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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES CURSO DE LICENCIATURA EM DANÇA SUZANNE RHAQUEL GUERRA DA SILVA REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DA DANÇA DE SALÃO ENQUANTO UMA EXPRESSÃO DAS DANÇAS SOCIAIS NATAL - RN 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES

CURSO DE LICENCIATURA EM DANÇA

SUZANNE RHAQUEL GUERRA DA SILVA

REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DA DANÇA DE SALÃO ENQUANTO UMA

EXPRESSÃO DAS DANÇAS SOCIAIS

NATAL - RN

2014

SUZANNE RHAQUEL GUERRA DA SILVA

REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DA DANÇA DE SALÃO ENQUANTO UMA

EXPRESSÃO DAS DANÇAS SOCIAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao Curso de Licenciatura em Dança da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

como requisito para a obtenção do título de

Licenciada em Dança,

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Larissa Kelly de

Oliveira Marques Tiburcio.

NATAL-RN

2014

SUZANNE RHAQUEL GUERRA DA SILVA

REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DA DANÇA DE SALÃO ENQUANTO UMA

EXPRESSÃO DAS DANÇAS SOCIAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao Curso de Licenciatura em Dança da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

como requisito para a obtenção do título de

Licenciada em Dança.

Aprovado em ------/------/------

BANCA EXAMINADORA

----------------------------------------------------------------------------------------------------------

Dr.ª Larissa Kelly de Oliveira Marques Tiburcio

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

ORIENTADORA

----------------------------------------------------------------------------------------------------------

Dr.ª Karenine de Oliveira Porpino

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

EXAMINADORA

---------------------------------------------------------------------------------------------------------- Dr.ª Teodora de Araújo Alves

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

EXAMINADORA

DEDICATÓRIA

Com toda gratidão, dedico esse trabalho aos meus pais,

que sempre colocaram os meus estudos acima de

qualquer dificuldade e dos quais herdei o amor pela arte

e pela docência.

Dedico também aos meus mestres: os que me

ensinaram os primeiros passos de dança e os do curso

de Licenciatura em Dança da UFRN.

Por fim, dedico este trabalho a todos os amantes da

dança de salão.

AGRADECIMENTOS

Agradeço à vida pelo apoio que recebo de todas as formas e por ter me conduzido ao

lugar que menos cogitei estudar, o Departamento de Artes da UFRN, mas que me trouxe

aprendizados, pessoas importantes para a minha vida e referências de profissionais e de

educadores dos quais estou certa que não poderia ter recebido em outro lugar.

À minha família, principalmente às minhas irmãs pela paciência e ajuda nos

momentos que mais preciso.

À duas Déboras, ambas psicólogas: a primeira, por me encaminhar para a resolução

das minhas maiores dificuldades e a segunda por ter possibilitado que eu alcançasse essa fase

importante da minha vida, a conclusão do meu curso, da qual muitas vezes não acreditei que

alcançaria.

A todos os meus amigos pelo apoio na realização desse trabalho, em especial a Ilze

Monique, que me impulsionou na realização do meu desejo de ensinar a dança; à Agnes

Arícia, pela amizade amadurecida que me dá segurança nos momentos mais críticos; à

Mariana Brimdjam, pela parceria acadêmica e por sempre me trazer um sorriso que ameniza

qualquer problema.

A Adriano Marinho, por me iluminar em todos os sentidos.

Às duas escolas que foram muito importantes para o meu crescimento profissional:

Centro Educacional União e Colégio Recriar. Agradeço à Rinete Rangel, Tereza Lúcia e

Verônica Lima pelo incentivo e confiança no meu trabalho.

À Larisa Lima, pela colaboração na construção desse trabalho e pelas ótimas

conversas sobre a nossa paixão pela dança de salão.

Aos meus colegas de curso, por cada dança compartilhada, seja em sala de aula ou nos

demais espaços do departamento. Aos colegas dos cursos de teatro, artes visuais, e tantos

outros que nos atravessam ao longo da graduação, pela troca de experiências e

conhecimentos.

Às secretárias do curso de dança Marineide e Íris, por toda a assistência ao longo do

curso.

A todos meus professores do curso de Dança, por ampliarem minha visão a respeito

das artes, da dança, do ensino e até mesmo da vida.

Agradeço, em especial à Larissa Kelly, Karenine Porpino e Mayra Montenegro pelas

lições que carregarei sempre comigo e por serem o exemplo de educadoras que pretendo

seguir.

RESUMO

O artigo discute a atual predominância do ensino da dança de salão voltado

unicamente à transmissão de passos codificados e suas consequências para a experiência

social dessa dança. Através da contextualização histórica são observadas as mudanças que

ocorreram nas formas de ensino da dança de salão no Brasil desde o seu início até a

atualidade. São apresentados desdobramentos de novos modos de ensino da dança de salão no

país, que apesar de se utilizarem de passos codificados, consideram nesse ensino a experiência

educativa responsável pela formação técnica estética do indivíduo que pratica a dança de

salão, realizando trabalhos que visam o aprendizado crítico e a conquista da autonomia dos

alunos ao dançar.

Palavras-chaves: Dança de salão, Ensino da dança de salão, Dança Social.

ABSTRACT

The article discusses the current predominance of the teaching of ballroom dancing

back solely to the transmission of coded steps and their consequences for the social

experience of this dance. Through the historical contextualization are observed the changes

that have occurred in the forms of teaching ballroom dancing in Brazil since its inception to

the present. Are presented developments of new modes of teaching ballroom dancing in the

country, which despite of using coded steps, consider this educational experience responsible

for education, performing jobs that target the critical learning and achievement of students '

self-government while dancing.

Key-words: Ballroom dancing, Teaching ballroom dancing, Social dance.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................................9

Contextualizando a dança de salão........................................................................................11

Problematizando a prática social da dança a dois...............................................................14

Discutindo o modelo atual de ensino.....................................................................................18

Sobre o ensino da dança de salão...........................................................................................25

Projeções para o ensino da dança de salão...........................................................................27

Experiências em um novo modelo de ensino da dança de salão.........................................28

Considerações finais................................................................................................................33

REFERÊNCIAS......................................................................................................................35

9

INTRODUÇÃO

Dentre as diversas finalidades que a dança de salão possa vir a ter atualmente

(terapêutica, social, artística, esportiva, etc), a sua abordagem cênica e a sua função social

estão demandando maiores reflexões sobre a sua utilização e disseminação na

contemporaneidade. Apesar de essas duas funções estarem intrinsecamente ligadas desde a

constituição dessa dança, as reflexões que serão apresentadas ao longo desse artigo descritivo

terão como plano de fundo a dança de salão em sua perspectiva de dança social.

“A dança de salão também é chamada de dança social por ser praticada com objetivos

claros de socialização e diversão por casais, propiciando o estreitamento de relações sociais

de romance e amizade, dentre outras” (PERNA, 2001, p.10).

Tendo como objetivo discutir o atual modelo de ensino predominante da dança de

salão, pautado na transmissão de passos codificados, proponho a reflexão sobre os fatores da

atualidade que descaracterizam a função social da dança de salão, comprometendo a

integridade dessa experiência para seus praticantes, como também a discussão das projeções

para o ensino dessa dança, para atender às demandas da sociedade contemporânea na

formação estética dos seus indivíduos.

Para embasar a discussão do artigo, iniciada a partir das inquietações surgidas nas

minhas vivências em dança de salão, somadas às observação das práticas sociais dessa dança,

foram utilizados como referências bibliográficas artigos de diversos autores sobre a dança de

salão, um trabalho de conclusão de curso de Joana Pontes (2011), em Florianópolis, sobre o

Samba de gafieira desde a sua proposta social até sua adaptação aos palcos; dois livros

específicos sobre a dança de salão: Samba de gafieira- A história da dança de salão

brasileira (2001), do autor Marco Antônio Perna, sendo a principal referência para a

contextualização histórica da dança de salão no Brasil; “Ai, pisaram no meu pé! – Um novo

conceito em aprendizagem e ensino na dança de salão” (2014), escrito por Marcelo

Grangeiro, onde apresenta uma discussão sobre novas formas de se ensinar a dança de salão.

Ao falar da dança educativa de uma forma geral, recorro aos escritos de Karenine Porpino

(2006) em seu livro Dança é educação – Interfaces entre corporeidade e estética. Apesar de

constatada uma significativa melhora nos últimos cinco anos, ainda há uma escassez na

bibliografia específica da dança de salão, se comparada a outras danças.

10

A fim de ilustrar algumas situações descritas, foram citados dois filmes que abordam a

dança de salão, descrevendo brevemente as cenas utilizadas como exemplo.

