relatividade simbólica em kant

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    Eis que encontramos uma nova forma de harmonia, uma novaproporo na harmonia das faculdades. Segundo o interesse especulativoda razo, o entendimento legisla, a razo raciocina e simboliza (determinao objeto da sua Idia por analogia com os objetos da experincia).Segundo o interesse prtico da razo, a prpria razo que .legisla; oentendimento julga ou inclusivamente raciocina (se bem que esteraciocnio seja muito simples e consista numa singela comparao) esimboliza (extrai da lei natural sensvel um tipo para a natureza suprasensvel).Ora, nesta nova figura, devemos manter sempre o mesmo princpio:a faculdade que no legisladora desempenha um papelinsubstituvel, que s ela capaz de assumir, mas ao qual deter-minadapela legisladora.Como se explica que o entendimento possa desempenhar por simesmo um papel de acordo com uma razo prtica legisladora?Consideremos o conceito de causalidade: ele est implicado na definioda faculdade de desejar (relao entre a representao e. um objeto que elatende a produzir) (15). Est, pois, implicado no uso prtico da razoconcernente a esta faculdade. Mas quando a razo persegue o seu interesseespeculativo, relativamente faculdade de conhecer, ela abandona tudoao entendimento: a causalidade atribui-se como categoria aoentendimento, no sob forma de uma causa produtora originria (visto queos fenmenos no so produzidos por ns), mas sob forma de umacausalidade natural ou de uma conexo que liga os fenmenos sensveisat ao infinito. Quando, pelo contrrio, a razo persegue o interesse

    prtico, retira ao entendimento o que lhe havia emprestado unicamente naperspectiva de outro interesse. Determinando a faculdade de desejar sob asua forma superior, ela une o conceito de causalidade ao de liberdade,isto , d categoria de causalidade um objeto supra-sensvel (o ser livrecomo causa produtora originria) (16). Perguntar-se- como que a razopode retirar o que abandonara. ao entendimento e de certo modo alienarana natureza sensvel. Mas, precisamente, se verdade que as categoriasnos no fazem conhecer outros objetos que, no sejam os da experinciapossvel, se verdade que elas no formam um conhecimento de objetoindependentemente das condies da sensibilidade, nem por isso deixamde conservar um sentido puramente lgico relativamente a objetos_____________________(15) CRPr, Analtica, do direito da razo pura no uso prtico a uma

    extenso...: no Conceito. de Uma Vontade est j contido o da causalidade.(16) CRPr, Prefcio.no sensveis, e podem aplicar-se a eles com a condio de que taisobjetos sejam determinados por outra parte e de um ponto de vistadiferente do conhecimento (17). Assim, a razo deter-mina praticamenteum objeto supra-sensvel da causalidade e determina a prpria causalidadecomo uma causalidade livre, apta a formar uma natureza por analogia.O senso comum moral e os usos ilegtimosKant lembra amide que a lei moral no tem necessidade alguma deraciocnios subtis, antes assenta no uso mais vulgar ou mais comum darazo. Nem sequer o exerccio do entendimento pressupe qualquerinstruo prvia, nem cincia nem filosofia. Devemos, pois, falar de umsenso comum moral. Decerto que h sempre o perigo de compreender

    senso comum maneira empirista, de o tornar um sentido particular, umsentimento ou uma intuio: no haveria pior confuso, atingindo aprpria lei moral (18). Mas definimos um senso comum como um acordo apriori das faculdades, acordo determinado por uma de entre elas enquantofaculdade legisladora. O senso comum moral o acordo do entendimentocom a razo, sob a legislao da prpria razo. Reencontramos aqui a.idia de uma. boa natureza das faculdades e de uma harmonia determinadaem conformidade com tal interesse da razo.Porm, no menos que na Critica de Razo pura, Kant denuncia osexerccios ou os usos ilegtimos. Se a reflexo filosfica necessria,

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    porque as faculdades, no obstante a sua boa natureza, engendram ilusesnas quais elas no podem livrar-se de cair. Em lugar de simbolizar (ouseja, de se servir da forma da lei natural como se fosse um tipo para alei moral), acontece por vezes ao entendimento procurar um esquemaque refere a lei a uma intuio (19). Mais ainda: em lugar de comandar,sem nada conceder, no que diz respeito ao princpio, s inclinaessensveis ou aos interesses empricos, acontece razo acomodar o devercom os nossos desejos: Resulta da uma dialctica natural (20). Importa,pois, perguntar, tambm neste caso, como se conciliam os dois temaskantianos, o de__________________(17) CRPr, Analtica, do direito da razo pura no uso prtico a umaextenso...,(18) CRPr, Analtica, esclio 2 do teorema IV.(19) CRPr, Analtica, da tpica do juzo puro prtico.(20) FMC, I (fim).uma harmonia natural (senso comum) e o dos exerccios discordantes(contra-senso).Kant insiste na diferena entre a Crtica da Razo pura especulativa ea Crtica da razo prtica: esta ltima no uma crtica da Razo puraprtica. Com efeito, no interesse especulativo, a razo em si mesma nopode legislar (olhar pelo seu prprio interesse): , pois, a razo pura que fonte de iluses internas, a partir do momento em que pretende assumirum papel legislador. Ao invs, no interesse prtico, a razo no remete

