reis & guimarães (2011) a minustah, uma análise estratégica da missão de paz no haiti

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A Minustah: Uma análise estratégica da Missão de Paz no Haiti  João Arthur da Silva Reis  Bruno Gomes Guimarães RESUMO: Em 2004 a resolução 1542 do Conselho de Segurança das Nações Unidas determinou o lançamento da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti, a Minustah. Desde então, tropas internacionais sob a liderança do Brasil tem buscado garantir a estabilidade política e garantir eleições democráticas para o país caribenho. Porém, uma série de fatores - os terremotos de janeiro de 2010 e a posterior crise de cólera - tem dificultado esse  processo e mergulhado o país em uma situação de maior instabilidade e insegurança. Além disso, a própria missão da ONU tem sido alvo de críticas da parte da população civil, que  passou a vê-la como uma ocupação estrangeira. Frente a isso, o governo brasileiro considera agora uma retirada gradual das forças de intervenção da missão de paz por parte do Brasil e dos outros membros da Unasul. O artigo busca compreender as razões da atual conjuntura do Haiti, analisando a conturbada história da nação e fazendo uma análise mais profunda dos elementos envolvidos no processo de estabelecimento intervenção humanitária. Para tanto, se faz uma análise qualitativa e quantitativa do contingente militar da missão de paz e dos propósitos desta, utilizando-se de teorias de estudos estratégicos. Através disso, analisar-se-á se os objetivos da missão foram de fato alcançados, verificando a legitimidade da retirada das tropas. Introdução O Haiti possui um histórico de tiranias, golpes militares e guerras civis. Após uma longa guerra de independência, o país se libertou do jugo francês, somente para entrar em mais uma conturbada fase de sua história. Após dois séculos de ditaduras e golpes, os Duvalier, mais conhecidos como  Papa Doc  e  Baby Doc , governaram o país entre 1957 e 1986. Esse novo período ditatorial foi sucedido por eleições em 1990, que  pela primeira vez colocaram um presidente eleito no poder. Jean-Bertrando Arisitde, opositor do regime Duvalier, governou somente sete meses até outro golpe o destituir, mas voltou em 1994, governando até o fim do mandato. Após o governo de seu sucessor, René Préval, Aristide voltaria em 2001, com eleições possivelmente fraudadas e com um governo extremamente instável, que terminou com um golpe em 2004, e seu exílio. A partir daí, uma Força Multinacional sob os auspícios da ONU foi enviada ao país, sendo substituída depois pela MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti). A missão, liderada pelo Brasil, lograria aos poucos uma melhora na infraestrutura do país e uma certa estabilização da situação política. O quadro mudaria completamente com o terremoto de janeiro de 2010, que faria o contingente militar da missão aumentar de forma significativa. Uma epidemia de cólera no mesmo ano agravaria ainda mais a situação humanitária no país. Passado o momento mais trágico após essas catástrofes, passou a haver uma maior contestação da

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  • A Minustah: Uma anlise estratgica da Misso de Paz no Haiti

    Joo Arthur da Silva Reis

    Bruno Gomes Guimares

    RESUMO: Em 2004 a resoluo 1542 do Conselho de Segurana das Naes Unidas

    determinou o lanamento da Misso das Naes Unidas para a Estabilizao do Haiti, a

    Minustah. Desde ento, tropas internacionais sob a liderana do Brasil tem buscado garantir a

    estabilidade poltica e garantir eleies democrticas para o pas caribenho. Porm, uma srie de

    fatores - os terremotos de janeiro de 2010 e a posterior crise de clera - tem dificultado esse

    processo e mergulhado o pas em uma situao de maior instabilidade e insegurana. Alm

    disso, a prpria misso da ONU tem sido alvo de crticas da parte da populao civil, que

    passou a v-la como uma ocupao estrangeira. Frente a isso, o governo brasileiro considera

    agora uma retirada gradual das foras de interveno da misso de paz por parte do Brasil e dos

    outros membros da Unasul. O artigo busca compreender as razes da atual conjuntura do Haiti,

    analisando a conturbada histria da nao e fazendo uma anlise mais profunda dos elementos

    envolvidos no processo de estabelecimento interveno humanitria. Para tanto, se faz uma

    anlise qualitativa e quantitativa do contingente militar da misso de paz e dos propsitos desta,

    utilizando-se de teorias de estudos estratgicos. Atravs disso, analisar-se- se os objetivos da

    misso foram de fato alcanados, verificando a legitimidade da retirada das tropas.

    Introduo

    O Haiti possui um histrico de tiranias, golpes militares e guerras civis. Aps

    uma longa guerra de independncia, o pas se libertou do jugo francs, somente para

    entrar em mais uma conturbada fase de sua histria. Aps dois sculos de ditaduras e

    golpes, os Duvalier, mais conhecidos como Papa Doc e Baby Doc, governaram o pas

    entre 1957 e 1986. Esse novo perodo ditatorial foi sucedido por eleies em 1990, que

    pela primeira vez colocaram um presidente eleito no poder. Jean-Bertrando Arisitde,

    opositor do regime Duvalier, governou somente sete meses at outro golpe o destituir,

    mas voltou em 1994, governando at o fim do mandato.

