determinariam o grau adequado para

cada região.

A forma mista de governo seria a mais adequada uma vez que, isolados, os governos

provinciais seriam inviáveis economicamente e, portanto, ineficientes, já que era necessário

investimentos de grande porte para desenvolver a região. Obras como estradas, por exemplo,

necessitam de grandes investimentos e envolveriam mais de uma província, de forma que só

poderiam ser feitas por um governo central. Sem estradas e meios de comunicação mais

eficientes, a união seria impossível, pois as distâncias a tornariam inviável.

O poder central deveria ser responsável pela administração geral do país; pelo comércio

interno e externo; pela navegação; pela cobrança e distribuição das rendas; pelo pagamento da

dívida pública; e por tudo que estivesse ligado à segurança e ao engrandecimento do país; além de

garantir a liberdade e a soberania de cada província. Por outro lado, as províncias teriam o direito

de redigir suas constituições, além de eleger seus representantes locais sem interferência do

governo central, podendo definir orçamento com independência.

No entanto, Alberdi acreditava que o povo não estava “amadurecido para o exercício do

governo representativo, seja monárquico ou republicano”18

. Para Halperín Dongui, Alberdi

acreditava que os países hispano-americanos necessitavam de monarquias disfarçadas de

repúblicas. Mas, para evitar um regime arbitrário, propunha um sistema jurídico rigorosamente

definido de antemão19

.

Assim, para Alberdi, a república centralizada passou a ser a única república possível, pois

era necessário um poder forte que pudesse trazer e manter a paz. Só um poder centralizado, quase

monárquico, poderia impor e manter a ordem no país. Apesar do autoritarismo e da falta de uma

constituição, Rosas unificou a Argentina, que, pela primeira vez, teve vinte anos de paz; e a paz

trouxe prosperidade; isto é, a tirania realizou o que o legislador não conseguira. “A paz e a ordem

interna são outras grandes finalidades que se deve ter em conta na sanção da Constituição

argentina, porque a paz é de tal modo necessária ao desenvolvimento das instituições que, sem

16 IBID. p.94. 17 IBID. p.96. 18 IBID. p.61. 19 HALPERÍN DONGUI, Tulio. Una nación para el desierto argentino. p.31.

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ela, serão vãos e estéreis todos os esforços feitos em favor da prosperidade do país”20

.

De acordo com o autor, o “Chile fez ver que entre a falta absoluta de governo e o governo

ditatorial há um governo regular possível; é o do presidente constitucional que possa assumir as

faculdades de um rei no instante em que a anarquia lhe desobedece como presidente

republicano”21

. Por isso, defende um governo forte, mas não tirânico. Assim, “em vez de dar o

despotismo a um homem, é melhor entregá-lo à lei”22

.

A Argentina era independente politicamente, mas atrasada economicamente. Era esse o

ponto que Alberdi procurava modificar. A tarefa dos legisladores seria propiciar o progresso

material do país, uma vez que a independência política estava consolidada. Para que a Argentina

se civilizasse, seria necessário, segundo Alberdi, uma forte política migratória de europeus, de

forma a povoar o território com pessoas que possuíssem o ethos do trabalho e da indústria. Para o

autor, o apelo ao trabalho e ao capital estrangeiro constituía o melhor instrumento para o

crescimento acelerado da economia que a Argentina demandava.

A constituição, princípio de legitimidade de organização política para se alcançar o

desenvolvimento material, não era suficiente para a formação de um país civilizado, precisava-se

de algo mais. Este algo mais era a imigração, um dos pilares do projeto alberdiano. A Argentina

precisava de uma ação civilizante, que ocorreria através da imigração, e de um arcabouço legal

que garantisse a liberdade individual e a propriedade.

Segundo o autor, os cidadãos argentinos precisavam adquirir hábitos que possibilitassem

o progresso. Hábitos ingleses, germânicos ou norte-americanos. Estes seriam obtidos pelo

exemplo, pelo convívio com o imigrante. Esse transplante de virtude ocorreria com a imigração

maciça de europeus não-ibéricos. Mais importante do que a instrução escolar, a educação viria da

convivência. Para Alberdi, a civilização veio da Europa. Assim, cada europeu que chegasse traria

consigo a civilização, que seria transmitida através de seus hábitos de ordem, de disciplina, de

trabalho. A população argentina seria “contaminada” pelos bons hábitos europeus. A educação

pelo exemplo seria mais eficaz, de acordo com o autor, do que a instrução formal. Sendo assim, a

exclusão dos protestantes significava a exclusão de europeus e norte-americanos não católicos, ou

seja, daqueles que possuíam os hábitos e os costumes que tanto faltavam à Argentina. Um ponto

fundamental para garantir e estimular a imigração européia espontânea era garantir liberdade

religiosa e de indústria e direitos iguais entre nacionais e estrangeiros, além de permitir o

casamento misto.

Alberdi acreditava que direito e sociedade são filhos dos costumes, estes não poderiam,

portanto, ser ignorados, apenas aperfeiçoados. Assim, sua fórmula política unia características

unitárias e federais, de forma a levar em conta o passado e a história do território. O

aperfeiçoamento viria através do exemplo dos hábitos europeus. O problema para ele era que “os

costumes são soberanos e esta soberania é má”23

. Restava-lhe, portanto, modificar esses

costumes. Para Botana: “Alberdi (...) sabe que nada pode escapar o passado e, ao mesmo tempo,

condena essa história como um impedimento insuportável. O dever do filósofo consistirá, então,

em construir uma nova herança ou, melhor, em arrancar essa palavra de um ontem sem espírito

para colocá-la no porvir da história”24

.

Assim, Alberdi parte de uma realidade prática, não de um ideal, e acredita que as leis

20 ALBERDI, Juan Bautista. Fundamentos da Organização Política da Argentina p.104. 21 IBID. p.144. 22 IBID. p.145. 23 BOTANA, Natalio R. La tradición republicana. p.297. 24 IBID.

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devem ser originais por serem próprias de uma determinada realidade. A constituição, ou seja, o

legislador, não poderia ignorar a natureza da sociedade, suas circunstâncias geográficas e

históricas. Porém, o seu objetivo era indicar um caminho para que a Argentina entrasse para o

grupo dos países civilizados. Assim, propõe uma república possível para que se alcance a

república real. O projeto de República Possível seria um meio orientador rumo à civilização, uma

etapa transitória. Já de acordo com Halperín Dongui: “A melhor justificativa para a república

possível (essa república tão pouco republicana) era que esta estava destinada a dar espaço a

república verdadeira. Esta será possível quando (e somente quando) o país houver adquirido uma

estrutura econômica e social comparável a das nações que criaram e forem capazes de conservar

esse sistema institucional. Alberdi admite, então, explicitamente o caráter provisório da ordem

política que propõe”25

.

