relacionamento terapeutica

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Page 1: Relacionamento terapeutica

R Enferm UERJ 2003; 11:201-7. • p.201

Kantorski LP, Pinho LB, Schrank G

IIIIINTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃO

A enfermagem moderna surge a partirde Florence Nightingale (18200-1910) destacan-do-se seu trabalho na Guerra da Criméia, em queorganizou e saneou hospital militar, cuidou doexército inglês e, na ocasião, reduziu a taxa demortalidade de 42% para 2%. O sistema

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LucianePradoKantorski*

LeandroBarbosadePinho**

GuiselaSchrank***

RESUMO:RESUMO:RESUMO:RESUMO:RESUMO: O presente estudo visa realizar uma reflexão teórica acerca da abordagem da temática derelacionamento terapêutico na produção científica da enfermagem psiquiátrica e saúde mental, noperíodo de 1980-2000. Trata-se de um estudo bibliográfico, no qual realizamos um levantamento daprodução científica de enfermagem nos últimos 21 anos em 14 periódicos com nível A e B, conformeclassificação da CAPES, de 2001. Encontramos 13 artigos sobre a temática e verificamos que seis delesreferem-se a experiências com pacientes, um trabalha com a equipe de enfermagem e os outros seisabordam teoricamente as transformações da assistência psiquiátrica e fazem reflexões sobre a inserçãodo relacionamento terapêutico no ensino e na prática de enfermagem. Salientamos a grande preocupa-ção dos enfermeiros ao utilizarem as relações humanas como subsídio na assistência, devendo serincorporadas à terapêutica tradicional, pois objetivam assistir ao indivíduo integralmente com basetambém no respeito às suas vertentes sociais, culturais e psicológicas.Palavras-Chave:Palavras-Chave:Palavras-Chave:Palavras-Chave:Palavras-Chave: Enfermagem; relacionamento terapêutico; saúde mental.

ABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACT::::: This work describes a theoretical reflection about the explanation of therapeutic relationshiptheme in the Brazilian scientific production of the psychiatric nursing and mental health between 1980-2000. This is a bibliographic study, where was made a survey of the scientific production of the nursingin the last 21 years in 14 journals with A and B level according the 2001 CAPES classification. We found13 articles about the subject theme, with 6 of them making references to experiences with patients, 1article related with the nursing staff, while the 6 others make a theoretical analysis about the changes of thepsychiatric assistance and make reflections about the insertion of the therapeutic relationship in the teachand practice of nursing. We observed a clear concern of the nurses when they use the human relationshipsas subsidy in the assistance, and that they need be incorporated to the traditional therapeutic, becausethey objective to assist integrally the individual, respecting his social, cultural and psychological slopes.Keywords:Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Nursing; therapeutic relationship; mental health.

nightingale expandiu-se rapidamente para os de-mais países. No Brasil, em 1923, foi fundada, noRio de Janeiro, a Escola de Enfermagem AnnaNery seguindo os padrões do sistema nightingalee servindo como referência para a formação deoutras escolas1.

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Florence Nightingale não trabalhou com ins-tituições asilares. Entretanto, a idéia central dainstituição da enfermagem moderna era baseadana disciplina e na conduta pessoal, o que guardaaproximação com a orientação específica da en-fermagem psiquiátrica em suas origens. Dessemodo, o padrão disciplinado da enfermagem mo-derna, somado às concepções da psiquiatria mo-ral, se reproduz sobre a população asilar.

O cuidado de enfermagem psiquiátrica nasinstituições hospitalares se configurava de acor-do com os princípios científicos ressaltados porFlorence Nightingale, e enfatizavam a limpeza dosleitos, banhos dos pacientes, exercícios físicos,alimentação e sono apropriados. Esses cuidadoseram prestados principalmente a pobres e mori-bundos pelas Irmãs de Caridade, religiosas quebuscavam o perdão dos pecados ao ofereceremtratamento com enfoque curativo.

