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GRADUAÇÃO 2016.1 RELAÇÕES DE TRABALHO I AUTORES: LUIZ GUILHERME MORAES REGO MIGLIORA E FLAVIA MARTINS DE AZEVEDO

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GRADUAÇÃO 2016.1

RELAÇÕES DE TRABALHO I

AUTORES: LUIZ GUILHERME MORAES REGO MIGLIORA E FLAVIA MARTINS DE AZEVEDO

SumárioRelações de Trabalho I

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................. 3

PLANO DE AULAS — BLOCO 1: O EMPREGO NO BRASIL ................................................................................................. 5

AULAS 1 E 2: O EMPREGO FORMAL E INFORMAL NO BRASIL; CUSTO BRASIL ....................................................................... 6

AULA 3 E 4. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DO TRABALHO ............................................................................. 19

AULA 5. O TRABALHADOR E SEUS VÁRIOS TIPOS DE PRESTADORES DE SERVIÇO ................................................................ 30

AULA 7: RISCO DE RECONHECIMENTO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO ................................................................................ 39

AULA 8: TERCEIRIZAÇÃO ..................................................................................................................................... 51

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1. INTRODUÇÃO

1.1 VISÃO GERAL

A disciplina Relações de Trabalho I abordará de forma sistemática os te-mas mais relevantes atinentes às relações de trabalho, analisando inicialmente os princípios que regem o Direito do Trabalho, para, em seguida, discutir a formação e as modalidades de contratos de trabalho; formas tradicionais e modernas de remuneração; a terceirização como fenômeno moderno ainda em evolução; regras e soluções para os limites aplicáveis à jornada de trabalho e ao repouso remunerado; a indenização por tempo de serviço e o Fundo de Garantia; estabilidades; e as modalidades e efeitos do término do contrato de trabalho. Será dada grande ênfase aos casos geradores para que o aluno possa visualizar a aplicação prática dos conceitos e seus efeitos sociais e econômi-cos. Como base para este debate, nas primeiras aulas, abordar-se-á o trabalho formal e informal, o ingresso precoce no mercado de trabalho e o custo do trabalhador no Brasil, relacionando os três temas e criando desde o primeiro momento a noção de que as normas que regem o trabalho têm influência efetiva e real na vida das pessoas e devem ser assim consideradas durante todo o debate que será travado até o final do curso.

1.2 OBJETIVOS GERAIS

Dar aos alunos elementos para a compreensão adequada das regras que regem as relações de trabalho e emprego, estimulando uma análise crítica dessas normas e dos seus efeitos na sociedade, sem deixar de compreender a sociedade brasileira com todas as suas matizes e peculiaridades, a deman-dar reflexão completa e soluções criativas para aproximar dois conceitos que parecem se excluir: desenvolvimento econômico e inclusão social. Espera-se que os alunos cheguem ao final do curso capacitados para atuar na área do Direito do Trabalho, mas também capazes de entender a sua relevância no cenário nacional e como utilizá-lo como ferramenta de desenvolvimento e de inclusão social.

1.3 METODOLOGIA

Metodologia participativa calcada na exposição completa dos temas, com a promoção constante de debates, tendo como base e provocação casos con-cretos reais ou baseados em fatos reais e como ferramenta de desenvolvimen-

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to exercícios individuais e em grupos que se aproximem de questões que se apresentam comumente aos profissionais do direito, em especial aos que atuam na área do Direito do Trabalho.

1.4 DESAFIOS E DIFICULDADES

O maior desafio consiste em fazer com que os alunos entendam as com-plexidades sociais do Brasil, que apresenta pólos super-desenvolvidos con-vivendo lado a lado com áreas de miséria exemplar, o que torna qualquer discussão sobre a adequação de leis trabalhistas e sua modernização complexa e sensível. Espera-se que, do debate em sala de aula, decorra uma adequada compreensão das normas em vigor e a consolidação de sugestões concretas e possíveis de modernização das leis trabalhistas, sempre com o objetivo de promover desenvolvimento econômico e inclusão social.

1.5 MÉTODOS DE AVALIAÇÃO

Duas provas dissertativas, trabalhos individuais e em grupo e avaliação da participação dos alunos nas aulas.

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PLANO DE AULAS

BLOCO 1: O EMPREGO NO BRASIL

1. INTRODUÇÃO

Este primeiro bloco traz uma abordagem de temas absolutamente funda-mentais para o estudo e compreensão do Direito do Trabalho no contexto brasileiro. Para que se possa entender e debater questões fundamentais relati-vas ao Direito do Trabalho, é essencial que se adquira conhecimento básico a respeito do emprego formal e informal, do custo do empregado e da relação entre esses dois temas.

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1 PRADO, Ney. Economia Informal e Di-reito no brasil. 1991, Editora LTR

AULAS 1 E 2: O EMPREGO FORMAL E INFORMAL NO BRASIL; CUSTO BRASIL

1. INTRODUÇÃO

Esta aula pretende trazer ao debate os conceitos de emprego formal e in-formal, bem como a influência que a legislação trabalhista exerce sobre esses fenômenos.

1.2 OBJETIVOS

• Entender os conceitos de emprego formal e informal;• Entender o papel da legislação trabalhista e sua inflexibilidade como

elemento fomentador da informalidade;• Identificar os itens que compõem o Custo Brasil e sua utilidade prática; e• Estimular o debate entre os alunos sobre formas de conciliação da neces-

sidade de normas protetoras e da formalização do trabalho informal.

2. TEMAS PRINCIPAIS

2.1 O Emprego Formal e Informal no Brasil

O emprego informal normalmente se caracteriza pelo desempenho de uma atividade econômica em que concorre pouco capital e intensa mão-de--obra, geralmente para a prestação de serviços ou para a produção artesanal. Ele ocorre à margem da proteção legal trabalhista, previdenciária e empresa-rial, ou seja, o emprego informal é aquele que se desenvolve fora do âmbito da legislação do trabalho, mas sem necessariamente violá-la.1

Um esforço classificatório bastante cuidadoso é o que se encontra no estu-do sobre a “Estrutura Ocupacional, Educação e Formação de Mão-de-obra — os países desenvolvidos e o caso brasileiro” de autoria de T.W. Merrick. Para este autor, o setor laboral informal apresenta as seguintes características: “1) arranjos de emprego tipificados pela condição de autônomo ou contratos pouco rígidos de natureza temporária, falta de observância das leis do salário mínimo, de previdência social e de outros tipos de regulamentos governa-mentais, bem como ausência de negociações coletivas, mesmo nos casos em que existem sindicatos; 2) facilidades de entrada e alta rotatividade do em-prego; 3) menor escala de operações e estabelecimentos menos capitalizados e, como consequência, 4) determinação de níveis salariais geralmente mais competitivos.

1. PRADO, Ney. Economia Informal e Direito no brasil. 1991, Editora LTR

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2 T.W. Merrick apud Ney Prado 1991

Em contraste, o setor formal é mais regulamentado, apresenta maiores dificuldades de entrada, opera em maior escala e com estabelecimentos mais capitalizados. O setor formal tem, por razões óbvias, maior acesso a linhas de financiamento oficiais e oferecidas por bancos em geral. Os estabelecimentos mais produtivos do setor formal disputam consumidores e mercados com os seus competidores do setor informal, especialmente na indústria de transfor-mação (vestuário, alimentos, etc.).

Entretanto, a maior facilidade de entrada, menores necessidades de capital e uma ampla oferta de trabalho estimulam um crescimento continuado e mesmo uma certa vantagem competitiva do setor informal em atividade da indústria de transformação e especialmente no setor de serviços”.2 O setor informal apresenta maior vantagem quanto menor é a necessidade de investi-mento de capital e de acesso a financiamento formal para o desenvolvimento do negócio.

O grau de informalidade da economia brasileira é gigantesco. Segundo a PNAD (Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio do Instituto Brasilei-ro de Geografia e Estatística — IBGE) de 2003, o Brasil tinha cerca de 62,8 milhões de trabalhadores em atividades não-agrícolas. Dentre esses trabalha-dores, cerca de 24 milhões trabalhavam com carteira de trabalho assinada, 15,4 milhões não tinham carteira assinada e 13,5 milhões eram trabalhadores por conta própria. Isso parece indicar que 15,4 milhões de trabalhadores eram empregados, mas não foram registrados como tal, e 13,5 milhões de trabalhadores se auto intitularam autônomos ou empresários do seu próprio negócio, mesmo que possam vir a ser considerados empregados em uma aná-lise técnico-jurídica tendo em conta os elementos do contrato de trabalho.

Embora o número de trabalhadores com carteira assinada tenha apresen-tado constante crescimento na última década, este crescimento ainda é infe-rior ao crescimento da chamada População Ocupada. O conceito de Popula-ção Ocupada (PO) utilizado pelo IBGE, que inclui não só os trabalhadores de carteira assinada, mas também as chamadas categorias vulneráveis pela baixa taxa de formalização (domésticos, por exemplo). O que significa, em resumo, que o aumento do número de empregados com carteira assinada e, consequentemente, com acesso a todos os direitos trabalhistas garantidos por lei, ainda está longe de atingir toda a população ocupada, ou seja, todos os trabalhadores.

E um dado ainda mais interessante que traduz a relação entre o emprego informal e o desempenho do País em termos de desenvolvimento é o de que, até a década de 1980, os postos de trabalho destruídos pela crise econômica eram recriados nos períodos de crescimento. Contudo, a partir dos anos 90, grande parte dos postos de trabalho eliminados só ressurgiriam na informa-lidade, ou seja, ocupados por trabalhadores sem carteira assinada. Deve ser lembrado que, entre 1940 e 1970, houve uma grande expansão do número

2. T.W. Merrick apud Ney Prado 1991

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3 Revista Época nº 419-29/05/2006

4 José Pastore, professor de economia e administração da Universidade de São Paulo, em entrevista à Eliana Simonetti, Revista Veja, 1998.

de empregos e diversificação nas ofertas de emprego. De 1950 a 1960, o PIB cresceu de 5% a 7% ao ano. Esse crescimento aumentou e, entre 1967 e 1973, a média foi de 11,2% ao ano. Em 1973, o crescimento foi de 14%. Isso foi muito diferente a partir de 1980 e especialmente nos anos 90. Com um crescimento muito inferior ao verificado na década de 1970, nas décadas de 1980 e 1990 o mercado formal foi menos capaz de absorver os contingen-tes de trabalhadores novos e desempregados, forçando a criação de negócios informais. O custo de um contrato formal de trabalho, observada a legislação trabalhista, forçou empregados (ou desempregados) e empregadores a optar pela informalidade.

A consultoria americana McKinsey desenvolveu um dos mais respeita-dos métodos de estudo sobre informalidade e seus impactos nos índices de crescimento de um país. Pelas contas do McKinsey, o Brasil poderia crescer 2,5 pontos percentuais a mais por ano se eliminasse totalmente a informa-lidade da economia. Isso quer dizer que em vez dos 3% do ano de 2005, o PIB poderia ter se expandido 5,5%.3. Isto porque, como se pode imaginar, os empreendimentos informais não geram impostos e empregos formais, como também não estão representados nos números oficiais de crescimento do PIB brasileiro. Eles representam uma economia informal que existe, mas não pode ser claramente delimitada e não pode ser medida e reconhecida formalmente. Com isso, perde o País, cujos índices não refletem a realidade econômica, não apenas em termos de produção de riquezas, mas também de capacidade de consumo. A informalidade causa mais informalidade e ilegali-dade, com perda para todos.

Uma pergunta que surge diante de tais considerações é por que a infor-malidade é vista de forma negativa se ela está ocupando e gerando renda para a população até então desempregada. Uma das respostas, que vai além das questões relativas ao crescimento econômico, é o déficit previdenciário gerado pela ausência de recolhimento de INSS pelos trabalhadores informais.

Em entrevista à Revista Veja, o economista José Pastore lembra que o Sis-tema Unificado de Saúde — SUS atende o trabalhador acidentado ou doente mesmo que ele não pague contribuição4. Ele continua, dizendo que a maior parte dos trabalhadores brasileiros, trabalhando no mercado informal, usa um sistema para o qual não contribui. A tendência, e conseqüência desse ci-clo vicioso, é a piora gradual dos serviços oferecidos pelo Estado, em especial pelo SUS, e um déficit crescente na previdência social.

A dificuldade do combate à informalidade é proporcional à dificuldade do cumprimento integral das leis trabalhistas brasileiras que, em muitos casos, cria obstáculos ou até mesmo inviabiliza a ação das empresas. O conjunto destas leis, que garantem ao trabalhador o direito ao 13º salário anual, ao FGTS e a inúmeros adicionais (pelas horas extras trabalhadas, pelo trabalho

3. Revista Época nº 419-29/05/2006

4. José Pastore, professor de economia e administração da Universidade de São Paulo, em entrevista à Eliana Simonetti, Revista Veja, 1998.

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5 integra do texto em http://www.ipea.gov.br/pub/td/2006/td_1218.pdf; matéria do O Globo em http://o g l o b o . g l o b o . c o m / e c o n o m i a /mat/2006/10/02/285933533.asp

6 José Pastore, professor de economia e administração da Universidade de São Paulo, em entrevista à Eliana Simonetti, Revista Veja, 1998.

noturno, pelo trabalho em condições insalubres, etc.), torna o custo da con-tratação formal excessivamente alto.

Diz-se sem muita preocupação e com precisão técnica que, para cada sa-lário pago ao trabalhador formal, outro é pago ao governo. Na realidade, como será demonstrado mais adiante, o custo de um trabalhador formal no Brasil em decorrência das leis trabalhistas é de aproximadamente 67% do seu salário. Se acrescidos outros itens, como o repouso semanal remunerado, que equivale normalmente a algo entre 16% e 20% do salário, e mesmo um valor médio de horas extras, pode-se chegar sem problemas à mencionada duplicação de custos, que, se não precisa, ao menos gera um discurso político contundente em favor da simplificação das normas trabalhistas.

Segundo o interessantíssimo trabalho intitulado “Imposto sobre Trabalho e seus Impactos nos Setores Formal e Informal” dos economistas Gabriel Ulyssea e Mauricio Cortez Reis, ambos da Diretoria de Estudos Macroeco-nômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — IPEA, fundação li-gada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no Brasil, 26,8% do custo total de um empregado formal se perde em outros destinos que não o bolso do trabalhador, mesmo se considerados valores como o FGTS e o pagamento de férias e 13º salário, que apenas chegam ao bolso do empregado brasileiro com o passar do tempo e não a cada mês.

Segundo o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, um em-pregado formal no Brasil custa muito mais do que no resto da América La-tina e no Caribe, onde a diferença entre o que um empregado custa e o que ele recebe é de 15,9%. “Os economistas usaram uma metodologia do Banco Mundial para calcular a diferença líquida entre os custos do empregador e os benefícios pagos na folha de salário. A conta leva em consideração que parte dos encargos voltam para o empregado mais tarde sob a forma de 13º salário, adicional de férias e FGTS, por exemplo. O levantamento também mostra que o Brasil tem um índice altíssimo de ‘dificuldade de contratação’: 67, contra a média de 30 dos membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nesse cálculo, além dos custos do empregador ao longo do período de vigência do contrato de trabalho, tam-bém são computados os encargos com demissões. No Brasil, o empregador paga 50% sobre o saldo do FGTS em caso de demissão, sendo 40% para o funcionário e 10% para o governo”.5 Isso significa que o governo brasileiro, e especialmente o falido sistema de previdência social, recebem parte significa-tiva do custo de um empregado.

O custo excessivo do trabalho formal intimida, ainda, a criação de novos postos de trabalho originados com um atual fenômeno da economia mun-dial, que é a oferta de emprego globalizada. Conforme explica José Pastore, hoje, as empresas de um país podem buscar empregados em outros países6, o que significa que muitas empresas estão buscando estabelecer suas atividades

5. integra do texto em http://www.ipea.gov.br/pub/td/2006/td_1218.pdf; matéria do O Globo em http://oglobo.globo.com/economia/mat/2006/10/02/285933533.asp

6. José Pastore, professor de economia e administração da Universidade de São Paulo, em entrevista à Eliana Simonetti, Revista Veja, 1998.

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7 PRADO, Ney. Economia Informal e Di-reito no brasil. 1991

8 José Pastore, professor de economia e administração da Universidade de São Paulo, em entrevista à Eliana Simonetti, Revista Veja, 1998.

produtivas em países onde o custo dos profissionais de que necessitam é mais baixo. Nesse sentido, o alto custo do emprego formal no Brasil pode tirar o País da lista de locais onde essas empresas pretendem se estabelecer.