Assim, para que a Argentina pudesse chegar a ser uma república verdadeira, seu povo

deveria ganhar aptidões que lhes permitissem ser verdadeiramente republicanos. Alberdi dizia

que para melhorar os governantes era preciso melhorar os governados. “Felizmente, a república,

tão fecunda em formas, reconhece muitos graus e se presta a todas as exigências do tempo e do

espaço”26

. A república possível seria, portanto, uma fase intermediária, cujo fim era a república

verdadeira. “Bases y puntos” deveria ser uma constituição de transição.

Para Alberdi, o meio mais eficaz de reorganizar a estrutura política do país era levar em

conta seus aspectos unitários e federais e criar um governo central forte. Só assim a Argentina

teria condições de se desenvolver economicamente. Em um primeiro momento, a república real

seria impossível de ser implantada dada a falta de hábitos civilizados da população argentina, o

que seria remediado com o formação de novos hábitos, trazidos pelos imigrantes europeus. Com

base nessas considerações, Alberdi propõe uma fase intermediária, uma República Possível, que

conduzisse a Argentina à república real, à civilização nos moldes europeus.

Considerações Finais

Primeiramente, é importante ressaltar que Alberdi e Tavares Bastos não eram apenas

teóricos, mas políticos atuantes com objetivos específicos. Queriam mudar os rumos políticos,

econômicos e sociais de seus países e procuravam, para isso, influenciar a sociedade em que

viviam, convencendo-a das decisões que, para eles, precisavam ser tomadas. Assim, seus textos

foram condicionados pela realidade mas, ao mesmo tempo, condicionaram o entendimento dessa

mesma realidade. Ou seja, os discursos escolhidos foram desenvolvidos por atores específicos

que almejavam interferir numa sociedade específica com problemas específicos. Dessa forma, o

discurso funcionava como um instrumento de ação política para interferir na sociedade,

defendendo seus projetos e/ou criticando outros.

Esses autores não participaram do processo de independência de seus países, eles fazem

parte da que podemos chamar de terceira geração pós-independência. No caso do Império do

Brasil, a primeira geração participou do processo de independência; a segunda foi responsável

pelo Regresso Conservador; Tavares Bastos se via como parte da terceira geração, a que deveria

ser responsável, em sua opinião, pelo processo de descentralização. Na República da Argentina, a

primeira geração foi a que rompeu os laços coloniais com a Espanha; a segunda formou o

governo unitário em torno da figura de Rivadávia e o governo federal de Rosas; a terceira é a

Geração de 1837, a geração romântica, da qual Alberdi faz parte. Estes ampliam o projeto de

25 HALPERÍN DONGUI, Tulio. Una nación para el desierto argentino. p.31 (tradução livre). 26 ALBERDI, Juan Bautista. Fundamentos da Organização Política da Argentina. p.63.

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nação, que deixa de ser apenas um projeto político, passa a incluir também a formação de uma

identidade nacional argentina.

Tanto Tavares Bastos como Alberdi almejavam formas de desenvolver economicamente

seus países. No entanto, seus projetos eram políticos: Alberdi propôs uma Constituição, Tavares

Bastos, uma ampla reforma político-administrativa. Para eles, o obstáculo principal ao

crescimento econômico era político. O arcabouço jurídico da época não propiciava o

desenvolvimento econômico; este só seria alcançado, segundo esses autores, se as leis se

adequassem à nova economia “industrial”. Uma vez que a independência política havia se

concretizado, competia aos políticos aprovar leis que promovessem o progresso material do país.

Por conseguinte, defendiam o liberalismo econômico: o fim, ou pelo menos a diminuição, dos

impostos alfandegários; garantias jurídicas à propriedade privada, tanto de nacionais quanto de

estrangeiros; a liberdade de indústria; o fim dos entraves políticos à expansão econômica;

facilitação da imigração. Enfim, medidas que diminuíssem a intervenção estatal na economia e

propiciassem o progresso material.

Para Tavares Bastos, a descentralização política do Estado era fundamental para garantir o

desenvolvimento econômico, a liberdade individual e impedir os abusos do poder estatal. Para

Alberdi, que se encontrava num contexto bastante diverso, o ponto central era construir um

sistema misto para a Argentina, ou seja, uma sistema que integrasse aspectos unitários e federais,

de forma a evitar futuras guerras civis, pois sem paz, qualquer desenvolvimento seria impossível.

O maior ponto de divergência entre os autores é a distribuição de poder entre governo

central e províncias. Tavares Bastos defendia a descentralização do poder, pois considerava que o

sistema centralizado sufocava o progresso. Já Alberdi achava que era necessário um governo

central forte, que pudesse garantir e manter a ordem e a paz, além de ser a única forma de

implementar as obras necessárias para o desenvolvimento do país.

No projeto de Tavares Bastos, as províncias têm um papel fundamental, pois seriam as

responsáveis por defender as liberdades individuais do poder central, além de serem protagonista

nas decisões administrativas, já que cada província decidiria suas prioridades de acordo com suas

especificidades. Para o autor, o sistema federativo não apenas seria o mais eficiente, no caso do

Brasil, seria o único caminho para o progresso, dada as dimensões e a diversidade do país. Na

opinião de Tavares Bastos, o Regresso Conservador, ao centralizar o poder, tirou do povo a

liberdade de decidir, isto é, o povo foi impedido de aprender a decidir e de desenvolver o

sentimento de responsabilidade inerente ao processo decisório.

Juan Bautista Alberdi, por sua vez, acreditava que a República da Argentina precisava de

um governo central forte, pois estava preocupado com a manutenção da paz e da ordem. Estava

ciente da necessidade de resolver o conflito entre unitários e federais; precisava, portanto, agregar

as reivindicações dos dois partidos, para que a proposta de Constituição nacional fosse viável no

longo prazo. As guerras civis travadas na região do Prata fizeram o federalismo prevalecer; no

entanto, o federalismo puro era impossível pois excluía a idéia de um governo geral e de

nacionalidade, já que qualquer aliança poderia ser desfeita. Por outro lado, a unidade pura

também era impossível, pois as províncias nunca abririam mão de toda a sua autonomia.

O autor destaca a origem espanhola da população, a língua, os costumes, a religião, a

unidade territorial e a unidade de leis e governo como alguns dos principais elementos unitários; e

as rivalidades provinciais, as características de solo e clima; os hábitos regionais; a falta de

estradas, canais, comunicações e transportes; os tratados e ligas parciais firmados entre as

províncias como alguns dos elementos federais que não poderiam ser ignorados.

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Ambos defendiam a divisão bicameral do poder legislativo, mas com propósitos distintos.

Para Tavares Bastos a divisão visava tornar o poder legislativo mais democrático e evitar o abuso

de poder. Alberdi ressaltava a importância da divisão para marcar a composição do poder central

com o das províncias; sendo a Câmara com representação proporcional à população e o Senado

com peso igual entre as províncias, evitando que uma prevalecesse sobre a outra.

