reflexões sobre o movimento estudantil

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Comunidade Josef Stálin - http://comunidadestalin.blogspot.com Página 1  Alex Lombello Amaral Reflexões sobre cinco anos de  política estudantil Central Cópias. Outono de 2002 São João del-Rei – Minas Gerais

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 Alex Lombello Amaral

Reflexõessobre cinco anos de

 política estudantil

Central Cópias. Outono de 2002

São João del-Rei – Minas Gerais

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Índice:

Eleição direta não é democracia

Escola de carreiristas

Reforma nas Uniões Municipais de Estudantes Secundaristas

A bandeira mais revolucionária do programa de Córdoba

Sobre a violência nas escolas

Explicações e considerações finais

Apêndices

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Caro leitor,

Desde que constatei a indesculpável inexistência de qualquer produção teóricapor parte do movimento estudantil, planejo produzir, como despedida do mesmoe como mais uma tentativa de contribuição, um trabalho sistematizandoexperiências, constatações, conhecimentos adquiridos durante minha trajetóriade cinco anos dirigindo invasões à Reitoria e aos Bandejões da UFMG,discursando em Assembléias Gerais e Conselhos de Entidades de Base,estudando estatutos (todos muito iguais, com seus detalhes perniciosos) eparticipando de eleições permanentes.

No meio político estudantil, sem nenhuma produção teórica, sem nenhum avançocientífico, os erros se repetem tão idênticos quanto é possível.

Este trabalho é bem menos do que eu pretendia publicar (tornar publico), nãopassa de uma coletânea de reflexões, entre as quais existem, diga-se depassagem, profundas diferenças de estilo. Porém, descobri que é um sonhoimaginar que um dia haverá tempo para debruçar-me sobre o mesmo, aprofundá-lo, ampliá-lo. Além do mais, o conhecimento é uma produção social, de forma queera pura prepotência querer escrever uma obra completa.

Limitado, cheio de lacunas e provavelmente de erros é um esforço de investigaçãoe uma busca de soluções. Se conseguir despertar algum debate, mesmo orepúdio, a indignação, já terá realizado um milagre, pois terá ressuscitado umdefunto!

Ademais, não tenha medo das idéias, sobretudo das novas.

Alex Lombello Amaral, professor de história,participante do movimento estudantil entre 1993 e 1998,

em S.J.del-Rei e na UFMG, quando eramembro atuante do Partido Comunista do Brasil.

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Eleição direta não é democracia

Muito embora “eleição direta” e “democracia direta” sejam termos parecidos,muito embora eleição lembre democracia, eleição direta e democracia direta nãosão coisas idênticas, não são sinônimos e, em nossa opinião, quanto maior, maiscolossal a eleição direta, mais distante, mais inexistente fica a democracia direta.

a) Sobre as palavras e conceitos

O adjetivo “direta”, em um caso, quando aposto ao termo “eleição” significa que oseleitores escolhem um determinado candidato sem intermediários. O mesmoadjetivo em outro caso, quando aposto ao termo “democracia” significa que aspessoas têm poder elas mesmas, sem necessidade de delegá-lo.

O termo “democracia” decompõe-se. “Demos” em Atenas, onde surgiu a palavra,significava povoado, tendo sido utilizado também, após as reformas políticas deClístenes, pelas quais iniciou-se a clássica democracia ateniense, para designargrupos de eleitores, como as nossas seções eleitorais, com a diferença queutilizava-se de outra forma o critério territorial. Com o tempo o termo “demos”tornou-se, pela prática, sinônimo de “povo”, mais exatamente “povão”. O termo“cracia” referia-se a poder. Democracia portanto significa literalmente “poder dopovão”. O termo contudo é utilizado para nomear conceitos diversos. Para liberaiscontemporâneos, existe democracia onde existe uma prática democrática,independentemente de o “povão” ter ou não ter poder. Ou seja, os liberais limitama democracia ao constitucionalismo, à existência de uma Constituição quegaranta algumas liberdades básicas, às quais acrescentam a liberdade de

explorar. Sem meias palavras, “prática democrática” significa deixar oscapitalistas utilizarem suas vantagens financeiras para governarem nossas vidas.Neste texto, “Eleição direta não é democracia”, vamos utilizar o termo“democracia” em sua forma mais simples e semelhante à original - o poderincontestável da maioria dentro de determinado universo.

“Eleição” obviamente refere-se à escolha de alguém para alguma função, ou seja,para ter algum poder. Por esta exposição sumária fica já muito claro que osconceitos “eleição direta” e “democracia direta” são bastante simples e diferentes.

É evidente que não se pode, seis (6) bilhões no mundo, ou cento e oitenta (180)milhões no Brasil, ou oitenta (80) mil em uma cidade como S.J.del-Rei, reunirmo-nos em uma assembléia e decidirmos nossos assuntos. Não funcionaria! Por estemotivo, se considerarmos que é necessário democracia, temos que contentarmo-nos com uma democracia representativa, ou seja, na qual escolhemosrepresentantes nossos, que exercem nosso poder (os liberais preferem a formula“exercem o poder em nosso nome”, com a qual deixam de denominar o podercomo nossa propriedade). De qualquer forma “democracia representativa” é umterceiro conceito bastante simples e também bastante diferente dos conceitos“eleição direta” e “democracia direta”, embora todos os três se relacionem.

b) Sobre os fatos

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Claro que podemos organizar esta democracia representativa de várias formasdiferentes. Cada forma corresponde a um conteúdo na prática e esta é nossadiscussão. A eleição direta é a melhor forma para que nossa democracia seja o

mais próximo da democracia direta?

Poderíamos encerrar o assunto lembrando que no Brasil elegemos presidentes,governadores, prefeitos, senadores, deputados, vereadores, diretores de entidadese, ao final das contas, vencendo qualquer dos candidatos concorrentes, nãomandamos em nada. Mas a simples negativa é pouco para destruir uma idéia dedemocracia tão enraizada.

c) A grande inversão

Na democracia direta somos donos do poder, todos nós. Com eleições diretas,quanto maiores elas forem, tornamo-nos nada, ou um número, só um (1),tornamo-nos eleitores. O que vale um eleitor? Vale um cliente! Muito importante,como um freguês de uma loja. Assim passamos a ser tratados, com propagandade massa. Se uma lojinha perde um freguês, mal, mas nada demais. Se umagrande cadeia de lojas perde cem (100) fregueses, desconhece. No Brasil somoscento e oitenta milhões de fregueses. De tudo, que seriamos em uma democraciadireta, em eleições diretas tornamo-nos nada!

Mas a inversão não para por aí.

Nós escolhemos um vereador em nossa cidade, por vezes em nosso bairro.Conversamos com ele. O que manda um vereador em relação ao prefeito? Com o

prefeito já temos maior dificuldade de conversar, perguntar, brigar, propor.Influenciamos menos um prefeito, mas ele manda mais. Como os deputadosestaduais são em número menor que os prefeitos, acabam sendo mais difíceis,mais incessíveis,... e mais poderosos, como o provam as peregrinações deprefeitos à assembléias legislativas. Na eleição direta é assim, do vereador aopresidente da República. Quanto mais distante de nós, mais poderoso.

O presidente é eleito por milhões, o senador por centenas de milhares, odeputado federal por dezenas de milhares. Isto dá indiscutível poder moral aopresidente contra os parlamentares, que deveriam vigiá-lo e impor-lhe leis(segundo o sonho liberal e as Constituições liberais de todo o mundo), masterminam submissos ou vencidos.

Alguém pode argumentar, “São mais poderosos os que representam mais gente,isto é democrático .” Contudo, somados todos os votos para vereadores, omontante é semelhante (na quase totalidade das vezes é maior) a todos os votospara presidente da República. Mas, outra vez, a negativa é pouco argumento,continuemos.

Dá-se o mesmo dentro das universidades, onde as diretorias dos D.C.E.s, excetoquando compostas por verdadeiros democratas, arrogam-se superiores àsentidades de base (C.A.s e D.A.s) e não obedecem aos Conselhos de Entidades deBase, dado que estes não têm nenhum poder de fato sobre os D.C.E.s. Até o

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poder moral dos Conselhos de Entidades de Base (único poder de fato destesconselhos) perde para o número de votos acumulados em uma diretoria de D.C.E.

Se em nosso país não estamos mandando em nada, é forçoso reconhecer que nomov.estudantil também não, assim como no mov.sindical e outros. Os D.C.E.snão têm se movido. Os Conselhos de Entidades de Base, órgãos, normalmente,mais sadios, maduros, sérios e firmes do mov.universitário, não têm força paranada.

Os Conselhos de Entidades de Base reúnem estudantes de todas as faculdades,indicados pelos C.A.s ou D.A.s cujos membros espalham-se por várias turmasdos cursos. É óbvio que representam muito mais que um punhado dedesconhecidos vitoriosos em uma campanha de D.C.E., ou seja, em umacampanha publicitária.

Contudo, eleito diretamente, um presidente de D.C.E. não deve nada às entidadesde base. Se o presidente da UNE fosse eleito diretamente não deveria nada aosC.A.s, poderia desenvolver até uma política completamente contrária a estes, poisseria facilmente eleito pela Rede Globo , Folha de S.Paulo e cia. Teria imenso podermoral, para bajular presidentes da República e Ministros da Educação,latifundiários e representantes do capital estrangeiro, desconhecendo as nanicase desunidas entidades de base, as silenciosas salas de aula.

Mas quem se elegeria presidente da UNE? Quanto custaria uma campanha parapresidente da UNE? Quanto custa a campanha para um grande D.C.E.?

d) Democracia do capitalAs eleições diretas são típicas de “democracias capitalistas”, “liberais”. Foramdesenvolvidas pelos capitalistas em sua trajetória histórica secular e sãoinstrumentos de poder destes.

Se alguém calcular os custos da propaganda de FHC em um ano, mesmo fora daseleições, sejam oficiais ou disfarçadas de notícias, de neutras, encontrará fortunaassombrosa. Só as várias horas utilizadas pela Rede Globo em um só dia jásomam enorme fortuna.

A campanha de governador custa mais que a de senador, esta última mais que a

de deputado federal, que por sua vez é mais cara que a de deputado estadual,mais cara que a de prefeito, que ultrapassa já em muito a de vereador.

 Já vimos que é esta a ordem de poder, quanto mais longe do povo, mais poder.Acrescentemos, quanto mais dinheiro, mais poder.

Imaginemos o custo de uma campanha para dois (2) milhões de universitários,que seria para presidente da UNE. Uma pista – Em 1995 ainda, a chapa “Prá Transformar o Tédio em Melodia ” gastou R$12.000,00, doze mil reais (queequivaliam a doze mil cervejas!) em uma campanha para vinte mil (20.000)estudantes da UFMG.

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Porque um punhado de pessoas que vencem uma eleição gastando milhares dereais devem ter mais força no mov.estudantil que os representantes dos C.A.s quese elegem em campanhas no muito das vezes quase gratuitas?

Que poder temos sobre uma organização cuja eleição custa milhares de reais?Quem cobre estes custos?

e) Movimento ou mercado?

 Já comparamos um eleitor a um freguês. O mov.estudantil, tal como as eleiçõesgerais do país, está tornando-se um mercado, com a diferença que o lado melhortenta vender verdades e o pior mentiras. Mas verdades não podem ser adquiridaspor compra! Vendedores de verdades ou de mentiras, são todos comerciantes,não líderes estudantis.

Somos da opinião de que os vendedores de verdades têm vencido muitas vezes,mas o comércio continua e o movimento sumiu.

