relação

12
O DINHEIRO PÚBLICO E A INDÚSTRIA DE ONGs Apesar dos interesses, criatividade e iniciativa tornam ações sociais indispensáveis ENSINANDO A PESCAR Novas formas de empreendimento mostram ao trabalhador como caminhar sozinho p. 4 e 5 DOAR E ACOLHER Doar sangue e adotar são gestos que mostram o viés positivo das ações sociais p. 8 e 9 CORRUPÇÃO, ONGs E ONU Duas mulheres mostram como é possível mudar o mundo com gestos corajosos e ousados p. 10 p. 6 e 7

Upload: angelo-sottovia

Post on 22-Jul-2016

215 views

Category:

Documents


3 download

DESCRIPTION

Suplemento produzido para a disciplina de Jornalismo Impresso II, 2012, do curso de Jornalismo da Unesp, câmpus Bauru, sob a orientação do Prof. Dr. Angelo Sottovia Aranha

TRANSCRIPT

O DINHEIRO PÚBLICO E A INDÚSTRIA DE ONGs

Apesar dos interesses, criatividade e iniciativa tornam ações sociais

indispensáveis

ENSINANDO A PESCAR

Novas formas de empreendimento

mostram ao trabalhador como caminhar sozinho

p. 4 e 5

DOAR E ACOLHER

Doar sangue e adotar são gestos

que mostramo viés positivo

das ações sociais

p. 8 e 9

CORRUPÇÃO,ONGs E ONU

Duas mulheres mostram como é

possível mudar o mundo com gestos

corajosos e ousados

p. 10

p. 6 e 7

2EXPEDIENTE

REITORJulio Cezar Durigan

DIRETOR DA FAACRoberto Deganutti

COODERNAÇÃO DO CURSODE JORNALISMOAngelo Sottovia Aranha

ORIENTAÇÃOAngelo SottoviaTássia Zanini

ENDEREÇODepartamento de Comunicação SocialAv. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01Vargem Limpa, Bauru - SP

TELEFONE:(14) 3103-6000 RAMAL: 6066

REPORTAGENSFelipe AltarugioGabriel de CastroJoão ErnestoJoão VictorLucas LoconteMariana TorresMayara ReisPaula ReisPedro BorgesRenan Fantinato

REVISÃOAngelo Sottovia

DIAGRAMAÇÃOLucas LoconteMariana Torres

ILUSTRAÇÃOFelipe AltarugioLucas LocontePedro Hungria Cabral

EDITORIAL

ÍNDICE

A sociedade está mudada. O cenário atual é fruto da globalização, é fruto

dos avanços tecnológicos, mas, acima de tudo, é fruto do capi-talismo. Capitalismo esse que vem, ao longo de sua vigência, constituindo determinados va-lores e inserindo-os na cabeça da população. Lucro como ob-jetivo maior, individualismo, consumismo. Todos esses con-ceitos são imprescindíveis em uma sociedade mercadológica e todos eles trazem à mente ideias egoístas.

A questão a se frisar, no en-tanto, é que, ao contrário do que possa parecer, é sim possí-vel deixar que a sociedade eco-nômica se regre por esses prin-cípios sem deixar que o mundo se regre pelo egoísmo. As ações e os projetos sociais são a mais

clara prova disso.Podem até chamar de ta-

pa-buraco. As falhas da socie-dade realmente precisam ser compensadas e não é nenhuma injustiça deixar essa compensa-ção a cargo do setor terciário. Sabe-se que o foco de nosso ca-pitalismo não é o governo. Não são os países, os estados e as cidades que controlam a econo-mia, que mandam no dinheiro, mas sim as empresas, também conhecidas como fundo privado.

São as empresas que lucram, que crescem e que movimen-tam o mercado, nada mais justo do que essas empresas devolve-rem isso à sociedade de alguma forma proveitosa. É claro que o governo ainda tem suas res-ponsabilidades e usar os pro-jetos como pretexto para não as exercer é inaceitável, mas

isso não significa que ninguém, além dos órgãos públicos, pos-sa fazer nada para mudar a rea-lidade social se necessário.

Se existem projetos cujo único propósito é enobrecer a imagem de quem os cria, se existem projetos em que se faz mau uso das verbas recebidas (sejam privadas ou públicas), ou se existem projetos que atendem a interesses particu-lares não cabe a generalização. Todos esses casos são de fato problemáticos, alguns até mes-mo ilícitos, mas a visão que se tem sobre projetos sociais não pode ser baseada nos cânceres do conceito. A imagem que precisa sal tar aos olhos é a de que todo invest imento fei to em prol da socieda-de deve ser vis to com bons olhos.

QUEM SE RESPONSABILIZA?

3 Parceria, solidariedade e muito rock’n’rollResponsabilidade social: a ação da vez

4 Nem tudo é frio e calculistaOrgânicos combinam com negócio social

5 Cooperação é uma nova moedaFeira estimula produção alternativa

6 O micro e o macro em meio à ganânciaQuem investe nos projetos sociais de Bauru?

7 Faltam projetos, sobra dinheiroVocê vai limpar sua casa de 4 em 4 anos?

8 Não são de sangue, mas são de coração

9 A família que nos escolheuUm ato de alto impacto social

10 As ONGs vão aonde o dinheiro está

12 Os dois lados da moeda socialFala, Povo!

3

Show beneficente une iniciativa privada e projeto social desde 2007

Mês de Abril. Um ani-versário. Muitos con-vidados. Comes e be-

bes à vontade. Música boa. Tudo pelo preço de um “ingresso”. E o presente mais aguardado pelo aniversariante: apresentação das bandas Norman Bates e Os Co-rações Alados e Horne’s Band. Foi assim que surgiu o projeto social Solidary Rock (SR), que, hoje, tem toda renda revertida para pessoas carentes e é com-pletamente dependente da ini-ciativa privada.

Criado por Rogério Rocco, promotor de justiça que comple-tou 39 anos em abril, o Solidary é um festival beneficente de rock com duração aproximada de 12 horas que acontece na Granja Cecília, em Bauru, sempre no mês de agosto. O bairro foi esco-lhido pela estrutura e facilidade: “A Granja Cecília é uma chácara

localizada dentro da cidade. Tem ampla área verde e estrutura ade-quada. Além disso, seu proprie-tário tornou-se nosso parceiro e não tem cobrado nada pela utili-zação do espaço”, afirma Rocco, presidente do Solidary Rock.

A 6ª edição do Solidary Rock aconteceu no dia 25 de agosto e contou com a apresentação de seis bandas: Norman Bates e os Corações Alados, Legalê, Esta-ção Primeira de Bluseira, Hell, Cavalo Morto e The Almigh-ty Devildogs. Os conjuntos são selecionados por terem caracte-rísticas muito especiais: “Qua-lidade, honestidade, humildade e solidariedade. Músicos com essas qualidades sempre estarão no palco do SR. Não queremos músicos que perderam o tesão de tocar, ou que só tocam por di-nheiro, ou que se acham superio-res aos outros”, acredita Rocco.

O projeto conseguiu arre-cadar R$ 16.000 na 6ª edição, graças às 800 pessoas que pres-tigiaram o evento, que, além dos shows, também conta com um jogo de perguntas e respostas que acontece durante os inter-valos das apresentações. Quem acertar as perguntas feitas pelo apresentador, ganha prêmios. Maria Cláudia Rosella, fisiotera-peuta, adorou a iniciativa: “Foi uma festa admirável, com ginca-nas, som de excelente qualidade, diversão, respeito e organização exemplar. Que venha o Solidary Rock 6!”.

