relaÇÕes entre as realidades concreta e pensada ...‡Ões entre as realidades... ·...

11

Click here to load reader

Upload: doankhanh

Post on 09-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: RELAÇÕES ENTRE AS REALIDADES CONCRETA E PENSADA ...‡ÕES ENTRE AS REALIDADES... · apresentações em slides, ... nesta ordem: o estado concreto ... um pouco de cor aos traços

RELAÇÕES ENTRE AS REALIDADES CONCRETA E PENSADA:

CONCEPÇÕES DE PROFESSORES NA UTILIZAÇÃO DE IMAGENS VISUAIS

NO ENSINO DE FÍSICA1

Sheila Cristina Ribeiro Rego

Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática/CEFET/RJ

Resumo

Para os videntes, as imagens visuais permeiam nosso cotidiano em várias esferas da

vida: propaganda, cinema, artes plásticas, ensino escolar, entre outras. Todas elas fazem

parte de alguma área do conhecimento, tendo uma história de produção, sendo criadas

por determinadas comunidades, direcionadas a leitores específicos e com objetivos

diversos, mas, sempre com a intenção de produzir significado na mente de quem lê. A

imagem em livros didáticos de Física do ensino médio tem sido o objeto de investigação

de pesquisas com diferentes perspectivas. O presente estudo buscou compreender como

professores de Física trabalham com imagens visuais que representam as realidades

concreta (cotidiana) e pensada (abstrata) tendo em vista uma situação de ensino. Para

isso, primeiramente, trazemos uma reflexão sobre a representação da realidade no

ensino de ciências, mais especificamente, no que diz respeito ao ensino de Física, tendo

em vista as reflexões de Bachelard (1996) e Medeiros e Medeiros (2001). Em seguida,

tratamos do que se espera das imagens presentes em livros didáticos de Física, a partir

dos critérios de avaliação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), já que o

livro didático é um recurso amplamente utilizado na formação acadêmica de professores

de ciências naturais (KHUN 2005), e, geralmente, presente em sua atuação profissional.

No grupo pesquisado, composto por 11 professores que atuam no nível médio,

percebemos que, numa situação de ensino apresentada por um questionário, a maioria

prefere começar com o uso de imagens do cotidiano (realidade concreta) para, em

seguida, utilizar as imagens próprias da ciência (realidade pensada). Consideramos

relevante investigar as formas como lidamos com imagens de diferentes realidades,

buscando-se compreender as concepções que carregamos sobre a maneira como

chegamos à elaboração dos conceitos científicos.

Palavras-chave: imagem, Física, realidade.

Introdução

Para os videntes, as imagens visuais permeiam nosso cotidiano em várias

esferas da vida: propaganda, cinema, artes plásticas, ensino escolar, entre outras. Todas

eles fazem parte de alguma área do conhecimento, tendo uma história de produção,

sendo criados por determinadas comunidades, direcionados a leitores específicos e com

objetivos diversos, mas, sempre com a intenção de produzir significado na mente de

quem lê.

Não é novidade a utilização da imagem no ambiente escolar, e, mais

precisamente, em materiais didáticos. Data de 1685 o primeiro livro didático em que as

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 206090

Page 2: RELAÇÕES ENTRE AS REALIDADES CONCRETA E PENSADA ...‡ÕES ENTRE AS REALIDADES... · apresentações em slides, ... nesta ordem: o estado concreto ... um pouco de cor aos traços

imagens possuíam um papel fundamental na transmissão do conhecimento, o

Orbissensualiumpictus(Mundo sensível ilustrado) de Comenius (COMENIUS, 1685

apud CHALMEL, 2004). Nele, a imagem era utilizada para substituir objetos que

deveriam ser manipulados para um melhor aprendizado, mas que, por vários motivos,

não se encontravam disponíveis ao professor e aos alunos.A imagem era uma

ferramenta para ilustrar o texto verbal. Embora, desde a época de Comenius até agora,

tenhamos tido um desenvolvimento científico e tecnológico que possibilite um uso em

sala de aula de diferentes mídias para a imagem visual (fotografia, revistas, jornais,

apresentações em slides, vídeo, simulações computacionais, histórias em quadrinhos

etc), o livro didático continua sendo “um mediador preferencial nas interações

discursivas realizadas em salas de aula de ciências” (BITTENCOURT, 2004 apud

GOUVÊA; MARTINS; IZQUIERDO, 2006)

