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CYAN MAGENTA AMARELO PRETO TAB 36 JORNAL DO BRASIL Domingo, 21 de dezembro de 2008 Convênio firmado entre o Jornal do Brasil eo Instituto Ciência Hoje apresenta todo domingo textos baseados em artigos publicados na revista Leia mais na revista Ciência Hoje, edição de dezembro JB 114 GEOLOGIA Reflorestamento natural no Marajó Fatores geológicos são determinantes para o processo de avanço da floresta na ilha Dilce de Fátima Rossetti INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS (INPE) A presença de savanas em meio a florestas densas é registrada em várias áreas da Amazônia. Essas ocorrências chamam a atenção, porque savanas são típicas de áreas que tendem à aridez, enquanto o clima característico da floresta ama- zônica é úmido. Várias hipóteses tentam explicar esses contrastes de vegetação, mas o tema ainda gera divergências. Estudos recentes mostram que o avanço de florestas sobre savanas na ilha do Marajó é impulsionado por fenômenos geo- lógicos ocorridos há alguns milhares de anos e que resultaram na se- paração dessa ilha do continente. As hipóteses para explicar a ocorrência de áreas de savana em meio à floresta amazônica relacio- nam o contraste de vegetação a mudanças de nutrientes no solo, a variações microclimáticas ou a eventos glaciais ocorridos entre 1,8 milhão e 11 mil anos atrás (no Pleistoceno). Essas hipóteses, po- rém, são polêmicas e as evidências são ainda muito discutidas. Laboratório natural A ilha do Marajó, maior ilha fluvial do mundo, situada na foz do rio Amazonas, tem uma área de cerca de 40 mil km 2 . Essa ilha é um laboratório natural para investiga- ções sobre diferenças de vegetação na região amazônica, pois sua ve- getação apresenta um contraste brusco que divide a ilha em dois setores: um ocidental, com pre- domínio de floresta densa tropical, e um oriental, com savana – os campos abertos do Marajó – en- tremeada por savana arbórea e por manchas de cerrado. Estudo realizado por pesquisa- dores de diversas instituições reuniu grande volume de dados a partir dos quais é possível afirmar que a ilha do Marajó está ampliando sua cober- tura florestal de oeste para leste em um processo iniciado no final do período geológico do Pleistoceno e que persiste até hoje. Uma importante conclusão das pesquisas é a de que o crescimento de floresta na ilha do Marajó é determinado fundamentalmente pela evolução geológica que en- volve a formação da ilha. Esse fato possivelmente teve maior influên- cia do que variações climáticas ou do que modificações no conteúdo de nutrientes do solo. Os estudos também revelam que, até o final do Pleistoceno, a área ocupada hoje pela ilha do Ma- rajó estava ligada ao continente. Excelente evidência disso é a pre- sença de inúmeros rios, hoje aban- donados, na paisagem da ilha. Da- dos obtidos por satélite revelam que, como peças de um quebra-ca- beça, esses rios se encaixam com antigos leitos no continente. A expansão da floresta Um acontecimento fundamen- tal para o desenvolvimento da atual bipartição entre floresta e savana na ilha foi o afundamento de sua mar- gem leste. A relativa estabilidade dos terrenos da porção oeste da ilha promoveu o avanço da floresta so- bre áreas antes ocupadas por canais fluviais enquanto o leste da ilha teve maior dinamismo ambiental. Embora a influência de mu- danças climáticas não possa ser des- cartada, o suave rebaixamento do leste da ilha resultou em alaga- mento, mudando a paisagem local, principalmente em função do au- mento da influência de processos marinhos. Com isso, áreas de flo- resta tipicamente amazônica foram sendo substituídas por uma mistura de floresta, savana e mangues. A partir de 6 mil anos atrás, houve drástico decréscimo da flo- resta, ao mesmo tempo em que as savanas se expandiram por todo o leste da ilha. Até os dias atuais, essa região continua a ser alagada anual- mente e as árvores só conseguem se estabelecer nas poucas áreas pro- tegidas das inundações. Essas áreas são cordões alongados formados pelo acúmulo de areia ao longo de leitos fluviais que foram abando- nados na paisagem. A tendência de afundamento do leste da ilha do Marajó vem sendo progressivamente compensada nos últimos milhares de anos pela es- tabilização do terreno, o que faz com que a vegetação de savana seja, aos poucos, substituída por florestas. Estudos da matéria orgânica pre- servada nos sedimentos confirmam o avanço da floresta (a oeste) sobre savanas (a leste), um processo que teve início há cerca de 11 mil anos (últimos estágios do Pleistoceno). Além disso, observa-se que a ve- getação de terra firme tem se es- tabelecido sobre os canais e barras abandonados, originando mosaicos de floresta e savana. À medida que as planícies de inundação tornam-se mais secas, são invadidas por es- pécies de floresta de terra firme. Os cientistas estão agora inte- ressados em investigar se o modelo de evolução da vegetação visto na ilha do Marajó pode ser aplicado em formações similares de savana e flo- resta em outras áreas da Amazônia. ECOLOGIA Fragmentação favorece crescimento de saúvas Processo observado na mata atlântica nordestina pode ocorrer no Sudeste Igor Waltz CIÊNCIA HOJE/RJ A devastação da mata atlântica pode ser a causa do aumento da quantidade de formigas saúvas na mata, o que ameaçaria ainda mais esse bioma já fragilizado. De acordo com um estudo recente, a densidade de colônias de saúva em remanescentes pequenos e em bordas de grandes áreas da floresta atlântica nordestina é cerca de 20 vezes maior do que nas áreas conservadas da flo- resta amazônica. A pesquisa analisou a po- pulação de saúvas-limão e saúvas-da-mata em rema- nescentes de floresta em Pernambuco e Alagoas desde 2001 e conclui que o aumento das colônias pode ser con- seqüência da maior oferta de alimentos. – Com a fragmentação, há um pre- domínio de plantas de luz, ou pioneiras, em detrimento das plantas de sombra, próprias de florestas maduras e conservadas. As plan- tas de luz crescem mais rapidamente, mas sem as defesas naturais contra predadores. Tendo mais plantas sem defesas próximas aos ninhos, as formigas gastam menos ener- gia na busca de alimentos e mais energia para produzir rainhas, o que leva a um maior número de colônias adultas –, explica a bióloga Inara Roberta Leal, da Univer- sidade Federal de Pernambuco (UFPE), responsável pela pesquisa em parceria com pesquisadores da Universidade de Kaisers- lautern, na Alemanha. O desaparecimento de inimigos naturais das saúvas, como tatus, tamanduás e al- gumas aves, provocado pela degradação do ambiente é, segundo a pesquisadora, uma causa adicional da proliferação da espécie. Recuperação mais difícil Apesar de os estudos se concentrarem na floresta atlântica do Nordeste, Leal observa que há indícios de que o aumento da densidade de saúvas esteja acontecendo também nas áreas de floresta atlântica do Sudeste e nas áreas desmatadas na Ama- zônia. O aumento pode gerar prejuízos à agricultura, pois grande parte das áreas de florestas desmatadas dá lugar a plantações. – Os agricultores, em geral, usam agro- tóxicos no controle das saúvas, o que pode causar danos ambientais, como contami- nação das nascentes e do solo --, alerta a pesquisadora da UFPE. VORAZES saúvas são consideradas pragas para a agricultura GANHO DE TERRENO – mata se expande para a porção leste da ilha