O evento foi crescendo ao longo dos seis anos de existência e, pela grandeza atual, precisa do apoio da iniciativa privada, que participa com doações e em-préstimos de estrutura; em troca, os patrocinadores têm suas mar-cas divulgadas no evento e du-

rante o ano todo através do face-book do projeto. Além disso, são vendidos convites – de R$20,00 a R$40,00 – e todo o lucro é todo doado para entidades, que devem informar qual a necessidade e aplicação do dinheiro recebido. Neste ano, duas entidades foram beneficiadas: a Associação dos Familiares, Amigos e Pais dos Autistas de Bauru (Afapab) e o Instituto São Cristóvão.

Os organizadores do projeto tem o desejo de, no futuro, am-pliar as atividades do Solidary Rock: “Algumas ideias estão sendo formatadas, mas precisa-mos de mais investimentos para que elas sejam efetivadas”, afir-ma Rafael Ribeiro, vice-presi-dente do projeto.

Investimentos em projetos sociais crescem, impulsionando a sustentabilidade

Bem-estar, motivação humana e boa imagem: são essas as palavras

que fizeram com que a iniciati-va privada se interessasse pelas ações filantrópica. E o interesse foi tanto que, só no Brasil, em 2005, cerca de 1074 empresas apoiaram projetos sociais – um aumento de 274% em relação ao ano de 2000 – segundo pes-quisa realizada pelo Institu-to Ethos, entidade que orienta empresas sobre esse assunto. A Nestlé e o Mc Donald’s estão

entre as 100 melhores empre-sas para se trabalhar, de acordo com o Guia de Boa Cidadania Corporativa.

A Responsabilidade Social Corporativa (RSC) ganhou grande visibilidade em 1960, principalmente no campo em-presarial, e hoje é referenciada por órgãos internacionais, como a Organização das Nações Uni-das (ONU). O incentivo para apoiar entidades filantrópicas ou a criar projetos comunitários surgiu a partir da necessidade

das empresas de aumentar a produtividade interna dos fun-cionários, através da garantia de bem-estar social, assegura o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE). Outro mo-tivo apontado é a preocupação com a imagem do grupo pri-vado: ao publicar a sua parti-cipação em projetos sociais, a instituição pode conquistar um número elevado de clientes por meio da identificação destes com a ação social da empresa.

A atuação social das empre-

sas acontece de diversas for-mas: concentrando-se em um só projeto ou em diversos; por meio de doações esporádicas ou iniciativas de longa duração; e com formas diversas de ges-tão dos projetos, segundo pes-quisa realizada por Fischer e Thompson, em 2000. Essa aju-da realmente contribui para a manutenção e desenvolvimen-to de ações comunitárias, que procuram melhorar, de alguma forma, a condição de vida de milhares de pessoas pobres.

por Mayara Reis

por Mayara Reis

Fotos: Denis TB

Para ajudar ou saber mais sobre o Solidary Rock, acesse:

www.solidaryrock.com.br.

4

Sementes de Paz é um dos negócios sociais que prova que essa nova forma de fazer negócio dá certopor Gabriel de Castro Hirabahasi

Com o intuito de criar uma forma de comércio justo e transparente, em 2007,

dois irmãos criaram o grupo Co-merAtivaMente, cujo objetivo era redirecionar o consumo de alimentos para pequenos agricul-tores independentes que praticam um modelo de agricultura ecoló-gica e relações de trabalho justas.

A partir das experiências ob-tidas com o ComerAtivaMente surgiu em 2008 a Sementes de Paz, criada para fortalecer a ca-deia produtiva da agricultura eco-lógica, apresentando-se como um elo entre os produtores e os con-sumidores. Hoje, a Sementes de Paz já tem parceria com mais de 50 produtores, e já proporcionou uma alimentação mais saudável a mais de duas mil famílias na ci-dade de São Paulo.

O negócio tem apenas uma loja online, disponível no site www.maisorganicos.com.br. O atendimento, por enquanto, é fei-

to apenas para a Grande São Pau-lo, com entregas de terça-feira a sábado.

O sócio e líder de marketing Diogo Tolezano Pires diz que “a questão do preço é um tema bastante discutido no mundo dos orgânicos. Muitas pessoas olham apenas para o preço e não enten-dem o que está por trás dele. Para um alimento ser certificado como orgânico, não basta apenas estar livre de químicas e agrotóxicos. Existe uma série de exigências do Ministério da Agricultura, como a formalização dos trabalhadores e o cuidado com as condições do solo”, explica. O sócio da empre-sa também justifica o preço com a ineficácia da cadeia de produção e abastecimento: “é um trabalho quase artesanal”. Valores que antigamente chegavam ao dobro dos produtos “convencionais”, hoje estão em média 20% acima.

Apesar dos poucos negócios sociais no Brasil, Diogo acredita

na mudança desse panorama. Se-gundo ele, muitos executivos vin-dos do mundo corporativo estão à procura de outros propósitos que não o dinheiro, e, assim, poten-cializam as ferramentas e formas de gestão dos negócios sociais.

A intenção da empresa en-quanto um negócio social pode ser vista nos recibos de compra. Neles, o cliente pode ver o quan-to daquele pedido ficou para cada elo da cadeia. Além disso, a em-presa contribui socialmente ao manter parcerias com pequenos produtores.

O resultado da parceria são produtos mais saudáveis, sem ne-nhum tipo de produto químico, reduzindo os impactos negativos na saúde dos clientes a longo prazo.

Foto: Diogo Pires

Movimento CHOICE introduz, já nas universidades, a ideia de Negócio Social

Comércio justo. Impacto social. Uma nova forma de fazer negócios. Tudo

isso podem ser associadas ao conceito de negócio social. Mas o que seriam de fato os negócios sociais?

Negócios sociais são empre-sas que, com sua atividade prin-cipal, oferecem soluções para problemas sociais utilizando mecanismos de mercado. Aten-dem necessidades da base da pirâmide social, possibilitando à população de baixa renda o acesso a produtos e serviços que melhoram a produtividade ou reduzem os custos de transação.

A CHOICE é um grupo que reúne universitários engajados em fazer negócios sociais no Brasil. Sua missão é criar no-vas formas de fazer negócios na universidade.

A estudante de Engenharia Ambiental da Unesp de Presi-dente Prudente, Sayuri Matsu-moto, faz parte da CHOICE. Ela

explica que os negócios sociais são diferentes das empresas que também tem um lado social. Sayuri diz que “o negócio so-cial é voltado para resolver o problema social, é essa a alma do negócio. As outras empresas mantêm apenas um ‘braço’ so-cial, é uma parte da empresa que poderia muito bem não existir.

A embaixadora da CHOICE explica também como se dá o auxílio da Artemisia aos negó-cios sociais; “a Artemisia tem o programa de aceleração, que re-cebe os projetos já prontos. Ela então avalia e passa a acelerá-lo e auxilia a levá-lo à frente”.

A CHOICE em si é bem re-cente. Para se ter uma ideia, a Artemisia, rede que engloba a CHOICE foi fundada em 2007. A CHOICE começou como uma simples conferência em 2011 e, a partir dessa reunião, surgiu o programa de embaixadores.

A CHOICE realiza periodi-camente seleções de novos em-

baixadores. Para se candidatar a uma vaga de embaixador, basta entrar no site www.choice.org.br e ir à seção dos embaixadores,

onde haverá um link que guia-rá até o cadastro ao programa. Em caso de dúvidas, o e-mail é [email protected].

Em estudo realizado pelo ANDE Polo Brasil, Potencia Ventures, Avina e Plano CDE, foram identificados 140 negócios sociais no país. Destes, o estudo se apro-fundou em apenas 50 para obter informações mais simples para a divulgação. O gráfico acima traz os setores nos quais esses 50 negócios sociais abordados atuam. A grande maioria trabalha com a parte de serviços, mas não se limita a apenas essa área. Quase um quarto dos negócios sociais estudados atuam na parte de ataca-dista de varejista. É bom lembrar que, para a construção do gráfico, um negócio

social não precisa estar necessariamente vinculado a apenas um dos setores.