Também foram realizadas entrevistas, sendo uma delas com Larisa Lima, professora

de dança de salão em Natal-RN, que construiu sua forma de ensinar baseando-se no desejo de

promover, com a dança de salão, a conscientização corporal de seus alunos possibilitando a

autonomia deles para o dançar a dois. As questões norteadoras da entrevista estavam

relacionadas à sua experiência com a dança de salão, desde o seu aprendizado até a

atualidade, enquanto professora de dança. Seus objetivos, seus referenciais para a construção

da sua metodologia e os efeitos do seu trabalho diferenciado nos alunos. As demais

entrevistas foram realizadas com quatro de seus alunos, sendo um casal (não necessariamente

parceiros de dança) de cada turma. O primeiro casal era da turma intermediária de forró, o

segundo casal tinha aulas de zouk avançado. Foram perguntados a todos eles as suas

motivações para praticar a dança de salão, as mudanças que ocorreram em suas vidas após

iniciarem essa prática, sobre como lidaram com possíveis experiências prévias em dança de

salão e como se sentiam no desenrolar das aulas da sua professora, finalizando com uma

pergunta sobre o que pensavam sobre a sua metodologia.

A presente discussão pretende ser uma contribuição para os profissionais da dança de

salão refletirem a sua prática, seja ela voltada para uma proposta cênica, ou para o seu ensino,

dando-lhes subsídios para fundamentar os seus anseios no contexto atual de transição de uma

de um ensino tradicional para novas propostas de ensino pautados da experiência estética do

indivíduo.

11

Contextualizando a dança de salão

Assumindo o caráter de dança social, a dança de salão tem como elemento

fundamental as relações estabelecidas e estreitadas entre os seus praticantes e a finalidade de

socialização. Segundo Perna (2001, p.10), “a dança de salão enquadra-se na categoria de

dança popular, que se origina de causas sociais, causas políticas ou acontecimentos

destacados do momento”.

Sua origem se dá na época do Renascimento, século XV, na corte francesa, onde a

chamada dança de corte era dançada em grupos, posteriormente formando pares ainda não

enlaçados1, tendo como objetivo de entreter a nobreza tanto por meio da sua execução quanto

pela apreciação de seus dançarinos. Eram baseadas nas danças realizadas pelos camponeses,

sofrendo as alterações necessárias para a sociedade de corte expressar seus costumes

elitizados. O espaço em que essas danças aconteciam, também acabaria se tornando espaço

cênico, já que suas exibições organizadas, além de serem um entretenimento para a nobreza,

serviam como propaganda em favor da afirmação do poder real em vigor (BOURCIER,

2001).

No século XIX, a corte portuguesa trouxe seus costumes para o Rio de Janeiro, dentre

eles, os bailes, que eram sua forma mais usual de diversão. Todo evento social como

casamentos, formaturas e aniversários, tornou-se motivo para a realização de bailes (PERNA,

2001).

Em nosso atual contexto de aulas e bailes, é consensual o fato de que a dança de salão

oferece aos seus praticantes, além do lazer, a oportunidade de conhecer pessoas, se

autoconhecer, fazer amizades, de se trabalhar valores éticos, autoestima, dentre outros. A

maioria das pessoas que procuram a dança de salão almejam aprender a dançar para

frequentar os locais onde acontecem os bailes (gafieiras, casas de show, forrós). São pessoas

que desejam aliviar as tensões cotidianas, investir em sua autoimagem, melhorar a relação

afetiva, no caso dos casais, e tantos outros motivos.

Essas motivações estiveram presentes nas falas coletadas nas entrevistas que realizei

com os alunos de uma academia de dança de salão em Natal, juntamente com o relato dos

benefícios das práticas dessa dança na vida de cada um deles. Uma aluna do nível avançado

1 A dança da salão com pares enlaçados surge no final do século XVIII em Paris, com a valsa oriunda dos povos

germânicos (PERNA, 2001).

12

de zouk2, praticante há um ano, comenta que após o contato com a dança de salão o seu nível

de estresse diminuiu e a sua capacidade de se concentrar aumentou consideravelmente,

permitindo que ela “se soltasse mais” em seu cotidiano. Já um aluno do mesmo nível,

praticante há dois anos e meio, relata que se sente muito bem por ter superado a sua

dificuldade de dançar ao entrar nas aulas de dança de salão, e apesar dos problemas

cotidianos, há uma compensação no fato de estar praticando algo que lhe faz bem. Praticante

há três meses, o aluno intermediário de forró entrevistado conta que perdeu peso, fez novas

amizades com as quais sai aos finais de semana para se divertir e dançar em outros locais.

Uma aluna do mesmo nível compartilhou que entrou na dança de salão há seis meses em um

momento delicado de sua vida no qual sentiu a necessidade de conhecer novas pessoas e hoje

declara que tem muitos amigos graças à dança de salão, que também melhorou sua

autoestima, fazendo com que buscasse a melhora da sua saúde e a deixasse mais disposta para

acompanhar a energia das suas filhas pequenas.

O contato com a variedade de ritmos e estilos oriundos da pluralidade cultural dos

povos que usaram a dança a dois, trouxe adeptos de diversas faixas etárias às academias de

dança de salão. Ritmos como salsa, zouk, bachata3 e forró são responsáveis por atrair boa

parte do público jovem, fazendo com que essa dança perdesse o estereótipo de dança

praticada apenas pelos mais velhos, consideradas “fora de moda” e “brega” pelos jovens em

meados do século XX. Cada estilo possui a preferência de uma faixa etária: os ritmos latinos

são mais praticados pelos jovens, por trabalharem mais diretamente com a sensualidade e a

agitação com as quais eles se atraem; o bolero e o tango, mais passionais e cheios de

romantismo, são os preferidos dos praticantes mais maduros; já o samba e o forró possuem

praticantes heterogêneos.

Outra informação importante diz respeito à questão do gênero na dança de salão. No

Brasil, após a consolidação da dança de salão, a participação feminina acontecia em festas e

bailes da elite com os ritmos de origem europeia. A vinda da corte para o Brasil no início do

século XIX, segundo Veríssimo, citado por Perna (2001), fez com que as famílias

intensificassem a sua vida social, sendo inevitável a prática de receber convidados, mesmo

contra a vontade dos velhos senhores de engenho, e a mulher aos poucos começa a aparecer

em público, tornando necessário o ensino da dança e da música nos colégios femininos. “Esse

2 Ritmo caribenho dançado de maneira semelhante à lambada.

3 Estilo musical e dança oriundos da República Dominicana, onde se percebe uma mistura de bolero com o

merengue.

13

período induziu professores a prepararem os jovens através da dança para uma espécie de

qualificação para seu grupo social, educando-os com comportamentos prescritos pela

sociedade aristocrática” (RIED apud FEITOZA, 2011).

Já em meados do século XIX, onde a dança de salão no Brasil esteve em seu auge em

meio à sociedade, a mulher4 não tem permissão para frequentar aulas de dança, tendo que se

contentar com aulas particulares para sua utilização em ambientes seletos. Por essa razão, a

presença da mulher na dança de salão nesse período foi escassa, fazendo com que os homens

treinassem entre eles nas aulas de dança. Pouca coisa mudou para as mulheres até o início do

século XX, onde já se tinha a prática da dança de salão tipicamente brasileira considerada

indecente para os valores morais da época. Essa realidade só veio mudar após a segunda

metade desse século, quando as mulheres gradativamente conquistaram a liberdade necessária

para a prática da dança de salão. Ocorreu então a inversão do número de praticantes quanto ao

gênero. Os homens assumiram a postura inflexível com relação à dança, se privando da sua

prática ao acreditar que ela o “afeminaria” e comprometeria a sua masculinidade. Essa

realidade vem se modificando de forma considerável, onde percebemos os homens sendo

maioria em algumas turmas iniciantes das academias de dança. Entre as motivações desse

público masculino cada vez mais crescente, está o combate à timidez e a melhora nas relações

sociais, principalmente com o sexo oposto.

Na dança de salão as movimentações são diferenciadas quanto ao gênero, onde o

cavalheiro assume o papel de condutor da dança, propondo passos à dama. A visão de que o

homem deve comandar a dança, hierarquizando-a não é mais aceita atualmente.

Na grande maioria dos ritmos das danças de salão as diferenças corporais

são percebidas de acordo com o sexo quando se olha um par dançando.

Porém devemos entender que essas diferenças apenas como meio de se

combinar os passos da dança. E o que a observação incide apenas na

configuração do gesto visível, ou seja, há na aparência que é apenas o

homem que conduz (FEITOZA, 2011).

4 As moças da elite eram privadas das aulas de dança enquanto as das classes mais baixas eram convidadas a

ajudar na prática das aulas por meio de uma atividade remunerada que ficou conhecida como “madamismo”

(PERNA, 2001).

14

Problematizando a prática social da dança a dois

Apesar dos aspectos benéficos e prazerosos da dança de salão mencionados

anteriormente serem inegáveis, algumas situações que não raramente acontecem na atualidade

merecem um olhar reflexivo e crítico, uma vez que acabam por se afastar desses propósitos,

mesmo que de forma não intencional. Para introduzir essa discussão, compartilho um

ensinamento que tive alguns meses depois de iniciar na dança de salão.