    Aps o governo de seu sucessor, Ren Prval, Aristide voltaria em 2001, com

    eleies possivelmente fraudadas e com um governo extremamente instvel, que

    terminou com um golpe em 2004, e seu exlio. A partir da, uma Fora Multinacional

    sob os auspcios da ONU foi enviada ao pas, sendo substituda depois pela

    MINUSTAH (Misso das Naes Unidas para a Estabilizao do Haiti). A misso,

    liderada pelo Brasil, lograria aos poucos uma melhora na infraestrutura do pas e uma

    certa estabilizao da situao poltica.

    O quadro mudaria completamente com o terremoto de janeiro de 2010, que faria

    o contingente militar da misso aumentar de forma significativa. Uma epidemia de

    clera no mesmo ano agravaria ainda mais a situao humanitria no pas. Passado o

    momento mais trgico aps essas catstrofes, passou a haver uma maior contestao da

  • populao haitiana misso, rompendo a at ento boa imagem frente ao povo que a

    operao lograra construir e manter.Em outubro de 2011, a ONU anunciou que retirar

    de 10 a 15% de suas tropas do Haiti em maro de 2012, e se pensa em retirar o resto nos

    prximos anos.

    Este artigo busca analisar os interesses brasileiros na misso, e compar-los aos

    objetivos da misso em si. A partir disso se busca verificar se existe uma consonncia

    ou uma discordncia entre ambos, ou seja, se possvel o Brasil alcanar seus objetivos

    ao mesmo tempo em que busca atingir aqueles propostos pela misso.

    Primeiramente, se analisam os interesses brasileiros e sul-americanos na misso,

    e seus ganhos no processo. Depois, se analisam os objetivos e pilares da misso, se

    verificando os avanos feitos ou no pela MINUSTAH. Por fim, se busca de fato

    comparar ambos, se examinando a retirada das tropas e a forma como isso altera a

    consecuo dos objetivos de ambos e os pontos consonantes da poltica externa

    brasileira ao abraar a liderana da misso e a operao de paz em si.

    2 A evoluo da situao do Haiti e a consecuo dos objetivos da MINUSTAH

    2.1 A situao de 2004 e objetivos da MINUSTAH

    Na noite de 29 de fevereiro de 2004, apenas algumas horas aps Jean-Bertrand

    Aristide ter renunciado presidncia do Haiti, o Conselho de Segurana das Naes

    Unidas aprovou consensualmente o imediato estabelecimento da Fora Multinacional

    Interina atravs da resoluo 1529 (SECURITY, 2004; ONU, 2004b). A interveno

    aprovada viera a pedido do ento presidente Boniface Alexandre tendo em vista a

    estabilizao do pas, que vinha passando por uma onda de violncia generalizada entre

    governo e opositores (ONU, 2004a).

    Dois meses depois, em 30 de abril de 2004, o Conselho de Segurana aprovou

    nova resoluo criando a Misso das Naes Unidas para a Estabilizao do Haiti para

    um perodo de seis meses, contando com at 6.700 combatentes no componente militar

    e at 1.622 a rea de polcia civil (ONU, 2004d). Na resoluo 1542, as preocupaes

    levantadas anteriormente foram mantidas, mas melhor desenvolvidas na forma de trs

    pilares constituindo o escopo de ao da MINUSTAH: ambiente seguro e estvel,

    processo poltico e Direitos Humanos (ONU, 2004d). Quanto ao primeiro aspecto

    agora agravado pela constatao de um quase completo colapso do aparato de segurana

    do Haiti (ONU, 2004c) , a resoluo 1542 enumera inmeras medidas as quais a

  • misso deveria procurar praticar ou ajudar na implementao: a reestruturao da fora

    policial haitiana; realizao de programas de desarmamento, desmobilizao e

    reintegrao (DDR); e restaurao do Estado de Direito (ONU, 2004d. Alm disso,

    nesse mbito mais securitrio, a MINUSTAH tambm teria o mandato de usar a fora

    para proteger o pessoal da ONU no pas, bem como instalaes, prdios e

    equipamentos, e civis sob ameaa iminente de violncia fsica (ONU, 2004d). No

    segundo, o de apoio a um processo poltico pacfico, a nfase recaiu sobre a defesa da

    constituio haitiana, dilogo e reconciliao nacional e realizao de eleies, alm da

    extenso da autoridade do Estado com governana adequada nos nveis locais (ONU,

    2004d). Finalmente, o terceiro pilar o dos Direitos Humanos (DH) inclua a

    promoo e proteo deles com monitoramento da situao do Haiti, sendo que haveria

    responsabilizao individual dos perpetradores de violaes e abusos dos mesmos.

    Grosso modo, a defesa dessas trs facetas como apresentadas na resoluo 1542

    seria o objetivo primordial da misso. No entanto, outros aspectos tambm deveriam ser

    considerados pela MINUSTAH. Um deles seria a investigao de violaes de Direitos

    Humanos e de direito humanitrio (apoiando o governo transitrio haitiano1). Outros

    seriam o fortalecimento do judicirio do Haiti atravs de reforma e de uma maior

    institucionalizao e o apoio ao trabalho humanitrio realizado no pas. Assim, tm-se

    os objetivos principais, que seriam os trs pilares da MINUSTAH, e os secundrios,

    complementares desses.