É inegável que o custo excessivo do trabalho formal em uma economia que não cresce com a mesma força que crescia trinta anos atrás estimulou de forma importante o aumento do mercado informal de trabalho. Ocorre que esse movimento natural de sobrevivência em muitos casos não pode ser tratado pura e simplesmente como um problema policial e fiscal, a ser com-batido apenas com medidas sancionadoras. O problema é mais profundo e deve ser encarado como uma questão sócio-cultural, a ser enfrentada a nível político e jurídico, considerando-se as desigualdades profundas de um país como o Brasil.7

O custo excessivo nada mais é do que uma consequência do que José Pas-tore chamou da “cultura do garantirismo legal”, isto é, a crença de que quan-to mais direitos estiverem na lei, mais pessoas estarão protegidas8. O mercado mostra exatamente o contrário. No caso brasileiro, o garantirismo levou um número cada vez maior de trabalhadores à economia informal.

2.2 O início da Carreira no Brasil — Precocidade do Primeiro Trabalho

Desde 1998, a lei brasileira permite que crianças a partir de 14 anos tra-balhem como aprendizes e a partir dos 16 anos como empregados formais, embora com algumas limitações, como a vedação ao trabalho em condições insalubres, perigosas, ou em horário noturno, que só podem ser executados pelos maiores de 18 anos de idade.

A Constituição Federal de 1988 trata do assunto nos artigos 7º, incisos XXX e XXXIII, e 227, § 3º, I, II e II, que estabelecem a idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho e garantem direitos previdenciários e tra-balhistas ao menor trabalhador, além da garantia do acesso à escola. Já a CLT dispõe sobre o trabalho do menor em seu capítulo IV e prevê penalidades para os infratores das disposições do capítulo.

No direito internacional, também vigoram regras para a proteção da criança, como é o caso da Convenção dos Direitos da Criança, que protege especialmente o desenvolvimento físico, mental e social infantil, e prioriza a educação gratuita, o lazer e o direito de ser protegido contra o abandono e a exploração no trabalho. Tal texto, adotado pela Assembleia Geral da ONU em 1989, foi ratificado por 192 países e representa a maior aceitação de um texto legislativo em matéria de direitos humanos.

Para erradicar o trabalho infantil, além da legislação vigente, o Governo brasileiro criou o CONANDA (Lei nº 8.242/1991), que, entre outras coisas, deve promover e apoiar iniciativas de emprego e geração de renda, de forma

7. PRADO, Ney. Economia Informal e Direito no brasil. 1991

8. José Pastore, professor de economia e administração da Universidade de São Paulo, em entrevista à Eliana Simonetti, Revista Veja, 1998.

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que a renda do grupo familiar se eleve, a fim de estimular o êxito e a perma-nência na escola das crianças e adolescentes que trabalham, principalmente, em situação de risco, e deve, ainda, fiscalizar e reprimir a ocorrência do tra-balho infantil e a exploração laboral do adolescente.

No âmbito das Delegacias Regionais do Ministério do Trabalho, foram criadas, a partir de 1995, Comissões Estaduais de Combate ao Trabalho In-fantil, que foram recentemente transformadas em Núcleos de Erradicação do Trabalho Infantil e de Proteção ao Trabalho do Adolescente. Instalado em 29 de novembro de 1994, na sede da Organização Internacional do Trabalho — OIT, o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infan-til envolve organizações não-governamentais, trabalhadores, empresários, a Igreja, os Poderes Legislativo e o Judiciário e conta com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e da OIT. Composto por 40 entidades, o Fórum está sob a coordenação do Ministério do Trabalho.

Mesmo com todo esse aparato, a realidade econômica brasileira atua como causa da entrada prematura das crianças e adolescentes no mercado de tra-balho. A pobreza, a má distribuição de renda e a falta de um sistema público de educação, mais abrangente e de qualidade, somados a uma forte demanda por mão-de-obra barata, incentivam crianças e adolescentes a ingressarem cada vez mais cedo no mercado de trabalho.

Diante deste panorama, a PNAD (Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio — realizada pelo IBGE) de 2003 detectou 5,1 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade trabalhando no Brasil. Destes, 209 mil tinham de 5 a 9 anos, 1,7 milhão tinham de 10 a 14 anos e 3,2 milhões tinham de 15 a 17 anos. A atividade agrícola concentrava a maior parte desse contingente, com 74,6% das crianças entre 5 e 9 anos, 58 % das crianças entre 10 e 14 anos e 33,4% dos adolescentes entre 15 e 17 anos. Esse últi-mo percentual é superior ao percentual dos trabalhadores com 18 ou mais anos de idade (19,3%) na mesma atividade. Esses números já apresentaram redução, como detectou pesquisa realizada em 2009, que indicou redução do número de crianças de 5 a 17 anos de idade trabalhando para 4,2 milhões.

Na agricultura, o trabalho do menor ocorre em condições precárias, seja nos canaviais, na cultura do sisal ou nas plantações de fumo. Nesses lugares, as crianças são muitas vezes submetidas a produtos tóxicos, ferramentas peri-gosas e longas jornadas de trabalho. Já nos centros urbanos, jovens e crianças trabalham no setor doméstico e também no setor informal, vendendo balas em sinais, engraxando sapatos, muitas vezes em lugares impróprios, como em bares e boates. O trabalho infantil também contribui para o abandono escolar, já que, na maioria dos casos, não existe como conciliar as tarefas.

Esses dados se mostram especialmente importantes se combinados com algumas das conclusões a que chegaram os Professores José Pastore e Nelson do Valle Silva no espetacular trabalho intitulado “Mobilidade Social no Bra-

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9 PASTORE, José e SILVA, Nelson do Val-le, 1999; Mobilidade Social no brasil – pág. 40 - Editora Makron books

10 PASTORE, José e SILVA, Nelson do Valle, 1999; Mobilidade Social no brasil – pág. 43 - Editora Makron books

sil”9, ao tratarem da educação como determinante das trajetórias sociais dos indivíduos: “A educação é o mais importante determinante das trajetórias sociais futuras dos brasileiros, importância que vem crescendo ao longo do tempo. Não é exagero dizer que a educação constitui hoje o determinante, central e decisivo no posicionamento socioeconômico das pessoas na hierar-quia social”.

A amostra de chefes de família homens registra uma média de anos de escolaridade de em torno de 5,6, sendo de 6,3 nas zonas urbanas e de 2,7 nas zonas rurais. Essa amostra tem o problema de tomar por base apenas homens chefes de família, alguns muito jovens, a ponto de não poderem ter terminado seus estudos, o que distorce os resultados. Os dados de evolução da média dos anos de escolaridade dos brasileiros mostram uma tendência que, se não modificada, significará que, em 2020, os brasileiros ainda mal estarão completando o primeiro grau, sendo certo que, nas áreas rurais, nem nesse ponto estaremos.

“No todo, esse modelo permite explorar, como foi feito anteriormente, a extensão das desigualdades educacionais no Brasil. Tomando-se um jovem, chefe de família, com cerca de 25 anos e cujo pai pertenceu ao extrato baixo--inferior (trabalhador rural), analfabeto, por exemplo, o modelo prevê que ele deveria ter em média um nível de escolaridade inferior a 2,5 anos — será também funcionalmente analfabeto. Para um jovem da mesma idade que seja filho de um pai que estava no estrato alto, por exemplo, um médico, o mode-lo prevê que o indivíduo terá um nível equivalente a curso superior completo, ou seja, mais de 16 anos de escolaridade”.10

O trabalho infantil, portanto, além de engrossar as estatísticas de trabalho informal e, nesse caso, ilegal, pois normalmente não observa as regras que regulam esse tipo de trabalho, representam relevante fator de atraso do País, pois retiram precocemente da escola crianças que, por isso, perdem a sua melhor possibilidade de ascensão social, que tem na educação o seu mais re-levante fator. Portanto, o trabalho infantil deve ser combatido com rigor, mas de nada adiantará esse rigor se não forem garantidas condições mínimas de sobrevivência às famílias, de forma que o fruto do trabalho infantil se torne dispensável, sem que isso signifique privar famílias de necessidades as mais básicas. A realidade é que crianças, hoje, exercem papel relevante no sustento de famílias tanto em áreas rurais como em áreas urbanas.

2.3 O Custo do Trabalhador no Brasil ou, simplesmente, o Custo Brasil.

O chamado Custo Brasil é definido como o custo agregado por força de lei a contratos de trabalho, desconsiderando os adicionais que têm propósito

9. PASTORE, José e SILVA, Nelson do Valle, 1999; Mobilidade Social no brasil — pág. 40 - Editora Makron books

10. PASTORE, José e SILVA, Nelson do Valle, 1999; Mobilidade Social no brasil — pág. 43 - Editora Makron books

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específico e não se aplicam a todos os trabalhadores, como, por exemplo, adicionais de periculosidade e insalubridade, adicional de transferência, etc.

O Custo Brasil é a expressão matemática de todos os encargos trabalhistas básicos os quais o empregador está obrigado a observar por lei, quais sejam, (i) 13º salário, (ii) bônus de férias, (iii) depósitos no FGTS, (iv) multa decor-rente da rescisão imotivada do contrato de trabalho; (v) contribuições previ-denciárias; e (vi) férias de trinta dias, dependendo do propósito do cálculo e das circunstâncias do caso concreto.

O Custo Brasil é elevado não apenas quando comparado com outros paí-ses em termos percentuais, mas ainda quando considerada qual a parcela des-te custo reverte-se em benefício do empregado. Conforme mencionado an-teriormente, pesquisas de economistas do IPEA apontam o índice de 26,8% como sendo a parcela do custo do trabalhador que se perde entre o bolso do empregador e o bolso do empregado, ficando nos cofres públicos. Esses mesmos economistas informam que esse percentual, em outros países latino--americanos, não passa dos 15% em média. Portanto, demonstra o estudo que o custo elevado não decorre da necessidade de proteger o empregado apenas, mas também da necessidade de financiar a máquina pública.

No Brasil, um empregado custa ao empregador 54,43% do seu salário, sem contar com o custo das férias anuais, que pode ser desconsiderado em algumas análises, por ser um custo comumente encontrado em outros países. Em outras palavras, cada R$1,00 pago a um empregado custa ao seu em-pregador R$1,54, aproximadamente. Em números arredondados, para cada R$1,00 que chega ao bolso do trabalhador ao final de cada mês de trabalho, R$0,30 vão para a Previdência Social, R$0,13 para conta vinculada do FGTS (depósito mensal e multa por rescisão imotivada), R$0,03 representam o bô-nus de férias de 1/3 e R$ 0,08 o décimo terceiro. Ou seja, grande parte do Custo Brasil não vai para o bolso dos empregados nem se reverte em benefí-cios em seu favor, mas, sim, converte-se em fonte de recursos para o governo.

Partindo-se dos R$ 0,54 adicionados a cada R$ 1,00 pago a um empre-gado no Brasil, tem-se que uma parte desses R$ 0,54 acaba no bolso do em-pregado em prazo relativamente curto. É a parte relativa ao décimo terceiro salário (R$ 0,08), que chega ao bolso do empregado no final de cada ano e ao bônus de férias de 1/3 (R$ 0,03), que também chega ao seu bolso a cada doze meses de trabalho. Isso significa que, desses R$ 0,54 adicionados a cada R$ 1,00 pago a um empregado brasileiro, o empregado recebe aproximadamente R$ 0,11 anualmente.

Uma outra parcela de Custo Brasil é correspondente aos depósitos na con-ta vinculada do FGTS e à multa por rescisão imotivada, sendo certo que apenas o saldo da conta vinculada é inquestionavelmente um direito do em-pregado (a regra é que o saldo da conta se torne disponível no momento da rescisão, mas existe exceção nos casos de doenças terminais, aquisição de casa

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própria, etc.). Já o direito à multa por rescisão imotivada se dá apenas quando o seu contrato de trabalho é rescindido por iniciativa do empregador, sem justa causa, ou rescisão indireta ou aposentadoria por tempo de serviço.

A parcela do FGTS, contudo, apresenta uma perversidade adicional: ela é desembolsada pelo empregador mensalmente e depositada em uma conta que está sujeita a juros e correção monetária pelos menores índices do mer-cado, de modo a proporcionar ao governo a utilização deste valor por anos e anos com um custo muito reduzido. O FGTS é, na realidade, um em-préstimo compulsório que os trabalhadores concedem ao governo com juros extremamente subsidiados.

Portanto, se por um lado, na tentativa de ajustar suas contas muitas vezes deficitárias, os empregados pagam juros elevadíssimos a administradoras de cartões de crédito ou a bancos pela utilização de limites de cheque especial, são esses mesmos trabalhadores que emprestam mensalmente ao governo 8% do seu salário, a juros extremamente baixos.

Por fim, há o pior de todos os encargos: o INSS. A falência completa do sistema de previdência pública no Brasil é notória. É consenso que não have-rá reversão no quadro triste de aumento gradativo do déficit da Previdência enquanto não se extinguirem benefícios sem limites pagos a funcionários pú-blicos. Enquanto este cenário não se altera, convive-se com o fato inegável de que aproximadamente R$ 0,30 para cada R$ 1,00 pago a um empregado no Brasil acabam nos cofres da previdência pública, de onde saem para engor-dar os cofres menos públicos — já que as fraudes envolvendo a previdência pública são lugar-comum do nosso cotidiano — ou para pagar benefícios a aposentados, com a já secular desproporção entre aposentados da iniciativa privada e pública. Definitivamente, essa é a parcela que tem a maior possibi-lidade de jamais retornar ao empregado.

2.4 Custo Brasil e Propostas para o Futuro

Os dados aqui compilados sugerem pelo menos duas medidas para refle-xão; que os valores que são pagos indiretamente ao empregado (13º salário, bônus de férias e FGTS) sejam acrescidos ao salário dos empregados e pagos diretamente a eles mensalmente; e que a parcela de 30% relativa ao INSS seja reduzida ou parcialmente paga diretamente ao empregado (sugestão impro-vável ante o fenômeno da miopia social), mesmo que de forma vinculada ao seu investimento em um plano de previdência privada ou de saúde, quando não disponível pelo empregador.

Conforme visto, os números trazidos demonstram que o caráter tutelar do direito do trabalho pode resultar na realidade em prejuízo para o em-pregado, apesar de ser propagado como uma proteção. Algumas medidas

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prevendo um novo tratamento para os atuais benefícios obrigatórios, não--obrigatórios e das contribuições previdenciárias poderiam ser uma solução para a situação atual.

Os valores de FGTS, 13º salário e bônus de férias passariam a ser pa-gos mensalmente e diretamente aos empregados, ao invés de depositados em conta vinculada (FGTS), ou pagos a cada 12 meses (13º salário e bônus de fé-rias). Isso resultaria em um aumento imediato de 25% na remuneração men-sal dos empregados, sem qualquer aumento de custo para os empregadores.

Naturalmente que a implementação de mudanças dessa natureza deve ser precedida de todos os estudos necessários e de cautela, além de ser estrutu-rada para que se evite a redução da remuneração total, ou seja, para que não se deixe de repassar integralmente aos empregados o custo desses benefícios sob a forma de aumento de salário antes de suprimi-los. Contudo, uma vez implementada essa alternativa, as empresas experimentariam uma economia operacional decorrente da desnecessidade de processar pagamentos mensais ao FGTS e anuais de férias e 13º salário.

Os empregados, por sua vez, teriam mais 25% de salário em seu bolso a cada mês, ficando livres para aplicar esse aumento onde melhor lhes convier. Seria natural o lançamento de uma campanha institucional do governo es-timulando a poupança pessoal como alternativa em vista da eliminação do FGTS, mas a decisão quanto ao que poupar e como poupar ficaria a cargo dos empregados. Além disso, esses empregados deixariam de emprestar di-nheiro subsidiado ao governo, quando definitivamente esse não é o propósito declarado do FGTS.

Do ponto de vista do governo e das políticas públicas, haveria uma redu-ção significativa nos custos para administrar o FGTS e, consequentemente, nas fraudes por parte de empregadores que deixam de recolher a contribuição sempre que em situação financeira delicada, e da burocracia, onde volta e meia se tem notícia de desvios e fraudes ao sistema.

Enfim, exceto pela possibilidade de os empregados agirem irresponsavel-mente e gastarem todo o dinheiro adicional de forma fútil — o que deve ser encarado como uma possibilidade educativa — não parece haver outras desvantagens no pagamento direto desses benefícios aos empregados em di-nheiro e mensalmente.

Quanto aos benefícios não obrigatórios, como o seguro-saúde e o vale ali-mentação, parece razoável que estes deveriam ser opcionais para os emprega-dos, que aproveitariam apenas a natural redução de custos pela sua contrata-ção em grupo, ficando, contudo livres para não fazê-lo. Assim, o empregado participaria ativamente da decisão quanto a quais benefícios lhe interessam e quanto quer pagar por eles, ficando livre para contratá-los diretamente, se assim preferir. Aqui não haveria qualquer aumento de custo para os empre-gadores nem perda para os empregados ou para o governo.