Certa vez, participando de uma aula para monitores de uma academia de dança de

Natal-RN, ouvi uma história contada pelo proprietário do espaço. Tratava-se de considerações

feitas por ele baseadas em observações realizadas nos seus anos de experiência com a dança

de salão. Dizia que quando se vai aprender a dança de salão, geralmente se atravessa quatro

etapas: a primeira é quando se inicia o aprendizado dos passos, o praticante naturalmente se

sente inseguro quando vai dançar nos bailes. Dança-se timidamente e é provável que procure

locais onde não desperte a atenção dos presentes, denominando-a de fase da “vergonha total”.

A segunda etapa acontece quando o aprendizado já está se consolidando e o praticante já

consegue executar os passos com mais confiança, levando-o a querer aprender cada vez mais.

Nos bailes, já não se sente tão intimidado quanto antes e aproveita a oportunidade para trocar

experiências com os demais. É a fase da “vergonha parcial”. O terceiro momento se dá

quando se atinge um bom nível técnico, e o dançar acaba virando sinônimo de apresentação,

tornando necessária a presença de espectadores para que esse praticante possa vir a exibir suas

habilidades e receber o reconhecimento desses, ainda que isso ocorra em ocasiões impróprias.

Os bailes passam a ser o habitat desses praticantes, que capricham em suas movimentações,

atraindo o olhar de todos os presentes, tais atitudes sugerem a denominação dessa fase, a do

“exibicionismo”. A quarta etapa se dá quando esse praticante atinge um nível de maturidade

em que percebe que dançar está mais relacionado a fatores internos do que externos. Trata-se

de dançar em função da própria natureza, do prazer cinestésico, e não em função da vaidade e

do olhar de aprovação dos outros sobre ele. Esse praticante, agora, passa a “dançar para ele”,

sem se preocupar se tem alguém admirando, julgando ou qualquer outra coisa. Seu objetivo é

aproveitar o momento com seu parceiro, perdendo aquela necessidade de exibir suas

habilidades aos demais. Possui uma segurança ao dançar que vai além do domínio da técnica

e essa segurança é transmitida ao seu par, que ainda que não tenha experiência na dança a

dois, se sente confortável em dançar com ele. Pontes (2011), a exemplo desse

amadurecimento conquistado afirma:

15

Gosto de estar tranquila dançando com o cavalheiro sem ter que me

preocupar se a luz está correta, se minha técnica está suficientemente

apurada para minha perna estar bem esticada, o braço bem colocado, enfim

questões que envolvem uma apresentação formal/estética de dança. Quando

estou dançando num salão de baile, minha preocupação é apenas com o meu

par, como meu corpo está estruturado para que ele possa conduzir de forma

sutil os passos que quer que eu execute.

Atravessar esses estágios se dá de forma diferente para cada um, que passa mais ou

menos tempo em cada etapa, até mesmo pulando alguma delas de acordo com seu grau de

entendimento e amadurecimento.

Ao ouvir essas palavras, percebi que muitas das situações que observava e considerava

incompatíveis com o propósito das danças sociais não estavam restritos aos locais que eu

costumava frequentar na cidade, que não eram fatores relacionados à cultura local, mas sim

fatores relacionados à prática da dança de salão no contexto nacional.

Não precisaria ser um especialista ou praticante da dança de salão para identificar

quando alguém está no terceiro estágio mencionado. E também não é raro encontrar bons

exemplos. Ao longo dos anos que pratiquei a dança de salão, costumava observar nos bailes

das academias, nos forrós e até mesmo em shows, as relações sociais que aconteciam naquele

espaço. Por vezes via pares priorizando a exibição de combinações de passos complexos

enquanto dividia o salão com outros pares. Aparentemente não há nada demais nesse fato,

uma vez que o salão também se torna espaço cênico, como afirma Mesquitaa (2011) em seu

artigo sobre a transposição das danças de salão para os palcos:

Podemos entender o baile e seus rituais também como um complexo e

interessante espaço cênico, se pensarmos que seus frequentadores são

participantes ativos, se revezando, ora na posição de performers (sob o ponto

de vista de que estão dançando e, queiram ou não, se exibindo tanto para o

seu parceiro como para os que estão ao redor); ora como espectadores

(quando estão assentados nas mesas observando).

A questão é como essa exibição acontecerá e a que preço. Primeiramente, ao se

dançar no salão com outros pares, é necessário atentar para o espaço que está sendo dividido

já que a execução de passos muito elaborados pode demandar um espaço incompatível com

aquele que estaria disponível, podendo vir a causar acidentes. O salão possui regras para o seu

funcionamento. “Elas regem a conduta dos dançarinos no baile, para que todos possam

desfrutar momentos alegres e prazerosos” (CERIBELLI, 2008. p. 81). Um bom exemplo é o

sentido em que se deve manter o deslocamento dos pares (anti-horário), e o fluxo do salão. A

16

dança de salão pode ser realizada com objetivo cênico, mas isso exigirá um trabalho

diferenciado, local e momento apropriado. “Reside aí um dos grandes problemas atuais:

deixar claro para o público, para os praticantes e para os profissionais, a grande diferença

entre as danças sociais de salão e as mesmas quando levadas para o palco” (MESQUITAa,

2011, p. 61).

Em segundo lugar, ao ter a exibição das habilidades técnicas como principal objetivo

no salão, observamos a tendência à reprodução de movimentos estereotipados, que copiam as

movimentações daquele estilo em sua forma, mas que não vivenciam, tampouco transmitem a

essência daquele ritmo. Os parceiros quase nunca se relacionam no sentido profundo da

palavra com olhares ou ações e quando ensaiam fazê-lo, é de forma automática e mecânica,

sem a presença cênica que possibilita ao público remeter ao sentido social e cultural daquela

dança. Percebe-se aí uma aproximação com a dança de salão na modalidade de competição

(esportiva), onde o objetivo é avaliar o desempenho técnico e espetacular. As competições de

dança de salão foram abordadas pelo cinema em filmes como o australiano Vem dançar

comigo5 e No ritmo da dança

6. O primeiro apresenta o conflito entre o jovem dançarino Scott,

interpretado por Paul Mercurio, e a comunidade australiana participante dos torneios de dança

de salão na qual cresceu e desenvolveu suas habilidades. Em meio às competições, ele deseja

criar seus próprios passos, sofrendo reprovação da sua família (todos eles dançarinos) e da

federação, onde o seu presidente é o responsável pela codificação dos movimentos avaliados

nessas competições e vê em Scott uma ameaça ao modelo de dança estabelecido por ele. O

segundo filme citado tem como enredo a ida de um jovem cubano (interpretado por

Chayanne) aos Estados Unidos em busca do seu pai, que não veio a conhecer. Seu pai

gerencia um estúdio de dança de salão, onde conhece Ruby (Vanessa Williams), dançarina de

competições bem conceituada, da qual se aproxima promovendo o compartilhamento da

dança de salão regional dançada por ele, e da dança codificada no universo das competições

de dança, praticada por ela.

Quando não há uma clareza entre os objetivos desejados na dança de salão, acaba-se

prejudicando o alcance desses objetivos e a qualidade de seus resultados. Exemplificando a

partir da finalidade de dança social, um iniciante ou leigo quando assiste um par dançando

5 Título original: Strictly Ballroom. Idioma: Inglês e Espanhol. Produzido no ano de 1992 na Austrália, dirigido

por Baz Luhrmann. Encontra-se disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=RoaeO_lTApc>

6 Título original: Dance with me. Idioma: Inglês. Produzido no ano de 1998 nos EUA, dirigido por Randa

Haines.

17

com uma proposta que mais se adequa às competições de dança de salão ou aos espaços

cênicos propriamente ditos (palcos) terá uma referência distorcida do resultado a ser

alcançado dentro do contexto de socialização. Terão preocupações estéticas que não condizem

com a proposta na qual se submeteram. Eles passam a crer que dançar bem é sinônimo de

dominar sequências de passos complexas, e por essa razão, muitos não se dão a chance de

vivenciar a dança de salão, por não se acharem capazes de executar essas movimentações. O

mais grave se dá quando os praticantes acreditam que sua forma de dançar é a mais correta, e

que passos diferentes dos que ele aprendeu na aula estão errados e merecem correções. Esse

aluno passa a julgar a maneira de cada um dançar, tomando por parâmetro as codificações que

a dança de salão sofreu, e por vezes produz comentários impróprios que empobrecem a

experiência social na dança de salão.

Drummond (2004), afirma que a amazonense Maria Antonietta Guaycurus de Souza,

uma das pioneiras no ensino da dança de salão no Rio de Janeiro como conhecemos hoje,

acreditava que a dança de salão é o abandono dos parceiros ao ritmo, e que a necessidade do

praticante em se exibir nos salões com coreografias mais adequadas para a exibição no palco,

acabam descaracterizando a essência da arte, que deveria enfatizar o prazer de dançar e não

somente priorizar o desempenho técnico.