A imigração de europeus era importante nos dois projetos, mas aparece com muito mais

força na proposta de Alberdi. A imigração seria não só uma forma de popular o território como

também uma maneira de educar as populações através do exemplo. Dessa forma, ambos achavam

que a liberdade religiosa era fundamental, uma vez que parte da população européia era

protestante, assim como as garantias individuais e o direito à propriedade.

A imigração era um dos pilares centrais de projeto alberdiano. Para que a Argentina se

civilizasse era necessário, segundo o autor, que houvesse um “transplante de população”, ou seja,

era fundamental um forte estímulo à imigração de europeus e norte-americanos, uma vez que

estes possuíam a ética do trabalho e da indústria. O exemplo seria, neste caso, a forma mais

eficiente de educar o povo e, com isso, estimular o crescimento econômico do país. “Governar é

povoar”, afirmava Alberdi, mas não com qualquer população, queria população européia não-

ibérica, mais especificamente alemães e ingleses. Por isso, apesar de defender a religião católica,

insiste na importância da liberdade de culto, uma vez que parte dos europeus eram protestantes.

Para estes autores, a civilização estava vinculada à Europa. Tavares Bastos apostava na

instrução formal e na prática da liberdade para que a população adquirisse o conhecimento e os

hábitos necessários de uma civilização européia. Por outro lado, Alberdi apostava na

“contaminação” de hábitos de ordem, disciplina e trabalho que viriam com a imigração europeia.

Para Alberdi, a educação pelo exemplo seria mais eficaz do que a instrução formal.

Ambos acreditavam que o povo, tanto o argentino como o brasileiro, carecia de virtudes

cívicas que lhes permitissem o pleno exercício da cidadania. No entanto, Tavares Bastos achava

que estas viriam com a prática, já que a responsabilidade nasce do exercício da liberdade. Por

outro lado, Alberdi acreditava que só após o transplante da virtude, que viria através da imigração

européia, seria o povo capaz de agir politicamente.

Tavares Bastos achava que a instrução pública era fundamental para os povos,

principalmente para aqueles que ainda não eram civilizados, como o brasileiro. Uma vez que sua

proposta se baseava na liberdade do indivíduo, tanto em relação à indústria como em relação à

representação política, era vital que o indivíduo soubesse tomar decisões, já que a

responsabilidade final era dele. Assim, a educação era peça-chave do sistema. Alberdi acreditava

que a instrução seria para um povo mais desenvolvido, a Argentina precisava mirar-se em um

exemplo civilizado para educar-se de forma espontânea e mais eficiente. No entanto, ambos

acreditavam que a instrução deveria focar nas ciências práticas, não nas belas letras.

Apesar de proporem formas diferentes de se alcançar o progresso e a civilização, estes

autores sabiam que nada mudaria de uma hora para outra, precisava-se de tempo. Tempo para

aprender a ser civilizado, seja pelo exercício da liberdade, como acreditava Tavares Bastos, seja

pelo exemplo do imigrante europeu, como achava Alberdi. Eram projetos de longo prazo, a

mudança não seria instantânea. A Lei de Interpretação de 1840 teria amputado, para o autor, o

Ato Adicional; as províncias, portanto, não tiveram tempo de evoluir. Mesmo que inicialmente o

sistema não fosse o mais adequado, o tempo faria brotar boas instituições, o exercício da

liberdade modelaria as instituições de forma adequada e duradoura. Alberdi também achava que a

Argentina precisava de tempo para adquirir os costumes necessários para que se pudesse instaurar

a república verdadeira, por isso propunha, inicialmente, uma República Possível.

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Tavares Bastos não pedia a plena autonomia dos estados norte-americanos, a

“centralização e federação, cada um desses dous modos de governo suporta gradações”27

. O

importante não era a forma de governo, mas sua organização interna. “Abstraindo de instituições

que eficazmente assegurem a liberdade, monarquia e república são puras questões de forma”28

.

Já Alberdi dizia que “felizmente, a república, tão fecunda em formas, reconhece muitos

graus e se presta a todas as exigências do tempo e do espaço”29

. A República Possível seria,

portanto, uma fase intermediária, cujo fim era a república verdadeira. “Bases y puntos” deveria

ser uma constituição de transição, já que o povo não estava preparado para ter um governo

representativo.

Nota-se, portanto, que ambos sabiam que havia um longo caminho a ser percorrido antes

de se alcançar o que chamavam de civilização. Tanto a república quanto a monarquia tinham

gradações, ou seja, deveriam ser adaptadas às condições presentes.

A Monarquia Federativa, de Tavares Bastos, e a República Possível, de Alberdi,

representam um esforço de aprimoramento das estruturas políticas de seus países. Através dessas

mudanças, acreditavam que o Império do Brasil ou a República da Argentina entrassem nos

trilhos do progresso e da civilização. Tinham consciência de que o caminho seria longo, mas

acreditavam que seus objetivos seriam alcançados.

Anexo 2: História da Argentina (1820-1827) A formação do Estado argentino foi bastante conturbada, especialmente nos primeiros

dez anos após a declaração da independência. O Cabildo Aberto de 22 de maio invoca a

concepção de reassunção do poder por parte dos pueblos, conceito que remete à doutrina do

pacto de sujeição da tradição hispânica na qual, uma vez caducada a autoridade do monarca, o

poder retorna aos seus depositários originais: os pueblos30

. No entanto, uma vez formada uma

assembléia ou um congresso constituinte, a soberania deixaria de residir nos pueblos e passaria

para a nação. No entanto, as cidades, com exceção de Buenos Aires, acreditam e lutam por sua

autonomia, uma vez que a soberania estava no povo.

A primeira tentativa de se elaborar uma constituição ocorreu em 1811, projeto

rapidamente frustrado. Na segunda tentativa, em 1813, a assembléia chegou a se reunir, mas foi

dissolvida antes de completar sua função. Em 1816, o novo congresso proclama a independência

das Províncias Unidas e a constituição foi promulgada em 1819. Em novembro de 1819, a

província de Tucumán se declara autônoma do poder central. A luta entre o poder central e o

litoral se acirra, há enfrentamento militar e Buenos Aires é derrotada, selando definitivamente a

constituição e o governo. Assim, o território rioplatense se via novamente numa situação de

acefalia do poder central, mas, dessa vez, não havia quem falasse, mesmo que provisoriamente,

em nome de todos. As províncias emergiam como novos sujeitos políticos, transformando a

“autonomia de fato em autonomia de direito”31

. O ano de 1820 ficou conhecido como “a anarquia

do ano 20”, devido ao vazio no poder. Em menos de oito meses, houve sete assembléias, se

elegeram quatro Juntas de Representantes, foram nomeados mais de nove governadores.

