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Page 1: REFLEXOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO COM O … · O conhecimento, em regra, por parte da população, da ocorrência de crimes, notadamente os mais graves e complexos, causa

REFLEXOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO COM O ADVENTO DA LEI

N.º 12.654 DE 2012

Autor: Luiz Henrique Taschetto de Almeida1

Co-autora: Liziane da Silva Rodríguez2

Visando solucionar crimes, sobretudo os de difícil resolução, criou-se a Lei n.º 12.654/2012,

que ampliou as modalidades de identificação criminal, inserindo a extração obrigatória de

material biológico e instituiu o banco de perfis genéticos no Brasil. Assim, importante

verificar os reflexos do advento da referida Lei na esfera dos seguintes direitos fundamentais:

à segurança e o de não produzir prova contra si mesmo. Para tanto, empregou-se o método de

abordagem indutivo, aplicando-se, ao final, o princípio da proporcionalidade. Também foram

utilizados os métodos de procedimento bibliográfico, monográfico e comparativo, em

estrutura compreendida em introdução, desenvolvimento e conclusão.

Palavras-Chave: Lei n.º 12.654 de 2012; direitos fundamentais; princípio da

proporcionalidade.

REFLEXES ON THE JURIDICAL SYSTEM PATRIO WITH ADVENT OF LAW N.º

12,654 OF2012

ABSTRACT

Author: Luiz Henrique Taschetto de Almeida

Co-author: Liziane da Silva Rodríguez

Aiming at solving crimes, especially difficult to resolve, was created of Federal Law nº 12654

of 2012, which enlarged the list of admissible methods for criminal identification, adding to it

the mandatory extraction of genetic material, and instituted the Brazilian database of genetic

profiles. It is, thus, important to determine the reflexes of this law upon the following

fundamental rights: the right to security and the right to silence (which should include one’s

right not to produce evidence against oneself). To that end, the inductive method was adopted,

to finish, the principle of proportionality was applied. The bibliographical, monographic an

comparative methods were employed in structure comprised in introduction, development and

conclusion.

Keywords: Federal Law nº 12654 of 2012; fundamental rights; principle of proportionality.

1

Graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Advogado.

[email protected] 2 Graduada em Direito pelo Centro Universitário Franciscano – UNIFRA e, atualmente, cursando especialização

pelo Curso de Pós - Graduação Lato Sensu em Direito Penal e Política Criminal: Sistema Constitucional e

Direitos Humanos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Membro do Grupo de Pesquisa "Ciência

Penal Contemporânea" sob a coordenação do Professor Tupinambá Pinto de Azevedo (UFRGS). Membro

também do Grupo de Pesquisa "A Proposta de Anteprojeto de Código Penal e a Constituição da República:

limites e possibilidades" sob a coordenação da Professora Vanessa Chiari Gonçalves (UFRGS).

[email protected]

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1 INTRODUÇÃO

O conhecimento, em regra, por parte da população, da ocorrência de crimes,

notadamente os mais graves e complexos, causa perplexidade, aversão e gera, instintivamente,

o sentimento de insegurança e o anseio por justiça. A partir deste contexto, e considerando que

a violência no Brasil tem se consolidado como preocupação gerando a descrença no Poder

Judiciário em razão de suposta falta de efetividade do Estado, vislumbrou o legislador a

necessidade de criação de uma ferramenta que auxiliasse a investigação criminal. Criou-se,

com o propósito apontado, a Lei n.º 12.654, de 2012, que prevê a coleta obrigatória de perfil

genético como forma de identificação criminal e a instituição de um banco de perfis genéticos.

Com efeito, mostra-se de grande relevância a realização da análise das seguintes

perspectivas: a primeira, relativa ao direito fundamental à segurança, do interesse público em

ver elucidados os crimes, proeminentemente os de indiscutível complexidade, para fins de

redução da criminalidade, e consequentemente, da impunidade; e a segunda perspectiva, do

investigado/apenado, que de acordo com o novel legislativo, e observada a situação de cada

caso concreto, poderá ter seu material genético extraído obrigatoriamente para fins de

obtenção de seu perfil genético, para comparação ainda na investigação criminal ou em casos

futuros, com materiais/vestígios encontrados, quando da ocorrência de crime ainda pendente

de solução.

Desse modo, verifica-se que há um embate entre o interesse da sociedade em ver

assegurado o direito à segurança e uma possível supressão de direitos e garantias

fundamentais do indivíduo submetido à investigação ou o já encontrado em terreno pós-

processual (apenado). Diante da sensibilidade do assunto, indaga-se: há prevalência do direito

fundamental da segurança, sobre os direitos e garantias fundamentais do indivíduo? Tem-se

que é de grande interesse a realização de pesquisa no sentido de buscar e aprofundar conceitos,

teorias, posicionamentos doutrinários que envolvem e/ou se aplicam à temática escolhida.

