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RELAÇÕES ENTRE AS REALIDADES CONCRETA E PENSADA:
CONCEPÇÕES DE PROFESSORES NA UTILIZAÇÃO DE IMAGENS VISUAIS
NO ENSINO DE FÍSICA1
Sheila Cristina Ribeiro Rego
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática/CEFET/RJ
Resumo
Para os videntes, as imagens visuais permeiam nosso cotidiano em várias esferas da
vida: propaganda, cinema, artes plásticas, ensino escolar, entre outras. Todas elas fazem
parte de alguma área do conhecimento, tendo uma história de produção, sendo criadas
por determinadas comunidades, direcionadas a leitores específicos e com objetivos
diversos, mas, sempre com a intenção de produzir significado na mente de quem lê. A
imagem em livros didáticos de Física do ensino médio tem sido o objeto de investigação
de pesquisas com diferentes perspectivas. O presente estudo buscou compreender como
professores de Física trabalham com imagens visuais que representam as realidades
concreta (cotidiana) e pensada (abstrata) tendo em vista uma situação de ensino. Para
isso, primeiramente, trazemos uma reflexão sobre a representação da realidade no
ensino de ciências, mais especificamente, no que diz respeito ao ensino de Física, tendo
em vista as reflexões de Bachelard (1996) e Medeiros e Medeiros (2001). Em seguida,
tratamos do que se espera das imagens presentes em livros didáticos de Física, a partir
dos critérios de avaliação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), já que o
livro didático é um recurso amplamente utilizado na formação acadêmica de professores
de ciências naturais (KHUN 2005), e, geralmente, presente em sua atuação profissional.
No grupo pesquisado, composto por 11 professores que atuam no nível médio,
percebemos que, numa situação de ensino apresentada por um questionário, a maioria
prefere começar com o uso de imagens do cotidiano (realidade concreta) para, em
seguida, utilizar as imagens próprias da ciência (realidade pensada). Consideramos
relevante investigar as formas como lidamos com imagens de diferentes realidades,
buscando-se compreender as concepções que carregamos sobre a maneira como
chegamos à elaboração dos conceitos científicos.
Palavras-chave: imagem, Física, realidade.
Introdução
Para os videntes, as imagens visuais permeiam nosso cotidiano em várias
esferas da vida: propaganda, cinema, artes plásticas, ensino escolar, entre outras. Todas
eles fazem parte de alguma área do conhecimento, tendo uma história de produção,
sendo criados por determinadas comunidades, direcionados a leitores específicos e com
objetivos diversos, mas, sempre com a intenção de produzir significado na mente de
quem lê.
Não é novidade a utilização da imagem no ambiente escolar, e, mais
precisamente, em materiais didáticos. Data de 1685 o primeiro livro didático em que as
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imagens possuíam um papel fundamental na transmissão do conhecimento, o
Orbissensualiumpictus(Mundo sensível ilustrado) de Comenius (COMENIUS, 1685
apud CHALMEL, 2004). Nele, a imagem era utilizada para substituir objetos que
deveriam ser manipulados para um melhor aprendizado, mas que, por vários motivos,
não se encontravam disponíveis ao professor e aos alunos.A imagem era uma
ferramenta para ilustrar o texto verbal. Embora, desde a época de Comenius até agora,
tenhamos tido um desenvolvimento científico e tecnológico que possibilite um uso em
sala de aula de diferentes mídias para a imagem visual (fotografia, revistas, jornais,
apresentações em slides, vídeo, simulações computacionais, histórias em quadrinhos
etc), o livro didático continua sendo “um mediador preferencial nas interações
discursivas realizadas em salas de aula de ciências” (BITTENCOURT, 2004 apud
GOUVÊA; MARTINS; IZQUIERDO, 2006)
No Brasil, estudos realizados por Martins, Gouvêa e Piccini (2003 apud
GOUVÊA; MARTINS; IZQUIERDO, 2006), indicam que dependendo do nível de
ensino, os livros didáticos de ciências se utilizam de imagens com diferentes aspectos:
… as imagens presentes nos livros dos primeiros quatro anos do ensino
fundamental são tipicamente naturalistas e remetem a cenários familiares do
cotidiano infantil. Por outro lado, as imagens nos livros destinados às quatro
últimas séries se tornam cada vez mais abstratas e passam a privilegiar
representações esquemáticas de fenômenos microscópicas. (GOUVÊA;
MARTINS; IZQUIERDO, 2006, p. 4).