    Conforme a resoluo, em 1 de junho de 2004 a MINUSTAH entrou em

    operao, tomando o controle que antes era da Fora Multinacional Interina. Segundo o

    relatrio provisrio do Secretrio-Geral da ONU (2004e), Kofi Annan, houve uma

    melhora gradual da conjuntura securitria de junho at agosto devido a patrulhas

    conjuntas de foras da misso de paz com a Polcia Nacional Haitiana (PNH). Todavia,

    ele descreve que a situao inicial era muito precria e completamente instvel,

    principalmente em cidades que ainda no possuam tropas da MINUSTAH, onde ainda

    havia trocas de tiro e assassinatos recorrentes, alm de diversas outras manifestaes de

    violncia generalizada. Essas eram praticadas por inmeros grupos no-estatais:

    gangues de rua, organizaes populares pr-Aristide, opositores de Aristide, membros

    1 Em um processo mediado pela comunidade internacional, escolheram-se 13 membros sem afiliao

    partidria para o governo transitrio em consulta com os maiores partidos polticos (incluindo o Fanmi

    Lavalas, partido de Aristide) e com a sociedade civil em meados de maro de 2004. Ainda assim,

    algumas faces do Fanmi Lavalas contestaram energicamente o estabelecimento e a legitimidade desse

    governo (ONU, 2004c).

  • do antigo exrcito2, membros de unidades policiais desmanteladas e mesmo grupos de

    crime organizado (ONU, 2004e). Ademais, o nmero de policiais na PNH era tido com

    mais do que insuficiente, com cerca de 3.500 para todo o pas (ONU, 2004e), e a

    infraestrutura da PNH tambm fora destruda e saqueada durante os primeiros meses

    daquele ano. Da mesma forma que a da polcia, a infraestrutura bsica do pas estava em

    grande parte comprometida, sendo que, tambm por causa disso, o Estado no tinha

    meios de exercer sua autoridade para alm da capital, Porto Prncipe. Outro agravante

    ainda era o fato de que vrias municipalidades do pas encontravam-se sem prefeitos ou

    mesmo qualquer espcie de autoridade legal.

    Quanto situao poltica, as tenses entre o partido de Aristide, Fanmi Lavalas,

    e o governo transitrio ainda se faziam bastante presentes. Esse partido alegava que era

    vtima de perseguio poltica por parte do governo transitrio e que, por isso, manter-

    se-ia fora do processo de dilogo para a transio poltica. Ainda assim, o prprio

    partido vinha se dividindo cada vez mais (ONU, 2004d). De acordo com o relatrio

    provisrio (2004d), isso seria um demonstrativo de como estaria a situao poltica em

    geral, com enorme fragmentao (e intolerncia) poltica. Em adio a isso, preparativos

    para a realizao de eleies no pas eram minados no s pela falta da aderncia do

    Fanmi Lavalas, mas tambm pela grande escassez de recursos destinados ao comit

    eleitoral haitiano.

    Da mesma forma, a situao dos Direitos Humanos de da questo humanitria

    tambm encontravam grandes desafios, mas notadamente dentro das estruturas estatais

    existentes. De acordo com o relatrio provisrio (2004d), dentre outras formas de

    violao de DH, a condio dos detentos era precarssima e ocorriam prises sem

    mandado judicial ou mesmo ilegais. Alm disso, havia inmeras denncias de prises

    exclusivamente polticas, enquanto violadores de Direitos Humanos eram intocados

    pelo Estado (ONU, 2004d). Acerca da situao humanitria, o pas sofrera inmeras

    enchentes em 2004 e, com isso, mostrara uma imensa incapacidade de lidar com

    desastres naturais e outras situaes de emergncia (ONU, 2004d).

    De agosto a novembro daquele ano a situao no Haiti piorara, segundo o

    relatrio do Secretrio-Geral (2004f), e principalmente no mbito securitrio. Os grupos

    armados e faces polticas violentas demonstraram nesse perodo uma posio de

    maior confrontao com o governo transitrio. Protestos violentos ocorreram em Porto

    2 As foras armadas haitianas foram dissolvidas em 1995, fato que no fora reconhecido por grande parte

    dos militares de ento.

  • Prncipe, nos quais ocorram diversos assassinatos (inclusive por decapitao) de civis e

    de policiais, evidenciando certa deteriorao da situao da defesa e proteo dos

    Direitos Humanos (ONU, 2004f). Por causa deles, escolas e estabelecimentos

    comerciais tiveram de ser fechados, e ajuda humanitria no pde ser entregue. Nesse

    mesmo perodo, iniciativas de DDR foram estancadas, bem como o treinamento de

    novas foras policiais, principalmente devido piora da situao humanitria, com mais

    enchentes, que acabou desviando foras de paz da MINUSTAH para locais atingidos

    por elas (ONU, 2004f). O mesmo pode ser dito da situao poltica, que s progrediu

    em um nico campo: prefeitos foram eleitos para as municipalidades haitianas.