Para isso, utilizou-se do método de abordagem indutivo, bem como os métodos de

procedimento bibliográfico, monográfico e comparativo, buscando-se, ao final, como ponto

de equilíbrio, o princípio da proporcionalidade, por meio da análise de seus desdobramentos,

os subprincípios: da adequação, da necessidade e da ponderação (proporcionalidade em

sentido estrito).

2 LEI N.º 12.654 DE 2012 E A INOVAÇÃO LEGISLATIVA DA EXTRAÇÃO DE

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MATERIAL BIOLÓGICO NO BRASIL

Elementar providência tomada pelos órgãos de segurança do Estado é a identificação

do indivíduo suspeito da prática de determinado delito, com o fito de evitar a injustiça de

restringir a liberdade de alguém indevidamente. As modalidades de identificação criminal

previstas no ordenamento jurídico pátrio antes de 2012 (processo fotográfico e processo

datiloscópico), ao que tudo indica, foram consideradas insuficientes pelo poder legislativo,

bem como incapazes de cumprir com o papel para o qual foram designadas. Ensejaram a

reflexão dos representantes do povo no sentido de criar um novo instrumento que conferisse

maior grau de certeza e confiabilidade acerca da identificação dos indivíduos suspeitos de

transgressões normativas.

Nesse sentido, o cerne do presente estudo gira em torno do advento da Lei n.º 12.654

de 2012. Referida Lei está em vigor desde o dia 28 de novembro de 2012, sendo que sua

promulgação alterou a Lei n.º 12.037 (Lei da identificação criminal do civilmente

identificado), de 2009, e a Lei n.º7.210 (Lei de Execuções Penais - LEP), de 1984, prevendo,

de forma inédita no ordenamento jurídico brasileiro, a coleta de natureza compulsória de

material biológico como forma de identificação criminal, para composição de banco de dados

genético.

A finalidade da intervenção seria - além da identificação criminal -, de manutenção

do perfil genético desses indivíduos em banco de dados, subsidiando, desse modo,

comparações com outros materiais/vestígios encontrados nos locais onde foram cometidos

delitos para cotejos em futuras investigações.

A identificação criminal no Brasil está prevista no artigo 5º da Lei n.º 12.037 de 1º de

outubro de 2009 (BRASIL, 2009). O conteúdo deste dispositivo demonstra a possibilidade da

realização da identificação criminal a partir de três formas: a identificação por meio do

processo datiloscópico; identificação pelo processo fotográfico; e, a identificação através da

coleta do material biológico para fins de obtenção do perfil genético, sendo que esta última

fora incluída neste rol no ano de 2012, com a promulgação da Lei n.º 12.654.

No que se refere às modalidades de identificação criminal que o legislador inseriu no

direito brasileiro, a terceira e última refere-se à identificação através da coleta de material

biológico (ácido desoxirribonucleico – DNA). Esta última espécie, dentro do gênero da

identificação criminal, como já referido anteriormente, fora introduzida pela Lei n.º 12.654 de

2012. Traz em seu bojo as situações de extração de material biológico do investigado e do

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apenado, consignando que, observado o caso concreto – se se trata o sujeito passivo de um

acusado ou apenado -, a intervenção corporal ocorrerá automaticamente, obrigatoriamente.

Inovou também a Lei n.º 12.654 de 2012 ao estabelecer que i) após a identificação

criminal do acusado, e ii) após a condenação do indivíduo pelos crimes lá especificados e

supramencionados, os materiais biológicos deverão ser armazenados em banco de dados de

perfis genéticos, gerenciado por unidade de perícia criminal. Informa a lei (art. 5º-A, §1º) que

as informações contidas nos bancos de dados não revelarão traços somáticos ou

comportamentais, ou seja, apenas, em tese, indicarão o gênero do indivíduo. Os dados

depositados no banco de dados terão caráter sigiloso, devendo responder em todas as esferas

quem utilizar indevidamente (BRASIL, 2012).

3 DA APLICAÇÃO DA LEI N.º 12.654 DE 2012 E O CONFLITO DE DIREITOS

FUNDAMENTAIS

É possível inferir do exposto até então, que o interesse maior do legislador - frente à

pressão exercida pela sociedade para que crimes sejam solucionados, e à relativa fragilidade

do Estado na persecução criminal quando se refere à produção de provas que ensejam punição

para o autor do delito – com a criação de lei que prevê a obrigatoriedade de extração de

material biológico para composição de banco de dados genético, é de proporcionar às

investigações e processos criminais maior efetividade e transmitir uma mensagem de

segurança à sociedade. Considerando tal desígnio, criou-se a Lei n.º 12.654/12.

Este estatuto contém a previsão da identificação criminal por meio da coleta de

material biológico com posterior armazenamento deste material em banco de dados de perfis

genéticos, almejando a utilização do material depositado como subsídios para investigações

pontuais e futuras, por meio de comparações com materiais encontrados em crimes similares.