No mercado investe-se determinada quantia esperando-se retorno comdeterminada taxa de lucro. O capitalista que investe em uma campanha políticanão deixa de raciocinar em função do lucro. Os capitalistas mais politizadospensam em manter o funcionamento da sociedade na qual conseguem seremcapitalistas. Os mais pragmáticos, economicistas, só pensam no retorno direto. Éum negócio de risco, mas as taxas médias de lucro são altas. Alto risco, lucrosbons. As eleições diretas se encaixam perfeitamente como uma área da economiacapitalista.

As negociações eleitorais parecem-se, cada dia mais descaradamente, comnegociatas financeiras, com suas porcentagens, cargos etc.

Que os cargos nas chapas de D.C.E.s são negociados em função de quantidade devotos (somos fregueses ou já fomos rebaixados a ovelhas?) todos sabemos.Sobretudo cadeiras em conselhos das universidades, como o ConselhoUniversitário da UFMG, pois estas têm valor nos currículos, servem para negociarbolsas, são caras em rebanho. (Até 1998, todas as cadeiras de estudantes emConselhos da UFMG eram preenchidas por indicação das diretorias do D.C.E.)

Na política nacional os eleitores, como fregueses, compram cobertores, calçados,

sacos de cimento, com votos. Compram também asfaltamento de ruas,construção de bueiros, mata-burros etc. Há alguns mais politizados, que“contratam” (compram) advogados para determinadas causas. Todos compram,mas os mais ricos, que além de um voto têm capital, compram mais, compram osvendedores de votos e votos.

Alguém pode ainda argumentar “Mas o mercado é democrático, guia-se pela vontade dos consumidores e sendo a democracia liberal, com suas eleições diretas,um mercado, é uma democracia quase direta ”. Vejamos.

Coisa rara é fregueses debaterem entre si os negócios da loja - fornecedores, taxade lucros, produtos que devem ou não devem ser vendidos. Fregueses escolhem

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individualmente, compram individualmente. Se não estão satisfeitos, osfregueses, calados na maioria das vezes, compram em outra loja. Vez que outradebatem um pouco, vez que outra espalham boatos sobre uma loja

exageradamente inábil.

A freqüência de debates entre fregueses para decidirem o que comprar ésemelhante à freqüência de debates entre eleitores sobre como votar. Quandodebatem, debatem sobre qual entre duas porcarias fabricadas pelo capitalestrangeiro é menos vagabunda!

Sem muitas opções e sob uma chuva de anúncios, os fregueses compram o queestá sendo oferecido, muitas vezes porcarias que não utilizam duas vezes na vida.Biologicamente os seres humanos, primatas que são, têm poucas necessidadesque se resumem em comer, dormir e fazer sexo. É a produção que geranecessidades culturais. Pouca gente utilizava calçados no Brasil do século XIX.

Pouquíssima gente comia pimenta na Europa do século XI, na qual o sal eramuito caro, açúcar de cana, tabaco e chocolate inexistiam! Necessidades atuaisforam criadas pela oferta de produtos, são culturais. Que democracia há nomercado? Somos obrigados a consumir alimentos cada dia mais sujos deagrotóxicos, comprar roupas que não duram dez anos, utilizar transportesperigosos e desconfortáveis. Escolhemos isto?

Assim, nas eleições diretas, duas, três ou mais porcarias (a maioria produzidapelo capital estrangeiro, a exemplo de FHC, José Serra, Collor etc.) nos sãooferecidas, para escolhermos à vontade. Nas eleições de D.C.E. ocorre o mesmo,assim como nas de sindicatos etc.

Quando duas lojas se enfrentam na propaganda não estão debatendo. As idéiasnão avançam, não se superam. Não se respondem com freqüência, nãoconversam. Berram, como camelôs. Cem camelôs berrando juntos não estãodebatendo, só eventualmente batem boca, berram para chamar os fregueses, nãoentre si. Maior o comerciante, mais sofisticados os meios de berrar. A gargantacede lugar aos panfletos, outdoors, anúncios no rádio, na TV etc. Assim tambémsão as eleições diretas, desde a presidência da República até ao D.C.E.Candidatos quase não debatem. Não ocorre debate político, nem entre oseleitores, nem entre os candidatos e chapas.

As eleições podem ser transformadas em espaços de debates, mas são casos raros

que entram até na história: “Campanha Civilista ” em 1910, “Aliança Liberal ” em1930, “Frente Popular ” em 1989.

Com democracia direta somos, todos, poderosos, com eleições diretas existemdonos, senhores, dos quais somos somente os fregueses, quando não o rebanho.

f) A grande mentira

Saímos da ditadura militar vestindo as camisas amarelas que anunciavam “Quero votar para presidente ”. Eram as “Diretas Já ”, exigindo democracia.

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Desde a direita “Emedebista” até a esquerda, todos os oposicionistas da ditaduraingressaram na campanha das “Diretas Já ”. Quem lançou a campanha foi adireita, com Ulisses Guimarães e Tancredo Neves. Com uma patada venceram a

direita autoritária e a esquerda! Atualmente, na cultura política de milhões debrasileiros, “democracia” é uma palavra tida por sinônimo de eleições diretas. Nãoé de estranhar que já exista tanta gente desprezando a democracia!

Na época até um, então novo, partido de esquerda apoiou desesperadamente aseleições diretas, recusando-se a votar em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.Era um partido de esquerda definindo-se claramente pela democracia capitalista,política que adotou internamente em 2001. Recentemente parte da esquerda fezcampanha, apoiada pela Globo, pela Folha de S.Paulo , pelo Estado de São Paulo,pelo Estado de Minas etc., pedindo eleições diretas para a União Nacional dosEstudantes. Diziam que isto seria democratizar a UNE!

g) Democracia direta contra as eleições diretas

Com este texto, propõe-se um contra-ataque. É tempo de abolir as eleiçõesdiretas, substituindo-as por métodos democráticos à moda direta. É tempo dedestroçar as crenças liberais.

Para o mov.estudantil consideramos que o primeiro passo, que desencadearásignificativas transformações, é abolir as eleições diretas para diretorias deD.C.E., transformando os Conselhos de Entidades de Base em soberanos, comtodos os poderes das diretorias. Os Conselhos escolheriam, e deporiam quandopreciso, as secretarias de Finanças, Representação, Imprensa, Sede, assim como

comissões com os recursos para tarefas específicas: Por exemplo – Fulano,Beltrano e Sicrano encarregados, com tantos reais, para produzir x adesivossobre abolição da presença obrigatória!

O controle do dinheiro e das instalações é a chave para o poder dos Conselhos,mas abolir as diretorias eleitas diretamente é abolir um inimigo perigoso epoderoso da democracia.

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Escola de carreiristas

A substituição das eleições diretas por processos democráticos de novo tipo nosmovimentos sociais terá uma conseqüência benéfica para toda a sociedade, poisserá um golpe decisivo contra a força política da direita. O atual modelo dedemocracia do mov.estudantil, do mov.sindical e d’outros vários movimentosestimula as práticas eleitoreiras e gera uma ultra-partidarização, o que não sóbeneficia como treina carreiristas, além de degenerar ativistas inicialmente bemintencionados, pois a prática é uma escola, a mais poderosa escola. Omov.estudantil tornou-se uma escola de politicagem.

a) Ativismo

Iniciemos pelo mais visível – as eleições ocorrem todo o tempo. “Isto é 

democrático ”, pensou alguém? Vejamos. Um estudante ingressa em uma chapade C.A. e passa semanas por conta da mesma, gastando energia em combateroutros estudantes - da forma publicitária como já afirmamos ocorrerem aseleições diretas e também, normalmente, de forma desrespeitosa e baixa, comotodos sabem. Se este estudante é derrotado, tende a tornar-se oposição aosvencedores, dividindo os estudantes em blocos que dificilmente trabalhamunidos, mesmo porque normalmente se ofenderam muito durante as eleições etambém porque os derrotados normalmente pretendem voltar a disputar ocontrole sobre a entidade. Se este estudante vence, terá seu trabalho muitasvezes obstado ou dificultado pelos derrotados e outros oposicionistas, o que não éo maior problema, pois dificilmente terá tempo para trabalhar, uma vez que tendea concentrar seus esforços na participação em eleições do D.C.E., que gastam

ainda mais energia. Só isto sobrou do mov.estudantil, eleições, dividindo mais doque unindo aos estudantes. (No mov.sindical o ativismo eleitoreiro não é tão forte.As negociações salariais são o grande consumidor de tempo dos sindicalistas.)

A atuação em chapas estimula a formação ou o ingresso em agrupamentospolíticos. Quanto mais atuante um estudante, mais fácil encontrá-lo ligado a umagrupamento qualquer (partidos? Veremos!). Considerado isoladamente, esteprocesso é politizante, contudo os agrupamentos participam de várias eleições equanto mais atuante o estudante, sobretudo quanto mais atuante enquantomembro da agremiação política, em mais eleições se envolve. É um fato, osestudantes mais atuantes vivem de uma eleição para outra, desta para umcongresso e deste de volta a eleições e eleições e reuniões que planejam eleições,congressos, golpes de bastidores e negociatas. Qual a contribuição de tantaseleições para a sociedade ou mesmo para a formação política dos ativistas? Omov.estudantil está formando marqueteiros e isto é democrático? Qual ademocracia de processos em que os eleitos, ao invés de fazerem os trabalhosprometidos nas campanhas, envolvem-se em outras eleições?

b) Oportunismo

Como já discutimos, eleições são semelhantes a negociatas, eleitores a fregueses.Podemos constatar, em nossas experiências de vida, que raras eleições sãoambientes privilegiados de debate político. Sendo assim, e forjados os ativistas

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como marqueteiros, estes têm grande tendência a reproduzir o cínico ditado: “O   freguês tem sempre razão ”. Regra e ironia do mercado, no qual não se discutecom os fregueses. Hipocritamente aceita-se tudo que os fregueses afirmarem,

mesmo que uns estejam afirmando o completo oposto de outros. Tudo é aceitopara não se aceitar nada! Concorda-se com os fregueses para enganá-los e lhesimpor o que é bom para a empresa. Os fregueses precisam pensar que mandam.Em política este raciocínio de mercado é uma tragédia, sobretudo para aformação dos ativistas, pois desestimula a difusão de idéias novas, uma vez que,quando novas, as idéias são pensadas por poucos e contrapõe-se às idéias damaioria dos eleitores.

Alguém, que obviamente assim despreza a importância das idéias novas para ademocracia, pode alegar: “Mas isto é democracia, as idéias da maioria dominam .”E de onde vieram as idéias da maioria? Do nada? Algo nasce do nada? Foi amaioria do povo que cunhou as idéias veiculadas pela mídia, pelas igrejas, pela

escola? Para haver democracia não é necessário debate? Um movimento reduzidoa eleições permite debates?

Contudo, há que se concordar com o final da alegação - só existe democracia se“as idéias da maioria dominam ”. Mas como fazer para debater com milhares depessoas e faze-las conhecer idéias novas? Não há uma resposta fácil, nembuscamos uma resposta definitiva neste instante, mas certamente os partidospolíticos revolucionários e ou reformadores surgem para divulgar idéias novas.Enxergar na existência de partidos um problema é discordar da liberdade deassociação, conquistada em lutas sofridas, suadas e sangrentas. Como podem ospartidos, organizações que vários democratas lutaram para que existissemlivremente, causarem problemas para a democracia?

c) aparelhamento e partidarismo

Quando se diz que o mov.estudantil é partidarizado deve-se entender que não háproblema em partidos (assim como igrejas, associações, facções, grupos de todosos tipos) atuarem dentro das escolas e ou em influenciarem o mov.estudantil comsuas idéias, pois isto é lícito, é debate. Um problema é quando os partidos, ouquaisquer outros grupos dominam as entidades, apropriam-se das mesmas.Nestes casos, organizações que deveriam pertencer a todos os estudantes, ou atodos os trabalhadores de determinada categoria, passam a pertencer aagremiações que sequer são dirigidas por estudantes ou por trabalhadores de

qualquer categoria - desaparece todo sinal de todo tipo de democracia. Outroproblema é quando o mov.estudantil se reduz a uma arena de combate entrepartidos, de forma que até a linguagem dos militantes deixa de ser compreensívelpara os estudantes menos envolvidos. Um terceiro problema, ligado aos dois jácitados, é serem os partidos mais uma barreira para a participação dosestudantes, ou seja, organizações intermediárias, nas quais os estudantes têmque atuar para depois terem influência no mov.estudantil. Não é possível negar, omov.estudantil está ultra-partidarizado das três formas acima descritas. Mas sãoos partidos políticos os culpados pela partidarização? Aliás, apesar das aparentesevidências, os partidos políticos dominam de fato o mov.estudantil (e omov.sindical) atual?

