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NUEVA SOCIEDAD NRO. 211 SEPTIEMBRE-OCTUBRE 2007 Mudanças no Cenário Sindical Brasileiro sob o Governo de Lula REINER RADERMACHER / WALDELI MELLEIRO O final da década de 70 e início da de 80 do século passado foi um momento de grandes mobilizações dos trabalhadores e de retomada da organização sindical no Brasil. No início dos anos 90, a maior flexibilidade e a precarização, aliadas ao desemprego e ao grande crescimento do trabalho informal, enfraqueceram o poder de ação dos sindicatos. Lula chegou ao poder cercado de grande expectativa dos trabalhadores e do movimento sindical. Mas a reforma sindical, grande expectativa do movimento sindical ligado à CUT e que teve papel fundamental na eleição de Lula à presidência, não vingou. A esperança de alterar as bases de um sistema sindical bastante anacrônico frente às exigências democráticas aos poucos vai se esvaindo. É pouco provável, senão impossível, que tais mudanças aconteçam até o final do mandato do governo Lula e com isso se perde uma oportunidade quase secular. Reiner Radermacher: cientista político pela Universidade de Hamburgo e atual repre- sentante da Fundação Friedrich Ebert no Brasil. Waldeli Melleiro: bacharel em história pela Universidade de São Paulo e atual coor- denadora do programa sindical da Fundação Friedrich Ebert no Brasil. Palabras-chave: trabalhadores, sindicalismo, centrais sindicais, Partido dos Trabalha- dores (PT), Luiz Inácio Lula da Silva, Brasil. Antecedentes: a reorganização do movimento sindical nos anos 1980 O final da década de 70 e início da de 80 do século passado foi um momento de gran- des mobilizações dos trabalhadores e de retomada da organização sindical no Brasil. Após anos de ditadura militar, esse período foi marcado por um amplo processo de reorganização política da sociedade civil, em que se constituíram diversos movimen- tos sociais: pela anistia política, contra a carestia e o custo de vida, clubes de mães e

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NUEVA SOCIEDAD NRO. 211 SEPTIEMBRE-OCTUBRE 2007

Mudanças no Cenário Sindical Brasileiro sob o Governo de Lula

REINER RADERMACHER / WALDELI MELLEIRO

O final da década de 70 e início da de 80 do século passado foi um momento de grandes mobilizações dos trabalhadores e de retomada da organização sindical no Brasil. No início dos anos 90, a maior flexibilidade e a precarização, aliadas ao desemprego e ao grande crescimento do trabalho informal, enfraqueceram o poder de ação dos sindicatos. Lula chegou ao poder cercado de grande expectativa dos trabalhadores e do movimento sindical. Mas a reforma sindical, grande expectativa do movimento sindical ligado à CUT e que teve papel fundamental na eleição de Lula à presidência, não vingou. A esperança de alterar as bases de um sistema sindical bastante anacrônico frente às exigências democráticas aos poucos vai se esvaindo. É pouco provável, senão impossível, que tais mudanças aconteçam até o final do mandato do governo Lula e com isso se perde uma oportunidade quase secular.

Reiner Radermacher: cientista político pela Universidade de Hamburgo e atual repre­sentante da Fundação Friedrich Ebert no Brasil.Waldeli Melleiro: bacharel em história pela Universidade de São Paulo e atual coor­denadora do programa sindical da Fundação Friedrich Ebert no Brasil.Palabras-chave: trabalhadores, sindicalismo, centrais sindicais, Partido dos Trabalha­dores (PT), Luiz Inácio Lula da Silva, Brasil.

Antecedentes: a reorganização do movimento sindical nos anos 1980

O final da década de 70 e início da de 80 do século passado foi um momento de gran­des mobilizações dos trabalhadores e de retomada da organização sindical no Brasil. Após anos de ditadura militar, esse período foi marcado por um amplo processo de reorganização política da sociedade civil, em que se constituíram diversos movimen­tos sociais: pela anistia política, contra a carestia e o custo de vida, clubes de mães e

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movimentos de bairros, entre outros. Nesse contexto, surgiu também o chamado «novo sindicalismo», que combinava demandas de caráter econômico, como repo­sição de perdas salariais, com reivindicações políticas, como a de uma Assembléia Na­cional Constituinte. Foi nesse período que se conformaram as principais vertentes do sindicalismo atual e que resultaram na criação de importantes centrais sindicais: Cen­tral Única dos Trabalhadores (CUT), Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) e Força Sindical (FS).

Fundada em 1983, a CUT é até hoje a maior central sindical no país. Foi fruto da apro­ximação de vários setores do movimento sindical que, em sua maioria, tinham uma posição crítica em relação à estrutura sindical oficial1 e eram identificados com o «novo sindicalismo». Reuniu dirigentes sindicais, militantes de oposições sindicais e de organismos de base, e as novas lideranças surgidas no final dos anos 1970, muitas das quais profundamente comprometidas com a construção do Partido dos Trabalha­dores (PT). Também integraram a CUT desde a sua fundação lideranças de vários grupos e correntes políticas de esquerda de orientação socialista, trotskista e militan­tes oriundos da Igreja Católica. No início da década de 1990, sindicalistas ligados aos partidos comunistas também passaram a atuar na CUT.

A CUT nasceu definindo-se como uma central sindical classista e adotando o socialis­mo como perspectiva geral. Defende a liberdade e autonomia sindical de acordo com a Convenção 87 da OIT, um sindicalismo de massas organizado a partir da base sindi­cal e dos locais de trabalho, e a independência frente aos governos e partidos políti­cos. Apesar de posicionar-se criticamente em relação à estrutura sindical oficial (ver quadro 1), a CUT nunca rompeu completamente com ela, tendo feito a opção explícita de atuar por dentro dos sindicatos existentes, buscando a sua transformação.

As grandes novidades desse sindicalismo representado pela CUT foram a sua organi­zação em âmbito nacional, a forte presença dos trabalhadores rurais desde a sua fun­dação, ao lado de trabalhadores na indústria e nos serviços, e posteriormente a grande inserção junto aos sindicatos de trabalhadores no setor público. Outra característica da central é a convivência de diversas correntes de opinião em seu interior, organiza­das em tendências políticas, o que lhe propicia um permanente debate político inter­no.

1 A «estrutura sindical oficial» é a aquela fixada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), principal documento que rege também as relações de trabalho. Ver quadro 1.