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Por fim, o valor que é hoje destinado ao INSS representa não apenas o percentual mais significativo dentre aqueles que compõem o Custo Brasil, mas também é o mais delicado quando se pretende analisar alternativas para redu-zi-lo ou eliminá-lo. Isto decorre do fato de que o sistema está falido e o seu déficit aumenta sem demonstrar qualquer tendência de queda a médio prazo.

Portanto, qualquer sugestão que contemple a redução dos encargos pre-videnciários depende de uma modificação drástica nos direitos dos funcio-nários públicos que oneram sobremaneira as contas da previdência pública. Além disso, considerando que empregados a partir de determinado patamar de remuneração não mais contam com a previdência pública como fonte úni-ca de aposentadoria, em uma situação ideal, dever-se-ia poder segregar dois sistemas de custeio e benefício. Isso de modo que apenas até um certo nível salarial empregados continuassem a ter direito ao benefício previdenciário público e a realizar as contribuições previdenciárias, preferencialmente em patamar inferior ao atual.

Quanto aos demais empregados, com remuneração mais elevada, estes deveriam passar a contribuir diretamente a fundos privados de previdência, de modo a construir a sua própria reserva de poupança. Naturalmente que essa mudança exigiria regras de transição destinadas a empregados que já contribuíram por muitos anos e que não podem se ver de uma hora para a outra completamente privados do benefício previdenciário. Mais ainda, essas mudanças dependem de uma forte regulamentação do setor de previdência privada, que ganharia maior relevância social.

De qualquer forma, como o “cobertor é curto”, pode-se prever, para a via-bilidade dessa alternativa, a quebra de expectativas de benefícios previdenciá-rios daqueles empregados mais privilegiados: uma mudança dessa magnitude exigiria eliminar direitos de funcionários públicos.

Ao final dessas medidas e passados os prazos de transição, idealmente, chegar-se-ia a uma realidade na qual parte dos empregados continuaria con-tribuindo para o sistema de previdência pública, com um custo inferior ao atual de aproximadamente 30% (algo em torno de 20% poderia ser uma meta), para o recebimento de benefícios limitados e outra parte dos empre-gados (de remuneração mais elevada) deixaria de contribuir para o sistema público e entraria no sistema privado de previdência, que seria facultativo, mantendo-se a coerência com a ideia de que os empregados devem ser trata-dos como donos do seu destino.

As propostas aqui apresentadas, drásticas mais do ponto de vista cultural do que financeiro ou legal, poderiam representar uma mudança importante na filosofia do trabalhador brasileiro, transformando-o em um cidadão mais autônomo e empreendedor.

A própria necessidade de definir onde aplicar o seu dinheiro, que seguro contratar, como planejar a aposentadoria etc., pode ser um passo importante

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para que os jovens que entram no mercado de trabalho prefiram empreender e exceder limites a fazer um concurso público e trocar o seu possível sucesso estrondoso pela mediocridade da segurança sem perspectivas.

3. O CASO

A empresa WWP, Inc., que estava interessada em ingressar no mercado brasileiro para vender componentes eletrônicos fabricados em sua planta na Argentina, em 1º de março de 2007, contratou como consultor o Sr. Luiz Pereira, um engenheiro eletrônico, com o objetivo de estudar o mercado bra-sileiro, definindo quais seriam os principais clientes em potencial e concor-rentes, os custos de importação dos componentes fabricados na Argentina, os impostos incidentes e, em resumo, auxiliar os executivos da WWP, Inc. a montar um business plan para o ingresso da WWP, Inc. no mercado brasilei-ro. A WWP, Inc. firmou contrato de consultoria com o Sr. Pereira, prevendo uma remuneração anual total de R$ 144.000, paga em doze parcelas mensais de R$ 12.000. O contrato foi firmado por prazo indeterminado e previa a possibilidade de rescisão, a qualquer tempo, por qualquer das partes, me-diante aviso prévio de 30 dias.

Durante dois anos e meio (de março de 2007 a agosto de 2009), o Sr. Pereira trabalhou intensamente para a WWP, Inc., provendo os seus executi-vos no exterior de todos os dados necessários à definição de seu ingresso no mercado brasileiro. Durante esses anos, em vista das claras indicações de que seria interessante seu ingresso no mercado brasileiro, a WWP, Inc. concordou em montar um escritório na cidade de São Paulo, bem como em formar a WWP do Brasil Ltda., tendo o Sr. Pereira como seu gerente delegado. Deste pequeno escritório, o Sr. Pereira, com a ajuda de uma secretária, coordenou todos os esforços para que, em janeiro de 2009, a WWP, Inc. fizesse a sua primeira venda a um grande cliente brasileiro.

Passada a fase inicial e iniciadas as vendas a clientes locais, os executivos da WWP, Inc. constataram que o Sr. Pereira não era a pessoa mais indicada para conduzir essa fase dos negócios. Na sua avaliação, apesar de ele ter realizado um excelente trabalho de investigação inicial, não possuía qualificações para continuar conduzindo o negócio, agora com vendas efetivas e vários clientes a serem explorados. Em 1º de agosto de 2009, a WWP, Inc. avisou o Sr. Pe-reira de sua intenção de rescindir o contrato de consultoria, tendo sido esta rescisão efetivada em 31 de agosto de 2009, ao término do aviso prévio de 30 dias contratualmente previsto.

Inconformado com a rescisão, em dezembro de 2009, o Sr. Pereira ajuizou contra a WWP, Inc. e a WWP do Brasil Ltda. uma ação trabalhista, postu-lando o reconhecimento de vínculo empregatício com estas empresas pelo

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período de 30 meses, iniciando em 1º de março de 2007 e terminando em 31 de agosto de 2009.

A WWP, Inc. foi aconselhada por seu advogado a reservar em seus livros o valor integral do pedido formulado na ação, em vista das altas chances de êxito do reclamante, uma vez consideradas as peculiaridades do caso. A WWP, Inc. quer definir, em números aproximados, qual o valor de seu risco nesta ação.

4. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

“Imposto sobre Trabalho e seus Impactos nos Setores Formal e Informal” dos economistas Gabriel Ulyssea e Mauricio Cortez Reis, ambos da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — IPEA, em http://www.ipea.gov.br/pub/td/2006/td_1218.pdf

MIGLIORA, Luiz Guilherme e Luiz Felipe Veiga, Administração do risco trabalhista. Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2003.

PASTORE, José e Nelso do Valle Silva, Mobilidade Social no Brasil” (Editora Makron Books, 1999)

PRADO, Ney. Economia Informal e Direito no Brasil. 1991, Editora LTr

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11 FLÓREZ-VALDÉS apud bASTOS, Celso Ribeiro. Op. cit., p. 145.

12 Süssekind, Arnaldo, Instituições de Direito do Trabalho, pág. 141.

AULA 3 E 4. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DO TRABALHO

1. INTRODUÇÃO

Os princípios são “as ideias fundamentais sobre a organização jurídica de uma comunidade, emanados da consciência social, que cumprem funções fundamentadoras, interpretativas e supletivas a respeito de seu total ordena-mento jurídico”.11

Os princípios gerais do direito são fontes subsidiárias de direito e assim acontece no Brasil, como preconiza a Lei de Introdução ao Código Civil no seu artigo 4º.

No campo do direito do trabalho, os princípios são a base, a fundamenta-ção, a diretriz que deve ser seguida para a interpretação da norma trabalhista.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) inclui os princípios entre as fontes as quais a Justiça do Trabalho deve recorrer para sanar omissões no campo das relações de trabalho, ou seja, os princípios são enunciados de-duzidos do ordenamento jurídico pertinente, destinados a iluminar tanto o legislador, ao elaborar as leis, como o interprete, ao aplicar as leis.12

No campo do direito do trabalho, os princípios exercem papel funda-mental, dando aos dispositivos legais uma interpretação muitas vezes diversa daquela que seria natural pela sua simples leitura. Como ocorre hoje em outras áreas do direito, especialmente quando se identifica uma parte hipos-suficiente (um bom exemplo é a área do direito do consumidor), no direito do trabalho as normas são flexibilizadas em nome da proteção e respeito a princípios fundamentais. Isso será notado na análise dos temas mais relevan-tes na área do direito do trabalho.

2 PRINCIPIO DA IRRENUNCIABILIDADE DE DIREITOS

O princípio da irrenunciabilidade de direitos, consagrado nos artigos 9º e 468 da CLT, surge como consequência das normas cogentes, que visam a proteção do trabalhador e são a base do contrato de trabalho. Do princípio da irrenunciabilidade de direitos, decorre a mais marcante peculiaridade do direito do trabalho brasileiro, que é a ausência quase total de autonomia da vontade quando se trata do trabalhador.

Os direitos trabalhistas como um todo, sejam decorrentes de lei, acordo ou convenção coletivos, ou mesmo de ajuste direto entre empregado e em-pregador, não podem ser objeto de renúncia por parte do empregado, a não ser em situações excepcionalíssimas, cercadas de formalidades que sempre

11. FLÓREZ-VALDÉS apud bASTOS, Celso Ribeiro. Op. cit., p. 145.

12. Süssekind, Arnaldo, Instituições de Direito do Trabalho, pág. 141.

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têm por objetivo garantir que a manifestação de vontade do empregado não está viciada.

Ou seja, a renúncia de direitos somente será possível se feita de forma expressa e dentro das situações previstas em lei, inexistindo, no Direito do Trabalho, o que ocorre nos demais ramos do Direito Privado, ou seja, a possi-bilidade de renúncia tácita. O direito ao aviso prévio, por exemplo, é irrenun-ciável pelo empregado, conforme entendimento jurisprudencial sumulado no Enunciado nº 276 do TST.

Alguns autores defendem ainda que o princípio da irrenunciabilidade de-correria do vício presumido do consentimento do trabalhador ao renunciar aos seus direitos, uma vez que o mesmo não teria total liberdade para emitir a sua vontade em razão da subordinação a que está sujeito. O trabalhador sem-pre estaria, portanto, sob coação psicológica ou econômica ou, ainda, em de-terminados casos estaria na condição de quem desconhece seus reais direitos.

Independentemente da teoria adotada, verifica-se que a nulidade de pleno direito atribuída às alterações contratuais que possam ser entendidas como prejudiciais ao empregado, leia-se, que impliquem em renúncia a direito ga-rantido por lei ou contrato acaba por engessar as relações de trabalho.

Embora este princípio tenha como finalidade a proteção ao empregado, o mesmo acaba por ser um entrave à flexibilização do Direito do Trabalho, vista como uma moderna solução para o problema do desemprego, pelo menos em algumas camadas da sociedade.

Um exemplo interessante é a obrigação de pagamento de horas extras a todos os empregados que não possam ser qualificados como ocupantes de cargos de gestão ou exercentes de atividades externas, nos termos do artigo 62 da CLT. Como estas exceções legais são demasiadamente limitadas, a lei acaba por exigir que a maioria esmagadora dos empregados, independente-mente do seu nível de educação ou da independência que possam usufruir no desempenho de suas funções, estejam sujeitos ao controle de horário e ao consequente pagamento de horas extras.

Como de nada adiantaria aos empregadores convencionar com seus em-pregados de nível superior e ocupantes de cargos estratégicos (que mesmo assim não se qualificam como cargos de confiança para os efeitos do art. 62, inciso II, da CLT) a renúncia ao controle de jornada e ao recebimento de ho-ras extras, estas empresas normalmente optam pelo simples descumprimento da lei. Não é incomum que empresas que possuem um grupo de empregados de nível elevado e alto grau de comprometimento no desempenho das ativi-dades isente estes empregados do controle de horário. Estas empresas acabam por constantemente administrar um potencial passivo trabalhista consistente na possibilidade de estes empregados postularem horas extras com significati-vas chances de sucesso. Interessante notar que este passivo pode muitas vezes inviabilizar ou significativamente influenciar operações de compra e venda de

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13 MIGLIORA, Luiz Guilherme e VEIGA, Luiz Felipe, Apostila sobre Princípios Fundamentais e Natureza Tutelar do Direito do Trabalho.

empresas, já que o comprador facilmente identifica o risco e tenta afastá-lo de si através da prestação de garantias por parte do vendedor, ou mesmo pela simples redução do preço ajustado.13

O princípio da irrenunciabilidade não cuida apenas da renúncia de direi-tos, mas também da intransigibilidade. Três são tipos de direito que podem ser encontrados no Direito do Trabalho: (i) com conteúdo imperativo, cujo alcance é geral; (ii) com natureza imperativa, decorrente, por exemplo, do contrato de trabalho; e (iii) dispositivos ou supletivos. Os dois primeiros não poderão ser objeto de transação, mas somente o terceiro. Não pode o empregado, por exemplo, optar por ter anotada sua CTPS para não sofrer descontos de INSS. Mesmo que acordado entre o empregador e o emprega-do, o empregador seria intimado a pagar as cotas previdenciárias caso sofresse fiscalização, independentemente daquilo que havia acordado pelo emprega-do, por se tratar de norma cogente, cuja observância é obrigatória.

Um outro caso interessante e real é o de um executivo que foi contratado por uma empresa estrangeira para trabalhar em sua subsidiária no País e teve o seu salário definido em moeda estrangeira. Assim, a cada mês, o seu salário em reais era calculado tomando-se por base a taxa de conversão da moeda estrangeira para reais. Passados alguns anos, com a alta da moeda estrangeira, o salário desse executivo em reais se tornou excessivamente alto, a ponto de se sugerir a sua demissão e a contratação de outro executivo para o seu lugar por não ser possível a redução do seu salário para níveis de mercado.

Neste caso, o próprio executivo concordava que seu salário deveria ser reduzido em reais e queria poder manter o seu emprego. Entretanto, as par-tes sabiam que qualquer documento assinado pelo empregado nesse sentido seria inválido e criar-se-ia uma contingência em potencial para a empresa, caso o executivo viesse a questionar essa redução salarial no futuro. Este é um caso no qual a proteção aos diretos do empregado funcionou contra ele e contra a empresa, impedindo uma solução simples para o que poderia ser um problema simples.

3 PRINCIPIO DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE EMPREGO

Embora a Constituição Federal de 1988 não tenha assegurado a estabili-dade absoluta do trabalhador, a interpretação das normas referentes as inde-nizações devidas, quando da dispensa do empregado sem justa causa, sugere a presunção da duração do contrato de trabalho por tempo indeterminado.

O contrato por prazo determinado (obra certa, escopo limitado no tempo, etc.) é uma exceção e, como tal, encontra uma série de restrições na legisla-ção trabalhista, como, por exemplo, o limite máximo de 2 (dois) anos e a possibilidade de uma única renovação, estabelecido no artigo 445 da CLT. O

13. MIGLIORA, Luiz Guilherme e VEIGA, Luiz Felipe, Apostila sobre Princípios Fundamentais e Natureza Tutelar do Direito do Trabalho.

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contrato de experiência é sem dúvida o mais usual dos contratos por tempo determinado, e tem duração limitada de 90 dias (artigo 445, parágrafo úni-co), prazo após o qual teria início o contrato por prazo indeterminado.

O princípio da continuidade do contrato de trabalho também está presen-te nos artigos 10 e 448 da CLT, que tratam, respectivamente, das alterações na estrutura da empresa e na mudança de sua propriedade, que não irão afetar os direitos adquiridos e o contrato de trabalho. Ou seja, o legislador procurou proteger o trabalhador com a garantia de continuidade de seu con-trato de trabalho e das condições do mesmo, independentemente da venda, fusão ou incorporação, ou qualquer outra alteração no controle da empresa em que trabalha.

4 PRINCIPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE

No Direito do Trabalho, a força dos documentos escritos é muito relativa e estes sucumbem às evidencias que o contrariem, que demonstrem que a realidade foi diferente do que estava no papel. A relação jurídica definida pelos fatos define a verdadeira relação jurídica. Isto significa que as relações jurídicas trabalhistas se definem pela situação de fato, isto é, pela forma como se realizou a prestação de serviços.

Ensina Arnaldo Sussekind que o princípio da primazia da realidade é aquele “em razão do qual a relação objetiva evidenciada pelos fatos define a verdadeira relação jurídica estipulada pelos contraentes, ainda que sob capa simulada, não corresponde à realidade”.

Trata-se, portanto, de um princípio bastante peculiar do Direito do Traba-lho, em razão do sistema jurídico brasileiro privilegiar a forma e o conteúdo dos documentos escritos, em lugar da realidade das relações.