A imagem em livros didáticos de Física do Ensino Médio também tem sido o
objeto de investigação de pesquisas com diferentes perspectivas. Andrade, Dickman e
Ferreira (2012) buscaram entender as dificuldades enfrentadas por estudantes cegos na
compreensão de figuras utilizadas em aulas e em provas por meio de sua leitura por
terceiros. A partir da análise de 5 livros didáticos de Física, abrangendo um período de
1910 a 2007, Gouvêa e Oliveira (2010b) indicaram que através das imagens pode-se
perceber diferentes perspectivas didáticas expressas por elementos que compõem as
imagens. Testoni (2010) categorizou histórias em quadrinhos presentes em livros
didáticos, obtendo quatro funções didáticas para elas: ilustrativa, motivadora,
explicativa e instigadora. Nove livros didáticos de Física foram examinados por Silva e
Martins (2008), com o objetivo de compreender a relação entre as imagens, a realidade
e o conteúdo teórico.
O presente estudo buscou investigar como professores de Física trabalham com
imagens visuais que representam as realidades concreta (cotidiana) e pensada (abstrata)
tendo em vista uma situação de ensino. Mas, para isso, primeiramente, trazemos uma
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reflexão sobre a representação da realidade na forma de imagens visuais no ensino de
ciências, mais especificamente, no que diz respeito ao ensino de Física. Em seguida,
tratamos do que se espera das imagens presentes em livros didáticos da referida
disciplina a partir dos critérios de avaliação do Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD), já que o livro didático é um recurso amplamente utilizado na formação
acadêmica de professores de ciências naturais (KHUN 2005), e, geralmente, presente
em sua atuação profissional. Por fim, apresentamos uma análise das respostas a um
questionário aplicado a 11 professores que atuam no nível médio.
Realidades concreta e pensada no ensino de Física
Para Medeiros e Medeiros (2001), produzimos uma realidade mental (pensada)
que não é idêntica à realidade concreta (cotidiana), mas é uma representação da mesma
que pode ser compartilhada por uma determinada comunidade (no nosso caso, a
científica). Essa realidade mental parte da simplificação da realidade concreta, tornando
possível sua generalização e matematização. Quanto mais semelhante à realidade
concreta, mais icônica será a representação da mesma e, portanto, mais facilmente
compartilhada por grupos sociais inseridos na mesma cultura. Por outro lado, quanto
mais abstrata a representação, torna-se necessário um aprendizado formal para sua
leitura. Assim, o nível de iconicidade se refere à semelhança da imagem com a realidade
concreta e o nível de abstração diz respeito à analogia com a realidade pensada: quanto
maior o nível de iconicidade menor será o de abstração.
Figura 1: Realidade concreta e realidade pensada
Na figura 1, a imagem A é mais icônica que a imagem B, sendo, portanto, a
segunda mais abstrata que a primeira. Relacionada à realidade pensada, a imagem B,
construída pela comunidade científica para tratar de um conceito científico (o equilíbrio
do corpo rígido), representa algumas características presentes na imagem A (que se
refere à realidade concreta), após a elaboração de um modelo mental.
A realidade concreta, para Bachelard (1996), é um obstáculo à formação do
espírito científico que, para desenvolver-se plenamente, deve passar por três estados,
nesta ordem: o estado concreto (das experiências sensíveis), o concreto-abstrato (da
sensibilidade representada na geometrização) e o abstrato (o conhecimento perde o
vínculo com a experiência imediata). Nesta evolução, as imagens concretas são
consideradas por ele como pobres exemplos da realidade pensada porque os objetos da
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ciência são construídos pela ciência, seu conhecimento contradiz o senso comum. Ao
admitir que o conhecimento se dá contra um conhecimento anterior, Bachelard (1996)
considera que o conhecimento da ciência é construído de modo a superar ideias
estabelecidas a partir da observação primeira da realidade concreta, que “se apresenta
repleta de imagens, é pitoresca, concreta, natural, fácil” (Bachelard, 1996, p. 25). Ele
chega a dizer que a ciência precisa “lutar sempre contra as imagens, contra as analogias,
contra as metáforas” (Bachelard, 1996, p. 48), pois para haver ciência devemos nos
voltar para seu objeto de estudo: a realidade pensada (o abstrato).