“A maioria dos negócios sociais tem o de-safio em comum: atingir [um nível de] es-cala muito rápida para conseguir ampliar seu impacto”, disse Diogo Pires, sócio e líder de marketing da Sementes de Paz.

por Gabriel de Castro Hirabahasi

Para mais informações: www.sementesdepaz.com.br

(11)3522-6232.

5

E se o mundo fosse menos competitivo? E se toda a ideia de capitalismo como

a única forma de se reger uma so-ciedade caísse por terra? Surgidas na Inglaterra e na França no sécu-lo XIX, as primeiras cooperativas e uniões de ofício serviam para unir grupos de pessoas em torno de um ideal econômico comum, todas elas na mesma hierarquia. Tempos depois, esse sistema eco-nômico que visava valorizar o ser humano e não o capital deu sentido ao termo “Economia So-lidária”, cunhado pelo estudioso da área Paul Singer. Rumando para uma sociedade mais iguali-tária e sem competição, essa ação social traz novos horizontes a um mundo dominado pelo consumo desenfreado e pelo status social.

De família judaica e nascido em Viena, Singer veio para o Bra-sil em 1940 e radicou-se aqui com a família. É formado em econo-mia e traz uma bagagem de lutas políticas nas costas. Em 2003, foi convidado para ocupar o cargo de titular da Secretaria Nacional da Economia Solidária (SENA-ES), criada pelo então presiden-te, Luis Inácio Lula da Silva, e é onde está até hoje. Foi a partir daí que a economia solidária co-meçou a se solidificar no país.

“A sociedade de mercado aca-ba por não dar chance às pessoas excluídas econômica e social-

mente, então se fazem necessá-rias ações sociais nesse sentido”, comenta Juliana Soares de Sou-za, formada em psicologia pela UEM e técnica do projeto de ex-tensão INCOP, da Unesp Bauru.

Juliana explica que a Incubado-ra, ou INCOP, tem uma proposta de assessorar grupos sociais que visem formas de produção nos moldes da economia solidária. E

garante que o trabalho da Incuba-dora vai além do assistencialismo.

A pequenos passos, a incuba-ção procura passar ensinamentos, anteriormente estudados, que vi-sam à formação de empreendedo-res. Ao invés de ajudar quem pre-cisa fazendo o que eles precisam, a assessoria funciona no sentido de

educar o trabalhador para que ele caminhe sozinho. E para isso uti-liza matéria-prima ou força de tra-balho disponíveis no microcâm-pus social dos assessorados, além de valorizar a sustentabilidade.

A incubação de empreendi-mentos é, por excelência, eco-nomia solidária. Ou, por assim dizer, uma maneira comum de co-locar em prática esse sistema. No

Brasil esse processo começou em 1995, com a Incubadora Tecnoló-gica de Cooperativas Populares (ITCP), da UFRJ. Em 1997 surge a ITCP-USP, tendo como coor-denador ninguém mais, ninguém menos, que Paul Singer. Formal-mente, a INCOP, incubadora da Unesp, surgiu no ano de 2006.

Por ter à frente do projeto o professor e coordenador do curso de Design Cláudio y Goya, a IN-COP está associada a esse depar-tamento. No entanto, constitui-se de uma proposta multidisciplinar, que envolve alunos de Psicologia, Relações Públicas, Engenharia de Produção e Engenharia Civil.

“A iniciativa tem mais po-tencial para contribuir no ensi-namento da autogestão, que é o conceito chave da economia solidária. O objetivo principal é a transição de um modo de pro-dução exploratório para outro em que as pessoas não valorizem tanto o dinheiro, mas valorizem as relações”, explica Juliana, que está há três anos no projeto.

A competição está tão presen-te no mundo contemporâneo que é difícil estabelecer uma forma de empreendimento isenta disso. Conforme o pensamento mar-xista, o homem se constitui pelo trabalho. Se o trabalho é de ex-ploração, a índole desse homem é voltada para a competição, in-conscientemente. A intenção da economia solidária é mostrar que mais importante que uma formação técnica e profissional é a formação social e humana.

Os interessados em participar da INCOP Bauru devem entrar em contato pelo e-mail [email protected] ou pelo telefo-ne (14) 3103-6000, ramal 7229.

Oportunidade e desen-volvimento. Esses fo-ram os princípios que

nortearam a Feira de Economia Solidária, que aconteceu no iní-cio de setembro e fez parte da programação do Festival Can-ja 2012, na cidade de Bauru.

Algumas barraquinhas in-vadiram o Parque Vitória-Ré-gia expondo e comercializan-do trabalhos que ganharam visibilidade com a iniciativa.

Leonardo, ou Nô, esteve pre-sente com seus encantadores artesanatos e sua poesia. Ele e sua esposa trouxeram ao even-to um pouco da natureza com seus brincos de pena, colares

de pedras e pulseiras de fio en-cerado. “Acho legal a iniciati-va do Canja por juntar várias pessoas que acabam interagin-do no sentido da troca, tanto de experiências quanto de produ-ção”, comenta Nô sobre a Feira.

Outro tipo de produção encon-trado por lá foi o de um grupo de artesãs, às quais deu voz Elenice Rodrigues Simonetti. “Economia solidária, para mim, é a possibi-lidade de juntar pessoas com ta-lentos diversos”, define a artesã.

Talita Davi, artista plástica, mostrou a produção de uma revis-ta, a “Café Spacial”, que estava indo para sua 11ª edição e havia sido financiada com 5 mil reais,

conseguidos por meio do site da Catarse. Nele os empreendedores podem inscrever seus projetos culturais e os internautas doam o quanto quiserem, se aprovarem.

Já Natália Nogueira toca no ponto da sustentabilidade com o seu brechó. “Em vez de comprar roupas novas, a pessoa pode uti-lizar o que já existe. Uma calça jeans, por exemplo, gasta 11mil litros de água para ser feita, é isso que queremos mostrar”, explica.

Pintando a economia solidá-ria com várias cores, a Feira do Festival Canja teve grande acei-tação do público bauruense. Ape-sar de trazer visões diferentes em torno do conceito, ainda pouco

difundido, foi uma oportunida-de de mostrar essa produção.

Revisitando um conceito antigo, a economia solidária ganha espaço na sociedade

por Mariana Torres

Mostrando valores materiais e morais, a Feira de Economia Solidária dá espaço para esse modo de produção

por Mariana Torres

O Atlas da Economia Solidária no Brasil indica que existem hoje quase 22 mil empreendimentos nesses moldes.

Foto: Marina Ling Wang

Foto: Mariana Torres

6

Sempre que o debate sobre os entraves sociais vêm à tona, levanta-se a questão

sobre a importância das ONGs como agentes alteradores de uma realidade. Será que elas são muito importantes para a nossa socieda-de? Será que elas são capazes de resolver, realmente, algum pro-blema social?

Elas, as organizações não-go-vernamentais, compõem aquilo que é chamado de terceiro se-tor. Segundo tal conceito, são as ONGs as responsáveis por orga-nizar os indivíduos de uma comu-nidade para resolver os problemas sociais de um determinado grupo. Afinal, o primeiro setor, o Estado, é ineficaz para solucionar todos os gargalos sociais e o segundo, o privado, visa atender somente os interesses privados.

O advogado Amilton Sobreira, coordenador da ONG SOS Cer-rado, concorda com essa visão. Para ele, elas só são necessárias porque o poder público não con-segue cumprir os seus deveres. Deixa brechas em áreas funda-mentais como a saúde, o meio ambiente e a educação, obrigando a sociedade civil a atuar. Ou seja, se o poder público cumprisse as suas obrigações, não teríamos ONGs.