Tome-se, por exemplo, um contrato no qual as partes estabelecem que uma intermediará vendas para a outra e que esta relação será uma relação de representação comercial, regida por lei específica, sendo o representante re-gistrado perante o competente órgão de classe dos representantes comerciais. Imagine-se que este contrato é firmado e, por anos a fio, as partes cumprem--no à risca, até que o representado resolve rescindir o contrato, o que faz nos termos da lei aplicável a esta modalidade de relação jurídica. Se, neste mo-mento, o representante, sentindo-se lesado ou infeliz, resolver propor ação trabalhista contra o representado, alegando que a relação que havia entre eles era, de fato, uma relação de emprego, na qual estava ele sujeito a um nível de subordinação típico de um empregado, e o juiz do trabalho, ao analisar a conduta das partes durante a vigência do contrato, concordar que estavam presentes os elementos da relação de emprego, condenará o representado a pagar ao representante as verbas de natureza trabalhista aplicáveis, desconsi-

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14 MIGLIORA, Luiz Guilherme e VEIGA, Luiz Felipe, Apostila sobre Princípios Fundamentais e Natureza Tutelar do Direito do Trabalho.

15 Süssekind, Arnaldo, Instituições de Direito do Trabalho, pág. 191.

derando totalmente os termos do contrato firmado e executado pelas partes por anos e anos.14

5 PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DA NORMA MAIS BENÉFICA

O princípio da proteção ao trabalhador se concretiza em três outros prin-cípios: (i) in dúbio pro operario; (ii) aplicação da norma mais favorável; e (iii) condição mais benéfica.

O princípio do in dúbio pro operario significa dizer que sempre que houver dúvida acerca do alcance ou interpretação de determinada norma, ela deverá ser interpretada favoravelmente ao empregado, que seria a parte mais frágil da relação de emprego. O princípio da aplicação da norma mais favorável traduz a ideia de que a norma a ser aplicada será sempre aquela que for mais benéfica para o trabalhador, independentemente de sua posição hierárquica. Em termos práticos, isto equivale a dizer que prevalecerá sempre a condição mais benéfica ao trabalhador, seja ela decorrente da Constituição Federal ou de um regulamento interno da empresa. A condição mais benéfica se traduzi-rá naquele que se reverter em maior benefício para o empregado.

As normas de hierarquia mais elevadas acabam por estabelecer pisos de direitos, e não os seus limites. As normas de hierarquia inferior e mesmo os contratos individuais de trabalho prevalecem quando se trata de definir direi-tos dos trabalhadores.

6. APLICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS DE DIREITO DO TRABALHO

6.1. Introdução

Uma norma jurídica, quando é criada, não visa à regulação de um caso concreto. O objetivo da criação da norma é antecipar, mediante um processo de abstração, as classes de relações interindividuais que exijam a intervenção do Estado. As leis, portanto, são meios de comandos abstratos e gerais.

Mas é necessário que o direito seja aplicado. Para que o direito cumpra sua missão, é necessária, também, a “efetividade social”, que se traduz na sua vigência, na sua aplicação.15

A aplicação do direito é a adaptação da norma abstrata a um caso concre-to, o aplicador do direito tira a lei abstrata do papel e aplica a um caso real, existe uma passagem do geral para o particular.

14. MIGLIORA, Luiz Guilherme e VEIGA, Luiz Felipe, Apostila sobre Princípios Fundamentais e Natureza Tutelar do Direito do Trabalho.

15. Süssekind, Arnaldo, Instituições de Direito do Trabalho, pág. 191.

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6.2. Interpretação

Interpretar a lei é aplicá-la a um caso concreto; é atribuir-lhe um signifi-cado, determinando um sentido, ou seja, descobrindo a vontade da lei. Pelo sistema tradicional, o intérprete seria um simples explicador da lei; ele apli-caria exatamente o que está na lei. Por esse método, todo direito está na lei, sendo esta a expressão da vontade do legislador.

Existe também o método histórico evolutivo de interpretação de leis, que parte da premissa de que a norma tem uma vida própria, ela pode ter uma interpretação na época de sua criação e outra na época de sua aplicação, ou seja, a mesma norma pode ter um sentido na sua formação e outro sentido no momento que é aplicada.

O sistema teleológico visa buscar a finalidade da norma. O intérprete deve aplicar a norma de acordo com as necessidades práticas que o direito busca atender. Portanto, da leitura desses sistemas, nota-se que os sistemas inter-pretativos oscilam entre dois extremos: a busca da vontade do legislador ou a busca por se atender as necessidades sociais do momento.

Para alcançar o sentido da lei, devem ser usados vários meios de interpreta-ção, como a interpretação gramatical, a interpretação lógica e a interpretação sistemática. Esses meios devem ser usados em conjunto, e não isoladamente. Somente assim o interprete pode conduzir a interpretação da lei a um resul-tado satisfatório.

Pode acontecer de não existir uma lei para uma certa relação da vida social, isto é, o legislador pode não ter previsto um caso que o Estado será chamado a resolver. Nesses casos, o juiz poderá usar a analogia, a doutrina e os princípios gerais do direito para conseguir solucionar o caso concreto que a lei não previu.

A analogia é um processo de indução pelo qual se extrai o princípio a apli-car-se ao caso concreto não previsto. Então a analogia consiste na aplicação ao caso concreto não contemplado pela norma jurídica de um dispositivo de lei ou princípio do direito previsto para uma hipótese semelhante. Se a razão da lei é a mesma, idêntica há de ser a solução.

A doutrina conceitua-se como o conjunto de trabalhos científicos que tra-duzem a opinião dos autores sobre o direito. Se o objeto de seu estudo é um tema especifico, dela surgirão várias correntes e pensamentos.

Por sua vez, os princípios gerais do direito são, como dito anteriormente, enunciados genéricos, explicitados ou deduzidos do ordenamento jurídico per-tinente que visam ajudar o interprete a aplicar as normas ou a sanar omissões.

O intérprete do direito deve, na aplicação das normas, visar atender os fins sociais aos quais elas se dirigem. Em razão disso, no Direito do Trabalho esse in-térprete deve se guiar pelos princípios específicos dessa área para aplicar a norma.

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7. EFICÁCIA NO TEMPO E NO ESPAÇO

A aplicação das normas do direito do trabalho é de caráter imediato. Po-rém, deve-se respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. O artigo 912 da CLT preceitua que “os dispositivos de caráter im-perativo terão aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas, antes da vigência desta Consolidação”.

As normas trabalhistas têm efeito imediato, mas, como se pode observar do artigo 912 da CLT, não têm efeito retroativo. A Constituição brasileira não admite a retroatividade da lei conforme seu artigo 5º, XXXVI.

A lei não pode retroagir para mudar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Quanto à aplicação da lei trabalhista no espaço, no Direito do Trabalho é aplicado o princípio da territorialidade, isto é, a norma aplicada é a do local onde aconteceu a relação trabalhista. O artigo 651 da CLT e o Enunciado 207 do TST consagram o princípio da territorialidade nas relações traba-lhistas. Essa norma se aplica também no caso de conflito internacional de normas trabalhistas.

8. CASO

“Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário em que são partes: FRANCISCO JOSE SERRADOR E TURNER INTER-NATIONAL DO BRASIL LTDA como recorrentes e OS MESMOS como recorridos.

Inconformados com a r. sentença de 1º grau proferida pela MM 1ª Vara do trabalho às fls. 1141/1162, complementada pela decisão dos embargos às fls. 1194/1197, recorrem ordinariamente ambas as partes, o reclamante atra-vés das razões de fls. 1201/1226 e a reclamada às fls. 1227/1257.

Sustenta o reclamante o seu inconformismo em relação ao não acolhimen-to das teses de existência de sucessão empresarial e unicidade contratual, bem como no reconhecimento da justa causa. Pretende que a reclamada seja con-denada no pagamento em dobro das férias relativas ao período aquisitivo de 87/88 e 91/91, na integração à sua remuneração do salário pago no exterior, do benefício concedido em razão de passagens aéreas que deve ser reconheci-do como salário in natura, assim como o direito de participar de um progra-ma de compra de ações de qualquer empresa do grupo, por preço subsidiado, devendo tais parcelas integrar a remuneração e repercutir nas parcelas legais e o pagamento em dobro das férias relativas aos períodos de 87/88 e 91/92.

A reclamada em seu apelo demonstra seu inconformismo, sustentando em síntese em preliminar à inépcia da petição inicial e, no mérito, entende que

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devem ser excluídas da condenação as parcelas deferidas no julgado a quo, tais como: as comissões “programa de FS”, a integração na remuneração do reclamante dos benefícios concedidos a título de automóvel e combustível, já que as mesmas não se caracterizam salário in natura, a integração do bônus por ter caráter eventual, a não aplicação do benefício produtividade em razão das cláusulas específicas do contrato de trabalho do reclamante, que preveem aumento real de remuneração, o pagamento das férias relativa ao período de 20 dias do ano de 1982, 20 dias do ano de 1990 e 5 dias do ano de 1991, bem como a condenação das diferenças relativas aos depósitos fundiários.” (trecho do acórdão proferido pela 3a. Turma do TRT da 1a. Região no RO No. 6387/00).

A partir do relatório do acórdão transcrito no caso gerador, mais especifi-camente no que concerne ao recurso do reclamante, Francisco José Serrador, dispensado quando exercia a função de Presidente de Vendas para a América Latina da empresa Turner International do Brasil Ltda., pode-se identificar a aplicação dos os seguintes princípios:

• Primeiramente, o princípio da continuidade do contrato de trabalho, identificado pelo acórdão no seguinte trecho:

“A resposta aos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito a fls. 1004, onde consta que encontram-se acostados às fls. 164/173, cópias reprográficas da AÇÃO CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO, sendo certo que o item 3 da mesma tem o seguinte teor:

“3 — O co-réu Francisco serrador (doravante denominado simples-mente ‘SERRADOR’), começou a prestar serviços à TURNER IN-TERNATIONAL TELEVISION LICENSING COMPANY, INC., em 1986, ocasião em que a UNITED ARTISTS TV INTERNATIO-NAL, empresa na qual SERRADOR trabalhava desde 1973, foi adqui-rida pelo GRUPO TURNER”.

É, por si só, suficiente para afastar qualquer dúvida que pudesse existir quanto à existência de sucessões trabalhista e de empregador único (o Grupo Turner).

Devidamente provado que houve a aquisição de uma empresa pela outra, tal alteração na estrutura jurídica da empresa não afeta os direitos adquiridos pelos empregados, nem seus contratos de trabalhos, tudo consoante o dispos-to nos arts. 10 e 448 da CLT.”

Aqui se nota a utilização do princípio da continuidade do contrato de trabalho, embora não de forma típica, que seria a proteção do ajuste por prazo indeterminado em detrimento do ajuste por prazo certo. No caso do

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acórdão em estudo, desconsidera-se a existência de dois contratos distintos para declarar, com base em dispositivos específicos que regulam a sucessão de empregadores, a continuidade de um só contrato de trabalho (o chamado “contrato único”).

• Logo a seguir, quando o reclamante/recorrente requer o reconheci-mento de parcelas não constantes de seu contato de trabalho e não quitadas no Brasil, como, por exemplo, o salário pago no exterior, constata-se a utilização de outro princípio. Nesse caso, temos que, em função do princípio da primazia da realidade no Direito do Traba-lho: restando demonstrado (i) que o reclamante percebia determina-dos valores no exterior, não importando se estes valores constavam de seu contrato de trabalho, e (ii) que os mesmos eram decorrentes dos serviços prestados pelo empregado no País, nos termos do contrato firmado com a sua empregadora aqui, o tribunal declarou que esses pagamentos deveriam ser considerados como integrantes do contra-to de trabalho com a empresa local, independentemente de estarem previstos em contrato de prestação de serviços firmados com a sua coligada no exterior, como se denota do seguinte trecho:

“DO SALÁRIO PAGO NO EXTERIORDeclarado pela Reclamada que o Reclamante trabalhava para o

Grupo Turner (itens 2 a 4 da Ação de Indenização proposta pela Re-clamada no Juízo Cível, a fls. 478), além de serem devidas as diferenças de FGTS, férias e 13o salário em razão das comissões e bônus pagos pela empresa estrangeira, como decidido pelo d. Juízo a quo, devidas são também as diferenças de FGTS (observada a prescrição trintenária, na forma do Enunciado no. 295 do C. TST), e de férias e 13o salário (observada, para ambos, a prescrição quinquenal) em razão dos salários pagos no exterior, consoante documentos a fls. 47/52, 667/73, 84/87, e fls. 191 (item 5).”

• Há aqui, também, a contribuição dos princípios da aplicação da nor-ma mais benéfica, bem como da irrenunciabilidade de direitos. No caso concreto que gerou o acórdão, o empregado firmara contrato de prestação de serviços através do qual receberia parte de sua remune-ração de uma empresa estrangeira coligada da sua empregadora lo-cal. Este contrato previa a prestação de serviços a esta empresa e a remuneração do empregado nos termos das leis aplicáveis no país da contratação no exterior. A decisão de que este contrato deveria ser desconsiderado e que os pagamentos realizados sob a sua tutela de-veriam ser agregados aos pagamentos decorrentes do contrato com a

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empresa brasileira decorreram certamente do entendimento de que: (i) a aplicação da lei brasileira a estes pagamentos, além de condizente com o princípio da aplicação da lei do local da prestação de serviços, decorre também do fato inegável de que a lei brasileira era mais bené-fica ao trabalhador; e (ii) a desconsideração do contrato firmado pelo empregado com a empresa no exterior, sob o qual pagamentos foram feitos a ele, equivale à declaração de invalidade de um documento fir-mado pelo empregado através do qual estaria renunciando a direitos seus decorrentes da aplicação da lei brasileira aos pagamentos por ele recebidos também no exterior.

Interessante notar a aplicação destes princípios, sem ressalvas, mesmo num caso em que o empregado ocupava a mais elevada posição dentro da hierarquia da empresa. No Direito do Trabalho, a proteção aos empregados, que se baseia em muito nos princípios antes citados, não é aplicada de forma discriminatória dependendo do nível social do empregado: todos são prote-gidos da mesma forma, ficando qualquer possibilidade de relativização desta norma a cargo de cada julgador, variando caso a caso.

9. QUESTÕES DE CONCURSO

OAB/Goiás 2003 (1ª fase — 1º exame)047) — No julgamento da ação trabalhista, inexistindo normas legais, o

Juiz recorrerá:a) ( ) à solução mais favorável ao hipossuficiente.b) ( ) à legislação revogada.c) ( ) ao ser livre arbítrio.d) ( ) à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de Direito.

OAB /MATO GROSSO 2003 (1ª fase, 1º exame)53. Pelo princípio da norma mais favorável, aplicável ao direito do traba-

lho, havendo duas ou mais normas jurídicas trabalhistas sobre a mesma ma-téria, será hierarquicamente superior, e, portanto, aplicável ao caso concreto, a que oferecer maiores vantagens ao trabalhador, dando-lhe condições mais favoráveis. Todavia, esse princípio possui exceções. A saber:

I — na hipótese das leis proibitivas do Estado;II — quando a norma decorre de negociações coletivas para dar atendi-

mento a situações emergenciais;III — nas cláusulas normativas que cedem à necessidade de flexibilização,

pactuando reduções transitórias de direitos dos trabalhadores;

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IV — quando o conflito de leis ocorrer entre norma de origem profissio-nal e norma estatal, hipótese em que prevalece esta.

Responda:a) ( ) Todas as opções acima atendem ao enunciado da questão.b) ( ) Somente a opção IV não atende ao enunciado da questão.c) ( ) Somente a opção I atende ao enunciado da questão.d) ( ) As opções I e II atendem ao enunciado da questão, enquanto que as

opções III e IV não atendem ao enunciado da questão.

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16 Valentim Carrion, In: Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 27ª Ed., 2002, Editora Saraiva, pág. 20, aponta a menção aos que chamou de “sem relação de emprego” em determi-nados dispositivos da CLT. “a) o emprei-teiro ou artífice (só para lhe permitir pleitear perante a Justiça do Trabalho o preço estipulado com seu cliente, art. 652, III), b) os avulsos, que trabalham mediante intermediação de mão-de--obra: capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigi-lância de embarcações, L. 8.630/93 e L.9.719/98, e aos que a CF de 1988, art. 7º, XXXIV, garante os mesmos direitos dos empregados; c) os que devem pos-suir carteira de trabalho e previdência social (art.13 e segs.)”

17 Migliora, Luiz Guilherme e Luiz Felipe Veiga, Administração do Risco Traba-lhista. Rio de Janeiro, Ed. Lúmen Juris, 2003, pp.