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Quadro 1. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a estrutura sindical

Datada de 1943, a CLT tem inspiração, entre outras, no modelo corporativo e na Carta del Lavoro, de Mussolini. Representa uma interferência direta do Estado na vida dos sindicatos, e prevê a existência de entidades sindicais de trabalhadores e de empregadores. Apesar de ter sofrido alterações durante os anos, os pilares da estrutura sindical oficial continuam os mesmos, sendo os principais:Unicidade sindical: permite a existência de um único sindicato por categoria profissional organizado em uma mesma base territorial, que não pode ser menor do que um município.Contribuição sindical: contribuição compulsória (por isso conhecida como «imposto sindical») de todos os trabalhadores que, independente de filiação, têm descontado diretamente de seus salários o equivalente a um dia de trabalho por ano em favor da estrutura sindical.Estrutura confederativa: estrutura sindical organizada numa pirâmide onde na base encontra-se os sindicatos, seguidos (no meio) pelas federações estaduais (que reúnem os sindicatos de determinada categoria por unidade da federação), e colocando no vértice a confederação nacional da respectiva categoria. Não reconhece, portanto, as centrais sindicais, que não têm poder de negociação.Apesar desse sistema ter possibilitado garantias ao exercício da atividade sindical e ter permitido a construção de sindicalismo atuante, também trouxe conseqüências negativas como:- A pulverização e a fragmentação, com a existência de milhares de sindicatos frágeis, com um pequeno número de trabalhadores na base, pouco representativos e com pouco poder de pressão e negociação. Estima-se que existam cerca de 18.000 sindicatos no país.- A acomodação dos dirigentes sindicais a essa estrutura – tanto pela garantia da receita financeira, independente do número de associados ou de sua ação sindical, como pela impossibilidade de existência de outro sindicato que lhe faça «concorrência», não permitindo aos trabalhadores escolher a qual sindicato se filiar.- Ausência de garantias legais e mecanismos de proteção da organização sindical nos locais de trabalho, limitando a atuação dos sindicatos para «fora da empresa».A Constituição Federal de 1988 introduziu importantes mudanças ao proclamar a liberdade de associação, inclusive no setor público, e eliminar a interferência do Estado na organização sindical. No entanto, manteve a unidade sindical e a obrigatoriedade de registro da entidade sindical em órgão competente – papel desempenhado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Essa situação trouxe novas questões:- A existência de muitos processos e controvérsias de representação, em função do conflito entre o princípio da liberdade sindical e a manutenção da unicidade sindical.- A volta da interferência do Estado, que decide quais entidades podem ou não ser criadas.

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A CGT, fundada em 1986, originou-se de um grupo que compunha a chamada Unida­de Sindical, formada por lideranças ligadas aos dois partidos comunistas2 e por um amplo leque de sindicalistas que ocupavam postos de direção nos sindicatos e fede­rações da estrutura sindical oficial. Politicamente esse grupo apostava na abertura po­lítica institucional e na transição «gradual» à democracia. Os princípios da CGT guar­davam grande semelhança com os da estrutura corporativa, propondo a manutenção do imposto e da unicidade sindical. Avaliava-se que a adoção da Convenção 87 da OIT abriria caminho para o «paralelismo» sindical.

A CGT sofreu três divisões consecutivas, dando origem a duas outras centrais sindi­cais. A primeira divisão se deu com a saída dos sindicalistas ligados ao PCdoB. Com o fortalecimento da concepção do «sindicalismo de resultados», esse setor passou exigir a «despartidarização» da Central e conseguiram derrotar os sindicalistas ligados ao PCdoB, os quais acabaram rompendo com a CGT. Em 1989 esse setor fundou a Co­rrente Sindical Classista (CSC) e pouco tempo depois ingressou na CUT.

Ainda em 1989, durante um congresso, efetivou-se uma nova divisão na CGT, que al­terara seu nome para Confederação Geral dos Trabalhadores. Os grupos derrotados durante o congresso, bastante ligados à estrutura sindical tradicional, militantes do MR-8 e do PCB – fundaram uma nova central, que nos anos 1990 adotará o nome de Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB).

Em 1991 ocorreu a terceira divisão, quando o setor ligado ao «sindicalismo de resulta­dos» saiu da CGT e fundou a Força Sindical (FS). Esta pretendeu constituir-se numa alternativa ao sindicalismo politizado e de confrontação representado pela CUT, bus­cando a via pragmática do diálogo com o empresariado e com o governo. A FS nasceu propondo um sindicalismo independente, buscando a liberdade e autonomia sindical de acordo com a Convenção 87 da OIT. Essa posição, durante o processo de reforma sindical sob o governo Lula, facilitará sua aproximação com a CUT.

Paralelamente à constituição das centrais sindicais, as confederações nacionais da es­trutura sindical oficial mantiveram seu poder intacto, detendo grande patrimônio e uma arrecadação financeira considerável, devido à sua parcela no recebimento do im­posto sindical.

2 São eles: o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Também com orientação mais «à esquerda» integra a CGT um grupo chamado Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), oriundo do combate armado à ditadura militar e que passa a atuar junto a um setor do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).

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Ao longo dos anos 1980, houve um grande incremento no número de greves e tam­bém foram organizadas várias greves gerais, em especial contra os sucessivos planos econômicos. Ao mesmo tempo, o movimento sindical desempenhou um papel funda­mental no processo de redemocratização do país, tendo participado ativamente do processo de elaboração da nova Constituição, promulgada em 1988, através de mobi­lizações e de emendas populares. Essa pressão garantiu conquistas importantes para as trabalhadoras e para os trabalhadores na nova Constituição, e também possibilitou algumas mudanças na vida sindical, citadas adiante. Todo esse quadro gerou um mo­vimento sindical muito atuante, transformando o sindicalismo num relevante ator no cenário político nacional.

O sindicalismo na defensiva: a flexibilização das relações de trabalho nos anos 1990

No início dos anos 90, com a abertura financeira e comercial do mercado brasileiro promovida pelo governo Collor de Mello, o país ingressou desordenadamente no pro­cesso de globalização. A exposição brusca à concorrência internacional e suas impli­cações na reorganização produtiva acarretaram a diminuição do número de postos de trabalho. Some-se a esse quadro, o forte processo de privatizações, a introdução de novas formas de organização da produção e a chamada reestruturação produtiva, que trouxeram novos impactos negativos para o emprego e para a formalização das re­lações de trabalho. Nos anos seguintes, já sob o governo de Fernando Henrique Car­doso, tomou corpo a proposta de ajuste do sistema de relações de trabalho a essa nova ordem globalizada. Aos poucos, vários aspectos da legislação trabalhista foram altera­dos, como a remuneração, o tempo de trabalho e as formas de contratação, com o ob­jetivo de flexibilizar, ainda mais, as relações de trabalho.

A maior flexibilidade e a precarização, aliadas ao desemprego e ao grande crescimen­to do trabalho informal, sobretudo entre as mulheres e os jovens, enfraqueceram o po­der de ação dos sindicatos, que foram obrigados a adotar uma postura bastante defen­siva na tentativa de preservar os direitos frente à ofensiva das empresas e das políti­cas neoliberais. Assim, as lutas pela democratização da sociedade e das relações sindi­cais e de trabalho que tiveram lugar nos anos 1980 foram substituídas por lutas de re­sistência e pela manutenção do emprego.

Esse quadro provocou uma diminuição no número de sindicalizados e a redução da base geral dos sindicatos, enfraquecendo-os e diminuindo o seu poder de pressão e mobilização. Por decorrência, a queda na arrecadação financeira das entidades acabou

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contribuindo para a adoção de posturas conservadoras de defesa do monopólio de re­presentação (unicidade sindical) e das contribuições financeiras compulsórias.

Ao mesmo tempo, o número de entidades sindicais aumentou muito. Em 1989, de acordo com o MTE3 havia no Brasil 9.120 sindicatos, sendo 3.140 de empregadores e 5.980 de trabalhadores. De acordo com o IBGE4, em 2001 o número total de sindicatos passa a ser 15.961, sendo 4.607 de empregadores e 11.354 de trabalhadores. Ou seja, praticamente duplicou o número de sindicatos de trabalhadores. Ainda que parte des­se aumento tenha sido um reflexo da positiva criação de sindicatos de servidores pú­blicos, cuja organização sindical era proibida até 1988, o fato é que o quadro geral re­sultou menos de um avanço na organização sindical e mais da divisão e fragmentação de entidades existentes, o que contribuiu para pulverizar ainda mais o sindicalismo. Ao mesmo tempo, a taxa média de sindicalização se manteve em torno de 26% duran­te todo esse período, observando-se a existência de poucos sindicatos fortes e atuan­tes, com altas taxas de sindicalização, convivendo com milhares de sindicatos frágeis com baixa representatividade.

