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1 REFLEXÕES SOBRE A COMPLIANCE REGULATÓRIA: VETORES HERMENÊUTICOS, APLICABILIDADE E INCIDÊNCIA NO SISTEMA NACIONAL DE VIAÇÃO (SNV) Emanuel Erenilson Silva Souza 1 1. Introdução. Conceito. Natureza. Incentivar a atuação eficiente do mercado econômico objetivando o bem-estar social é premissa paradigmática decorrente do desenvolvimento do pensamento econômico moderno. As interações metódicas estruturantes entre as diversas partes que compõem o sistema econômico nacional, com especial espeque na regulação estatal realizada pelas agências reguladoras, incorporam uma gama de necessidades singularmente complexas a exigir-se uma atuação em conformidade. A conformação, assim, perpassa e exige um método concretista de implementação e uma atuação apropriada no bojo de um conjunto plenamente alinhando com o arcabouço jurídico regulatório pátrio e com a análise econômica do direito. A adequada estruturação de um ambiente de aplicação do compliance nas agências reguladoras possui forte imbricação com os marcos regulatórios vigentes e com a necessidade de suas reformas. Há uma forte convergência dos fatores de regulação próprios de cada autarquia regulatória, aqui entendidos tais como fenômenos de alargamentos e de adaptabilidade ao plexo de um up grade pós-moderno social, com o alinhamento ao conjunto de normas, leis e diretrizes (marcos regulatórios). Nessa esteira, no âmbito do movimento de redefinição dos papeis do Estado, as agências reguladoras pátrias vêm se valendo de seus marcos regulatórios para permitir o adequado alinhamento de suas atribuições ao complexo conjunto de evolução de mercado. Tem-se, ademais, por vezes, uma atuação desarmônica e subótima dos mercados regulados sob o prisma da conformação ao ordenamento jurídico. Requer-se, pois, a aplicação de uma perspectiva 1 Técnico em Regulação da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

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Page 1: REFLEXÕES SOBRE A COMPLIANCE REGULATÓRIA: … · Evidentemente, de historicidade e de sistemas interpretativos-descritivos de origem de direito público, com a singularidade impar

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REFLEXÕES SOBRE A COMPLIANCE REGULATÓRIA: VETORES

HERMENÊUTICOS, APLICABILIDADE E INCIDÊNCIA NO SISTEMA

NACIONAL DE VIAÇÃO (SNV)

Emanuel Erenilson Silva Souza1

1. Introdução. Conceito. Natureza.

Incentivar a atuação eficiente do mercado econômico objetivando o bem-estar

social é premissa paradigmática decorrente do desenvolvimento do pensamento

econômico moderno. As interações metódicas estruturantes entre as diversas

partes que compõem o sistema econômico nacional, com especial espeque na

regulação estatal realizada pelas agências reguladoras, incorporam uma gama

de necessidades singularmente complexas a exigir-se uma atuação em

conformidade. A conformação, assim, perpassa e exige um método concretista

de implementação e uma atuação apropriada no bojo de um conjunto

plenamente alinhando com o arcabouço jurídico regulatório pátrio e com a

análise econômica do direito.

A adequada estruturação de um ambiente de aplicação do compliance nas

agências reguladoras possui forte imbricação com os marcos regulatórios

vigentes e com a necessidade de suas reformas. Há uma forte convergência dos

fatores de regulação próprios de cada autarquia regulatória, aqui entendidos tais

como fenômenos de alargamentos e de adaptabilidade ao plexo de um up grade

pós-moderno social, com o alinhamento ao conjunto de normas, leis e diretrizes

(marcos regulatórios).

Nessa esteira, no âmbito do movimento de redefinição dos papeis do Estado, as

agências reguladoras pátrias vêm se valendo de seus marcos regulatórios para

permitir o adequado alinhamento de suas atribuições ao complexo conjunto de

evolução de mercado. Tem-se, ademais, por vezes, uma atuação desarmônica

e subótima dos mercados regulados sob o prisma da conformação ao

ordenamento jurídico. Requer-se, pois, a aplicação de uma perspectiva

1 Técnico em Regulação da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

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contemporânea de práticas de redução da ineficiência de Pareto, isto é, a da

persecução do Pareto ótimo.

Desde o enceto referente à reestruturação do transporte terrestre no Brasil,

implementado pela Lei nº 10.233/2001, transitando pela complexidade de

regulação de determinados mercados abrangidos, é forçoso reconhecer a

premência de implementação de medidas de horizontalização de boas práticas

de gestão. Por conseguinte, garantir a operação racional e segura dos

transportes de pessoas e bens, dotando o país de infraestrutura viária adequada

e promovendo o desenvolvimento social e econômico e a integração nacional,

são objetivos essenciais do Sistema Nacional de Viação (SNV), instituído pela

Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001. Albergado à uma operação racional e

segura, a criação de procedimentos internos de controles, que envolvam o

atendimento dos objetivos do SNV, representará a busca pela gerência eficiente

das vias, dos terminais, dos equipamentos e dos veículos, objetivando tornar

mínimos os custos operacionais e, consequentemente, os fretes e as tarifas, e

garantir a segurança e a confiabilidade do transporte, consoante o §2º, do art.4º,

da Lei nº 10.233/2001.