AULA 5. O TRABALHADOR E SEUS VÁRIOS TIPOS DE PRESTADORES DE SERVIÇO

Entende-se por relação de trabalho aquela que envolve um alguém que necessita de determinado serviço e outro alguém que irá prestar o serviço de que o outro necessita. Nas relações de trabalho modernas existem diversas espécies de prestação de serviço. Cada uma delas é regida de uma forma especial, como, por exemplo, o colaborador em obra social, o estagiário, o síndico e o sócio.

Podemos dizer que a diferenciação mais relevante para determinar como será regida a prestação de serviço está na pessoa do prestador de serviço e im-plica em determinar sua qualidade de empregado ou não-empregado.

A Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”) rege a prestação de serviço pelo empregado16, isto é, a relação de emprego, que é espécie do gênero rela-ção de trabalho. Portanto, para definir o que é relação de emprego, é neces-sário conhecer os elementos caracterizadores dessa relação que a diferenciam das demais relações de trabalho, determinando assim a legislação aplicável.

1. VÍNCULO EMPREGATÍCIO E ELEMENTOS CONFIGURADORES

O artigo 3º da CLT define como empregado “toda pessoa física que pres-tar serviços de natureza não-eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário”. Ou seja, para que seja caracterizada a existência de vínculo de emprego é necessária a presença concomitante dos requisitos elencados no artigo 3º da CLT, a saber17:

1.1 Pessoalidade

A prestação de serviço deve ser feita com pessoalidade, isto é, trata-se de uma relação intuitu persone, em que existe a necessidade de que os serviços sejam sempre prestados pessoalmente pelo empregado. Nesse caso, o empre-gado não pode se fazer substituir por outra pessoa.

1.2 Subordinação

Trata-se do elemento mais característico da relação de emprego. A su-bordinação consiste, basicamente, na sujeição do empregado ao poder de direção e comando exercido pelo empregador de determinar as condições de utilização da força de trabalho do empregado. Por se tratar de um conceito

16. Valentim Carrion, In: Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 27ª Ed., 2002, Editora Saraiva, pág. 20, aponta a menção aos que chamou de “sem relação de emprego” em determi-nados dispositivos da CLT. “a) o emprei-teiro ou artífice (só para lhe permitir pleitear perante a Justiça do Trabalho o preço estipulado com seu cliente, art. 652, III), b) os avulsos, que trabalham mediante intermediação de mão-de--obra: capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigi-lância de embarcações, L. 8.630/93 e L.9.719/98, e aos que a CF de 1988, art. 7º, XXXIV, garante os mesmos direitos dos empregados; c) os que devem pos-suir carteira de trabalho e previdência social (art.13 e segs.)”

17. Migliora, Luiz Guilherme e Luiz Felipe Veiga, Administração do Risco Trabalhista. Rio de Janeiro, Ed. Lúmen Juris, 2003, pp.

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18 Martins, sérgio Pinto, Direito do Traba-lho. São Paulo, Atlas S.A., 2002, pp

19 Martins, sérgio Pinto, op. cit., , pp

vago, determinar a presença do elemento em uma relação de trabalho nem sempre é tarefa fácil.

1.3 Não-Eventualidade

A prestação de serviços deve se dar, ainda, de modo contínuo para o em-pregador. A não-eventualidade talvez seja o mais polêmico dos requisitos do artigo 3º da CLT, uma vez que possui um elemento subjetivo, que é a percep-ção do conceito de eventualidade, ou, como alguns doutrinadores preferem chamar, habitualidade. A grande discussão refere-se à frequência com a qual determinado serviço deve ser prestado para que seja considerado não-eventu-al, ou seja, habitual.

Conforme ensina Sérgio Pinto Martins18, a prestação de serviços é na maioria das vezes feita diariamente, muito embora pudesse ser feita de outra forma. Poderia o empregado trabalhar uma ou duas vezes por semana, mas sempre no mesmo dia e horário para que ficasse caracterizada a continuidade da prestação de serviços.

Nesse sentido, importa lembrar que, diferentemente de um contrato de compra e venda, por exemplo, que se exaure numa única prestação (é pago o preço e entregue a coisa), o contrato do trabalho é de trato sucessivo, se prolongando no tempo.

1.4 Onerosidade

Por fim, o último requisito seria a onerosidade, que significa a retribuição pecuniária pelo serviço prestado pelo empregado. Quando os serviços forem prestados gratuitamente não se caracterizará o vínculo de emprego. Exem-plo sempre lembrado para esclarecer essa questão é o caso da pessoa que se voluntaria para prestar gratuitamente serviços para um hospital ou entidade beneficente. Nesse sentido, a Lei 9.608/98, em seu artigo 1º, estabelece que o serviço voluntário não gera vínculo empregatício, uma vez que se trata de atividade não-remunerada.

Sergio Pinto Martins19 enumera, além desses 4 requisitos, um requisito adicional, que seria a alteridade. Alteridade significa o empregado prestar serviços por conta alheia. É o trabalho sem assunção de qualquer risco pelo trabalhador. O empregado pode participar dos lucros da empresa, mas não dos prejuízos. Já o trabalhador autônomo presta serviço por conta própria e assume os riscos de sua atividade.

18. Martins, sérgio Pinto, Direito do Trabalho. São Paulo, Atlas S.A., 2002, pp

19. Martins, sérgio Pinto, op. cit., , pp

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20 Migliora, Luiz Guilherme e Luiz Felipe Veiga, op. cit., p.

21 Migliora, Luiz Guilherme e Luiz Felipe Veiga, ob. cit., Pág.

2. TRABALHADOR AUTÔNOMO CONTRIBUINTE INDIVIDUAL

A CLT não se aplica aos trabalhadores autônomos, mas apenas a empre-gados, razão pela qual não se encontra a sua definição no referido diploma legal. A definição de trabalhador autônomo pode ser encontrada na legislação previdenciária como a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não (Lei 8.121/91, artigo 12, V, “a”).

A principal diferença entre o trabalhador autônomo e o empregado é que o autônomo não é subordinado àquele que contrata sua prestação de servi-ços, não estando sujeito ao poder diretivo do empregador, podendo exercer livremente sua atividade de acordo com sua conveniência. Além disso, o au-tônomo trabalha por conta própria e não alheia: ele tem os riscos do negócio.

Deve ser registrado, no entanto, que a contratação de serviços ligados di-retamente à atividade de uma empresa através de trabalhadores autônomos geralmente implica em riscos para a empresa contratante. Na realidade, o trabalho autônomo é comum e não traz riscos quando desenvolvido eventu-almente. São claramente autônomos, por exemplo, técnicos em informática que vão a empresas de pequeno porte, quando solicitados para resolver pro-blemas além de uma ou duas vezes por mês para manutenção. Esses traba-lhadores geralmente gozam de total autonomia na prestação de seus serviços. Se, entretanto, eles passam a estar na empresa com maior frequência, a seguir normas da empresa, a respeitar horário e, especialmente, a se reportar a al-guém na empresa, deixam de ser autônomos e passam à categoria de empre-gados.20

Como já dito acima, a subordinação é a nota característica do contrato de trabalho. Assim, uma vez verificada a existência de subordinação, cuja con-figuração pode ocorrer, por exemplo, quando o prestador de serviços estiver sujeito ao cumprimento de (a) jornadas de trabalho previamente definidas pelo empregador e (b) ordens emanadas do empregador, relacionadas tanto aos aspectos técnicos quanto disciplinares, restará configurado o vínculo de emprego.21

3. EMPREGADO URBANO E RURAL

De acordo com redação do artigo 7º, b, da CLT, os preceitos deste di-ploma legal não se aplicavam aos trabalhadores rurais. Referido dispositivo, contudo, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 que, em seu artigo 7º, equiparou os trabalhadores urbanos e rurais ao garantir-lhes os mesmos direitos. Assim, não mais aproveita a definição de trabalhador

20. Migliora, Luiz Guilherme e Luiz Felipe Veiga, op. cit., p.

21. Migliora, Luiz Guilherme e Luiz Felipe Veiga, ob. cit., Pág.

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22 Valentim Carrion, ob. cit., Pág. 42

rural contida na CLT, mas, sim, aquela da Lei 5.889/73, que ficou conhecida como lei do trabalhador rural.

Diz o artigo 2º da Lei 5.889/73 que empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não--eventual a empregador rural, sob dependência deste e mediante salário. Já a Convenção n.º 141 da OIT define como trabalhador rural toda pessoa que se dedica, em região rural, a tarefas de natureza agrícola ou artesanais, com-preendendo os assalariados, arrendatários, parceiros e pequenos proprietários de terra. Já o trabalhador urbano é aquele que se dedica a atividades exercidas no ambiente urbano, dentro das cidades.

Considerando que a Lei 5.889/73 é a legislação mais específica, ela predo-mina sobre quaisquer disposições contrárias da CLT. Nesse sentido, confor-me estabelece o artigo 7º, o trabalho noturno do rural será das 21 às 05 horas, e não a partir das 22 horas como para o trabalhador urbano e o adicional noturno será de 25%, e não de 20%.

4. EMPREGADO DOMÉSTICO

Empregado doméstico é a pessoa física que, com intenção de ganho, traba-lha para outra ou outras pessoas físicas, no âmbito residencial e de forma não--eventual. No conceito legal, é quem presta serviços de natureza contínua e de finalidade não-lucrativa à pessoa ou família, no âmbito residencial destas22.

O trabalho doméstico era anteriormente regulado pela Constituição Fede-ral de 1988 e pela lei do trabalho doméstico, Lei nº 5.859/72. Diferentemen-te do trabalhador rural, a redação original da Constituição não garantiu ao doméstico os mesmos direitos garantidos aos demais trabalhadores urbanos, mas apenas aqueles dos incisos IV (salário mínimo), VI (irredutibilidade sa-larial), VIII (13º salário), XV (repouso semanal remunerado), XVII (bônus de 1/3 sobre férias), XVIII (licença-gestante de 120 dias), XIX (licença-pa-ternidade), XXI (aviso prévio de 30 dias), XXIV (aposentadoria) e integração à Previdência Social.

Com objetivo de atenuar as diferenças entre os benefícios concedidos aos trabalhadores urbanos e aos trabalhadores domésticos, a Lei 10.208/01 al-terou a Lei 5.859/72, para incluir a possibilidade de o empregador recolher FGTS para o doméstico (tratava-se de uma faculdade, e não de uma obri-gação legal) e também para que o doméstico passasse a fazer jus ao seguro desemprego.

Contudo, alteração ainda mais significativa adveio com a promulgação da Emenda Constitucional nº 72 em 2013, que alterou o art. 7º da Constitui-ção Federal, aumentando de forma expressiva os direitos dos trabalhadores domésticos.

22. Valentim Carrion, ob. cit., Pág. 42

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Art. 7º § único da Constituição Federal — São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tri-butárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 72, de 2013)

Em 2015, a Emenda Constitucional 72 foi enfim regulamentada pela Lei Complementar 150, garantindo aos empregados domésticos os direitos que ainda dependiam da devida regulamentação, como

• Duração do trabalho/ Horas extras• Remuneração de horas trabalhadas em viagem a serviço• Intervalo para refeição e/ou descanso• Adicional noturno/ hora noturna reduzida• FGTS — Fundo de Garantia do Tempo de Serviço• Salário-família• Proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa

Sem dúvida, o maior impacto nas relações entre trabalhador doméstico e empregador foi sentido na implementação do limite à duração do trabalho e consequente pagamento de horas extras, e da obrigatoriedade do recolhi-mento do FGTS.

O empregador doméstico passou a ter a obrigação de controlar a jornada de trabalho do empregado doméstico, que será de 44 horas semanais e/ou 8 horas diárias, através de registro adequado, e de pagar como extras as horas excedentes à jornada contratada. Inúmeras questões passaram a ser objeto de discussão como, por exemplo, como seria feita a fiscalização da jornada de trabalho quando muitas vezes o empregador não está presente no ambiente doméstico, o porquê da obrigação de controle formal dos horários de traba-lho, quando esta obrigação somente existe para o empregador pessoa jurídica com mais de 10 empregados, dentre outras. Considerando que a regulamen-tação destes direitos é recente, ainda não há posicionamento jurisprudencial sobre o tema.

O FGTS cujo recolhimento também passou a ser obrigatório, foi fonte de outra discussão: diferentemente do empregador-empresa, o empregador do trabalhador doméstico tem a obrigação de recolher antecipadamente, de for-ma mensal, 3,2% da remuneração do trabalhador destinado ao pagamento

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futuro da multa de 40% em caso de demissão sem justa causa do trabalhador. A legislação impôs ao empregador do trabalhador doméstico, que é pessoa física e emprega sem fins lucrativos, ônus maior do que o empregador-em-presa, cuja obrigação de recolhimento da multa ocorre apenas por ocasião da demissão sem justa causa.

5. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

Martins, Sérgio Pinto, Direito do Trabalho. São Paulo, Atlas S.A., 2002, pp 91, 103-104, 137-142, 175.

Migliora, Luiz Guilherme e Luiz Felipe Veiga, Administração do Risco Tra-balhista. Rio de Janeiro, Ed. Lúmen Juris, 2003, pp.

Carrion, Valentin, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo, Saraiva, 2002 pp. 18-40.

Sussekind, Arnaldo et al, Instituições de Direito do Trabalho, vol I. São Pau-lo, LTR, 2000, pp. 235-326.

6. CASO

RR 515633 — TST 3ª TurmaRelator: Ministra Maria Cristina Irigoyen PeduzziRecorrente: Carrefour Comércio e Indústria Ltda.Recorrido: João Carlos Coelho Diniz e Outra

6.1 Ementa

Preliminar de nulidade do acórdão regional por negativa de prestação ju-risdicional. O Tribunal de origem, examinando as provas indicadas nos au-tos, e a legislação pertinente à profissão de músico, entendeu configurada a relação de emprego, porquanto constatou a existência dos requisitos do artigo 3° da CLT. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional quando se en-contram bem delineados os fundamentos do acórdão regional, possibilitando à Recorrente saber os motivos que levaram o Tribunal a proferir a decisão. Vínculo empregatício — músico — empregado sujeito à legislação específi-ca. Conforme salientado pelo acórdão regional, e de acordo com a legislação específica sobre o tema (Lei nº 38567/60 e Portaria do MTb n° 3347/86), o

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músico presta serviços eventuais à empresa apenas quando o tempo de traba-lho não ultrapasse sete dias consecutivos e haja um intervalo de no mínimo trinta dias subseqüentes entre a realização dos serviços. Não foi o que ocorreu no caso vertente. Constatou o Tribunal a quo que os Reclamantes, durante seis meses, trabalharam todos os fins de semana para a Reclamada, restando caracterizada a pessoalidade, a subordinação e a habitualidade. Incidência do Enunciado n° 126 do TST. Recurso de Revista não conhecido.

6.2 Acordão

Acordam os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Traba-lho, por unanimidade, não conhecer integralmente do Recurso de Revista.

Brasília, 27 de novembro de 2002Ministra Relatora Maria Cristina Irigoyen Peduzzi

6.3 Voto

A SRA. MINISTRA MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI (RE-LATORA)

(...)Requisitos Extrínsecos de admissibilidade. Atendidos os requisitos extrín-

secos de admissibilidade, passo ao exame do Recurso.

I — Preliminar de nulidade do acórdão regional por negativa de prestação jurisdicional.

a) Conhecimento — A Recorrente argúi, em preliminar, a nulidade do julgado por negativa de prestação jurisdicional. Argumenta que, não obs-tante instado via Embargos de Declaração, o Eg. Tribunal Regional não se manifestou quanto ao disposto nos artigos 333, I, do CPC e 818 da CLT, mantendo a sentença que reconhecera o vínculo empregatício dos Reclaman-tes músicos — por mera presunção. No mais, aduz que o acórdão regional silenciou quanto à existência de subordinação, pessoalidade e habitualidade, restando omissa a análise dos artigos 2°, 3°, da CLT. Aponta violação aos arts. 832 da CLT e 5º, incisos XXXV e LV e 93, inciso IX, da Constituição Federal. Não lhe assiste razão. O Tribunal de origem, examinando as provas indicadas nos autos, e a legislação pertinente à profissão de músico, entendeu configurada a relação de emprego, porquanto constatou a existência dos re-quisitos do artigo 3° da CLT. Ao contrário do sustentado, o reconhecimento do vínculo não ocorreu por mera presunção. O acórdão regional analisou

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as notas contratuais acostadas aos autos, constatando a existência de pesso-alidade, a continuidade na prestação dos serviços prestados entre 31.07.97 e 10.01.98 e a habitualidade todos os fins de semana. Desse modo, não há falar em negativa de prestação jurisdicional quando se encontram bem de-lineados os fundamentos do acórdão regional, possibilitando à Recorrente saber os motivos que levaram o Tribunal a proferir a decisão. Pelo exposto, não conheço.