A disputa entre a derrotada Buenos Aires, governada por Sarratea, e os vencedores Lopez e

Ramirez – governador de Santa Fé e Entre Rios, respectivamente – rendeu um tratado de paz

27 IBID. p.35. 28 IBID. p.61. 29 ALBERDI, Juan Bautista. Fundamentos da Organização Política da Argentina. p.63. 30 IBID. p. 41 31 IBID. p. 121

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(Tratado De Pilar) em que Buenos Aires concordava em aceitar a livre navegação dos rios e os

demais aceitavam retirar suas tropas da cidade. O Tratado de Pilar assinado em fevereiro de

1820, em vez de acalmar a situação, acirrou ainda mais os ânimos em Buenos Aires. A luta

aberta para impor um poder que ainda não estava definido nem territorialmente nem

institucionalmente. À disputa entre centralistas e confederalistas somou-se o conflito entre

campo e cidade na determinação de como seria distribuído o poder nas províncias. Lopez queria

que o campo prevalecesse frente à cidade. Em setembro de 1820, Buenos Aires derrota Lopez e

Ramirez. Frente a essa derrota, as milícias do interior da província, comandadas por Martín

Rodriguez e Manuel Rosas, resolvem intervir e Martín Rodriguez é nomeado governador pela

Junta de Representantes. Martín Rodrigues sela, em novembro de 1820, um acordo de paz com

Lopez, assegurando a paz entre Buenos Aires e Santa Fé.

As elites políticas e econômicas de Buenos Aires concordaram que o essencial era que a

província tivesse as condições necessárias para alcançar o progresso econômico e social. O que

era inviável nos períodos de guerra. Depois de tentar conquistar, por dez anos, seu lugar como

capital da nova ordem política, Buenos Aires realizou o prejuízo material e simbólico de tal

intento e passou a buscar os benefícios da autonomia. A elite de Buenos Aires se constituiu como

grupo dirigente, apesar de heterogêneo, com o objetivo de organizar o caos, não mais de colocar

Buenos Aires como capital de um governo nacional. Formavam o Partido da Ordem.

Após o tratado de paz, Córdoba convoca um congresso constituinte. Buenos Aires boicota

o Congresso por achar que havia mais vantagens na autonomia do que em uma unidade

nacional. O governo estava convencido de que a reunião de um congresso era prematura, já que

podia reavivar os mesmos conflitos da década anterior. Assim, o governo de Martín Rodriguez,

que durou até 1824, respeitou a vontade da população para evitar os conflitos de 1820 e, por

outro lado, defendeu os interesses de setores economicamente poderosos de restringir-se aos

limites da província a fim de capitalizar o máximo de recursos possíveis.

“À diferença da década revolucionária, quando as comunidades políticas que

demandavam o autogoverno tinham por base as cidades com cabildo, as repúblicas provinciais

formadas logo depois da queda do governo central se organizaram segundo os princípios do

moderno constitucionalismo liberal”32

. Criou-se uma nova divisão de poderes entre cidade e

campo. Algumas experiências foram mais frágeis que outras.

Com a dissolução do governo central em 1820, algumas províncias produziram

constituições próprias, Buenos Aires não. O poder provincial se organizou através de um

conjunto de leis fundamentais que regulamentavam as instituições provinciais.

Bernardino Rivadavia

Bernardino de la Trinidad Gónzalez Rivadavia y Rivadavia nasceu em Buenos Aires em

29 de maio de 1780. Estudou gramática, teologia e filosofia, mas não chegou a se graduar,

abandonando os estudos em 1803. Na Revolução de Maio, Bernardino Rivadavia votou contra a

continuidade do Vice-Rei, mas não chegou a ter um papel de destaque no período. Em setembro

de 1811, quando foi criado o Triunvirato, Rivadavia foi nomeado Secretário de Governo e

Guerra. Foi a partir daí que Rivadavia começa a destacar como líder político. Com o fim do

Triunvirato em 1812, Rivadavia some da cena política por dois anos. Em 1814, foi encarregado,

junto com Manuel Belgrano, a uma missão diplomática na Europa, cujo objetivo era obter apoio

para a revolução. A missão foi um grande fiasco, mas Rivadavia permanece na Europa até 1820.

Neste período, conhece vários políticos e intelectuais na Espanha e na Inglaterra que foram

32 IBID. P.130.

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importantes para a sua formação, dentre eles, destaca-se Jeremy Bentham. Volta da Inglaterra

entusiasmado com as doutrinas econômicas e políticas do país da revolução industrial.

Reforma rivadaviana

O Partido da Ordem, que tinha grande apoio da sociedade, girava em torno de Bernadino

Rivadavia, Ministro de Governo de Martín Rodrigues. Rivadavia implantou uma série de

reformas: política, cultural, econômica, social e urbana. A prioridade era aprimorar a estrutura

político e administrativa herdada da colônia, ou seja, era necessário garantir uma ordem política

estável e legítima. Procurava construir um Estado moderno e liberal, tendo como modelo a

Inglaterra. As reformas se baseavam na liberdade política, na garantia a propriedade privada e na

incorporação da Argentina ao mercado mundial.

Destacam-se a lei eleitoral e a lei de sufrágio, ambas sancionadas em 1821. A primeira

determinava as regras para a eleição dos deputados da Sala de Representantes; a segunda, que

todos os homens livres maiores de 20 anos estavam habilitados a votar, sem restrição quanto a

renda ou educação, o que ampliava muito a base de eleitores. Os candidatos, no entanto,

deveriam ser proprietários e maiores de 25 anos.

O poder executivo era eleito a cada três anos por uma Junta de Representantes. A Sala de

Representantes, criada durante a crise do ano 20, era responsável por eleger os governadores e

aprovar o plano de reformas, o orçamento anual, a criação de impostos, entre outros. A divisão

de poderes entre executivo e legislativo não estava definida por lei, mas formalizadas por

práticas e pelo regulamento interno, que era quase uma cópia do texto Táctica das Assembléias

Legislativas, de Jeremy Bentham.

A Lei de Sufrágio vigora por quase trinta anos. Foi uma lei pragmática que pretendia

legitimar o regime após a crise do ano de 1820. Ao aumentar o número de votantes, procurava-se

evitar o triunfo de facções minoritárias e o questionamento da legitimidade das eleições por falta

de eleitores. Os candidatos deveriam ser proprietários porque acreditava-se que para

desempenhar funções representativas era preciso ter independência econômica, como

recomendava Benjamin Constant33

. Implementou-se, também, o voto direto. Havia, no entanto,

um descompasso entre a representação do campo e da cidade, sendo esta com maior

representação. O centro da política continuava sendo a cidade.

Os cabildos existentes na província de Buenos Aires foram suprimidos e suas funções

passaram para outras instâncias do governo. Esta medida ocorreu quase sem oposição, uma vez

que já não possuíam quase nenhum poder, e era necessária para fortalecer o governo provincial e

evitar conflito entre as duas instâncias, uma vez que, em várias situações, os cabildos se

colocaram contra o governo, gerando revoltas.

Com o objetivo de racionalizar a administração governamental, criou-se órgãos e

ministérios ligados diretamente ao poder executivo; alterou-se a estrutura administrativa do

governo, com a criação dos Ministérios do Governo, da Fazenda e da Guerra; aprovou-se uma lei

exigindo capacitação para o cumprimento das funções públicas. Tentou-se, também, superar a

superposição de funções.