Portanto, disporia, assim, os órgãos de investigação criminal de mais um instrumento para a

solução de delitos de considerável complexidade, eliminando, em (relativa) tese, as dúvidas

concernentes à autoria delitiva.

Nesse sentido, inobstante as referências realizadas, é possível suscitar duas

problemáticas atinentes ao advento da referida lei: a primeira, que se pode relacionar ao

interesse público, em ver elucidados delitos, e proeminentemente os de indiscutível

complexidade, o que legitimaria a utilização das técnicas desenvolvidas no campo da genética

forense, por meio da identificação criminal pelo ácido desoxirribonucleico – DNA do

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indivíduo, cujo resultado faria às vezes de prova pericial; e, a segunda, a do acusado/apenado,

que de acordo com a Lei n.º 12.654/12, e observada a situação de cada caso concreto, sofrerá

intervenção corporal com o propósito de ter seu material biológico extraído, para fins de

identificação criminal e de comparação com outros materiais/vestígios encontrados nos locais

ou objetos relacionados ao crime cometido.

Na esfera da primeira problemática elencada, percebe-se que se trata de questão

relacionada ao direito fundamental à segurança. Diretamente relacionado à defesa social e

políticas de segurança pública. Acerca da segunda, pondera-se no sentido da possibilidade de

supressão de direitos e garantias fundamentais do indivíduo, tais como o direito de não

produzir provas contra si mesmo e a presunção de inocência. Ambas as dimensões serão

objeto de exploração nos tópicos seguintes. Além delas, será abordado, como instrumento de

mensuração da possibilidade de utilização do material biológico dos indivíduos para fins de

persecução criminal, o princípio da proporcionalidade, ou a máxima da proporcionalidade e

seus desdobramentos. O caminho que se pretende percorrer no tópico seguinte é o da primeira

problemática.

3.1 A aplicabilidade da Lei n.º 12.654 de 2012 e o direito fundamental à segurança

A Constituição Federal de 1988 prevê, em vários dispositivos, o direito à segurança.

A título de exemplo pode-se citar o preâmbulo; o artigo 5º, caput; o artigo 6º, o qual alça o

direito à segurança pública a direito social; e o artigo 144, onde está estabelecido que “A

segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a

preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio [...]” (BRASIL,

1988).

Comentando a previsão constitucional do direito fundamental à segurança, Carollo

(2013, p. 116), assim manifesta:

Recorda-se também, que a Constituição de 1988 abarcou vários bens coletivos e

difusos no rol de direitos fundamentais, v.g. meio ambiente, defesa do consumidor

etc. [...] A Constituição Federal de 1988 tem como valores destacados em seu

preâmbulo, “instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos

direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o

desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade

fraterna, pluralista e sem preconceitos”. Demonstra, assim, a clara preocupação do

legislador constituinte com a coletividade [...]

Pertinente observação faz Pedro Lenza (2012, p. 1.079), ao discorrer sobre o direito à

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segurança, expondo que a previsão no artigo 6º (da CF/88) tem sentido distinto do contido no

art. 5º (também da CF/88). Enquanto no primeiro há a ideia de garantia individual, no

segundo o conceito aproxima-se de segurança pública.

Valter Foleto Santin, fazendo uso de considerações históricas, diz que o direito à

segurança pública esteve presente na história da humanidade, em várias fases, cidades,

impérios, sociedades, assim como no Estado moderno, através de fornecimento de proteção ao

povo, com a finalidade de garantir a paz e tranquilidade da convivência social, especialmente

o direito relacionado à propriedade privada e à incolumidade pessoal (SANTIN, 2004, p. 76).

Prossegue Santin, afirmando que o direito exige do Estado, posturas negativas e

positivas. Dentre essas últimas, consta a obrigação do Estado de tomar as medidas ativas

objetivando a garantia e a concretização da ordem pública e proteção à integridade física e das

propriedades dos administrados (SANTIN, 2004, p. 76). A propósito, o aludido autor expõe

que (2004, p. 65),

A sociedade sempre possuiu um conjunto de normas para a sua organização,

disciplina e exercício do poder, destinado à paz social. O mecanismo normativo

constitui-se numa inegável forma de regulamentação da dominação ou sua

legitimação pelo direito.

Destarte, sem dúvida que é de extrema importância a criação de instrumentos que

proporcionem maior efetividade e segurança às investigações policiais. Com isso, é possível

relacionar o advento da Lei n.º 12.654 de 2012 - fonte legislativa, isto é, uma das

manifestações de postura ativa do Estado - com uma maneira de tentar atender aos reclamos

da sociedade, que almeja a resolução dos crimes ocorridos, em especial os mais complexos,

cruéis e graves. Isto é, aqueles que apresentam violência de natureza grave contra a pessoa, e

os hediondos3.