Tal antevisão legal reforça o alcance dos mecanismos à disposição do Estado

regulador, assim como da ordenação de medidas aos critérios normativos

prévios. Nessa perspectiva, o estímulo a pesquisa aplicáveis ao setor de

transportes terrestres, enquanto princípio geral, envolve o estudo da

possibilidade de implementação do compliance regulatório como matriz de

regulação de modo a assegurar a adequada atuação do mercado.

Por esse ângulo, sob uma analogia ao compliance concorrencial, nas palavras

do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE (2014, p. 6 e 9):

A expressão compliance vem do inglês, “to comply”, que significa exatamente cumprir, estar de acordo com. Cada vez mais os agentes econômicos se dão conta da necessidade de estabelecer práticas que não violem a LDC e demonstrem uma atitude pró-ativa por parte dos entes privados. Por conta disso, a implementação de programas de compliance concorrencial tem se multiplicado.

Compliance é um conjunto de medidas internas que permite prevenir ou minimizar os riscos de violação às leis decorrentes de atividade praticada por um agente econômico e de qualquer um de seus sócios ou colaboradores.

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Ademais, compreender os institutos jurídicos do Direito sinaliza uma intenção

necessária e essencial de se versar sobre tal fenômeno enquanto ciência

carregada de mundividência social. Nesse diapasão, os institutos do Direito

revelam a natureza particularizada mais profunda e objetiva de determinada

relação do dever-ser, especificamente da relação Estado-Povo-Sociedade.

Evidentemente, de historicidade e de sistemas interpretativos-descritivos de

origem de direito público, com a singularidade impar da supremacia do interesse

público sobre o privado.

A esse propósito, veja-se as previsões legais existentes. A Lei nº 12.846/2013,

popularmente conhecida como Lei Anticorrupção, prevê em seu bojo que a

existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e

incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética

e de conduta no âmbito da pessoa jurídica serão levados em consideração na

aplicação das sanções em face de atos lesivos praticados por pessoas jurídicas

contra a Administração Pública, nos termos do inciso VIII, do art. 7º. Nesse

sentido, será possível no âmbito do Processo Administrativo de

Responsabilização (PAR) para apuração da responsabilidade da pessoa jurídica

levar em consideração a existência de um programa de compliance.

É certo que para a melhoria da qualidade dos serviços prestados aos usuários

no que tange aos transportes terrestres, a existência de mecanismos

devidamente estruturados de controle interno nas organizações auxiliará na

construção de uma gestão voltada para a qualidade regulatória. Reside, nessa

afirmativa, a natureza do compliance como verdadeiro atributo de um novo

gerencialismo público.

2. O compliance como fenômeno epistemológico-ético: a pré-condição

fundamental deontológica.

O problema do comportamento ético na sociedade moderna requer a

observação mediante um enfoque de esforço coletivo, transpassando uma visão

meramente individualizada da contingência, que poder-se-á ser analisada,

compreendida e diferida com a participação de diversos atores (elementos-

chave), inclusive a inserção do Estado como agente diretivo, indutivo, ativo e

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transformador nesse ambiente de busca por transmutação dos valores inseridos

no âmago do cerne deontológico.

Nesse sentido, LEITE (2014) leciona:

A ética não é apenas uma teorização do agir, da moral, ela é uma prática que está vinculada diretamente à ação humana na sociedade. Logo, ela evidenciada em contextos diferentes na sociedade, como por exemplo, no político, no social, no econômico e no educacional. Assim contribui de uma forma abrangente no que se requer a uma perspectiva coletiva e não puramente individual.

Face à tal conjunto, requer-se a convergência de medidas culturais-

deontológicas, devidamente desenvolvidas para a busca de uma sociedade

harmoniosamente integra, sob o viés do brio, da performance a evidenciar-se

pelo conjunto adequado de normas regulatórias. Do mesmo modo, a

necessidade da aplicação dos valores éticos, como práticas reais de promoção

e empoderamento das capacidades de participação dos stakeholders, enseja a

desconstrução do olhar paradigmático limitativo do elemento vis-a-vis para um

ambiente de movimento circular, na qual a rotação simboliza a metáfora dos

processos de conexões solidárias.

Tal como exposto por SANTOS (2013), citando MORIN (2003),

Por esse prisma, discutir compliance é compreender a natureza e a dinâmica da fraude e da corrupção nas organizações. A conduta de acordo com a regra (compliance) ou a conduta corrupta possuem várias causas, sendo influenciadas pelas circunstâncias. Tomando-as pela epistemologia complexa, considerando-se que nela cabe a incerteza e as contradições internas, não há expectativas quanto a um código binário bem/mal, justo/injusto, mas antes considera-se somente a moral que contempla o conflito ou a incompatibilidade das suas exigências, ou seja, uma moral inacabada, frágil como o ser humano, problemática, em combate, em movimento como o próprio ser humano.