A administração da justiça foi dividida em duas instâncias: a justiça de primeira instância,

letrada e remunerada, e a justiça de paz, leiga e gratuita.

Ressaltam-se, também, as reformas que afetaram o exército e a igreja. Em 1821, a lei de

reforma militar reduziu drasticamente o aparato militar herdado da década revolucionária.

Diminuía-se, assim, os custos militares que oneravam o governo e reorientava-se as forças

33 TERNAVASIO, Marcela. Las reformas rivadavianas en Buenos Aires y el congresso general constituyente (1820-1827). P.167

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militares a novas funções. As milícias foram reorganizadas em 1823. Essas duas forças passaram

a defender as fronteiras de ataques indígenas.

A reforma eclesiástica suprimiu algumas ordens religiosas e seus bens foram

nacionalizados. O dízimo foi suprimido e o foro privilegiado eclesiástico foi eliminado. Os

grupos afetados ficaram descontentes, mas o governo fez uma campanha na imprensa para

defender os benefícios da reforma.

Este período foi marcado por uma expansão da imprensa e pela criação de novas

associações que permitiram a ampliação do debate público. A lei de imprensa de 1821 aumentou

a liberdade para o exercício jornalístico, ainda que houvesse alguma censura, e estimulou o

surgimento de novos periódicos e jornais públicos. Foram criadas a Academia de Medicina, de

Ciências Físicas e Matemáticas e a de Música. Estimulou-se o estudo de direito com a criação do

Departamento de Jurisprudência em 1821. Formou-se a Sociedade Literária, responsável pela

publicação do periódico mais importante da época, o El Argos de Buenos Aires.

Os recursos foram direcionados para o crescimento da economia. Estimulou-se a produção

rural, especialmente de gado e derivados, como forma de expandir o uso da terra e o comércio

internacional, este era a maior fonte de recursos do governo.

Criou-se o Banco de Descuentos, formado pela elite econômica e comerciantes ingleses

residentes em Buenos Aires. As necessidades fiscais do governo aumentaram as emissões de

dinheiro, o que levou a uma crise financeira.

As novas propostas se chocavam, muitas vezes, com as prática sociais mais arraigadas.

As tradicionais hierarquias sociais continuavam existindo apesar dos novos valores de liberdade

e igualdade. O espaço público ainda era dominado pelas elites governantes. Mesmo assim, o

impacto das reformas rivadavianas foram notáveis, principalmente na esfera política, pois foram

criadas as principais instituições que regeram a província até os anos 1850. Destacam-se, ainda, a

difusão do debate político, a maior participação eleitoral dos diferentes grupos sociais e a

consolidação do papel da legislatura34

.

A partir da lei eleitoral de 1821, houve eleições todos os anos para a Sala de

Representantes. O Partido da Ordem, devido ao controle do exército e das milícias, além da

aprovação do sufrágio mais abrangente, ganhou todas as eleições até 1824, quando o grupo de

Rivadavia começou a mostrar fragilidades. Um dos pontos debatidos, era a política de Buenos

Aires após a invasão brasileira na Banda Oriental. Devido a essas divergências, Rivadavia se

demite do governo e vai viajar pela Europa.

Congresso Geral Constituinte (1824 - 1827)

A Inglaterra só reconheceria a independência da Argentina se o país firmasse um tratado

de paz e construísse uma unidade político-administrativa entre as províncias. Mas a Inglaterra

reconheceria a independência em nome de quem, se as províncias tinham se constituído como

estados soberanos? Precisava-se definir o sujeito da soberania. A soberania estava na nação ou

nas províncias? Essa questão era, na verdade, o centro do debate constituinte e foi, ao mesmo

tempo, a razão de seu fracasso35

.

Além disso, a situação em relação a Banda Oriental também pedia um governo central.

Precisavam de um governo que enfrentasse o avanço do Império do Brasil num território

considerado parte do Vice-Reinado do Prata.

34 IBID. P.179 35 IBID. P.182

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Fazia-se necessário, portanto, retomar o esforço de construção de um estado nacional.

Após a crise de 1820, houve a tentativa do governo cordobês de reunir um congresso

constituinte, o que foi frustrado por Buenos Aires. Agora, era Buenos Aires que tomava a

iniciativa. A convocação de um novo congresso constituinte reacendeu as disputas entre as

províncias e dentro de cada província.

O congresso iniciou seus trabalhos em dezembro de 1824. Neste momento, havia dois

partidos principais: os unitários e os federais. Só a partir do congresso constituinte de 1824 que

os dois grupos passam a ser conhecidos como unitários e federais. Vale lembrar que,

diferentemente da década anterior, o modelo era mais claramente os Estados Unidos e as

autonomias era defendidas para as províncias, não mais para as cidades.

A primeira providência do congresso foi sancionar a Lei Fundamental que firmava um

tratado de paz entre as províncias - tornando possível assinar um tratado de Amizade, comércio e

navegação com a Inglaterra -, e afirmando que as províncias seriam governadas por suas

instituições, delegando provisoriamente o poder executivo a Buenos Aires.

Em 1825, cria-se um exército nacional. A lei de criação do exército enfrentou vários

problemas, uma vez que caía-se no debate sobre a soberania.

O aumento das tensões com o Império do Brasil pedia a criação de um executivo forte.

Em 1826, o Congresso aprovou a Lei da Presidência, criando um executivo permanente.

Rivadavia, recém chegado da Europa, foi escolhido como presidente. As tensões entre as facções

eram cada vez maiores, sendo que os dois principais líderes eram Rivadavia, do partido unitário,

e Manuel Moreno, porta-voz dos federais.

Rivadavia assume o cargo enfrentando tensões internas e externas, já que o Brasil havia

declarado guerra em dezembro de 1825, logo após o congresso argentino ter aprovado a entrada

da Província Oriental às Províncias Unidas del Rio de La Plata.

As tensões aumentaram três dias após a posse a posse de Rivadavia, quando este

apresentou ao congresso a Lei de Capitalização, que declarava Buenos Aires a capital do poder

nacional. Ou seja, a província de Buenos Aires seria separada do distrito federal. O projeto tinha

a oposição dos federais, representados por Moreno, e de vários deputados, inclusive os de

Buenos Aires, que diziam que só haveria desvantagens econômicas em acabar com a unidade

entre cidade e campo. A província de Buenos Aires perderia território com a criação do distrito

federal, o que significava a perda da fonte de renda mais importante, a da alfândega, que passaria

para o governo federal. A aprovação da lei, em março de 1826, fez com que os rivadavianos

perdessem apoio dentro do grupo dos unitários. A coesão da elite governante se esfacela. Os

federais achavam que a capital não deveria ser Buenos Aires, pois a opinião pública exerceria

forte pressão no governo. Devia-se, a exemplo de Washington, escolher uma capital “neutra”.