Como obstáculos ao desenvolvimento da ciência e do espírito científico, o
referido autor leva em conta não apenas imagens visuais, mas, também as imagens
mentais sugeridas por determinados termos verbais acompanhados por todas as
propriedades dos objetos concretos aos quais eles se referem. Uma vez que, no primeiro
contato com o conhecimento científico, carregamos essas imagens cotidianas, um dos
aspectos do trabalho do professor é “extrair o mais depressa possível o abstrato do
concreto” (Bachelard, 1996, p. 50), para se chegar à elaboração abstrata da ciência. Ao
atingir esse objetivo, a realidade concreta necessita ser apresentada após a abstração.
Quando a abstração se fizer presente, será a hora de ilustrar os esquemas
racionais. Em suma, a intuição primeira é um obstáculo para o pensamento
científico; apenas a ilustração que opera depois do conceito, acrescentando
um pouco de cor aos traços essenciais, pode ajudar o pensamento científico.
(Bachelard, 1996, p. 97)
Imagens visuais em livros didáticos
O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) garante a entrega de livros
para estudantes de escolas públicas, a partir da avaliação dos mesmos. Na edição de
2012, foram distribuídos para o ensino médio livros didáticos de Biologia, Filosofia,
Física, Geografia, História, Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna (Espanhol
e Inglês), Matemática, Química e Sociologia (BRASIL, 2011a). Um dos critérios
utilizados para a avaliação dos livros foi a apresentação de conceitos, informações e
procedimentos de forma correta e atualizada. Por isso, excluíram-se os livros que
“utilizaram de modo incorreto, descontextualizado ou desatualizado esses mesmos
conceitos e informações em exercícios, atividades,ilustrações e imagens.” (BRASIL,
2011b, p. 13). Na análise das ilustrações dos livros de Física, foi observado se eles
utilizavam “ilustrações de forma adequada, tendo em vista sua real necessidade e sua
referência explícita e complementar ao texto verbal” (BRASIL, 2011b, p. 16).
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As ilustrações presentes nos livros didáticos precisaram (BRASIL, 2011b, p.
15):
1. ser adequadas para a finalidade para as quais foram elaboradas;
2. ser claras e precisas;
3. retratar adequadamente a diversidade étnica da população brasileira, a
pluralidade social e cultural do país;
4. quando de caráter científico, respeitar as proporções entre objetos e seres
representados;
5. estar acompanhadas dos respectivos créditos e da clara identificação da
localização das fontes ou acervos de onde foram reproduzidas;
6. apresentar títulos, fontes e datas no caso de gráficos e tabelas;
7. apresentar legendas, escala, coordenadas e orientação em conformidade
com as convenções cartográficas, no caso de mapas e outras representações
gráficas do espaço.
Segundo esses critérios, é recomendado que as obras destinadas aos estudantes
iniciem a discussão conceitual do conteúdo dando atenção às possíveis concepções
alternativas que eles possam apresentar sobre o assunto, geralmente, oriundas de suas
experiências anteriores com a realidade concreta. Nesse sentido, a contextualização
relacionada a aspectos cotidianos, culturais, econômicos, históricos e sociais é
considerada relevante para o aprendizado em toda a obra, inclusive nos exercícios,
problemas e atividades a serem desenvolvidos pelos estudantes, evitando-se utilizar
somente situações idealizadas. Aconselha-se, ainda, que sejam explicados os limites de
validade dos conceitos científicos, teorias e modelos, discutindo-se as condições em que
eles podem ser empregados para analisar situações concretas.
Essa preocupação com a avaliação das imagens presentes nos livros didáticos
demonstra que sua presença é considerada importante, sendo preciso que as mesmas
estejam de acordo com suas finalidades em sua complementaridade com o texto verbal.
Apesar do Guia de Livros Didáticos do PNLD 2012 para a Física não especificar de que
forma esses dois textos (verbal e imagético) devam se relacionar tendo em vista o
aprendizado, alguns de seus critérios de avaliação nos faz pensar sobre a maneira como
eles estabelecem relações entre situações do cotidiano (realidade concreta) e os
conceitos científicos (realidade pensada). Uma vez que é sugerido que aspectos do
cotidiano sejam utilizados no início da apresentação dos conceitos científicos, parece
que a realidade pensada deva vir, no texto didático, após a apresentação da realidade
concreta, de modo a estabelecer uma relação entra as duas realidades.
Análise dos dados
Para investigar como professores de Física do ensino médio utilizam imagens
no trabalho do conteúdo dessa disciplina, levando-se em conta a relação entre as
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EdUECE- Livro 206094
realidades concreta e pensada, solicitamos que 11 professores, participantes de um curso
de pós-graduação stricto sensu em Ensino de Ciências, respondessem a questão
apresentada na Figura 2. Quando nos referirmos às respostas dos professores à questão,
essas serão indicadas por P, seguido de um número (P1, P2..., P11).