Ricardo Beltrão, sociólogo formado pela USP, discorda de tal visão e relativiza a importância dessas entidades. Crê ser interes-sante que se tenham instituições que não pensem exclusivamente no mercado, ainda mais em um ambiente em que a otimização do lucro é o imperativo máximo.

Ele, porém, pontua que as ONGs oferecem soluções paliati-vas e não estruturais aos proble-mas. Não pensam em mobilizar os oprimidos em prol de um sis-tema mais justo. Muitas, inclusi-ve, praticam ações sociais porque são financiadas por indústrias que querem melhorar o seu marketing institucional e assim ampliar e agradar o seu mercado consumi-dor.

A Folha de S. Paulo, no dia 18 de maio de 2008, divulgou uma matéria que mostrava como 9 ONGs brasileiras foram financia-

das por indústrias farmacêuticas internacionais. Estas queriam que aquelas, que se diziam autôno-mas, defendessem a sua posição dentro do país. O que se viu foi que essas ONGs ecoaram o dis-curso das empresas que queriam continuar vendendo os seus remé-dios patenteados por altos valores para países pobres e emergentes.

Mesmo acreditando que a atu-ação das ONGs é falha nesses aspectos, Ricardo ressalta a exis-tência de organizações autôno-mas que têm propostas políticas de alteração da realidade social. O exemplo citado é o MST, Mo-vimento dos Trabalhadores Ru-rais Sem Terra.

TENDÊNCIA

Nesse quesito, tanto Amilton quanto Ricardo concordam, mes-mo que por motivos diferentes. O advogado acredita que sem-pre existirão pessoas de má fé que se utilizarão das ONGs para conseguir benefícios, ainda mais porque elas têm facilidades tribu-tárias.

O sociólogo vai por um cami-nho distinto e vê a questão no seu âmbito mais geral. Na sua con-cepção, o terceiro setor também segue uma lógica de mercado e sempre haverá o desejo do lucro.

O fim dessa situação viria ou por uma fiscalização social maior, tanto por parte do Ministério Pú-blico quanto da sociedade civil, crê Amilton. Ou por uma maior politização dessas organizações para que comecem a entender que todos os entraves sociais es-tão ligados a falhas estruturais da nossa sociedade, lembra Ricardo Beltrão.

por Pedro Borges

Sociólogo e advogado apresentam visões diferentes sobre a importância das ONGs

em uma sociedade de mercado

por João Ernesto Reis

Verbas para projetos sociais existem, o problema é o acesso a elas

Nas últimas décadas as ONGs vêm se destacan-do mundialmente como

uma saída paralela à ação do Es-tado no que diz respeito a ações sociais. Isso se dá devido ao fato de que hoje os “projetos sociais” conseguem atuar mais incisiva-mente na sociedade. Sobretudo, quando entendidos como as ações das diversas organizações do ter-ceiro setor voltadas para a melho-ria da vida das pessoas que não têm acesso aos direitos básicos de cidadania.

O economista e Secretário Ex-ecutivo do Ministério do Plane-jamento, Orçamento e Gestão do Governo Federal, Sergio Mendonça, acredita que esse crescimento das ONGs se dá em um momento de diminuição do Estado e do fortalecimento da participação da sociedade e do mercado, de forma que beneficia toda a sociedade. Além disso, explicita que a participação das organizações não governamen-tais tem sua importância para a população. “As ONGs cumprem um papel complementar. Muitas vezes o Estado não tem capilar-idade para atuar em regiões onde as ONGs podem atuar”. De toda forma, mesmo frisando que o papel das ONGs é importante, o economista acredita que o mesmo ainda é muito limitado e, portan-to, não resolve nem de longe os problemas sociais do Brasil. A saída seria um investimento forte em áreas básicas, como educação e saúde.

Além das organizações do ter-ceiro setor estarem crescendo em uma brecha deixada pelo Esta-do, o entrevistado também indi-ca que muito do capital injetado

nas empresas se dá em função do investimento dos próprios gover-nos federal, estadual e municipal nas instituições. Bauru, segundo o site da prefeitura, tem mais de 99% das empresas com atuação social recebendo verba das três instâncias governamentais e o investimento vem crescendo. No ano de 2008, o gasto da cidade com assistência social representa-va 3,05% do PIB municipal; hoje o gasto chega aos 3,47%.

Bauru registra uma partici-pação impressionante do Estado nas suas ONGs, e sempre que ex-iste um estreitamento da relação Estado-Organizações, seja qual for o setor, já se pensa em cor-rupção. Sergio afirma que “em relação às ONGs o contrato pode, sim, ser interrompido e a verba suspensa se as exigências não es-tiverem sendo cumpridas. Isso, aliás, é muito comum ocorrer”. Ele ainda explicita que a cobrança é bem feita e segura pelo Gover-no Federal, para quem trabalha.

Ricardo Beltrão explica que a fiscalização é bem feita. Existem, inclusive, portais que disponibi-lizam para toda a sociedade o uso da verba feita pelo Governo Fed-eral. O que complica é o fato de que “quando a Federação repas-sa o recurso para os municípios, mesmo se destinados ao uso em uma área específica, ela perde o controle sobre o capital e é nesse momento que se perde a quali-dade do serviço e acontece a cor-rupção”.

Foto: João Ernesto Reis Desenho: Frank

Ricardo Beltrão, sociólogo

Para maiores informações acesse: http://www.bauru.sp.gov.br.

www.tcu.gov.brwww.cgu.gov.br

www.portaldatransparencia.gov.br

7

por João Victor de Oliveira

Um projeto que tenta mo-dificar a realidade da sociedade precisa, como

qualquer outro, de financia-mento e de qualificação profis-sional em sua gestão e em seu desenvolvimento. Ao contrário do que muitos possam pensar, no entanto, não é a parte do di-nheiro que constitui o principal problema desses projetos.

De acordo com o coordena-dor de captação de recursos de Bauru, Chico Maia, os maiores problemas do setor estão liga-dos à falta de capacitação para gerir os projetos e à falta de acesso às informações necessá-rias para torná-los funcionais. Questionado sobre uma possível escassez de verbas, o coordena-dor explica: “em linhas gerais, não posso dizer que as verbas para projetos são escassas, pois cada órgão tem um orçamento

diferente. O que falta é acesso à informação adequada, recur-sos humanos qualificados para elaborar os projetos, executá-los e prestar contas de acordo com a legislação”. Chico Maia faz questão, no entanto, de não atribuir toda a responsabilidade ao terceiro setor e lembra que, “Por outro lado, os próprios órgãos governamentais têm ca-rência de analistas de projetos”.

Quando se diz que as verbas reservadas aos projetos sociais não são escassas não se con-sidera apenas a verba privada. Dezenas de editais são lançados para diversos segmentos anual-mente. Em Bauru, no âmbito da prefeitura, quase 1 bilhão de re-ais foram captados em 2012. O problema é que nem todos esses editais são públicos. Em 2008 foi criado o Portal de Convê-nios, por meio do qual muitos

editais aptos a receber propos-tas são divulgados. Segundo Chico, “há editais que são dis-ponibilizados apenas no Portal de Convênios e aquelas insti-tuições que não mantêm um se-tor de elaboração de projetos e captação de recursos não ficam nem sabendo da existência des-sas oportunidades”.

Outro problema que pode di-ficultar a captação de recursos é que, em alguns casos, a ins-tituição pode estar impossibi-litada de recebê-los. Para estar apta para receber verbas, uma das exigências que se faz é que a prefeitura ou instituição que realiza o projeto esteja adim-plente com os setores públicos, coisa que nem sempre acontece. Na região de Bauru e Marília, 80% dos municípios tem al-gum tipo de inadimplência. As exigências existentes para que

as verbas sejam aprovadas são grandes e elas continuam de-pois da aprovação. Para que o financiamento continue, a ins-tituição deve prestar contas e executar suas metas, coisa que frequentemente não é cumpri-da.