A constituição de 1826 foi inspirada na de 1819; no entanto, o centralismo da carta

anterior foi atenuado com a criação de instituições provinciais representativas. Apesar das

criticas, a constituição foi promulgada em dezembro de 1826. Nesta ocasião, o nome Províncias

Unidas foi substituído por República Argentina.

O clima político continuava tenso, tanto no plano interno como no externo. A guerra civil

estourou quando Rivadavia mandou recrutar soldados para a guerra com o Brasil e o general

Lamadrid se apoderou do governo da província de Tucumán.

A esquadra brasileira impôs um bloqueio naval no Rio da Prata, impedindo o comércio

marítimo, o que afetou gravemente a economia da Argentina, principalmente as finanças do país.

A Inglaterra, que também sofria com o bloqueio naval, uma vez que tinha muitos negócios em

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Buenos Aires, tentava mediar a disputa pela Banda Oriental e propôs e criação de um país

independente, na tentativa de acabar com a guerra.

O enviado argentino aceitou um acordo de paz que aceitava a incorporação da Banda

Oriental ao Império do Brasil, no entanto, só estava autorizado a aceitar a alternativa de criação

de um território independente. Rivadavia, em situação de absoluta crise e quase sem apoio,

desconheceu o acordo, por considerá-lo desonroso, e renunciou ao cargo em junho de 1827. O

congresso aceitou ambas as decisões.

Vicente Lopez y Planes assume, mas tensões do interior mais as disputas no congresso,

sem contar a guerra com o Brasil, geraram uma guerra civil que o poder central não podia nem

evitar nem controlar. Lopez renuncia e o congresso se dissolve. Assim, congresso e presidência

“morriam de morte natural”. As províncias voltaram a ser autônomas e a divisão entre província

de Buenos Aires e distrito federal foi anulada, voltando a situação anterior à lei de capitalização.

O período de Rivadavia ficou conhecido como a “feliz experiência” por representar uma

etapa de paz e prosperidade para Buenos Aires, mas terminou devido às disputas em torno da

nova organização do estado nacional, à guerra com o Império do Brasil e à instável situação

interprovincial. Seguiu-se nova guerra civil.

Rivadavia se retirou definitivamente da vida pública. Vai para a França em 1829, tenta

retornar em 1834, mas é impedido de desembarcar pelo governo. Seus filhos – Benito,

Bernardino e Martin –apóiam a causa federal e lutam ao lado de Manuel Rosas. Rivadavia morre

em Cádiz em 2 de setembro de 1845, aos 65 anos. Antes de morrer, pediu que seu corpo "no

volviera jamás a Buenos Aires". No entanto, seus restos foram repatriados em 1857 e, a partir de

1932, descansam num mausoléu feito em sua homenagem.

Bibliografia Principal

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TAVARES BASTOS, Aureliano Cândido. A Província: estudo sobre a descentralização do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1996.

Anexo 3: Apresentação PIBIC 2012

Orientadora: Profa Maria Elisa Noronha de Sá

Bolsistas: Carolina Jardim, Jessik Beatris dos Santos e Nayara Fernandes

A pesquisa se intitula “Olhares Cruzados: intelectuais e a constituição de um novo

vocabulário político na Argentina e no Brasil do século XIX” e tem como objetivo, no âmbito da

história intelectual, comparar o pensamento de alguns intelectuais brasileiros e argentinos,

considerados autores e atores singulares na construção dos estados nacionais da República

Argentina e do Império do Brasil ao longo do século XIX. Neste momento, a análise concentra-

se em dois intelectuais da segunda metade do século XIX: Aureliano Cândido Tavares Bastos e

Juan Bautista Alberdi.

Ambos são herdeiros das muitas experiências políticas vivenciadas até ali, tomaram-

nas como ponto de partida para diagnosticar o seu presente e propor mudanças e reformas.

Pressupõe-se, assim, que essas identidades foram constituídas a partir das suas próprias

experiências históricas, mas igualmente quando olhavam para “outros”, como europeus ou

norte-americanos, especialmente, para os vizinhos hispano-americanos, comprovando a idéia

dos “olhares cruzados”.

No seminário do PIBIC de 2011, apresentamos algumas ideias de Alberdi. Este ano,

dando continuidade à proposta da pesquisa, apresentaremos algumas idéias de Tavares

Bastos. Concentramo-nos na leitura e discussões de três das principais obras de Tavares

Bastos: Cartas do Solitário, A Província e Males do Presente e as Esperanças do Futuro. Nesta

apresentação, nos concentraremos nas questões da defesa do liberalismo e da

centralização/descentralização, pontos centrais no pensamento do autor.

Tavares Bastos nasceu em Alagoas, em 1839, formou-se em direito em 1858 e elegeu-

se deputado por Alagoas em 1860. Nesta época, assumiu, também, um cargo de oficial da

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Secretaria da Marinha, do qual foi exonerado em 1861. Foi reeleito outras duas vezes deputado

por sua província, mas teve sua carreira parlamentar encerrada em 1868, com a dissolução da

assembleia. Continuou atuando na política como escritor, firme em seu ideal liberal e crítico em

relação aos conservadores. Morreu jovem, em 1875, aos 36 anos, época em que o Império do

Brasil já demonstrava suas fragilidades.

Após ser exonerado da Secretaria da Marinha, Tavares Bastos escreve, em fins de

1861 e início de 1862, uma série de cartas publicadas no Correio Mercantil sob o pseudônimo

de “o solitário”. As cartas suscitaram a curiosidade dos leitores sobre quem seria seu autor,

cogitou-se, inclusive, que seria um alto funcionário do governo, talvez um ministro. Uma

coletânea dessas cartas foi publicada sob o título “Cartas do Solitário”, que foi dividido em três

séries: a primeira trata da organização administrativa e do ensino religioso; a segunda sobre

africanos livres e tráfico de negros; e a terceira sobre as leis da navegação, o comércio

costeiro, a franquia dos grandes rios, a questão do Amazonas e as comunicações livres entre

as duas Américas.

Na primeira parte, sobre a organização administrativa do Estado, tema desta

apresentação, Tavares Bastos questiona a excessiva centralização que vigorava na época. Diz

o autor: “pedi que o governo seja só governo, que distribua a justiça, mantenha a ordem, puna

o crime, arrecade o imposto, represente o país; mas que não transponha a meta natural, mas

que não se substitua à sociedade” (p.4).

Para Tavares Bastos, o excesso de centralização gerava perda de tempo, perda de

dinheiro, morosidade na tomada de decisões, além de ocupar os ministros com assuntos sem

importância. O autor defendia que assuntos que só afetassem determinada província deveriam

ser resolvidos por esta mesma província. Isso tornaria não só o Estado mais eficiente, uma vez

que não seriam necessárias tantas etapas, mas também mais econômico, já que essas etapas

geravam custos.

