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REGIÕES BIOCLIMÁTICAS DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

Maria Aparecida Teste PARRAHelmut TROPPMAIR

Introdução

Há muito tempo o homem se interessa pelo estudo dos padrões de comportamento dos elementos que atuam na dinâmica climática. As condições atmosféricas se refletem di-retamente nas várias e diversificadas atividades humanas, desde o ar que se respira, a água e o alimento que se ingere, e principalmente nas formas de proteção contra as intempéries, como vestuário e abrigo. O estudo do clima ocupa posição central e importante no amplo campo da ciência ambiental.

Entre os elementos climáticos, salvo a precipitação, a temperatura provavelmente seja o elemento mais investigado do tempo atmosférico, em virtude de sua extrema importância nas manifestações essenciais da vida. Dos vários fatores que influenciam a distribuição da temperatura sobre a superfície, destacamos: a presença de corpos hídricos, o relevo, os ventos predominantes, as correntes oceânicas e a continentalidade.

Embora não sendo o mais estudado, o vapor d’água é o componente atmosférico mais importante na determinação do tempo e do clima. Sua quantidade na atmosfera está intimamente relacionada com a temperatura do ar e com a disponibilidade de água na su-perfície terrestre. Essa quantidade influencia a taxa de evaporação e de evapotranspiração, determinando a sensação percebida pela pele humana e, conseqüentemente, o conforto ou o desconforto.

A umidade relativa, que é a quantidade de vapor d’água contida na atmosfera, é forte-mente influenciada pela temperatura do ar. As maiores amplitudes térmicas diárias ocorrem nos trópicos, em decorrência das variações da temperatura, variando inversamente com a umidade: mais baixa no começo da tarde e mais elevada à noite. As variações sazonais são também mais significativas nos trópicos úmidos, atingindo valores mínimos na estação seca.

Os índices de variação térmica anual nos trópicos são menores se comparados aos índices ocorridos nas áreas extratropicais. A topografia exerce efeito significativo sobre a temperatura, o que é verificável ao propiciar alívio ao calor opressivo reinante nas depressões em clima tropical. O índice de variação térmica é maior na estação seca, pois na estação chuvosa, sob condições de céu nublado, os efeitos da radiação são reduzidos, mantendo maior uniformidade térmica. As variações sazonais da temperatura do ar nos trópicos diminuem em torno das faixas equatoriais e aumentam nos interiores continentais.

A umidade relativa do ar é tão importante para o ser humano quanto a temperatura. Taxas de umidade relativa do ar entre 30% a 70% são as mais confortáveis para o homem. Índices superiores a esses, registrados nos trópicos úmidos, causam desconforto muito gran-de ao ser humano; da mesma forma, em temperaturas baixas, aumenta a sensação de frio.

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Objetivos e Metodologia

A presente proposta de divisão bioclimática intentou privilegiar a interação entre o clima e o homem, visando melhor compreender a organização e o uso racional do espaço sul-mato-grossense. Buscou-se também destacar a importância da ciência geográfica para esses estudos, que têm sido objeto de interesse das mais variadas áreas do conhecimento.

O objetivo central desta pesquisa é a proposição da delimitação e da caracterização de regiões bioclimáticas para o Estado de Mato Grosso do Sul, com base na técnica de índice de sensação de conforto térmico. O nomograma escolhido para delimitar o Índice de Conforto nesta pesquisa foi o de Terjung (1966), que foi adaptado por Costa (1969). Posteriormente, foi testado e comprovado por Castelo (1985) como metodologia para delimitação de espaços bioclimáticos e biogeográficos.

Essa escolha baseou-se não só na facilidade que o nomograma apresenta, em forma gráfica, mas também, considerando sua aprovação como metodologia aplicada ao território paulista, espaço contíguo ao sul-mato-grossense, uma vez que há extensão das características climáticas daquela para essa unidade federativa.

Foram coletados, processados e analisados dados mensais de temperatura (médias mensais, média das máximas mensais e média das mínimas mensais) e médias mensais de umidade relativa do ar de 12 (doze) estações meteorológicas do INMET e de mais uma da EMBRAPA, referentes ao período de 1975 a 1989. Os dados acima referenciados foram colocados em trinta e seis (36) quadros, com cento e noventa cinco (195) quadrículas cada um, subdivididas, para conter informações de temperatura e umidade relativa, e um peque-no círculo no centro, onde foram representados, conforme a cor, os índices de sensação de conforto equivalentes a cada localidade, para cada ano e mês, para as situações de média das mínimas, média das máximas e média mensal .