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Não é difícil entender que para conseguir relativo sucesso em processos caros egrandes, como as eleições de grandes D.C.E.s, são necessários muitos recursos emuita organização. São sobretudo os estudantes organizados em partidos que

têm alguma possibilidade de vencerem as eleições diretas, até porque os partidossão possíveis fontes do capital necessário para o empreendimento em questão. Apartidarização é fruto da forma ultrapassada da democracia do movimento emquestão. Mas pior, os partidos, além de serem injustamente acusados da falênciacompleta de tal movimento estudantil, ou melhor, de tal estagnação estudantil,são ainda usados como financiadores de carreiristas, carapaça para grupos quenão seguem suas orientações e também como trampolins dos mesmosoportunistas, os quais crescem na estagnação eleitoreira, na politicagemestudantil. Dezenas de D.C.E.s, centenas de C.A.s e U.M.E.S. espalhados pelopaís não movem uma agulha na direção orientada pelos partidos que, segundo aimprensa e o senso comum, dominam as mesmas entidades. Mais uma vezalguém, meu personagem liberal, pode alegar: “Outro exemplo de democracia, os 

 partidos obedecendo aos movimentos sociais e não o contrário .”

Bela democracia, na qual os partidos todos de um país vão sendo dominados pelamesma laia de carreiristas. Os carreiristas transformam as organizaçõesestudantis e sindicais em seus aparelhos, habilmente permitem que a culpa caiasobre os partidos de esquerda, depois “aparelham” estes mesmos partidos.

São os carreiristas os únicos beneficiados pela estrutura do mov.estudantil (e domov.sindical) que ainda temos. As intermináveis eleições para os carreiristas sãouma escola e a partidarização é outra. A partidarização também é uma barreiracontra muitos possíveis concorrentes, uma proteção, um apoio para oscarreiristas que sabem fingirem-se fieis à agremiação. Não havendo debates sobretemas complexos, pois as eleições só permitem os debates vulgares típicos dasfeiras e camelódromos, os carreiristas não se expõem. Não havendo movimento,mas só politicagem, muitos concorrentes, sobretudo entre aqueles que não têmpor objetivo fazer carreira, desanimam-se, distanciam-se do mov.estudantil e dospartidos que destes tanto carecem. Mas não é tudo, outras características dademocracia de modelo liberal beneficiam os carreiristas.

d) Corrupção

Sendo as eleições um negócio, o sucesso nas mesmas resulta em determinadolucro. As entidades, que nominalmente são organizações de todos os estudantes,

nunca são controladas por estes. Segundo as regras em vigor no mov.estudantilas chapas vitoriosas têm o direito de mandato sobre as organizações, sobre seusrecursos, em média por um ano. Além de recursos hábil e legalmente subtraídosde partidos, os ativistas, sobretudo quando muito envolvidos nas disputas, poispolítica e politicagem viciam, utilizam recursos de umas entidades para eleiçõesde outras (De algum lugar precisavam sair milhares de reais). É elementar quemuitos também roubam com fins mais inexplicáveis, mas isto não é novidade enão interessa para nossa análise. Em outras palavras, os carreiristas, naestrutura atual, são financiados pelo próprio mov.estudantil. O movimento deixade acontecer não só porque os militantes gastam todo o tempo em politicagem,mas também porque é gasto com politicagem quase todo o dinheiro (Não aconteceo mesmo, na mesma proporção, no mov.sindical).

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Negócio que exige capitais crescentes, as eleições não gastam somente recursosfinanceiros, mas também humanos. Os estudantes mais envolvidos com

mov.estudantil por muitas vezes passam todo o dia militando, o que espalhaentre os outros estudantes a fama de que atuar nos movimentos sociaisatrapalha os estudos. De fato tem sido comum que o mov.estudantil se afaste, junto com seus dirigentes, das salas de aula. A necessidade de recursos humanosexagerados pode parecer inexplicável para quem nunca atuou, pois o movimentonão acontece, não existe, faliu – “Como pode haver gente gastando força de trabalho e nada se mover ?” A explicação está na estrutura pela qual osvencedores das eleições diretas apossam-se das organizações (objetivo dosinvestimentos), acumulam todas as atribuições das mesmas e não fazem nada:1º. porque não sabem fazer mais do que eleições e festas horríveis, 2º. porque nãotêm tempo, 3º. porque gastam todo o dinheiro com outras eleições, ou seja, comsuas carreiras de aprendizes de politiqueiros.

Além de não fazerem nada, os vencedores das eleições não deixam ninguém fazer,pois o apossar-se de organizações pressupõe centralizar poderes, não dividir ostrabalhos e mais, se alguém fizer movimento ficam desmascarados os que nãofazem nada.

e) Desproletarização

Afirmar que o mov.estudantil gasta muitos recursos humanos é afirmar queatuar no mov.estudantil gasta muito tempo, o que exclui uma multidão deestudantes e de concorrentes para os carreiristas. Todos os estudantes que

trabalham têm dificuldades enormes em participar, pois já venderam as suasforças-de-trabalho, não têm como investi-la! Que democracia é esta na qual amaioria do universo de estudantes não pode participar? Que movimento é este noqual os militantes têm que escolher entre os estudos e a atuação, separar a teoriada prática? Que democracia existe em um movimento no qual todos sabem quedesaparecem fortunas mês após mês, ano após ano e ninguém consegue brecar aroubalheira? Qual direção estão dando os partidos políticos para um movimentoque só faz eleições, enquanto a vida está morrendo sobre a face da Terra?

Não estão dando direção nenhuma, por que não conseguem. Os partidos pensam,só pensam que dirigem um movimento cujo tipo de democracia é liberal, ou sejaultrapassada, excludente, podre.

Escola de trabalho, estudos e debates

As organizações estudantis precisam de um tipo novo de democracia, que nãopode ser criada, posto que (conforme a ciência continua demonstrando) “No universo nada se perde, nada se cria, tudo se transforma ”. É preciso arrancaruma nova democracia de dentro da velha. Não há como inventar um movimentonovo, é necessário encontrar um caminho para transformar a politicagem atualem movimento – No caso do mov.estudantil, é preciso que os Conselhos deEntidades de Base apossem-se completamente do poder sobre as organizações,ou mais especificamente, sobre os D.C.E.s. Os Conselhos precisarão extinguir as

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diretorias eleitas diretamente, para assim dificultarem a volta do antigo modelo,como as massas republicanas que decapitaram os reis para dificultarem a voltado absolutismo. Precisarão aprovar, em poucos dias, novos estatutos, nos quais

deverão se apropriarem dos nomes pelos quais as Diretorias se distinguiam, ouseja, os próprios Conselhos deverão se designarem também como “Diretoria doD.C.E.”.

Meu fictício antagonista liberal pode protestar “Não é democrático extinguir as eleições .” Os sinceros liberais jamais poderão compreender um tipo dedemocracia diferente da proposta, no século XVIII, pelos iluministas. Maspodemos permitir-lhes um alívio, por esta proposta só seriam extintas as eleiçõesdiretas para o D.C.E., não para as Entidades de Base que passariam a compor asDiretorias.

Aqui pode surgir um novo personagem, exaltado, questionando “E o que muda 

então?” 

 Tudo!

Um Conselho funciona com debates, é puro debate. Para conseguir algumsucesso em debates os participantes são estimulados aos estudos. No modelovelho o debate é substituído pela repetição de idéias muito simples, porpublicidade, a “arte da repetição ”. Com a reforma o debate se tornará central, amilitância se tornará antes de tudo debater idéias. As idéias avançarão, por quehaverá debate, não ficarão se repetindo como berros de camelôs. No modelo velhohá contradição entre militância e estudos. Com a reforma militância e estudos setornarão inseparáveis. No modelo velho os partidos são hospedeiros decarreiristas, fontes de capital para carreiristas, bodes expiatórios da notóriafalência do movimento. Com a reforma os partidos se reabilitarão, deixarão deserem expropriados, deixarão de serem infestados de carreiristas, obterão muitomaior sucesso em suas divulgações de idéias, pois seus militantes estarãoestudando e em contato com outros estudantes abertos às novas idéias. Nomodelo velho todo o dinheiro, fortunas no caso de grandes D.C.E.s, desaparece.Com a reforma será impossível desaparecer com todo o dinheiro, pois Conselhosfuncionam publicamente e todo gasto precisará ser debatido e votado. OsConselhos precisarão, para gastarem o dinheiro, definirem quais trabalhosdeverão ser feitos com o mesmo. Assim, atuar no movimento estudantil não serámais uma sucessão de eleições, mas estudar e trabalhar, teoria e prática juntas.

O movimento deixará de ser uma escola de politicagem para tornar-se uma escolade organização do povo.

O novo personagem deve estar incomodado “Mas continuam havendo eleições !?”

Sim, mas eleições para C.A.s ocorrem em um universo muito menor que para umD.C.E., tornando necessário um contato maior com os eleitores, incluindopresença de membros da chapa nas salas de aula. Gastam quantidade bemmenor de recursos financeiros e humanos. Sobre os C.A. o conjunto deestudantes tem muito mais controle do que sobre os D.C.E.s. A participação dealunos trabalhadores, que já são a maioria dos alunos de muitas universidades, é

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bem maior nos C.A.s que nos D.C.E.s. O que aqui se propõe é a reforma possível,não a invenção de um novo movimento!

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Reformanas Uniões Municipais de Estudantes Secundaristas

a) Efemeridade dos grêmios secundaristas

“Será que as críticas feitas ao movimento estudantil universitário servem aomovimento estudantil secundarista?”

Sim e não, há enormes semelhanças e enormes diferenças. Quanto à organizaçãoo mais gritante diferencial é que enquanto no movimento universitário os D.A.s eC.A.s, entidades de base, são organizações estáveis, fortes, resistentes, nomov.secundarista os Grêmios, entidades de base, são organizações frágeis.

“Por que?”

Qualquer um que fez ou faz movimento estudantil secundarista pode confirmaras seguintes observaçòes:

Muito embora, de fato, os professores do ensino médio, antigo segundo grau (daío termo secundarista), sejam muito menos poderosos que os do ensino superior,os estudantes do ensino médio não o sabem, não o aceitam e, jovens, intimidam-se pelas ameaças mais banais. É este um dos principais motivos pelos quais nãoexistem grêmios na grande maioria das escolas brasileiras. As escolasparticulares, temendo a óbvia luta contra a exploração nas mensalidades, e aspúblicas, nas quais os professores temem ameaças à ridícula autoridade que se

atribuem, utilizam contra a formação e continuidade dos grêmios expedientesirrisórios, mas eficazes.