Ainda nos anos 1990 foram criadas mais duas centrais sindicais: a Central Autônoma de Trabalhadores (CAT) e a Social Democracia Sindical (SDS). A CAT se transformou em central sindical em 1995, quando os setores cristãos conservadores conseguiram se organizar sindicalmente. A CAT concretizou a longa tentativa da Confederação Mun­dial do Trabalho (CMT) em ter sua central organizada no Brasil, iniciativa que sempre encontrou muita resistência da ala progressista da Igreja católica. A CAT nasceu de­fendendo o direito à livre organização desde que subordinado ao princípio da unici­dade sindical. A SDS foi criada a partir de uma divisão da FS, em 1997, como uma tentativa de organização sindical do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

Nessa década, CUT e FS se consolidaram como as duas principais centrais sindicais brasileiras. A CUT se transformou na maior e mais representativa central, com forte participação nos setores industriais e de serviços, e ampliando sua inserção no sindi­calismo rural com a filiação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricul­tura (CONTAG), e no setor público, o que contribuiu também para ampliar os índices gerais de sindicalização na CUT. Ainda no início dos anos 1990 ingressaram na CUT a CSC, já mencionada, e a Unidade Sindical, corrente ligada ao PCB. No entanto, e con­

3 Conforme documento «Diagnóstico das relações de trabalho no Brasil», s/d, produzido pelo Fórum Nacional do Trabalho (http://www.mte.gov.br/fnt).4 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2001).

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trariamente aos estatutos da CUT, esses setores continuaram defendendo a unicidade e o imposto sindical.

Na segunda metade dos anos 1990 ganharam destaque na CUT as discussões sobre ampliação da base de representação e fortalecimento das entidades (organização por ramos de atividade e criação de sindicatos nacionais) e a chamada proposta de «Siste­ma Democrático de Relações de Trabalho». A central passou a adotar uma estratégia de ação propositiva, colocando como elementos centrais e intimamente relacionados a liberdade e a autonomia sindical, a ampliação da democracia com justiça social e a construção de um modelo desenvolvimento que atenda aos interesses dos trabalhado­res, buscando assumir um papel político protagonista.

A FS, combinando uma atuação relativamente ativa e reivindicativa a uma postura conservadora do ponto de vista político, passou a ocupar um importante lugar no movimento sindical. Apesar de concentrar-se na região Sudeste do país, a FS contava com grandes sindicatos em sua base, como o dos comerciários e o dos metalúrgicos de São Paulo, firmando-se como a segunda maior central sindical do país.

Ao final do século XX as centrais sindicais no Brasil, apesar de não contarem com re­conhecimento legal, existiam de fato e tinham assento em câmaras setoriais e em di­versas comissões e conselhos tripartites. Com relação ao número de entidades filiadas a cada uma, o censo sindical de 2001 apontou a CUT como, de longe, a maior central sindical, contando com 2.834 sindicatos filiados e com isso detendo 25% do total das entidades com filiação a alguma central. Outro destaque foi a forte presença da CUT dentre os sindicatos rurais, sendo que 32% deles, ou 1.272 entidades, eram filiados a essa Central. Já a FS, segunda maior central, detinha 839 sindicatos ou 7,3% do total das entidades com filiação, concentrados no meio urbano e com mínima inserção no sindicalismo rural, detendo apenas 2% do total de sindicatos rurais com filiação. Note-se, entretanto, que a imensa maioria dos sindicatos, 7.050 ou 62,2%, não era filia­do a nenhuma central sindical.

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Tabela 1. Sindicatos de trabalhadores, por filiação à central sindicalBrasil 2001

Tipo de sindicato

CENTRAL SINDICALCAT (1)

CGT (2)

CUT (3)

FS (4)

SDS (5)

Outra cen­tral sindi­cal

Não-filiados a central sin­dical

Trabalhadores urbanos- Empregados

- Trabalhadores autônomos- Profissionais Li­berais- Trabalhadores avulsos

75

61

5

8

1

202

185

8

3

6

1.562

1.465

20

64

13

747

675

35

5

32

250

233

15

1

1

15

13

2

0

ND

4.592

3.438

500

402

252

Trabalhadores rurais

11 36 1.272 92 39 3 2.458

TOTAL 86 238 2.834 839 289 18 7.050

Fonte: IBGE, Sindicatos: Indicadores sociais. Elaboração: Dieese, Central Autônoma dos Trabalhadores, Confederação Geral dos Trabalhadores, Central Única dos Tra­balhadores, Força Sindical, Social Democracia Sindical.

Apesar do crescimento das centrais sindicais, e da presença crescente do movimento sindical no cenário político, o mesmo censo revelou a persistente fragilidade do sindi­calismo em relação à organização dos trabalhadores nos locais de trabalho, que conti­nuou sendo uma grande lacuna. A tabela 2 abaixo indica o imenso desconhecimento dos sindicatos acerca da existência dessas formas de organização e representação.

Tabela 2. Sindicatos de trabalhadores, segundo forma de representação (1)Brasil 2001

Tipo de sin­dicato

Sindicatos

Comissão de Fábrica ou de Empresa

Cipa Outras formas de repre­sentação (2)

TC NTC TC NTC TC NTCTrabalhado­res urbanos

Empregados

Profissionais liberais

Trabalhado­res avulsos

Trabalhado­res rurais

953

913

24

16

56

5.905

5.157

459

289

3.855

3.159

2.943

115

101

298

3.699

3.127

368

204

3.613

21

20

-

1

13

6.837

6.050

483

304

3.898

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TC: Tem conhecimentoNTC: Não tem conhecimentoFonte: IBGE, Sindicatos: Indicadores sociais. Elaboração: DieeseNotas: Através de comissões de fábrica ou de empresa, Cipa e outras formas dee represen­tação no local de trabalho em 31/12/2001, segundo tipo de sindicatoComissão de negociação de Participação nos Lucros e Resultados – PLR; conselho de saúde e outras formas de representaçãoObs: a) Exclui os sindicatos de trabalhadores autônomos; b) últimos dados disponí­veis.

A eleição de Luis Inácio Lula da Silva em 2002

Após oito anos sob o governo de Cardoso e de implementação de políticas neolibe­rais, Lula chegou ao poder cercado de grande expectativa dos trabalhadores e do mo­vimento sindical. As duas principais centrais sindicais, CUT e FS, apoiaram candida­tos diferentes. Lula, candidato do PT, contou com o apoio explícito da CUT, e José Se­rra, do PSDB, contou com o apoio da FS5. A leitura que a CUT fazia era a de que havia dois projetos antagônicos em disputa: um democrático e popular, comprometido com o estabelecimento de uma sociedade mais justa, personificado por Lula, e outro, per­sonificado por José Serra, que representava a continuidade das políticas neoliberais e contrário aos interesses dos trabalhadores.

Esse novo cenário colocava para a CUT grandes possibilidades, mas também um du­plo desafio. De um lado, a necessidade de ampliar o diálogo e a articulação com o conjunto do movimento sindical, em especial com a FS, de forma a caracterizar a di­visão do movimento sindical em dois campos: um «pró-governo» e um de oposição. Por outro lado, a questão de como fortalecer um governo cujo projeto é comprometi­do com os trabalhadores e, ao mesmo tempo, manter sua independência frente a esse governo.