Vivemos um contexto em que dançar está ao alcance de todos no que diz respeito à

liberdade de praticá-la e, no entanto, ainda se percebem impedimentos de caráter ideológico

que fazem com que muitos acreditem que não sabem dançar “de verdade”, pois apesar de

praticarem a dança de salão quando vão aos bailes e de terem um profundo contato com

determinado ritmo, não obtiveram esse aprendizado em aulas nem seguem padronizações de

passos. No filme “No ritmo da dança”, há uma cena7 que demonstra essa última afirmação

quando, após saírem para dançar, Ruby se aborrece com Rafael em razão de um mal

entendido iniciado com a pergunta dela sobre ele saber dançar Mambo, tendo ele respondido

que não sabia dançar como ela. Ausentando-se por uns minutos, Ruby volta e vê Rafael

dançando com outra moça. Posteriormente eles conversam e após ela tirar satisfações ele

explica que tinha falado a verdade, que não sabia dançar da forma que ela dançava, mas que

era cubano e sabia dançar sim, ao seu modo, improvisando os passos em decorrência do

sentimento gerado pela música.

7 Cena disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UUsbFvydb1Q>

18

Diversas vezes presenciei em bailes e festas, pessoas com imenso desejo de ir para o

salão dançar, mas que se privavam disso por acharem que “não dançavam direito” e que

“passariam vergonha”, já que os demais estão “dando um show” no salão.

Discutindo o modelo atual de ensino

Refletindo sobre as fases de amadurecimento desse praticante que foram citadas

anteriormente, podemos ser levados a pensar que são etapas ligadas ao processo natural de

aprendizagem nessa dança. Mas ao lançarmos um olhar cuidadoso sobre essas fases, podemos

relacioná-las com o processo de ensino no qual esses praticantes se submeteram, uma vez que

no ambiente de ensino dessa dança também ocorrem aprendizados que vão além da

transmissão de passos.

O dançar, mais do que aprender passos e conduções, significava adentrar

num universo de preparativos para as danças de salão. Compunham esses

preparativos educar os mais diversos sentidos: visão, audição, tato, olfato e,

até mesmo, o paladar. Ouvia-se determinados ritmos e músicas, educava-se o

corpo com o “treinamento” dos passos e posturas, anterior aos bailes e, como

quesito essencial, ornamentavam-se os corpos com outras roupas, e

acessórios diversos daqueles usados no cotidianos, específicos para os

espaços de dança. Dançar comportava um conjunto de práticas anteriores e

posteriores ao ato de dançar (PISANI MARTINI, 2012, p. 91).

Quando se entra em contato com o aprendizado da dança de salão em seus mais

variados estilos, aspectos técnicos e estéticos que embasam esse campo de saberes vão sendo

incorporados de forma gradativa. Aos poucos, o aluno além de aprender a dançar vai aderindo

a determinados comportamentos que caracterizam os praticantes da dança de salão. As regras

para o bom funcionamento da dança, a maneira de abordar um colega quando se quer

convida-lo para dançar, a habilidade em dançar respeitosamente com diversos parceiros,

adaptando-se à forma individual que cada um possui, dentre outros, são alguns exemplos que

podem ser citados. Tais aspectos e comportamentos inevitavelmente serão reproduzidos em

outros contextos em que a dança de salão se faz presente, sejam eles destinados a essas

danças, como os próprios bailes; ou onde ela, apesar de se fazer presente, não tem papel

fundamental como em shows musicais e festas diversas.

O aluno precisa ter o discernimento sobre as diferenças de conceitos e finalidades

existentes sobre a dança (de salão) nos diversos espaços em que ele frequenta. Dançar em um

espaço em que seus frequentadores são praticantes da dança de salão sempre carregará uma

19

conotação de aprendizado técnico, permitindo a priorização do treino de movimentos, mesmo

tendo como plano de fundo a finalidade social. Se esse espaço for a academia, haverá troca de

experiências entre alunos iniciantes e avançados, que ali estão de comum acordo e dispostos a

treinar os passos que aprendem. Mas quando não se está no espaço formal de aula, quando se

dança em uma casa de show, onde seus frequentadores são os mais diversos e antes de

qualquer coisa buscam descontração, é importante que ele tenha a compreensão e reconheça

as várias maneiras de se dançar e as inúmeras possibilidades de movimento dentro de um

mesmo estilo, e entenda que a forma que ele aprendeu é apenas uma dessas possibilidades,

pois apesar de ter aprendido a dança de salão através da codificação, esse não é o único modo

de transmissão e de prática dessa dança.

O aluno entrevistado, do nível intermediário de forró, expressa em sua fala as

diferenças sentidas entre dançar na academia e fora dela (nos “forrós” e casas de shows).

Explica que há diferenças estruturais, “O piso aqui é ótimo, o piso lá fora é horrível”,

diferenças entre o espaço disponível para cada par dançar, “A parte mais dificultosa é lidar

com o espaço pequeno lá fora. Quando nós saímos para dançar em outros ambientes, sempre o

espaço é um problema”. Outra diferença destacada por ele está na forma de se dançar com as

parceiras dos locais distintos: nem sempre conseguirão dançar com a dama das festas da

mesma forma que dançam com as damas da academia, pois essas não necessitam de uma

condução intensa por já saberem os passos que eles irão fazer, ao contrário das damas que não

são habituadas com aqueles movimentos, concluindo que “A condução lá fora tem que ser

bem mais forte”. Esses são alguns exemplos das múltiplas experiências em dança de salão que

necessitam da conscientização dos alunos a respeito das suas particularidades.

Essa consciência nos alunos quase nunca é desenvolvida por duas razões principais. A

primeira tem a ver com a imagem prévia que os alunos têm da dança de salão,

espetacularizada e superficial, construída a partir das produções feitas pela indústria cultural8,

que acaba promovendo a distorção dos significados em virtude de seus objetivos implícitos de

massificação. A outra razão diz respeito ao aprendizado na dança de salão: seguindo moldes

nos quais não há espaço para a reflexão, nem por parte dos profissionais, tampouco dos

alunos. A falta de clareza na escolha do objetivo almejado pela prática da dança de salão, sem

8 [Indústria cultural] é o nome genérico que se dá ao conjunto de empresas e instituições cuja principal atividade

econômica é a produção de cultura, com fins lucrativos e mercantis. No sistema de produção cultural encaixam-

se a TV, o rádio, jornais, revistas, entretenimento em geral; que são elaborados de forma a aumentar o consumo,

modificar hábitos, educar, informar, podendo pretender ainda, em alguns casos, ter a capacidade de atingir a

sociedade como um todo (MORAIS apud RODRIGUES, 2012, p.19).

20

dúvida é consequência desses fatores, e acaba resultando em praticantes que dificilmente

sairão da fase do exibicionismo.

Considerando o atual contexto de modelo econômico capitalista, o ensino da dança de

salão adquiriu caráter mercadológico, no qual se vendem passos dentro de um determinado

prazo. Nesse modelo de ensino fast food não há tempo para o aprofundamento da experiência

que promoveria a conscientização do corpo e a formação estética do indivíduo. Mesmo

havendo abertura para tal, nos deparamos com profissionais que têm uma rica experiência no

conhecimento prático dos movimentos codificados, mas que se limitam a transmitir esse

conhecimento tal e qual aprenderam.

A codificação de movimentos veio da iniciativa de profissionais ingleses no início do

século XX de encontrar a síntese de cada ritmo nos diversos países em que viajaram. Eles

promoveram a padronização dos movimentos e idealizaram o modo de ensiná-los. A partir daí

iniciaram-se as competições conhecidas como Ballroon Dancing (CERIBELLI, 2008 p. 77).

A codificação teve por ponto positivo a divulgação da dança de salão existente nas várias

culturas, permitindo que essa variedade de estilos tivesse um maior alcance no mundo, já que

o seu ensino tornou-se mais fácil. Seu ponto negativo foi a propagação de uma ideia resumida,

podendo ser considerada superficial sobre a vivência daquelas danças, que carregavam a

expressividade de suas culturas e que foram reduzidas às formas padronizadas de estruturas de

movimentos. Rodrigues (2012) comenta:

(...) Como é o caso da Ballroom Dance, que estabelece diversas regras no

sentido de padronizar as diferentes formas de dança para competições. O

samba que vemos em diversos vídeos disponíveis no site You Tube não é o

mesmo samba que dançamos aqui no Brasil, seja o samba no pé, ou o de

gafieira.

Outra consequência foi a transmissão da ideia de que os movimentos da dança de salão

estão relacionados ao virtuosismo gerado pelos passos complexos, muitos deles aéreos, que

mais se assemelham a acrobacias de ginástica, combinados aos figurinos exagerados com

finalidade de espetáculo, que “enchem os olhos” dos espectadores, mas que não transmitem a

essência da cultura daquelas danças, muito menos apresentam uma proposta artística.

Essa codificação também limitou, de certa forma, uma flexibilização da criação de

variações, em que o professor estimule nos praticantes uma busca pelo seu modo próprio de

experimentar os sentidos ao dançar.

21

O mesmo ocorre em relação à mídia, “Com o advento da indústria cultural e seu

empenho em transformar quaisquer formas de manifestações em produto cultural passível de

ser comprado e consumido, a dança de salão também passou por este processo”

(RODRIGUES, 2012, p. 36).