Muitas escolas simplesmente falam grosso, “Aqui é proibido o grêmio ”, ou “A  formação de grêmios é contra a filosofia da escola ”, ou “Esta escola é particular e tem regras próprias, nas quais o grêmio não é permitido ”. Entre quinhentosestudantes, dois ou três não recuam diante de um grito! Em escolas maiores, commaior número de alunos resistentes, formam-se mais grêmios. Também emcidades maiores, com movimentos sociais proletários mais fortes, a intimidaçãotem funcionamento menor, formam-se mais grêmios. Também em escolas commaior presença proletária por vezes os grêmios formam-se.

Pode-se perguntar: “Mas a falta e a fragilidade dos grêmios deve-se somente a tão irrisório fator quanto a intimidação ?” Somente não, mas muito, como podemoscomprovar pela durabilidade muito maior de Uniões Municipais de EstudantesSecundaristas, assim como pela existência de Uniões Municipais em muitascidades onde inexistem grêmios, o que se explica pela utilização de umexpediente tão banal como os gritos nas escolas, qual seja a criação de umaorganização fora, “acima”, “independente”, “além” de qualquer escola. Sentindo-sedistantes das escolas, os estudantes organizam-se, têm mais coragem.

E como explicar o fato de que após vários anos de luta pelos grêmios não se tenhasuperado o medo dos estudantes? Quando um grêmio surge e as falas grossasdos adestradores revelam-se pura estupidez, o medo não de dissipa?

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Em primeiro lugar, aos poucos, sobretudo nas grandes cidades, os grêmioscrescem de número, resistem, vencem esta batalha inicial.

Em segundo lugar, a continuidade não ocorre. Nos meios estudantis há grandecirculação de pessoas. Os estudantes mais despertos, mais politizados, maiscorajosos, muitas vezes são os mais antigos, os que estão quase se formando, seformam e os grêmios, por vezes duramente conquistados, desaparecem como pormilagre, deixam a escola junto com seus criadores!

De onde surge esta força tamanha de intimidação e desorganização dosestudantes? São as ameaças, as cretinices e sermões, reproduzidos por merosdomadores, carcereiros de crianças, que têm tamanha força?

b) A educação da Ilusão e do medo

Não, as palavras são somente o final, a ponta do iceberg. É nas regras, nofuncionamento real e cotidiano das escolas que encontramos a força deacovardamento, secularmente desenvolvida.

Os alunos secundaristas sentem-se mais intimidados por que o ambiente épesado, policialesco, repressor. Os objetivos de escolas de ensino médio e ensinosuperior são muito diferentes. As últimas objetivam formar empregados parafunções de mando e ou intelectuais, enquanto as primeiras buscam formarempregados para funções intermediárias entre o mando e o trabalho físico. Sendoassim, as formas de treinamento são diferentes, a repressão é diferente. Também

os “adestrandos” são diferentes, os de nível superior são ao mesmo tempo maismansos e mais ciosos de sua independência. Nas universidades, o que se treina éa tolerância para freqüentar aulas insuportáveis, realizar infinidades de pequenastarefas intragáveis e engolir a ideologia dos exploradores, enquanto nas escolasde nível médio treina-se para suportar várias horas de sofrimento diário, realizarséries de trabalhos repetitivos, odiar contas e livros etc. A bajulação deautoridades, a concorrência etc. são objetivos de ambos os níveis. Nauniversidade treinamento para professores, gerentes, fiscais etc., no ensino médiotreinamento para secretárias, atendentes, caixas, chefes de seção etc.

Descrevamos determinadas características que podem ser encontradas em umaescola de ensino médio:

Dentro das aulas, professores inseguros desestimulam as falas, as opiniões, odebate. É um fato que as opiniões de quem não sabe normalmente são errôneas,mas quem disse que não se deve ouvir pacientemente os erros? Fora das salas osalunos podem ficar minutos contados, todos de uma vez, de forma que semantêm nos seus grupos costumeiros. Além disso, toda escola promove umapregação divisionista, segundo a qual os alunos de níveis maiores devemdesprezar os de níveis menores, o que resulta em que os mais velhos têm suacapacidade de influenciar os mais novos diminuída, fortalecendo os professores.Finda a aula, os alunos abandonam a escola, abandonam-se, literalmentecorrendo. Em outra palavras, os secundaristas não debatem tanto quanto

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precisavam, não conversam no local e na hora certos (talvez por isto conversemtanto durante as aulas).

Uma hierarquia existe entre diretores, supervisores e professores, inclusive paraintimidar aos estudantes, utilizando o medo do desconhecido. Todos os diasprofessores e alunos se chocam, todas os meses algum destes choques, maisgrave, resulta em visita à supervisão e, mais raramente, um choque com asupervisão resulta em visita à diretoria. A sinalização é óbvia – existe umaparelho de repressão, uma máquina. Graus maiores de desobediência acarretamenfrentamento com pessoas que seriam mais importantes, mais poderosas, maistemíveis. É por isto que muitos alunos nunca visitam a diretoria, enquantooutros, após a primeira visita, fazem várias, pois descobrem que a importância, opoder e o temor que esta instituição inspira não passam de ilusões.

Para reforçar as escolas existe ainda uma tradição, perpetuada por professores,

amigos e parentes dos alunos, de receio em relação à escola. Um bicho papãoadaptado para adolescentes e adultos.

Assim, quando um grupo de estudantes vence as barreiras e organiza-se comogrêmio, os carcereiros experientes só esperam a formatura dos rebeldes isolados.

Claro que mais fatores tornam os grêmios organizações tão frágeis, a exemplo dasbolsas de estudo distribuídas pelas escolas particulares (muitas vezes comprandoos alunos que resolvem montar os grêmios); da inexperiência dos fundadores dosgrêmios (coisa comum é ver grêmios que, formados, não fazem nada pelo simplesmotivo de não saberem o que e como fazer.); da experiência dos repressores paraintroduzir nos grêmios bajuladores ou tipos diferentes de traidores (inclusivecomprados) etc.

c) Congressos e congressos,ou Como transformar Congressos em gincanas!

Não pode ser dentro das escolas, isoladamente, que os estudantes vencerãocompletamente as dificuldades impostas à existência de grêmios. O isolamento éexatamente a fraqueza. Quando, por outro lado, buscamos em maior unidade aforça para a vitória, esbarramos nos problemas recorrentes das UniõesMunicipais.

As Uniões Municipais dos Estudantes Secundaristas geralmente organizam-se deforma congressual, bastante mais democrática que as grandes eleições diretasdos D.C.E.s. É uma das forças das Umes e um dos motivos pelos quais, durantealguns períodos, são dirigidas por gente muito competente. Neste aspecto asUmes diferenciam-se bastante dos D.C.E.s, para melhor, indubitavelmente.

Contudo, o modelo congressual pode ser corrompido até ser quase tão poucodemocrático quanto uma grande eleição direta. Basta convocar os congressos àspressas (de forma a não permitir muito debate e preparação por parte dosestudantes); e ou criar burocracias para a eleição dos delegados; e ou realizar oscongressos com uma duração de poucas horas (impossibilitando que o debate

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aconteça no mesmo); e ou elevar muito o número de delegados (doze pessoas,falando cinco minutos cada, gastam uma hora, cento e vinte pessoas, gastamquatro dias e quatro horas ininterruptos, ou seja, com muita gente não há

debate, não há congresso); e ou não priorizar a organização de grupos de debate;e ou não respeitar o envio das propostas dos delegados para o plenário, ou pelocontrário, aprovar uma imensidão de propostas (deixando à diretoria completaliberdade para escolher quais cumprir “primeiro”!); e ou elevar o valor da taxa deinscrição.

d) O grande defeito de qualquer Congresso

Claro que, mesmo tratando-se de um congresso com todos estes defeitos, umagrande eleição direta ainda consegue ter menos debate, favorecer mais o poderfinanceiro e ser menos fiel às vontades dos eleitores, mas existe um defeitocomum entre o modelo radicalmente liberal (cuja forma por excelência são asgrandes eleições diretas) e o modelo congressual: em nenhum dos dois existe arevogabilidade simples e inapelável dos mandatos. Mesmo o melhor dosCongressos tem esta característica em comum com a pior das eleições diretas.

A não-revogabilidade, ou seja, a transformação do eleito, por um tempodeterminado, em dono do mandato, revela-se enorme, desejável e tentador poder.A não-revogabilidade é a apropriação privada do mandato e é também um tipo deimpunidade.

Concluindo, embora o modelo congressual sempre privilegie mais o debate ereflita com certa fidelidade a correlação de forças políticas atuantes na base social

da organização, ainda não é o melhor possível, como provam os períodos dedireção corrupta pelos quais as Umes por vezes passam, os quais normalmentedestroem todo o trabalho das diretorias boas e finalizam-se com adesorganização, o desaparecimento da organização, pois, é óbvio, as diretoriasruins fazem congressos ruins, nos quais dificilmente perdem.

e) A reforma criadora

  Também no caso do movimento secundarista não se pode inventar um novomovimento, é preciso partir do que já existe, ou seja, das Uniões Municipais.

Qual a grande fraqueza destas organizações? A falta de vínculos com as escolas,

dada a efemeridade dos grêmios. Pois em uma mesma tacada estas organizaçõespodem se enraizar nas escolas e tornarem-se mais democráticas – as diretoriasdas Uniões Municipais, para isto, devem se transformar, em um Congresso, emConselhos de Entidades de Base.

O questionamento é óbvio: “Mas se faltam entidades de base ?”

E faltam por que? Se os grêmios fossem externos aos colégios não existiriam emmaior número? Pois então! As Uniões Municipais, em eleições diretas na porta decada colégio, ou preferencialmente em Congressos nos quais os estudantes(também) reúnam-se e votem divididos por colégios, promoveriam a criação de

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grêmios, ao mesmo tempo em que estariam formando suas diretorias, ou seja,seus Conselhos de Entidades de Base. Com este apoio externo, o apoio dosdemais estudantes do município, os grêmios se imporiam aos colégios. A ligação

das Uniões Municipais com os colégios, por sua vez, seria direta.

Os efeitos positivos da reforma organizacional, ou melhor, da reformademocrática no mov.secundarista seriam tão bons quanto no movimentouniversitário, embora bastante mais amplo, um milhar de vezes mais amplo.

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A bandeira mais revolucionáriado programa de Córdoba

Os movimentos sociais, todos podem imaginar, não se estagnaram somentedevido às suas organizações de tipo ultrapassado. Entre os vários problemas das“estagnações sociais”, destacamos a ineficiência das bandeiras levantadas. Égritante o caso da estagnação estudantil.

a) Bandeiras transparentes e espelhos

 Todos os que fazem movimento estudantil repetem, há vários anos, a mal definidabandeira de “educação pública, gratuita e de qualidade ”. Quem é contra taisobjetivos? Meia dúzia de liberais, privatistas fanáticos, ousam afirmar-se contra agratuidade e o caráter público, mas não há um único louco que se diga contra aqualidade da educação. Potências européias e sanguinários ditadores da África,América Latina e Ásia confraternizam-se com os militantes estudantis brasileirosem torno de bandeira tão transformadora, tão útil, tão definidora de posições! Oleitor pode se assustar, “Então deveríamos abaixar tal bandeira ?” Não, para que?Levantá-la ou abaixá-la, tanto faz, não cheira nem fede, é como berrar pelas ruasque dois mais dois são quatro. Porém, são necessárias bandeiras mais definidas,que signifiquem alguma coisa, que tenham algum valor. O termo “bandeira” éutilizado em metáfora às bandeiras utilizadas pelos exércitos, como sinalidores:de ataque, de retirada, de resistência etc. unificando a tropa. Então, para queserve uma bandeira invisível? Para que serve uma bandeira que não se sabe se éde um exército ou de outro? Só para confundir as tropas!

“Mas esta é só a bandeira geral, foram levantadas também bandeiras intermediárias e específicas, que definem as posições .”, defende-se um indignadopseudo-líder estudantil.

