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3258 REFLEXÕES SOBRE A NOVA LEI DE INCENTIVO A PESQUISA REFLEXIONS ON THE NEW RESEARCH INCENTIVE LAW Saulo Nunes de Carvalho Almeida RESUMO O presente artigo visa analisar uma das mais novas leis federais de incentivo fiscal. Inicialmente conhecida como “Lei Rouanet da Pesquisa”, a Lei 11.487/2007 trouxe complementações a Lei 11.196/2005 (Lei do Bem), na tentativa de obter êxito ao aproximar as Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs) das grandes empresas, por meio de abatimentos do Imposto de Renda das que realizarem investimentos na área de Pesquisas e Desenvolvimento (P&D) do país. Introduzindo mecanismos distintos das demais leis de incentivo, a Lei 11.487/2007 apresenta um modelo aparentemente sustentável ao inovar dividindo as verbas utilizadas nos projetos de pesquisa das ICTs entre Governo e Empresas. A mesma lei apresenta ainda alguns pontos controversos, como a impossibilidade de ICTs de caráter privado poder beneficiar-se da lei, e a ausência da previsão de pessoas físicas atuarem como incentivadores. PALAVRAS-CHAVES: LEI DE INCENTIVO; ROUANET DA PEQUISA; LEI DO BEM ABSTRACT The present article analyses one of the most recent federal Law of fiscal incentive. Initially know as “Lei Rouanet da Pesquisa”, the law 11.487/2007 brought complementation’s to the law 11.196/2005 (Lei do Bem) in the attempt to approximate scientific and technologic institutions with the big corporations, using a way of fiscal deduction to the companies that chose to invest on the Research and Development areas of Brazil. Introducing a new way of fiscal deduction, the law 11.487/2007 presents a new model apparently more sustainable to the government, splitting the resources that is utilized in researches between the government and the companies. The same law still brings some points of controversy, with the inability of private institutions utilize the benefits of the present law as the inability to the physical person to utilize it. KEYWORDS: INCENTIVE LAW; ROUANET OF RESEARCH; LAW 11.196/2005 Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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REFLEXÕES SOBRE A NOVA LEI DE INCENTIVO A PESQUISA

REFLEXIONS ON THE NEW RESEARCH INCENTIVE LAW

Saulo Nunes de Carvalho Almeida

RESUMO

O presente artigo visa analisar uma das mais novas leis federais de incentivo fiscal. Inicialmente conhecida como “Lei Rouanet da Pesquisa”, a Lei 11.487/2007 trouxe complementações a Lei 11.196/2005 (Lei do Bem), na tentativa de obter êxito ao aproximar as Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs) das grandes empresas, por meio de abatimentos do Imposto de Renda das que realizarem investimentos na área de Pesquisas e Desenvolvimento (P&D) do país. Introduzindo mecanismos distintos das demais leis de incentivo, a Lei 11.487/2007 apresenta um modelo aparentemente sustentável ao inovar dividindo as verbas utilizadas nos projetos de pesquisa das ICTs entre Governo e Empresas. A mesma lei apresenta ainda alguns pontos controversos, como a impossibilidade de ICTs de caráter privado poder beneficiar-se da lei, e a ausência da previsão de pessoas físicas atuarem como incentivadores.

PALAVRAS-CHAVES: LEI DE INCENTIVO; ROUANET DA PEQUISA; LEI DO BEM

ABSTRACT

The present article analyses one of the most recent federal Law of fiscal incentive. Initially know as “Lei Rouanet da Pesquisa”, the law 11.487/2007 brought complementation’s to the law 11.196/2005 (Lei do Bem) in the attempt to approximate scientific and technologic institutions with the big corporations, using a way of fiscal deduction to the companies that chose to invest on the Research and Development areas of Brazil. Introducing a new way of fiscal deduction, the law 11.487/2007 presents a new model apparently more sustainable to the government, splitting the resources that is utilized in researches between the government and the companies. The same law still brings some points of controversy, with the inability of private institutions utilize the benefits of the present law as the inability to the physical person to utilize it.