A presença da dança de salão em novelas, filmes e programas de televisão permitem

sua divulgação em todos os meios de classes sociais, culturais e em todas as faixas etárias. Na

década de 1980, a produção de filmes e novelas que mostravam a lambada fez com que esse

ritmo se popularizasse em larga escala, alcançando sucesso internacional e despertando

novamente o interesse dos jovens da época pela dança de salão (PERNA, 2001). Atualmente

há os programas de televisão, como o popular Domingão do Faustão com o quadro Dança dos

famosos9, que convidam seus artistas a apresentarem uma coreografia de dança de salão

semanalmente em caráter competitivo. O que começa com um interesse em ver seu artista

preferido executando provas em um programa de entretenimento, aos poucos vai se

transformando em um contato com o universo da dança de salão.

Essa visibilidade que a mídia traz contribui para o aumento da procura pelo

aprendizado dessa dança por parte desse público diversificado, que passou a apreciar esse

estilo de dança e a desejar dançar como aqueles que viam nos programas. Em contrapartida,

há uma distorção quando apresenta ao espectador o aprendizado da dança de salão se

restringindo meramente à reprodução de sequências de movimento já vistas através dos meios

de comunicação. Podemos trazer um exemplo a partir dos quadros de programas de

entretenimento veiculados em canais abertos. O artista participante ensaia durante a semana

uma coreografia criada pelo profissional de dança de salão que o acompanha. Por causa do

tempo limitado, a experiência com o estilo se restringe à execução da sequência de passos

criada pelo coreógrafo, que dança junto com o artista, facilitando até mesmo a memorização

desses passos. Tudo isso visando a apresentação na qual serão julgados em sua performance,

onde o júri é composto, em sua maioria, por pessoas também famosas que avaliam a

apresentação tomando por parâmetro o prazer estético da cena de dança apresentada. O

espectador fica com a referência superficial de cada estilo apresentado, tendo a impressão de

que dançar se resume a memorizar e reproduzir passos de dança, sendo necessário exibir

alguns movimentos mais complexos, como forma de demonstrar habilidade.

9 Versão brasileira do programa britânico Strictly Come Dancing.

22

A dança, assim como múltiplas outras manifestações da cultura, exige um

aprendizado, a aquisição de uma técnica (ou técnicas) para a sua realização.

Portanto o treinamento, a repetição, o desenvolvimento técnico são

imprescindíveis para que o dançar ocorra como expressão do novo, do

estético. Obviamente, aqui, não estamos nos referindo a um aprendizado que

requeira uma atitude tecnicista ou autoritária, mas à necessidade de um

aprendizado de um modo de fazer, que na dança pode ser traduzido como

um modo de fazer poético (PORPINO, 2006, p. 103).

Dessa forma, reconhecemos que a codificação de passos na dança de salão tem a sua

importância para a transmissão de seus estilos, bem como para a sua conservação ao longo

dos anos. O próprio modo de vida da sociedade atual demanda que se otimize cada vez mais o

tempo gasto para realizar qualquer atividade, sendo necessário se adaptar a essa situação em

virtude da continuidade do ensino da dança. A questão reside na tendência ao esquecimento

dos valores importantes que a transmissão e o ensino da dança carregam, quando se prioriza o

valor do mercado.

A garantia dada ao aluno pelo profissional da dança de salão, por exemplo, de que ele

aprenderá certa quantidade de passos em determinado espaço de tempo é questionável, pois

está se desconsiderando o tempo de aprendizado que varia de aluno para aluno. Além do mais,

na busca pelo cumprimento dessa promessa, o profissional ocupa-se com o aprendizado

técnico, não sobrando espaço para discussões a respeito dos aspectos culturais daquele estilo e

dos significados que atravessam cada gestualidade.

Compreendemos que para a dança ser entendida não só como obra de arte,

mas como manifestação dinâmica e significativa para uma cultura, a forma e

o sentido não podem estar separados. Sentimento e forma podem ser

entendidos a partir de um sentido existencial, de uma relação dialógica, ou

seja, um não pode ser entendido fora da relação com a outra, pois formam

um todo que se transforma em dança (PORPINO, 2006, p. 106).

Também não é considerada a importância de um trabalho corporal mais aprofundado

com esses alunos, que em sua maioria não praticam outras atividades físicas. O resultado são

aulas elaboradas tendo como único objetivo o ensino dos passos codificados, utilizando

padrões de ensino existentes na dança de salão. Essa padronização na forma de ensinar,

embora facilite a atuação profissional, acaba desconsiderando as necessidades individuais dos

alunos, aumentando o grau de dificuldade para alguns, tornando o processo de aprendizagem

mais cansativo e algumas vezes frustrante para eles.

23

Em entrevista concedida, quando perguntada sobre como se deu sua aprendizagem na

dança de salão, a professora Larisa Lima relatou sua experiência com o ensino tradicional no

qual acredita não ter lhe favorecido, já que “não aprendia como os outros”. Ela tinha

dificuldades em aprender os movimentos, devido à sua alta estatura e o seu histórico de pouco

trabalho corporal em dança e declara que hoje entende que o ensino padronizado reduz as

possibilidades dos professores flexibilizarem suas metodologias se utilizando de ferramentas

mais didáticas para reconhecer e trabalhar em cima das dificuldades individuais dos

alunos.Vianna (1990) afirma que “a sala de aula massificada tira a individualidade do aluno e,

se as pessoas não se conhecem nem possuem individualidade, não há como participar do

coletivo (...)”.

Outra consequência da forma padronizada de se ensinar passos codificados é a

transmissão, implícita e/ou explícita, da ideia de que há forma certa e errada de se dançar.

Uma vez que há um padrão de ensino sendo utilizado e não há maiores discussões a respeito

disso, o aluno, a princípio, buscará se encaixar nesse padrão, ainda que não seja o mais

funcional para ele, pois está nítida a mensagem que há uma referência a ser seguida na sala de

aula. A utilização dos termos “certo” e “errado” passa a existir, e se torna cada vez mais

frequente. Sair daquele padrão ou dançar diferente do que o professor ensina implica em erro.

Posteriormente, esse aluno já tendo assimilado os passos e já tendo se habituado a essa forma

única de aprender10

, passa a transmitir e disseminar esses conceitos em todos os espaços em

que frequenta, onde nem sempre são destinados à dança de salão. Esse aluno passa a analisar

a forma de dançar dos praticantes, julgando de modo automático o que é certo e errado,

adequado ou inadequado, de acordo com parâmetros construídos com base na visão da qual

obteve a sua formação.

Essa é a principal razão pela qual o praticante da dança de salão em sua terceira fase

de amadurecimento desperta tanto admiração por seu desempenho técnico, quanto antipatia

por parte dos demais, já que reconhece apenas a legitimidade da forma de dançar que

aprendeu, ignorando e criticando outras possibilidades de expressão e maneiras de dançar que

carregam traços da individualidade e estilos próprios dentro da vivência daquele ritmo.

10 Atualmente a metodologia mais utilizada no ensino da dança de salão no Brasil foi desenvolvida por Jaime

Arôxa, no Rio de Janeiro. Jaime fundou um centro de ensino no qual promove cursos para a formação de

professores no Rio e em São Paulo (PERNA, 2001).

24

Para ilustrar essa afirmação, recorremos a um exemplo bem próximo da cultura

nordestina: o forró, característico da nossa região, tinha em sua dança passos simples, com os

pares bem encaixados que se divertiam nas festas dançando ao som dos sanfoneiros, seguindo

o ritmo gerado pela percussão deixando clara a função social dessa dança. Não havia

codificação de passos a serem utilizados como referência, nem mesmo necessidade para tal. O

dançar bem estava relacionado ao prazer da experiência de se dançar com determinado

praticante que tinha como preocupação se divertir e proporcionar uma boa experiência ao seu

par. A forma de se dançar o forró sofreu codificação e elaboração de passos mais complexos

após entrar na preferência de jovens do sudeste do país11

, que modificaram a maneira

tradicional de se tocar na tentativa, bem sucedida, de atingir maior aceitação do público

daquela região.

Na dança do forró, na região Sudeste, não existiam muitos passos até 1997,

mas com o modismo muita gente fez aulas em academias de dança de salão e

começaram a colocar no forró inúmeros passos de outras danças, como

soltinho, lambada e salsa, e ficou um pouco mais difícil aprender a dançar

forró (PERNA, 2001, p. 127).

Até então, o forró sofria discriminação e era marginalizado pelas elites, que

associavam a sua prática como própria das classes mais pobres. Não aconteceu diferente com

outros ritmos como o Samba de Gafieira e o Tango na Argentina, nos quais tiveram sua

origem nas manifestações populares, considerados indecentes e inadequados ao

comportamento refinado, a princípio, sendo posteriormente incorporadas às elites,

possibilitando a aceitação de modo generalizado (RODRIGUES, 2012).