Dessa forma, a delegação de responsabilidades daria mais liberdade às províncias, e

esse ponto é central para Tavares Bastos, já que ele defende um sistema próximo ao norte-

americano, onde as províncias seriam responsáveis por seus próprios assuntos. No Brasil, ao

contrário, nada se resolvia nas províncias, o que seria uma das heranças perniciosas da

colonização portuguesa. A centralização, para o autor, origina-se no absolutismo e opõe-se à

liberdade, que geraria o progresso. Assim, a miséria moral do país teria sido herdada de

Portugal.

No entanto, Tavares Bastos não aponta um ou outro político como culpado por esta

situação. Diz ele: “A meu ver, os erros administrativos e econômicos que afligem o Império não

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são exclusivamente filhos de tal ou tal indivíduo que há ao poder, de tal ou tal partido que há

governado: não; constituem um sistema seguido, compacto, invariável. Eles procedem todos de

um princípio político afetado de raquite, de uma ideia geradora e fundamental: a onipotência do

Estado, e no Estado a máquina central, e nesta máquina certas e determinadas rodas que

imprimem movimento ao grande todo”. (p.12). Fazia-se necessário, portanto, um reforma

ampla, não uma mera troca de governantes. Importante salientar que Tavares Bastos

considerava que a reforma liberal, descentralizadora, era compatível com a manutenção da

Coroa. Era liberal e federalista, mas não republicano.

Em suas cartas, o “solitário” não poderia deixar de debater assuntos econômicos, sendo

que o que perpassava todas elas era a necessidade de se abrir o comércio do país. Seja

defendendo a abertura do Amazonas ou da navegação de cabotagem, a tônica era sempre o

prejuízo do monopólio e a vantagem da abertura a estrangeiros. De acordo com Tavares

Bastos, insistir no erro de acreditar que o monopólio protegeria a indústria nacional apenas

impedia o desenvolvimento do país e prejudicava a sociedade, que acabava pagando mais

caro por serviços ineficientes e produtos de pior qualidade.

Atacava a escola protecionista que impunha tarifas exageradas ao produto estrangeiro.

Afirmava que o “privilégio é odioso porque pressupõe uma classe de indivíduos que explora as

diferentes classes da sociedade” (p.127). A vantagem de um serviço era medida “pela sua

abundância, barateza e boa qualidade” (p.126). Mas, o privilégio, o monopólio, o interesse de

uma pequena classe fazia com que alguns produtos comprados aqui fossem mais caros do que

se comprados no exterior. Produtos caros geravam menos consumo, assim, o monopólio seria

uma das causas da miséria do Brasil.

“Os Males do presente e as esperanças do futuro” foi publicado em 1861, sob o

pseudônimo de “Um Excêntrico” e dedicado a José Bonifácio. Tavares Bastos faz uma análise

da situação do Brasil da época, apontando as origens e as possíveis soluções dos problemas

do país. A herança colonial, como ela se apresentava no Brasil, é criticada e deveria ser

ultrapassada através de uma ampla reforma, especialmente na educação, na organização

político-administrativa, no sistema de cabotagem e comércio exterior e, também, no sistema

representativo.

“Se alguma cousa explica o embrutecimento do Brasil até o começo do século presente,

a geral depravação e bárbara aspereza de seus costumes, e, portanto, a ausência do que se

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chama espírito público e atividade empreendedora, é decerto o sistema colonial. Não recai

sobre Portugal somente este crime de ignorância e egoísmo; mas, é inegável que, em parte

alguma, foi o regime observado com mais severidade e mais solícita avareza do que na

metrópole”. (p.31)

Precisava-se de pessoas dotadas de espírito público, capazes de agir em nome do

interesse público e não servir a interesses particulares ou de grupos restritos. Neste sentido, o

self-government, o auto-governo, era fundamental. A liberdade individual, a liberdade de

indústria sem interferência governamental, seria a fonte do progresso industrial e social. A

educação teria um papel fundamental na construção desse espírito.

Neste panfleto, o autor faz um diagnóstico capaz de fornecer um caminho para

modificar o futuro. A própria estrutura do texto – dividido em três partes: a realidade, a ilusão e

a solução – demonstra esta intencionalidade, de não apenas analisar mas também fornecer

medidas necessárias para a mudança.

Tavares Bastos defendia três componentes básicos para a formação deste povo que

ainda estava por se fazer. A fórmula passaria pela eliminação gradativa do trabalho cativo, para

que o trabalho livre se instalasse de uma vez no Império; o incentivo à imigração européia; e,

por fim, a propagação do ensino público para as massas. Entre os principais aspectos que

Tavares Bastos apresenta como males estão: a praticamente inexistência da indústria, o

comércio controlado, a extensa centralização política, assim como a falta de um espírito público

e pouca atividade empreendedora. Propõe, portanto, a emancipação dos escravos, a fim de

incentivar a imigração espontânea; a descentralização política e econômica; uma reforma

eleitoral com eleição direta; o liberalismo econômico; e a abertura do Amazonas ao comércio

mundial.

Para o autor, a origem dos males por ele apontados estava no colonialismo e no

absolutismo, heranças de um passado colonial deixado por Portugal. A decadência apontada

por Tavares Bastos, tanto material quanto moral, estaria ligada ao modelo absolutista e suas

conseqüências derivariam deste modelo.

No início dos anos 1860, Tavares Bastos fez várias críticas e propôs várias reformas.

No entanto, estas críticas e propostas ainda não possuem a consistência que se verificará no

livro “A Província”, escrito quase dez anos depois.

Publicado em 1870, este é o texto na qual as propostas de Tavares Bastos estão mais

amadurecidas. As mais significativas são: o combate ao centralismo; a defesa do liberalismo; e

do sistema federal como a base sólida de instituições democráticas. Ao longo do livro percebe-

se as influências das três viagens feitas por ele à região do Prata, ao Amazonas e à Europa. O

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período em que ele vive é, em sua opinião, um período de sonolência, pois não havia qualquer

movimento para reformas ou inovações.

O ponto central da obra é a defesa da descentralização. Tavares Bastos organizou este

texto de forma a analisar e propor mudanças específicas nas mais diversas áreas, mostrando

como a centralização excessiva do Estado afetava cada uma delas. Dessa forma, ele propõe

uma ampla reforma político-administrativa de cunho liberal.

A descentralização era para ele a única forma de fazer o Brasil crescer e chegar a ser

uma grande potência. A centralização não permitia, por exemplo, que as províncias mais

afastadas da corte conseguissem tantos ganhos como as que ficavam mais próximas, gerando

grande desigualdade. Com a descentralização, as províncias se organizariam melhor, pois

seriam mais autônomas.

A centralização gerava “perda de tempo, a exageração da correspondência, a míngua

do pessoal e seu constante aumento, a confusão no serviço e o desespero das partes” (p.39), o

que provocava restrições à liberdade das províncias.