KEYWORDS: INCENTIVE LAW; ROUANET OF RESEARCH; LAW 11.196/2005

Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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1 INTRODUÇÃO

Temos verificado nos últimos anos um súbito crescimento nos meios utilizados pelo governo como forma de incentivo fiscal. Primeiro foi a cultura através da Lei Rouanet e da Lei do Audiovisual. Depois veio o esporte, através da Lei de Incentivo ao Esporte. Agora, através da Lei 11.487/2007, chegou a hora da pesquisa e tecnologia.

No ano de 2006, o Brasil foi o responsável pela produção de 19.958 artigos científicos. O que pode aparentar, inicialmente, números expressivos, na verdade, representa apenas uma pequena parcela, 1.92% da produção mundial. No entanto, ao observarmos que no ano de 1981 a produção de artigos científicos no país foi de 1.913 podemos constatar um grande avanço do Brasil (crescimento de 8,9 vezes no período; 4,5 vezes maior do que o crescimento mundial[1].)

De acordo com o ranking do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) o Brasil ocupa atualmente o 43° lugar no ranking mundial de Investimento em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D), ocupando também a 32a posição quanto ao apoio governamental para o respectivo setor.

Segundo dados divulgados pela CAPES, no ano de 1981, o Brasil foi responsável por cerca de 2.000 (dois mil) artigos publicados, enquanto que México e Argentina contribuíram com aproximadamente 1.000 (um mil) artigos cada um. Em comparação com o ano 2006, o Brasil sofreu um aumento de 750%, alcançando assim cerca de 17.000 (dezessete mil) artigos publicados. Esse aumento, superou e muito os demais concorrentes diretos da América Latina, levando em conta que México foi o responsável por 6.500 (seis mil e quinhentos) artigos, um aumento de 550% e que a Argentina contribuiu com aproximadamente 5.000 (cinco mil) artigos, um aumento de 400%.

Conforme podemos constatar, o desenvolvimento na produção científica apresentado pelo Brasil é compatível com sua hegemonia perante os países da América Latina. No entanto, ao colocarmos em um comparativo com países como China, Espanha e Índia, países emergentes responsáveis por expressivas contribuições à área de desenvolvimento científico no mundo, o Brasil ocupa uma colocação extremamente modesta.

2 NOVA LEI DE INCENTIVO A PESQUISA

É com o intuito de tentar modificar esse quadro atual que chega a Lei n° 11.487/2007, conhecida como a “Lei Rouanet da Pesquisa”.

Importante comentarmos sobre o nome “Lei Rouanet da Pesquisa”. Esse nome, com o qual a Lei de Incentivo a Pesquisa ficou conhecida sem dúvidas não seria o mais apropriado. Sua origem veio da Lei 8.313/1991, a Lei de Incentivo a Cultura. Essa lei tornou-se conhecida como “Lei Rouanet”, em homenagem a Sergio Paulo Rouanet, um filósofo e antropólogo responsável pela lei brasileira de incentivos fiscais à cultura. Devido ao fato da Lei Rouanet ser a forma mais utilizada e conhecida Lei de Incentivo

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no País, sua nomenclatura acabou sendo utilizada também para a nova Lei de Incentivo a Pesquisa.

No entanto, uma nova Lei de Incentivo a Pesquisa, que chega com o propósito de colocar o Brasil em um novo patamar na área de inovações científicas mundiais merecia torna-se conhecida através de um nome mais apropriado, compatível com o seu objetivo, o que faria deste um momento extremamente oportuno para homenagearmos um dos maiores cientistas da área tecnológica de nosso país, Santos Dumont. Conhecido por ser o “pai da aviação”, talvez o maior legado tecnológico deixado em nossa história. É nesse contexto que temos a humilde audácia de propor uma mobilização social de iniciativas para batizarmos a Lei de Incentivo a Pesquisa como “Lei Santos Dumont”.

A nova Lei de Incentivo à Pesquisa segue de fato alguns dos parâmetros utilizados pela Lei Rouanet, permitindo assim que as empresas invistam em projetos que visem a inovação científica e tecnológica e possam descontar de seu imposto de renda uma parte do valor investido.