    para mais ningum o cuidado de legislar: Depois de se mostrar queexiste, ela j no necessita de crtica (21). O que tem necessidade de umacrtica, o que fonte de iluses, no a razo pura prtica, mas, isso sim, aimpureza que se lhe vem misturar, na medida em que os interessesempricos nela se refletem. critica da razo pura especulativacorresponde ento uma crtica da razo prtica impura. No entanto, algode comum subsiste entre as duas: o mtodo dito transcendental sempre adeterminao de um uso imanente da razo, conformemente a um dos seusinteresses. A Crtica da Razo pura denuncia assim o uso transcendente deuma razo especulativa que pretende legislar por si mesma; a Crtica daRazo prtica denuncia o uso transcendente de uma razo prtica que, emvez de legislar por si mesma, se deixa condicionar empiricamente (22).Seja como for, o leitor tem o direito de se interrogar se este clebre

    paralelo que Kant estabelece entre as duas Crticas respondesuficientemente questo formulada. O prprio Kant no fala de umanica dialctica da razo prtica, antes emprega a palavra em doissentidos bastante diferentes. Mostra, de fato, que a razo prtica no podedeixar de instituir uma ligao necessria entre a felicidade e a virtude,mas cai assim numa antinomia. A antinomia consiste na circunstncia de afelicidade no poder ser causa da virtude (porquanto a lei moral o nicoprincpio. determinante da vontade boa) e de a virtude no parecerigualmente poder ser causa da felicidade (porquanto as leis do mundosensvel se no pautam de modo algum pelas intenes de uma boavontade). Ora, no h dvida de que a idia de felicidade implica asatisfao completa dos nossos desejos e inclinaes. Hesitar-se-, noobstante, em ver nesta antinomia (e sobretudo no seu segundo membro) o

    efeito de uma simples projeo dos interesses empricos: a razo puraprtica exige_____________(21) CRPr, Introduo.(22) Ibid.ela prpria uma ligao da virtude e da felicidade. A antinomia da razoprtica exprime na verdade uma dialctica mais profunda que aprecedente; implica uma iluso interna da razo pura.A explicao desta iluso interna pode ser reconstituda como segue(23): 1. A razo pura prtica exclui todo o prazer ou toda a satisfao

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    como princpio determinante da faculdade de desejar. Mas, quando a lei adetermina, a faculdade de desejar experimenta por isso mesmo umasatisfao, uma espcie de fruio negativa exprimindo a nossaindependncia a respeito das inclinaes sensveis, um contentamentopuramente intelectual exprimindo imediatamente o acordo formal donosso entendimento com a nossa razo. 2. Ora, esta fruio negativa nodeve ser confundida com um sentimento sensvel positivo, ou at com ummbil da vontade. No se confunda o contentamento intelectual ativo comalgo de sentido, de experimentado. ( inclusive desta maneira que oacordo das faculdades ativas surge ao empirista como um sentidoespecial.) H a uma iluso interna que a prpria razo pura prtica nopode evitar: H sempre a ocasio de cometer a falta a que se chamavitium subreptionis e, de certo modo, de ter uma iluso de ptica naconscincia do que se faz, diferentemente do que se sente, iluso que at ohomem mais experimentado no pode evitar na totalidade. 3. Aantinomia assenta, pois, no contentamento imanente da razo prtica, naconfuso inevitvel deste contentamento com a felicidade. Cremos assimumas vezes que a prpria felicidade causa e mbil da virtude, outrasvezes, que a virtude por si mesma causa da felicidade.Se verdade, de acordo com o primeiro sentido da palavradialctica, que os interesses ou os desejos empricos se projetam narazo e a tornam impura, tal no obsta a que esta projeo tenha umprincpio interior mais profundo, na prpria razo prtica pura, emconformidade com o segundo sentido da palavra dialctica. A confuso do

    contentamento negativo e intelectual com a felicidade uma iluso internaque nunca pode ser inteiramente dissipada, sendo apenas possvel esconjuraro seu efeito atravs da reflexo filosfica. Acrescentemos que ailuso, neste sentido, s aparentemente contrria idia de uma boanatureza das faculdades: a prpria antinomia prepara uma totalizao, queela , sem dvida, incapaz de operar, mas que nos fora a procurar, doponto de vista da reflexo, como sua soluo prpria ou chave do seulabirinto. A antinomia_______________(23) CRPr, Dialctica, soluo crtica da antinomia.da razo pura, que se torna manifesta na sua dialctica, de fato o erromais benfazejo em que alguma vez caiu a razo humana (24).Problema da realizao