No Brasil, estudos realizados por Martins, Gouvêa e Piccini (2003 apud

GOUVÊA; MARTINS; IZQUIERDO, 2006), indicam que dependendo do nível de

ensino, os livros didáticos de ciências se utilizam de imagens com diferentes aspectos:

… as imagens presentes nos livros dos primeiros quatro anos do ensino

fundamental são tipicamente naturalistas e remetem a cenários familiares do

cotidiano infantil. Por outro lado, as imagens nos livros destinados às quatro

últimas séries se tornam cada vez mais abstratas e passam a privilegiar

representações esquemáticas de fenômenos microscópicas. (GOUVÊA;

MARTINS; IZQUIERDO, 2006, p. 4).

A imagem em livros didáticos de Física do Ensino Médio também tem sido o

objeto de investigação de pesquisas com diferentes perspectivas. Andrade, Dickman e

Ferreira (2012) buscaram entender as dificuldades enfrentadas por estudantes cegos na

compreensão de figuras utilizadas em aulas e em provas por meio de sua leitura por

terceiros. A partir da análise de 5 livros didáticos de Física, abrangendo um período de

1910 a 2007, Gouvêa e Oliveira (2010b) indicaram que através das imagens pode-se

perceber diferentes perspectivas didáticas expressas por elementos que compõem as

imagens. Testoni (2010) categorizou histórias em quadrinhos presentes em livros

didáticos, obtendo quatro funções didáticas para elas: ilustrativa, motivadora,

explicativa e instigadora. Nove livros didáticos de Física foram examinados por Silva e

Martins (2008), com o objetivo de compreender a relação entre as imagens, a realidade

e o conteúdo teórico.

O presente estudo buscou investigar como professores de Física trabalham com

imagens visuais que representam as realidades concreta (cotidiana) e pensada (abstrata)

tendo em vista uma situação de ensino. Mas, para isso, primeiramente, trazemos uma

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 206091

Page 3: RELAÇÕES ENTRE AS REALIDADES CONCRETA E PENSADA ...‡ÕES ENTRE AS REALIDADES... · apresentações em slides, ... nesta ordem: o estado concreto ... um pouco de cor aos traços

reflexão sobre a representação da realidade na forma de imagens visuais no ensino de

ciências, mais especificamente, no que diz respeito ao ensino de Física. Em seguida,

tratamos do que se espera das imagens presentes em livros didáticos da referida

disciplina a partir dos critérios de avaliação do Programa Nacional do Livro Didático

(PNLD), já que o livro didático é um recurso amplamente utilizado na formação

acadêmica de professores de ciências naturais (KHUN 2005), e, geralmente, presente

em sua atuação profissional. Por fim, apresentamos uma análise das respostas a um

questionário aplicado a 11 professores que atuam no nível médio.

Realidades concreta e pensada no ensino de Física

Para Medeiros e Medeiros (2001), produzimos uma realidade mental (pensada)

que não é idêntica à realidade concreta (cotidiana), mas é uma representação da mesma

que pode ser compartilhada por uma determinada comunidade (no nosso caso, a

científica). Essa realidade mental parte da simplificação da realidade concreta, tornando

possível sua generalização e matematização. Quanto mais semelhante à realidade

concreta, mais icônica será a representação da mesma e, portanto, mais facilmente

compartilhada por grupos sociais inseridos na mesma cultura. Por outro lado, quanto

mais abstrata a representação, torna-se necessário um aprendizado formal para sua

leitura. Assim, o nível de iconicidade se refere à semelhança da imagem com a realidade

concreta e o nível de abstração diz respeito à analogia com a realidade pensada: quanto

maior o nível de iconicidade menor será o de abstração.