    Portanto, observa-se que os focos de ao da MINUSTAH se encontravam em

    situao bastante delicada. De fato, houve mesmo uma piora da situao haitiana no

    segundo semestre de 2004 em relao aos trs pilares considerados (ambiente seguro e

    estvel, processo poltico e Direitos Humanos). Conformemente, o Conselho de

    Segurana da ONU decidiu estender o mandato da MINUSTAH em 29 de novembro de

    2004 (ONU, 2004g), dando inclusive nfase especial na questo da violao de DH dos

    presos polticos. Com efeito, essa atitude viria a se repetir mais dez vezes nos anos

    seguintes.

    2.2 A situao atual do Haiti

    A atual situao haitiana no pode ser compreendida sem lembrar o terremoto

    que aconteceu no pas em janeiro de 2010. De acordo com o relatrio do Secretrio-

    Geral sobre a MINUSTAH de 22 de fevereiro de 2010 (ONU, 2010b),

    aproximadamente 222 mil pessoas morreram, milhares foram feridos e 1,5 milho de

    pessoas (mais de 10% da populao) ficaram sem casa. imensa crise humanitria,

    somou-se uma forte desestabilizao do Estado haitiano, que perdeu muito de suas

    capacidades e infraestrutura com o terremoto. Alm disso, muitos lderes polticos de

    peso perderam a vida ou foram gravemente feridos. No campo securitrio, apesar de o

    ambiente ter permanecido relativamente calmo, ameaas de lderes de gangues que

    conseguiram escapar de centros de deteno (e at mesmo roubar armas e uniformes da

    PNH) se fizeram presentes (ONU, 2010b). Consequentemente, percebe-se que todos os

    pilares de ao da misso foram fortemente abalados por uma catstrofe natural, de

    acordo com o que fora apresentado pelo Secretrio-Geral da ONU j em 2004 (ONU,

    2004d). Para lidar com essa situao que o Conselho de Segurana autorizara o aumento

  • do nmero de combatentes militares e policiais da MINUSTAH para 8.940 e 3.711,

    respectivamente (ONU, 2010a).

    Com efeito, a situao em 2010 era to grave que ao final do ano mais de um

    milho de pessoas permaneciam sendo deslocados internos, de acordo com a Anistia

    Internacional (2011). Violncia contra mulheres e crianas tambm aumentou

    consideravelmente devido a essa situao. Ademais, tambm conforme a Anistia

    Internacional (2011), a destruio e o esgotamento das instituies estatais do Haiti s

    fizeram piorar a situao do pas.

    Entretanto, apesar de todas as desventuras originadas pelo terremoto, no Haiti

    em maro de 2011 houve [...] pela primeira vez em sua histria, uma transferncia de

    poder pacfica de um presidente democraticamente eleito para outro da oposio

    (ONU, 2011a, 2, traduo nossa3). Isso foi um grande avano em inmeros aspectos do

    segundo pilar de ao da MINUSTAH (o do processo poltico); porm, houve pouco

    sucesso desse presidente4 em formar um governo devido a impasses entre os poderes

    Legislativo e Executivo do Haiti. Esses ameaam o sucesso do emergente retorno

    democracia no pas, dificultando a manuteno da estabilidade, conforme o relatrio do

    Secretrio-Geral da ONU de agosto de 2011 (2011a). O mesmo afirma que a sociedade

    civil haitiana tem clamado por dilogo poltico, embora os lderes partidrios no

    estejam inclinados a realizar acordos e compromissos (ONU, 2011a).

    Quanto ao pilar securitrio da misso, no relatrio consta que a situao est

    calma, apesar de deveras frgil justamente por causa do impasse poltico (ONU, 2011a).

    Alm disso, a taxa de criminalidade de todos os tipos aumentou significativamente aps

    o terremoto, incluindo assassinatos, estupros e sequestros, alm de assaltos e roubos

    (ONU, 2011a). Contudo, hoje as gangues de rua algumas das quais possuem conexo

    com partidos polticos e traficantes de drogas so os grupos armados que mais

    preocupam no pas (ONU, 2011a). O foco, ento, deixou de recair sobre os partidos

    polticos em si. Alm disso, embora o nmero de protestos violentos tenha baixado

    expressivamente, a Polcia Nacional Haitiana ainda no estaria em condies de assumir

    total responsabilidade pela proviso de segurana internamente, porque ainda h poucos

    policiais (10.001, 783 dos quais so mulheres), equipamentos bsicos insuficientes e

    uma logstica precria (ONU, 2011a).

    3 [...] for the first time in its [Haitian] history, a peaceful transfer of Power from one democratically

    elected president to another from the opposition. 4 Michel Joseph Martelly.

  • J a situao dos Direitos Humanos permanece bastante frgil. Ainda h vrias

    denncias de abusos de mulheres e crianas, principalmente na periferia de Porto

    Prncipe e em campos de deslocados internos (ONU, 2011a). Igualmente, srias

    violaes de DH continuam a ocorrer em prises haitianas, devido a uma

    superpopulao carcerria e a condies desumanas. Teria havido casos de assassinatos

    extrajudiciais no pas tambm.