A postura ativa se consubstanciaria na aplicação de instrumentos que confeririam

maior efetividade às tentativas de identificar os autores dos crimes praticados, através da

3 “São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei n

o 2.848, de 7 de dezembro

de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados: I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica

de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III,

IV e V); II - latrocínio (art. 157, § 3o, in fine); III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2

o); IV - extorsão

mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lo, 2

o e 3

o); V - estupro (art. 213, caput e §§ 1

o e

2o); VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1

o, 2

o, 3

o e 4

o); VII - epidemia com resultado morte (art.

267, § 1o). VII-A – (VETADO) VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a

fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1

o-A e § 1

o-B, com a redação dada pela Lei n

o 9.677, de

2 de julho de 1998). VIII - favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou

adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º). Parágrafo único. Considera-se também hediondo o

crime de genocídio previsto nos arts. 1o, 2

o e 3

o da Lei n

o 2.889, de 1

o de outubro de 1956, tentado ou consuma-

do.” (BRASIL, 1990.)

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colheita de material biológico destes, e a comparação do material com os vestígios

encontrados, com a consequente punição dos transgressores, em se concluindo pela culpa do

indivíduo e diminuição do sentimento de impunidade instalado na sociedade.

É latente que, nos dias atuais, a questão da segurança pública tem destaque, em razão

dos alarmantes níveis de violência e criminalidade que assolam a sociedade brasileira e que,

inegavelmente, afetam a ordem pública e a convivência social (SANTIN, 2004, p. 90). Logo,

as alterações realizadas pela Lei n.º 12.654/12, sob determinada perspectiva, podem ser

consideradas um avanço substancial no combate e prevenção de crimes, influenciando, por

conseguinte, na busca de retomada de confiança no Estado e em seus órgãos pela sociedade.

Especificamente quanto à previsão da Lei n.º 12.654 de 2012, Norberto Avena,

discorrendo sobre a identificação criminal nela prevista, corroborando com o até então

considerado, assim se manifestou:

Na verdade, ao incluir o perfil genético no âmbito da investigação criminal,

objetivou o legislador colocar a genética forense à disposição da Justiça [...]. Levou-

se em conta ainda que é bastante comum serem encontrados, nas cenas de crimes,

vestígios capazes de permitir a identificação a parti da comparação de DNA, tais

como sangue, sêmen, fios de cabelo, saliva etc (AVENA, 2012, p.177).

Entende Avena, quanto à hipótese de identificação obrigatória do perfil genético de

condenados pela prática de crime doloso praticado com violência de natureza grave contra

pessoa, assim como em casos de crimes hediondos, discordando de parte de doutrina, que não

se trata de previsão acometida pelo vício da inconstitucionalidade, nos seguintes termos:

Consideramos, enfim, que a proibição de que o indivíduo seja obrigado a produzir

prova contra si alcança, unicamente, situação nas quais se pretenda constrangê-lo a

uma postura ativa, como, por exemplo, o fornecimento de DNA, no curso de uma

investigação em andamento, para comprovar a autoria de um crime pelo suspeito.

Isto não pode ser feito. Contudo, na situação prevista no art. 9º-A da lei 7.210/1984,

o que se estabelece é a obrigação legal de que indivíduos já condenados pela prática

de determinados crimes (graves, pela própria natureza) forneçam material biológico

a fim de compor banco de dados, que poderá subsidiar futuras investigações em

relação a delitos diversos dos que motivaram a extração (AVENA, 2012, p. 180).

Interessante notar, outrossim, que a observância ilimitada dos direitos e garantias dos

indivíduos infratores faria com que a persecução criminal não obtivesse resultado algum.

Nunca. Exatamente neste tocante, e também acerca de uma suposta eficiência dos métodos

introduzidos pela Lei n.º 12.654 de 2012, Carollo (2013, p. 123) pontua:

Necessário lembrar que, ao se determinar, de forma plena, a autoria de um delito por

meio de uma prova, DNA, por exemplo, se estará também afastando a imputação

errônea e desastrosa de um ou vários inocentes. Veja-se que o direito de não fazer

prova contra si mesmo no Brasil, possui proporções quase que absolutas, tornando a

busca de provas em que se dependa da cooperação do acusado um ato impossível.

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Portanto, depreende-se, a partir da ótica da necessidade de observância do direito à

segurança, que deve resguardar a sociedade do crime, que são importantes as intervenções

legislativas na medida em que estas instituem instrumentos e ferramentas capazes de dar

maior efetividade para o combate à criminalidade. Nesse sentido é possível relacionar o

advento da Lei n.º 12.654 de 2012, direcionando-o para este propósito. Entretanto, há de se

considerar, outrossim, a existência de previsões normativas, de caráter constitucional,

inclusive, que impossibilitam, em tese, a plena efetividade das previsões da inovadora lei.

Sendo assim, as alterações realizadas no ordenamento jurídico brasileiro, no que

atine à nova modalidade de identificação criminal, merecem análise mais detida e cuidadosa.