De acordo com a Chamada Pública MEC/MDIC/MCT – 01/2007 para a Lei 11.487/2007, os benefícios fiscais concedidos para o ano de 2008 deverão obedecer o montante máximo de R$ 150.000.000,00 (cento e cinqüenta milhões). No entanto, esse limite dificilmente deverá ser atingido devido a falta de conhecimento das instituições sobre a presente Lei, bem como a falta de segurança que algumas empresas poderão sentir ao utilizar uma Lei tão nova, com parâmetros tão inovadores.

3 PREVISÃO CONSTITUCIONAL

Compete, constitucionalmente, ao Estado promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas, sendo, inclusive, facultado aos Estados ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e a pesquisa científica e tecnológica[2], conforme previsão no art. 218 da Constituição Federal de 1988.

A Constituição distingue duas espécies distintas de pesquisas. A científica básica e a tecnológica. A pesquisa classificada como científica básica é aquela que visa o bem público e o progresso das ciências (previsão no art. 218, § 1º). Quanto à pesquisa tecnológica se caracteriza por visar a solução dos problemas brasileiros e o desenvolvimento produtivo nacional e regional (art. 218, § 2º).

Dessa forma, a Lei 11.487/2007 aparece como mais um dos meios apresentados pelo Governo para conseguir alcançar a previsão constitucional do art. 218, promovendo incentivos para a área de pesquisas no país.

4 LEGITIMIDADE DOS INCENTIVADORES

Quanto as pessoas jurídicas que podem ser incentivadoras através da lei, é importante também destacarmos que não poderá ser qualquer empresa que poderá se beneficiar dessa forma de incentivo fiscal. De acordo com a previsão do art. 19-A da Lei 11.487/2007, bem como o art. 1° do Decreto 6.260/2007, poderão utilizar o incentivo fiscal apenas as pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real:

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A pessoa jurídica sujeita ao regime de tributação do imposto sobre a renda com base no lucro real poderá excluir do lucro líquido, para efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, o valor dos dispêndios efetivados em projeto de pesquisa científica e tecnológica e de inovação tecnológica a ser executado por Instituição Científica e Tecnológica – ICT, a que se refere o inciso V do caput do art. 2° da Lei10.973, de 2 de dezembro de 2004, observado o disposto neste Decreto.

A Lei 9.718/98, em seu art. 14 dispõe sobre as pessoas jurídicas obrigadas a realizar a apuração do Lucro Real. Basicamente, somente empresas de grande porte, bancos, industrias, empresas de telecomunicações dentre outras de magnitude similar se encaixam no perfil citado no artigo. Algo que representa uma parcela em torno de 7% das empresas do País.

Assim, empresas como as micro ou de pequeno porte não poderão atuar como incentivadores. Isso ocorre devido a própria mecânica utilizada na tributação de tais empresas, devido ao fato das mesmas possuírem uma alíquota calculada sob uma base presumida, utilizando assim um desconto-padrão, não admitindo exclusões ou compensações, inviabilizando assim a utilização do mecanismo de desconto da Lei de Incentivo a Pesquisa.

Uma das diferenças significativa entre a Lei de Incentivo à Pesquisa e a Lei Rouanet já aparece nesse momento, que é o fato de existir uma ausência da possibilidade de pessoas físicas utilizarem o incentivo fiscal, não seguindo os parâmetros previstos da Lei de Incentivo a cultura, que em seu art. 18 prevê a possibilidade de pessoas físicas utilizarem até 6% do valor de seu imposto de renda para incentivar projetos de caráter cultural.

A ausência dessa previsibilidade ocorre pelos próprios mecanismos distintos da Lei, pois ao contrário da Lei de Incentivo a Cultura, o desconto do Imposto de Renda ocorre na apuração do lucro real e na base de cálculo da CSLL, mecanismo esse não utilizado pela pessoa física para a apuração de seu imposto de renda.