    Por fim, a questo humanitria vem piorando, no somente por causa do grande

    nmero de deslocados internos no Haiti (segundo o relatrio (ONU, 2011a), eles somam

    hoje cerca de 630 mil). Houve um surto de clera5 no pas no incio do ano e que ainda

    estaria presente, afetando tanto comunidades urbanas quanto rurais. Alm disso, grandes

    organizaes no-governamentais esto se retirando do Haiti, por causa da diminuio

    da quantidade e valor de doaes (ONU, 2011a). Isso inviabiliza as suas atividades e

    poderia ter graves efeitos na situao humanitria.

    No obstante, a situao do Haiti j teria retornado a nveis de gravidade

    semelhantes queles do incio de 2010, antes do terremoto. O relatrio do Secretrio-

    Geral de agosto (ONU, 2011a) lembra que como ele no resultou em pandemnio ou

    alterou a natureza das ameaas segurana haitiana, poder-se-ia considerar que os

    desafios dele advindos foram em boa parte mitigados ou extirpados, uma vez que as

    operaes humanitrias de grande escala e as eleies j ocorreram (ONU, 2011a, 49).

    Ele recomenda, por conseguinte, que o nmero de combatentes e policiais seja

    diminudo para nveis prximos queles de antes da catstrofe (ONU, 2011a, 50). Essa

    sugesto foi acatada pelo Conselho de Segurana da ONU em 14 de outubro de 2011

    atravs da resoluo 2012, que passou o nmero de militares para 7.340 e de policiais

    para 3.241 (ONU, 2011b).

    Ainda assim, o Secretrio-Geral assinala que ainda necessria uma maior

    presena do Estado haitiano em todo o pas atravs da PNH, do Judicirio e da

    administrao pblica (ONU, 2011a). Alm disso, seria necessrio aumentar ainda mais

    as capacidades de manuteno do Estado de Direito e das instituies de segurana,

    incluindo melhoras na infraestrutura, no gerenciamento da fronteira com a Repblica

    Dominicana e na capacidade de mitigao de desastres naturais (ONU, 2011a). Com

    respeito s instituies de segurana, o governo do atual presidente do Haiti, Michel

    5 Segundo o relatrio do Secretrio-Geral da ONU, Ban Ki-moon, de agosto de 2011, o agente patognico

    da doena era do tipo sul-asitico (ONU, 2011a), indicando que ele foi trazido por soldados da prpria

    MINUSTAH, provavelmente do Nepal.

  • Martelly, estaria supostamente buscando restabelecer as foras armadas do pas (que

    foram dissolvidas em 1995 por Aristide) com um contingente inicial de 3.500

    combatentes para patrulhar a fronteira, manter a ordem durante crises e dar mais

    oportunidades para os jovens do pas (DANIEL, 2011). Contudo, esse alegado intuito

    no visto com bons olhos por ativistas dos Direitos Humanos e mesmo polticos

    haitianos, sendo inclusive visto como contraproducente (DANIEL 2011).

    Os interesses brasileiros

    Muito se discute acerca dos reais objetivos do governo brasileiro por trs da

    deciso de participar ativamente da misso de paz no Haiti, e de tomar a liderana desta.

    O Ministrio das Relaes Exteriores tem adotado um discurso baseado em princpios

    de solidariedade e nas questes humanitrias, evitando ao mximo ligar a participao

    na MINUSTAH a ganhos polticos ou econmicos, o que no significa que de fato tais

    benefcios no tenham sido considerados fatores decisivos na deciso de liderar a

    misso de paz (CALZA, 2007).

    Entre os diversos interesses brasileiros, existem alguns que se destacam, como o

    papel da misso no processo de integrao regional da Amrica Latina, e mais

    especificamente, da Amrica do Sul, ajudando assim a consolidar a viso de que o

    Brasil o lder natural da regio. Frequentemente se tem apontado a candidatura a

    uma vaga permanente no Conselho de Segurana como o principal motivo para a

    iniciativa brasileira (CALZA, 2007; , o que uma ideia errnea. Na realidade, esse

    processo se daria de forma muito mais gradual e lenta, e no sendo condicionado

    automaticamente pela liderana brasileira na misso. Como diria Celso Amorim,

    importante desfazer essa impresso. claro que ser membro do

    Conselho de Segurana um dos objetivos da poltica externa

    brasileira. Reformar a ONU, em um sentido mais profundo, eu diria,

    um objetivo, mas no se podem ver essas coisas de maneira simplista,

    automtica. (AMORIM, 2011: 57)

    O que de fato ocorre que a misso pode servir como plataforma de projeo em

    organismos multilaterais como a ONU, ao mesmo tempo em que contribui para o

    processo de integrao regional, consolidando a imagem do Brasil de lder natural da

    regio. A participao mais efetiva em organismos multilaterais e a busca pela liderana

    regional seriam, portanto, estratgias do Brasil enquanto potncia mdia (CALZA,

    2007). E todo esse processo, somado ao maior engajamento em questes de segurana

  • na poltica externa brasileira, se tornariam um fator relevante na Reforma da ONU e,

    portanto, de uma vaga permanente no Conselho de Segurana.