Para facilitar a visualização das informações plotadas nas quadrículas dos quadros, foi elaborada uma coleção de 15 (quinze) mapas, de Mato Grosso do Sul, em escala reduzida, específicos para cada estação do ano e cada situação de conforto para temperaturas mínima, máxima e média. Seguiram três mapas de Mato Grosso do Sul, resumindo as condições sazonais da média das temperaturas mínimas, máximas e médias do período de 1975-1989. Nos mapas das coleções, as 12 (doze) localidades, implantadas de modo pontual e devida-mente espacializadas, receberam legendas para as representações dos Índices de Conforto.

A partir dessa etapa, optou-se pela representação dos mapas de modo de implantação zonal e equivalência das condições das temperaturas mínimas, para situação de conforto noturno, e das máximas, para conforto diurno.

A representação sazonal para verão, outono, inverno e primavera da série temporal das situações de conforto diurno, noturno e médias, foi demonstrada em mapas, três do Estado de Mato Grosso do Sul, em escala maior que a anterior, representando a espacialidade das sensações de conforto, com auxílio do traçado de isolinhas.

A seguir, os espaços da condição geral das situações noturnas, diurnas e médias de conforto foram deduzidos para o Estado de Mato Grosso do Sul.

Por fim, chegou-se ao mapa síntese, onde se estabeleceram sobre uma maquete do

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relevo de Mato Grosso do Sul (escalas horizontal 1:1.500.000 e vertical 1:40.000), os pos-tos meteorológicos e, com base nos Índices de Conforto para o período de 1975 a 1989, as linhas que delimitaram as regiões bioclimáticas.

Em se tratando de estudo climático, a altimetria é importante. Uma vez conhecidas as unidades topográficas distintas, a correlação entre as características climáticas e as fisiográficas pôde ser estabelecida de imediato. A representação cartográfica foi imprescin-dível para este estudo bioclimático de cunho geográfico, em atendimento aos princípios de localização e extensão.

Características climáticas do espaço sul-mato-grossense

O espaço geográfico do Estado de Mato Grosso do Sul, circunscrito entre os vales dos Rios Paraná e Paraguai, encontra-se na confluência dos principais sistemas atmosféricos da América do Sul. Apesar da posição geográfica – baixa latitude – , a região compreendida pela Bacia do Rio Paraná, com seus vales convergindo para o sul, favorece o avanço das massas polares, que rapidamente se tropicalizam. Por outro lado, a posição geográfica representada pela baixa latitude não a deixa a salvo da influência da massa equatorial no verão.

Diversos fatores físico-geográficos e dinâmicos explicam o comportamento da temperatura no Estado de Mato Grosso do Sul. Se na primavera e no verão, o calor é quase uma constante, são comuns dias muito frios no inverno. Em Mato Grosso do Sul, durante o inverno, imediatamente após a passagem da frente polar e da chuva frontal, a umidade é muito grande, geralmente acima de 95%. Dias depois, há rápida elevação das temperaturas, com forte redução da umidade, até a chegada de nova frente polar.

Na primavera e no verão, as temperaturas mantêm-se elevadas quase que diariamen-te, em quase todo o Estado. As temperaturas mais elevadas do Estado de Mato Grosso do Sul registram-se no Pantanal Mato-grossense, vasta área de baixas altitudes e densa rede hidrográfica.

Na depressão da planície pantaneira, os índices da umidade relativa do ar são ele-vados durante o ano todo. No verão, com médias superiores a 85%, o desconforto térmico é determinado mais pela excessiva quantidade de vapor d’água na atmosfera do que pela temperatura. Nos planaltos, a baixa umidade relativa do ar no inverno intensifica os efeitos da estiagem.

Outro aspecto do regime térmico a ser destacado é a variabilidade da temperatura em período máximo de 24 horas. As máximas temperaturas registradas nas horas do dia chegam a 30º C no aquecimento pré-frontal, caindo rapidamente, próximo ou abaixo de 0º C, quando sob o domínio da massa polar.