No entanto, a Lei de Incentivo a Cultura, resolveu tal problema apenas com a adição do inciso I, no art. 26, definindo os percentuais de descontos utilizados pelas pessoas físicas incentivadoras, o que nos leva a crer que talvez o motivo da ausência da possibilidade de pessoas físicas utilizarem a Lei de Incentivo a Pesquisa seja devido ao fato de que será gerado uma criação, que deverá assim possuir devidamente todos os direitos referentes a propriedade criada entre os patrocinadores, as ICTs e os inventores. Assim, ao permitir que pessoas físicas utilizassem o mecanismo, maiores complicações poderiam surgir quanto a divisão da titularidade da criação, aumentando ainda mais a burocracia para a realização de projetos. Essa, no entanto, é uma visão preliminar que não será aprofundada no presente artigo.

Uma solução para tal problema poderia ser a possibilidade da previsão de pessoas físicas utilizarem a Lei de Incentivo a Pesquisa somente beneficiando-se de um maior desconto de seu imposto de renda, sem a possibilidade da mesma possuir direitos referentes a titularidade da criação.

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Assim, enquanto não for desenvolvido algum mecanismo que permita que pessoas físicas possam também contribuir para a Lei de Incentivo a Pesquisa como incentivadores, a mesma não estará potencializando todos os valores que poderiam estar sendo investidos nas ICTs de todo o país.

5 AS INSTITUIÇÕES BENEFICIADAS

Adentrando agora a legitimidade para utilizar a Lei de Incentivo a Pesquisa, a Lei 11.487/2007 prevê que o investimento deverá ser apenas em projetos de pesquisa científica e tecnológica e de inovação a serem executados por Instituições Científicas e Tecnológicas – ICTs.

A definição de ICTs poderá ser encontrada na Chamada Pública MEC/MDIC/MCT – 01/2007 para a Lei 11.487/2007 que em seu glossário classifica ICT como: “órgão ou entidade da administração pública que tenha por missão institucional, dentre outras, executar atividades de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico.” Assim, torna-se claro a impossibilidade de instituições de caráter privado beneficiar-se da presente lei. Tal procedimento seletivo não deveria existir em uma Lei de Incentivo a Pesquisa que tem o objetivo de promover e aumentar as pesquisas realizadas em nosso país, tendo em vista a vasta gama de pesquisadores que não poderão ter acesso a presente lei.

Assim, das Instituições que poderão utilizar a Lei de Incentivo a Pesquisa, percebemos a existência de uma predominância das ICTs de âmbito federal. Segundo dados apresentados pelas ICTs ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), no ano de 2008, das 57 ICTs que prestaram informações, 45 são Instituições Federais, sendo apenas 11 de âmbito estadual:

6 MECANISMOS DA LEI

Quanto a forma de exclusão que deverá ser utilizada pelas empresas patrocinadoras, ao contrário do mecanismo utilizado pela Lei Rouanet, as empresas incentivadoras possuirão opções. A empresa poderá escolher que seja descontado de seu lucro líquido para efeitos de apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL uma variação entre 50% a 250% do valor utilizado em pesquisas, conforme o art. 19-A, §1°, I da Lei 11.487/2007:

A exclusão de que trata o caput desse artigo:

I – corresponderá, a opção da pessoa jurídica, a no mínimo a metade e no máximo duas vezes e meia o valor dos dispêndios efetuados, observado o disposto nos §§ 6°, 7° e 8° deste artigo.

A escolha do percentual que as empresas irão utilizar como desconto do Imposto de Renda como dispêndio efetuado delimitará a participação que as mesmas possuirão na titularidade da criação desenvolvida através de seu patrocínio.

Assim, as empresas que não possuírem interesse em obter parte da titularidade daquela invenção, poderão utilizar o modelo de 250% do valor para que seja excluído, enquanto

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que a empresa com algum interesse naquela tecnologia poderá escolher uma dedução de impostos menor, até 50%, e possuir uma maior parte dos direitos daquela criação.