No final do século XVIII, na França, ocor-reu a nomeação do médico Philippe Pinel para adireção de um dos asilos mais importantes do país,introduzindo-se condutas específicas que visavamo tratamento dos doentes com problemas de com-portamento, com práticas que compreendiam des-de a vigília até a repressão, caso fosse necessária.Foi nessa época, então, que surgiu a psiquiatria,área do conhecimento de domínio médico até oséculo XX e que dá o nome de doença mentalaos distúrbios de conduta e racionalidade2.

A captação das práticas assistenciais pelosmédicos, no século XVIII, através de Pinel, fo-ram decisivas para a fixação do profissional napirâmide hierárquica da área da saúde, em espe-cial na área da psiquiatria, já que os médicos de-tinham o poder de instituir terapêutica, classifi-car os doentes, dar altas hospitalares e fazer no-vas admissões caso fosse necessário3. Com osurgimento da chamada Medicina Científica, avisão mística da loucura foi sendo gradativamentesubstituída por técnicas e discussões sobre o cor-po e a biologia do adoecimento, que reordenaramo tratamento dos doentes mentais.

Esse modelo aos poucos foi sendo combati-do com o surgimento de novas correntes de pen-samento, que ressaltavam os graves prejuízos fí-sicos e psicológicos decorrentes dessa interven-ção excludente ao portador de transtorno psí-quico, pois o doente ficava sem vínculo com fa-miliares, amigos e comunidade em geral. Foi,então, no pós-Segunda Guerra Mundial, queessas críticas tornaram-se mais acirradas ao res-

saltarem a necessidade de se ver o doente men-tal como um ser humano e, portanto, com parti-cipação ativa na sociedade e com direito a exer-cer sua cidadania.

Nessa época, também surgiu a chamada psi-quiatria psicoterápica que começou com Freud(1856-1939), o qual achava que a doença não ti-nha somente caráter organicista e que era neces-sário entender o sofrimento dos doentes antes deprocurar a etiologia da doença propriamente dita2.Assim, esse apoio psicológico prestado para o en-tendimento da pessoa que padece de transtornopsíquico, aliado às técnicas biomédicas tradicio-nais de assistência, deu início ao que chamamosatualmente de relacionamento terapêutico.

A inserção da temática do relacionamentoterapêutico na enfermagem começou comFlorence Nightingale, no século XIX, a qual di-zia ser necessária uma relação direta entre enfer-meira, paciente e sua família, e através dessa re-lação seriam transmitidas todas as informaçõesacerca das condições de saúde e perspectivas dereabilitação4.

Florence Nightingale já se preocupava coma comunicação estabelecida entre enfermeira epaciente ao abordar a importância da observaçãoparticipante na assistência. Assim, o ato de sen-tar em frente do paciente e ouvi-lo com dedica-ção e interesse é um dos primeiros e mais impor-tantes instrumentos do cuidado de enfermagem5.

Na enfermagem psiquiátrica, o relaciona-mento terapêutico consolidou-se nos estudos deHildegard Peplau, em 1952, e de Joyce Travelbee,em 1960, que concentraram suas técnicaspsicoterapêuticas e as somaram à intervenção tra-dicional em enfermagem psiquiátrica6. A partirdaí, passou a ser alvo de novos estudos5,6,7,8,9.

Os estudos de Peplau, na década de 50, so-mente foram desenvolvidos com o entendimentoda loucura segundo os princípios da psicoterapiae da psiquiatria psicoterápica, sendo considera-dos o primeiro instrumento de sistematização emenfermagem psiquiátrica que fora realizado poruma enfermeira10.

Stefanelli5, em seu estudo, ressalva o queconsidera fundamental em uma relação terapêu-tica enfermeiro/paciente – a comunicaçãointerpessoal, reforçando a necessidade de se tra-balhar com esse assunto na graduação em enfer-magem. A autora enfatiza que, através da comu-nicação e do relacionamento que se estabelececom paciente e família, os cuidados de enferma-

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gem são repassados e as enfermeiras estariam,portanto, educando em saúde.