Figura 1: Realidade concreta e realidade pensada

Na figura 1, a imagem A é mais icônica que a imagem B, sendo, portanto, a

segunda mais abstrata que a primeira. Relacionada à realidade pensada, a imagem B,

construída pela comunidade científica para tratar de um conceito científico (o equilíbrio

do corpo rígido), representa algumas características presentes na imagem A (que se

refere à realidade concreta), após a elaboração de um modelo mental.

A realidade concreta, para Bachelard (1996), é um obstáculo à formação do

espírito científico que, para desenvolver-se plenamente, deve passar por três estados,

nesta ordem: o estado concreto (das experiências sensíveis), o concreto-abstrato (da

sensibilidade representada na geometrização) e o abstrato (o conhecimento perde o

vínculo com a experiência imediata). Nesta evolução, as imagens concretas são

consideradas por ele como pobres exemplos da realidade pensada porque os objetos da

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 206092

Page 4: RELAÇÕES ENTRE AS REALIDADES CONCRETA E PENSADA ...‡ÕES ENTRE AS REALIDADES... · apresentações em slides, ... nesta ordem: o estado concreto ... um pouco de cor aos traços

ciência são construídos pela ciência, seu conhecimento contradiz o senso comum. Ao

admitir que o conhecimento se dá contra um conhecimento anterior, Bachelard (1996)

considera que o conhecimento da ciência é construído de modo a superar ideias

estabelecidas a partir da observação primeira da realidade concreta, que “se apresenta

repleta de imagens, é pitoresca, concreta, natural, fácil” (Bachelard, 1996, p. 25). Ele

chega a dizer que a ciência precisa “lutar sempre contra as imagens, contra as analogias,

contra as metáforas” (Bachelard, 1996, p. 48), pois para haver ciência devemos nos

voltar para seu objeto de estudo: a realidade pensada (o abstrato).

Como obstáculos ao desenvolvimento da ciência e do espírito científico, o

referido autor leva em conta não apenas imagens visuais, mas, também as imagens

mentais sugeridas por determinados termos verbais acompanhados por todas as

propriedades dos objetos concretos aos quais eles se referem. Uma vez que, no primeiro

contato com o conhecimento científico, carregamos essas imagens cotidianas, um dos

aspectos do trabalho do professor é “extrair o mais depressa possível o abstrato do

concreto” (Bachelard, 1996, p. 50), para se chegar à elaboração abstrata da ciência. Ao

atingir esse objetivo, a realidade concreta necessita ser apresentada após a abstração.

Quando a abstração se fizer presente, será a hora de ilustrar os esquemas

racionais. Em suma, a intuição primeira é um obstáculo para o pensamento

científico; apenas a ilustração que opera depois do conceito, acrescentando

um pouco de cor aos traços essenciais, pode ajudar o pensamento científico.

(Bachelard, 1996, p. 97)

Imagens visuais em livros didáticos

O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) garante a entrega de livros

para estudantes de escolas públicas, a partir da avaliação dos mesmos. Na edição de

2012, foram distribuídos para o ensino médio livros didáticos de Biologia, Filosofia,

Física, Geografia, História, Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna (Espanhol

e Inglês), Matemática, Química e Sociologia (BRASIL, 2011a). Um dos critérios

utilizados para a avaliação dos livros foi a apresentação de conceitos, informações e

procedimentos de forma correta e atualizada. Por isso, excluíram-se os livros que

“utilizaram de modo incorreto, descontextualizado ou desatualizado esses mesmos

conceitos e informações em exercícios, atividades,ilustrações e imagens.” (BRASIL,

2011b, p. 13). Na análise das ilustrações dos livros de Física, foi observado se eles

utilizavam “ilustrações de forma adequada, tendo em vista sua real necessidade e sua

referência explícita e complementar ao texto verbal” (BRASIL, 2011b, p. 16).

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 206093

Page 5: RELAÇÕES ENTRE AS REALIDADES CONCRETA E PENSADA ...‡ÕES ENTRE AS REALIDADES... · apresentações em slides, ... nesta ordem: o estado concreto ... um pouco de cor aos traços

As ilustrações presentes nos livros didáticos precisaram (BRASIL, 2011b, p.