Outra vantagem apresentada pela Lei de Incentivo a Pesquisa é o fato da mesma não concorrer diretamente por verbas com a Lei Rouanet ou a Lei de Incentivo ao Esporte, pois, ao contrário delas, o teto limite de verbas que as empresas poderão utilizar para incentivar a pequisa não é baseado no seu imposto de renda[3], e sim no valor do seu lucro real e da sua base de cálculo da CSLL antes da exclusão dos valores utilizados, conforme previsão no art. 19-A, §1°, III da Lei 11.487/2007.

Dessa forma, conforme previsto no art. 19-A, §6° da Lei 11.487/2007, bem como pelo art. 3° do Decreto n° 6.260/2007, a participação do incentivador do projeto sobre a criação gerada será a razão entre a diferença do valor despendido pela pessoa jurídica e o valor do efetivo beneficio fiscal utilizado, de um lado, e o valor total do projeto, de outro, cabendo a ICT a parte remanescente.

Assim, a porcentagem de direito sobre a criação pode ser definida de acordo com a equação abaixo:

% da titularidade = Valor do dispêndio – valor do benefício fiscal

valor do projeto

Dessa forma, observa-se que os direitos sobre a criação da invenção não será somente do patrocinador, pertencendo também a ICT no qual a inovação foi desenvolvida.

Importante destacarmos que a Lei também protege o inventor da criação, e não apenas a ICT onde a mesma se desenvolveu. No art. 3°, §3° do Decreto n° 6.260/2007, é garantido ao criador no mínimo 5% e no máximo 1/3 dos lucros que a ICT poderá ter ao explorar os direitos de sua invenção:

É assegurada ao criador participação mínima de cinco por cento e máxima de um terço nos ganhos econômicos auferidos pela ICT pela exploração dos direitos sobre a criação e a propriedade industrial e intelectual gerada por um projeto, na forma do art. 13 da Lei n° 10.973, de 2004

Assim, torna-se clara a necessidade da ICT realizar pelo menos dois contratos ao utilizar a presente Lei de Incentivo. Um com os patrocinadores, definindo participação intelectual e industrial que cada um possuirá na criação do projeto, e um entre a ICT e o criador, definindo a participação nos ganhos que o mesmo poderá vir a ter.

Essa necessidade poderá vir retardar um pouco o tramite da realização de projetos de pesquisa, tendo em vista o consenso que deverá existir previamente entre ICT/Incentivador/Criador. Problema esse que ainda poderá aumentar caso o projeto

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envolva um trabalho em conjunto de duas ou mais ICTs, tendo em vista a possibilidade de propostas coletivas previstas na Chamada Pública MEC/MDIC/MCT – 01/2007.

Outro fator relevante as ICTs é a necessidade de proteger aquela nova criação[4] desenvolvida através do incentivo fiscal das empresas. Tornando-se assim necessário o devido registro daquela patente.

No entanto, essa proteção não é algo fácil de ser alcançado. No gráfico abaixo, referente as informações dos quais as ICTs prestam regularmente ao MCT, podemos observar que no ano de 2008, dos 860 pedidos de proteções que foram requeridas, apenas 132 foram concedidas, ou seja, o equivalente a apenas 15,34%:

7 REALIZAÇÃO DE PROJETOS

Seguindo os parâmetros criados pela Lei de Incentivo a Cultura (Lei Rouanet) as empresas não poderão escolher apoiar qualquer projeto que despertem seu interesse. Somente poderão receber recursos da Lei de Incentivo a Pesquisa projetos que forem enviados e aprovados por um comitê de acompanhamento, que será formado por representantes dos Ministérios da Ciência e Tecnologia, da Indústria e Comércio Exterior e do da Educação.

Os projetos deverão ser enviados à Fundação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, através de formulários específicos que são disponibilizados no endereço eletrônico: www.capes.gov.br/propostasict.

De acordo com a Chamada Pública MEC/MDIC/MCT – 01/2007, os projetos poderão ser apresentados para análises em qualquer época do ano. No entanto, é importante que haja um planejamento adequado entre o cronograma do projeto e o momento de sua apresentação a Capes, para que o mesmo não seja comprometido devido à subestimação do tempo real para a sua aprovação e sua publicação no Diário Oficial da União.

Para que os projetos sejam apresentados da forma devida, é necessário que o mesmo seja enviado acompanhado de uma série de requisitos, segundo previsão da Chamada Pública MEC/MDIC/MCT – 01/2007, tais como: descrição detalhada do objeto do projeto, cronograma das atividades previstas, resultados que se pretende alcançar com aquela pesquisa, expectativa de impacto econômico e social do projeto no ambiente produtivo, entre outros.

Os projetos enviados deverão passar por um processo de avaliação de duas etapas em um prazo de até 90 (noventa) dias, e apenas após a aprovação em ambas as etapas e a devida formalização em Portaria Interministerial é que as pessoas jurídicas que escolherem apoiar os projetos poderão deduzir de seu Imposto de Renda os valores previstos na legislação.

Dessa forma, as empresas que escolherem, seja por opção ou por falta de informação, utilizar verbas para patrocinar projetos que não tenham sido previamente aprovados pelo processo de avaliação, não poderão descontar nenhuma parcela do valor utilizado de seu imposto de renda. Assim, torna-se extremamente essencial para qualquer empresa apenas patrocinar projetos que já tenham sido devidamente aprovados e publicados no Diário Oficial da União.

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Para os projetos que não receberem parecer favorável do Comitê, caberá aos seus representantes o pedido de reconsideração ao Comitê, que deverá atentar ao prazo de até 15 (quinze) dias, contados a partir da data na publicação no Diário Oficial da União.

Seguindo os parâmetros da Lei Rouanet, a Lei de Incentivo a Pesquisa prevê também a devida prestação de contas da ICT perante a CAPES, referente aos recursos recebidos e a utilização dos mesmos (que deverá ser condizente ao que estava previsto no projeto aprovado). No entanto, uma novidade que a Lei de Incentivo a Pesquisa estabelece é a obrigação da realização de relatórios periódicos, acompanhando assim toda a execução do projeto realizado pela ICT.

O acompanhamento da CAPES perante os projetos se dá devido ao fato dos mesmos estarem utilizando dinheiro público, sendo necessário assim um maior controle e fiscalização das verbas.

A Chamada Pública MEC/MDIC/MCT – 01/2007 previu o prazo de 60 (sessenta) dias, contados após o termino do projeto para que a ICT realize a prestação de contas perante a CAPES. Assim, torna-se fundamental a correta organização da ICT com os devidos comprovantes de todos os valores gastos durante o decorrer do projeto, utilizando em alguns casos, inclusive, o auxílio de um contador.

Outro aspecto que distingue a Lei de Incentivo a Pesquisa da Lei Rouanet é o fato dos projetos serem selecionados mediante chamada pública, conforme o art. 7° do Decreto n° 6.260/2007, explicitado abaixo:

Os projetos serão selecionados pelo comitê permanente mediante chamada publica, que disporá sobre os requisitos e as condições de participação, os procedimentos de seleção e os critérios para a aprovação de projetos.

Dessa forma, os requisitos, procedimentos e projetos preferenciais poderão ser alterados entre uma chamada pública e outra. Assim, a Chamada Pública MEC/MDIC/MCT – 01/2007 que priorizava propostas em áreas como biotecnologia, nanotecnologia, biomassa e energias alternativas, poderão não ter a mesma prioridade em chamadas públicas futuras, dando assim oportunidades a outras áreas distintas.

Um outro diferencial estabelecido pela Lei de Incentivo a Pesquisa em relação as demais leis de incentivo federais é o fato dela ter previsão legal no art. 12 do Decreto n° 6.260/2007 referente a competência dos Ministérios da Ciência e Tecnologia, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e da Educação, em promover a aproximação das ICTs do ambiente industrial nacional, obrigação essa que não existe para o Ministério da Cultura na Lei Rouanet ou para o Ministério do Esporte na Lei de Incentivo ao Esporte, sendo tal aproximação de responsabilidade exclusiva do próprio patrocinado. Resta saber como tal aproximação irá suceder na prática, e quais as atitudes que serão tomas pelos respectivos Ministérios para garantir que a mesma ocorra com sucesso.