Isso se dá em razão dos possíveis reflexos da utilização dos dispositivos introduzidos no

ordenamento no terreno dos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos de que trata a lei,

como a mitigação de direitos fundamentais, tais como o direito de não produzir prova contra

si mesmo; a presunção de inocência; a real necessidade – finalidade - de extração de material

biológico do indivíduo investigado e do apenado; a questão do consentimento para extração; a

natureza da prova obtida através da coleta de material biológico. Pontos que devem ser

melhor analisados no próximo tópico.

3.2 Perspectiva dos direitos e garantias dos indivíduos destinatários da Lei

Preliminarmente, forçoso realizar algumas considerações acerca da tendência da

expansão do direito penal, e a flagrante demanda por provas de natureza indiscutível. Referida

problematização é amplamente abordada por André L. Callegari, Maiquel Ângelo D.

Wermuth e Wilson Engelmann (2012, p. 271-286). Segundo os autores, a expansão do direito

penal ocorre em razão da indicação do direito penal como instrumento de resposta do Estado.

Este, o direito penal, teria assumido os debates referentes à necessidade de expandir, dilatar a

sua esfera de intervenção (CALLEGARI; WERMUTH; ENGELMANN; 2012, p. 273).

Em consequência disso - do aumento da esfera de intervenção do direito penal -,

explicam Callegari, Wermuth e Engelmann (2012, p. 273), passou-se a

[...] relegarem a segundo plano princípios e garantias que davam sustentação à

teorização liberal do direito punitivo, em nome de uma maior eficiência no combate

à criminalidade. Quer dizer, passou-se a estabelecer uma relação diametralmente

oposta entre garantias e segurança, sustentando-se a tese de que o endurecimento das

leis e das medidas punitivas é imprescindível para aumentar a segurança dos

cidadãos, ainda que à custa do sacrifício dos direitos humanos e das garantias penais

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e processuais dos acusados pela prática de delitos.

Portanto se torna possível a afirmação de que os conceitos de “risco” e de “expansão”

ocupam o centro do processo de “modernização” do Direito Penal, expressando a

ideia de que a atenção à nova realidade delitiva perpassa pela ampliação do seu

campo de atuação. Isso fica evidenciado diante da constatação de que, na evolução

atual das legislações penais do mundo ocidental, verifica-se o surgimento de múlti-

plas figuras típicas novas e, não raro, o surgimento de setores inteiros de regulação.

Além disso, constata-se uma atividade de reforma dos tipos penais já existentes, no

sentido de tornar mais severas as consequências da prática delitiva

Dentre os direitos e garantias constitucionais, situam-se os direitos fundamentais de

todo o indivíduo. Esses direitos denominados fundamentais, no ordenamento jurídico

brasileiro, estão localizados na Constituição Federal de 1988, no Título II – Dos direitos e

garantias fundamentais. Por direitos fundamentais, tem-se aqueles direitos que são

Direitos público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em

dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo

dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face

da liberdade individual (DIMOULIS; MARTINS; 2014, p. 41).

Pode-se dizer que os direitos fundamentais desempenham funções diversas. Uma

delas consiste no caráter subjetivo, individual, onde os direitos fundamentais asseguram ao

indivíduo determinado valor social. Na outra, referente ao caráter objetivo, os direitos

fundamentais representam uma garantia geral, para toda a sociedade. Ambas as funções estão

previstas na Constituição Federal de 1988 (CAROLLO, 2013, p. 27).

Direito fundamental que se sobrepõe a todos os demais, sem dúvidas, corresponde ao

da dignidade da pessoa humana. Conforme aponta Maria Elizabeth Queijo (2012, p. 102):

A dignidade é da essência da natureza humana. É considerado um conceito a priori

preexistente. Assinala-se que a dignidade assegura um mínimo de respeito ao

homem pelo só fato de ser homem. Por isso, não resulta de criação normativa. A

dignidade humana não abrange apenas a liberdade, mas a garantia de condições

mínimas de existência.

Verifica-se, assim, que a dignidade da pessoa humana é um direito básico e essencial

para a existência digna e para o desenvolvimento da pessoa, abarcando, destarte, vários outros

direitos conexos, dentre eles o devido processo legal, o de não produzir prova contra si

mesmo, presunção de inocência, autodeterminação, privacidade, entre outros.

Dentre os direitos e garantias constitucionais, considera-se como alicerce de todo o

processo penal o devido processo legal, cuja observância deve ser constante em qualquer ato e

procedimento que esteja abarcado no processo penal brasileiro. O devido processo legal está

previsto constitucionalmente, no artigo 5º, inciso LIV da Constituição Federal de 1988, onde

diz:

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Art. 5º, LIV, CF/88 - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o

devido processo legal (BRASIL, 1988).