As bandeiras intermediárias do mov.estudantil (bandeiras que tentam serintermediárias entre objetivos gerais e objetivos específicos) não têm passado deespelhos que, entre outras coisas, refletem a incompetência daqueles que aslevantam (a politicagem estudantil só os treina para serem competentes emeleições e congressos-gincana). Se o inimigo sinaliza o avanço em um flanco, ospseudo-líderes, quando se mechem, defendem este flanco, se o inimigo recuaneste mesmo flanco, os pseudo-líderes, sempre, o desguarnecem e assim por

diante, desgastando-se, caindo em provocações e ciladas, belos generais. Ogoverno federal criou o Provão, surgiu uma campanha contra o Provão, derrotada.O governo ameaça acabar com a gratuidade das Federais, surgem protestos afavor da gratuidade, cada vez menores. O governo libera a robalheira dasparticulares, ocorrem, ou ocorriam, protestos. Um espelho! Somos contra osobjetivos reais do Provão, somos favoráveis à gratuidade da educação e contráriosà própria existência de escolas particulares, mas é preciso que sejamos realistas:Quem tem dirigido a política estudantil é o inimigo! (Fenômeno que encontramostambém no mov.sindical). Quando planejam as políticas educacionais para oBrasil, em Washington, as velhas raposas já calculam a reação, sempreprevisível, dos pseudo-líderes estudantis brasileiros.

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As reivindicações específicas do mov.estudantil, por sua vez, não têm merecido adignidade de bandeiras, pois têm sido somente cartazes de pedidos de esmolas:queremos isto, queremos aquilo, verbas, professores, bolsas, passes livres, tal

qual no mov.sindical salários, participação nos lucros, vales, cestas básicas etc.

Ninguém segue uma bandeira que não enxerga. Ninguém se empolga com aimagem invertida do inimigo. Ninguém segue pedidos de esmola!

Quando se sentem convencidos, os estudantes tomam as ruas, protestam, lutam,como provou a queda de Collor (Tenha a Globo traído sua criatura ou não. Tenhaa Globo pulado do barco furado cedo ou tarde, não interessa, fato é que,convencidas, as massas tomaram as ruas). Se o movimento foi substituído poruma estagnação, não se pode explicar superestimando a apatia da população,mas sim a falta de estudos dos que têm a obrigação de levantar as bandeirasconvocando o combate.

b) A tática e o programa dos inimigos

Como os inconfessáveis inimigos do caráter público e gratuito da educaçãopodem atuar no sentido de privatizar o ensino? Não tentemos adivinhar o que ahistória nos responde - o fazem sabotando-a, rebaixando sua qualidade, abrindoespaço para a educação privada, caluniando a educação pública, culpando ocaráter público pela má qualidade.

Pois então toda a questão se reduz à qualidade. Sim, todos queremos umaeducação de qualidade. Mas qual qualidade?

Quem duvida de que um professor dos EUA ganha bem? Quem duvida de que asescolas dos EUA têm muito mais materiais didáticos do que as do Brasil? Quemduvida de que nos EUA existem escolas para todos? E, por fim, quem duvida deque os EUA são um país onde mais da metade da população desconhece que a Terra orbita o Sol; não sabe encontrar seu próprio país em um mapa mundi; quenas escolas estadunidenses não se ensina a história universal; que mais dametade da população dos EUA desconhece sua derrota no Vietnã; que milharesde escolas deste país ensinam o criacionismo (Adão e Eva!?) em posição deigualdade com a Seleção Natural; que os estadunidenses acham que vivem emuma democracia; que 2% da população dos EUA está presa ou em liberdadecondicional; que o racismo é onipotente nos EUA; que os EUA são o maior

consumidor de drogas do mundo; que grande parte da população dos EUA éfanática religiosa; que nos EUA, que têm cerca de 5% da população da Terra econsomem 40% de todo o minério e energia do planeta, existem miséria, altosíndices de criminalidade, precariedade na saúde publica etc.

A qualidade de educação que queremos é a qualidade estadunidense, ou seja,capitalista? Pois é esta qualidade que tem sido implantada, pouco a pouco, noBrasil. Logo, logo nossos jovens estarão acreditando em Adão e Eva e nogeocentrismo!

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c) O terreno de combate

O conhecimento é um potencial em qualquer situação. Não podemos inventaruma escola nova, um paraíso na Terra. Na política estudantil, portanto, énecessário observar nossas escolas, nossa sociedade, pois somente do interiordas mesmas é possível arrancar uma educação de novo tipo. Levantar bandeirasestudantis sem conhecer, ou o que é pior, sem levar em conta a teoria sobre asescolas é irresponsabilidade, é coisa típica de oportunistas.

Assim como não podemos continuar a seguir sem rumo, fazendo o movimentopelo movimento, também não podemos apegarmo-nos a um programacompletamente descolado da nossa realidade.

É velha a formula para tentar driblar este debate: “Uma escola de novo tipo só  poderá nascer em uma sociedade nova, após a queda do capitalismo.”

Bela maneira de defender a educação falida que existe atualmente, bela maneirade tentar calar as críticas ao Estado capitalista, bela defesa do comodismo, belahipocrisia!

Ao pensarmos em bandeiras transformadoras para a educação devemos, comosempre, partir da raiz – o sistema educacional capitalista cumpre a função deauxiliar no processo de dominação sobre o proletariado e, destacadamente, sobrea classe operária. A organização de uma escola serve para cumprir esta função. Oque mais vale em uma escola é a prática à qual os alunos são submetidos,

não os conteúdos ensinados, muito embora estes tenham grandeimportância! Os alunos são domesticados para acordarem cedo; sacrificarem-sepor algumas horas, realizando séries de trabalhos repetitivos; ficarem quietos;não trocarem idéias; não discutirem com a autoridade; a respeitarem superiores;a competirem entre si; a denunciarem colegas; a não gostarem de ler e calcular e,como é quase nada o que os alunos atualmente aprendem - a ganharem muitopouco.

Não faltarão confissões: “Mas isto é certo, pois a sociedade precisa de trabalhadores disciplinados .” É esta a disciplina que queremos para nossos filhose colegas de trabalho? Queremos filhos e colegas bajuladores, trapaceiros,submissos, reprimidos, conformados com serem roubados, inimigos dos livros e

canetas? O trabalho é incompatível com a liberdade?

Quando surgiram as primeiras fábricas, os primeiros operários as compararamcom prisões. Não estavam completamente equivocados. As escolas não separecem prisões por acaso, mas por que são campos de treinamento deexplorados. Os muros com telas altas, os minutos para tomar sol, os portõestrancados, os vigias, as sirenes, a merenda, a forma das cantinas, o clima hostil,a insegurança de uns alunos diante outros, as trocas ilegais, os maus hábitos e,enorme luxo, um carcereiro para cada sela superlotada. É um acaso tantasemelhança ou é a identidade de função entre escolas, presídios e fábricas queexige a estrutura adequada?

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d) Uma bandeira que liga o específico ao geral

  Jogar por terra tal estrutura tornou-se menos difícil do que pode parecer.Observemos a infelicidade dos jovens que vão para aula, a pressa de que osuplício termine, o choro de algumas crianças, o ódio voltado aos professores(expresso com apelidos, pragas, imitações, caricaturas, tiros, bombas,depredações de objetos pessoais etc.), a destruição que fazem ao local odiado(carteiras, paredes, banheiros etc.), a ansiedade para que o tempo passe, acorreria desesperada ao final das aulas. Espontaneamente todos desejam aliberdade – o fim completo da presença obrigatória (dos 75% de presençaobrigatória), a mais esquecida, a menos aceita, a mais repudiada das exigênciasdos estudantes de Córdoba.1 

A bandeira de extinção da presença obrigatória é capaz de unificar estudantes,professores e pais avançados, ou seja, é quase capaz de um milagre. Entre asreivindicações dos estudantes da Universidade de Córdoba, tinha tamanhaimportância que jamais foi aceita. A cátedra vitalícia caiu em um país após outro,mas a presença obrigatória não, pois é peça fundamental do modelo educacionalque atualmente vigora no mundo capitalista - na Inglaterra, recentemente, oParlamento criou uma lei para punir aos pais que não conseguem obrigar seusfilhos a freqüentarem os presídios.

Por que os capitalistas defendem com tanto desespero a presença (prisão) dosalunos nas escolas? Será que têm interesse no desenvolvimento intelectual dasmassas? Alguém pode estar lembrando, “Mas e o papel de formação de cidadãos ?”Cidadãos? Gerações presentes obrigatoriamente às escolas tornaram o mundo

mais civilizado, culto, organizado, decente?

Por que devemos iniciar uma agitação decidida contra a presença obrigatória?Quais apoios se deve esperar para tal luta? Vamos responder uma a uma destasquestões.

Sem presença obrigatória, somente os alunos interessados ficarão nas aulas, queassim terão uma qualidade muito maior. Os professores trabalharão com muitomais prazer. As séries de exercícios obrigatórios não terão nenhum sentido, poisos professores não precisarão “enrolar” as aulas, nem poderão, pois os alunosnão serão mais obrigados a ficar agüentando tal desrespeito. Ao invés depreencherem os detestados diários, os professores poderão (e precisarão) estudar

mais. Não haverá outro remédio senão dividir as aulas em tipos (expositivas,debates, plantões etc.) e deixá-las previamente agendadas. Em outras palavras, ofim da presença obrigatória será uma injeção de qualidade nas escolas.

Quando os governos forçam a presença obrigatória, têm exatamente o objetivo deimpedir que as aulas sejam eficientes, que os professores façam seu trabalho. Aexperiência já demonstrou, exaustivamente, que a presença obrigatóriatransforma escolas em creches, em reformatórios, em prisões de adolescentes. Osgovernos capitalistas não querem trabalhadores que gostem de ler e calcular, mas

1 Os estudantes de Córdoba, Argentina, em 1911 iniciaram um grande movimento, que entre outras

várias bandeiras importantes, exigia o fim da presença obrigatória.

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sim trabalhadores divididos, ignorantes, bajuladores, egoístas, em uma frase,querem burros de carga e robôs.

O que é um cidadão? O termo refere-se às cidades-Estado da Grécia antiga, ouseja, às Poleis. Cidadão seria o indivíduo que administra a Pólis, o Estado, ouseja, que faz política. Atualmente existem pessoas utilizando o termo das formasmais irresponsáveis. Inicialmente agrupamentos oriundos da esquerda, namedida em que abandonaram as posições iniciais, ou seja, que abandonaram adefesa das classes exploradas e oprimidas, deixaram de considerar necessárioque estas classes desenvolvessem uma compreensão de sua realidade enquantoclasses exploradas pelos capitalistas e passaram a pregar que todos os sereshumanos devem transformar-se em cidadãos. Como se fosse de fato possível quemembros de classes diferentes e opostas possam administrar um mesmo Estado.Mas este não é o debate deste texto. Fato é que esta pregação de cidadaniarevelou-se tão inócua, tão inocente, tão irresponsável, que as próprias classes

dominantes, a partir de seus Estados, a adotaram e agora a utilizam contra astransformações sociais, para exigir dos “cidadãos” que cooperem com a função dequalquer Estado, ou seja, com a repressão. Já vimos os “cidadãos” que as escolasformam, podemos vê-los todos os dias, em qualquer noticiário, a começar peloscasos de polícia.

A campanha contra a presença obrigatória é uma denúncia não somente contra aarbitrariedade desta prática estúpida, mas permite explicar a dominação declasse, o funcionamento do Estado, o sistema capitalista. A campanha contra apresença obrigatória é uma campanha pela liberdade e pelo fortalecimento dostrabalhadores. Ao denunciar a função da presença obrigatória denuncia-se todo ocaráter nefasto do sistema educacional capitalista e daí explica-se o caráternefasto do próprio sistema capitalista. A campanha contra a presença obrigatóriaexpõe os limites da liberdade defendida pelos liberais, obriga os capitalistas adefenderem uma arbitrariedade, isola os capitalistas.