Considerava o excesso de centralização, de burocracia como um mal endêmico no

Brasil. Nas palavras do autor: “Pedem-se de toda à parte escolas, estradas, trabalho livre,

melhoramentos morais e materiais. Por si só, mal pode o governo central acudir a esse ou

aquele mais ardente reclamo; e por cada um que satisfaz ou ilude, vê recrescer a impaciente

exigência de todos os outros. Não lhe resta, portanto, mais que uma solução: dividir sua

formidável responsabilidade, invocar o auxílio do município e da província para a obra comum

da prosperidade nacional; em uma palavra, descentralizar.” (p. 353)

Em “A Província”, Tavares Bastos amplia as críticas contidas nos livros anteriores em

relação à centralização do Império. Passa a incluir um viés mais político e não apenas de

organização administrativa. Nas palavras de Gabriela Nunes Ferreira: “Ao binômio

indivíduo/poder central, o autor antepõe agora o binômio província/poder central” (p.75). Ou

seja, a província deixa de ser uma instância meramente administrativa para tornar-se

personagem central na proposta política de Tavares Bastos, pois, neste momento, as

províncias passam a ter o papel fundamental de proteger as liberdades individuais contra o

despotismo do poder central.

Outro grave problema era o que ele chamava de emancipação, ou seja, a libertação dos

escravos. A abolição deveria ser feita de forma gradual sendo extinta o mais rápido possível,

levando o trabalho a ser assalariado. Outro ponto fundamental era o aumento das escolas,

tanto para os emancipados quanto para a população já livre. Segundo Tavares Bastos, esta

seria a única forma de tornar o Brasil um país mais avançado.

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A questão da centralização era vista por Tavares Bastos de forma pluralista, ou seja, se

fazia presente em todo o sistema de governo brasileiro, portanto, neste livro, ele trabalha cada

parte do sistema para formar um projeto de governo monarquista e federal. Afirmava que os

brasileiros não estariam destinados à tutela do Estado por não possuírem, ainda, o self-

government e o espírito público, pois o povo não era imutável. Caberia ao governo fazer as

reformas necessárias – principalmente em relação à instrução pública, à emancipação dos

escravos e à política de imigração – pois a educação e a formulação de boas leis colocariam o

país no caminho do progresso.

Defendia, portanto, a federalização do Império, mas a manutenção da monarquia,

Tavares Bastos nunca foi republicano. Neste aspecto, admirava o sistema norte-americano

contra o modelo centralizador francês. Assim, tentamos demonstrar que em “A Província”,

Tavares Bastos consolida suas propostas de organização político-administrativa do Império do

Brasil, propondo, como modelo ideal, uma Monarquia Federativa.

Anexo 4: Rivadavia – Levantamento Bibliográfico (parcial)

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Anexo 5:

Pesquisa de iniciação científica

Profa. Maria Elisa Noronha de Sá

Carolina Jardim

Letrado Patriota

O letrado patriota surge num contexto de profunda crise político-institucional dos

impérios ibéricos e atua durante esta crise e no período de independência das colônias luso-

espanholas. Os letrados patriotas foram os intelectuais que pensavam a sociedade sem ligação

necessária com a Igreja ou a Coroa e que se consideravam legitimados para falar em nome da

pátria. O termo intelectual surge na França no fim do século XIX; no entanto, a função do

intelectual, como aquele que produz discursos sobre a sociedade, já existia. Aqui, intelectual se

refere à função exercida pelos letrados patriotas.

Em 1807/1808, os impérios ibéricos entram em colapso devido à invasão napoleônica.

Com a crise na natureza da unidade política dos impérios, surge a possibilidade de se redefinir a

configuração política do território. É nesse contexto de indefinição, de ruptura, que surge o

letrado patriota.

Muitos letrados patriotas eram ilustrados, mas não necessariamente. Importante destacar

que a ilustração ibérica teve duas características específicas, foi uma ilustração católica e de

funcionários. Ou seja, os ilustrados ibéricos criticavam às instituições religiosas, mas não os

dogmas da fé e eram, em sua maioria, funcionários da Coroa.

Destacam-se três etapas no surgimento dos letrados patriotas:

a) Jesuítas no exílio: estes respondem às críticas sobre a inferioridade americana. Esses

discursos serão recuperados na época da independência. O exílio teve um papel importante neste

período de crise, pois significava a impossibilidade de voltar ao local de origem, ou seja, a pátria

natal. Vendo-se numa situação a princípio sem volta. o exilado toma consciência de seu

patriotismo. De fora, fica mais fácil ver/imaginar o que seria esta pátria. Não poder voltar cria

uma situação sociológica específica.

b) Precursores: sofrem influência da declaração de independência dos Estados Unidos.

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c) Letrado no processo revolucionário: identidade imperial/colonial estava em crise,

precisava ser redefinida.

Ao falar em nome da pátria, o letrado patriota tinha o desafio de definir esta pátria. Havia

várias pátrias possíveis, estas podem despontar, simultaneamente, nos discursos dos letrados

patriotas. A pátria poderia ser imperial, americana, “nacional” ou local. Pátria e nação, por serem

construções jurídicas, precisavam ser demarcadas. A nação política é uma comunidade soberana

portadora de direitos e obrigações políticas, onde se faz sentir a vontade soberana do povo.

A pátria podia ser definida por local de nascimento ou por convicção, por adoção.

Identidade de nascimento é diferente da identidade jurídica do cidadão. A pátria nacional era

defendida politicamente, era da vontade geral dos cidadãos. Neste caso, o local de nascimento

não importava. Para os românticos ocorre o contrário, a construção política deve dar conta da

preexistência de uma história, de uma herança. Primeiro, se pertence a uma nação, com uma

história especifica.

No entanto, para os letrados patriotas, primeiro se faz parte da humanidade; de forma

que, os cidadãos, por vontade política, poderiam criar sua pátria em qualquer lugar. Ou seja, a

pátria poderia ser construída de acordo com a vontade coletiva de seus cidadãos. Para eles, os

valores políticos eram universais.

Há um ponto comum em todas as regiões: os momentos de liberdade de imprensa foram

muito férteis. Surgiram novas condições para a prática do periodismo, propiciando ao letrado

patriota um fórum público de debate. A liberdade de imprensa criou algo novo, que não existia

no Antigo Regime: a polêmica, a discussão pública, o debate público. A polêmica pública foi

legitimada. O discurso dos letrados patriotas era legitimado no “tribunal” da opinião pública.

O letrado patriota era marcado por uma ambiguidade profunda em sua referência política,

pois a instabilidade política era grande e as possibilidades eram muitas, de forma que os

discursos também se transformavam com rapidez para poder dar conta dos novos cenários

políticos. Assim, os letrados patriotas foram marcados por certo pragmatismo, uma vez que os

discursos visavam resultados práticos, e por mudanças bruscas, já que a realidade mudava

rapidamente.

Assim, podemos dizer que as circunstâncias, marcadas por mudanças vertiginosas e de

resultados incertos, transformaram alguns intelectuais em letrados patriotas. Estes se viram numa

posição inédita que os obrigou a assumir a tarefa de atuar politicamente. O letrado patriota se

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colocou como porta-voz da sociedade, como defensor dos interesses de sua pátria, legitimado

pelo debate público.