Stefanelli11 cita Evalda Arantes como sendoa introdutora do ensino de relacionamentoterapêutico no Brasil, o qual tornou-se a base doensino de Enfermagem Psiquiátrica na Escola deEnfermagem da Universidade de São Paulo. Des-de então, as mais variadas interações terapêuti-cas enfermeira-paciente foram sendo descritas naliteratura da área, reforçando a aplicabilidade datécnica e sua relevância para a compreensão doprocesso de adoecimento como um todo.

Diante do exposto, no presente estudo, pre-tendemos realizar uma reflexão teórica acerca daabordagem da temática de relacionamentoterapêutico na produção científica da enferma-gem psiquiátrica e saúde mental no período de1980-2000.

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Trata-se de um estudo bibliográfico, no qualrealizou-se um levantamento da produção científi-ca de enfermagem nos últimos 21 anos em 14 perió-dicos, conforme classificação da CAPES, de 2001,da área de enfermagem com nível A e B. Destes, 13possuem abrangência nacional e um internacional,que foi selecionado porque concentra muitos arti-gos da produção científica brasileira.

O referencial teórico-metodológico escolhi-do para o estudo foi proposto por Merhy12, que di-vide as tecnologias de atenção em saúde em du-ras, leve-duras e leves. As tecnologias duras con-sideradas são aquelas em que se utiliza máquinase equipamentos como auxiliares na assistência emsaúde. As tecnologias leve-duras são entendidascomo aquelas em que ocorre a união dos processosde trabalho com os saberes de cada especialidade,resultando em um saber estruturado, como a clíni-ca médica, psiquiátrica e outras. Já as tecnologiasleves são consideradas pelo autor como tecnologiasde saber não estruturadas, que estão sempre emprocesso de atualização, e que medeiam as rela-ções entre profissional e paciente, como o vínculo,o acolhimento, o relacionamento terapêutico eoutras. Neste estudo, foram utilizados os artigos queabordam tecnologias leves de cuidado às pessoas eenfatizam, especificamente, o relacionamentoterapêutico como uma delas.

A busca resultou na seleção de 109 artigosatravés de uma pesquisa na base de dados doLILACS utilizando os unitermos enfermagem/psi-

quiátrica. Dos 14 periódicos analisados, quatro nãoapresentaram produção científica na área. Tive-mos acesso aos 109 artigos e procedemos a umaclassificação por periódico, período e área temática.Das áreas temáticas levantadas, 13 artigos traba-lhavam com relacionamento terapêutico.

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Dos 13 artigos levantados na produção ci-entífica do período estudado, encontramos queseis artigos abordaram experiências com pacien-tes, um artigo trabalhou especificamente com aequipe de enfermagem e o relacionamentointerpessoal que se estabelece com seus pacien-tes e seis artigos discutiram teoricamente as trans-formações da assistência psiquiátrica e a inserçãodo relacionamento terapêutico no ensino e naprática de enfermagem.

Em seis estudos teóricos, encontramos con-siderações importantes sobre a temática -Stefanelli5,11, Silva et al.7, Campos e Barros10,Arantes, Stefanelli e Fukuda13 Fraga, Damascenoe Calixto14 .

Stefanelli5,11 destaca em seus estudos algu-mas das transformações na assistência psiquiátri-ca das últimas décadas, como as drogas psicotró-picas, a terapia insulínica e a psicoterapia, sendoesta a mais importante porque complementava astécnicas tradicionais com atividades que visavamentender o ser humano como portador de sofri-mento psíquico. Relata que as enfermeiras nãotinham idéia da relevância da relação com o pa-ciente, mantinham-nos ocupados com atividadesrecreativas e, com isso, acabavam deixando esca-par uma das mais importantes contribuições parao restabelecimento do paciente, pois o relaciona-mento terapêutico diminui o isolamento social efacilita o processo de ressocialização.