Primeiro mandato de Lula (2003-2006): república dos sindicalistas?

Pode-se dizer que pela primeira vez ocorreu uma efetiva mudança na «elite gover­nante» no âmbito federal6. Na composição do governo no primeiro mandato, diversos cargos de primeiro escalão, incluindo os titulares de 12 Ministérios, foram ocupados por sindicalistas ou ex-sindicalistas, quadros partidários que tiveram sua militância li­

5 Uma corrente interna da CUT, o Movimento dos Trabalhadores ao Socialismo (MTS), ligada ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), apoiou o candidato desse partido, José Maria de Almeida, ex-dirigente da executiva nacional da CUT.6 Expressão utilizada por Adalberto Cardoso em entrevista a VIEIRA e DURÃO (2005).

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gada ao movimento sindical cutista. O Ministério do Trabalho, por exemplo, foi su­cessivamente ocupado por Jacques Wagner (ex-petroleiro), Ricardo Berzoini (ex-ban­cário) e Luiz Marinho (metalúrgico e ex-presidente nacional da CUT). Essa mudança no perfil do governo fez com que alguns setores passassem a chamar o governo Lula de «república dos sindicalistas», adotando um tom pejorativo e marcado pelo precon­ceito de classe. Em realidade, também ocuparam cargos no governo várias lideranças oriundas de outros movimentos sociais, intelectuais e outros quadros do Partido dos Trabalhadores, muitos dos quais com experiência executiva em governos estaduais e municipais.

Outro aspecto que marcou a relação da CUT com o governo foi o entendimento de que, por ser uma coalização, tratava-se de um «governo em disputa» e, portanto, com conflitos e contradições internas que o pressionariam pela continuidade das políticas neoliberais, e longe da agenda dos sindicalistas. O fato de ter «amigos» no governo não implicaria necessariamente numa relação amistosa com esse governo. Por isso a CUT buscou uma posição de solidariedade crítica ao governo.

De qualquer forma, o certo é que pela primeira vez os sindicatos passaram a ter um acesso direto ao Palácio do Planalto, e com a criação do Conselho de Desenvolvimen­to Econômico e Social (CDES) esse acessou passou a ter uma característica estrutural7. O fato de ter sindicalistas no governo tornou mais complexo esse relacionamento e criou tensões.

A avaliação dos sindicalistas ligados à CUT e de vários movimentos sociais foi a de havia uma disputa de hegemonia no governo e seria a pressão da sociedade que po­deria determinar o seu rumo no sentido da justiça social. Assim, uma estratégia colo­cada prática com relativo sucesso foi a realização de mobilizações conjuntas com as várias centrais sindicais e com os movimentos sociais. O estabelecimento de uma polí­tica para recuperação do poder de compra do Salário Mínimo, bem como o aumento real obtido e a correção anual da tabela do Imposto de Renda foram conquistas im­portantes desse processo de mobilização conjunta sob o governo Lula.

Durante o primeiro mandato de Lula se conseguiu uma relativa unidade de ação en­tre as centrais sindicais, que teve início ainda em 2003 com o lançamento da cam­panha salarial unificada entre a CUT e a FS, e que depois se estendeu para as outras centrais e abrangeu outros temas como a redução da política de juros e a campanha pela redução da jornada de trabalho, além da questão do salário mínimo, já mencio­nada. No entanto, apesar dessa unidade de ação no plano mais geral, ocorreu uma re­organização do movimento sindical, com divisões e fusões motivadas em parte pela

7 O CDES foi criado em maio de 2003 com o objetivo de cumprir o papel de articulador entre governo e sociedade, viabilizando o processo de diálogo social para o desenvolvimento.

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avaliação e posicionamento em relação ao próprio governo e, em parte, em função das reformas propostas, em particular a reforma sindical.

A reforma da previdência

No primeiro ano do Governo Lula entrou em pauta a discussão da reforma da pre­vidência. Foi o primeiro grande teste na sua relação com a base de apoio da CUT. A reforma foi sancionada ainda em 2003 e abrangeu os trabalhadores da administração pública nos âmbitos federal, estadual e municipal. Aprovou uma maior rigidez nos critérios para aposentadoria dos servidores públicos, como a extensão da idade para concessão do benefício para homens e mulheres (respectivamente de 53 para 60 anos e de 48 para 55 anos) vinculada ao tempo de contribuição, de 30 anos para homens e de 25 para mulheres, e o estabelecimento de um valor como teto máximo para recebi­mento dos proventos.

Durante a discussão da reforma, as organizações sindicais dos servidores públicos se colocaram frontalmente contrárias a qualquer mudança. No Congresso Nacional o tema também gerou polêmicas na base do governo e vários deputados se posiciona­ram contra a reforma, levando inclusive à formação de uma dissidência8.

A polêmica em relação à proposta de reforma previdenciária perpassou com força pelo interior da CUT. No seu 8º Congresso Nacional, em junho de 2003, este foi um dos temas que conformou a divisão mais geral das correntes de opinião internas à CUT em dois blocos. Um que defendia o apoio ao governo Lula – composto pela Arti­culação Sindical (Artsind), pela CUT Socialista e Democrática (CSD) e pela Corrente Sindical Classista (CSC); e outro que adotava uma postura mais crítica em relação ao governo, composto pelo Movimento dos Trabalhadores ao Socialismo (MTS), pela Al­ternativa Sindical Socialista (ASS) e por O Trabalho (Costa e Ladosky, 2006).

Esse debate, somado às discussões em relação à reforma sindical, levou ao rompimen­to de uma parcela de sindicalistas, ligados ao MTS, com a CUT e à formação da Coor­denação Nacional das Lutas (Conlutas), em março de 2004. Esse grupo acusava a CUT de ter se convertido numa «central chapa-branca», traindo seus princípios de inde­pendência de classe. Com isso, desfiliaram-se da CUT algumas entidades ligadas ao funcionalismo público, como por exemplo ANDES-SN (professores universitários) e Fasubra (trabalhadores das universidades)9.

8 Quatro deputados do PT votaram contra a orientação do governo e foram expulsos do PT. Esse grupo posteriormente passou a integrar o Partido Socialismo e Liberdade (P-SOL).

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A relação com o governo Lula acirrou divergências na CUT que provêm da sua pró­pria riqueza interna, de opiniões e de setores. Explicitou a dificuldade de manter uma defesa política geral do projeto representado pelo governo Lula com a defesa de inte­resses corporativos, como no caso da reforma da previdência. A lealdade política glo­bal com o governo se chocou na prática com os interesses de parte de sua base social, os trabalhadores dos serviços públicos.