    Os interesses regionais

    Um dos fatores mais relevantes na misso o carter sul-americano que ela

    assumiu. Assim, um dos principais interesses brasileiros ao engajar-se na misso seria o

    de firmar sua posio de lder da regio, e buscando promover a integrao da Amrica

    do Sul, principalmente atravs do maior representante desse processo, a UNASUL

    (Unio das Naes Sul-Americanas). Atravs dessa organizao se buscou coordenar a

    atuao das tropas, sendo primeiramente discutida em uma reunio de Ministros de

    Defesa dos pases integrantes a retirada gradual das tropas, que depois foi proposta no

    Conselho de Segurana, que a aprovou. Alm disso, a organizao criou um grupo de

    trabalho para o Haiti e enviou US$ 100 milhes de ajuda humanitria em 2009, tendo

    esse nmero aumentado aps o terremoto de 2010. Havia, portanto, um grande interesse

    da parte no s do Brasil, mas da UNASUL como um todo, de latino-americanizar a

    questo do Haiti, buscando resolver a questo dentro da prpria regio embora sob os

    auspcios da ONU e de reintegrar o Haiti Caricom e Amrica Latina (AMORIM,

    2011).

    Desde o princpio, a maior parte do contingente se constituiu de tropas de pases

    do continente sul-americano, especialmente do ABC (Argentina, Brasil e Chile),

    embora houvesse tambm tropas em nmero considervel do Uruguai, Peru e Bolvia,

    alm de outras em menor nmero provenientes de diversas partes do mundo6. Esse fator

    levaria Monica Hirst a classificar a situao como uma Iniciativa regional combinada

    com ao multilateral conduzida pelas Naes Unidas (HIRST, 2007, pp 1). O

    principal resultado de tal iniciativa seria o intercmbio e a coordenao entre as foras

    armadas dos diversos pases sul-americanos, contribuindo para o processo mais

    profundo de integrao a que se visa.

    Nesse sentido, importante ressaltar o esforo de cooperao militar entre tropas

    sul-americanas em diversas operaes, incluindo a pacificao de alguns bairros de

    Porto Prncipe, como Cit Soleil, Cit Militaire e Belair. Um exemplo de operao

    conjunta foi a ocupao de Cit Soleil em 2005 para capturar Emmanuel Wilmer,

    conhecido como Dread Wilme, o lder de diversas gangues locais. A operao, que

    6 Citar os pases que contriburam com tropas.

  • exigiu um mapeamento areo do local para a identificao de obstculos, foi feita por

    tropas brasileiras e peruanas com o auxlio de carros de combate e foi considerada bem-

    sucedida e Dread Wilme foi morto (ALLES, 2011). Embora altamente controversa,

    devido s acusaes de baixas de civis e alegaes de que Wilme seria apenas um lder

    comunitrio e apoiador de Aristide, a operao foi de fato um sucesso do ponto de vista

    logstico e da coordenao entre as tropas.

    Vrias incurses, no menos controversas, nessa e noutras favelas, tem ocorrido

    com tropas, na maior parte das vezes, provenientes de pases sul-americanos, e tm

    logrado a pacificao de bairros eram anteriormente focos de violncia e cujo acesso

    pelas foras da MINUSTAH e da PNH (Polcia Nacional do Haiti) era impossvel.

    Como afirmou o Gen. Heleno,

    [...] atingimos um nvel excelente de integrao e comunho de esforos e objetivos. Comandantes e tropas de Argentina, Bolvia,

    Brasil, Chile, Equador, Guatemala, Paraguai, Peru e Uruguai tm

    operado juntos, com impecvel sinergia7.

    Vrios dos objetivos que a regio buscava como um todo, liderada pelo Brasil,

    cujo maior interesse era de fato que a regio atuasse conjuntamente para resolv-la,

    foram atingidos. inegvel a contribuio para a cooperao militar entre as foras

    armadas dos diversos pases sul-americanos envolvidos, contribuindo enormemente

    para uma tentativa mais profunda de integrao regional. So justamente os pases do

    ABC, que mais contriburam para a misso, que tomaram a liderana no Conselho de

    Defesa Sul-Americano, da UNASUL. A ideia de reintegrar o Haiti, e latino-

    americanizar a questo foi de certa forma alcanado, o que de certa forma foi

    alcanado, com a reintegrao do Haiti Caricom e o fato de grande parte das tropas l

    presentes serem sul-americanas, em um tipo de misso muito diferente das intervenes

    e ocupaes anteriores que o pas sofrera.

    Interesses domsticos

    No s entre foras armadas de diversos pases, mas tambm entre as foras do

    Brasil, tem ocorrido uma cooperao maior e extremamente benfica, devido s

    operaes conjuntas entre Exrcito, Marinha e Aeronutica. Prova disso a mudana

    ocorrida no Centro de Instruo de Operaes de Paz (CIOpPaz) do Exrcito Brasileiro,

    que passou a ser dirigido tambm por oficiais da Marinha e da Aeronutica a partir de

    7 Descobrir como referenciar isso

  • 2010, sendo denominado agora Centro Conjunto de Operaes de Paz do Brasil

    (CCOPAB). Esse centro visa treinar e preparar tropas brasileiras para servirem em

    misses de paz em qualquer lugar do mundo, e a operarem conjuntamente com pessoal

    civil.

    A prpria composio das tropas indica a possibilidade de emprego combinado

    das Foras Armadas, j que a Brigada Haiti composta por tropas do Exrcito

    Brasileiro, mas os Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil. Porm, so todos

    subordinados a um General de Brigada do Exrcito Brasileiro (DINIZ, 2005).