II — Vínculo Empregatício.a) Conhecimento — O Tribunal Regional reconheceu o vínculo emprega-

tício entre as partes, assim decidindo: O músico profissional se vincula a uma empresa por duas formas: (a) prestando serviços eventuais ou em substituição a outro músico empregado, quando deverá ser emitido documento deno-minado Nota Contratual, ou (b) através de relação de emprego, por prazo determinado ou indeterminado, quando será firmado contrato de trabalho. A prestação de serviços ajustados por Nota Contratual não poderá ultrapassar a sete dias consecutivos, vedada a utilização desse mesmo profissional nos trinta dias subseqüentes, pela mesma empresa. Desobedecidos estes limites, presume-se caracterizada a relação de emprego (Lei nº 3.857/60), interpreta-da e regulamentada pela Portaria do MTb nº 3.347/86). No caso dos autos constata-se, pelo exame das notas contratuais, que os Reclamantes trabalha-vam todos os fins de semana, durante seis meses, desde 31.07.97 (fls. 12) até 10.01.98 (fls. 32). (fl. 149) No acórdão de Embargos de Declaração, acres-centou que: Não ocorreu qualquer omissão. Quando foi dito, no acórdão em-bargado, que a desobediência aos limites previstos na Lei nº 3.857/60, inter-pretada e regulamentada pela Portaria MTb nº 3.347/86, ficou estabelecida a presunção de que havia entre as partes relação de emprego, acrescentando-se que não foi feita nenhuma prova que a destruísse, é evidente que não se iria decidir desta forma violando as disposições legais que regem a distribuição ônus da prova (fl. 165). Alega a Reclamada que a Nota Contratual firmada entre as partes sempre foi observada nos exatos termos e condições e que, nos recibos de pagamento de autônomo, não constam o pagamento de salário ou qualquer direito de natureza não eventual. Dessa forma, entende ausentes os elementos caracterizadores do vínculo regulado no art. 3º da CLT. Por fim, aduz que os Reclamantes obtiveram êxito em quase a totalidade dos pedidos, quando se verifica que não se desincumbiram do ônus que lhes cabia nos termos dos arts. 333, inciso I, do CPC e 818 da CLT. Cita arestos para con-fronto de teses. Conforme salientado pelo acórdão regional, e de acordo com a legislação específica sobre o tema (Lei nº 3.8567/60 e Portaria do MTb n° 3.347/86), o músico presta serviços eventuais para a empresa apenas quando o tempo de trabalho não ultrapassar sete dias consecutivos ou haja um inter-valo de no mínimo trinta dias subseqüentes entre a realização dos serviços.

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Não foi o que ocorreu no caso vertente. Constatou o Tribunal a quo que os Reclamantes, durante seis meses, trabalharam todos os fins de semana para a Reclamada, restando, portanto, caracterizada a pessoalidade, a subordinação e a habitualidade. É importante ressaltar que a Constituição Federal apenas fixa o limite máximo da jornada de trabalho, podendo haver vínculo de em-prego, mesmo quando a jornada é reduzida. É o que acontece, em casos espe-ciais, como na profissão de músico. Ante o exposto, não conheço do Recurso de Revista, ante a incidência do Enunciado n° 126/TST.

7. QUESTÕES DE CONCURSO

3º EXAME, 1ª fase (2002)(OAB/AL — 3º Exame, 1ª fase — 2002) 26. Qual dos requisitos abaixo,

considerando se tratar de empregado autônomo, impede o reconhecimento do vínculo empregatício:

a) ( ) Pessoalidade.b) ( ) Continuidade.c) ( ) Subordinação.d) ( ) Onerosidade.

OAB / PB 2003 (1ª fase, 2ª exame)71. Assinale a alternativa que correlacione corretamente a definição de

trabalhador autônomo, trabalhador avulso e trabalhador eventual.I. Aquele que, sindicalizado ou não, presta serviços sem vínculo empre-

gatício a diversas empresas, com intermediação obrigatória do sindicato da categoria ou do órgão gestor de mão-de-obra.

II. Pessoa física contratada apenas para trabalhar em certa ocasião especí-fica, sem relação de emprego.

III. Pessoa física que presta serviços com habitualidade, com continuida-de, por conta própria, a uma ou mais de uma pessoa, assumindo os riscos da atividade econômica.

a) ( ) I autônomo, II avulso, III eventual.b) ( ) I eventual, II avulso; III autônomo.c) ( ) I eventual, II autônomo, III avulso.d) ( ) I avulso, II eventual, III autônomo.

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AULA 7: RISCO DE RECONHECIMENTO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO

1. INTRODUÇÃO

Nesta aula, será estudada a diferença entre relação de trabalho e relação de emprego, com ênfase nos trabalhadores que, pelas características inerentes à sua prestação de serviços, não terão vínculo empregatício com aqueles para quem prestam serviços. Contudo, muito embora, em tese, tais tipos especiais de trabalhadores não sejam considerados empregados, em algumas situações haverá o risco de reconhecimento de vínculo empregatício, como será abor-dado de forma mais detalhada a seguir.

2. OBJETIVOS

• Diferenciar relação de emprego de relação de trabalho;• Analisar a existência ou não de vínculo empregatício, identificando as

exceções legais mais relevantes; e• Debater as vantagens e desvantagens de uma postura agressiva por

parte das autoridades em favor do reconhecimento de vínculo de em-prego em situações limítrofes.

3. RELAÇÃO DE TRABALHO VS. RELAÇÃO DE EMPREGO

Com a Emenda Constitucional nº 45, que alterou a redação do artigo 114 da Constituição Federal de 1988 (“CF/88”) e dispõe sobre a competência da Justiça do Trabalho, grande enfoque foi dado à distinção entre relação de trabalho e relação de emprego.

Explica-se. A redação original do artigo 114 da CF/88 limitava a com-petência da Justiça do Trabalho a dirimir conflitos da relação de emprego, enquanto a nova redação fala em relação de trabalho. O consenso foi de que a mudança na redação ampliou a competência da Justiça do Trabalho, já que o conceito de relação de trabalho vai muito além das relações jurídicas defi-nidas na CLT, estas, sim, as relações de empregos (art 2º, 3º e 442 da CLT).

Relação de trabalho, portanto, é a expressão a ser utilizada sempre que se fizer referência a trabalho prestado através do emprego de energia humana para realização de determinado fim em proveito da parte que o contrata. As relações de trabalho, por sua vez, podem se dar tanto forma autônoma quanto subordinada. Quando ocorrem de forma subordinada, configuram a

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23 MARANHÃO, Délio. Instituições do Direito do Trabalho, 18ª Ed., Editora LTr, São Paulo, 1999. Atualizado por João de Lima Teixeira Filho.

espécie “relação de emprego”. Por esta razão, alguns doutrinadores afirmam que a “relação de emprego” seria espécie do gênero “relação de trabalho”.

Antes mesmo do advento da Emenda Constitucional nº 45, e sem preten-der diferenciar as expressões relação de trabalho e relação de emprego, Délio Maranhão fez interessante distinção entre trabalho subordinado e trabalho autônomo, que, em última análise, irá diferençar as relações de trabalho das de emprego, in verbis:

“Trabalho Subordinado e trabalho autônomo. Empreitada. Na socieda-de moderna distinguem-se, nitidamente, dois grandes ramos de atividade ligada à prestação de trabalho: trabalho subordinado e trabalho autônomo. A expressão — “contrato de trabalho” — designa um gênero muito amplo, que compreende todo trabalho pelo qual uma pessoa se obriga a prestação de trabalho em favor de outra.”23

Diferentemente das Aulas 5 e 6, nas quais o foco era a relação de trabalho subordinado, ou seja, as relações de emprego, esta aula tem como foco as rela-ções de trabalho autônomo, ou seja, as relações em que não há subordinação stricto sensu, que é um dos elementos da relação de emprego. Isto não significa dizer, contudo, que não poderá haver qualquer tipo de subordinação, pois é inerente a qualquer contrato de trabalho a existência de subordinação objeti-va, que será exercida pela parte contratante.

4. CASOS MAIS COMUNS DE TRABALHADORES SEM VÍNCULO

4.1 Diretor Estatutário e Sócio

4.1.1. Definição da Lei das S/A — Órgão da Sociedade

Como regra geral, o diretor eleito de sociedade anônima é órgão da sociedade que o elege, e não seu empregado. Segundo a doutrina especia-lizada, a relação de emprego é, em verdade, incompatível com o cargo de diretoria, uma vez que este demanda certa autonomia e liberdade, que são antagônicas à subordinação jurídica, característica da relação de emprego. Deve ser sempre registrado, entretanto, em homenagem ao princípio da realidade, que a definição do vínculo empregatício de um diretor estatutá-rio dependerá sempre do grau de autonomia ou subordinação presente no exercício do cargo.

23. MARANHÃO, Délio. Instituições do Direito do Trabalho, 18ª Ed., Editora LTr, São Paulo, 1999. Atualizado por João de Lima Teixeira Filho.

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4.1.2. Mudanças na administração das sociedades limitadas trazidas pelo Código Civil 2002

O Código Civil de 2002 (“NCC”), ao modificar as disposições no tocante às antigas sociedades por quotas de responsabilidade limitada — atuais so-ciedades limitadas — alterou também a estrutura da administração destas, instituindo as figuras do administrador sócio e do administrador não-sócio. Este último substituiu os gerentes-delegados que, perante os Tribunais Traba-lhistas, eram vistos, na maioria das vezes, como verdadeiros empregados, em razão do traço de subordinação.

Sob os pontos de vista trabalhista e previdenciário, a referida mudança aproximou o administrador não-sócio da sociedade limitada dos diretores estatutários das sociedades anônimas, razão pela qual deve ser reduzida, na jurisprudência, a discussão acerca da existência ou não de vínculo no caso do diretor não-empregado que também não seja sócio nas sociedades limitadas, dependendo essa definição sempre do nível de subordinação desses indivídu-os no desempenho de suas funções na sociedade.

4.1.3. Diretor Empregado e Não-Empregado — Enunciado nº 269 do TST

O Enunciado nº 269 do TST trata da hipótese em que o empregado é eleito para ocupar cargo de diretoria:

“O empregado eleito para ocupar cargo de diretor tem o respectivo con-trato de trabalho suspenso, não se computando o tempo de serviço desse período, salvo se permanecer a subordinação jurídica inerente à relação de emprego”.

Depreende-se que, como regra geral, o diretor estatutário não será con-siderado empregado da sociedade, ficando seu contrato de trabalho suspen-so. Entretanto, em restando constatada a subordinação jurídica deste, estará configurada a relação de emprego, tratando-se, assim, de verdadeiro empre-gado, razão pela qual não se poderia cogitar da suspensão de seu contrato de trabalho. Isso significa que a inexistência de relação de emprego entre socie-dade e seu diretor estatutário depende basicamente do grau de autonomia do diretor estatutário, ou melhor, de que se lhe assegure a autonomia inerente ao cargo de estatutário.

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24 Direito do Trabalho, Editora Jurídico Atlas, 11ª ed., p. 141

4.1.4. Espécies de Diretor Estatutário

Os diretores estatutários podem ser divididos em três categorias, quais sejam: (i) diretor estatutário empregado, (ii) diretor estatutário empregado com contrato de trabalho suspenso e (iii) diretor estatutário.

Sérgio Pinto Martins descreve tais categorias da seguinte forma:

“O empregado pode ser eleito diretor e passar a exercer o cargo de dire-toria podendo ser considerado diretor-empregado ou diretor-órgão, depen-dendo do caso. Pode existir outra situação de fato, quando a pessoa é con-tratada para ser diretor, por suas qualificações técnicas, o que vai depender do elemento subordinação para a configuração da relação de emprego”.24

4.1.4.1. DIRETOR EMPREGADO ESTATUTÁRIO

Nesta categoria, estão abrangidos os empregados de carreira das socieda-des que são, posteriormente, galgados ao cargo de diretor por meio de elei-ção. Esta categoria é a que causa maiores controvérsias em torno da existência de vínculo empregatício, tendo em vista que, muitas vezes, torna-se difícil a clara distinção entre a subordinação, antes existente por força do contrato de trabalho, e a liberdade/autonomia concedida por força do mandato.

Evidente que a subordinação terá que ser comprovada no caso concreto, onde será observado o princípio da primazia da realidade. Contudo, em res-tando esta comprovada, estará caracterizada a relação de emprego, importan-do, na prática, na continuidade do contrato de trabalho mesmo durante o mandato.

A opção por manter o vínculo empregatício de um diretor eleito pode decorrer, ainda, da adoção de uma posição mais conservadora por parte da empresa que, tendo plena consciência da subordinação que será imposta ao empregado eleito para o cargo de diretoria, não suspende o contrato de traba-lho deste, visando a se resguardar que este pleiteie junto à justiça do trabalho a declaração da continuidade do vínculo, mesmo após sua eleição. É possível, ainda, que uma pessoa contratada diretamente como diretor eleito de uma sociedade anônima seja registrada também como empregado. Embora pouco comum, esta hipótese configura-se possível quando se tem ciência do nível de subordinação a que estará sujeito esse diretor e se opta por eliminar a possi-bilidade de uma ação futura postulando a declaração de vínculo de emprego.

24. Direito do Trabalho, Editora Jurídico Atlas, 11ª ed., p. 141

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25 Tal afirmação é excetuada pela exis-tência de regimes internos de diretoria, quando se trata de diretoria colegiada, prevendo que os diretores deverão se reportar a um diretor escolhido, na maior parte das vezes, de acordo com área de relevância para a empresa, que será hierarquicamente superior aos demais.

4.1.4.2. DIRETOR ESTATUTÁRIO COM CONTRATO DE TRABALHO SUSPENSO

Estão enquadrados nesta categoria os diretores que eram empregados e foram eleitos para o cargo de diretoria, onde agiram como verdadeiros dire-tores, i.e., com liberdade e autonomia típicas deste cargo, estando ausentes os traços característicos da relação de emprego, mais precisamente a subordi-nação jurídica. Estes são os casos em que comumente se postula, quando da exoneração do diretor, a declaração de vínculo. A questão da subordinação deve ser definida com base na forma de se reportar a que se sujeitava o dire-tor. Um diretor típico deve se reportar apenas ao conselho de administração e/ou assembleia de acionistas e não, em tese, a outros diretores25 ou a acio-nistas isoladamente. Os poderes outorgados ao diretor no contrato social e a autonomia para exercê-los também possibilitam verificar a inexistência de subordinação.

4.1.4.3. DIRETOR ESTATUTÁRIO

Na terceira e última categoria, estão enquadrados os diretores das socieda-des anônimas que foram diretamente eleitos para o cargo, sem nunca terem sido empregados da empresa. Neste caso, a questão se apresenta em termos nitidamente mais simples, pois, além de não existirem parâmetros anteriores de autonomia, os diretores já iniciam sua prestação de serviços regidos pelas normas aplicáveis às sociedades anônimas.

E mais, quanto ao Enunciado nº 269 do TST, transcrito linhas acima, pode-se defender que ele não é aplicável a esta categoria de diretores, uma vez que fala em “permanência” da subordinação, o que leva à conclusão de que a previsão nele contida aplicar-se-ia apenas àqueles diretores que mantiveram contrato de trabalho com a sociedade anônima.

Estando presentes os elementos do contrato de trabalho, entretanto, há a possibilidade de declaração de vínculo de emprego mesmo dos diretores eleitos que nunca foram empregados das empresas à qual ficaram vinculados.

4.1.5. Discussão acerca da obrigatoriedade de depósito de FGTS dos empregados eleitos para o cargo de diretoria

Muito se discute sobre a obrigatoriedade de recolhimento de FGTS dos empregados que foram eleitos para cargos de diretoria. A discussão, neste ponto, gira, basicamente, em torno da distinção entre diretor empregado e diretor não-empregado.

Em sendo o diretor considerado verdadeiro empregado, configura-se a continuidade da relação de emprego mesmo durante o mandato, devendo o

25. Tal afirmação é excetuada pela existência de regimes internos de di-retoria, quando se trata de diretoria colegiada, prevendo que os diretores deverão se reportar a um diretor es-colhido, na maior parte das vezes, de acordo com área de relevância para a empresa, que será hierarquicamente superior aos demais.

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empregador pagar-lhe todas as verbas a este inerentes, inclusive os depósitos do FGTS.