15):

1. ser adequadas para a finalidade para as quais foram elaboradas;

2. ser claras e precisas;

3. retratar adequadamente a diversidade étnica da população brasileira, a

pluralidade social e cultural do país;

4. quando de caráter científico, respeitar as proporções entre objetos e seres

representados;

5. estar acompanhadas dos respectivos créditos e da clara identificação da

localização das fontes ou acervos de onde foram reproduzidas;

6. apresentar títulos, fontes e datas no caso de gráficos e tabelas;

7. apresentar legendas, escala, coordenadas e orientação em conformidade

com as convenções cartográficas, no caso de mapas e outras representações

gráficas do espaço.

Segundo esses critérios, é recomendado que as obras destinadas aos estudantes

iniciem a discussão conceitual do conteúdo dando atenção às possíveis concepções

alternativas que eles possam apresentar sobre o assunto, geralmente, oriundas de suas

experiências anteriores com a realidade concreta. Nesse sentido, a contextualização

relacionada a aspectos cotidianos, culturais, econômicos, históricos e sociais é

considerada relevante para o aprendizado em toda a obra, inclusive nos exercícios,

problemas e atividades a serem desenvolvidos pelos estudantes, evitando-se utilizar

somente situações idealizadas. Aconselha-se, ainda, que sejam explicados os limites de

validade dos conceitos científicos, teorias e modelos, discutindo-se as condições em que

eles podem ser empregados para analisar situações concretas.

Essa preocupação com a avaliação das imagens presentes nos livros didáticos

demonstra que sua presença é considerada importante, sendo preciso que as mesmas

estejam de acordo com suas finalidades em sua complementaridade com o texto verbal.

Apesar do Guia de Livros Didáticos do PNLD 2012 para a Física não especificar de que

forma esses dois textos (verbal e imagético) devam se relacionar tendo em vista o

aprendizado, alguns de seus critérios de avaliação nos faz pensar sobre a maneira como

eles estabelecem relações entre situações do cotidiano (realidade concreta) e os

conceitos científicos (realidade pensada). Uma vez que é sugerido que aspectos do

cotidiano sejam utilizados no início da apresentação dos conceitos científicos, parece

que a realidade pensada deva vir, no texto didático, após a apresentação da realidade

concreta, de modo a estabelecer uma relação entra as duas realidades.

Análise dos dados

Para investigar como professores de Física do ensino médio utilizam imagens

no trabalho do conteúdo dessa disciplina, levando-se em conta a relação entre as

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 206094

Page 6: RELAÇÕES ENTRE AS REALIDADES CONCRETA E PENSADA ...‡ÕES ENTRE AS REALIDADES... · apresentações em slides, ... nesta ordem: o estado concreto ... um pouco de cor aos traços

realidades concreta e pensada, solicitamos que 11 professores, participantes de um curso

de pós-graduação stricto sensu em Ensino de Ciências, respondessem a questão

apresentada na Figura 2. Quando nos referirmos às respostas dos professores à questão,

essas serão indicadas por P, seguido de um número (P1, P2..., P11).

Figura 2: Questão apresentada aos professores

O texto verbal a que se refere a questão é o enunciado da Terceira Lei de

Newton, presente em livros didáticos para o ensino de Mecânica. Expomos quatro

imagens (A, B, C e D) com diferentes níveis de iconicidade, onde a imagem (B) é a que

está mais próxima da representação da realidade cotidiana. A imagem (C) apresenta

elementos do cotidiano, acompanhados de elementos da ciência escolar Física (os

vetores que representam as forças). Com maiores níveis de abstração, a imagem (D)

apresenta elementos genéricos, círculos e setas, que representam, respectivamente,

corpos e vetores, e o texto verbal indicando os corpos e as forças. A imagem (A),

relacionada ao menor nível de iconicidade, diz respeito à relação vetorial entre as forças

que formam um par ação-reação.

As imagens foram escolhidas após analisarmos um dos livros de Física

recomendados pelo PNLD. No capítulo sobre as leis de Newton, o referido livro,

apresentava a enunciação verbal da terceira lei de Newton (também conhecida como

princípio da ação e reação) e mostrava imagens semelhantes às presentes na questão

apresentada aos professores. Assim, procuramos dar aos professores a possibilidade de

escolha de tipos de imagens presentes em livros didáticos.

