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Agenda Social. v.4 , n.1, jan-abr / 2010, p. 90-93, ISSN 1981-9862

Resenha Crítica

Reflexões sobre o Direito Fundamental à Educação

Adriana Lira Mestra em Educação, Secretária e pesquisadora da Cátedra UNESCO

de Juventude, Educação e Sociedade da Universidade Católica de Brasília [email protected]

SIFUENTES, Mônica Jaqueline. Direito fundamental à educação: a aplicabilidade dos

dispositivos constitucionais. Porto Alegre: Núria Fabris, 2009, 345p.

Mônica Sifuentes, mestra em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais

(UFMG) e doutora pela Universidade de Lisboa é a atual juíza federal titular da 3ª. Vara em

Brasília/Distrito Federal. Possuidora de diversos prêmios e autora de vários artigos no Brasil

e no exterior, mostra que os problemas vividos pela sociedade brasileira estão associados ou

são consequentes da violação do direito fundamental à educação. Considera a autora que

tratar desse direito, sobretudo num país como o Brasil, que possui exacerbadas desigualdades

sociais e econômicas, é o mesmo que tratar da exclusão social.

Sifuentes pretende, por meio desse estudo, estimular a conscientização de um número

maior de leitores para a responsabilidade individual, necessária para se garantir a conquista do

direito à educação. Assim, este livro é fundamental para que os educadores e outros

profissionais tenham pleno conhecimento e consciência do direito à educação em nosso país,

que não podem ser restritos a magistrados, membros do Ministério Público e advogados.

Com tamanha sensibilidade para o tema em epígrafe, a autora mostra que o direito à

educação constitui a principal ferramenta para o desenvolvimento dos indivíduos e das

nações. Entretanto, alerta para o fato de que as medidas até então adotadas em nosso país não

são suficientes para fazer cumprir a promessa constitucional, já que não basta, por exemplo,

oferecer vaga aos alunos, mas garantir-lhes condições necessárias, isto é, igualdade de acesso

e de permanência na escola. Para a autora, a não realização plena do direito à educação é fator

responsável pela segregação brasileira.

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Suas inquietações sobre o direito à educação são frutos de alguns anos de estudos. Foi

despertada paulatinamente a partir de participações em grupos, pesquisas, palestras e

elaboração de artigos para aprofundamento do tema em pauta. Então, o que era para ser uma

simples monografia de conclusão de Curso constitui hoje, a segunda edição desse livro, que se

apresenta mais aperfeiçoado, atualizado e ampliado. Numa tarefa minuciosa e nada fácil, a

autora procurou fazer um recorte do direito ao ensino fundamental e o comparar entre as

constituições brasileiras e ainda às de outros países, para que os leitores sejam imbuídos dos

mesmos ideais de otimismo e esperança. Convidando, pois, o leitor a advogar esta causa.

De forma didática, Sifuentes faz com que suas reflexões e referências a diferentes

pesquisadores renomados da área jurídica sejam apropriadas pelos leitores, que também

passam a refletir sobre a problemática. Procura familiarizar o leitor com a Constituição

brasileira, incluindo, em meio à sua análise, as transcrições de dispositivos, a fim de

fundamentar suas discussões e torná-las mais compreensíveis. Analisa-os, mostrando que o

ensino fundamental foi ganhando força de uma constituição à outra. Esmera-se, pois, em

apresentar ao leitor como assegurar plenamente esse direito determinado pela Constituição

Federal.

O livro em seu todo é composto de nove capítulos. Trezentas e quarenta e cinco

páginas com verdadeiras lições sobre a história educacional de nosso país, uma oportunidade.

O primeiro capítulo, que a autora denominou de Introdução, disponibiliza a parábola do

menino Hillel1, que representa muito bem a história de tantos brasileiros situados na mesma

posição de exclusão e que, por isso, acabam sendo privados do direito à educação. Nesse

capítulo, Sifuentes evidencia a realidade brasileira e revela como se deu a implantação das

primeiras escolas, em meio a tantos preconceitos e exclusões. Justifica, pois, a importância da

temática do livro e o contextualiza, mostrando que muitos direitos já foram conquistados,

entre eles o da educação, contudo, ele ainda permanece no papel.

No segundo capítulo, Caracterização do direito ao ensino fundamental, a autora

trata do significado do termo educação e da caracterização desse direito. Evidencia o uso

indeterminado desse termo e abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida

familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições do ensino e pesquisa. Ressalta

ainda os níveis da educação: educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação

1 História contada pelo povo judeu através do Talmud (obra que resume as discussões dos rabinos acerca das leis judaicas, tradições, lendas e

história do povo judeu.)

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superior, diferenciando-os. Caracteriza cada um desses níveis e trata dos objetivos de cada um

deles, expondo as finalidades da educação básica no que se refere ao desenvolvimento

integral do aluno.