Silva et al.7 evidenciaram a comunicação ea relação terapêutica como um processo, já que éintersubjetiva e trata-se de uma tecnologia decuidado, que carece de um corpo de conheci-mentos e intervenções.

Campos e Barros10 ressaltaram que as práti-cas atuais em saúde mental estavam referidas àsvárias tendências e que era o momento de a en-fermagem inserir o relacionamento e a comuni-cação terapêutica no projeto terapêutico da equi-pe de saúde.

Entendemos que Stefanelli5,11, Silva et al.7 eCampos e Barros10 trouxeram reflexões importan-

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tes sobre a utilização do referencial do relaciona-mento terapêutico pelos enfermeiros como umatecnologia de cuidado em saúde mental. Consi-deramos o relacionamento terapêutico um modode saber fazer que a enfermagem tem construído,que pode servir como uma contribuição específi-ca da área, na composição de projetos terapêuticosdas instituições de saúde mental e também deplanos terapêuticos para pessoas portadoras detranstornos psíquicos.

Arantes, Stefanelli e Fukuda13 enfocaram emseu trabalho a imposição de limites como medidaterapêutica, descrevendo algumas situações narelação enfermeiro-paciente que exigem a ado-ção dessas práticas. Segundo as autoras, a limita-ção de atitudes diminui a ansiedade ao permitira mudança de hábitos e de comportamentos per-missivos preexistentes.

Fraga, Damasceno e Calixto14, em seu estu-do, apresentaram o modelo de ensino de relacio-namento terapêutico na disciplina de enferma-gem psiquiátrica de uma instituição de EnsinoSuperior. Os autores destacaram a necessidadede se instituir uma estratégia de intervenção combase em uma perspectiva mais global e dinâmica,compreendendo a condição humana no momen-to da doença e buscando alternativas para umaatuação efetivamente terapêutica.

Enfatizamos que o relacionamentoterapêutico foi incorporado pela enfermagem, es-pecialmente pelas instituições de ensino, no sen-tido de oferecer um suporte para fundamentar ocuidado. No entanto, nas instituições psiquiátri-cas o enfermeiro continuou, e em alguns casosainda continua, imerso num processo de trabalhoque muitas vezes inviabiliza a implantação práti-ca do relacionamento terapêutico.

Os seis artigos seguintes relatam experiên-cias com pacientes, nas quais o relacionamentoterapêutico configurou-se como a base no aten-dimento, sendo eles os de Santos e Teixeira15,Dantas16, Zerbeto e Rodrigues17, Costa18, Braun eWielenska19 e Lima e Rodrigues20.

Santos e Teixeira15, em seu estudo, descreve-ram a interação durante seis semanas com um paci-ente agudo de tendência isolacionista, na qual foipriorizado o resgate da autoconfiança. Na quartasemana de observação participante, o envolvimentoemocional e a empatia já estavam evidenciados. Nasexta semana, o paciente se torna novamente inde-pendente e o relacionamento terapêutico já se en-caminhava para a alta hospitalar.

Dantas16 relatou em seu trabalho uma expe-riência com uma paciente pouco comunicativa,com pensamento desconexo e idéias delirantes.À medida em que ela começou a entender a fun-ção terapêutica da acadêmica e a vontade emajudá-la, deu-se início ao processo de interaçãoque, algumas semanas depois, resultou na altahospitalar.

Zerbeto e Rodrigues17 explicitaram uma ex-periência de relacionamento terapêutico com umpaciente em processo de ressocialização, segundoa visão humanista da assistência. Ressaltaram queessa situação permitiu a decifração de sentimen-tos e idéias do paciente, propiciando a compre-ensão de seu modo de se expressar e pensar.