Todos esses fatores travam o desenvolvimento dos proje-tos e ações e impedem que a sociedade cresça em inúmeros aspectos. Uma prova da inca-pacitação na área de gestão dos projetos citada por Chico Maia é exatamente a verba desperdi-çada. O representante da prefei-tura disse que “há órgãos fede-rais que conseguiram executar menos de 50% do orçamento no ano de 2011”. Isso acontece por falta de projetos inscritos nos editais ou porque nenhum dos inscritos poderia receber os re-cursos.

Verbas para projetos sociais existem, o problema é o acesso a elas

O Projeto Bauru Transpa-rente (Batra), criado em 2009, tem como objeti-

vo conscientizar a população e fiscalizar os políticos da cidade. O presidente Alvérsio Santinoni que, há três anos no comando do projeto, comenta em entrevista sobre as dificuldades que enfren-ta, o grau de engajamento da so-ciedade e o embate entre receber verbas e criticar os financiadores.

Quem financia a BATRA?Uma parte das despesas da BA-TRA é custeada por alguns co-laboradores, mas a maior parte é nossa mesmo, dos diretores e pessoas que se empenham e con-tribuem mensalmente. Não temos uma fonte de renda, não recebe-mos dinheiro público, temos que nos virar com pouca verba e do-ações.

O que é realizado no projeto?Realizamos palestras com o tema “Cidadania e Voto consciente”, apresentamos o conteúdo de gra-ça e em qualquer lugar que nos

chamarem. Fazemos a fiscali-zação da câmara de vereadores, acompanhando os políticos da ci-dade, a fim de descobrir se os ve-readores estão cumprindo mesmo a função deles. Temos também a Batra Jovem, que é uma parte do projeto organizada pelos jovens, com o objetivo de levar a cidada-nia às ruas. Por fim, produzimos um livro chamado “Cidadania Consciente”, que será distribuído nas escolas, para que os alunos respondam questões sobre o con-teúdo e os melhores colocados se-jam premiados.

A sociedade brasileira, em ge-ral, é engajada nas causas polí-ticas e sociais?Muito pouco ainda, quase nada. Você encontra poucos que es-tão lutando conosco e abraçando nossa causa. O restante não quer saber de nada, só de futebol e car-naval. Isso está errado, você vai limpar sua casa só de quatro em quatro anos? É preciso agir tam-bém entre esse tempo. A popula-ção é pouco esclarecida quando

o assunto é política. Muitos nem sabem em quem votaram. A gente tenta criar essa consciência com as palestras, mas o povo pouco se movimenta. Parece que nada está errado no país, que tudo está bem. Esse é o mal do cidadão brasilei-ro!

Quais as maiores dificuldades para realizar os objetivos de um projeto?A principal dificuldade é a verba, a gente trabalha com pouco di-nheiro e precisamos de parceiros que invistam. Além disso, é difícil achar pessoas com mão-de-obra e tempo disponível, interessadas em ajudar.

O que há de negativo nos proje-tos sociais?Acho que existem algumas ins-tituições que não têm o “social” como principal objetivo. Institui-ções privadas que também têm um projeto social só para dizer que estão devolvendo algo à so-ciedade. Usam o projeto como marketing. Sabemos que muitas

empresas fazem isso.

Em relação aos parceiros que fi-nanciam projetos, não é criada uma obrigação de defender os financiadores?Não, se algum dia um deles fizer algo de errado que seja pertinen-te a nossa divulgação, nós iremos criticá-los, o problema é deles. Se isso acontecesse, nós cortaríamos a relação dessa empresa com o projeto, iríamos parar de receber verbas dela. Nós não podemos adivinhar quem é honesto e quem não é. Mas ao detectarmos que existe algo errado, nós denuncia-mos e paramos de receber a ver-ba. Agiríamos dessa forma, para não perder a credibilidade.

ENTREVISTA“Você vai limpar sua casa só de quatro em quatro anos?”

por Renan Fantinato

Foto: Renan Fantinato

Área Social - R$ 509 milhões

Programa “Minha Casa, Minha Vida” - R$ 450 milhões

Infraestrutura Urbana - R$ 17 milhões

Cultura, trabalho, esportes, ciência e turismo - R$ 14 milhões

Saúde e SAMU - R$ 13 milhõesINV

EST

IME

NT

O P

ÚB

LIC

O E

M P

ROJ

ET

OS S

OCIA

IS

Dados referentes ao ano de 2012FONTE: Coordenadoria de Captação de Verbas de Bauru

Foto: Gabriel de Castro, João Ernesto Reis, Lucas Loconte e Mariana Torres

8

Como funciona o processo de adoção em Bauru e as particularidades de cada casopor Paula Reis

Críticas sobre a burocracia que envolve os processos de adoção no Brasil são

muitas. Casais cheios de afe-to, estáveis e dispostos a adotar crianças precisam passar por um criterioso processo para realizar seu sonho de ter um filho.

É importante conhecer o pro-cedimento e casos específicos para que se entenda como todo o cuidado é pouco quando se trata de vidas. Vidas ainda tão curtas, mas que, em muitos casos, já car-regam consigo traumas profun-dos.

PROCESSO CUIDADOSO

O processo de adoção é basi-camente o mesmo em todo o país, havendo algumas variações na parte de preparação psicológica de quem quer adotar.

Os interessados em adotar uma criança devem procurar o fórum da cidade em que residem. Com os documentos necessários em mãos e a entrada dos papéis no cartório, inicia-se a fase de prepa-ração para se adotar.

Em Bauru, há um curso e um acompanhamento psicológico, com discussões com os possíveis pais adotivos sobre as peculiari-dades de cada criança, as suas fa-ses de desenvolvimento e como deve ser revelada a adoção para a criança.

Após a sentença do juiz, o in-teressado entra nos Cadastros de Adoção Local e Estadual. Depois da homologação, ele é inserido no Cadastro de Adoção Nacional e passa a fazer parte de uma fila de adoção, que segue a ordem de inscrição.

Quando há uma criança dis-ponível que atende ao perfil do interessado, este é contatado. A psicóloga judiciária Lúcia Maria Rodrigues de Almeida explica que esse momento é um pouco in-

certo: “às vezes acontece da gente contatar o casal, mas ele não está no momento certo de adotar e prefere nem conhecer a criança”.

Havendo a aprovação, ini-ciam-se aproximações sucessivas de maneira lenta e cautelosa, até o momento em que ambos – tanto a criança como o interessado – se sentem confortáveis para tornar a situação definitiva.

O acompanhamento das crian-ças, feito por assistentes sociais, vai até o momento em que a ado-ção é efe-tivada ou a destituição da família antiga é fina-lizada.

Sobre o tempo que demora esse p r o c e s s o , Lúcia expli-ca que varia conforme o caso “se é uma família que quer um bebê até um ano de cor branca e sexo feminino, demorará de 5 a 6 anos, se a família aceita uma fai-xa etária mais ampla, ou irmãos, a adoção pode ocorrer em bem menos tempo. Quanto mais a pes-soa fizer restrições no perfil da criança pretendida, mais se reduz a chance de adotar logo”. Segun-do Lúcia, isso acontece pois há grande disponibilidade de crian-ças mais velhas nos abrigos.

CASOS ESPECÍFICOS

Casos de adoção em que a criança vai para uma família dife-rente, sem a participação da Justi-ça, já foram muito recorrentes. Se a criança for entregue para algum outro ente da família, a lei pre-vê como extensão familiar. Mas, após a criação da lei 12010/09,

se o procedimento envolver pes-soas de uma família diferente, ele passa a ser considerado crime, e a criança é recolhida.