O maior debate, contudo, concentra-se na obrigatoriedade de recolhimen-to dos depósitos fundiários, nos casos de diretores não-empregados. Neste ponto, devem ser interpretadas, de forma harmônica, as disposições contidas no Decreto nº 99.684/90, que regulamentou a lei do FGTS, bem como as disposições contidas na Instrução Normativa nº 25/2001, da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho.

Da análise lógico-sistemática dos artigos 7º, 8º e 29º do referido decre-to, bem como dos artigos 8º, §2º, 9º e 12º, parágrafo único, IV da referida Instrução Normativa, pode-se concluir que a obrigatoriedade de depósito de FGTS existe somente em relação aos diretores empregados, sendo tais depósitos uma faculdade dos empregadores em relação aos diretores não--empregados.

4.2 Trabalhador Autônomo

O trabalhador autônomo, entre todas as figuras próximas à do empregado, é aquela que tem maior generalidade, extensão e importância sócio-jurídica no mundo contemporâneo. Ele está regido pelo Código Civil, e não pela CLT. Como trabalho autônomo entende-se aquele que se realiza sem os ele-mentos fáticos-jurídicos da subordinação e, em alguns casos, da pessoalidade.

A subordinação refere-se ao modo de concretização do trabalho pactuado. Ela ocorre quando o empregador exerce seu poder de direção sobre a ati-vidade desempenhada pelo trabalhador, no modus faciendi da prestação de serviço. A intensidade de ordens, no tocante à prestação de serviços, é que tenderá a determinar, no caso concreto, qual sujeito da relação jurídica detém a direção da prestação dos serviços: sendo o próprio profissional, trata-se de trabalho autônomo; sendo o tomador de serviços, surge a figura do trabalha-dor subordinado, com vínculo.

A ausência de pessoalidade se traduz na possibilidade de substituição do profissional realizador da tarefa pactuada. Se não houver pessoalidade, a re-lação não é de emprego. A pessoalidade, entretanto, pode estar presente, sem que isto signifique a caracterização da relação de emprego. Algumas ativida-des podem ser exercidas sem vínculo de emprego, como é o caso dos serviços de artistas, advogados, médicos e outros, nos quais a pessoalidade é da essên-cia sob o ponto de vista do tomador do serviço.

Como característica comum entre o trabalhador autônomo e o emprega-do, temos a onerosidade contratual, que poderá ser denominada como salá-rio, no caso do empregado, ou como honorário, no caso do trabalhador autô-nomo. Igual afirmação pode ser feita sobre a habitualidade, sempre presente

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na relação de emprego, mas que também pode estar presente no trabalho autônomo.

O trabalhador autônomo ou prestador de serviços terá somente os direitos estabelecidos no contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes. Assim, se constar o pagamento de indenização pela rescisão do contrato, por iniciativa do tomador de serviço, o trabalhador terá direito a receber essa parcela. Poderá também ser estabelecida a obrigatoriedade de concessão de pré-aviso para a rescisão ou pagamento indenizado desse período.

Um outro elemento interessante na definição de um trabalhador autôno-mo é a assunção pelo prestador de serviços dos riscos do negócio, chamada “alteridade”. O empresário, mesmo que de seu próprio trabalho, é autônomo por definição. Um trabalhador que presta serviços para várias empresas, que define a sua forma de prestação e que corre o risco de seu negócio é autôno-mo, e não empregado, por definição.

4.3 Representante Comercial

O conceito de representante comercial pode ser extraído da Lei 4.886/65, que, no seu art. 1º, dispõe que: “Exerce a representação comercial autôno-ma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que de-sempenha, em caráter não-eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados, praticando ou não atos re-lacionados com a execução dos negócios”. Esta lei encontra alterações na Lei nº 8.420/92 e ambas ordenam a representação comercial quando, sem relação de emprego, pessoa física ou jurídica faz a mediação para a realização de negócios mercantis.

Não se confundem, embora apresentem alguns pontos comuns, represen-tação comercial e relação de emprego; a primeira, um contrato de prestação de serviços autônomos pertencentes à esfera do direito comercial; a segunda, um vínculo empregatício que se insere no âmbito do contrato individual de trabalho, regendo-se pela lei trabalhista.

“Ora, se para saber se há um representante autônomo verifica-se, em primeiro lugar, se há relação de emprego, é evidente que da existência ou não dos requisitos que configuram essa relação é que surgirá a resposta à questão. Presentes os elementos definidores do vínculo de emprego (CLT, art. 3º), o que depende do modo como a atividade é prestada, especial-mente a subordinação, fica automaticamente afastada a configuração da autonomia característica do representante comercial, e, ainda que exista um contrato escrito de representação comercial, a relação jurídica é atraída

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26 NASCIMENTO, Amauri Mascaro Nas-cimento. Curso de Direito do Trabalho, 21ª Edição.

para a esfera do direito do trabalho, se presentes todos os requisitos que ca-racterizam a condição de empregado”.26

Portanto, aqui uma vez mais tem-se a subordinação como elemento defi-nidor da natureza da relação existente entre as partes. O típico representante comercial é autônomo e assume os riscos de sua atividade empresarial. Ele une as duas pontas de uma relação de compra e venda e recebe, por isso, uma comissão. Ele organiza a sua atividade e presta contas apenas do seu sucesso. Pode ter metas, mas não deve ser fiscalizado diariamente, ou mesmo sema-nalmente; pode estar pessoalmente envolvido na atividade, mas não deve necessariamente estar sempre à frente de cada contrato; pode ter acesso à sede de seus clientes, mas não deve se confundir com os próprios empregados das empresas que represente.

A declaração de vínculo de representantes comerciais gerou contingên-cias enormes para empresas no passado, na medida em que várias empresas, com o intuito de fraudar a legislação trabalhista, transformaram vendedores empregados em representantes comerciais, confiantes de que o texto da lei, que menciona a inexistência de vínculo, seria o suficiente para protegê-las da declaração judicial de vínculo. O mesmo ocorreu com cooperativados e esses exemplos mostram com clareza que o judiciário trabalhista não deixa de reconhecer vínculo de emprego, quando entende presentes seus requisitos, mesmo quando a lei dispõe que determinada atividade é desempenhada sem vínculo de emprego.

4.4 Cooperativado

Cooperativa é uma associação autônoma de pessoas que se unem, volun-tariamente, para satisfazer aspirações e necessidades econômicas, sociais e culturais comuns, por meio de um empreendimento de propriedade coletiva e democraticamente gerido. Ou seja, a cooperativa afasta a intermediação e o lucro é distribuído entre os cooperativados. Uma Cooperativa se diferen-cia de outros tipos de associações de pessoas por seu caráter essencialmente econômico.

As relações de trabalho do cooperado não se encontram abrangidas pelo Direito do Trabalho. A Constituição Federal incluiu o cooperativismo entre os princípios gerais da atividade econômica em seu art. 174, § 2º. Quanto ao Código Civil de 2002, há previsão acerca das sociedades cooperativas nos arts. 1.093 a 1.096. Já na Lei nº 5.764/71, é conferida ampla liberdade na es-colha do objeto das cooperativas, dispondo, em seu art. 5º, que as sociedades cooperativas poderão adotar por objeto qualquer gênero de serviço, operação ou atividade.

26. NASCIMENTO, Amauri Mascaro Nascimento. Curso de Direito do Trabalho, 21ª Edição.

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27 GODINHO, Maurício Delgado. Curso de Direito do Trabalho. 2ª edição.

Embora inexista previsão legal expressa a respeito da possibilidade de os trabalhadores dos diversos setores da economia se associarem em cooperati-vas para prestar serviços a terceiros, é certo que essa aglutinação não encontra proibição expressa em norma alguma. Por essa razão, consideramos que tra-balhadores vinculados a qualquer setor da economia podem se organizar em cooperativas, desde que presentes todas as características essenciais previstas na legislação civil. Cumpre lembrar que o verdadeiro cooperado apresenta uma dupla condição em relação à cooperativa, pois, além de prestar serviços, deverá ser beneficiário dos serviços prestados pela entidade, chamamos isto de Princípio da Dupla Qualidade.

Entre a cooperativa e seus associados não há relação de emprego, porque o que há é o vínculo de cooperados, que são um tipo de associados de uma entidade associativa, na qual se agrupam para a consecução de objetivos de produção, de consumo, de crédito de distribuição etc. Ou seja, o objetivo de uma cooperativa não é o lucro, mas, sim, o favorecimento dos associados. Este agrupamento permite, ainda, que os cooperados obtenham uma retri-buição pessoal maior do que aquela que receberiam caso atuassem individu-almente, aí se traduz o Princípio da Retribuição Pessoal Diferenciada.

A Lei n. 8.949/94 incluiu, no art. 442 da Consolidação das Leis do Tra-balho, um parágrafo para declarar a inexistência de vínculo de emprego entre as cooperativas e seus associados e entre estes e os tomadores de serviço da-quelas.

Dessa forma, “a lei favoreceu o cooperativismo, ofertando-lhe a presunção de ausência de vínculo empregatício; mas não lhe conferiu um instrumental para obrar fraudes trabalhistas. Por isso, comprovado que o envoltório coo-perativista não atende às finalidades e princípios inerentes ao cooperativismo (princípio da dupla qualidade e princípio da retribuição pessoal diferenciada, por exemplo), fixando, ao revés, vínculo caracterizado por todos os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, esta deverá ser reconhecida, afastan-do-se a simulação perpetrada”27.

Uma vez mais, a inconsequência de determinados setores do empresaria-do levou o que seria uma excelente oportunidade de flexibilização das rela-ções trabalhistas à cadeira dos réus e a uma condenação rápida e implacável. Assim que introduzida a alteração ao art. 442 da CLT, que determinaria a inexistência de vínculo entre cooperativados e cooperativas e entre aqueles e os tomadores de serviços, oportunistas de plantão formaram cooperativas fraudulentas com o objetivo de burlar as regras trabalhistas. A reação do ju-diciário trabalhista foi implacável, como deveria ser mesmo, mas foi também desmedida. A partir do momento em que se constatou uma avalanche de cooperativas fraudulentas, taxou-se como fraudulentas todas as cooperativas, tornando suspeita uma das mais eficazes formas de organização do trabalho. Atualmente, o judiciário trabalhista e o Ministério Público do Trabalho ado-

27. GODINHO, Maurício Delgado. Curso de Direito do Trabalho. 2ª edição.

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28 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol.2

29 Idem.

taram uma atitude preconceituosa com relação às cooperativas, que restaram muito reduzidas em número e muito atacadas e questionadas. O combate às cooperativas fraudulentas acabou por reduzir o número e a efetividade das cooperativas reais, que poderiam e podem ser uma ferramenta excelente de formalização do trabalho e flexibilização das relações.

4.5 Pessoas Jurídicas Fraudulentas

Em princípio e nos termos do disposto pelo art. 567, caput, do CPC, os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei, sendo certo, porém, que, se o executado alegar o benefício previsto na citada norma, deverá nomear bens da sociedade, sitos na mesma comarca, livres e desembaraçados, quantos bastem para pagar o débito.

Porém, em alguns casos, “a sociedade empresária, em razão de sua natu-reza de pessoa jurídica, isto é, de sujeito de direito autônomo em relação aos seus sócios, pode ser utilizada como instrumento na realização de fraude ou abuso de direito”28.

Para coibir esse tipo de prática, “há duas formulações para a teoria da des-consideração da personalidade jurídica: a maior, pela qual o juiz é autorizado a ignorar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, e a menor, em que o simples prejuízo do credor possibilita afastar a autonomia patrimonial”.29

Em resumo, a teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica veio para reprimir fraudes ocorridas na constituição e manutenção de pessoas ju-rídicas que, de acordo com o Princípio da Autonomia Patrimonial, deveriam ser os titulares dos direitos e deveres dela emanados. Porém, com a descon-sideração da personalidade jurídica, os sócios de uma empresa fraudulenta podem assumir as obrigações dela inerentes.

A possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica de empresas formadas por profissionais para a prestação de serviços, e posterior declaração de vínculo de emprego entre os profissionais e os tomadores de serviços, é tema que tem sido objeto de enorme debate na sociedade nos últimos muitos meses. A questão tem se focado na possibilidade de os auditores fiscais da receita, INSS e Ministério do Trabalho declararem a existência de vínculo, o que seria, em princípio, prerrogativa do judiciário trabalhista.

As discussões a respeito do tema vão em várias direções, mas representam, na realidade, uma justa batalha entre quem defende regras de contratação de trabalho mais flexíveis e quem prefere o sistema atual. Isso é extremamente relevante, se considerado que, no Brasil, há mais trabalhadores informais do que formais. Esse tema levanta, também, a discussão sobre quem deve ter proteção e quem ficaria melhor sem essa proteção.

28. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol.2

29. Idem.

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No atual sistema trabalhista brasileiro, todos os empregados usufruem da mesma proteção. Por exemplo, um famoso jogador de futebol ou um ator das telenovelas, que, em muitos casos, são contratados por valores muito eleva-dos através de pessoas jurídicas que eles formaram para esse fim merecem a mesma proteção que um trabalhador qualquer? É provável que esses profis-sionais citados, por sua importância e prestígio, tenham uma autonomia no desempenho de suas atividades que é incomum em uma relação de emprego. É possível, ainda, que eles tenham poder de barganha maior do que os seus contratantes, em vista do seu valor no mercado e do interesse que despertam nos concorrentes de seus contratantes. Logo, parece exagerado aplicar a esses profissionais as leis protetivas do trabalho, que os trata como hipossuficientes, incapazes de representar seus próprios interesses e negociá-los. Esses casos são de fácil compreensão e solução: eles não deveriam jamais ser tratados como empregados. O difícil é definir onde traçar a linha que separaria empregados e profissionais com autonomia para deixar de usufruir das proteções da CLT.

5. JURISPRUDÊNCIA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO. TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALI-DADE JURÍDICA.

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem aplicação no Direito do Trabalho sempre que não houver patrimônio da socie-dade, quando ocorrer dissolução ou extinção irregular ou quando os bens não forem localizados, respondendo os sócios de forma pessoal e ilimitada, a fim de que não se frustre a aplicação da lei e os efeitos do comando judicial executório. Por outro lado, para que o reclamado se beneficiasse do disposto no art. 10 do Decreto 3.708/19, era necessário que comprovasse que o outro sócio excedeu do mandato ou que prati-cou atos com violação de contrato ou da lei, o que não é o caso. Agravo de Instrumento a que se nega provimento. (AIRR 22289-2002-900-09-00, TST 5º Turma, Ministro Relator João Batista Brito Pereira, DJ 14.11.2003)

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6. QUESTÕES DE CONCURSO

OAB / RN 1998 (1ª fase, 1º exame) — 01. Nas questões 01 a 02 assi-nale a alternativa correta:

a) A lei 8.036/90 prescreve que os trabalhadores domésticos poderão ter acesso ao regime do FGTS.

b) Há vínculo empregatício na relação entre cooperativa e seus associados.c) O menor não pode firmar recibos pelo pagamento de salários.d) O contrato de experiência não poderá exceder de 2 (dois) anos.

OAB / MG 2004 (1ª fase, 2º exame) — 25. Assinale a opção INCOR-RETA. É portador de estabilidade provisória no emprego, o empregado eleito membro titular.

a) da co-gestão da empresa.b) da diretoria do sindicato.c) de cargo de direção de CIPA, representante dos empregados.d) da diretoria de cooperativa de crédito de empregados da respectiva em-

presa empregadora.

OAB MATO GROSSO 2002 (1ª fase, 3º exame) — 09. São trabalha-dores regidos pela CLT:

a) O doméstico, o rural e o empregado urbano.b) O representante comercial, o empregado urbano e o doméstico.c) O empregado público, o empregado urbano e o aprendiz.d) O empregado em domicílio, o estagiário e o empregado urbano.

OAB/BA (1º Exame, 1ª fase) 25) — Um pianista trabalhou ininter-ruptamente, num restaurante, recebendo a retribuição ajustada e sem se fazer substituir, durante dez anos, executando músicas, apenas nos sába-dos e domingos, de 20 horas de um dia a 5 do dia seguinte. Neste caso,

a) não é empregado, mas trabalhador autônomo.b) é sócio de fato do restaurante.c) não é empregado por faltar o requisito da não-eventualidade da presta-

ção laboral.d) é empregado.

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30 CARRION, Velentim. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 27ª Ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2002.

AULA 8: TERCEIRIZAÇÃO

1. INTRODUÇÃO

O objeto de estudo da presente aula será o fenômeno moderno represen-tado pela terceirização de determinadas atividades pelas empresas, seja como forma de aumentar sua produtividade (concentração na atividade-fim da em-presa, deixando para o prestador de serviço a realização das atividades-meio), seja como forma de redução de custos (embora tenham garantidos os mesmos direitos básicos trabalhistas, os terceirizados não terão sempre os mesmos be-nefícios destinados aos empregados da empresa tomadora de serviços).