A proposta de reforma sindical e trabalhista

Diferentemente da experiência com a reforma da previdência, o governo adotou outra estratégia para realização das reformas sindical e trabalhista: a da negociação. Para tal instalou o Fórum Nacional do Trabalho (FNT), um espaço tripartite de diálogo social com vistas a construir propostas consensuais sobre as reformas10. Estas se constituíam num dos compromissos fundamentais do governo e a expectativa da CUT, por sua origem história, era gigantesca. A partir do diagnóstico de esgotamento do modelo de organização sindical e da necessidade de aprofundar a democratização das relações de trabalho no país, a estratégia do governo foi iniciar a reforma pelo aspecto sindical. Esperava, assim, proporcionar um equilibro de forças entre as entidades representati­vas de empregadores e trabalhadores e com isso criar condições mais favoráveis, do ponto de vista dos trabalhadores, para avançar na negociação da reforma trabalhista. Esse foi justamente o primeiro embate que se estabeleceu com o setor empresarial, que pretendia discutir primeiro a reforma trabalhista e depois a reforma sindical. Os trabalhadores, com o apoio do governo, conseguiram inverter essa pauta. Nessa mes­ma linha, o governo Lula retirou da pauta do Congresso Nacional a proposta enviada por Cardoso de alteração do artigo 7º da Constituição e do artigo nº 618 da CLT. Essas alterações, na prática, implicariam na prevalência do negociado sobre o legislado, abrindo margem para a redução de direitos garantidos em lei por meio das nego­ciações coletivas.

Desde o início dos trabalhos, em agosto de 2003, o FNT buscou construir consensos progressivos entre representantes das centrais sindicais de trabalhadores, das entida­

9 A Conlutas foi fundada oficialmente em maio de 2006, num congresso que reúne delegados de sindicatos, movimentos populares e organizações da juventude. Define-se como central sindical, popular e de classe, com o intuito de envolver os diversos movimentos sociais em seu interior. Sua presença está reduzida a poucos sindicatos, notadamente do setor público. De acordo com o seu website, até fevereiro de 2007 cerca de 50 entidades haviam pedido filiação à Conlutas, mas apenas 20 contribuíam financeiramente com a entidade.10 Apesar de intimamente relacionadas, grosso modo podemos dizer que a reforma sindical abrangeria as questões relativas ao papel, funcionamento, organização e financiamento das entidades sindicais; a reforma trabalhista envolveria as questões relativas às relações e condições de trabalho.

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des sindicais patronais e do governo acerca dos vários temas em debate. Foram reali­zadas Conferências Estaduais do Trabalho em todas as unidades da federação, bem como diversos seminários, encontros e debates com sindicalistas, empresários, estu­diosos, juristas, enfim, com os vários atores ligados ao mundo do trabalho. Apesar das dificuldades, houve um processo de negociação no qual todas as partes fizeram concessões. Construíram-se propostas ao redor de três grandes eixos: organização sin­dical (abrangendo propostas para as entidades sindicais dos trabalhadores e dos em­presários), negociação coletiva e sistema de composição de conflitos. Em linhas gerais, as propostas apontaram a possibilidade de um grande avanço na democratização das relações sindicais e de trabalho. Apresentaremos a seguir algumas delas.

No tocante à organização sindical dos trabalhadores, o debate realizado teve o mérito de enfrentar problemas cruciais como a baixa representatividade das entidades sindi­cais e a contribuição sindical compulsória, prevendo a sua eliminação gradativa num período de período de 3 anos e a sua substituição por uma taxa vinculada à realização da negociação coletiva.

O tema da liberdade sindical, no qual a bancada do governo adotava como referência a Convenção nº 87 da OIT, se constituiu numa discussão bastante difícil, dada a cultu­ra arraigada da unicidade sindical e da estrutura verticalizada forte do sistema confe­derativo em vigor há muito tempo. O consenso possível foi a formulação de um siste­ma misto, combinando a possibilidade de introduzir a liberdade sindical para novas entidades com a garantia da exclusividade de representação (manutenção da unicida­de) para as entidades sindicais já existentes. O critério para constituição das organi­zações sindicais dos trabalhadores passaria a ser com base no setor econômico e por ramo de atividade econômica, substituindo o atual enquadramento por «categoria profissional».

As conclusões iniciais do FNT para a organização sindical também avançaram em propostas nas duas «pontas» da estrutura: na base do sistema, ao concordar com a re­presentação dos trabalhadores no local de trabalho como parte do sistema sindical; e no topo do sistema, ao propor o pleno reconhecimento das centrais sindicais.

No tocante à negociação coletiva, as conclusões apontaram medidas para a democrati­zação das relações de trabalho ao introduzir a possibilidade de negociações articula­das e nacionais, a obrigatoriedade das partes negociarem e a extensão do direito de negociação coletiva também ao setor público. A proposta previa ainda a definição na

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lei das práticas e atos anti-sindicais, com base nos princípios da Convenção nº 135 da OIT.

No último aspecto, mecanismos de solução de conflitos, a proposta foi manter a lei do direito de greve, com a definição dos serviços considerados essenciais à comunidade e com a manutenção de serviços mínimos a serem mantidos, serviços esses a serem de­finidos em negociação entre sindicato e empregador. Em suas conclusões, o FNT propôs eliminar o poder normativo da Justiça do Trabalho, introduzindo a arbitragem pública ou privada para solucionar impasses nas negociações.

Como elemento fundamental do diálogo social e do tripartismo, indicou-se a criação de um Conselho Nacional de Relações do Trabalho (CNRT) com participação triparti­te e paritária, com a atribuição de propor diretrizes de políticas públicas na área de re­lações de trabalho. O CNRT teria como tarefas prioritárias a implantação da reforma sindical, detalhando os aspectos necessários para tal, como por exemplo, a proposição de critérios para a organização por setor econômico e ramo de atividade. Os interesses específicos das representações de trabalhadores e empregadores seriam tratados sepa­radamente em câmaras bipartites.

O resultado dessa ampla negociação foi o relatório aprovado pelo FNT em março de 2004, com o objetivo de subsidiar a elaboração do projeto legislativo sobre a Reforma Sindical, a ser apreciado pelo Congresso Nacional. Depois do longo embate, finalmen­te chegou-se a um acordo. Mas pairava desde logo a suspeita de que o consenso, seja por parte dos empresários seja por parte da bancada dos trabalhadores, era meramen­te decorativo. Afinal, cada parte poderia depois mudar sua posição durante o trâmite do projeto no Congresso Nacional.

Diferentes posições sobre as reformas

Com base no consenso obtido, que aos poucos se revelou bastante frágil, teve início uma nova rodada de negociações para elaborar as bases do futuro Anteprojeto de re­forma sindical. No entanto, durante o processo detalhamento das propostas gerais, afloraram grandes diferenças e os dissensos voltaram à tona, confirmando as suspei­tas. As diferentes forças passaram a se mobilizar para pressionar por suas posições. Desnudou-se a cultura da confrontação e revelou-se a pouca cultura de diálogo social.

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Como esperado, explicitaram-se divergências entre trabalhadores e empregadores no tocante a vários aspectos como a possibilidade das centrais sindicais realizarem acor­dos, de atuarem como substitutas processuais (representando coletivamente os tra­balhadores em processos judiciais) e em relação à arbitragem compulsória em caso de impasse nas negociações. No entanto, a representação no local de trabalho, um dos as­pectos mais caros aos trabalhadores na reforma sindical, foi o que passou a enfrentar maior resistência dos empregadores e resultou num impasse. A proposta inicial era de que essa representação se desse por meio de comitês sindicais de empresas, consti­tuídos por delegados eleitos entre os sindicalizados. Os empresários recuaram na dis­cussão e passaram a defender a manutenção do texto constitucional, que prevê a obri­gatoriedade de representação nas empresas com mais de 200 trabalhadores, mas que na prática não existe porque a lei carece de regulamentação. O governo chegou a fazer uma proposta intermediária, prevendo um período de transição, com a diminuição gradativa do número de trabalhadores empregados que obrigaria a admissão da re­presentação em cada empresa, mas não obteve êxito. Esse ponto marcou uma grande derrota na a proposta de democratizar as relações de trabalho no Brasil. Refletiu todo o autoritarismo presente nas relações empregador-trabalhador, onde o espaço de tra­balho está confinado ao âmbito do espaço privado e as regras são determinadas unila­teralmente pelo empregador.