Com base nessas informações, constatamos que quando se trata da dança de salão em

sua função de dança social, conceitos de certo e errado não se aplicam, ainda que exista uma

codificação que funciona como facilitadora de seu aprendizado. O forró é uma manifestação

da cultura nordestina e o aprendizado dessa dança se dá no âmbito social e familiar, sendo

constante a sua prática em comemorações, festas, shows, bares.

Podemos nos lembrar, nesse contexto, de diversas danças populares que

podem ser pensadas como significativos ambientes educacionais em que o

aprendizado se dá na informalidade das atitudes, repassadas de pai para

11 A moda do forró na região Sudeste começou em 1996 quando grupos de estudantes da região conheceram a

cidade Dunas de Itaúnas, no Espírito Santo, quase Bahia. Nessa cidade tiveram contato com o forró, que

passaram a chamar de forró de Itaúnas. Com o surgimento do modismo, o forró invadiu o Sudeste, recebendo o

nome de forró pé-de-serra, por buscar o tradicional e forró universitário, nesse caso em alusão aos estudantes que

estavam fazendo moda (PERNA, 2001, p. 125).

25

filho, e nas quais a tradicionalidade das criações convive simultaneamente

com o dinamismo de suas inevitáveis recriações no presente (PORPINO,

2006, p.104).

Ao contrário de outros estilos que não são comuns na nossa região, o forró não

necessita da academia de dança para existir e ser ensinado, e sendo assim, a maioria das

pessoas que dançam forró não seguem a codificação que foi estabelecida e, muitas vezes,

sequer as reconhece.

Quando ocorre a aproximação entre o praticante que aprendeu a codificação de modo

puramente técnico, com o praticante que construiu seu aprendizado através das vivências

naquela dança, o choque ideológico é inevitável. E assim acontecem os julgamentos por parte

dos alunos das academias quando vêm os demais praticantes dançarem ao seu modo, nem

sempre com a postura retilínea com a qual foram ensinados e com movimentos diferentes dos

que aprenderam. No sentido inverso, ocorre a crítica ao excesso de acrobacias feitas pelos

alunos da dança de salão, que quase nunca dançam próximos do seu parceiro, afastando-se do

prazer de se relacionar com o outro através da proximidade dos corpos.

Sobre o ensino da dança de salão

O ensino da dança de salão no Brasil teve seu início no século XIX com professores

vindos da Europa para ensinar os nobres que seguiam os costumes da corte francesa. No

início do século XX, Madame Poças Leitão saiu da Suíça e veio para São Paulo fundar a

“Escola de Danças e Boas Maneiras” que tinha como público-alvo os filhos dos nobres.

Madame acompanhava as tendências da dança de salão na Europa por meio de uma revista

vinda de Paris que recebia trimensalmente (PERNA, 2001).

Madame Poças Leitão ensinava somente a dança de salão tipicamente europeia. O

ensino da dança de salão com a presença de elementos da cultura brasileira teve seu destaque

no Rio de Janeiro com Maria Antonietta, natural de Manaus. Antonietta já dançava em sua

cidade natal, e quando se mudou para o Rio de Janeiro continuou dançando nas Gafieiras,

entrando, pouco tempo depois, na Academia Morais de Dança de Salão como auxiliar de

dança. “Antonietta se recorda que antigamente os instrutores trabalhavam apenas corrigindo

passos. E as aulas já eram entre alunos” (PERNA, 2001 p.97).

26

A princípio, os frequentadores das gafieiras eram oriundos das classes mais baixas e

aprendiam a dançar por meio da tradição. Quando se falava em aulas particulares de dança de

salão, essas eram realizadas de forma amadora pelos dançarinos que costumavam se destacar

nos bailes. A sistematização do ensino da dança de salão no Brasil ocorreu após as classes

médias e altas começarem a frequentar as gafieiras, tendo em vista o fato de que “(...) essa

apropriação pela elite de manifestações vindas originalmente de outras classes, ocorre

mediante algumas alterações na forma de se dançar” (ROGRIGUES, 2012. p.45). A partir daí

teve início a criação das academias de dança de salão que foram adquirindo, cada vez mais,

caráter profissional.

A profissionalização da dança de salão permitiu o seu ensino em locais especializados,

com professores que passavam adiante os ensinamentos que receberam dos seus mestres de

forma empírica. Inicialmente as aulas aconteciam em grupos de alunos, mas de maneira mais

individualizada, não tendo o modelo de aula que conhecemos atualmente, com o professor

conduzindo os alunos coletivamente.

Com o desenvolvimento da indústria cultural e a sua produção de conteúdos através

dos meios de comunicação, a dança de salão, sendo contemplada como um desses conteúdos

por volta da década de 1980 foi amplamente divulgada ocasionando em um aumento do

número de alunos nas academias. Houve então a necessidade de construir formas de se

ensinar que atendesse a essa nova demanda. Nomes como Carlinhos de Jesus e Jaime Arôxa

(aluno de Maria Antonietta) são exemplos que se destacam na construção de uma metodologia

de ensino padronizado, sendo esse último a principal referência na sistematização do ensino

da dança de salão, oferecendo workshops e cursos para a formação de professores (PERNA,

2001).

Tendo como base a decomposição dos movimentos em partes menores que facilitava

tanto o aprendizado quanto o ensino da dança de salão, a metodologia de Jaime Arôxa foi

amplamente difundida, sendo utilizada pela maioria dos profissionais até os dias atuais. As

características desse método de ensino se adequaram perfeitamente aos costumes da cultura

moderna, uma vez que permitiam a transmissão das técnicas da dança de modo padronizado,

colaborando para a sua comercialização. Sobre essa comercialização, Rodrigues (2012, p. 18)

afirma:

Em relação à dança de salão, isso torna-se um problema a partir do momento

em que as diversas pessoas veem na dança apenas uma forma de obtenção de

27

lucro. Surgem, assim, diversas escolas com profissionais despreparados tanto

em relação à técnica quanto à didática de ensino e a forma de lidar com o

público.

A partir do momento em que o mercado dita as regras do ensino da dança, e que seu

principal objetivo é o lucro, a qualidade da experiência na dança de salão tende a cair

consideravelmente, já que o ensino da dança passa a ser visto como um produto a ser vendido

sem que haja qualquer compromisso por parte dos profissionais com o processo de

aprendizagem e com a formação desse ser social. Muitos desses profissionais encontram-se na

fase do exibicionismo, tendo bastante conhecimento técnico e pouca maturidade com relação

à vivência na dança, e passam a dar aulas, servindo de referência para o aluno iniciante, que

consequentemente perde uma grande oportunidade de usufruir dos benefícios da dança em sua

essência.

Projeções para o ensino da dança de salão

Como já mencionado, a forma de se ensinar a danças de salão atualmente, têm se

resumido ao ensino de passos seguindo um modelo de aula convencionado entre seus

profissionais. Ainda que cada professor tenha sua particularidade ao transmitir seus

conhecimentos, observa-se uma estrutura básica de aula a ser seguida, contando com uma

apresentação detalhada do passo, execuções repetitivas, trocas de pares, entre outros

momentos bem comuns dentro do contexto de uma aula de dança de salão, todos esses

realizados sob o comando do professor.

Grangeiro (2014) cita Karina Belídio Cesar a respeito do seu trabalho de pesquisa

sobre as metodologias de ensino usadas por professores em renomadas academias do Rio de

Janeiro, onde a mesma verificou que “as propostas de ensino fechadas, engessadas no poder

decisório do professor e na repetição do aprendizado de sequências de passos ainda têm um

traço forte na forma de ensinar a dança de salão”. Nessa relação predominante entre professor

e aluno, “o professor limita a capacidade de seu aluno de agir, de sujeitar-se ao processo

ensino aprendizagem e desta forma, ter autonomias (gestual e atitudinal)” (MESQUITAb,

2011, p. 108). O aluno adequado para esse modelo de ensino tradicional é aquele com

comportamento passivo, que não questiona as informações que recebe e que apresenta

dependência ao conhecimento do professor, limitando-se a dançar conforme lhe foi passado.

28

A contemporaneidade vem nos apontando novas visões de mundo. As linguagens das

artes cada vez mais exigem dos seus apreciadores a capacidade de interpretação baseada em

sua subjetividade, permitindo múltiplas experiências em uma mesma obra. A educação

apresenta novos modelos de ensino pautados na formação da autonomia do indivíduo. As

demais áreas de conhecimento das ciências humanas também caminham no sentido da

valorização da experiência pessoal em virtude do autoconhecimento que tantos acreditam ser

a chave para despertar a busca pelo conhecimento, possibilitando a mudança de uma

sociedade que atualmente é campo fértil para a implantação da cultura de massa por parte dos

que desejam manter o seu poder político e econômico. Contribuindo com esse pensamento,

Gadotti (1985) apud Mesquitab (2011, p. 114) a respeito da consciência crítica no processo

educacional, afirma:

O papel da conscientização (...) é essa decifração de mundo, dificultado pela

ideologia, é esse ir “além das aparências”, atrás das máscaras e das ilusões,

pagando o preço da crítica, da luta, da transgressão, da desobediência, enfim,

da libertação. Isso significa que, hoje, um dos maiores obstáculos à

conscientização é a própria educação, o próprio sistema do processo de

ensino aprendizagem, funcionando como aparelho ideológico de ocultação

da consciência.