Nos casos em que há a entrega espontânea da criança ao serviço de adoção, a gestante pode mani-festar esse interesse logo na ma-ternidade. É feito o pedido para o fórum e há o acompanhamento da assistente social do hospital. Se até o momento da alta o desejo de entregar a criança permanecer firme, a criança é dirigida dire-

tamente da maternidade para o abri-go, ou para um casal in-teressado.

Há tam-bém os ca-sos em que a criança precisa ser retirada da família por conta de maus tratos, negligência

ou abandono. Esse procedimen-to é denominado destituição e acontece após a ineficiência nas tentativas de manter a criança na família biológica. *Irmãos: segundo Lúcia, pri-meiramente se tenta manter as crianças em família. A separação só ocorre em casos de numerosos irmãos, mas procura-se manter o contato entre eles.*Adoção tardia: a adoção de crianças com mais de dois anos é considerada tardia. Segundo Lú-cia, ela é recorrente em Bauru, onde o perfil dos interessados é diferente do restante do país. Em outras localidades, de 80 a 90% das pessoas querem crianças até dois anos de idade, enquanto em Bauru, dos 168 cadastros ati-vos, apenas 30% desejam apenas crianças nessa faixa. O restante

aceita crianças de 0 a 8 anos. *Adoção homoafetiva: nesse caso, o interessado passa por um processo exatamente igual ao di-recionado aos heterossexuais. Lú-cia completa: “não há diferencia-ção. O que a gente busca checar mesmo é a afetividade, o vínculo do casal, a estabilidade conjugal”.*Crianças com deficiência: Lú-cia explica que infelizmente não há procura, e que em pouquíssi-mos casos há a aceitação.

Em qualquer um dos casos ci-tados, às vezes existe a devolução da criança adotada. As crianças que são devolvidas voltam para a entidade e são acompanhadas por psicólogos que irão prepará-las para serem recolocadas em novas famílias.

Lúcia destaca que, nessas si-tuações, a criança sofre uma le-são psicológica muito profunda, e alerta para a importância de um processo criterioso de ado-ção: “nós somos responsáveis por colocar crianças que já passaram por abandono, maus tratos, negli-gência, em outras famílias. Temos que tentar minimizar as chances de isso acontecer novamente, e apesar de toda a burocracia, a cena ainda se repete”.

CARINHO TEMPORÁRIO

Em Bauru existem sete insti-tuições especializadas em abri-gar crianças enquanto elas ainda não são adotadas. Cada local é voltado para acolher crianças de idades e sexos específicos, além dos direcionados para grupos de irmãos e pessoas com deficiência.

Além das instituições existem cinco famílias acolhedoras cadas-tradas. Elas se dispõem a abrigar uma criança que conviverá nesse ambiente familiar até sua situação ser definida e ela retornar para sua família biológica ou ir para o abrigo.

Desenho: Pedro Hungria Cabral

“Nós somos responsáveis por colocar crianças que já passaram por abandono, maus tratos, negligência, em outras famílias. Temos que tentar minimizar as chances disso acontecer no-vamente, e apesar de toda a burocracia, a cena ainda se

repete“.

9

Uma história de quem ama sem se importar com os laços de sanguepor Paula Reis

Ao sair do aconchego do ventre, o choro estri-dente era o sinal do nas-

cimento de duas novas vidas. Thiara e Thiago eram frágeis bebês recém nascidos e nem imaginavam que já estavam co-nhecendo nobres sentimentos como generosidade, coragem e amizade.

Os filhos de Sebastião, casei-ro de um rancho no Mato Grosso do Sul, não puderam conhecer a mãe biológica, pois Maria fale-ceu logo após o parto. Sebastião, pai de mais quatro meninas, era um homem muito simples, sem condições para criar mais duas crianças, e então contatou seus grandes amigos Lucia e Denil-

son Torres, que o acompanha-ram por uma semana buscando uma maneira de ajudá-lo.

O casal decidiu então levar toda a família para sua casa em São João da Boa Vista- SP. Após um mês, o caseiro resolveu vol-tar para sua cidade e, atendendo ao pedido dos amigos, deixou Thiago e Thiara aos cuidados de Denílson e Lucia.

O tempo passou, e o casal ficou com Thiara, enquanto o irmão de Denílson e sua esposa ficaram com Thiago. Os irmãos gêmeos sabem de seus passados desde pequenos. Thiara explica que nunca teve problemas com isso, e que sempre gostou de contar sua história aos outros:

“Eu acho que as minhas duas famílias sempre tiveram muita coragem, uma por adotar e a ou-tra por entregar”. Thiara ainda completa que conhece suas ir-mãs biológicas e que tem muita curiosidade de conhecer o pai.

A adoção oficial dos irmãos completou-se em 2007. Thia-ra comenta que recebeu muitas visitas da assistente social e da psicóloga do fórum, mas expli-ca: “para mim, não havia muita diferença, já que a adoção ofi-cial seria apenas uma modifica-ção para a Justiça”.

Thiara Correa Valin Torres e Thiago Correa Torres Rehder trazem consigo o sobrenome das famílias biológica e adotiva.

Foto: Mariana Torres

Thiara com sua filha Helena, de 2 anos.

Os procedimentos médicos que envolvem transfusão sanguínea demandam

um estoque de sangue seguro e que forneça um abastecimento regular à unidade de saúde. Para a manutenção desse estoque, é preciso que voluntários façam doações sanguíneas. O grande problema, segundo médicos, são os mitos criados sobre doar san-gue, e o receio que surge como consequência.

Normalmente, os doadores não apresentam problemas du-rante a doação de sangue, mas podem ocorrer situações nas quais o voluntário apresente

algum mal-estar, variação de pressão e tontura, ente outros sintomas.

Outro mito a ser vencido é o de que o sangue “engrossa” ou “afina” depois da doação. Na verdade, o volume de sangue re-tirado é reposto quase totalmente após 24 horas e o sangue de uma pessoa que tenha doou é igual ao de quem nunca doou.

O processo de doação é bas-tante simples: antes de retirar o sangue, o doador passa por um processo de triagem, que envol-ve alguns exames e uma entre-vista. Se considerado apto para a doação, serão colhidos 450 ml de

sangue do voluntário.Serão feitos exames para He-

patite B e C, Sífilis, Doença de Chagas, AIDS e exames para a detecção do vírus HTLV I e II no sangue coletado.

Os resultados dos exames e a carteirinha de doação ficam pron-tos em cerca de 10 dias e devem ser retirados no posto de coleta.

O sangue doado é armazena-do separando seus componentes: hemáceas com validade de até 35 dias, plasma fresco com validade de até 1 ano, plasma preservado com validade de até 5 anos, crio-precipitado com validade de até 1 ano e plaquetas com validade

de até 5 dias.O material utilizado na cole-

ta é totalmente descartável e es-terilizado. Assim, o doador não corre nenhum risco de contami-nação sanguínea.

Para doar sangue, o voluntário deve portar documento com foto, ter idade entre 18 e 65 anos e pe-sar no mínimo 50 kg. Não é ne-cessário jejum e a menstruação não afeta o processo.

Em Bauru, o Hemonúcleo fica anexo ao prédio do Hospital de Base, na Rua Monsenhor Claro, 8-88. Mais informações podem ser obtidas no local ou pelo tele-fone (14) 3104 3518.

Unidades de saúde precisam combater antigos mitos para incentivar a doação de sangue

por Felipe Altarugio

Infográfico: Lucas Loconte

10

Recentemente, ouvi uma discussão sobre “marke-ting social”, um conceito

que ficou meio dúbio por repre-sentar, ao mesmo tempo, o modo como as organizações públicas propagam suas ações e sua ima-gem, e também como a publicida-de de um produto de determina-da empresa reflete na sociedade. Toda essa discussão levou a uma reflexão final: que diferença eu faço? Até onde as minhas esco-lhas – do que vestir, do que com-prar, do que usar, do que dar pre-ferência – pode alterar um fluxo econômico ou social?