O alinhamento topográfico, disposto no sentido longitudinal, exibe feições morfo-lógicas bem definidas: a planície, a oeste; o planalto, a leste. Essa disposição exerce influ-ência no comportamento da dinâmica atmosférica de Mato Grosso do Sul. Se por um lado a depressão da Planície do Pantanal funciona como corredor para a penetração das massas polares no inverno, por outro, é responsável pelas condições do tempo abafado no verão.

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Enquanto isso, sobre os chapadões do Planalto Sedimentar do Paraná, onde a altimetria varia de 550 a 700 metros, as temperaturas são mais amenas, o que colabora para a sensação de “conforto” térmico.

Considerando que os fatores morfológicos – seja a altitude, seja a orientação do relevo –, associados à dinâmica atmosférica regional, interferem na variabilidade da temperatura, esta última pode ser objeto de estudo se analisada em detalhes e conjuntamente – umidade relativa do ar com temperaturas máximas e mínimas diárias –, a fim de precisar os níveis de sensação de conforto no Estado de Mato Grosso do Sul.

Regiões Bioclimáticas do Estado de Mato Grosso do Sul

Três grandes regiões podem ser reconhecidas por meio das combinações conjugadas para o estado de Mato Grosso do Sul:

A - Região bioclimática das planícies e depressões quentes/abafadas (A-1. Planícies e pantanais sul-mato-grossenses, A-2. Depressão de Coxim, A-3. Depressão do Apa-Aquidauana-Miranda, A-4. Serra e morros isolados);

B - Região bioclimática dos chapadões e planaltos quentes (B-1. Chapadão das Emas e do Rio Corrente, B-2. Chapadão de São Gabriel, B-3. Planaltos interiores arenosos, B-4. Vale do Paraná);

C - Região bioclimática dos planaltos ventilados/confortáveis (C-1. Serra de Ma-racaju, C-2. Planalto de Dourados, C-3. Divisores das sub-bacias meridionais).

Na primeira Região Bioclimática (A), das depressões e planícies quentes/abafadas, as temperaturas apresentam-se elevadas durante o ano todo, com média anual de 25ºC. Em análise das temperaturas máximas, nota-se que estas se mantêm elevadas até mesmo no outono-inverno, superiores a 26ºC, e nunca inferiores a 30ºC na primavera-verão. As temperaturas mínimas apresentam-se superiores a 21ºC, salvo nos meses de junho, julho e agosto, quando há oscilações para até 16ºC; nesse período, é comum ocorrer registro diário de 5ºC e próximo a 0ºC em anos esporádicos.

O desconforto para o calor, que predomina o ano todo no Pantanal sul-mato-grossense, está relacionado principalmente à presença da Massa Tropical Continental, que proporciona calmaria sob elevadas temperaturas e umidade do ar. Quanto às quedas bruscas de tempera-tura, elas ocorrem quando do avanço da Frente Polar Atlântica pela calha do Rio Paraguai. Estas análises confirmam os estudos constatados por Zavatini (1990), quanto a participação efetiva da Massa Tropical Continental, superior a 30% nesta região biclimática, e da atuação das correntes do sul que chegam a alcançar 40%.

A segunda Região Bioclimática (B), dos chapadões e planaltos quentes, diferen-temente das demais regiões, está sob domínio da Massa Tropical Atlântica, que atua de nordeste para o centro do Estado de Mato Grosso do Sul, colocando o Planalto Arenoso sob forte influência. As temperaturas da cidade de Paranaíba, localizada no extremo nordeste da região, divergem se comparadas à cidade de Três Lagoas, posicionada junto à calha do Rio Sucuriú e aos grandes lagos do Complexo Hidrelétrico de Urubupungá.. O outono-inverno

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é confortável, mas a primavera-verão é desconfortável para o calor, com índices muito elevados, que alcançam na classe de sensação de conforto o “Calor Excepcional”. Zavatini (1990) observa que esta região está controlada por correntes intertropicais, com destaque de participação de 30% da Massa Tropical Atlântica e seu ramo continentalizado.