Na esteira dos direitos fundamentais, intimamente ligado à dignidade da pessoa

humana, ainda, está o direito de não produzir prova contra si mesmo, manifestação do direito

ao silêncio que, por sua vez, expresso no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal de

1988.

Nessa esteira, Maria Elizabeth Queijo, acerca do princípio nemo tenetur se detegere

(direito de não produzir prova contra si mesmo) refere que este “tem sido considerado direito

fundamental do cidadão e, mais especificamente, do acusado”4 (QUEIJO, 2012, p. 77).

Prossegue a autora, nessa linha:

[...] o princípio nemo tenetur se detegere, como direito fundamental, objetiva

proteger o indivíduo contra excessos cometidos pelo Estado, na persecução penal,

incluindo –se nele o resguardo contra violências físicas e morais, empregadas para

compelir o indivíduo a cooperar na investigação e apuração de delitos, bem como

contra métodos proibidos de interrogatório, sugestões e dissimulações. Como direito fundamental, o nemo tenetur se detegere insere-se entre os direitos de

primeira geração, ou seja, entre os direitos da liberdade. O titular de tais direitos é o

indivíduo diante do Estado (QUEIJO, 2012, p. 77).

A respeito do direito de não produzir prova contra si mesmo/direito de não

autoincriminar-se/direito de silêncio, Aury Lopes Jr. observa que o

[...] direito de silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior,

insculpida no princípio nemo tenetur se detegere, segundo o qual o sujeito passivo

não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma

atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando do

interrogatório. Destarte, através do princípio do nemo tenetur se detegere, o sujeito passivo não

pode ser compelido a declarar ou mesmo participar de qualquer atividade que possa

incriminá-lo ou prejudicar sua defesa, ressalvando-se, como explicado, a extração de

material genético (Lei n. 12.654/2012) (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 688).

A esse respeito, Constituição Federal de 1988 prevê, expressamente, no Título II,

dedicado aos Direitos e Garantias Fundamentais, o direito ao silêncio5, artigo 5º, inciso LXIII:

Art. 5º - LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de

4 Importa salientar que o “direito de não produzir prova contra si mesmo” não tem previsão constitucional do

modo como é apresentado no presente trabalho. Isto é, não está previsto na Constituição Federal. No entanto,

abordamos o referido direito como manifestação do direito ao silêncio, este previsto na Carta Magna, em seu

artigo 5º, inciso LXIII (BRASIL, 1988). 5 Salienta Maria Elizabeth Queijo o direito ao silêncio não pode ser considerado sinônimo do direito de não

produzir prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere), vez que tal equivalência corresponderia à admissão

de conceito consideravelmente restrito do direito de não produzir prova contra si mesmo. Portanto, pode-se

considerar o direito ao silêncio uma das decorrências do postulado do nemo tenetur se detegere (QUEIJO, 2012,

p. 94).

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permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado

(BRASIL,1988).

Dessa forma, apresentadas as duas perspectivas mencionadas desde as primeiras

linhas deste trabalho, impede-se a análise do entrechoque entre os direitos fundamentais

envolvidos, causado pelo advento da Lei n.º 12.654/12, bem como a aplicação do princípio da

proporcionalidade como possível forma de solução do conflito.

3.3 Direitos fundamentais em conflito e o Princípio da Proporcionalidade

A aplicabilidade dos dispositivos inseridos no ordenamento jurídico brasileiro através

do advento da Lei n.º 12.654 de 2012, está distante de ser consenso na doutrina pátria, tendo

em vista o flagrante choque de interesses envolvidos. Sendo questão nebulosa, principalmente

porque evidencia colisão de direitos fundamentais, deve-se ter cuidado com os contornos e

possíveis soluções dadas, a fim de que nenhum direito seja totalmente suplantando em

detrimento da aplicabilidade e prevalecimento do outro em determinado caso concreto. Nas

palavras de Gilmar Mendes (2012, p. 84), a colisão entre direitos fundamentais “pode decorrer,

igualmente, de conflito entre direitos individuais do titular e bens jurídicos da comunidade”,

como se denota da problemática central deste trabalho.

Com este propósito, vislumbra-se como possível equacionador do presente embate de

direitos fundamentais o princípio da proporcionalidade. Dimoulis e Martins, discorrendo

sobre o critério da proporcionalidade como método para justificar intervenções em direitos

fundamentais, bem como para resolver as eventuais colisões entre eles, assim se manifestam:

Em primeiro lugar, quando se indaga sobre as razões do “êxito” da

proporcionalidade, chega-se à sua caracterização como uma forma de resposta a

problemas concretos e conflitos envolvendo direitos fundamentais que apresenta a

vantagem de ser particularmente aberta a concretizações nacionais, sem deixar de

ser racional. Além disso, o caráter principiológico permite a adaptabilidade a

situações concretas, isto é, as mudanças nas formas de justificação e nos resultados,

mesmo no interior do mesmo ordenamento jurídico.