Por outro lado, faltou consenso entre a própria bancada dos trabalhadores, e a pro­posta de reforma sofreu oposição tanto do sindicalismo tradicional como dos setores mais à esquerda no sindicalismo.

Em julho de 2004, com objetivo de se contrapor ao FNT, foi criado o Fórum Sindical de Trabalhadores (FST). Essa articulação foi encabeçada pelas confederações sindicais da estrutura oficial, como a dos trabalhadores na indústria (CNTI), na saúde privada (CNTS) e nos transportes terrestres (CNTTT), entre outras, e contou com a adesão de vários setores, incluindo três centrais com assento também no FNT: a CGT, a CGTB e a CAT. O FST passou a propor, essencialmente, a defesa da unicidade sindical como princípio inegociável de qualquer mudança. Defendia o sistema confederativo, a re­presentação por categoria profissional e a contribuição sindical compulsória como for­ma de custeio das entidades sindicais. Posicionou-se contrariamente à extensão do poder de negociação às centrais sindicais, propugnando a exclusividade dos sindica­tos na prerrogativa da negociação coletiva. Em suma, propunha a manutenção dos pi­lares da estrutura sindical vigente. As confederações oficiais articuladas nesse Fórum, um ano depois, fundaram a Nova Central Sindical de Trabalhadores – NCST.

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Internamente à CUT as divergências foram retomadas e adquiriram visibilidade em sua 11ª Plenária Nacional, em maio de 2005. Os integrantes da Corrente Sindical Clas­sista (CSC) se posicionaram contrariamente ao fim da unicidade sindical, para eles uma questão de princípio. Reeditaram-se os debates do início dos anos 1980, à época da fundação da CUT, mas com um resultado distinto. A principal corrente da CUT, Articulação Sindical (Artsind), junto com a corrente CUT Socialista e Democrática (CSD) – ambas identificadas com o Partido dos Trabalhadores – acabaram negociando uma «Plataforma Democrática Básica» como proposta de emenda para a Reforma Sin­dical, onde a CUT reviu sua posição, também de princípio, de defesa da liberdade sin­dical e concordou com a manutenção da atual unicidade para os sindicatos.

Os setores mais à esquerda na CUT passaram a defender abertamente a saída da CUT do Fórum Nacional do Trabalho. Suas principais críticas às propostas do FNT eram o fato de reforçarem a intervenção do Estado na estrutura e na organização sindical e de abrirem a possibilidade de flexibilizar direitos legais ao eliminar os dispositivos da le­gislação que estabelecem a prevalência da lei em relação ao que for negociado, sem­pre que ela for mais favorável ao trabalhador. Outra crítica comum às várias correntes era que a reforma não assegurava o direito de negociação e de greve ao funcionalismo público, remetendo esse tema para uma legislação específica a ser elaborada poste­riormente.

A reforma sindical em meio à crise política do governo

Em meio às essas fortes discussões, a proposta de reforma sindical adquiriu seu for­mato legislativo e foi enviada ao Congresso, na forma de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 369/05) e de um Anteprojeto de Lei de Relações Sindicais, com­posto de 238 artigos. Iniciadas as discussões do tema nas Comissões do Congresso, como esperado, surgiram diversos projetos substitutivos, como por exemplo o Projeto de Lei do deputado Sergio Miranda do PCdoB, mantendo a unicidade e o imposto sindical, em oposição frontal ao projeto apresentado pelo governo, articulado pelos setores ligado ao Fórum Sindical do Trabalho. Da mesma forma, continuaram as mo­bilizações contra a reforma sindical, numa frente que uniu as posições extremadas do sindicalismo, à esquerda e à direita, aproximando as entidades do setor mais conser­vador e os grupos ligados aos comunistas e aos trotskistas, como a CSC/PCdoB, a Conlutas, sindicalistas ligados ao P-SOL e as centrais menores CGT e CGTB.

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Como dificuldade adicional, o momento em que o projeto iniciou seu trâmite no Con­gresso coincidiu com a instauração da forte crise política no governo com o chamado encândalo do «mensalão» – onde o Partido dos Trabalhadores e membros do governo sofreram denúncias de compras de votos de parlamentares para aprovar projetos de interesse do governo e de financiar campanhas eleitorais com verbas não contabiliza­das. A impossibilidade de encaminhar a discussão de outros temas no Congresso, so­mada a muito provável derrota na aprovação da PEC 369/05 frente à grande mobili­zação sindical e articulação parlamentar pela sua rejeição, fez com que o governo de­sistisse da reforma sindical nos moldes propostos.

Foram então articulados projetos de parte a parte, e se tentou ainda um substitutivo ao projetos da reforma apresentado pelo relator da Comissão de Trabalho Tarcísio Zimmermann do PT, reunindo todas as proposições em tramitação na Câmara e bus­cando retomar a essência das propostas do FNT. No entanto, os maiores defensores da proposta, os cutistas, encontravam-se em estado de choque e paralisados pela crise política, que os afetou diretamente, e por isso não conseguiram mobilizar seus ba­talhões na defesa da proposta. A estratégia de fazer uma reforma global, detalhada e negociada com os atores sociais não prosperou.

A reforma «fatiada»

Passada a crise política, em maio de 2006 o governo fez nova tentativa de avançar em parte da reforma. Editou duas medidas provisórias (MP 293 e 294), criando o Con­selho Nacional de Relações de Trabalho e legalizando as Centrais Sindicais de Tra­balhadores. Apesar de não ter sido votada, a proposta foi rejeitada pelas lideranças das bancadas e o governo, mais uma vez, recuou.

Aconteceram as eleições presidenciais em outubro de 2006 e o governo Lula, agora com nova legitimidade, vem tentando mais uma vez aprovar tais medidas, insistindo na legalização das centrais sindicais. Em maio de 2007, o governo formalizou um pré-acordo com as 7 centrais que participaram das discussões com o Ministério do Tra­balho e Emprego (MTE) que reconhece juridicamente as centrais sindicais, a partir de critérios de representatividade aferidos pelo MTE11, e que prevê a sua sustentação fi­

11 Os critérios de representatividade que as centrais deverão atingir são: a) filiação de no mínimo 100 sindicatos distribuídos nas cinco regiões do país; b) filiação em pelo menos três regiões do país de no mínimo, vinte sindicatos em cada uma; c) filiação de sindicatos em no mínimo cinco setores de atividade econômica e filiação de trabalhadores aos sindicatos de sua estrutura de no mínimo 5% do total de empregados sindicalizados em âmbito nacional, no primeiro ano de reconhecimento, devendo crescer e alcançar 7% em dois anos. Note-se que na proposta inicial, de maio de 2006, o percentual total de empregados sindicalizados era previsto em 10%, revelando uma considerável diminuição nos

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nanceira a partir do repasse de 10% (dez) por cento do valor arrecadado com o impos­to sindical, extraído da parte de 20% que atualmente cabe ao Ministério12. Em troca, as centrais assumiram o compromisso de apoiar a MP e de lutar por sua aprovação no Congresso.