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Page 1: Reflorestamento natural no Marajó - DSR/INPE · artigos publicados na revista Leia mais na revista Ciência Hoje, edição de dezembro JB 114 ... dores de diversas instituições

CYAN MAGENTA AMARELO PRETO TAB 36

JORNAL DO BRASIL Domingo, 21 de dezembro de 2008

Convênio firmado entre oJornal do Brasil e o InstitutoCiência Hoje apresenta tododomingo textos baseados emartigos publicados na revista

Leia mais na revista Ciência Hoje,edição de dezembro

JB 1

14

GEOLOGIA

Reflorestamento natural no MarajóFatores geológicos são determinantes para o processo de avanço da floresta na ilha

Dilce de Fátima RossettiINSTITUTO NACIONAL DE PESQUISASESPACIAIS (INPE)

A presença de savanas em meioa florestas densas é registrada emvárias áreas da Amazônia. Essasocorrências chamam a atenção,porque savanas são típicas de áreasque tendem à aridez, enquanto oclima característico da floresta ama-zônica é úmido. Várias hipótesestentam explicar esses contrastes devegetação, mas o tema ainda geradivergências. Estudos recentesmostram que o avanço de florestassobre savanas na ilha do Marajó éimpulsionado por fenômenos geo-lógicos ocorridos há alguns milharesde anos e que resultaram na se-paração dessa ilha do continente.

As hipóteses para explicar aocorrência de áreas de savana emmeio à floresta amazônica relacio-nam o contraste de vegetação amudanças de nutrientes no solo, avariações microclimáticas ou aeventos glaciais ocorridos entre 1,8milhão e 11 mil anos atrás (noPleistoceno). Essas hipóteses, po-rém, são polêmicas e as evidênciassão ainda muito discutidas.

Laboratório naturalA ilha do Marajó, maior ilha

fluvial do mundo, situada na foz dorio Amazonas, tem uma área decerca de 40 mil km 2. Essa ilha é umlaboratório natural para investiga-ções sobre diferenças de vegetaçãona região amazônica, pois sua ve-getação apresenta um contrastebrusco que divide a ilha em dois

setores: um ocidental, com pre-domínio de floresta densa tropical,e um oriental, com savana – oscampos abertos do Marajó – en-tremeada por savana arbórea e pormanchas de cerrado.

Estudo realizado por pesquisa-dores de diversas instituições reuniugrande volume de dados a partir dosquais é possível afirmar que a ilha doMarajó está ampliando sua cober-tura florestal de oeste para leste emum processo iniciado no final doperíodo geológico do Pleistoceno eque persiste até hoje.

Uma importante conclusão daspesquisas é a de que o crescimentode floresta na ilha do Marajó édeterminado fundamentalmentepela evolução geológica que en-volve a formação da ilha. Esse fatopossivelmente teve maior influên-cia do que variações climáticas oudo que modificações no conteúdode nutrientes do solo.