2. OBJETIVOS

• distinguir a terceirização das demais formas de sub-contratação de ser-viços;

• identificação dos riscos e responsabilidades envolvidas para as partes em um contrato de terceirização; e

• análise das vantagens e desvantagens da terceirização.

A TERCEIRIZAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO

1. CONCEITO DE TERCEIRIZAÇÃO

A terceirização é o contrato pelo qual a empresa produtora (tomador de serviços) entrega a outra empresa a execução de determinada tarefa (ativida-des e serviços não incluídos em seus fins sociais) para que esta a realize habi-tualmente através de seus próprios empregados 30. Ou seja, terceirizar nada mais é que repassar uma atividade de meio a terceiros, como por exemplo, atividades de limpeza e manutenção.

Por não se tratar de contratação de mão-de-obra, a terceirização é um típico contrato de prestação de serviços regulado pelo Código Civil Brasilei-ro. Para o direito do trabalho, a terceirização é um fenômeno relativamente novo, assumindo clareza estrutural e amplitude de dimensão apenas nas últi-mas três décadas do segundo milênio no Brasil.

A CLT faz menção a apenas duas figuras delimitadas de subcontratação de mão-de-obra: a empreitada e a subempreitada (art. 455), englobando tam-

30. CARRION, Velentim. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 27ª Ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2002.

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bém a figura da pequena empreitada (art. 652, “a”, III, CLT), mas não a terceirização propriamente dita.

Nos anos de 1980 e 1990, com a crescente exploração das práticas tercei-rizantes, agora em relações privadas, o Tribunal Superior do Trabalho posi-cionou-se a respeito do tema e editou, inicialmente, o Enunciado nº 256, já cancelado, e, posteriormente substituído pelo Enunciado nº 331, que será estudado adiante em maiores detalhes.

2. HIPÓTESES EM QUE A TERCEIRIZAÇÃO É ADMITIDA

A terceirização é atualmente permitida nas hipóteses do Enunciado nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ou seja, nas hipóteses de trabalho temporário — sendo respeitadas as regras específicas deste tipo de trabalho —, bem como nos serviços de vigilância, limpeza e quaisquer outros que não estejam ligados à atividade-fim da empresa, desde que não estejam presentes os elementos da pessoalidade e subordinação.

Na hipótese de terceirização ilícita ou caso se verifique a presença dos ele-mentos de pessoalidade e subordinação, o vínculo empregatício será formado diretamente com o tomador de serviços. A exceção diz respeito aos órgãos da administração pública direta, indireta e fundacional, já que a admissão tem como requisito indispensável a aprovação do candidato em concurso público, na forma do que dispõe o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal de 1988.

3.CONCEITO DE ATIVIDADE-FIM E ATIVIDADE-MEIO

Existe um amplo debate a respeito dos conceitos de atividade-meio e ativi-dade-fim de uma empresa, que ainda não são totalmente delimitados. Infere-se da leitura do artigo 581, parágrafo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que atividade-fim corresponde à preponderante dentro da empresa, a atividade essencial. Órgãos como o Ministério do Trabalho e as Delegacias Regionais do Trabalho entendem que atividade-fim é aquela ligada ao objeto social da empresa, aquilo em que ela é especializada. Já atividade-meio seria aquela complementar, de apoio, que não integra o fim principal buscado.

3.1. Responsabilidade direta ou subsidiária

No Direito do Trabalho, a regra é que o empregador é o único responsável pela integralidade das verbas trabalhistas devidas ao empregado. Aplicado este conceito à terceirização, o prestador de serviço, que é, por sua vez, o

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empregador, seria o responsável pelo adimplemento das verbas trabalhistas. Contudo, em se tratando de terceirização de serviços, existem situações nas quais o tomador de serviços poderá ser o responsável principal pelo adimple-mento das verbas trabalhistas ou o responsável subsidiário.

A responsabilidade principal direta se dá nos casos em que a terceirização é considerada ilícita, restando configurado o vínculo de emprego entre o em-pregado terceirizado e a tomadora de serviços.

A terceirização lícita também gera responsabilidade para a empresa toma-dora de serviço, no caso de inadimplência da prestadora de serviços. Contu-do, tal responsabilidade é somente subsidiária. A responsabilidade subsidiária da tomadora decorre, basicamente, da presunção das culpas in eligendo e in vigilando, bem como do fato de ter a tomadora de serviços se beneficiado do trabalho do empregado terceirizado. O reconhecimento da responsabilidade subsidiária da tomadora de serviços deve constar do título executivo judicial.

3.2. Jurisprudência (interpretação do enunciado)

A distinção entre atividade-fim e atividade-meio ainda é o ponto mais dis-cutido do Enunciado nº 331 e suas respectivas caracterizações dependerão do caso concreto. Segundo manifestação do Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ministro Francisco Fausto, o referido Enunciado poderá ser revisto a qualquer momento, exatamente com relação a este ponto.

3.3. Terceirização de serviços na administração pública

Conforme esclarecido anteriormente, a terceirização na atividade pública, ainda que ilícita, não gera o reconhecimento de vínculo empregatício, tendo em vista a necessidade de concurso público para tanto (artigo 37, II, Cons-tituição Federal). Porém, existe uma divergência sobre a responsabilidade de arcar com as verbas devidas ao empregado terceirizado.

A este respeito, temos o item IV do Enunciado nº 331, do Tribunal Superior do Trabalho, em oposição ao art. 71, § 1º, da Lei de Licitações (8.666/93), abaixo transcritos:

“Enunciado nº 331.[...]IV: inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empre-

gador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das

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sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação pro-cessual e constem também do título executivo judicial. ”

“Lei 8.666/93, art. 71: O contratado é responsável pelos encargos tra-balhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1o: A inadimplência do contratado, com referência aos encargos traba-lhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a respon-sabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis”.

Contudo, a jurisprudência é pacífica no sentido de que um ato ilícito da administração pública — terceirização ilícita — não pode servir como justificativa para que se perpetuem outros atos ilícitos com base no primeiro cometido. Isso significa que a terceirização ilícita não poderá servir como base para que se forme o vínculo entre o empregado terceirizado e a administração pública, sem que aquele tenha sido aprovado em concurso público, pois res-taria configurado um segundo ato ilícito. Mas, se por um lado o empregado terceirizado não poderá se beneficiar do ato ilícito da administração públi-ca para se tornar seu efetivo empregado, por outro, também não poderá se permitir que a administração pública, em violação a todos os direitos sociais garantidos aos trabalhadores, se beneficie do serviço prestado sem pagar a devida contraprestação.

Nesse sentido, a Jurisprudência é uníssona em dizer que serão devidas as verbas trabalhistas, conforme decisões que se transcrevem a seguir:

“Terceirização. Empresa Pública. Responsabilidade Subsidiária. Viabilidade. inaplicabilidade do § 1º do art. 71 da lei nº 8.666/93 por afronta ao inciso ii do § 1º do art. 173 da cf/88. O art. 71 da Lei nº 8.666/93 (Lei das Licitações) destoa dos princípios constitu-cionais de proteção ao trabalho (art. 1º, incisos III e IV, da CF/88), que preconizam os fundamentos do Estado Democrático de Direito, como “a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”, respectivamente; além da garantia dos chamados “direitos sociais” insculpida no art. 7º da Carta Política, como garan-tias fundamentais do cidadão. Some-se que a interpretação literal deste dispositivo legal (art. 71 da Lei nº 8.666/93) choca-se frontalmente com os preceitos constitucionais que impedem a concessão de privilé-gio às entidades estatais que terceirizem serviços e as paraestatais que desenvolvam atividade econômica, impondo, quanto a estas, igualdade de tratamento com as empresas privadas (art. 173, § 1º, II, da CF). O

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mecanismo da licitação visa propiciar à entidade estatal ou paraestatal a escolha do melhor contratante, jamais mecanismos para acobertar irresponsabilidades. A culpa “in eligendo” e “in vigilando” da Admi-nistração Pública atrai a responsabilidade subsidiária, por atuação do princípio inserto no art. 455 da Consolidação, aplicado por força do inciso II, § 1º, do art. 173 da CF/88. Recurso de revista não conheci-do”. (TST, 4ª Turma, Processo nº 597139/1999 — 12ª Região, Relator José Antonio Pancotti, DJ 27.02.04)

“Responsabilidade subsidiária. Serviços de segurança. Fundação Pú-blica. A responsabilidade da contratante, na terceirização de serviços que poderiam ser executados com mão-de-obra obra própria, é ques-tão, simplesmente, de justiça e, mais que isso, impede a exploração do trabalho humano, com o que se atende ao elevado princípio, universal e constitucional, que é o da dignidade humana. A terceirização não permite que a contratante lave as mãos diante da angústia daqueles que trabalharam em prol dos seus interesses, ainda que através de ou-tro empregador. Escolher bem e fiscalizar a satisfação dessas obrigações das empresas contratadas é uma exigência ética que se impõe a todos aqueles que se valem de terceiros para a obtenção do trabalho huma-no. Terceirizar serviços, para apenas reduzir ou se livrar de custos, sem assumir a contratante a sua responsabilidade social, é uma ofensa à dignidade do trabalhador. Jurisprudência firme do Tribunal Superior do Trabalho (súmula 331, item IV). Recurso voluntário da FEBEM a que se nega provimento. ”(TRT 2ª Região, 11ª Turma, Processo nº 1093.2004.048.02.00, Relator Eduardo de Azevedo Silva, DOESP 06.03.07)

3.4. Sistemas de controle dos serviços terceirizados (cláusulas contratuais e procedi-mentos preventivos)

Considerando que, mesmo na hipótese de terceirização lícita, haverá for-mação de vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços, caso estejam presentes os elementos da pessoalidade e da subordinação, para evitar que reste configurado o vínculo empregatício, são necessários alguns cuidados.

O empregado terceirizado deverá ser fiscalizado por um preposto da em-presa prestadora de serviços, de quem receberá ordens. Do mesmo modo, é importante que o tomador de serviços não coordene diretamente o trabalho do empregado terceirizado, estabelecendo regras ou fazendo reclamações/advertências, devendo manter o contato sempre diretamente com a presta-dora de serviços. O tomador de serviços não deverá disciplinar o empregado

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terceirizado em nenhuma hipótese, pois o poder disciplinar, assim como o poder diretivo, deve ser sempre de seu empregador, ou seja, do prestador de serviços.

É recomendável, ainda, que o tomador de serviços não forneça ao empregado do prestador de serviço uniforme ou crachá de identificação da empresa, igual ao de seus funcionários, mas, sim, que exija da prestadora de serviço que elas forne-çam uniforme e identificação próprios para os empregados terceirizados.

3.5. Riscos calculados (quantificação do passivo potencial)

A terceirização sempre conta com o risco de inadimplência por parte da prestadora de serviços, ocasião na qual a tomadora poderá vir a ser respon-sabilizada por todas as verbas, trabalhistas, previdenciárias e tributárias, re-ferentes ao empregado terceirizado. Por esta razão, é recomendável que as empresas terceirizadas adotem práticas como exigir da prestadora de serviços a apresentação mensal dos comprovantes de recolhimento de FGTS e INSS, para verificação de regularidade.

Nas hipóteses em que a terceirização pode ser considerada ilícita, restará configurado o vínculo empregatício diretamente entre o empregado tercei-rizado e a tomadora do serviço, gerando para esta o custo equivalente ao de um empregado seu que exerça tarefa semelhante ao empregado terceirizado (salários e benefícios).

3.6. Escolha da empresa prestadora de serviços

É a etapa mais importante do processo de terceirização, tendo em vista que a possibilidade da tomadora de serviços ter que arcar com os custos do empregado terceirizado, como se seu fosse, é diretamente proporcional à idoneidade, soli-dez e saúde financeira da empresa prestadora de serviços, em razão das culpas in eligendo e in vigilando.

4. OUTRAS MODALIDADES DE TERCEIRIZAÇÃO

Além das modalidades de trabalho terceirizado permanente, existe a possi-bilidade de terceirização de trabalhadores temporários, bem como de coope-rativados, tendo sido esta última modalidade tratada na aula 7.

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5. O CASO

Os administradores de uma indústria metalúrgica decidiram há alguns anos terceirizar os serviços de (i) segurança patrimonial e (ii) recursos humanos. No primeiro caso, a indústria metalúrgica contratou uma empresa prestadora de serviços de vigilância patrimonial para fornecer a mão-de-obra necessária ao desempenho de tais atividades. No segundo caso, a indústria metalúrgica dispensou os empregados que trabalhavam no seu departamento de recursos humanos e, em seguida, recontratou estes mesmos empregados por meio de empresa prestadora de serviços. Passados alguns anos dessa terceirização de serviços, os donos desta indústria metalúrgica decidiram vendê-la através de um processo de ofertas fechadas por parte dos potenciais compradores, aos quais foi dado acesso às informações relevantes a respeito da indústria através de um data room. Você é o representante de um dos potenciais compradores e lhe coube definir, relativamente a este processo de terceirização, os riscos que o comprador estará assumindo se vier a concretizar o negócio.

6. QUESTÕES DE CONCURSO

(OAB/RJ: 26º Exame — 1ª fase) 26 — É incorreto afirmar:a) Para que a terceirização configure fraude à relação de emprego, é neces-

sário caracterizar subordinação entre o empregado e a empresa tomadora dos serviços, bem como os serviços devem estar ligados à sua atividade-fim.

b) É válida a cláusula de acordo coletivo em que o empregador se deso-briga de fornecer equipamentos de proteção individual do empregado contra riscos de acidente de trabalho, mediante pagamento de adicional de insa-lubridade e/ou periculosidade, conforme o caso, superior a 10% (dez por cento) do percentual legal.

c) Dentre os direitos sindicais previstos na Constituição da República Fe-derativa do Brasil de 1988, podemos citar: a liberdade de constituição; o direito de proteção especial dos dirigentes eleitos dos trabalhadores; o direito de independência e autonomia.

d) As Normas de Segurança e Medicina do Trabalho são de ordem pública e, portanto, são indisponíveis e irrenunciáveis.

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(OAB/RJ: 26º Exame — 1ª fase) 27 — Genésio, empregado da em-presa XXX, recebe de seu empregador a determinação de assinar con-trato social de uma cooperativa na qualidade de cooperativado. A partir de então, embora Genésio permanecesse realizando as mesmas funções e recebendo salário, a empresa não mais efetuou o pagamento das férias, 13º salário e adicional de horas extras. Sobre a hipótese, se pode afirmar como VERDADEIRO:

a) Genésio deixou de ser empregado, posto que sua qualidade de coope-rativado exclui a relação de emprego, nos termos do art.442, parágrafo único da CLT.

b) Houve sucessão de empregadores, nos termos dos arts. 10 e 448 da CLT, passando Genésio a subordinar-se à cooperativa.

c) Constatou-se a permanência dos elementos fático-jurídicos caracteriza-dores da relação de emprego e incompatíveis com o cooperativismo tal qual imposto pela Lei 5.764/71.

d) Genésio acumulou o contrato de emprego com o contrato de coope-rativado.

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LUIZ GUILHERME MORAES REGO MIGLIORAGraduado em 1988 pela Faculdade de Direito da Universidade do Esta-do do Rio de Janeiro. Pós-Graduado em Introdução à Legislação Norte--Americana e Internacional, na Southwestern Legal Foundation, Inter-national and Comparative Law Center, Dallas, Texas (1989). Programa de Treinamento de Advogados, Negotiation Workshop, Harvard Law School, Candbridge, Massachussets (1998). Experiência Profissional: Associado (1988-1996) e Sócio (1996-2005) de Veirano Advogados, res-ponsável pela área de contencioso cível e comercial. Associado de baker & McKenzie (Chicago, 1990-1991); Professor de Direito do Trabalho da Pós Graduação MbA Executivo em Administração de Negócios do IbMEC, da Pós Graduação da Escola de Direito (LLM) do IbMEC (2000/2003) e da Pós Graduação da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (2003/2005). Coordenador do Curso de Educação Conti-nuada de Responsabilidade Civil da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (2003). Professor e Coordenador da Disciplina Lawyering na Pós Graduação em Direito Empresarial da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (2003/2005). Palestras e Publicações: Co-autor do livro administração do Risco Trabalhista (lúmen Júris, Rio de Janeiro, 2003) e autor de vários artigos publicados em revis-tas especializadas. Palestrante em seminários e simpósios nacionais e in-ternacionais sobre temas de Direito do Trabalho e Responsabilidade Civil.

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FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim FalcãoDIRETOR

Sérgio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAçÃO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUAçÃO

André Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Marília AraújoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUAçÃO