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Mídias Sociais, Saberes e Representações Salvador - 13 e 14 de outubro de 2011 REFLEXÕES SOBRE O ALCANCE DO AGIR COMUNICATIVO DA SOCIEDADE CIVIL EM REDES SOCIAIS: O CIBERATIVISMO EM QUESTÃO Fred Izumi Utsunomiya 1 Mariza de Fátima Reis 2 Resumo: A ação comunicativa do sujeito, ator de processos políticos nas mídias sociais, pode expressar seus pensamentos sobre a realidade das experiências vividas e construir significados intersubjetivos influencia no processo de desenvolvimento de uma sociedade democrática? A partir de texto anterior sobre a ação do Twitter no contexto pós-resultado de campanha presidencial no Irã em 2009, analisa-se alguns aspectos do ciberativismo nas sociedades islâmicas que passam por transformações políticas. Palavras-chave: Ciberativismo, Mídias Sociais, Ação comunicativa. Abstract: Is the subject’s communicative action the actor of political process in social media that may expresses his thoughts about the reality of experiences and intersubjective meaning making process influences the development of a democratic society? From a previous text published by the authors about the action of Twitter in a post-result of the presidential campaign in Iran in 2009, we analyze some aspects of cyber-activism in Islamic societies undergoing political changes. Keywords: Cyber-activism, Social Media, Communicative Action. 1. AS REDES SOCIAIS E A CONSOLIDAÇÃO DE UMA NOVA MÍDIA No início da década de 70 por Jean-François Lyotard, percebeu as mudanças de paradigma na ciência e na tecnologia, que moldaram a sociedade contemporânea numa forma que ele a denominou sociedade pós-industrial (LYOTARD, 1998). Em 1985, Adam Schaff reconheceu o papel dos computadores na configuração social e econômica da sociedade chamando-na de sociedade informática (SCHAFF, 1995). Alvin Toffler batizou-a de sociedade do conhecimento (TOFFLER, 1990), após tê-la chamado de sociedade da era da informação (1980). Em 1995, Nicholas Negroponte identifica os primórdios de uma sociedade digital (NEGROPONTE, 2001). O sociólogo espanhol Manuel Castells (2007) popularizou a noção de que a sociedade do século XXI é uma sociedade em rede, 1 Mestre em ciências da comunicação, doutorando em Letras-linguística, professor pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. 2 Doutora em comunicação e semiótica, professora pesquisadora da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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Mídias Sociais, Saberes e Representações Salvador - 13 e 14 de outubro de 2011

REFLEXÕES SOBRE O ALCANCE DO AGIR COMUNICATIVO DA SOCIEDADE

CIVIL EM REDES SOCIAIS: O CIBERATIVISMO EM QUESTÃO

Fred Izumi Utsunomiya1

Mariza de Fátima Reis2

Resumo: A ação comunicativa do sujeito, ator de processos políticos nas mídias sociais, pode

expressar seus pensamentos sobre a realidade das experiências vividas e construir significados

intersubjetivos influencia no processo de desenvolvimento de uma sociedade democrática? A

partir de texto anterior sobre a ação do Twitter no contexto pós-resultado de campanha

presidencial no Irã em 2009, analisa-se alguns aspectos do ciberativismo nas sociedades

islâmicas que passam por transformações políticas.

Palavras-chave: Ciberativismo, Mídias Sociais, Ação comunicativa.

Abstract: Is the subject’s communicative action the actor of political process in social media

that may expresses his thoughts about the reality of experiences and intersubjective meaning

making process influences the development of a democratic society? From a previous text

published by the authors about the action of Twitter in a post-result of the presidential

campaign in Iran in 2009, we analyze some aspects of cyber-activism in Islamic societies

undergoing political changes.

Keywords: Cyber-activism, Social Media, Communicative Action.

1. AS REDES SOCIAIS E A CONSOLIDAÇÃO DE UMA NOVA MÍDIA

No início da década de 70 por Jean-François Lyotard, percebeu as mudanças de

paradigma na ciência e na tecnologia, que moldaram a sociedade contemporânea numa forma

que ele a denominou sociedade pós-industrial (LYOTARD, 1998). Em 1985, Adam Schaff

reconheceu o papel dos computadores na configuração social e econômica da sociedade

chamando-na de sociedade informática (SCHAFF, 1995). Alvin Toffler batizou-a de

sociedade do conhecimento (TOFFLER, 1990), após tê-la chamado de sociedade da era da

informação (1980). Em 1995, Nicholas Negroponte identifica os primórdios de uma

sociedade digital (NEGROPONTE, 2001). O sociólogo espanhol Manuel Castells (2007)

popularizou a noção de que a sociedade do século XXI é uma sociedade em rede,

1 Mestre em ciências da comunicação, doutorando em Letras-linguística, professor pesquisador da

Universidade Presbiteriana Mackenzie. 2 Doutora em comunicação e semiótica, professora pesquisadora da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

identificando o papel que a rede internacional de computadores – internet – exerce na

configuração social, econômica e política do mundo hoje. As sociedades de diversos países,

apesar de suas diferenças políticas, econômicas e culturais, possuem algumas características

comuns como:

partilham de uma realidade de globalização cultural e econômica;

buscam prover (com maior ou menor controle) serviços de telefonia celular e acesso à

internet com tecnologia de ponta e

têm uma população que procura se conectar intensivamente através da internet com suas

redes sociais através de dispositivos eletrônicos digitais.

Essa configuração de uma sociedade organizada em redes interligadas de computadores

(ligação física) pressupõe uma organização social, menos hierárquica, com centros (ou nós) de

interligação distribuídos horizontalmente, formando núcleos comunitários virtuais que podemos

chamar de redes sociais.

As redes sociais são uma manifestação social muito antiga e se referem a uma estrutura

social formada por pessoas (ou organizações), ligadas por um tipo de relação e que

compartilham de valores e objetivos comuns (figura 1). Uma rede é aberta, elástica e capilar.

Raquel Recuero transporta esse conceito para o ambiente da internet, reconhecendo os atores

(ou os “nós”) como pessoas ou representação delas (RECUERO, 2008, p.22) num sistema

interligado. Esses agrupamentos humanos podem possuir diversos atores (ou “nós”) de uma

comunidade, com seus diversos tipos de conexões ou vínculos que se relacionam (ou têm uma

dinâmica).

Figura 1 – Rede social tradicional: relações comunicacionais humanas interpessoais

A sociedade em rede, através da comunicação mediada pelo computador e das novas

Tecnologias de Informação e de Comunicação (novas TIC’s) como os computadores pessoais,

os smartphones e tablets, juntamente com os sites de relacionamento e de trocas de mensagens

como Orkut, Facebook, Flicker e Twitter possibilitou uma explosão de “redes sociais”

conectadas através da internet (figura 2) onde os “nós” de uma rede podem estar interligados a

dezenas, centenas, milhares e até milhões de outros nós, possibilitando uma comunicação em

rede real, quase como uma comunicação mass media, mas disponibilizada por uma pessoa

apenas.

Figura 2 – Rede social na internet: relações comunicacionais mediadas por novas TIC’s.

Perfis (“nós”) no Twitter ou no Facebook de certas celebridades ou pessoas influentes

possuem dezenas de milhares (ou milhões) de seguidores, proporcionando algo que já é muito

mais que uma simples rede social de relacionamento via Internet, tornando-se praticamente

uma mídia, um canal de comunicação. Portanto, faz sentido denominar as redes sociais

mediadas pela internet como “mídias sociais” (figura 3), que seriam uma forma de

comunicação de massa a partir de um “nó” na rede, ou seja, de um ator social, uma pessoa

comum.

Mídia social se refere a atividades, práticas e comportamentos entre as

comunidades de pessoas que se reúnem online para compartilhar

informações, conhecimentos e opiniões usando meios de conversação.

Meios de conversação são aplicativos baseados na web que permitem criar

e transmitir facilmente o conteúdo na forma de palavras, imagens, vídeos e

áudios. (SAFKO e BRAKE, 2010, p.5).

Figura 3 – Rede social na internet: Mídia Social com alcance de mídia de massa

2. A SOCIEDADE CIVIL E A ESFERA PÚBLICA

A “Sociedade Civil” é um ator social que emerge a partir da visão tripartite da

sociedade (Estado, Mercado e sociedade em geral) e representa o campo da interação social

entre o Mercado e o Estado, composta por cidadãos individuais ou relacionados a partir de sua

esfera íntima (família) ou pública (associações e movimentos sociais). O ator “Sociedade

Civil Organizada” é uma parte da sociedade civil que se organiza, em torno de uma luta por

maior inserção no cenário social e político, legitimada, principalmente por dois fatores: a) a

impossibilidade de resolução das grandes questões sociais globais, através apenas de ações

governamentais ou de mecanismos de mercado; b) pela atual situação de descrédito nos

sistemas de representação política.

O termo “Sociedade Civil” remete frequentemente à idéia de “luta” dos movimentos

sociais contra o autoritarismo de regimes totalitários especialmente na Europa Oriental e na

América Latina como descritos por Norberto Bobbio e Liszt Vieira (BOBBIO, 2007 e

VIEIRA, 2001). As “mediações” da Sociedade Civil entre o Mercado e o Estado se dão na

“esfera pública”, e pode ser compreendida como a esfera das pessoas privadas reunidas em um

público; elas reivindicam esta esfera pública regulamentada por alguma autoridade, mas

diretamente contra a própria autoridade, a fim de discutir com ela as leis gerais da troca na

esfera fundamentalmente privada, mas publicamente relevante, as leis do intercâmbio de

mercadorias e do trabalho social (HABERMAS, 1984, p.42). A reunião de um público, formado

por cidadãos, elaborando uma opinião pública comum, baseada em civilidade da racionalidade

do melhor argumento, fora da influência do poder político e econômico, tem sido amplamente

realizado, através do a) acesso às informações veiculadas pela imprensa livre e b) pela interação

de comunidades e redes sociais da Internet.

A própria “esfera pública” se apresenta como uma esfera: o âmbito do que é

setor público contrapõe-se ao privado. Muitas vezes ele aparece

simplesmente como a esfera da opinião pública que se contrapõe ao poder

público. Conforme o caso, incluem-se entre os órgãos estatais ou então os

mídias que, como a imprensa, servem para que o público se comunique

(HABERMAS, 1984, p.14).

A Imprensa, desvencilhada de interesses governamentais e econômicos, prezando pela

livre circulação de idéias e notícias, possibilitando o diálogo que potencializa o agir

comunicativo em prol da Sociedade Civil é um componente inestimável da esfera pública.

3. ELEIÇÕES IRANIANAS EM 2009, AS TIC´S E O AGIR COMUNICATIVO

As eleições do Irã em 2009 serviram como base de trabalho apresentado no Intercom

2010, utilizando-se dessa perspectiva do uso das redes sociais como instrumento num espaço

público possibilitado pela internet com fins de se exercer a ação comunicativa. O panorama

social e histórico desse país foi elaborado através das reportagens da revista Época de 22 de

junho de 2009 (EVELIN e MENDONÇA, 2009) e (PEREIRA, 2009) e resume-se no seguinte

relato, extraído do trabalho anterior:

A mídia no Irã é censurada e controlada pelo governo islâmico conservador. As

eleições de junho de 2009 foram o estopim para manifestações populares contra a reeleição do

presidente Ahmadinejad (populista, com apoio da grande maioria – pobre e rural – do Irã, mas

com pouco apreço por parte da emergente classe média iraniana, justamente a que tem acesso

às mídias sociais), pois a margem de superioridade fora muito maior do que a prevista e a

contagem dos votos se deu num prazo muito rápido. Com a desconfiança de fraude, milhares

de manifestantes saíram às ruas e enfrentaram as forças governamentais e simpatizantes do

presidente. Os conflitos resultaram em mortes e prisões. Os internautas iranianos, a despeito

da comunicação oficial da mídia controlada pelo governo, mobilizaram-se através de

mensagens postadas no Twitter, no Facebook e até vídeos no YouTube captados por câmaras

de celulares que demonstravam a brutalidade das forças governamentais. Em questão de

minutos, o mundo ficou sabendo da mobilização iraniana frente à repressão do governo em

protesto aos resultados das eleições. O governo tentou reagir tornando lentas a conexão, mas

não teve coragem suficiente para “derrubar” a conexão do país (o que poderia trazer

consequências comerciais e logísticas terríveis). O acesso à internet e aos serviços de

mensagens instantâneas do Twitter via telefonia celular foram determinantes para que uma

parcela significativa da Sociedade Civil iraniana, que se via alijada de seus direitos básicos de

liberdade de expressão e de manifestação de seu poder representativo pelo meio das urnas

pudessem expressar na Esfera Pública (a que não era controlada pela mídia subordinada ao

Estado) sua voz.

O resultado final desse acontecimento foi o endurecimento das medidas restritivas e

coercitivas do Estado e eliminação das vozes contrárias ao regime. As manifestações

espontâneas da sociedade iraniana foram sufocadas numa aparente vitória do regime

autoritário. No entanto, algumas repercussões e lições para o campo da comunicação podem

ser apreendidas desse episódio.

Concluímos em 2010 que a fenomenologia de modo experiencial sobre os

acontecimentos no Irã foi além do racionalismo sistêmico de pura descrição. A ação

comunicativa dos relatos dos fatos postados em rede em tempo real propiciaram à época

reflexões sobre a possibilidade de estarmos vivenciando a construção de uma “esfera pública

do século XXI”.

Dois anos após as eleições iranianas, problematizamos nossa conclusão anterior,

objetivando acompanhar a evolução do conceito comunicativo de validação das ações em rede

como possibilidade de modificações sociais. Quais as características sócio-comunicativas via

“nós”, Twitter, Facebook, Youtube, conceito já expandido das TICs , que permeiam o processo

de disseminação das mensagens compartilhadas?

4. A “PRIMAVERA ÁRABE”, CIBERATIVISMO E REFLEXÕES

A “Primavera Árabe” é o termo que a imprensa internacional deu aos protestos no

mundo árabe em 2010 e 2011 (ainda estão em desdobramento) que vêm ocorrendo através de

manifestações populares e confrontos com os governos totalitários estabelecidos na região nas

últimas décadas na região do Oriente Médio e no Norte da África desde dezembro de 2010 até

agora. Tem havido revoluções na Tunísia, no Egito, guerra civil na Líbia, protestos na

Argélia, no Bahrein, no Djibuti, no Iraque, na Jordânia, na Síria, em Omã, no Iêmen e em

diversos outros países. Os protestos caracterizam-se por técnicas de resistência civil em

campanhas sustentadas envolvendo greves, manifestações, passeatas e comícios, bem como

pelo uso das mídias sociais, como Facebook, Twitter e YouTube, para organização interna e

comunicação da comunidade internacional a fim de sensibilizá-la para as precárias situações

social, econômica e política que esses países enfrentam sob os atuais governos. O início dessa

revolução foi provocado pelos protestos que ocorreram na Tunísia em 18 de Dezembro de

2010, após a auto-imolação de Mohamed Bouazizi, em uma forma protesto contra a

corrupção policial e maus tratos. Esse fato, amplamente divulgado pelas redes sociais da

Tunísia alcançou projeção na imprensa internacional, provocando a primeira das revoluções

na região, que ficou conhecida com Revolução de Jasmin e que culminou na queda do general

Zine El Abidine Bem Ali no dia 14 de janeiro, que estava no poder desde novembro de 1987.

A utilização das mídias sociais para registro tanto visual quanto verbal dos atos

políticos ocorridos pode ser considerada, portanto, como “atos de fala” sob padrões

austinianos (1990), segundo os quais as proposições que informam os fatos explicitam a

intencionalidade do agir comunicativo dos atores sociais envolvidos. Rigitano, no começo da

década (RIGITANO, 2003), citando diversos autores, definiu o termo “ciberativismo” como o

sendo o uso da internet por movimentos politicamente motivados com o objetivo de alcançar

suas tradicionais metas ou lutar contra injustiças que ocorrem na própria rede. Tal definição

foi elaborada antes do surgimento do Twitter (2006), do YouTube (fevereiro de 2005), do

Facebook (fevereiro de 2004) ou do Orkut (janeiro de 2004). Essas mídias sociais – com

destaque para o Twitter, que é otimizado para o uso a partir de celulares – com certeza

aumentaram significativamente a influência dos “movimentos politicamente motivados” em

dois aspectos: a) exploração da democratização de acesso à internet: não é preciso ter um site

para divulgar seus ideais, muito menos dominar a tecnologia para fazê-lo e b) velocidade de

atualização dos “posts” ou mensagens. Se entendermos a realidade tecnológica de 2003,

muito menos pessoas tinham acesso à internet e a “criação de conteúdo” para ser postado era

mais complicado. A criação e publicação de uma página simples na internet poderia demorar

alguns minutos para especialistas, mas para leigos, seria um processo que demandaria até

algumas horas. Hoje, com o Twitter, em questão de segundos é possível postar uma

mensagem que poderá ser lida por milhões de pessoas. A postagem de fotos e vídeos no

YouTube hoje segue a mesma lógica: em alguns segundos é possível postar um vídeo de um

acontecimento que aconteceu há questão de minutos. O acesso à rede social, a capilaridade

(alcance global e local) dessa rede e a velocidade com que se é possível trocar mensagens

nessas mídias tornam-nas muito eficientes e atraentes para o ciberativismo.

O fácil acesso ao uso das mídias sociais na atualidade é o fato relevante nessa nova

onda de levantes populares, que se organizam aparentemente sem uma liderança formal. Essa

modalidade de revolução política mediada pelas mídias sociais tem provocado interessantes

debates não apenas no meio político e comunicacional, mas também no meio acadêmico.

Manuel Castells, declarou, em uma entrevista de fevereiro de 2011:

... a transformação das tecnologias de comunicação cria novas possibilidades

para a auto-organização e a auto-mobilização da sociedade, superando as

barreiras da censura e repressão impostas pelo Estado. Claro que não

depende apenas da tecnologia. A internet é uma condição necessária, mas

não suficiente. As raízes da rebelião estão na exploração, opressão e

humilhação. Entretanto, a possibilidade de rebelar-se sem ser esmagado de

imediato dependeu da densidade e rapidez da mobilização e isto relaciona se

com a capacidade criada pelas tecnologias do que chamei de “auto-

comunicação de massas” [...] As insurreições populares no mundo árabe são

um ponto de inflexão na história social e política da humanidade. E talvez a

mais importante das muitas transformações que a internet induziu e facilitou,

em todos os âmbitos da vida, sociedade, economia e cultura. Estamos apenas

começando, porque o movimento se acelera, embora a internet seja uma

tecnologia antiga, implantada pela primeira vez em 1969. (ROVIRA, 2011).

Por outro lado, o jornalista e escritor britânico Malcolm Gladwell, colunista do The

New Yorker comentou, num artigo publicado no periódico em 4 de outubro de 2010,

denominado: “A revolução não será twittada” (traduzido por Paulo Migliacci e publicado em

português no caderno Ilustríssima da Folha de S.Paulo, 12/12/2010):

Já no caso do Irã, as pessoas que usaram o Twitter para comentar as

manifestações viviam quase todas no Ocidente. “É hora de esclarecer o papel

do Twitter nos acontecimentos do Irã”, escreveu Golnaz Esfandiari meses

atrás, na revista Foreign Policy. “Em resumo: no Irã, não houve revolução

via Twitter.”O elenco de blogueiros proeminentes, como Andrew Sullivan,

que defendeu o papel da rede social no Irã, acrescentou Esfandiari, não

entendeu direito a situação. “Jornalistas ocidentais que não conseguiam – ou

nem mesmo tentavam – se comunicar com gente no Irã simplesmente

percorriam a lista de tweets em inglês, contendo a tag #iranelection" [no

serviço de microblogs Twitter, as “tags” são termos precedidos do símbolo

#, utilizados para reunir todas as mensagens sobre um mesmo assunto, como

#ilustrissima.], escreveu ela. “Enquanto isso, ninguém parece ter se

perguntado por que pessoas que supostamente tentavam coordenar os

protestos no Irã não estariam se comunicando em farsi, mas em outro

idioma”. Parte dessa grandiloquência é previsível. Inovadores tendem ao

solipsismo. Volta e meia se empenham em enquadrar em seus novos

modelos os fatos e experiências mais díspares. Como escreveu o historiador

Robert Darnton, “as maravilhas da tecnologia de comunicação no presente

produziram uma falsa consciência sobre o passado e até mesmo a percepção

de que a comunicação não tem história, ou nada teve de importante a

considerar antes dos dias da televisão e da internet”. (GLADWELL, 2010)

No artigo, Gladwell defende que o ativismo nas mídias sociais como o Facebook e o

Twitter tem origem nos “vínculos fracos” entre seus participantes, que não correm riscos reais

como os militantes tradicionais – estes, unidos por “vínculos fortes” – e que se envolveriam

em ações onde haveria uma hierarquia de comando e de alto risco, tais como aquelas s

organizadas durante a campanha pelos direitos civis nos EUA dos anos 60 (que é utilizada

como exemplo em seu artigo). O verdadeiro ativismo – aquele que seria capaz de destruir leis

injustas ou derrubar governos ditatoriais – requereria um grande número de pessoas unidas

por fortes laços de amizade (os “vínculos fortes”). Isso garantiria que o movimento

permaneça firme ainda que sofra perseguições ou oposição. A rede social construída em torno

Twitter seria o oposto disso: seria uma rede gigantesca de pessoas que nem se conhecem, que

mantêm contato por algum interesse mútuo pouco significativo (os “vínculos fracos”). As

pessoas dessa rede social poderiam assinar abaixo assinados ou pressionar “curtir” para

alguma causa, mas não se envolveriam muito além disso. Recuero (2009, p.41) também faz

uma distinção em laços (ou vínculos) “fortes” e “fracos” nas redes sociais mediadas pela

internet, os quais influenciam qualitativamente as relações dos atores sociais.

Apesar da empolgação dos defensores dos ciberativimo e do ceticismo dos “ciber-

céticos”, é possível depreender que o uso das mídias sociais como ferramenta para

mobilizações políticas – não como instrumento isolado, mas complementar – já é uma

tendência. Num artigo publicado na Veja Digital, Jadyr Pavão Júnior e Rafael Sbarai,

denominado “O Twitter só não faz revolução. Mas ajuda” fazem um pequeno histórico do

recente envolvimento do ciberativismo em revoltas e revoluções de cunho político ao redor do

globo (PAVÃO JR e SBARAI, 2011), reproduzido a seguir:

Filipinas (2001) - Milhares de pessoas trocam mensagens de texto no celular (SMS)

para coordenar protestos que culminam no impeachment do presidente Joseph Estrada.

Espanha (2004) - Mensagens de texto acusando o premiê José María Aznar de mentir

sobre o atentado ao metrô de Madri influenciam a eleição e impõem derrota ao

primeiro-ministro nas urnas.

Bielorrúsia (2006) - A tentativa de revolução começa por e-mail, mas não vai longe: o

protesto não têm força para derrubar o ditador Aleksandr Lucashenko, que em seguida

tenta controlar a rede.

Irã (2009) - Ativistas usam celulares e redes sociais para coordenar protestos contra

fraudes nas eleições. Em resposta, o governo bloqueia o acesso ao Twitter e ao

Facebook.

Moldávia (2009) - Ações na web reúnem mais de 10.000 manifestantes anti-governo,

que responde com perfis falsos no Facebook para atrapalhar os manifestantes.

Tailândia (2010) - O movimento Red Shirt, que se opõe ao governo militar que

comanda o país, usa redes sociais para coordenar suas ações. A ação é esmagada e

dezenas de pessoas morrem.

Tunísia (2011) - O ditador Zine El Abidine Ali cai após convulsão popular. As redes

sociais são usadas como meio de comunicação entre os manifestantes.

Egito (2011) - Motivados pelos acontecimentos da Tunísia, os egípcios saem às ruas

contra o ditador Hosni Mubarak, que tenta bloquear o Twitter, ferramenta de

coordenação do movimento. Mubarak renuncia em fevereiro.

É possível encontrar uma evolução dos meios, do alcance e das consequências do

ciberativismo no uso das ferramentas do ciberespaço disponíveis. Desde a troca de SMS via

telefones celulares em 2001, nas Filipinas, passando pela mobilização a partir de e-mails em

2006, na Bielorrússia, até chegar às mobilizações via Twitter com apoio do YouTube, na

Primavera Árabe, nota-se uma evolução e apropriação mais otimizada das tecnologias

disponíveis. Se as mensagens de SMS e e-mails fazem as vezes das cartas e pichações nas

revoluções e manifestações populares de antigamente, o Twiiter, o Facebook e o YouTube

viraram canais de comunicação individual, coletiva e mídia. Aqui é necessário destacar a

importância da cobertura da mídia tradicional – a imprensa livre e independente – para a

sensibilização da comunidade internacional. Caso não houvesse esse apoio da comunidade

internacional, provavelmente esses movimentos teriam ficado restritos às suas microrregiões e

correriam o risco de terem sido sufocados.

Para Austin (1990), o ato ilocutório de emissão de mensagens alcança o sucesso

intencionado quando há condições que favoreçam o consenso entre os atores envolvidos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: AS RELAÇÕES SÓCIOCOMUNICACIONAIS

MUDARAM

Desta forma fazer um “post” no Twitter, ou “subir” um vídeo no YouTube são

expressões políticas dessa condição de sujeito que comunica e que se relaciona com outros

interlocutores.

O ciberativismo tem encontrado nas novas TIC’s dispositivos poderosos para o

desenvolvimento de seus objetivos. A comunicação de fatos e informações em si já é uma

eficiente arma para a mobilização da sociedade, mas outras ferramentas disponibilizadas pelas

mídias sociais (interatividade em tempo real, comunicação em massa em escala exponencial,

divulgação de imagens e vídeos “ao vivo”) agregam componentes comunicacionais adicionais

(urgência, dramaticidade) e dinamizam as causas e adesões. É verdade que a questão dos

vínculos “fortes” e “fracos”, da falta de hierarquia nas redes sociais virtuais e da exposição

aos riscos estão presentes nas mídias sociais. No entanto, tomando como exemplo a

Primavera Árabe, a exposição mundial das manifestações desenvolvidas no Irã e na Tunísia

através das mídias sociais inicialmente e a subsequente divulgação na mídia internacional fez

com que as questões de “políticas internas” dos países em questão fossem levadas à uma

“esfera pública planetária”, onde os divesos atores que compõem a Sociedade Civil da

comunidade internacional foram sensibilizados e começaram a fazer pressões nas mais

diversas esferas (governos se pronunciaram, medidas econômicas foram levantadas). De fato,

conforme descreveu Dupas (2005, p.26-27) há um “palco global”, onde os atores sociais

degladiam-se num nível midiático. As mídias sociais – notadamente Twitter, Facebook e

YouTube – são ferramentas do ciberespaço disponíveis aos cidadãos, no qual o agir

comunicativo se concretiza. Portanto, a questão para o cibertativismo que se formula ao final

desta reflexão não é se “a próxima revolução será twittada ou não” – ela com certeza será –,

mas em que medida as mídias sociais serão utilizadas no processo revolucionário. Qual será o

alcance deste agir comunicativo? O mundo mudou e as mídias sociais são reflexo – e poderão

de alguma forma ser protagonistas dessa mudança?

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