Uma vez que o ensino da dança funciona como facilitador no processo educacional do

corpo-sujeito, podemos considerar que “o trabalho educativo realizado na dança é

eminentemente crítico dos valores sociais, usos e costumes que tiranizam o ser humano e

impedem sua expansão como sujeito e agente social” (NUNES, 2003, p.33).

Apenas a memorização dos passos de dança não impele o aluno a

desenvolver um senso crítico, participativo e questionador do conhecimento.

Desenvolver esses tipos de habilidades proporciona um distanciamento de

um aprendizado referenciado por uma prática mecânica, limitada à

reprodução do conhecimento de um código (FEITOZA, 2011).

Desse modo, percebemos a necessidade da disseminação de novas experiências com

ensino da dança de salão que já se fazem presentes no contexto nacional. Ainda que existam

de forma pontual e bastante experimental, essas novas experiências já apontam resultados

positivos e significativos em sua atuação.

Experiências em um novo modelo de ensino da dança de salão

O ato de ensinar exigirá sempre de quem ensina múltiplas competências, e

dentre elas, as que se situam nas dimensões técnicas, políticas e pedagógicas.

29

Ensinar é convencer, é argumentar, é ampliar possibilidades de olhares,

como também possibilidades de como fazer, de sentir, de extrapolar o senso

comum (MESQUITAb, 2011, p. 107).

Os profissionais que buscam essa nova abordagem no ensino da dança de salão,

constroem suas metodologias em função do reconhecimento das necessidades individuais dos

alunos, apresentando uma postura investigativa do conhecimento teórico-prático das danças,

das possibilidades de movimentos do seu próprio corpo, permitindo o fornecimento de

subsídios para os seus alunos desenvolverem sua autonomia ao dançar.

Ilustrando essa busca de alguns profissionais por novos métodos de ensino da dança de

salão, apresentaremos brevemente a experiência no contexto local de Larisa Lima, professora

de dança de salão há sete anos na cidade de Natal-RN, entrevistada a respeito do trabalho que

desenvolve com seus alunos.

Larisa acredita ser importante que o aluno de dança de salão aprenda a se conhecer,

pois isso despertaria a consciência corporal que promove na autonomia desse aluno. Paralelo

a isso há a questão da confiança que se obtém quando se executa um movimento com

propriedade, e essa confiança melhora a autoestima que ajuda na socialização desse aluno,

combatendo a timidez de forma eficaz.

Baseando-se nesses princípios ela construiu sua forma de ensinar levando em

consideração as dificuldades que teve em sua época de aluna, quando aprendeu a dança de

salão de modo tradicional, onde o ensino padronizado não favoreceu sua aprendizagem na

dança também devido à sua estatura (alta), uma vez que não se aprofunda nas necessidades de

cada corpo. Buscou compensar essas dificuldades transitando nas aulas dos diversos

professores da academia que fazia aulas. Comparando as diversas formas de se abordar o

mesmo passo começou a entender o funcionamento daquela movimentação em seu corpo,

adaptando-o à sua realidade corporal, permitindo que o executasse de forma autêntica, sem a

sensação de estar reproduzindo o movimento em sua forma.

Na construção da sua forma de ensinar sentiu necessidade de pesquisar a respeito,

tomando conhecimento do ponto de vista de outros profissionais nos artigos e livros que lia.

Percebeu que muito do que fazia de forma intuitiva, outros profissionais já trabalhavam mais

aprofundadamente. Sua formação na Licenciatura (Ciências Biológicas) permitiu que tivesse

contato com os conteúdos de ensino, nos quais se utilizou para ensinar a dança de salão. Na

área de Dança, os autores Rudolf Laban, Klauss Vianna e Jussara Miller exercem grande

influência na construção da sua aula e entre os profissionais de dança de salão ela encontra

30

referência no trabalho de Demétrius Gonçalves, que também é dançarino contemporâneo,

pesquisador e trabalha para a UNESCO.

O trabalho com seus alunos acontece de modo a chamar a atenção deles para o próprio

corpo, entendendo o que cada movimento acarreta neles e em seus parceiros, fazendo com

que reconheçam os diferentes corpos e suas respectivas maneiras de se movimentarem, não

havendo jeito certo ou errado de se dançar.

Larisa afirma que gosta de utilizar como método em suas aulas o construtivismo e o

ensino por descoberta, utilizando-se de elementos que os alunos já trazem de suas vivências e

estimulando-os à investigação e experimentação dos conteúdos apresentados de modo ativo.

Apesar de trabalhar com o ensino de passos codificados, entende a importância do trabalho

corporal (que não acontece de forma rápida) não deixando que o ensino de passos seja uma

“informação vazia”. Ela declara que sente falta de trabalhos acadêmicos na dança de salão,

principalmente aqueles envolvendo a experimentação de novas metodologias.

Entre os benefícios citados da dança de salão, Larisa acrescenta o valor que o aluno

passa a dar às artes e à cultura, pois ele agora se encontra inserido ativamente nesse contexto.

Ela mostra-se otimista com relação à disseminação das novas abordagens no ensino da dança

de salão e segue com o seu trabalho, sempre buscando novas possibilidades de ensinar, no

intuito de acessar os diferentes ritmos de aprendizado de seus alunos.

Em entrevista, um aluno do nível avançado de zouk que faz aulas com essa professora,

declara que aprova a metodologia usada por ela, pois observa que mesmo ela dominando

aquela dança, não supõe que é fácil para todos aprenderem, percebendo a origem das

dificuldades apresentadas pelos alunos e trabalhando em cima delas. Esse aluno revela que já

teve aulas com outros profissionais, mas que escolheu ter aulas com essa professora por sentir

que dança de forma mais natural e por se sentir em constante evolução na dança.

Serão mencionados a seguir, outros profissionais no contexto nacional que também

realizam seus trabalhos levando em consideração não apenas a transmissão técnica dos passos

da dança de salão, mas também o processo educacional.

Marcelo Grangeiro é dançarino e coreógrafo, licenciado em Educação Física no

Maranhão, pós-graduado em Teoria do Movimento da Dança, com ênfase em Dança de salão

pela FAMEC em Curitiba. Autor do livro “Ai, pisaram no meu pé! – Um novo conceito em

aprendizagem e ensino na dança de salão” (2014), suas inquietações a respeito do modo

31

engessado de se dançar somado a alguns acontecimentos, inspiraram e possibilitaram a

construção da sua forma de ensinar a dança. O primeiro acontecimento foi o contato com

Jomar Mesquita da Mimulus Escola de Dança (Belo horizonte - MG) em uma aula de

composição coreográfica, onde a utilização de ferramentas como a técnica de movimento

Labaniana, despertou-lhe para novas possibilidades de criação na dança de salão. Outro

contato importante foi com Raquel Mesquita, sua professora na pós-graduação, onde aprendeu

na disciplina por ela ministrada diversas possibilidades metodológicas para a dança de salão

de forma lúdica e técnica, tendo em vista os objetivos de ensino, e compartilhando as decisões

da aula com os alunos. Sua terceira referência foi o contato com o conceito de Andragogia, no

qual baseia as suas escolhas metodológicas. Em seu livro, Grangeiro apresenta uma discussão

que fundamenta o seu trabalho, e que serve de referência aos profissionais que desejam

trabalhar dessa forma, mas sem mostrar um método pronto, pois isso limitaria a busca por

outras possibilidades.

Raquel Mesquita é mestra em Pedagogia do Movimento Humano, foi responsável pela

implementação da disciplina de dança de salão educacional como matéria eletiva na

Universidade Gama Filho (RJ) em 1992, fato que abriu caminhos para a dança de salão no

espaço acadêmico. Seu contato com a dança de salão foi com Carlinhos de Jesus e Jimmy de

Oliveira, vindo a ensinar, posteriormente na escola de Carlinhos. Trabalhou com Educação

Física e desenvolveu uma metodologia para o ensino da dança de salão específica para

crianças. Também escreveu vários artigos críticos sobre a dança de salão. Em seu artigo

“(Alguns) aspectos metodológicos para aulas de dança de salão: uma necessidade

emergencial” (2011), ela discute as metodologias predominante e aponta novos horizontes

para as aulas de dança de salão, fundamentando o seu discurso com pensadores da área

pedagógica.

João Batista Mesquita e Baby Mesquita, fundadores da Mimulus Escola de Dança em

Belo Horizonte- MG no ano de 1990 também desenvolveram um trabalho diferenciado na

dança de salão. Apesar de seguirem o caminho das artes cênicas, deram suas contribuições

para novas formas de se pensar o ensino dessa dança. Foram pioneiros no ensino

sistematizado da dança de salão na capital mineira e “promoveram uma grande reestruturação

metodológica no ensino das mesmas e acabaram por transformar toda uma cultura das danças

a dois em Minas Gerais” (MESQUITAa, 2011, p.59). Filho do casal, Jomar Mesquita dá

continuidade ao trabalho de seus pais com a Mimulus cia. de dança, que atualmente se destaca

32

na produção de espetáculos na dança de salão em uma perspectiva diferenciada, próximo ao

conceito contemporâneo.