Já as baixas altitudes junto à calha do Rio Paraná favorecem penetrações rápidas de invasão da massa polar vindas do sul, imprimindo índices desconfortáveis para “Muito Frio” em alguns meses do outono-inverno. As temperaturas máximas são elevadas em to-das as estações do ano (superiores a 29º C no outono-inverno e 32º C na primavera-verão), atingindo índices de desconforto para o Calor Excepcional no verão e provocando grande amplitude térmica no outono-inverno.

Na Região Bioclimática dos planaltos ventilados/confortáveis, pode-se reconhecer duas grandes estações quanto à sensação de conforto: outono-inverno são confortáveis e primavera-verão são desconfortáveis para o calor. A sensação de conforto é determinada pela maior atuação da Massa Polar Atlântica, se comparada as demais participações, na região bioclimática delimitada; que segundo Zavatini (1990) ocorrem participações equilibradas dos fluxos extratropicais (50%) com os intratropicais (20 a 30% - TA/TC e 10 a 20% - TC)

O divisor fluvial onde está a cidade de Campo Grande é o espaço que reúne as me-lhores condições para sensação confortável dentro do Estado de Mato Grosso do Sul. As temperaturas mínimas, entre 15 e 21º C, representativas das noturnas, apesar de conduzir para índices de sensação desconfortável para o frio de junho a setembro, garantem noites confortáveis para os demais meses do ano.

Enquanto Ponta Porá, na “cuesta”, está sujeita a freqüentes invasões de massas pola-res favorecidas pela topografia suave do país vizinho, o Paraguai, contrasta com as demais regiões bioclimáticas, por apresentar-se desconfortável para o frio no outono-inverno e confortável na primavera.

A sensação de desconforto e conforto em construções populares

O Estado de Mato Grosso do Sul, em razão de suas características topográficas, baixa latitude, e dinâmica climática, apresenta diversidade quanto à sensação de conforto. A maior diversidade climática pode ser constatada em relação à temperatura do ar, quando combinada com a umidade entre outono-inverno e primavera-verão no conforto ou descon-forto térmico. Apesar dessa variedade, a maior parte do espaço sul-mato-grossense possui características que possibilitam razoáveis condições de conforto térmico, desde que as orientações bioclimáticas locais sejam respeitadas no planejamento urbano e habitacional.

Considerando que as Regiões Bioclimáticas delimitadas apresentam-se desconfortá-veis para o calor no verão e a grande maioria também na primavera, cinco centros urbanos representativos receberam análise: Aquidauana, Campo Grande, Corumbá, Dourados e Três Lagoas. Em Corumbá predomina o desconforto para o calor e apenas no inverno registra-se conforto. Em Ponta Porã há desconforto para o frio no outono-inverno e conforto na primavera. Campo Grande é o exemplo de cidade mais confortável dentre as analisadas.

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Porém, a inexistência de planos diretores e planos setoriais desencadeou loteamentos em áreas impróprias, que, na maioria das vezes, ocorrem em atendimento à demanda dos empreendedores imobiliários que atuam junto ao poder público municipal, com objetivos especulativos.

Também a baixa exigência da população local e a falta de mecanismos de fiscalização quanto ao baixo grau de compromisso dos profissionais e dos empreendedores de projetos promovidos pelo poder público, facilitam a imposição por parte das empresas de condições de desconforto que recaem sobre o consumidor final, ou seja, os usuários das edificações públicas e das moradias populares.

Quando o conforto térmico não é garantido, as condições pertinentes ao descanso e ao bem-estar humano são comprometidas. O descanso é uma necessidade fisiológica que exige a menor tensão térmica, acústica e muscular possível. Cabe à habitação fornecer con-dições que cumpram essas exigências, do contrário a recuperação física será insuficiente. Assim sendo, o bem-estar como busca coletiva de melhoria de vida, atende ao princípio básico da cidadania.

Não se pode estar indiferente a realidades extremamente conflitantes que podem ser observadas no Estado de Mato Grosso do Sul. Em face da rápida e recente ocupação não-índigena, depara-se com o intenso uso de coberturas com material industrializado nas habitações, em áreas de permanência de grande público, tais como: escolas, universidades, estações de espera para coletivos, centros de saúde e hospitais. Por outro lado, a poucos metros dos centros urbanos com essas construções, é possível vislumbrar uma palhoça indígena, com cobertura de capim sapé ou com folhas da palmeira bacuri, um símbolo da adequação da matéria-prima ao clima local.