Somente os pais mais irresponsáveis, para os quais as escolas são creches quelhes permitem manter distancia dos filhos; os professores mais indignos, para osquais a presença obrigatória é o único meio de ter alunos em sala, uma vez quenão sabem lecionar; os alunos mais reacionários e masoquistas, que defendem oautoritarismo, não apoiarão a campanha contra a presença obrigatória.

A massa de alunos, após alguma campanha, fará dos diários grandes fogueiras,

quebrará os cadeados e derrubará os portões. A grande maioria dos professoresnão hesitará em ficar livre dos antipáticos diários, assim como ter a sala livre dosalunos indesejáveis. Para estes professores o fim da presença obrigatória será adiminuição do ódio dos alunos, o fim de grande parte dos atritos em sala de aula,em resumo, o fim de muitos problemas de saúde mental e física (incluindooriundos de atos de violência). Muitos pais preferirão que seus filhos tenham umaeducação de mais qualidade e que não sejam abobalhados pela escola.

  Também se pode esperar um grande apoio ao fim da presença obrigatória porparte dos trabalhadores que estudam e, portanto, dos sindicatos. Sobretudo nasuniversidades, cada vez mais cheias de alunos que também trabalham, o fim dapresença obrigatória será apoiada pelos trabalhadores. Qual estudante

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universitário trabalhador nunca se viu prejudicado pela presença obrigatória aaulas de um professor indigno deste título? Nas universidades, o fim da presençaobrigatória terá principalmente o efeito de forçar a melhora do quadro docente.

  Todas as políticas de Washington para a educação brasileira, implementadasdesde a ditadura militar, serão jogadas ao lixo com a vitória da campanha pelapresença livre. As escolas públicas ganharão imensa qualidade, a idiotização dosalunos não funcionará mais e logo chegará um tempo em que não haverá sequerrisco de haver um corte de verbas para a educação, por que os operários voltarãoa não respeitar às autoridades, como em seus primeiros dias (nos séculos XVIII eXIX), e por outro lado serão plenamente alfabetizados e amantes dos cálculos,como nunca o foram, nem em seus melhores dias!

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Sobre a violência nas escolas

 Têm se tornado freqüentes os casos de explosões de violência, nas quais algunsalunos suicidas expressam seu ódio à realidade, que não suportam enormalmente não entendem, distribuindo tiros entre colegas e professores. Nãohá nenhum sinal de que estes casos tendam a diminuir, ou a deixar de semultiplicarem. As respostas da sociedade à nova moda são de dois tipos. Agrande maioria das pessoas considera a necessidade de campanhas pela paz e dedesarmamento da população, uma minoria poderosa defende o aperfeiçoamentodo sistema de segurança. Ambas as respostas, a esperançosa e a linha dura, nãotêm a mais mínima chance de sucesso, chegam a serem ridículas.

Os suicidas-atiradores, os quais, lembremo-nos, não atuam exclusivamente nasescolas, obviamente não são extra-terrestres, não distribuem tiros gratuitamente.

São resultados das sociedades em fim de curso que os criaram. Se as escolas têmtido a desonra de serem os palcos prediletos destes curtos-circuitos sociais, é porque são reprodutoras especialmente odiadas destas mesmas sociedades,conforme já vimos. Se os professores têm tido o privilégio de serem os alvos maisvisados, é por que têm aceitado atuar como torturadores e carcereiros decrianças!

A reação espontânea da população aos casos de suicidas-atiradores são grandesmanifestações pacifistas, que exigem o desarmamento. Muito bonito, e muitoinútil, pedir ao povo que se desarme diante da guerra civil. Pedir paz em ummundo com mais de um bilhão de famintos. Todos querem a paz, mas não bastaevocá-la como a um deus, não adianta nada rezar por ela. A paz é um resultado,

não uma premissa. É necessário atuar pela paz e isto não é tão simples quantodesarmar o povo.

Uma minoria, só um pouco menos sonhadora, considera possível criarmecanismos de segurança que impeçam as explosões de violência. Neste grupo,ao lado de pessoas inteligentes o suficiente para compreender que as passeataspela paz não darão nenhum resultado, encontram-se imbecis como um professorestadunidense que tornou-se mundialmente conhecido (durante alguns dias) pelaproposta de que professores passassem a dar aula armados. Qualquer dia umestadunidense fará a proposta de que os professores usem fardas, cacetetes ealgemas!

Não é necessário muito ceticismo para se ter a mais absoluta certeza de quenenhuma das duas propostas funcionará.

O caminho para que as escolas deixem ao menos de serem os palcos prediletosdos jovens atiradores é bem mais simples. Em primeiro lugar, as escolas têm quedeixar de serem presídios, posto ser comum, em todo mundo, que presídios sejamlocais de violência. Em segundo lugar, precisa acontecer sim o desarmamento,mas dos professores!

Se existem alunos levantando armas contra os professores é por que osprofessores, há muito tempo, utilizam armas contras os alunos. Utilizam armas

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por que estas são os instrumentos de trabalho de carcereiros e torturadores. Nãoé possível manter pessoas presas sem portar armas. O ofício de desenvolver em jovens o ódio à leitura e aos cálculos (uma refinada tortura na qual obriga-se os

 jovens a executar imensas séries de exercícios e a ler inúmeros e enormes textosintragáveis), exige a utilização de armas. A última arma de que o corpo docentedispõe contra o corpo discente é o poder individual de avaliação. Enquanto osprofessores utilizarem esta ou qualquer arma contra os alunos, mais e maisalunos levantarão armas contra os professores.

“Aprovar todo mundo ?”, pode perguntar alguém que imagine ter encontrado maisum adepto da tese de que as escolas não precisam ensinar os conteúdos.

Não! Primeiro, por que não é honesto fornecer a um indivíduo um atestado deconhecimento que este indivíduo não tem, pois isto é enganar toda a sociedade, éuma irresponsabilidade imensa. Segundo, por que, enquanto as escolas ainda

são presídios, a ausência de reprovação acaba de extinguir as poucas aulas queainda existem. Terceiro, por que é covardia lançar carcereiros desarmados emmeio aos presidiários, como se tem feito nas escolas de várias partes do Brasildesde que surgiu a genial idéia de reduzir custos empurrando todos os alunos.Neste último caso não ocorrem explosões de violência, mesmo porque não seacumula tensão para explodir – os alunos acalmam-se todos os dias, vingando-sede seus carcereiros.

As avaliações feitas individualmente por cada professor devem ser substituídaspor avaliações públicas, organizadas por coletivos de professores, com regrasclaras e transparentes. Algo semelhante a vestibulares. Desta forma as avaliaçõesseriam muito mais sérias, pois nenhum professor poderia fingir que avalia, comoé comum acontecer. As aulas também seriam muito mais sérias, voltadas paraavaliações sérias. Mas, o mais importante, os professores deixariam de seremvistos como inimigos, aos quais é necessário vencer, e passariam a serem vistoscomo aliados contra a avaliação pública.

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Explicações finais

Desde que efetivamente deixei a política estudantil, em meados de 1998, já sepassaram quase quatro anos. As poucas informações que recebo, assim como aausência dos estudantes na política do país, para mim são sinais suficientes deque, infelizmente, as coisas não melhoraram. Demorei a tornar públicos estestextos por que pretendia que formassem um só volume, tratando de vários outrosassuntos. Estou desconsiderando minha insatisfação pois não é mais possívelretardar a impressão e a tentativa de difusão destes textos, dado que, comotentativa de vitalizar uma frente dos movimentos sociais, esta publicação já estámuito atrasada.

Algumas questões às quais eu pretendia debater, só poderei comentarrapidamente, nos apêndices.

De qualquer forma, pelo que expus, fica clara minha opinião de que “aindesculpável inexistência de qualquer produção teórica por parte do movimentoestudantil” não é obra do acaso, nem simples falta de inteligência dos ativistas,mesmo por que um movimento (ou uma imobilidade, como é o caso) não serresume a um amontoado de pessoas. Os movimentos sociais têm vida própria, ouseja, nascem, reproduzem-se e morrem. O ativismo eleitoreiro, o aparelhamento,o golpismo, a corrupção etc. são formas de reprodução desta espécie nojenta queé a politicagem estudantil cujo auge, até agora, foi a década de 90 do século XX.

Este texto, como espero explicar melhor nos Apêndices, é um filhote desta mesmaespécie, com as ressalvas de que, primeiro, é uma mutação, segundo, é um

desnaturado envenenador de ninhos da própria espécie! Como tudo o que existe,a politicagem estudantil deve produzir sua própria destruição.

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Apêndices

a) Sobre as diferentes democracias e as classes sociaisA grande imprensa, assim como uma série de professores ignorantes ouirresponsáveis, tratam do conceito “democracia” como se fosse algo muitosimples, “a” democracia. Reproduzem a noção de que existe uma democraciapura, uma democracia para todos, assim como a idéia de que democracia editadura são coisas completamente opostas e excludentes (onde há democracianão haveria ditadura, e vice-versa).

Não é tão simples.

Não existe uma democracia pura. Existem e já existiram diversos tipos de

democracia. A democracia é um conceito que varia de acordo com diferentesinteresses, de diferentes classes, ou seja, é um conceito de classe. Por exemplo, oprimeiro tipo de democracia conhecida, que existiu em póleis helênicas, comoQuios, Atenas e dezenas ou centenas de outras, era um tipo de democraciaescravocrata. Em Atenas, modelo clássico deste tipo de democracia, os homensatenienses livres dirigiam a pólis (o Estado) por meio de Assembléias,parlamentos e alguns postos eletivos de curta duração. As mulheres, os escravos,os estrangeiros e os menores de idade, somando cerca de noventa e cinco porcento (95%) da população, não participavam.

“Isto não é democracia .”, imagino que alguns podem afirmar.

Como não, se “democracia” é um nome que eles criaram para o regime políticoque desenvolveram? Que direito temos de questionar os criadores do nome sobrea atribuição deste a este ou aquele regime? A bem da verdade, a tradução dotermo “demos” como “povo” é que precisa de explicações. Os cidadãos atenienses,ou seja, cerca de cinco por cento (5%) de habitantes da Ática (região da qualAtenas era o centro político), foram divididos em cento e sessenta (160) demospara fins administrativos, eleitorais e de sorteio, portanto exerciam o poder(kratos) por meio dos demos. Tal organização diferenciava-se da antiga forma degestão da polis, na qual uns poucos que se imaginavam como ariscos, como“escolhidos”, como “melhores”, pelo critério de nascimento, exerciam o poder.Este poder dos eupátridas (bem nascidos) foi denominado de aristocracia (poderdos ariscos, dos melhores, dos escolhidos), ou oligarquia (oligo, “poucos”, arqué,“poder”, “império”). A democracia, em comparação com a aristocracia, era umpoder das massas, do “povão”. Sendo assim, desde o início, o termo “democracia”não inclui todos.

“Então nunca existiu um regime no qual todas as classes tinham poder ?”

Não, mas já existiram, e existem sociedades em que todos são iguais e não hápoder político de uns sobre outros, uma vez que não há classes. Todas associedades neolíticas eram e algumas ainda são assim, a exemplo de várias tribosselvagens que ainda sobrevivem na Amazônia. As decisões que interessam atodos são tomadas coletivamente, em Assembléias, Conselhos, que reúnem-se em

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volta do fogo. Contudo, nestas sociedades não existe democracia, exatamente porque não existe poder (kratos) de uns sobre os outros. Ou esquecemos quedemocracia é uma palavra com duas raízes? Aqui chegamos a uma conclusão

surpreendente – não existe democracia se não existir opressão, se não existirEstado, se não existir ditadura!