Por essas razões a proporcionalidade é estudada com predileção e parece

corresponder à atual postura de muitos integrantes do Poder Judiciário que

consideram o emprego de técnicas “abertas” de ponderação algo que permita o

aumento da intensidade de intervenção do Poder Judiciário no campo das decisões

legislativas sobre os direitos fundamentais, sem abdicar da necessidade de oferecer

justificativas jurídicas (DIMOULIS; MARTINS, 2014, p. 178).

Sobre o referido princípio da proporcionalidade, Aury Lopes Jr. (2005b, p. 362),

dispõe que “o princípio da proporcionalidade tem como ponto nevrálgico a ponderação dos

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interesses em conflito e realiza uma importante missão na regulamentação e aplicação das

medidas limitativas de direitos fundamentais” (grifos do autor).

Pretende dizer, o autor, que os direitos fundamentais constituem posições jurídicas, e

assim sendo, podem ser objetos de ponderação na hipótese de conflito entre direitos

fundamentais, cabendo ao Poder Judiciário resolver a questão, aplicando um ou outro,

acarretando, inevitavelmente, na limitação de alcance do direito limitado.

Por sua vez, tratando da questão da colisão entre princípios, Robert Alexy (2011, p.

93) explica:

Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de

acordo com um princípio e de acordo com o outro, permitido -, um dos princípio

terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser

declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção.

Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro

sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode

ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos

casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com o maior

peso tem precedência.

Superada a questão e retornando para a esfera de análise específica da

proporcionalidade, continua Grant (2011, p. 137), baseando-se na doutrina de Robert Alexy,

afirmando que esta se divide em outros três subprincípios, ou as “três máximas parciais”

(ALEXY, 2011, p. 116), conforme as palavras de Alexy, quais sejam: i) subprincípio da

idoneidade/adequação; ii) subprincípio da necessidade; e,3) e o subprincípio da

proporcionalidade em sentido estrito ou da ponderação.

Nesse sentido, deve-se atentar para o fato de que, com a previsão legislativa em vigor

é possível afirmar que a intenção do legislador era impor certa hierarquia entre os direitos

fundamentais. A supremacia do interesse público, com o direito à segurança, em detrimento

ao direito individual, da unidade fragmentada da sociedade, no caso, o direito de não produzir

prova contra si. No entanto, tem-se que não há como prevalecer uma concepção baseada nessa

espécie de ponderação. Nenhum direito fundamental deve extinguir, no caso concreto, o

núcleo essencial do outro. E é essa ponderação que deve habitar a mente do julgador,

analisando no caso concreto se há outra forma de resolução do conflito sem que haja a

eliminação de direito fundamental.

Em sentido contrário, Dimoulis e Martins (2012, p. 219) criticam essa ponderação de

valores retratada pelo restante da doutrina. Defendem que sob o viés jurídico, essa ordem de

valores não pode existir, porque as Constituições não estabelecem classificação de direitos

fundamentais, indicando qual direito fundamental se sobreporia sobre o outro na hipótese de

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colisão. Seguem os autores aludidos comentando sobre a inexistência de hierarquia

constitucional, possuindo, os direitos fundamentais, a mesma dignidade normativo-

constitucional. Referida hierarquização, finalizam, só pode se dar no plano político, a cargo

do legislador.

Apesar da crítica, entende-se que a ponderação é aplicável aos conflitos de direitos

fundamentais. No embate verificado no presente trabalho, tem-se através da ponderação de

que a medida de utilização de banco de dados de perfis genéticos na persecução penal não é

medida proporcional em seu sentido estrito. Isso em razão de que a gravidade que se constata

na extração coercitiva e a lesão a direitos fundamentais individuais não pode ser justificada

pela suposta proteção ao direito à segurança.

Assim sendo, percebe-se que o julgador do caso concreto, utilizou-se do princípio da

proporcionalidade e de seus desdobramentos (adequação, necessidade e proporcionalidade em

sentido estrito) para sopesar a situação com a qual deparou-se, concluindo pela

impossibilidade da extração de material biológica dar-se de forma compulsória.

Logo, observando os passos delineados acima (princípio da proporcionalidade

através da verificação da idoneidade do meio escolhido, da necessidade e proporcionalidade

em sentido estrito ou da ponderação), constata-se a possibilidade de obter-se uma solução

para os inevitáveis embates entre os direitos fundamentais.

Cabe, porém, ao legislador, dentro de suas competências, delinear acerca das

políticas criminais de uma forma que mantenha aberta a possibilidade de realização de uma

análise prudente, a partir da máxima da proporcionalidade abstrata, com a aplicação dos

subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito/ponderação

para alcançar a solução mais adequada ao caso concreto.