Figura 2: Questão apresentada aos professores
O texto verbal a que se refere a questão é o enunciado da Terceira Lei de
Newton, presente em livros didáticos para o ensino de Mecânica. Expomos quatro
imagens (A, B, C e D) com diferentes níveis de iconicidade, onde a imagem (B) é a que
está mais próxima da representação da realidade cotidiana. A imagem (C) apresenta
elementos do cotidiano, acompanhados de elementos da ciência escolar Física (os
vetores que representam as forças). Com maiores níveis de abstração, a imagem (D)
apresenta elementos genéricos, círculos e setas, que representam, respectivamente,
corpos e vetores, e o texto verbal indicando os corpos e as forças. A imagem (A),
relacionada ao menor nível de iconicidade, diz respeito à relação vetorial entre as forças
que formam um par ação-reação.
As imagens foram escolhidas após analisarmos um dos livros de Física
recomendados pelo PNLD. No capítulo sobre as leis de Newton, o referido livro,
apresentava a enunciação verbal da terceira lei de Newton (também conhecida como
princípio da ação e reação) e mostrava imagens semelhantes às presentes na questão
apresentada aos professores. Assim, procuramos dar aos professores a possibilidade de
escolha de tipos de imagens presentes em livros didáticos.
Categorizamos as respostas de acordo com a sequência de imagens construída:
no grupo 1, consideramos as sequências que começavam com imagens que continham
elementos da realidade concreta (B e/ou C) e terminavam com imagens relacionadas à
realidade pensada (A e /ou D), no grupo 2, as sequências que faziam o caminho oposto,
e no grupo 3, aquelas que alternavam entre as duas realidades.
Quadro 1: Respostas dos professores
Apenas um professor respondeu que não utilizaria nenhuma imagem porque
prefere “exemplos reais”, como quando encosta em uma parede ou caminha pela sala de
aula, para “trabalhar com a ideia conceitual mais contextualizada, pois muitas vezes os
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alunos não conseguem ter um raciocínio vetorial (numérico ou geométrico) avançado”
(P1). Notamos em sua resposta que, mesmo não escolhendo uma imagem visual
presente em um suporte, o professor faria uso de uma imagem visual produzida pelo
movimento do seu próprio corpo, com o objetivo de relacionar o conhecimento
científico à realidade cotidiana.
Nenhum dos professores pesquisados faria uso de apenas uma das imagens. Dos
10 que empregariam as imagens, um utilizaria duas imagens, quatro construíram uma
sequência com três imagens e, cinco professores usariam as quatro imagens.
Sete professores organizaram sequências que começavam com imagens que
continham elementos do cotidiano (B e/ou C) e finalizavam com elementos da realidade
pensada (A e/ou D), dois professores escolheram o caminho inverso, enquanto um
professor alternou a sequência iniciando com elementos cotidianos (B) para, em
seguida, diminuir o nível de iconicidade com as imagens (D) e a (A), respectivamente,
terminando com um aumento de iconicidade, com a imagem (C).
Das respostas do grupo 1, apenas o professor P2 construiu uma sequência com
duas imagens, justificando sua não escolha das outras duas por serem muito
matemáticas (imagem A) e complexas (imagem C) para introduzir o tema. Os
professores P4, P5, P6 e P7, preferiram começar com “exemplos palpáveis” (P7) para
“verificar as concepções dos estudantes” (P4) e, em seguida, apresentar o conceito
físico. O professor P9 “tentaria partir da exposição mais concreta em direção à mais
abstrata e matemática”. A sequência utilizada por P8 serviria para “introduzir a ideia”
(C), aproximar o conhecimento científico do cotidiano do aluno (B) e explicar o modelo
científico (D e A).
Nas sequências relacionadas ao grupo 2, o professor P3 começaria com a
definição científica (A), expressaria sua representação em corpos diferentes (C) e
exemplificaria com “uma aplicação do conceito no cotidiano” (B). Já P11 incluiria a
imagem D em sua sequência para “discutir a universalidade da lei da ação-reação”.
O professor P10, o único classificado no grupo 3, começou utilizando a imagem
mais icônica (B), aumentou gradualmente o nível de abstração (D e A), para finalizar
retornando à realidade concreta, agora acompanhada de elementos da realidade pensada
(C). A finalidade de P10 foi iniciar trazendo um questionamento cotidiano (B),
exemplificar o conceito científico (D), sistematizá-lo (A) e analisar o problema proposto
com base nesse conceito (C).