    A participao em misses de paz se configura como a possibilidade de um

    maior envolvimento em questes de defesa e segurana na poltica externa brasileira, o

    que garantiria uma maior visibilidade do Ministrio da Defesa e das Foras Armadas e

    exigiria uma maior alocao de recursos para esse setor (CALZA, 2007). Embora se

    questione se os gastos com a misso no poderiam ser melhor alocados, mesmo que

    para esse setor - na modernizao das Foras Armadas, por exemplo talvez o fato de

    ser uma misso de paz garanta mais simpatia no debate sobre a ampliao de gastos

    militares. Assim, em um pas em que difcil se investir mais em defesa, devido ao seu

    carter pacfico, a ideia desses investimentos pode ser mais bem vista se estes forem

    direcionados a uma misso de paz da ONU, possibilitando maiores investimentos a

    partir da que visem ento modernizao de suas foras.

    De qualquer forma, os benefcios trazidos pela misso s Foras Armadas so

    claramente perceptveis, sendo uma oportunidade de modernizao doutrinria e

    estratgica, e uma oportunidade de treinar pessoal em situaes reais de conflito, ainda

    que limitado (CALZA, 2007: 42). Assim, A participao em misses de paz projeta o

    Brasil no cenrio internacional e refora sua postura pacfica, e ao mesmo tempo

    prepara nossos militares para a defesa da Nao. O profissional militar precisa ser

    treinado, preparado, adestrado, e a melhor oficina de aprendizagem, sem dvida, a

    situao real de emprego (ESPER, 2004)8

    Uma das vises mais polmicas a respeito disso a que afirma que a pacificao

    das favelas de Porto Prncipe seria um laboratrio para futuras operaes nas favelas do

    Rio de Janeiro. Vrios militares na poca chegaram a comentar sobre essa possibilidade,

    assim como o prprio Ex-Ministro da Defesa Nelson Jobim, embora a ideia fosse

    enfaticamente negada por autores como Ramalho da Rocha. Sendo este um dos

    8 Referencia de uma referencia, olhar nos fichamentos e descobrir a maneira certa de referenciar isso

  • objetivos ou no, o fato que em 2010, aps uma onda de violncia da parte de

    traficantes do Rio de Janeiro, a ocupao de morros da cidade se deu com o uso de

    vrias tropas que haviam servido no Haiti, utilizando-se de tticas conjuntas muito

    semelhantes s utilizadas na pacificao de favelas na capital do pas caribenho,

    incluindo o uso do mesmo tipo de blindados. E em dezembro de 2010, o General Enzo

    Peri, comandante do Exrcito Brasileiro, chegou a afirmar que a ocupao do Complexo

    do Alemo ocorreria nos mesmos moldes das ocupaes no Haiti, o que de fato tem se

    confirmado. Alm disso, 60% das tropas que se revezavam nos morros tiveram

    experincia no Haiti (BANDNEWS, 2010).

    Os benefcios ao Brasil

    O discurso adotado pelo governo brasileiro em vistas a explicar sua liderana na

    operao de paz baseou-se no princpio da no indiferena e da solidariedade ativa,

    opondo-se ao princpio anteriormente vigente, da no interveno. Embora seja um

    instrumento retrico, vlido analisar de fato as medidas tomadas pelo Brasil nesse

    sentido, j que se percebem algumas medidas nesse sentido.

    importante notar a maneira inovadora com que o Brasil conduziu a misso,

    caracterizando esta em especial pelo dilogo e pelo respeito populao e s

    autoridades locais, que permeia o estabelecimento de estratgias e sua execuo pela

    fora militar (VERINTACH, 2008). O carter mais civil da misso, que, embora

    contasse com operaes militares de pacificao que de fato foram eficazes e muito

    teis s foras brasileiras e sul-americanas como um todo fez com que esta fosse

    considerada um novo paradigma de operaes de paz, como diria o Embaixador Igor

    Kipman.9

    Iniciativas da parte do governo brasileiro tm ocorrido no sentido de criar

    projetos visando construo de infraestrutura, como investimentos em eletricidade e

    projetos bilaterais com pases como ndia e frica do Sul. Tanto o efetivo civil quanto o

    militar da misso tem contribudo para isso. Tambm notvel o fato do Brasil ter

    conseguido trazer de volta ao Haiti o Banco Mundial e o Banco Interamericano de

    Desenvolvimento (AMORIM, 2011). Alm disso, ONGs e agncias internacionais tm

    sido responsveis pela ajuda humanitria para a populao, juntamente com tropas que

    atuam em situaes emergenciais. Alm disso,

    9 Isso eu achei no texto da verinhtach, 2008, pagina 6, como referencio essa bagaa?

  • O Batalho de Engenharia responsvel por obras de

    infraestrutura, como a reconstruo de prdios pblicos, a perfurao de

    poos dgua, a desobstruo de vias pblicas, a recuperao de estradas, a reparao e pavimentao de ruas etc. (VERINHTACH,

    2008, pp, 8).