    A sensibilidade e a imaginao no tm at agora qualquer papel nosenso comum moral. Isto no causar admirao visto que a lei moral,tanto no seu princpio como na sua aplicao tpica, independente detodo o esquema e de toda a condio da sensibilidade; visto que os seres ea causalidade livres no so objeto de intuio alguma; visto que aNatureza supra-sensvel e a natureza sensvel esto separadas por umabismo. H realmente uma ao da lei moral sobre a sensibilidade. Mas asensibilidade considerada aqui como sentimento, no como intuio; e oprprio efeito da lei um sentimento mais negativo que positivo, maisprximo da dor que do prazer. Tal o sentimento de respeito da lei,determinvel a priori como o nico mbil moral, mas minimizandomais a sensibilidade do que dando-lhe um papel na relao das faculdades.(Vemos que o mbil moral no pode ser fornecido pelo contentamento

    intelectual, de que. falvamos mais atrs; este no de modo algum umsentimento, mas apenas um anlogo do sentimento. S o respeito pelalei fornece um tal mbil; ele apresenta a prpria moralidade como mbil)(25).Mas o problema da relao da razo prtica e da sensibilidade nofica assim resolvido nem suprimido. O respeito serve antes de regrapreliminar para uma tarefa que continua por efetivar positivamente. Umnico contra-senso perigoso, no que respeita ao conjunto da Razoprtica: crer que a moral kantiana permanece indiferente sua prpriarealizao. Na verdade, o abismo entre o mundo sensvel e o mundo suprasensvel

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    no existe seno para ser preenchido: se o supra-sensvel escapaao conhecimento, se no h uso especulativo da razo que nos faa passardo sensvel ao supra-sensvel, em compensao este deve ter umainfluncia sobre aquele, e o conceito de liberdade deve realizar no mundosensvel o fim imposto pelas suas leis (26)._________________________(24) CRPr, Dialctica, de uma dialctica da razo pura prtica em geral.(25) CRPr, Analtica, dos mbiles da razo pura prtica. (Sem dvida que orespeito positivo, mas somente pela sua causa intelectual.)(26) Cf, Introduo, 2.Eis que o mundo supra-sensvel arqutipo e o mundo sensvel, ctipo,porque contm o efeito possvel da idia do primeiro (27). Uma causalivre puramente inteligvel; mas devemos considerar que o mesmo serque fenmeno e coisa em si, submetido necessidade natural comofenmeno, fonte de causalidade livre como coisa em si. Mais ainda: amesma ao, o mesmo efeito sensvel que remete, por um lado, para umencadeamento de causas sensveis segundo o qual ele necessrio, masque, por outro, com as suas causas, remete igualmente para uma Causalivre da qual sinal ou expresso. Uma causa livre nunca tem o seu efeitoem si prpria, dado que nela nada acontece nem comea; a livrecausalidade no tem efeito algum que no seja sensvel. Por conseguinte,a razo prtica, como lei da causalidade livre, deve ter causalidaderelativamente aos fenmenos (28). E a natureza supra-sensvel, que osseres livres formam sob a lei da razo, deve ser realizada no mundo

    sensvel. E neste sentido que se pode falar de uma ajuda ou de umaoposio entre a natureza e a liberdade, consoante os efeitos sensveis daliberdade na natureza so conformes ou no lei moral. Oposio ouajuda s existem entre a natureza como fenmeno e os efeitos da liberdadecomo fenmenos no mundo sensvel (29). Sabemos que h duaslegislaes, logo, dois domnios, correspondendo natureza e liberdade, natureza sensvel e natureza supra-sensvel. Mas h somente umcampo, o da experincia.Kant apresenta assim o que ele designa por o paradoxo do mtodonuma Crtica da razo prtica: nunca uma representao de objeto podedeterminar a vontade livre ou preceder a lei moral; mas, ao determinarimediatamente a vontade, a lei moral determina tambm objetos comoconformes a esta vontade livre (30). Mais precisamente, quando a razo

    legisla na faculdade de desejar, a faculdade de desejar tambm legislasobre objetos. Estes objetos da razo prtica formam aquilo a que sechama o Bem moral ( em ligao com a representao do bem queexperimentamos o contentamento intelectual). Ora, o bem moral ,quanto ao objeto, algo de supra-sensvel. Mas ele representa objeto comoa realizar no mundo sensvel, isto , como um efeito possvel pelaliberdade (31). E por isso que, na sua