Os estudos também revelamque, até o final do Pleistoceno, aárea ocupada hoje pela ilha do Ma-rajó estava ligada ao continente.Excelente evidência disso é a pre-sença de inúmeros rios, hoje aban-donados, na paisagem da ilha. Da-dos obtidos por satélite revelamque, como peças de um quebra-ca-beça, esses rios se encaixam comantigos leitos no continente.

A expansão da florestaUm acontecimento fundamen-

tal para o desenvolvimento da atualbipartição entre floresta e savana nailha foi o afundamento de sua mar-gem leste. A relativa estabilidade dos

terrenos da porção oeste da ilhapromoveu o avanço da floresta so-bre áreas antes ocupadas por canaisfluviais enquanto o leste da ilha tevemaior dinamismo ambiental.

Embora a influência de mu-danças climáticas não possa ser des-cartada, o suave rebaixamento do

leste da ilha resultou em alaga-mento, mudando a paisagem local,principalmente em função do au-mento da influência de processosmarinhos. Com isso, áreas de flo-resta tipicamente amazônica foramsendo substituídas por uma misturade floresta, savana e mangues.

A partir de 6 mil anos atrás,houve drástico decréscimo da flo-resta, ao mesmo tempo em que assavanas se expandiram por todo oleste da ilha. Até os dias atuais, essaregião continua a ser alagada anual-mente e as árvores só conseguem seestabelecer nas poucas áreas pro-tegidas das inundações. Essas áreassão cordões alongados formadospelo acúmulo de areia ao longo deleitos fluviais que foram abando-nados na paisagem.

A tendência de afundamento doleste da ilha do Marajó vem sendoprogressivamente compensada nosúltimos milhares de anos pela es-tabilização do terreno, o que fazcom que a vegetação de savana seja,aos poucos, substituída por florestas.Estudos da matéria orgânica pre-servada nos sedimentos confirmamo avanço da floresta (a oeste) sobresavanas (a leste), um processo queteve início há cerca de 11 mil anos(últimos estágios do Pleistoceno).Além disso, observa-se que a ve-getação de terra firme tem se es-tabelecido sobre os canais e barrasabandonados, originando mosaicosde floresta e savana. À medida queas planícies de inundação tornam-semais secas, são invadidas por es-pécies de floresta de terra firme.

Os cientistas estão agora inte-ressados em investigar se o modelo deevolução da vegetação visto na ilhado Marajó pode ser aplicado emformações similares de savana e flo-resta em outras áreas da Amazônia.

ECOLOGIA

Fragmentação favorece crescimento de saúvasProcesso observado na mata atlântica nordestina pode ocorrer no Sudeste

Igor WaltzCIÊNCIA HOJE/RJ

A devastação da mata atlânticapode ser a causa do aumento da

quantidade de formigas saúvas namata, o que ameaçaria ainda maisesse bioma já fragilizado. Deacordo com um estudo recente,a densidade de colônias de saúvaem remanescentes pequenos eem bordas de grandes áreas dafloresta atlântica nordestina écerca de 20 vezes maior do quenas áreas conservadas da flo-resta amazônica.

A pesquisa analisou a po-pulação de saúvas-limão esaúvas-da-mata em rema-nescentes de floresta em

Pernambuco e Alagoas desde 2001 e concluique o aumento das colônias pode ser con-seqüência da maior oferta de alimentos.

– Com a fragmentação, há um pre-domínio de plantas de luz, ou pioneiras, emdetrimento das plantas de sombra, própriasde florestas maduras e conservadas. As plan-tas de luz crescem mais rapidamente, massem as defesas naturais contra predadores.Tendo mais plantas sem defesas próximasaos ninhos, as formigas gastam menos ener-gia na busca de alimentos e mais energia paraproduzir rainhas, o que leva a um maiornúmero de colônias adultas –, explica abióloga Inara Roberta Leal, da Univer-sidade Federal de Pernambuco (UFPE),responsável pela pesquisa em parceria compesquisadores da Universidade de Kaisers-lautern, na Alemanha.

O desaparecimento de inimigos naturais

das saúvas, como tatus, tamanduás e al-gumas aves, provocado pela degradação doambiente é, segundo a pesquisadora, umacausa adicional da proliferação da espécie.

Recuperação mais difícilApesar de os estudos se concentrarem na

floresta atlântica do Nordeste, Leal observaque há indícios de que o aumento dadensidade de saúvas esteja acontecendotambém nas áreas de floresta atlântica doSudeste e nas áreas desmatadas na Ama-zônia. O aumento pode gerar prejuízos àagricultura, pois grande parte das áreas deflorestas desmatadas dá lugar a plantações.

– Os agricultores, em geral, usam agro-tóxicos no controle das saúvas, o que podecausar danos ambientais, como contami-nação das nascentes e do solo --, alerta apesquisadora da UFPE.

VORAZES –saúvas sãoconsideradaspragas paraa agricultura

GANHO DE TERRENO – mata se expande para a porção leste da ilha