No terceiro capítulo, Análise histórico-normativa da educação fundamental no

Brasil: avanços e percalços, Sifuentes trata dos avanços e conquistas da educação, como, por

exemplo, a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino fundamental, que devem ocorrer sem

qualquer forma de exclusão. Faz uma breve análise do trato normativo da educação no

ordenamento jurídico brasileiro por meio do método histórico, tendo como linha evolutiva a

sucessão cronológica das constituições brasileiras e das principais leis ordinárias. Verifica-se

que o caminho percorrido entre as cartas magnas brasileiras foi marcado pela associação entre

progressos e recuos havendo, portanto, uma elevação educacional ao nível dos direitos

fundamentais do homem; porém, a autora chama a atenção para o fato de os resultados ainda

estarem longe do ideal.

Já o quarto capítulo, O ensino fundamental nas constituições modernas, aponta as

diferenças de tratamento dado à educação pelas constituições de países como Portugal,

Espanha, Itália, Bélgica, Alemanha, Áustria, Dinamarca e de países da América Latina:

Argentina, Chile, Peru e Colômbia. Ao final dessa incursão, a autora faz uma apreciação entre

as constituições da América Latina e da Europa, concluindo que não há uniformidade de

consideração desse direito entre esses países e que a atenção dada à educação em cada um

deles interfere em seu desenvolvimento.

O quinto capítulo trata dos Custos do ensino fundamental. Nele se observa que a

educação deve ser tratada como investimento e não gasto. Na história da política do ensino, a

gratuidade da escola pública primária constitui extraordinário avanço, já que era sempre vista

com o caráter de favor do Estado, em vez de direito. Segundo a autora, para se tratar do custo

do ensino fundamental é preciso refletir sobre a relação gratuidade e igualdade. Pelo fato de

ser pública, a escola não pode oferecer ensino de pior qualidade, criando desigualdades na

obtenção da educação fundamental. Compete, pois, ao Estado, o poder de intervir na

economia, de forma a evitar a supremacia dos mais fortes e impedir o monopólio, além de

garantir um ensino de qualidade para todos (redes pública e privada) e gerir,

democraticamente, o sistema de ensino.

O sexto capítulo, Acionabilidade do direito ao ensino fundamental, destaca a

importância do acionamento individual ou particular do Poder Judiciário para aplicação

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imediata das normas constitucionais, a fim de se assegurar a efetividade do direito ao ensino

fundamental. Uma prática que os poderes públicos deveriam prevenir, exercendo de fato suas

atribuições expostas na Lei Maior. Todavia, os menos favorecidos economicamente não têm o

hábito de utilizar o Poder Judiciário na defesa de seus direitos.

O sétimo capítulo, Proteção pelas vias institucionais, trata da atuação dos órgãos

encarregados da execução da política educacional, para controlar a efetividade do direito à

educação. Assim, considera Sifuentes ser o Ministério Público instituição de amparo da

sociedade na garantia desse direito, já que em geral os pobres não podem pagar advogado

particular. Atua, pois, em defesa da criança e do adolescente, protegendo os seus direitos.

O oitavo e penúltimo capítulo, A responsabilidade da família e da sociedade,

destaca o papel do Estado na proteção do direito à educação, mas principalmente o trata como

responsabilidade também da família e dever do próprio aluno. Portanto, podem ser punidos

por descumprimento de suas obrigações. Aponta ainda que a sociedade civil pode e deve

cobrar do poder público o cumprimento de responsabilidades constitucionais, como vagas e

qualidade, ajudando, por outro lado, a escola a desempenhar sua função pública com o

máximo de competência.

E o nono e último capítulo, Reflexões e perspectivas, trata da educação como urgente

desafio decisivo para o terceiro milênio, importante para o desenvolvimento pleno do

indivíduo e da sociedade. Para a autora, a educação contribui para o desenvolvimento

econômico, social e político, ou seja, para a realização dos direitos humanos e das liberdades

fundamentais. Por fim, ela ressalta que as políticas públicas só se caracterizarão como efetivas

se conseguirem oferecer um ensino fundamental de qualidade para todos, do contrário,

fatalmente limitará as oportunidades de mobilidade social da maioria da população que se

encontra na base da pirâmide ocupacional.

Trata-se, portanto, de uma obra de leitura fácil para leigos em Direito, mas

fundamentais para os educadores e outros agentes, que não podem alegar ignorância da Lei.

Uma obra que evidencia a necessidade de os educadores precisarem estar bem informados da

legislação e normas a fim de exercer protagonismo e não ficar a reboque de outros setores.

Sua leitura torna-nos mais perseverantes, leva-nos a ter outra visão acerca do Direito e ainda

ao reconhecimento de se fazer conhecida a Constituição brasileira pelos alunos para que esses

também formem essa consciência. Uma obra para ser lida e indicada a outros colegas como

multiplicadores dessa sensibilidade e urgência demonstradas pela autora.