Não é proposta dessa matéria trazer essas respostas, mas, a par-tir desse argumento, ter uma base para uma discussão que envolve duas mulheres, uma organização de serviços humanitários e outras um tanto menores.

A MENINA QUE BRINCAVA COM FOGO

O papel que ela desempenha na sociedade não fez com que a policial norte-americana Kathryn Bolkovac aceitasse um trabalho temporário junto às Nações Uni-dades, organização criada num contexto do pós-Segunda Guerra, onde a comunidade internacional tinha um sentimento generalizado de que era necessário encontrar uma forma de manter a paz entre as nações, oferecendo inúmeros “serviços” sociais e lutando pela paz, igualdade, fraternidade e ge-nerosidade.

Kathryn precisava mesmo era de dinheiro. Optou então por um serviço temporário oferecido pela DynCorp, uma empresa terceiri-zada pelo governo norte-america-no para levar monitores à Bósnia para supervisionar o trabalho da polícia local e dos soldados pa-cificadores da ONU. Com esse trabalho, ela – recém-divorciada, endividada e querendo mudar um pouco de ares – resolveu ir para o lugar de onde veio a sua família. Devastado pela guerra, Sarajevo

não era apenas um centro de dor, mas um lugar corrompido por gente de fora do país.

Foi só em 24 de outubro de 1945 que a ONU começou a existir oficialmente. Foi em 2 de agosto de 2002 que toda essa his-tória de pouco mais de 57 anos quase desmoronou com o maior escândalo envolvendo membros das Nações Unidas.

A Guerra na Bósnia talvez te-nha sido um dos conflitos mais complexos da história mo-derna. Termi-nado em 1995, o conflito en-volvia não só disputas políti-cas ou religio-sas, mas cultu-rais também, o que também foi a principal causa de vários emba-tes na África, como o de Ruanda, quando, em 1994, guerrilheiros da etnia hutu mataram cerca de 800 mil tutsis em praticamente um mês.

Nos meses que passou na Bós-nia, Kathryn descobriu um sórdi-do esquema de tráfico de pessoas, que incluía mulheres de vários pa-íses próximos, inclusive crianças de 12 anos. Essas mulheres pres-tavam serviços sexuais em vários bares de Sarajevo. Por sua desco-berta, ela foi ameaçada pelos en-volvidos no tráfico e se viu obri-gada a revirar arquivos e confiar nas pessoas certas para conseguir trazer a verdade à tona. “Foi cho-cante descobrir as circunstâncias de como as mulheres eram trans-portadas para a Bósnia. Sabendo que a situação econômica e social era desesperadora na época, dá para entender que a promessa de dinheiro fácil era o chamariz para as vítimas, levando essas garotas a sofrerem as atrocidades que fo-ram relatadas inúmeras vezes. O que nunca consegui compreender foi o que levou a participação dos trabalhadores internacionais, dos funcionários da ONU e da polícia

local no tráfico das mulheres”, ela disse em uma conversa realizada por Skype.

Kathryn tem olhos que me chamaram a atenção. Não só por serem acalentadores ou calmos, mas por revelarem uma dor, um sofrimento. Talvez seja pelo que ela passou na Bósnia ou em ou-tros momentos de sua vida, mas aquelas duas bolas azuis tinham história para contar. Inclusive,

um dos casos que mais a chocou foi o relato de uma das moças durante as entrevistas poste-riores que realizou com as vítimas: “A história mais constrangedora foi de uma jo-vem que descre-

veu como um cliente do bar em que trabalhava a forçou a dançar nua e colocou uma moeda de um marco alemão [que é uma moeda grande] dentro de sua vagina. Ela se referia a ele como o ‘Médico’”.

Para se ter uma noção, em 2010, cerca de 60 mil brasileiros foram vítimas do tráfico interna-cional de pessoas, segundo dados obtidos junto à Secretaria Nacio-nal de Justiça (SNJ), sendo que a maioria das vítimas são mulheres entre 18 e 25 anos, oriundas de famílias de baixa renda e pre-sas a uma rede internacional de prostituição, sujeitas a trabalhos forçados, em cárcere privado e expostas a doenças sexualmente transmissíveis. O envolvimento da ONU num escândalo dessa magnitude mostra que nem uma organização desse porte está livre da corrupção.

Hoje, Kathryn é responsável por uma série de medidas que tentam prevenir esses casos, in-vestigando possíveis suspeitos e condenando aqueles que aco-bertam ou cometem tais crimes. “Nós devemos garantir que todas as forças armadas, organizações, corporações e governos assegu-rem que seus representantes tra-

balhem direito e que as investi-gações e processos decorrentes desses abusos sejam transparen-tes. Meu livro descreve ainda mi-nha posição nesse assunto. Aque-les que acobertam esses crimes também devem ser apontados como responsáveis”, ela comen-ta.

Kathryn encerra, dizendo que o seu trabalho é “garantir que to-das as forças armadas, organiza-ções, corporações e governos as-segurem que seus representantes trabalhem direito e que as inves-tigações e processos decorrentes desses abusos sejam transparen-tes”. E completa: “Eu acredito no bem e no mal”, enfazita, dizendo

Corrupção, crimes e ONGs fantasmas exploram a “indústria do voluntariado”. Hoje, um grupo restrito de pessoas trabalha para revelar isso e modificar a imagem do que é “fazer caridade”

por Lucas Loconte

“Eu acredito no BEM e

no MAL. Como uma po-

licial, já enfrentei e

lidei com os dois. Acho

que o mundo precisa

aprender a lidar com

isso e escolher uma

força vencedora”

Foto: Tyler Anderson/PostMedia News/ZUMApress.com

11que “como uma policial, já en-frentei e lidei com os dois. Acho que o mundo precisa aprender a lidar com isso e escolher uma for-ça vencedora”.

A DEVASTADORA DOS CASTELOS DE AR

Quando a ligação no Skype foi atendida, Linda Polman abriu um sorriso. “Você é tão jovem!”, ela comentou, dando início a uma conversa sobre o seu trabalho en-volvendo a “indústria das ONGs” e a denúncia que faz a um boom de organizações que surgiram de-pois do final da Guerra Fria com o intuito de ajudar os países sub-desenvolvidos que ainda enfren-tavam vários conflitos internos.

Os governos davam um auxí-lio financeiro para essas organiza-ções, e muitas delas foram criadas com o intuito de arrecadar esse dinheiro e não fazer nada. Ela inclusive conta histórias do perí-odo em que ficou no Haiti após o furacão que devastou Porto Prín-cipe em 2010, onde existiam “ca-sas fantasmas” que abrigavam as sedes de organizações criadas es-pecialmente para receber a verba destinada ao trabalho voluntário.

A jornalista alemã iniciou sua carreira de cobertura internacio-nal em 1995, visitando Ruanda um ano após o genocídio tutsi. Ela recebeu um telefonema de um amigo fotógrafo e acabou indo para lá, noticiar como a popula-ção se encontrava naquele aniver-sário macabro.

A partir de uma análise, ela viu que, das 40 organizações que existiam na década de 1980 e que agiam no Camboja, registrou-se um aumento para 250 operando na Iugoslávia na década seguinte e, em 2004, para 2.500 agindo no Afeganistão. Não era normal isso e não tinha um propósito aparente.

Linda comentou que existe uma espécie de concorrência en-

tre as organizações para conse-guir as verbas, e que, claro, tam-bém temos aqueles que estão lá apenas pelo dinheiro. E o que isso vira?

“Uma competição por dinhei-ro que se torna uma disputa por zonas de guerra, sofrimento e re-fugiados. É um absurdo, não?”, ela disse apontando esse como um grande erro da parte das orga-nizações.