Quanto a execução do projeto, é importante que o mesmo siga todo o cronograma do projeto original que foi remetido e aprovado pela CAPES, evitando assim futuros problemas.

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No entanto, no caso de existir qualquer irregularidade constatada pela CAPES, a mesma notificará a ICT para que tal irregularidade seja devidamente sanada no prazo máximo de 90 (noventa) dias. Caso a ICT falhe em sanar a irregularidade apontada, diversas sanções poderão ser impostas, como a suspensão do projeto, a perda dos recursos não utilizados ou até a inelegibilidade de toda a ICT por dois anos, o que poderia comprometer diversos potenciais projetos, conforme previsão do art. 14, §1°, I a III do Decreto n° 6.260/2007.

Dessa forma, torna-se de extrema importância que seja respeitado todos os mecanismos previstos pela Lei 11.487/2007, evitando assim todas as penas previstas pela legislação, bem como, garantindo que as ICTs sejam beneficiadas por esse mecanismo de investimento por muitos anos.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei 11.487/2007 veio com o intuito de promover a pesquisa e o desenvolvimento no país, visando principalmente o progresso da ciência ao propiciar a parceria de ICTs com grandes empresas.

Ao contrário da Lei Rouanet (Lei n° 8.313/1991) ou da Lei de Incentivo ao Esporte (Lei n° 11.438/2006), a Lei 11.487/2007 segue parâmetros únicos, podendo ser até considerada como um modelo ideal que deveria ser seguido pelas demais leis de incentivo em nosso país, tendo em vista que na presente lei não acontece simplesmente o fato de uma transferência do dinheiro público pelas empresas para patrocínio de projetos, sem uma complementação direta de verbas privadas, ou seja, parte dos valores utilizados nos projetos saem do orçamento privado sendo apenas complementado por verbas públicas.

O presente artigo busca propiciar uma explicação do novo mecanismo de Incentivo a Pesquisa e Desenvolvimento no país, através de uma avaliação jurídica deste novo sistema que poderá ser utilizado por diversas empresas, sendo por um interesse direto e comercial na criação a ser desenvolvida, seja por um interesse de marketing ao associar sua marca a projetos de pesquisas que possuam algum apelo de imagem, gerando assim diversos benefícios para as empresas que melhor souberem utilizá-las.

Resta-nos, no entanto, a dúvida se com o nível de exigências requeridas essa lei conseguirá alcançar o sucesso e gerar os frutos a que se propõe.

Assim, acreditando que o futuro sucesso da Lei de Incentivo a Pesquisa dependerá, dentre outros fatores, da divulgação dessa legislação perante as ICTs, Empresas e Pesquisadores, que venho realizar uma pequena contribuição através do presente artigo, visando assim uma maior difusão desse novo meio de incentivo fiscal.

REFERÊNCIAS

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MORAES, Alexandre de, Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2005, 5a ed.

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1 Dados divulgados pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) em palestra realizado em Outubro de 2007.

2 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2005. P. 2120

3 A Lei Rouanet possui um valor limite correspondente a 4% do valor de seu imposto de que as empresas poderão utilizar como incentivo a cultura. Para a Lei de Incentivo ao Esporte, esse valor é ainda menor, sendo limitado por apenas 1% do valor do imposto de renda.

4 De acordo com a definição apresentada na Chamada Pública MEC/MDIC/MCT – 01/2007, considera-se criação: “invenção, modelo de utilidade, desenho industrial, programa de computador, topografia de circuito integrado, nova cultivar ou cultivar essencialmente derivada e qualquer outro desenvolvimento tecnológico que acarrete ou possa acarretar o surgimento de novo produto, processo ou aperfeiçoamento incremental, obtida por um ou mais criadores.”

Page 12: REFLEXÕES SOBRE A NOVA LEI DE INCENTIVO A … · tornou-se conhecida como “Lei Rouanet”, em homenagem a Sergio Paulo Rouanet, um filósofo e antropólogo responsável pela lei

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