Costa18 explicitou, como acadêmica de gra-duação, sua experiência com um paciente hostil,ansioso e irritado, com sinais típicos deesquizofrenia, como desagregação do pensamen-to e delírios de grandeza. Segundo a autora, du-rante as primeiras conversas, o paciente se mos-trou com uma certa hostilidade, substituída, empoucas semanas, pelo fortalecimento dos víncu-los emocionais e a independência pessoal, culmi-nando na alta hospitalar.

Consideramos que o relacionamentoterapêutico, como tecnologia de cuidado, queguarda um conhecimento e que se viabiliza pelaaquisição de algumas habilidades, tem importan-te contribuição para a prática da enfermagem psi-quiátrica e saúde mental. Os estudos apresenta-dos pelas autoras confirmam nossas afirmações.No entanto, a utilização do relacionamentoterapêutico não exclui a necessidade de outrasmedidas terapêuticas. A complexidade do sofri-mento psíquico de uma pessoa exige interlocuçãode saberes, de profissionais, de indivíduos, de con-tribuições.

Braun e Wielenska19, em seu trabalho compacientes portadores de transtornos de humor,citaram que o relacionamento terapêutico deveser associado às terapias biomédicas tradicionais,pois promove um menor desgaste do paciente ede sua família, possibilitando o estabelecimentode uma melhor qualidade de vida.

Lima e Rodrigues20 abordaram uma experi-ência com um paciente psiquiátrico agitado, su-gerido para o estudo por alguns auxiliares de en-fermagem da instituição pesquisada. Com o esta-belecimento de uma relação empática, o pacienteapresentou-se cada vez mais tranqüilo e disposto acooperar e o entendimento da situação levou-o à

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reflexão de seus atos e mudanças de atitudes, tor-nando-o mais confiante e independente.

Como pudemos observar nos relatos, todasas experiências vivenciadas pelos autores tiveramcomo alicerce o apoio psicológico e a empatia,que, para Stefanelli9, consistem nos principais in-gredientes na constituição de uma relaçãointerpessoal terapêutica. Através deles, o enfer-meiro se coloca no lugar do paciente para enten-der seus problemas, mas não deve, nesse momen-to, perder sua identificação pessoal comoterapeuta.

Essa relação interpessoal com fins terapêuticostambém foi descrita por Furegato8 como sendo umarelação de ajuda, na qual ocorre uma troca de sa-beres: de um lado, o profissional que se preparapara interagir terapeuticamente, sanando dúvidase diminuindo a ansiedade, e de outro, o pacien-te que necessita entendimento, carinho e soli-dariedade.

Travelbee21 dividiu em quatro fases a rela-ção interpessoal, a saber:

Fase 1 – Fase de Pré-interação: É a fase emque o enfermeiro começa a vinculação com o pa-ciente, tentando compreendê-lo e colhendo da-dos através de uma observação não-participantee participante, respectivamente;

Fase 2 – Fase Inicial: É a fase do primeiroencontro, ou seja, a recepção e a apresentaçãodo profissional, explanando seu comprometimen-to em ajudar e seus objetivos com o relaciona-mento interpessoal;

Fase 3 – Fase de Identidades: É a fase emque o paciente pode-se apresentar um pouco maishostil, testando a competência do profissional epodendo ser levemente manipulativo. É nela quepaciente e enfermeiro entendem-se como sereshumanos, detectando dificuldades, impotênciase incompatibilidades;

Fase 4 – Fase de Término: É a fase do fim doprocesso de relacionamento terapêutico, seja poralta hospitalar, agravamento do quadro do paci-ente ou outras razões. Nesta etapa surgem senti-mentos como os de gratificação, independênciaou indiferença.

Notamos também que todas as experiênciasvisavam a criação de um ambiente propício parao autoconhecimento, já que o principal objetivode uma relação de ajuda é fazer o paciente com-preender seu sofrimento psíquico e encontrar, atra-vés de um processo de resgate do valor interno do

próprio indivíduo, suas potencialidades, sendo co-partícipe de seu tratamento.