Considerações
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As imagens mentais e visuais, assim como as palavras, os sons, os cheiros, os
gostos e os toques fazem parte do modo como representamos nossas experiências. Não
é possível, e talvez não seja necessário, nem recomendável, simplesmente, eliminar
alguma dessas formas de representação. Apesar de Bachelard (1996) se posicionar
contra as imagens no que diz respeito ao conhecimento científico, ele mesmo afirma ser
impossível anular nossas experiências anteriores: quer queiramos ou não, elas estarão
presentes nas diversas linguagens que utilizamos em nossa cultura.
Mesmo que as imagens concretas venham a se apresentar como um obstáculo ao
aprendizado de conceitos científicos - como defende Bachelard (1996) -, reportamo-nos
a elas, juntamente com outras imagens e palavras conhecidas, quando estamos diante de
novos saberes. Então, por que não tentar usá-las a favor do ensino e do aprendizado dos
conceitos abstratos?
Observamos, nas recomendações do PNLD (BRASIL, 2011a, 2011b), o uso da
realidade concreta (na forma de imagens visuais) para aproximar a realidade pensada
(os conceitos abstratos da ciência) do cotidiano dos estudantes. Embora, a segunda seja
uma simplificação da primeira, e a primeira não possa ser explicada completamente pela
segunda, existem contextos de validade em que alguns aspectos da realidade concreta
são compreendidos através da realidade pensada (MEDEIROS; MEDEIROS, 2001).
O presente estudo pareceu mostrar que a maioria dos professores pesquisados
concorda com a forma de utilização da imagem orientada pelo PNLD: pensando em
trabalhar um conceito abstrato com seus alunos, eles preferiram iniciar com imagens da
realidade concreta para, em seguida, apresentar as imagens mais abstratas. Em suas
justificativas, foi verificada a preocupação de, antes de mostrar o modelo da ciência,
trazer imagens conhecidas dos estudantes.
Em um trabalho anterior realizado com estudantes de Engenharia (REGO;
GOUVÊA, 2013) percebemos que, ao estarem diante de uma situação de ensino, a
maioria dos estudantes agiu como os professores pesquisados: fizeram uso de uma
sequência de imagens que começava com elementos do cotidiano para, gradualmente,
diminuir o nível de iconicidade das imagens, até chegarem às imagens com maior nível
de abstração.
Essas formas de representação incorporadas por professores e estudantes podem
ter sua origem em sua formação acadêmica, presentes nos livros didáticos, nos
experimentos, nas práticas pedagógicas que tendem a privilegiar o ensino de Física a
partir de elementos cotidianos (GOUVÊA; OLIVEIRA, 2010a).
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Nosso objetivo neste trabalho não foi o de verificar qual é a melhor forma de
trabalhar com imagens tendo em vista o aprendizado. Mas, consideramos que seja
importante, em estudos futuros, que haja reflexões sobre seu uso no ensino,
investigando-se as relações estabelecidas entre as representações das realidades
concreta e pensada nos textos verbais e imagéticos.
Referências
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de Lindóia. Anais... Águas de Lindóia: SBF, 2010.
Figura 1: Realidade concreta e realidade pensada
A)
Fonte: Arquivo pessoal.
B)
Fonte Arquivo pessoal.
Figura 2: Questão apresentada aos professores
Considere o texto e as imagens a seguir:
“A toda ação existe uma reação de mesma intensidade e direção, mas de sentido
oposto”
(A)
(B)
Fonte: Arquivo Pessoal
(C)
Fonte: Fonte: CEPA- Instituto de Física – USP
http://www.cepa.if.usp.br
(D)
Fonte: Arquivo pessoal
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Se você quisesse trabalhar o texto acima com seus alunos e dispusesse das
quatro imagens apresentadas, você:
(a) não utilizaria nenhuma imagem.
(b) utilizaria apenas a imagem ( )
(c) utilizaria duas imagens, na seguinte sequência: ( ) - ( )
(d) utilizaria três imagens, na seguinte sequência: ( ) - ( ) - ( )
(e) utilizaria as quatro imagens, na seguinte sequência: ( ) - ( ) - ( ) - ( )
Justifique sua resposta:
Quadro 1: Respostas dos professores
Grupo Sequência Professores
1
B – D P2
B – A – D P4, P5 e P6
C – B – D – A P7 e P8
B – C – D – A P9
2 A – C – B P3
D – A – B – C P11
3 B – D – A – C P10
1 Apoio Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
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