Categorizamos as respostas de acordo com a sequência de imagens construída:

no grupo 1, consideramos as sequências que começavam com imagens que continham

elementos da realidade concreta (B e/ou C) e terminavam com imagens relacionadas à

realidade pensada (A e /ou D), no grupo 2, as sequências que faziam o caminho oposto,

e no grupo 3, aquelas que alternavam entre as duas realidades.

Quadro 1: Respostas dos professores

Apenas um professor respondeu que não utilizaria nenhuma imagem porque

prefere “exemplos reais”, como quando encosta em uma parede ou caminha pela sala de

aula, para “trabalhar com a ideia conceitual mais contextualizada, pois muitas vezes os

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 206095

Page 7: RELAÇÕES ENTRE AS REALIDADES CONCRETA E PENSADA ...‡ÕES ENTRE AS REALIDADES... · apresentações em slides, ... nesta ordem: o estado concreto ... um pouco de cor aos traços

alunos não conseguem ter um raciocínio vetorial (numérico ou geométrico) avançado”

(P1). Notamos em sua resposta que, mesmo não escolhendo uma imagem visual

presente em um suporte, o professor faria uso de uma imagem visual produzida pelo

movimento do seu próprio corpo, com o objetivo de relacionar o conhecimento

científico à realidade cotidiana.

Nenhum dos professores pesquisados faria uso de apenas uma das imagens. Dos

10 que empregariam as imagens, um utilizaria duas imagens, quatro construíram uma

sequência com três imagens e, cinco professores usariam as quatro imagens.

Sete professores organizaram sequências que começavam com imagens que

continham elementos do cotidiano (B e/ou C) e finalizavam com elementos da realidade

pensada (A e/ou D), dois professores escolheram o caminho inverso, enquanto um

professor alternou a sequência iniciando com elementos cotidianos (B) para, em

seguida, diminuir o nível de iconicidade com as imagens (D) e a (A), respectivamente,

terminando com um aumento de iconicidade, com a imagem (C).

Das respostas do grupo 1, apenas o professor P2 construiu uma sequência com

duas imagens, justificando sua não escolha das outras duas por serem muito

matemáticas (imagem A) e complexas (imagem C) para introduzir o tema. Os

professores P4, P5, P6 e P7, preferiram começar com “exemplos palpáveis” (P7) para

“verificar as concepções dos estudantes” (P4) e, em seguida, apresentar o conceito

físico. O professor P9 “tentaria partir da exposição mais concreta em direção à mais

abstrata e matemática”. A sequência utilizada por P8 serviria para “introduzir a ideia”

(C), aproximar o conhecimento científico do cotidiano do aluno (B) e explicar o modelo

científico (D e A).

Nas sequências relacionadas ao grupo 2, o professor P3 começaria com a

definição científica (A), expressaria sua representação em corpos diferentes (C) e

exemplificaria com “uma aplicação do conceito no cotidiano” (B). Já P11 incluiria a

imagem D em sua sequência para “discutir a universalidade da lei da ação-reação”.

O professor P10, o único classificado no grupo 3, começou utilizando a imagem

mais icônica (B), aumentou gradualmente o nível de abstração (D e A), para finalizar

retornando à realidade concreta, agora acompanhada de elementos da realidade pensada

(C). A finalidade de P10 foi iniciar trazendo um questionamento cotidiano (B),

exemplificar o conceito científico (D), sistematizá-lo (A) e analisar o problema proposto

com base nesse conceito (C).

Considerações

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 206096

Page 8: RELAÇÕES ENTRE AS REALIDADES CONCRETA E PENSADA ...‡ÕES ENTRE AS REALIDADES... · apresentações em slides, ... nesta ordem: o estado concreto ... um pouco de cor aos traços

As imagens mentais e visuais, assim como as palavras, os sons, os cheiros, os

gostos e os toques fazem parte do modo como representamos nossas experiências. Não

é possível, e talvez não seja necessário, nem recomendável, simplesmente, eliminar

alguma dessas formas de representação. Apesar de Bachelard (1996) se posicionar

contra as imagens no que diz respeito ao conhecimento científico, ele mesmo afirma ser

impossível anular nossas experiências anteriores: quer queiramos ou não, elas estarão

presentes nas diversas linguagens que utilizamos em nossa cultura.