Verificamos que Rogers (p.43)22 definiu arelação de ajuda como

uma situação na qual um dos participantes procurapromover numa ou noutra parte, ou em ambas, umamaior apreciação, uma maior expressão e uma utili-zação mais funcional dos recursos internos latentesdo indivíduo.

Consideramos, assim como Rogers22, que omérito de uma relação de ajuda foi atingido quan-do o terapeuta foi capaz de despertar no pacienteum sentimento mobilizador que facilitou o seuautoconhecimento, a autovalorização e o seu cres-cimento individual.

Contudo, ainda percebemos que alguns obs-táculos prejudicaram, mesmo que momentanea-mente, o estabelecimento de uma relaçãointerpessoal terapêutica satisfatória. Nos estudosde Santos e Teixeira15, Dantas16 e Costa18, foramevidenciadas a agressividade e a manipulação derespostas como algumas dessas barreiras, que ge-raram uma certa situação de tensão.

Santos e Teixeira15 ressaltaram que o paci-ente estudado apresentava comportamentomanipulativo, o que exigiu a imposição de limitese o resgate, por parte da profissional, das finalida-des terapêuticas da inter-relação. Aos poucos, opaciente foi melhorando e tornando-se mais aten-to à conversa.

Dantas16 relatou que os medos e as insegu-ranças eram freqüentes e influenciavam direta-mente na sua relação com o paciente, que so-mente foram minimizados com o estabelecimentoda empatia e da vinculação afetiva.

Costa18 descreveu que a hostilidade do pa-ciente era notável, com manifestação de com-portamentos agressivos e irritabilidade emocio-nal. Nesse caso, o fortalecimento dos vínculosemocionais e a concretização da relaçãoempática também foram decisivos para a manu-tenção da relação interpessoal e efetivamenteterapêutica.

Evidenciamos que o relacionamentoterapêutico, como recurso tecnológico para cui-dar de pessoas portadoras de transtorno psíqui-co, continua sendo relacionamento e se dandoentre pessoas. Desse modo, ele é permeado decontradições, questionamentos, zonas de tensão,desejos e subjetividades. O tensionamento, en-tretanto, é necessário para que possa estabele-

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cer-se confiança e vínculo para se permitir sercuidado e desenvolver autonomia durante esteprocesso.

Segundo Arantes, Stefanelli e Fukuda13, arelação interpessoal terapêutica, à medida em quese configura como uma relação de ajuda, deveoferecer segurança e confiabilidade ao pacienteao diminuir gradativamente sua ansiedade e au-mentar o sentimento de independência pessoal.Porém, referem que há a necessidade de se esta-belecer limitações para evitar a liberdade totalde ações e comportamentos que poderiam colo-car em risco a sua própria integridade, a da enfer-meira e de outros pacientes, norteando o indiví-duo, conseqüentemente, para o desenvolvimen-to de padrões de conduta socialmente aceitos.

Outro agravante no estabelecimento de umarelação terapêutica consiste no não-envolvimentoemocional, o qual consideramos prejudicial à re-abilitação integral do paciente. Filizola e Ferreira23

estudaram a equipe de enfermagem de um hospi-tal do interior do estado de São Paulo e verifica-ram que a opção pelo não-envolvimento com ospacientes é freqüente. Segundo os entrevistados,o relacionamento com seus pacientes poderia, emalgum momento, trazer malefícios para os profis-sionais, principalmente no que tange à sua vidaextra-hospitalar, o que se configuraria como umgrande empecilho na prescrição e efetivação docuidado de enfermagem com os pacientes.

Entendemos que a permissividade de atitu-des e a atitude de não-envolvimento podem acar-retar um processo de incomunicabilidade entreenfermeiro e paciente dentro dos serviços de saú-de, levando à inviabilização da relação interpessoalterapêutica. Assim, pensamos que os princípiosda relação empática, o resgate do papelterapêutico do enfermeiro, o asseguramento quepermite reorientar comportamentos inadequados,o oferecimento de continência, de possibilidadesde expressão do sofrimento psíquico e oredirecionamento de atitudes hostis podem auxi-liar na qualificação desta relação entre enfermeiroe paciente.