As experiências desenvolvidas por esses profissionais são múltiplas em seus formatos,

mas apresentam os mesmos objetivos, e todas elas apontam resultados satisfatórios para os

seus alunos, servindo de referência para os demais atuantes no ensino da dança de salão que

buscam transmitir aos seus alunos a essência da experiência da dança social atrelada a uma

metodologia que se relacione com as demandas da contemporaneidade.

Nos últimos tempos a humanidade vem passando por um processo

permanente de transformações que fizeram com que as pessoas analisassem

seus conceitos, expectativas e consequentemente aumentassem suas

exigências sobre diferentes questões. Dentre elas, podemos destacar os

princípios básicos para ensinar e suas implicações no aprender

(GRANGEIRO, 2014, p.35).

Porpino (2006), ao falar sobre a vivência estética proporcionada pela experiência com

a dança complementa o pensamento anterior ao afirmar que “(...) a busca por realizar tal

tarefa faz surgir situações desveladoras de um educar que não se traduz pela transmissão

linear de conhecimentos, mas pela criação de novos e instigantes ambientes de

aprendizagem”.

O professor de dança de salão, com uma proposição de educador, pode se

apropriar de um modo de ensinar, com o qual possibilite inter-relações entre

áreas de conhecimento e que este seja propício para as práticas dessas danças

em qualquer ambiente em que eles possam ocorrer, seja em academias,

escolas e em processos artísticos. Essas práticas pedagógicas, embora

busquem desenvolver autonomia, requerem o conhecimento de saberes

necessários à prática educativa (FEITOZA, 2011).

Desse modo, as projeções do ensino da dança de salão apontam para a necessidade de

obtenção de informações por parte de seus profissionais a respeito dos processos que

envolvem a aprendizagem.

Isto não quer dizer que todos os professores de dança devam ser formados

em cursos superiores como Dança, Educação Física ou Pedagogia, mas que

pelo menos busquem conhecimentos na área pedagógica e do movimento e

não somente na área artística. Têm-se muitos professores de dança de salão

que estão nessa profissão só por dançarem bem, o que apesar de ser

importante, não constitui um profissional capacitado para a docência.

(REGERT, 2007, p. 40).

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Apesar de reconhecer que uma formação acadêmica específica na licenciatura dança é

de grande importância e amplia as visões artísticas e pedagógicas, entendemos que nem

sempre essa formação é possível para os profissionais em atuação. Sendo assim, é importante

que esse profissional ao menos procure repensar a sua prática constantemente, buscando

conhecimentos e elementos que enriqueçam a experiência dos seus alunos e a sua própria,

fazendo com que todos ganhem nesse processo de experimentar uma dança tão completa em

seu aspecto social como a dança de salão é.

Considerações finais

A partir dos escritos, podemos destacar que a dança de salão precisa de clareza em

seus objetivos ao ser praticada, pois as diversas motivações de seus praticantes conduzem à

determinadas abordagens da dança de salão que merecem ser bem trabalhadas em suas

propostas distintas. É papel dos profissionais da dança de salão prezar pelo discernimento dos

alunos e do público em geral quanto a essas diversas finalidades que a dança de salão pode

ter, pois o ato de ensinar carrega implicações políticas, assumindo o papel de agente ativo

desse processo já que é um formador de opiniões.

Infelizmente, aspectos do contexto histórico e socioeconômico ainda dificultam que a

maioria desses profissionais adquira a formação necessária para o ensino, ou que até mesmo

tenham consciência dessa necessidade. Uma vez que se entenda a importância da constante

busca por melhorias em sua forma de ensinar, esse profissional passará a estabelecer uma

relação com seu aluno mais horizontalizada, passando a ouvir suas necessidades e a detectar

suas dificuldades, trabalhando-as de modo diferenciado e realizando um trabalho corporal e

educativo que possibilite o aluno a vivenciar a experiência da dança de salão em sua essência,

que não se resume a aprendizado técnico e nem a reprodução da forma desses movimentos.

“E a dança não significa reproduzir apenas formas. A forma pura é fria, estática, repetitiva.

Dançar é muito mais aventurar-se na grande viagem do movimento que é a vida. Nesse

sentido, a forma pode se comparar à morte e o movimento à vida” (VIANNA, 1990, p.101).

Entender os desdobramentos ao longo da história da dança de salão para

desenvolvermos um pensamento crítico, frente às demandas sociais nas quais estamos

inseridos e das quais direcionam as artes e o seu ensino, considerando que:

(...) As transformações sofridas até hoje na história das danças a dois, podem

ser estabelecidas como um processo fundamental para a aceitação e

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continuidade dessa arte. Diante desse processo, não nos cabe julgar se foi

correto ou não, justo ou corrupto, nos resta entender o porquê de tais

modificações e como elas foram realizadas (DICKOW, 2012, p. 15).

Por fim, uma frase que resume as nossas inquietações enquanto profissionais do

ensino da dança, “A educação como aprendizagem da cultura, nos faz pensar em um educar

que transita necessariamente pelo passado, na criação do presente e na formação de novas

perspectivas para o futuro” (PORPINO, 2006, p.98).

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REFERÊNCIAS

BOURCIER, Paul. História da dança no ocidente. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

CERIBELLI, Cinthia. Dança: bem-estar e autoconfiança. São Paulo: Escala, 2008. 208 p.

(Revista de dança de salão)

DICKOW, Katiusca. Contextualizando a dança de salão. In: In: PERNA, Marco Antônio

(org). 200 anos de dança de salão no Brasil. Rio de Janeiro: Amaragão Edições de

periódicos, 2012, v.3.

DRUMMOND, Teresa. Enquanto houver dança: biografia de Maria Antonieta

Guaycurús de Souza, a grande dama dos salões. Rio de Janeiro: Bom texto, 2004. p. 116

FEITOZA, Jonas Karlos S. Uma proposta de reformulação em práticas dicotômicas nos

processos de ensino e aprendizagem das danças de salão. In: Encontro Nacional de

Pesquisadores em Dança, 2. 2011, Salvador. Anais do II Encontro Nacional de Pesquisadores

em Dança. Salvador, 2011.

GRANGEIRO, Marcelo. Ai, pisaram no meu pé!: um novo conceito em aprendizagem e

ensino da dança de salão. São Paulo: Scortecci, 2014.

MESQUITAa, Jomar. Transposição da linguagem coreográfica dos salões para os palcos. In:

PERNA, Marco Antônio (org). 200 anos de dança de salão no Brasil. Rio de Janeiro:

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MESQUITAb, Raquel. (Alguns) Aspectos metodológicos para aulas de dança de salão. In:

PERNA, Marco Antônio (org). 200 anos de dança de salão no Brasil. Rio de Janeiro:

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NUNNES, Clarice. Dança, terapia e educação: caminhos cruzados. In: CALAZANS, Julieta;

CASTILHO, Jacyan; GOMES, Simone (coordenadores). Dança e educação em movimento.

São Paulo: Cortez, 2003. p.33

PERNA, Marco Antonio. Samba de Gafieira: a história da dança de salão brasileira. 2ª

ed. Rio de Janeiro: editado pelo autor, 2001.

PISANI MARTINI, Cristiane Oliveira. A dança de salão em Belo Horizonte: primeiros passos

da constituição de uma cultura dançante (1897 a 1930). In: PERNA, Marco Antônio (org).

200 anos de dança de salão no Brasil. Rio de Janeiro: Amaragão Edições de periódicos,

2012, v.2.

PONTES, Joana Barreto. Das Gafieiras para o palco: Um estudo acerca da dança de salão

e suas transformações sociais e artísticas. 2011. 97f. Monografia em Educação Artística

com habilitação em Artes Cênicas. Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis,

2011.

PORPINO, Karenine de Oliveira. Dançar é educar: interfaces entre corporeidade e

estética. Natal: EDUFRN, 2006.

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REGERT, Ana Beatriz. Perfil dos profissionais que ministram aulas de dança de salão em

Florianópolis - SC. 2007, 85p. Trabalho de conclusão de curso - Graduação de Licenciatura

em Educação Física/CEFID-UDESC, Florianópolis, 2007.

RODRIGUES, Maíra. Dança de salão: cultura de massa, de elite ou popular?. In: PERNA,

Marco Antônio (org). 200 anos de dança de salão no Brasil. Rio de Janeiro: Amaragão

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VIANNA, Klauss. A dança. São Paulo: Siciliano, 1990. p. 25 e 101.

REFERÊNCIAS HIPERTEXTUAIS

Ficha técnica do filme No ritmo da dança:

< http://www.adorocinema.com/filmes/filme-20302/> (Acesso em 21 de novembro de 2014)

Ficha técnica do filme Vem dançar:

<http://www.adorocinema.com/filmes/filme-7654/> (Acesso em 21 de novembro de 2014)