    O fato que a conduo brasileira da misso faz o princpio da no interveno

    perpassar a pura retrica e de fato se concretizar. Ainda existem vrios outros problemas

    de infraestrutura e de reconstruo do Estado a serem enfrentados, como demonstram os

    relatrios do Secretrio Geral. Mas o engajamento brasileiro na misso e o carter que a

    operao assumiu ao transcender a pura presena militar, ganhando um forte vis civil e

    humanitrio em vrios aspectos, demonstram no uma incompatibilidade entre os

    interesses unilaterais ou regionais do Brasil e os objetivos da misso, mas sim uma

    consonncia entre eles.

    Nesse contexto, a retirada das tropas da misso configura-se no como um

    rompimento com os princpios da misso e um abandono dos objetivos desta, mas sim

    como uma continuidade lgica. Isso se deve ao fato, de que, no primeiro momento, o

    que se busca reduzir o nmero do efetivo militar ao nmero que havia antes do

    terremoto de janeiro de 2010. Em segundo lugar, as questes que exigiam uma maior

    presena de militares foram de certo modo resolvidas, ou ao menos, podem ser

    resolvidas atravs de uma presena mais forte do Estado. Portanto, o que cabe agora

    misso auxiliar o Estado haitiano nesse processo, auxiliando a PNH e as novas foras

    armadas assumirem suas funes, garantindo um funcionamento adequado s

    instituies haitianas, o que obviamente, no poder ser feito sem ajuda internacional.

    imprescindvel compreender que existem inmeros problemas a serem

    resolvidos no Haiti, e que a operao de paz passa por seus piores momentos no que se

    refere sua legitimidade. Isso se deve principalmente ao fato de que ela passou a ser

    vista como mais uma fora de ocupao, devido a inmeras acusaes de abuso de

    poder, alm de incidentes pontuais, como o estupro de um jovem haitiano por soldados

    uruguaios em 2011. Portanto, vital para a consecuo dos objetivos brasileiros e da

    misso que se retirem agora, de forma gradual, as tropas, mantendo o contingente civil

    que ajude na reconstruo do Estado.

    Concluso

    No faltaram crticas na poca em que o Brasil aceitou o comando da misso,

    sendo a maior parte delas internas. Elas se baseavam principalmente nos

  • questionamentos quantos s despesas com a misso e quanto ao carter desta, vista por

    muitos grupos como uma subordinao a interesses norte-americanos. Os argumentos

    que defendiam essa ltima baseavam-se no fato de terem ocorrido pedidos da parte do

    governo francs e estadunidense para que o Brasil assumisse a liderana da misso, j

    que estes haviam sempre sido, juntamente com o Canad, os pases mais interessados

    com a situao haitiana, e que haviam se engajado mais profundamente em intervenes

    na ilha caribenha.

    Nesse sentido, importante perceber a diferena na maneira de conduzir a

    misso quando o Brasil assume sua liderana. Contrariando algumas expectativas de

    que esta interveno no diferiria em nada das anteriores, na realidade ela representou

    uma significativa mudana paradigmtica na forma como as intervenes vinham

    ocorrendo no pas. Isso pode ser percebido no maior enfoque na construo de

    infraestrutura, e na srie de cooperaes bilaterais visando a ajudar na reconstruo do

    pas realizadas pelo Brasil. Alm disso, algumas controvrsias com os EUA ao longo da

    misso, relativas maneira de conduzi-la, mostram que o Brasil de fato no agiu de

    forma submissa a este. Embora o convite para a liderana possa ter provindo deste pas,

    uma vez que o Brasil assumiu o comando da misso o fez sua maneira.

    O que se percebe que embora o governo brasileiro por certo tivesse interesses

    que no eram compartilhados pela misso da ONU em si, como a consolidao de sua

    liderana regional e a coordenao entre foras armadas do prprio pas e de outros, ele

    soube conduzir a misso de uma maneira que buscasse atingir os objetivos propostos

    pela misso, e de fato, alcanando alguns deles. Agora, aps a deciso de uma retirada

    gradual das tropas, importante que esse carter se mantenha. Se alguns dos objetivos a

    que visava tanto a misso quanto o Brasil foram atingidos, cabe agora dar continuidade

    ao processo de reconstruo do estado haitiano.

    A presena de nmero elevado de tropas j no se faz mais necessria nem

    recomendvel, j que o pas est em uma situao muito mais estvel do que antes, e a

    permanncia delas pode desgastar ainda mais a sua imagem, minando sua legitimidade

    ao assemelhar-se a mais uma ocupao em um pas marcado por ocupaes catastrficas

    para a populao. Mas importante prosseguir com as outras atividades e projetos de

    cooperao bilateral ou multilateral que tanto caracterizaram essa misso. Prosseguir

    com o policiamento e ajuda PNH necessrio, assim como ajudar no restabelecimento

    das foras armadas do pas para que este, aps ser deixado pelas tropas da misso, no

    entre novamente em uma situao de caos institucional. Embora as dificuldades ainda

  • sejam imensas, possvel, mantendo a parte mais civil da misso e diminuindo de

    forma gradual o efetivo militar da misso, atingir os objetivos almejados pela misso.

    Referncias

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    de intervir da diplomacia Lula da Silva. 2011. 227 f. Dissertao apresentada ao

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    do Sul. 2011.

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