As críticas a essa nova proposta já começam a ser feitas, sendo a principal o questio­namento da perda da autonomia sindical, uma vez que o Estado volta a ter a prerro­gativa de interferir na vida sindical ao aferir a representatividade das entidades. Ao mesmo tempo, como a arrecadação anual total com esse imposto é estimada em cerca de 1 bilhão e 200 mil reais (U$ 600 milhões), o acesso a esse grande volume de recur­sos poderá contribuir para reforçar a acomodação a essa estrutura e distanciar ainda mais as entidades da efetivo trabalho sindical na defesa dos direitos dos trabalhado­res.

Considerando as raízes históricas do governo Lula no movimento sindical e a sua le­gitimidade, a não realização das reformas sindical e trabalhista representa perder uma oportunidade, também histórica, de contribuir para o estabelecimento de sindi­catos autônomos e, simultaneamente, de organizar uma legislação trabalhista à altura dos desafios colocados neste século XXI e de respeito os direitos e garantias funda­mentais do trabalho.

Esse processo demonstrou a falta de tradição de diálogo social no Brasil. Há grupos de empresários que, mesmo vivendo sob a economia globalizada, ainda não percebe­ram que para sua própria sobrevivência nessa economia necessariamente estão obri­gados a estabelecer um diálogo permanente e a encontrar soluções negociadas para o conflito de interesses entre capital e trabalho. As próprias mudanças na organização do trabalho já demonstraram que o comando verticalizado e a disciplina fordista apli­cados às relações de trabalho não funcionam mais na nova lógica. É preciso romper com tradição autoritária nessas relações. Da parte sindical, é preciso reconhecer e lu­tar pelo legítimo direito de greve, mas esse instrumento fundamental de luta dos tra­balhadores – que muitas vezes é necessário inclusive para abrir negociações forçando o diálogo com os empresários – não pode ser banalizado e nem se transformar na principal estratégia de luta. É preciso organizar os trabalhadores desde o local de tra­balho, mobilizar e negociar melhores condições de vida e de trabalho para todos.

critérios de representatividade propostos.12 O imposto sindical é arrecadado e distribuído pelo Governo pela estrutura sindical na seguinte proporção: 60% ao sindicato de base, 15% para a respectiva federação (oficialmente com base estadual); 5% para a respectiva confederação nacional e 20% para o Ministério do Trabalho e Emprego.

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A nova configuração das centrais sindicais

Apesar do caráter parcial da reforma sindical, as poucas mudanças anunciadas até o momento já provocaram um movimento de reorganização das centrais sindicais, con­figurando um novo quadro. O binômio CUT-FS, que polarizou a preferência dos sin­dicatos nos anos 1990 e se manteve até o início do governo Lula, vem sendo desafiado por uma nova situação.

A criação da Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST) em 2005, foi um dos pri­meiros movimentos dessa reorganização. Sob o nome um tanto irônico de «nova cen­tral», esse grupo reuniu o setor mais conservador e arcaico do sindicalismo brasileiro, cujas principais lideranças há muitos anos estão à frente dos principais cargos de po­der na estrutura oficial e cujas entidades se caracterizam pela existência de forte buro­cracia e por práticas pouco democráticas. A central foi criada com o intuito de preve­nir-se frente a um eventual sucesso da reforma sindical, de um lado por receio de alte­ração da estrutura corporativa dentro da qual sobreviveram por mais de meio século, e por outro pela possibilidade de receber uma razoável fatia adicional do imposto sin­dical caso se confirme a legalização das centrais sindicais. Em agosto de 2007, a NCST contava com cerca de 500 sindicatos registrados no MTE.

No caso da Central Única dos Trabalhadores (CUT), as divergências internas em re­lação ao posicionamento frente ao governo e à reforma sindical, como mencionado, levaram num primeiro momento à saída do grupo ligado ao MTS/PSTU, ainda em 2004, constituindo a Conlutas. Em 2006 alguns outros setores, ligados a partidos como P-SOL, PSB e PCB e a correntes menores, também anunciaram sua saída da CUT du­rante o processo do seu 9º Congresso Nacional. Uma parte deles vem fazendo um chamado à construção de uma Intersindical, que priorize a ação direta e resgate os princípios da independência de classe. A saída desses grupos, eminentemente moti­vada por divergências políticas, aparentemente não tem se refletido num movimento de desfiliação de sindicatos da CUT em grande proporção. No entanto, para além dos dados numéricos ou da eventual perda de receita financeira, é preciso considerar o impacto político da saída desses setores da CUT. Pela primeira vez a central passa a contar com uma oposição à esquerda no movimento sindical organizada fora dela. Ao mesmo tempo, vê reduzido o leque da sua pluralidade interna – um caro símbolo da riqueza de opiniões e da democracia interna da CUT.

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Outra situação, distinta, é a que vem sendo colocada pela Corrente Sindical Classista (CSC). Esta também anunciou a sua saída da CUT, em julho de 2007, e a criação de uma nova central sindical, cuja decisão foi aprovada pelo Comitê Central do PCdoB. No entanto, esse grupo não vem se colocando em oposição frontal à CUT; ao contrá­rio, vem afirmando a intenção de estabelecer uma relação de parceria prioritária com a mesma. A CSC vem justificando sua saída por discordar da hegemonia que, segun­do eles, a corrente Articulação Sindical exerce desde a fundação da CUT. De um lado, esse argumento desconsidera a influência da CSC na definição de temas importantes na central, como por exemplo no próprio debate sobre a reforma sindical. É preciso considerar que a CSC obteve cerca de 20% dos votos no último congresso realizado pela CUT em 2006, quando lançou chapa própria à direção, o que lhe confere razoável expressão no interior da central.

Ao mesmo tempo, a CSC estima que detém hegemonia na direção de aproximada­mente 400 sindicatos, o que lhe garantiria sozinha a possibilidade de atender aos crité­rios de representatividade para legalização de uma central sindical própria. Com isso, passaria a ter acesso direto à parte do imposto sindical destinada às centrais em caso de aprovação dessa medida, além do controle das contribuições voluntárias que seus sindicatos destinam atualmente à CUT (contribuições estatutárias).

A comissão organizadora da nova central bem buscando a aproximação com outros setores, em especial os sindicalistas ligados ao PSB, com base no seu manifesto intitu­lado «Movimento por uma Central Sindical Classista e Democrática», provável nome da futura central, que deve adotar a sigla CSCD. A saída da CSC da CUT provoca uma partidarização mais explícita das centrais: a futura CSCD hegemonizada pelo PCdoB e a CUT abrigando, por enquanto, majoritamente sindicalistas ligados ao PT – militantes das correntes Artsind, CSD e O Trabalho.

Apesar dessa movimentação, a CUT continua ocupando o posto de maior central sin­dical no país. De acordo com o MTE, o número de sindicatos que concluíram a atuali­zação sindical indicando a filiação à CUT era de 1.571 – praticamente a metade do to­tal de sindicatos filiados a centrais sindicais.