O mesmo se aplica ao julgador, ao deparar-se com um caso concreto que envolva

choque entre o direito à segurança e o direito de não produzir prova contra si mesmo. Deverá

o juiz ponderar no sentido de constatar, no caso que estiver à sua frente, se há mais de um

meio adequado, necessário e proporcional em sentido estrito (GRANT, 2012, p. 139) para

obter o resultado mais benéfico na medida do possível. Corrobora nesse sentido Schäfer (2001,

p. 91).

No Direito Constitucional brasileiro, em virtude de norma expressa (artigo 5º, §1º,

Constituição Federal), os direitos fundamentais possuem inegável capacidade de

produzir eficácia, ficando claro que a questão da colisão, então, é um problema

judicial, e não meramente político ou moral, ou seja, é uma questão que os juízes

devem resolver no exercício de suas funções constitucionais.

Desse modo, constata-se a importância do instrumento consistente na máxima da

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proporcionalidade, ou princípio da proporcionalidade. Haja vista a possibilidade conferida por

essa ferramenta de proporcionar o sopesamento de direitos fundamentais conferidos pela

Constituição Federal, quando em conflito, cujos núcleos essenciais trazem, implicitamente, a

dignidade da pessoa humana, que em hipótese alguma pode ser totalmente mitigada em um

caso concreto.

4 CONCLUSÃO

Primeiramente, de modo algum se pretende elencar um rol de conclusões a respeito

das questões tratadas neste trabalho. A complexidade e sensibilidade do tema e dos objetos de

análise não permitem tal desfecho conclusivo. Todavia, podem-se elencar constatações

parciais acerca da verificação do problema posto, abrangendo algumas de suas circunstâncias.

Verificou-se que a ocorrência de crimes, principalmente os de natureza violenta,

combinados com a ineficiência do Estado em combater criminalidade, tem sido fator

preponderante para o sentimento de impunidade presente no seio da sociedade. Outro fator

negativo é a deficiência dos órgãos encarregados da investigação criminal de elucidar tais

crimes. A soma dessas situações fez com que o Poder Legislativo interferisse na seara dos

direitos fundamentais, através de edição de lei ordinária – Lei n.º 12.654 de 2012.

Criou-se, como visto, um estatuto legislativo que alargou as modalidades de

identificação criminal no ordenamento jurídico brasileiro através da instituição da coleta de

material biológico e criou banco de dados genéticos no Brasil. No mesmo passo, enquanto a

medida se justificava pela defesa do direito da maioria à segurança, direitos fundamentais

individuais foram suprimidos, como o direito de não produzir prova contra si mesmo e a

presunção de inocência.

A partir da confecção do presente estudo, apurou-se que com o advento da Lei n.º

12.654, no ano de 2012, com efeito, direitos e garantias fundamentais tiveram sua esfera de

aplicabilidade consideravelmente reduzida. Dentre eles, o direito de não produzir provas

contra si mesmo e a presunção de inocência. O segundo - presunção de inocência -, conquanto

à primeira vista não se vislumbre atingido, tal percepção considera-se superada com a criação

e manutenção de um banco de dados cujo material armazenado pertence a condenados.

Todavia, tendo em conta a existência de uma colisão entre direitos fundamentais (direito à

segurança e direito de não produzir prova contra si mesmo/presunção de inocência), buscou-

se uma ferramenta capaz de, na medida do possível, harmonizar e permitir a coexistência de

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ambos direitos fundamentais em uma hipótese empírica: o princípio da proporcionalidade.

Por meio deste expediente, e mais especificamente por meio de seus subprincípios

elencados pela doutrina, a saber: idoneidade/adequação, necessidade e proporcionalidade em

sentido estrito/ponderação; mostrou-se no presente estudo que a persecução criminal não teria

viabilidade caso os direitos fundamentais individuais fossem ilimitados, como o direito não

produzir prova contra si mesmo,

Porém não se admite como possível sua total mitigação ou inobservância. Do mesmo

modo, igualmente insustentável atribuir ao direito à prova poderes e possibilidades ilimitadas

– visando, principalmente, a busca pela “verdade real”-, mormente àquelas produzidas com a

colaboração do sujeito passivo da persecução criminal, ainda que sob a justificativa de

combate à impunidade e à criminalidade.

Portanto, chegou-se a – parcial – conclusão de que a criação de um dispositivo legal

que determina a coleta de material biológico de forma obrigatória de acusados e apenados,

visando conferir maior efetividade à persecução criminal, não se configura como uma medida

que justifique a limitação de direitos fundamentais individuais. Tampouco se trata do meio

menos gravoso para obter o fim almejado, haja vista que há no processo penal constitucional

formas alternativas de se obter prova sem que se proceda em uma intervenção corporal. Sem

olvidar, outrossim, de que a carga probatória pertence exclusivamente à acusação.

No entanto, considerando que a lei que prevê tal situação está em vigor, tem-se que

cabe ao julgador, ao deparar-se com o caso concreto, sopesar os direitos fundamentais e

concluir no sentido de qual deve prevalecer sem que um deles seja totalmente mitigado.

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