Mesmo que as imagens concretas venham a se apresentar como um obstáculo ao

aprendizado de conceitos científicos - como defende Bachelard (1996) -, reportamo-nos

a elas, juntamente com outras imagens e palavras conhecidas, quando estamos diante de

novos saberes. Então, por que não tentar usá-las a favor do ensino e do aprendizado dos

conceitos abstratos?

Observamos, nas recomendações do PNLD (BRASIL, 2011a, 2011b), o uso da

realidade concreta (na forma de imagens visuais) para aproximar a realidade pensada

(os conceitos abstratos da ciência) do cotidiano dos estudantes. Embora, a segunda seja

uma simplificação da primeira, e a primeira não possa ser explicada completamente pela

segunda, existem contextos de validade em que alguns aspectos da realidade concreta

são compreendidos através da realidade pensada (MEDEIROS; MEDEIROS, 2001).

O presente estudo pareceu mostrar que a maioria dos professores pesquisados

concorda com a forma de utilização da imagem orientada pelo PNLD: pensando em

trabalhar um conceito abstrato com seus alunos, eles preferiram iniciar com imagens da

realidade concreta para, em seguida, apresentar as imagens mais abstratas. Em suas

justificativas, foi verificada a preocupação de, antes de mostrar o modelo da ciência,

trazer imagens conhecidas dos estudantes.

Em um trabalho anterior realizado com estudantes de Engenharia (REGO;

GOUVÊA, 2013) percebemos que, ao estarem diante de uma situação de ensino, a

maioria dos estudantes agiu como os professores pesquisados: fizeram uso de uma

sequência de imagens que começava com elementos do cotidiano para, gradualmente,

diminuir o nível de iconicidade das imagens, até chegarem às imagens com maior nível

de abstração.

Essas formas de representação incorporadas por professores e estudantes podem

ter sua origem em sua formação acadêmica, presentes nos livros didáticos, nos

experimentos, nas práticas pedagógicas que tendem a privilegiar o ensino de Física a

partir de elementos cotidianos (GOUVÊA; OLIVEIRA, 2010a).

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 206097

Page 9: RELAÇÕES ENTRE AS REALIDADES CONCRETA E PENSADA ...‡ÕES ENTRE AS REALIDADES... · apresentações em slides, ... nesta ordem: o estado concreto ... um pouco de cor aos traços

Nosso objetivo neste trabalho não foi o de verificar qual é a melhor forma de

trabalhar com imagens tendo em vista o aprendizado. Mas, consideramos que seja

importante, em estudos futuros, que haja reflexões sobre seu uso no ensino,

investigando-se as relações estabelecidas entre as representações das realidades

concreta e pensada nos textos verbais e imagéticos.

Referências

ANDRADE, L. M.; DICKMAN, A. G; FERREIRA, A. C. Identificando dificuldades na

descrição de figuras para estudantes cegos. In: XIV Encontro de Pesquisa em Ensino de

Física (EPEF), 2012, Maresias. Anais... Maresias: SBF, 2012. Disponível em:

<http://www.sbf1.sbfisica.org.br/eventos/epef/xiv/sys/resumos/T0157-2.pdf>. Acesso

em: 30 mar. 2014.

BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuição para uma

psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. 314p.

BITTENCOURT, C. M. F. Apresentação da seção Em foco: História, produção e

memória do livro didático. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 30, n. 3, p. 471-473

set./dez. 2004.

BRASIL. Ministério da Educação. Guia de Livros Didáticos: PNLD 2012:

Apresentação. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2011a.

______. Guia de Livros Didáticos: PNLD 2012: Física. Brasília: Ministério da

Educação, Secretaria de Educação Básica, 2011b.

CHALMEL, L. Imagens de crianças e crianças nas imagens: representações da infância

na iconografia pedagógica nos séculos XVII e XVIII. Educação e Sociedade,

Campinas v. 25, n. 86, p. 57-74, abr. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br>.

Acesso em: 05 jan. 2008.