“As indústrias das ONGs se transformaram em algo milioná-rio. Muitas delas não tem um ob-jetivo claro quando se inscrevem para receber as verbas dos gover-nos, e acabam nem fazendo direi-to o seu trabalho. As ONGs vão aonde o dinheiro está! Hoje, qua-se não existe mais aquela sensa-ção de que o trabalho voluntário é algo recompensador, mas algo que gera lucro – e, infelizmente, é isso que a maioria das ONGs buscam”, ela disse, apontando a ganância dos captadores como uma das causas para esse tipo de corrupção. “Aqueles que conse-guem, tiram o espaço de outros grupos que poderiam desenvol-ver trabalhos bem mais honestos e bem mais interessante do que quem pegou o dinheiro faz”.

Linda já lançou quatro livros, todos inéditos no Brasil: The Flo-ating City, sobre a sua viagem pela África; Bot Pippel, sobre a sua experiência no campo de refugiados no Haiti; We Did No-thing – Why The Truth Doesn’t Always Come Out When the UN Goes, que trata do trabalho dos pacificadores das Nações Unidas na Somália, Ruanda e Haiti; e, mais recentemente, War Games – The Story of War and Aind in Modern Times, em que ela discute o papel que a guerra tem no de-senvolvimento das ONGs.

Hoje, Linda continua nessa luta para expor o lado podre das ONGs. Ela sabe que não é um problema simples, mas disse que

nunca recebeu ameaças ou pro-cessos.

O fator mais importante que ressalta são as conexões entre as escolhas, o trabalho voluntário e várias esferas da sociedade. “A escolha de você ir para o Afe-ganistão, Paquistão ou Irã não é pelo trabalho com os voluntários ou pela assistência que eles pre-cisam, mas pelo dinheiro. Tudo é por causa do dinheiro. E isso en-volve uma escolha política que os voluntários precisam fazer. A po-lítica define como vai ser o traba-lho humanitário nessas áreas e é a partir dessas escolhas, que uma ONG decide se, financeiramente, é interessante prestar tal serviço lá”.

A economista zambiana Dam-bisa Moyo comenta uma coisa importante na matéria intitulada Does Humanitarian Aid Prolong Wars?, publicada em 25 de abril de 2010 no jornal The Guardian, sobre esse problema da indústria das ONGs: muitos de nós nem nos importamos com o que acon-tece ao nosso redor; mas, diante de uma imagem de uma criança africana desnutrida, a caridade fala mais alto porque isso nos faz sentir melhor. Só que nunca ninguém pensa se realmente esse dinheiro chegou ao seu destino final.

Os trabalhos de Kathryn e Linda provam que, mesmo num mundo em que é muito mais fácil questionar e criti-car a atitude dos outros, exis-tem aquelas pessoas que se veem obrigadas a sair da sua zona de conforto e trabalhar em prol da humanidade. Como disse uma vez Angelina Jolie, em um discurso como embai-xadora da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), “O mundo precisa de atitudes, não de opiniões. Opinião nenhuma mata fome ou cura doença”.

“Tudo é por causa do dinheiro. E isso en-volve uma escolha po-lítica que os voluntá-rios precisam fazer. A política define como vai ser o traba-lho humanitário nes-sas áreas, e é a par-tir dessas escolhas que uma ONG decide se, financeiramente, é interessante prestar

tal serviço lá”

Vista panorâmica do campo de Jaramana, Síria: em 2011, existiam mais de 42 milhões de refugiados no mundo. O trabalho das ONGs se torna muito importante ao tentar tornar a vida dessas pessoas o mais próximo da normalidade.

Foto: Anobel Odisho

Foto: Patricia Hofmeester

Quando o assunto é “Proje-tos Sociais”, várias ques-tões polêmicas são levan-

tadas. O palco da discussão se divide em dois grandes blocos: de um lado, estão aqueles que parti-cipam de projetos sociais (ou que se simpatizam com eles) e, do outro, se encontram os que não acreditam na validade das ações sociais.

Os discursos costumam ser muito claros e bastante convin-centes. O primeiro grupo afirma que as ONG’s e Projetos Sociais têm um papel importantíssimo na sociedade, cumprem aquilo que o governo e a iniciativa privada deixam de fazer e merecem ser exaltados. Já o segundo grupo acredita que essas instituições só existem para criar um marketing, que realizam medidas paliativas e que, diante do contexto capita-lista que vivemos, todas as ações são voltadas para obter maior ou menor lucro.

Diante desse cenário, é preci-so tomar muito cuidado para não fazer exatamente o que eu fiz nos dois primeiros parágrafos: gene-ralizar, rotular, colocar tudo de uma forma simplista. Afinal, essa questão não é nada simples.

A solução está no terceiro blo-co, que muitas vezes a gente nem percebe que existe. Ele é com-posto por uma minoria que tem uma visão um pouco mais crítica e consegue enxergar os dois lados da moeda. Os projetos sociais re-alizam um trabalho louvável na sociedade e colaboram com ações

que melhoram a vida de várias pessoas. Mas, não se pode negar que já foram detectados desvios de verbas em vários projetos, e que a grande maioria procura re-solver problemas pontuais.

A situação é complicada por-que, na teoria, o terceiro setor está fundamentado em valores como o altruísmo e a caridade. Porém, na prática, existem pessoas com más intenções, que usam esses senti-mentos para um bem próprio ou financeiro.

Assim, existem projetos com grande validade e projetos que são puro marketing. Cabe à po-pulação tentar diferenciar um do outro. Mas como fazer isso? A melhor maneira é pesquisando bastante, levando em conta dois fatores fundamentais. O primeiro é a transparência do projeto. As doações que recebe e os valores gastos são divulgados ao públi-co? Se não, é bom ficar com uma pulga atrás da orelha. O segundo aspecto o financiamento do proje-to. Se é financiado ou até mesmo faz parte de uma empresa priva-da, é bom ficar com um pé atrás: isso cheira a marketing.

Portanto, o melhor é analisar cada ONG ou Projeto Social se-paradamente. Para saber o quanto a instituição é válida, é preciso conhecer suas propostas, verificar se ela busca resolver problemas pontuais ou estruturais, conhe-cer seus financiadores e colabo-radores e, acima de tudo, nunca generalizar e colocar tudo em um mesmo patamar.

Desenho: Felipe Altarugio

OPINIÃO

por Renan Fantinato

FALA, POVO!“Eu conheço al-guns projetos so-ciais, como creches e orfanatos e aju-dei através de do-ações de alimentos e roupas. Para mim, faltam projetos nas áreas de educação, saúde e moradia”Alessandra Aparecida, 37 anoscomerciante

“Eu conheço projetos sociais, mas nunca cheguei a partici-par como voluntá-rio. Acredito que a área da educação es-teja defasada nesse sentido”.

Paulo de Tarso, 43 anoscomerciante

“A creche faz parte da minha vida há alguns anos. Minha filha fa-zia parte do grupo de crianças e, hoje, minha neta está lá. Eu já aju-dei com dinheiro e, cla-ro, também sou ajudada porque não podia olhar minha filha e ela não pode olhar minha neta, pois trabalha”. Rosemeire de Souza, 39 anosdoméstica

“Conheço, mas não de projetos sociais no sen-tido de ajudar pessoas carentes ou coisas do tipo, mas sim na área de integrar estudantes de fora, que vieram para estudar e fazer inter-câmbio em minha uni-versidade. É difícil fa-lar em qual área faltam projetos, pois se for para enumerar, a lista vai ser bem grande. Mas para citar alguns, eu diria que faltam proje-tos na área de educação ambiental e na área de profissionalização da mão de obra.”

Sidarta Fernandes, 22 anosestudante