A mais recente central sindical, União Geral dos Trabalhadores (UGT), foi criada em 19 de julho de 2007. Resultou da fusão de três centrais sindicais – Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), Social Democracia Sindical (SDS) e Central Autônoma dos Trabalhadores (CAT) – com a adesão de sindicalistas dissidentes da FS e de sindicatos

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sem nenhuma filiação anterior. De acordo com o MTE, juntas, CGT, SDS e CAT pos­suíam 313 sindicatos filiados. No entanto, a UGT informa que durante o congresso de fundação recebeu a filiação de 600 entidades, o que lhe conferiria a posição de 3ª ma­ior central sindical do país. A UGT nasce com a força do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, um dos que possui o maior número de trabalhadores em sua base terri­torial no país, e com importante representação entre os sindicatos de trabalhadores bancários. Reúne ainda várias entidades da estrutura sindical oficial, mas sem contar com a presença da cúpula das confederações.

Os dirigentes da UGT afirmam sua inspiração para essa aproximação no processo de unificação do sindicalismo mundial, como forma de responder adequadamente aos novos desafios do mundo globalizado. Porém, para as três centrais sindicais esta foi a opção encontrada para sobreviver frente aos novos critérios de averiguação da repre­sentatividade das centrais. Com isso pretenderam também se antecipar a nova regula­mentação sindical e com ela estimam obter uma receita de R$ 10 milhões por ano pro­venientes do imposto sindical13. Suas lideranças defendem a permanência do sistema de unidade sindical e um modelo que garanta a arrecadação financeira, ainda que esta passe a ser vinculada ao desempenho das negociações. A UGT nasce com a força do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, um dos que possui o maior número de tra­balhadores em sua base territorial no país, e com importante representação entre os sindicatos de trabalhadores bancários. Reúne ainda várias entidades da estrutura sin­dical oficial, mas sem contar com a presença da cúpula das confederações.

A FS, até agosto de 2007, continuava ocupando o posto de segunda maior central em número de sindicatos filiados – 633 de acordo com o MTE. Porém, esse número não revela os sindicatos que já se desligaram dessa central e se filiaram à UGT. A direção da central afirma que a saída de alguns sindicatos vem reativando a central a buscar outros filiados, e que outras categorias profissionais estão ingressando na FS. No en­tanto, é provável que a FS tenha sua base relativamente diminuída.

Até o momento a CGTB não tem dado sinais claros de como será a sua movimentação nesse novo cenário. Apesar de ter organizado o ato do 1º de maio de 2007 em conjun­to com a CUT, e de participar de outras mobilizações conjuntas, isso não necessaria­mente significa uma aproximação com vistas a uma maior organicidade com essa cen­

13 Jander Ramon – Agência Estado, 24.05.2007, economia. «Fusão cria a 3ª maior central de trabalhadores do país».

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tral. De acordo com o MTE, a CGTB contava com 81 entidades filiadas, o que não lhe garante sobreviver sozinha como central sindical. Como CGTB é a única central sindi­cal no Brasil filiada à Federação Sindical Mundial (FSM), esse pode estar sendo um empecilho para sua articulação com outros setores.

De acordo com o MTE14, atualmente estão registrados 10.592 sindicatos no país, sendo 3.541 de empregadores e 7.051 de trabalhadores. Dentre estes, 3.139 (44,52%) declara­ram-se filiados à alguma central sindical e os demais 3.912 (55,48%) não indicaram fi­liação. A tabela 3 indica o número e o percentual de sindicatos filiados a cada central sindical.

Tabela 3. Sindicatos de trabalhadores, por filiação à central sindicalBrasil 2007

Central Sindical Nº de entida­des

percentual

CGTB – Central Geral dos Trabalhadores do Brasil

81 2,58%

CUT – Central Única dos Trabalhadores 1571 50,04%FS – Força Sindical 633 20,17%NCST – Nova Central Sindical de Trabalhado­res

526 16,76%

UGT – União Geral dos Trabalhadores (soma da CGT, CAT e SDS)

313 9,97%

Outras (soma de outras 12 entidades com até 4 sindicatos filiados cada)

15 0,48%

Total 3139 100%

Fonte: Sistema Integrado de Relações do Trabalho (SIRT). Elaboração própria.

Algumas conclusões

A reforma sindical, grande expectativa do movimento sindical ligado à CUT e que teve papel fundamental na eleição de Lula à presidência, não vingou. A esperança de alterar as bases de um sistema sindical bastante anacrônico frente às exigências demo­cráticas aos poucos vai se esvaindo. É pouco provável, senão impossível, que tais mu­danças aconteçam até o final do mandato do governo Lula e com isso se perde uma

14 Informações do Sistema Integrado de Relações do Trabalho (SIRT), Cadastro Nacional de Entidades Sindicais, atualizadas até as 19:35h do dia 13/08/2007. Somente entidades com registro sindical no MTE; sindicatos com solicitação concluída e validada.

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oportunidade quase secular. Apesar da reforma sindical ser um compromisso funda­mental com a CUT, ela não aconteceu porque não era uma prioridade do governo.

Em que pese a não realização ou realização parcial da reforma, vem ocorrendo um movimento de reorganização das estruturas e centrais sindicais, e um rearranjo políti­co das vertentes do sindicalismo. Nesse movimento, aparentemente quem perde são justamente as maiores centrais sindicais, CUT e FS, embora seja ainda muito cedo para fazer afirmações enfáticas. Até porque nos últimos anos, mais da metade dos sin­dicatos nunca se filiaram a nenhuma central sindical. Agora, se aprovado o reconheci­mento das centrais, os sindicatos não serão onerados em nada por se filiarem a uma central, já que apenas transferirão parte da cota do MTE para a central indicada, que pode facilitar esse processo de filiação. Quem mostrar o «melhor serviço» na perspec­tiva dos sindicatos, seja a combatividade na defesa dos interesses dos trabalhadores, seja a assistencialismo, ganhará os corações e as mentes dos sindicatos. O embate con­tinua.

E continua também por outro lado. Mesmo sem reforma sindical, a reforma trabalhis­ta continua na agenda, pautada pelos empresários e pela mídia. E numa correlação de forças extremamente desigual. Se os sindicatos fossem fortes e bem organizados, se poderia ter uma situação mais equilibrada para essa negociação, e talvez até dispen­sando a tutela do Estado. Mas sem garantias para a organização no local de trabalho e sem a obrigatoriedade da negociação coletiva, não há equilíbrio nesse jogo.

É inconcebível que um país como Brasil, que se coloca como importante ator regional e global, que tem fortalecido os processos de diálogo social e avançado enormemente na democratização social, continue com um sistema sindical arcaico, autoritário e muito distante das mínimas exigências propostas pelos direitos fundamentais do tra­balho da OIT. Busquemos dias melhores.

Referências

Carvalho, Lejeune M. G. «Reforma Sindical: propostas do FST representam grandes avanços no sindi­calismo brasilieiroп in: <www.espacoacademico.com.br/038/38ccarvalho.htm>. Página capturada em 13/8/2007.

Costa, Hélio da e Ladosky, Mario H. Um balanço da atuação da CUT-Brasil (2003-2006). São Paulo: 2006 (mimeo).

Dieese. Anuário dos trabalhadores – 2006. São Paulo: DIEESE, 2006.Escola Sindical São Paulo. Debates e Reflexões nº 11 - A reforma sindical e a proposta da CUT. Escola Sin­

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NUEVA SOCIEDAD 211Reiner Radermacher y Waldelli Melleiro / Mudanças no Cenário Sindical Brasileiro sob o Governode Lula

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Este artículo es la versión original en portugués de «El sindicalismo bajo el gobierno de Lula», incluido en NUEVA SOCIEDAD Nº 211, septiembre-octubre de 2007, ISSN 0251-3552, <www.nuso.org>.