“Absurdo. Defesa da ditadura !” Berrarão aqueles que não entenderam o raciocínioe aqueles que não querem entender.

Não é uma defesa da ditadura, é uma denuncia contra o Estado. Ditadura edemocracia não se excluem, pois a democracia é apenas uma forma pela qual seorganiza um Estado, e todo Estado é uma ditadura de uma(s) classe(s) sobreoutra(s). Assim sendo, se for extinta toda a opressão, também não mais existirádemocracia, posto que não haverá Estado ao qual dirigir! É por isto quedemocracia é um conceito de classe – cada classe se organiza de uma forma para

exercer o poder, a forma como os senhores de escravos helenos organizavam-se,para que a maioria dentre estes decidissem sobre a manutenção de sua sociedadeescravocrata, não serve para os capitalistas de hoje se organizarem. A democraciaescravocrata dos gregos era completamente diferente da democracia capitalista dehoje, que por sua vez também é completamente diferente da democraciaproletária cujo primeiro modelo foi a Comuna de Paris, em 1871.

Para os escravos, a democracia de Atenas era uma ditadura. Para o proletariado,a democracia dos paises capitalistas é uma ditadura. Para os capitalistas, ademocracia da Comuna, a democracia de Cuba socialista, é uma ditadura. Todademocracia é uma ditadura para as classes que não são dominantes.

“A democracia ideal deveria servir a todas as classes .”, insistem os que nãoquerem entender.

Mas o que são classes?

É muito comum que o conceito “classe” seja utilizado para uma série decategorias, como classe médica, classe política, classe estudantil, classemetalúrgica, classe militar etc. Em nossa concepção estas utilizações estão todasincorretas.

Para Lênin, “Dá-se o nome de classes a amplos grupos de homens que se 

distinguem pelo lugar que ocupam em um sistema historicamente definido de  produção social, por sua relação (quase sempre fixada e consagrada por leis) com os meios de produção, por seu papel na organização social do trabalho; portanto,

  pelos modos de obtenção e a importância da parte de riquezas sociais de que dispõem .”

As classes, portanto, lutam entre si para manutenção ou transformação do seu“lugar” e do “seu papel” na organização social do trabalho, de forma que algumas,satisfeitas com a “parte de riquezas sociais de que dispõem”, lutam pelamanutenção do sistema de produção social, ao passo que outras se beneficiariamde sua transformação. As classes têm interesses opostos, e as mais poderosasorganizam-se enquanto Estados, de forma a reprimirem as outras. Pensar em

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uma democracia para todos é como pensar em um Estado para todos, é comopensar em luz sem sombra.

O tipo de democracia que existe no Brasil, assim como nos EUA, Japão, Françaetc. é capitalista, em outras palavras, burguês, liberal. É este tipo de democraciaque beneficia a propaganda, o dinheiro, as negociatas etc., ou seja, formas deatuação da burguesia. Para utilizarmos os termos corretos, a democraciacapitalista é uma forma do Estado capitalista, uma forma como, em determinadascircunstâncias históricas, se organiza a classe capitalista, a burguesia. O capital,uma relação social burguesa, é o centro vital deste tipo de democracia.

Consideramos, conforme Karl Marx já afirmou há 154 anos, que “Toda a sociedade está a cindir-se, cada vez mais, em dois grandes campos hostis, em duas grandes classes em confronto direto: a burguesia e o proletariado .”

Sendo assim, oposta à democracia burguesa, liberal, deve haver uma democraciaproletária, socialista. Porém, o primeiro tipo de democracia é antigo, já estáaperfeiçoado, é uma poderosa arma da burguesia contra o proletariado. O últimotipo de democracia é novo, ainda cheio de falhas, precisa ser ainda muitoexperimentado e aperfeiçoado.

Aceitando este conceito de democracia, um desavisado pode perguntar, “Não deve existir uma democracia estudantil ?”

  Talvez isto fosse possível, se os estudantes fossem uma classe. Contudo, osestudantes não formam uma classe, também não são parte da burguesia, nem doproletariado, nem estão acima ou fora das classes. Existem estudantes de todasas classes. (Apêndice C, sobre a intelectualidade). A luta entre as classes aconteceentre os estudantes. Se, nas organizações estudantis, vigora, ou melhor, definhauma democracia liberal, beneficia-se a burguesia. Se vigorar uma democracia denovo tipo, perderá a burguesia. Ainda não foi inventada uma terceira via, aliás,na história as terceiras vias normalmente são ridículas ou trágicas.

b) A história do Brasile a democracia liberal na política estudantil

Uma pergunta inteligente: “Por que, se a democracia liberal é o modelo adotado  pelas organizações estudantis desde o início do século XX, ao invés de corrupção,

negociatas, eleições milionárias, ativismo, oportunismo, aparelhamento,  partidarismo, desproletarização, formação de carreiristas, até a década de 70 existiu no Brasil um movimento estudantil combativo, progressista, cheio de exemplos de heroísmo ?”

Em primeiro lugar, a UNE, a UBES e as UEEs só recentemente, devido a umaforte onda liberal (na qual chegou a propor-se eleições diretas para a UNE), têmse tornado exemplares de organizações com Congressos que mais parecemgincana. Esta alteração não ocorre por decisão das lideranças, pois as liderançasde hoje em dia só o são para chefiar campanhas eleitorais, nem estão entendendo

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direito o que está acontecendo. Simplesmente a UNE, a UBES e as UEEs estãorefletindo a falência das bases do movimento.

“Mas e os D.C.E.s, os C.A.s ?”

Duas questões principais.

1 - Com este mesmo modelo de democracia, um modelo liberal, já foram maisavançados que a democracia do Estado brasileiro. 2 – Da mesma forma que umCongresso, conforme explicamos ao tratarmos das Uniões Municipais deEstudantes Secundaristas, pode ser quase tão ruim como uma eleição direta,uma eleição direta, em determinadas condições, pode não ser adequada aoliberalismo, ou seja, pode não ser tão ruim.

Resumindo as duas questões podemos afirmar que a sociedade brasileira não

permitia que a democracia de moldes liberais tivesse resultados liberais (ou seja,capitalistas) no movimento estudantil. Vejamos:

Se dividirmos a história do Brasil, do século XX, nos períodos normalmenteadotados, quais sejam, República Velha, Período Vargas, Período Populista,Ditadura e este nosso tempo, que bem poderíamos definir como Período Liberal,qual a situação do liberalismo político em cada um deles?

Durante a República Velha a economia foi norteada pelo discurso liberal (AdamSmith e cia.). A Constituição de 1891, assim como a Constituição do Império, de1824, foi influenciada pelo liberalismo político (John Locke, Montesquieu etc.)mas, se a de 1824 definia que o país seria, na prática, um absolutismoconstitucional, a de 1891, na prática, resultou em ditaduras dos Executivos (queorganizavam e controlavam completamente as eleições, promovendo fraudesdescaradas) e de partidos únicos em cada estado. O coronelismo e o voto decabresto haviam chegado em seu auge. Sindicatos eram proibidos, o PartidoComunista foi proibido antes da nascer, mulheres, soldados e analfabetos nãovotavam. Os estudantes tinham plena consciência da inexistência no Brasil dequalquer tipo de democracia. O nome escolhido pela coligação que colocou fim aoregime não foi Aliança Liberal gratuitamente.

A Aliança Liberal não tinha um programa econômico liberal. Na verdade colocoufim a mais de um século de liberalismo econômico, permitindo ao Brasil,

finalmente, deixar de ser uma grande fazenda. Seu liberalismo era somentepolítico, mas não foi praticado. A Constituição de 1934, que já não eracompletamente liberal, foi rasgada pelo golpe de 1937, que instituiu um regimede inspiração fascista. O regime de inspiração fascista, quando obrigado pelapressão popular a aceitar a democratização, foi golpeado.

A Constituinte de 1946 aconteceu sob um governo reacionário, apesar do que, emmuitos aspectos era bem semelhante à de 1988, de forma que o Período Liberalque vivemos guarda semelhanças com o Período Populista. Contudo, no períodode 1946 a 1964, a democracia do movimento estudantil ainda era bastantesuperior à do Estado dos capitalistas brasileiros. Basta lembrar que o PartidoComunista continuava proibido no Brasil.

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“Há alguma semelhança entre o movimento estudantil do Período Populista e do Período Liberal ?”

Sim. Entre 1946 e 1964, houve espaço para muitos oportunistas no movimentoestudantil, embora em proporção muito menor que em nossos dias. O movimentoestudantil da época já foi uma escola de carreiristas, como podemos perceberpela existência na política atual de figuras como José Serra, Jader Barbalho,Newton Cardoso etc.

Não é preciso explicar que na ditadura, de 1964 a 1985, qualquer eleição podiatornar-se uma afronta ao governo. O liberalismo econômico voltou à cena, mas ospolíticos liberais podiam posar como oposição. Raros oportunistas tinhamcoragem de tentar carreira em um movimento proibido, que não era mais umtrampolim e estava sem dinheiro. Além disto, é necessário lembrar que a grande

modificação que a ditadura tentou fazer na política estudantil foi colocar asorganizações sob tutela dos diretores de faculdades e de reitores, maspreservando as eleições diretas.

Liberalismo pleno, temos no Brasil pela primeira vez, com todos os seus males,inclusive para a política estudantil e sindical. É a primeira vez que o modeloliberal das organizações estudantis tem plenas condições de funcionamento.Entrando no item 2 de nossa resposta – Quais são estas condições?

O movimento estudantil, para ser uma escola de carreiristas, precisa permitir acarreira política, ou seja, precisa ser um trampolim para algo maior. Portantodeduzimos que quanto mais o Estado brasileiro for liberal, mais mercado estaráabrindo para os aprendizes de politiqueiros.

  Também precisa haver dinheiro para financiar o caríssimo treinamento decorruptos, assim como para atrair a atenção dos alunos.

Candidatos a deputados de aluguel não são exatamente heróis, ou seja, não estãodispostos a arriscar a pele por conta de causas que não lhes dizem respeitoindividualmente. Portanto, qualquer ditadura desliga a máquina liberal de treinarcarreiristas.

Existem também condições necessárias ao pleno funcionamento da democracia

capitalista que não têm ligações diretas com o Período Liberal.O número de estudantes, ou seja, de eleitores, é importante. Em um pequenouniverso de eleitores, por mais que durante as eleições não ocorram debates,todos se conhecem e os debates acontecem todos os dias. Nestes casos apublicidade “a la  sabão em pó” é ridícula, inútil. O dinheiro também não fazdiferença em um pequeno universo de eleitores. Ou seja, as relações sóciasburguesas não dominam uma eleição direta com um pequeno universo deeleitores. Entre o início e o fim da ditadura militar o número de estudantesuniversitários multiplicou-se. Atualmente existem no Brasil algo em torno de doismilhões de universitários, contra os cerca de cento e cinqüenta mil do final doperíodo populista. Isto significa não só que cresceu o número de faculdades e

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universidades, mas também que cada faculdade, cada universidade hoje temmuito mais alunos.

O clima político e ideológico, não é novidade para ninguém (aliás, é a únicaexplicação que a maioria dos dirigentes de partidos de esquerda dão à crise dosmovimentos sociais), são também muito importantes. A década de 90 foi a décadada maior derrota já sofrida pelo socialismo. A ideologia liberal, com todo o seuindividualismo, exalou seu fedor por todos os cantos do planeta. Os capitalistaschegaram a afirmar a vitória definitiva deste sistema. Os movimentos sociaissofreram (e ainda sofrem) o impacto da onda liberal.