Enfatizamos que o enfermeiro, elemento vivona totalidade do processo saúde-doença, podedispor do relacionamento terapêutico comotecnologia de cuidado em saúde mental. E nessesentido, a universidade, como órgão protagonistae fomentador de novos enfermeiros, tem papelfundamental na desconstrução dos medos e inse-guranças que permeiam as relações interpessoais,

devendo oferecer ao acadêmico contato com for-mas de reabilitação, nas quais a premissa básica éo respeito às vertentes humanas, sociais e cultu-rais dos seus pacientes.

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Com os resultados obtidos, verificamos quea temática do relacionamento terapêutico foi bas-tante enfatizada e utilizada por enfermeiros emsuas práticas assistenciais. Como pudemos obser-var, na produção científica da enfermagem de1980-2000, 13 artigos abordavam especificamen-te o relacionamento terapêutico e seus benefíciospara os pacientes.

Constatamos que seis artigos relatavam ex-periências com pacientes, nas quais a relaçãointerpessoal, mesmo diante de dificuldades, con-figurou-se como o elemento norteador da tera-pêutica, um artigo procurou analisar a práticapropriamente dita do relacionamento terapêuticocom membros da equipe de enfermagem e seisartigos realizavam uma reflexão teórica acerca dastransformações na atenção em saúde mental, abor-dando a temática como sendo uma delas.

Salientamos a grande preocupação dos en-fermeiros em abordar suas experiências e desafiosno cuidado ao paciente utilizando as relaçõeshumanas como subsídio e, nesse sentido, acredi-tamos que as terapêuticas tradicionais não sãoexclusivas no processo de saúde-doença, deven-do ser incorporadas a práticas que visem a assis-tência ao ser humano de uma maneira integralcom base também no respeito às suas vertentessociais, culturais e psicológicas.

RRRRREFERÊNCIASEFERÊNCIASEFERÊNCIASEFERÊNCIASEFERÊNCIAS

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RESUMEN:RESUMEN:RESUMEN:RESUMEN:RESUMEN: El presente estudio objetiva realizar una reflexión teórica acerca del abordaje de la temáticade relación terapéutica en la producción científica de enfermería psiquiátrica y salud mental, en elperíodo de 1980-2000. Se trata de un estudio bibliográfico, en que realizamos una búsqueda de laproducción científica de enfermería en los últimos 21 años en 14 periódicos con nivel A y B, de acuerdocon la clasificación de la CAPES, de 2001. Encontramos 13 artículos sobre la temática y verificamos queseis de ellos se refieren a experiencias con pacientes, uno trabaja con el equipo de enfermería y los otrosseis abordan teóricamente las transformaciones de la asistencia psiquiátrica y hacen reflexiones sobre lainserción de la relación terapéutica en la enseñanza y en la práctica de enfermería. Resaltamos la granpreocupación de los enfermeros al utilizaren las relaciones humanas como subsidio en la asistencia,debiendo ser incorporadas a la terapéutica tradicional, pues objetivan asistir al individuo integralmentecon base también en el respecto a las sus vertientes sociales, culturales y psicológicas.Palabras Clave:Palabras Clave:Palabras Clave:Palabras Clave:Palabras Clave: Enfermería; relación terapéutica; salud mental.

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Recebido em: 09.04.2003Aprovado em: 28.07.2003

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NotasNotasNotasNotasNotas

*Docente da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas / RS. Doutora em Enfermagem pela EERP–USP.Apoio CNPq.**Acadêmico do 9º Semestre do Curso de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas / RS. Apoio CNPq.***Acadêmica do 8º Semestre do Curso de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas / RS. Apoio CNPq.