Conclusão

Ao longo desta pesquisa, conseguimos delimitar três espaços bioclimáticos: 1-) das planícies e depressões quentes abafadas; 2-) dos chapadões e planaltos quentes; 3-) dos planaltos ventilados confortáveis; sendo cada qual com características bioclimáticas pró-prias, das quais procuramos desvelar algumas informações distorcidas quanto à sensação de conforto no Estado de Mato Grosso do Sul. É curioso que em referência às caracterís-ticas climáticas de Campo Grande, quando comparadas às de outras unidades federativas, nota-se que a maior impressão na memória popular é a de que essa capital é muito quente. Isso ocorre porque há uma certa tendência a relacioná-la a Cuiabá, que possui altitude e parâmetros climáticos semelhantes aos de Corumbá.

Deve-se destacar também algumas formas de vida desencadeadas a partir de adap-tações às condições climáticas, que passaram a imprimir aspectos culturais e econômicos caracterizadores da região. Em espaço bioclimático “Muito Quente Abafado”, a exemplo da planície pantaneira e seu entorno, determinadas atividades físicas, com exposição direta ao sol, ao meio-dia, inclusive caminhadas de longo percurso, devem ser evitadas, por des-pender grande quantidade de energia. Somente quem experimenta, com vivência por um tempo mínimo em região de elevado índice de desconforto para o calor, consegue entender

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que o hábito do repouso após a refeição do meio do dia, a “sesta”, é pertinente ao horário em que não se deve expor o organismo em condições térmicas que exijam grandes esforços físicos. Em Corumbá, as atividades comerciais permanecem quase que paralisadas nas horas mais quentes do dia, sendo que a maior parte dos estabelecimentos apresenta horário de fechamento para o almoço.

Também foi necessário desvelar que a população sul-mato-grossense não ficou a salvo dos modismos impostos pela indústria de materiais de construção, em nome da eco-nomia e em prejuízo do conforto. A substituição das telhas de argila por cimento-amianto, nas coberturas das moradias populares, não obedeceu apenas a uma questão de preferência econômica, mas também ao interesse da indústria da construção civil que assumiu papel relevante na política habitacional, impondo seus produtos para que fossem consumidos nas obras do governo. O emprego da cobertura de cimento-amianto, inicialmente aplicado nos projetos habitacionais, foi visto como inovador, pelo baixo custo, e a aceitação generalizou seu uso nas construções populares das cidades de Mato Grosso do Sul.

Quanto à economia base de sustentação de cada região bioclimática, recebeu aborda-gem no momento em que os aspectos pertinentes estavam sendo enfocados, seja a indústria extrativa, turística ou a agropecuária, desde que as condições físicas estruturais (geológicas, pedológicas e geomorfológicas) se combinassem com as climáticas.

Esta proposta bioclimática representa mais uma contribuição. Ela serve como alerta de que não apenas a temperatura, como elemento isolado, mas também em combinação com a umidade, pode determinar a sensação de conforto ou desconforto na qualidade de vida da população sul-mato-grossense. Estudos mais aprofundados, bem como a criação de técnicas mais adequadas, poderão ser desenvolvidos visando ao bem-estar do homem local, a fim de afastar o risco da importação de tecnologias e de soluções inadequadas e antieconômicas para os trópicos.

Referências

CASTELO, G. C. D. - Sensação de conforto como metodologia para delimitar espaços bioclimáticos e biogeográficos do Estado de São Paulo. 1985. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro.COSTA, W. G. da - Aspectos Bioclimáticos: índice de conforto humano para o Estado de São Paulo. 1979. Monografia (Aperfeiçoamento em Geografia) - Departamento de Geografia, Universidade Estadual Paulista, Campus de Rio Claro.PARRA, M. A. T. – Regiões Bioclimáticas do Estado de Mato Grosso do Sul. 2001. Tese (Doutorado em Geografia) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro.TERJUNG, W. H. - Physiologia climates of the conteriminous United States: a bioclimat classification based on man. Annals of the Association of American Geographers, v. 56, n. 1, p. 141-179, 1966.

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ZAVATINI, J. A. - A dinâmica atmosférica e a distribuição das chuvas no Mato Grosso do Sul. 1990. Tese (Doutorado em Geografia) – Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.