Entre os estudantes (que são intelectuais jovens, ou seja, lidam com idéias hápouco tempo) a queda da URSS não foi refletida com paciência. Muitosabandonaram qualquer esperança de transformação social, deixando campo livrepara os carreiristas. Os carreiristas quase tiveram coragem para confessar-se,

com orgulho, serem oportunistas.

Portanto compreende-se que, na década de 90, as máquinas de fabricarcarreiristas, passaram a funcionar a pleno vapor. Têm energia (dinheiro),matéria-prima muito boa (ativistas com queda para o individualismo), mercadoconsumidor (um sistema político no qual as “mercadorias” produzidas pelomovimento estudantil têm procura e não têm uma formação excessivamenteprogressista), o clima ideal de funcionamento (o Brasil durante a maior crise queo socialismo já viveu) e são operados por indivíduos completamente alienadossobre o produto final de seu trabalho!

c) Características da intelectualidade  Já citamos acima que os estudantes (universitários) são intelectuais e queintelectuais são indivíduos que lidam com as idéias. Vale ressaltar, não hárelação necessária entre ser intelectual e ser inteligente. Contudo, isto nãoexplica muito, e é preciso explicar muito, uma vez que as universidades sãocompostas quase exclusivamente de intelectuais e toda escola tem um importantecorpo de intelectuais. Além de professores e universitários, são intelectuais ospadres, os dirigentes políticos, artistas, jornalistas, advogados etc.

Os intelectuais são o que? São burgueses, proletários ou uma classe a parte?

Em nossa concepção não existe uma classe de intelectuais. Os intelectuaistambém não são somente burgueses, ou somente proletários. Também não fazemparte de uma classe intermediária ainda não completamente proletarizada.

Os intelectuais são uma camada que podemos encontrar em todas as classes eem todas as categorias.

Os intelectuais são “recrutados” em todas as classes sociais, com destaque para apequena-burguesia, que é uma classe intermediária, nem burguesa, nemproletária. O proletariado é a classe que só possui a prole, os filhos, não temnenhum capital e precisa, para viver, vender a força-de-trabalho, assalariar-se. Aburguesia é a classe que vive de comprar força-de-trabalho e vender os frutos do

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trabalho, é a classe capitalista. A pequena-burguesia é uma classe com algumcapital, não tão pouco para precisar vender barato a sua força-de-trabalho, nemtanto para poder viver somente da diferença (mais-valia) entre o preço da força-

de-trabalho e o preço das mercadorias por esta produzidas. Sendo assim, apequena-burguesia encontra-se em um campo intermediário (cada dia menor).Camponeses e semi-proletários (estes últimos bons fornecedores de intelectuais)também são classes intermediárias. Todas as classes intermediárias estão emprocesso de proletarização, na medida em que a burguesia as expropria eassalaria. O principal exemplo de proletarização são os camponeses que há poucodécadas eram a maioria da população do planeta, atualmente quase não existemmais em vários países.

A posição intermediária da pequena-burguesia reflete-se em suas posiçõespolíticas, vacilantes entre as posições do proletariado e da burguesia. É umaclasse fadada à insatisfação política, mas ao mesmo tempo ao medo da qualquer

mudança.

A intelectualidade, embora em grande parte tenha origem pequeno-burguesa, nãotem necessariamente as mesmas posturas desta classe em extinção, posto que osintelectuais muitas vezes não permanecem política e ideologicamente ao ladode suas  classes de origem. Não é incomum encontrar, entre os muitosintelectuais de origem burguesa, vários aliados do proletariado, assim como,entre os raros intelectuais de origem proletária, alguns aliados da burguesia.

Os intelectuais têm enorme facilidade de renegarem às suas classes de origempor que, lidando constantemente com idéias, acabam atrelados a estas, por vezesem completa rebeldia contra suas origens econômicas. Por isto podemosconstatar, em qualquer sociedade, que os intelectuais formam um espelho,retorcido, desta mesma sociedade, a qual refletem não a partir de suas origensde classe, mas sim da luta entre idéias. Por isto não refletem respeitandosomente a proporção numérica das classes, nem a influência política, mas deacordo com inúmeras variáveis da educação, da propaganda, da difusão deinformações, do debate teórico, da prática etc. Toda classe social tem o seuquinhão de intelectuais, os quais sempre se encontram entre os principaispublicistas, organizadores e estudiosos desta classe à qual aderiram.

Pelo mesmo motivo, em todo ambiente com uma certa quantidade de intelectuais(caso do mov.estudantil) proliferam divisões, choques, conflitos, disputas,

refletindo a luta entre as classes sociais. A homogeneidade é só um sonho para aintelectualidade.

Merece atenção o fato de que, como lidam todo o tempo com idéias, intelectuaisde posições semelhantes podem mergulhar em conflitos de vida ou morte porconta de questões que, para o vulgo, são detalhes. Os intelectuais percebemenormes diferenças entre idéias assim como os esquimós têm vários nomesdiferentes para diferentes “tipos” de neve!

Por outro lado, embora a intelectualidade tenda a dividir-se, dividir-se, dividir-se,na medida em “Toda a sociedade está a cindir-se, cada vez mais, em dois grandes campos hostis ”, a intelectualidade necessariamente também está cindindo-se

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nestes mesmos dois blocos, conforme afirma Lênin, “...ideologia burguesa ou ideologia socialista. Não há meio termo (por que a humanidade não elaborou nenhuma ‘terceira’ ideologia: além disso, em geral, na sociedade dilacerada pela 

contradição de classe, não pode nunca existir uma ideologia à margem das classes ou acima das classes) Por isso, tudo o que seja rebaixar a ideologia socialista, tudo o que seja afastar-se dela significa fortalecer a ideologia burguesa .”

Estudantes são intelectuais em formação, normalmente jovens e inexperientes,que ainda não se agregaram definitivamente a esta ou aquela classe social. Apolítica estudantil é um campo de treinamento e recrutamento de liderançasentre estes jovens intelectuais.

d) A ilusão individualista dos intelectuais

Por que os intelectuais têm uma grande queda para as disputas e o estrelismo?

As disputas e o estrelismo são somente os resultados mais visíveis doindividualismo freqüente entre intelectuais. A pergunta, portanto, deve ser sobrea origem deste individualismo.

O trabalho intelectual, em grande parte, é, ou parece ser individual. A leitura éuma prática individual, ou ao menos aparentemente individual. Para umintelectual as suas reflexões parecem ser individuais. Não é necessáriodemonstrar que uma prática individual educa individualismo! Assim, umintelectual disputa com outros intelectuais para afirmar que seu trabalho foi bemfeito, que “está certo”. O estrelismo é uma desesperada e portanto exagerada

busca de reconhecimento.

Será que não poderíamos afirmar que o estrelismo e o zelo exagerado em defesadas idéias consideradas “próprias” são uma espécie de doença daintelectualidade? As necessidades individualistas dos intelectuais não são frutosde uma ilusão?

A resposta destas duas perguntas exige um terceiro questionamento: o trabalhosolitário é sempre um trabalho individual?

Os intelectuais trabalham muito sozinhos – lêem, escrevem, refletem. Pode-sealegar que, na verdade, as idéias avançam muito mais em debates do que em

estudos solitários, mas não há maneira de contabilizar os avanços provenientesde debates e os de práticas solitárias, assim como ainda não se conhece métodode matematizar as relações, certamente enormes, entre uma parte e outra dotrabalho intelectual. Portanto recuemos, aceitemos, de acordo com os possíveisdefensores do individualismo, que o grosso do trabalho intelectual é solitário.Repetimos a pergunta: o trabalho solitário é sempre um trabalho individual?

Ler, uma prática solitária, é uma prática individual? E onde ficam os autores doslivros, e os autores que influenciaram os autores dos livros? Onde ficam osparticipantes dos vários debates pelos quais os vários autores passaram? Ondeficam as experiências destes autores? Onde fica o conhecimento prévio do leitor,ou seja, a influência de diversos outros indivíduos sobre este?

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A escrita é um resultado da reflexão. Toda reflexão tem como matéria prima osconhecimentos de seu autor. Os conhecimentos desenvolvidos de forma mais

solitária provêm de leituras, as quais, conforme afirmamos no parágrafo acima,não são exatamente práticas individuais.

O individualismo dos intelectuais é fruto de ilusões. Mergulhados em um oceanode idéias, os intelectuais confundem-se com facilidade, por exemplo, chegando àconclusão de que só as idéias existem e a matéria é uma ilusão!

“Então, por que os grandes avanços científicos foram realizados por este ou aquele  pesquisador ?”, perguntarão os inconformados com serem iludidos.

Em primeiro lugar, os grandes avanços científicos não foram realizados por esteou aquele indivíduo. São sim lembrados como tendo sido realizados

exclusivamente por aqueles que os concluíram. Na ciência atual é regra tentaratribuir os méritos aos que os merecem, por meio das bibliografias, das notas edo corpo do texto.

Em segundo lugar, mas não menos importante, o desenvolvimento científico exigeuma série de condições históricas, que vão desde as práticas históricas e osconhecimentos teóricos que determinada sociedade “oferece” a seus membros atéao ócio de que podem dispor determinados intelectuais.

“Ócio ?” Sim, ócio. Os grandes pensadores, de todas as áreas do conhecimento,além de prática precisaram de ócio. Nas ciências humanas, Marx, Engels, Lênin,Gramsci tiveram tempo vago por diversos motivos. Provavelmente, se não tivessesido exilado várias vezes Lênin, envolvido no movimento prático, não teria tidotempo para ler e escrever tanto. O caso de Marx é semelhante. A mais importantecoletânea de textos de Gramsci chama-se Cadernos do Cárcere não é atoa. Aliás,no caso das ciências humanas, a falta de ócio obrigatório (prisões e exílios) podeser contada como um dos fatores de decadência do pensamento político econjuntamente dos movimentos sociais.

e) O nascimento desta crítica à democracia liberal

“Então este moleque redescobriu a roda? Descobriu a fórmula mágica que vai ressuscitar o movimento estudantil ?” – ironizam os prudentíssimos conservadores

do fracasso.

Este moleque não descobriu nada, só aplicou algumas velhas e já esquecidascríticas a uma realidade presente à qual conhece bem. Inovação realmente muitopequena, que resume-se ao início do desenvolvimento de uma tecnologia e nãode uma teoria.

“Por que não um outro, mais erudito, mais experiente, mais inteligente, nunca  propôs estas mesmas reformas?” 

 Talvez existam outros, em outros cantos do mundo, tecendo as mesmas críticas,contanto que tenham sido educados pelos mesmos fatores:

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1 – Ter atuado no movimento social durante a década de 90 (no caso europeu, 80e 90), quando ocorreu a grande ofensiva da ideologia liberal do século XX e

quando os movimentos sociais, no oceano liberal, começaram a fazer muita água.

Nunca, durante todo o século XX, o liberalismo se expôs tanto. O liberalismorevelou-se como a alma dos capitalistas. Embora Lênin já revela-se plenaconsciência da necessidade de combater o liberalismo, foi o representante de umaminoria, pois a história ensinava, antes dos anos 80 e 90, que liberais esocialistas tinham inimigos comuns, como os fascistas.

Antes da década de 90, os maiores problemas dos movimentos sociais não eramligados às suas estruturas liberais – no caso brasileiro houve uma ditadura até oinício da década de 80.

2 – Compreensão (não decoração) da mais desenvolvida (a única que funciona, ouseja, a única testada pela prática, portanto a única válida) ciência humana: osocialismo científico.

3 – Experiência de inúmeras eleições e mega congressos. Este texto começou anascer ainda dentro da UFMG, como parte da política estudantil nojenta que láprolifera.

4 – Ócio suficiente.