COMENIUS, J. A. Orbissensualiumpictusquadrilinguis. Leutschovle: Samuel

Brewer, 1685.

GOUVÊA, G; MARTINS, I.; IZQUIERDO, M. Discutindo as retóricas do texto

didático de física a partir de uma análise do seu projeto gráfico. In: X Encontro de

Pesquisa em Ensino de Física (EPEF), 2006, Londrina. Anais... Londrina: SBF, 2006.

________; OLIVEIRA, C. I. C. Memória e Representação: imagens nos livros didáticos

de física. Ciências & Cognição, Rio de Janeiro (UFRJ), v. 15, n. 1, p. 1-15, 2010a.

________. Imagens no livro didático de Física: perspectivas de práticas de ensinar.In:

XII Encontro de Pesquisa em Ensino de Física (EPEF), 2010, Águas de Lindóia.

Anais... Águas de Lindóia: SBF, 2010b.

KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 9ª edição. São Paulo:

Perspectiva, 2005.

MARTINS, I.; GOUVÊA, G.; PICCINI, C. Uma Análise das Imagens nos Livros

Didáticos de Ciências para o Ensino Fundamental. In: IV ENCONTRO NACIONAL

DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 2003, Bauru. Atas... Porto Alegre:

ABRAPEC, 2003.

MEDEIROS, Alexandre; MEDEIROS, Cleide. Questões epistemológicas nas

iconicidades de representações visuais em livros didáticos de Física. Revista Brasileira

de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 103-117,

jan./abr. 2001.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 206098

Page 10: RELAÇÕES ENTRE AS REALIDADES CONCRETA E PENSADA ...‡ÕES ENTRE AS REALIDADES... · apresentações em slides, ... nesta ordem: o estado concreto ... um pouco de cor aos traços

REGO, S. C. R.; GOUVÊA, G. Imagens na disciplina escolar Física: possibilidades de

leitura. Investigações em Ensino de Ciências, Porto Alegre, v.18, n. 1, pp. 127-142,

mar. 2013.

SILVA, C. F.; MARTINS, M. I. A iconicidade em livros didáticos de física.In: XI

Encontro de Pesquisa em Ensino de Física (EPEF), 2008, Curitiba. Anais... Curitiba:

SBF,2008.

TESTONI, L. A. Histórias em quadrinhos nos livros de Física: uma proposta de

categorização. In: XII Encontro de Pesquisa em Ensino de Física (EPEF), 2010, Águas

de Lindóia. Anais... Águas de Lindóia: SBF, 2010.

Figura 1: Realidade concreta e realidade pensada

A)

Fonte: Arquivo pessoal.

B)

Fonte Arquivo pessoal.

Figura 2: Questão apresentada aos professores

Considere o texto e as imagens a seguir:

“A toda ação existe uma reação de mesma intensidade e direção, mas de sentido

oposto”

(A)

(B)

Fonte: Arquivo Pessoal

(C)

Fonte: Fonte: CEPA- Instituto de Física – USP

http://www.cepa.if.usp.br

(D)

Fonte: Arquivo pessoal

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 206099

Page 11: RELAÇÕES ENTRE AS REALIDADES CONCRETA E PENSADA ...‡ÕES ENTRE AS REALIDADES... · apresentações em slides, ... nesta ordem: o estado concreto ... um pouco de cor aos traços

Se você quisesse trabalhar o texto acima com seus alunos e dispusesse das

quatro imagens apresentadas, você:

(a) não utilizaria nenhuma imagem.

(b) utilizaria apenas a imagem ( )

(c) utilizaria duas imagens, na seguinte sequência: ( ) - ( )

(d) utilizaria três imagens, na seguinte sequência: ( ) - ( ) - ( )

(e) utilizaria as quatro imagens, na seguinte sequência: ( ) - ( ) - ( ) - ( )

Justifique sua resposta:

Quadro 1: Respostas dos professores

Grupo Sequência Professores

1

B – D P2

B – A – D P4, P5 e P6

C – B – D – A P7 e P8

B – C – D – A P9

2 A – C – B P3

D – A – B – C P11

3 B – D – A – C P10

1 Apoio Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 206100