As construções do consenso comunicativo, bem como a desconstrução do

modelo top-down vigente, nessa linha argumentativa, podem ser vistas como

óticas de uma racionalidade integral. Trata-se de um projeto de integração das

verdades parciais à luz de um binômio cultural (interior do coletivo) e social

(exterior do coletivo) mais completo e vívido. Veja-se, desse modo, que o estudo

do compliance perpassa necessariamente pela premissa do arranjo cultural e

ético, para fins de conformação ideal de um programa de integridade

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organizacional. Não se pode desconsiderar a existência de uma dinâmica apta

a se trabalhar valores éticos na sociedade advindas da própria atuação diretiva

do Estado, porquanto se ao revés assim não se compreender há que se afirmar

a existência de uma vinculação estritamente despojada das relações dos

princípios éticos na sociedade.

Nesse sentir, o Estado, enquanto formulador e implementador de políticas que

promovam benefícios sociais, dever-se-á atuar mediante políticas éticas

propositivas. O compliance regulatório é, pois, política de materialidade e de

promoção da conformação ao arcabouço legal. Assim, o elemento ético é pré-

condição fundamental para a participação de todos os agentes econômicos, bem

como cidadãos, na construção de um painel de bem-estar coletivo, o que se pode

denominar de Estado Ético.

Insere-se a esse propósito, igualmente, uma visão integralista albergada à rede

de políticas de regulação ou regulação em rede, na medida em que os

elementos-chave (Estado-cidadãos-agentes econômicos) dever-se-ão conviver

em ambiente de efetiva negociação. Em sede de rede de políticas, FLEURY

(2008), citando Castells (1998), aduz que:

“Há uma tendência para a crescente interdependência funcional entre atores públicos e privados na consecução de uma política, e apenas por meio das redes de políticas pode-se garantir a mobilização dos recursos dispersos e dar uma resposta eficaz aos problemas de políticas públicas. Castells (1998) chega a formular a proposta de um estado-rede, para designar o formato atual das políticas públicas, cuja estrutura e funcionamento administrativo assumem as características de subsidiariedade, flexibilidade, coordenação, participação cidadã, transparência, modernização tecnológica, profissionalização dos atores e retroalimentação e aprendizagem constantes”.

Os programas de integridade e de ética no âmbito organizacional devem

favorecer o desenvolvimento de um processo de permanente integração, não

somente sob uma lógica booleana subjetiva, mas fornecendo as bases para uma

efetiva mudança corporativa, inclusive mediante o incentivo do estudo dos

problemas gerenciais correlacionados com um sistema de classificação de

análises de compliance.

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3. Estrutura normativo-regulatória do transporte terrestre interestadual

e sua aderência ao compliance

Em um ambiente de complexas interações, a importância da autarquia

reguladora como agente indutivo do processo de mudança corporativa conduz à

uma maturação de gestões eficientes. A Agência Nacional de Transportes

Terrestres (ANTT), criada pela Lei nº 10.233/2001, repousa como entidade

reguladora da qualidade da prestação dos serviços de transporte terrestres

interestadual, à luz da exigência de proteção dos interesses dos usuários quanto

à qualidade e oferta de serviços de transporte.

A garantia por parte de operadores do cumprimento a padrões de eficiência,

segurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade nos fretes e

tarifas, tal como exigido na alínea a, do inc. II, do art. 20, da Lei nº 10.233/2001,

imbrica naturalmente com a obrigatoriedade do acompanhamento dos modelos

de gestão de tais prestadores, para a garantia basilar de permitir a

movimentação de pessoas e bens. A regulação e supervisão a cargo da ANTT

em sua esfera de atribuições não pode desconsiderar a premência de

mecanismos voltados ao incentivo de práticas de gestão devidamente

equalizadas com a regulação para qualidade. Por linhas de consequência, em

sede estratégica, a ANTT tem como missão assegurar aos usuários adequada

prestação de serviços de transporte terrestre, e sua visão é ser referência na

regulação, promovendo a harmonização do setor e garantindo a excelência dos

serviços de transporte terrestre. Com tal nobre missão, é possível inferir que no

âmbito do planejamento estratégico da autarquia especial em comento estão

firmadas as bases para o incentivo a implementação de programas de

compliance no mercado de transportes terrestres.

Tais afirmações são reforçadas por objetivos estratégicos2, tais como:

a) Assegurar adequada atuação do mercado regulado;

b) Promover a melhoria contínua da operação e serviços de transportes;

c) Otimizar a participação privada;

d) Aperfeiçoar o marco regulatório;

e) Aperfeiçoar a fiscalização para a efetividade da regulação;

2 http://www.antt.gov.br/index.php/content/view/42630/Planejamento_Estrategico.html

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f) Mitigar assimetria de informações;

g) Ampliar interação com o mercado regulado, usuários e demais partes

interessadas;

h) Consolidar a gestão por resultados.

A qualidade de entidade reguladora da atividade de exploração da infraestrutura

ferroviária e rodoviária federal e da atividade de prestação de serviços de

transporte terrestre conferida via diploma legislativo a ANTT, reforçada pelas

disposições regulamentares do Decreto nº 4.130/2002, permitem afirmar: cabe

a tal entidade a atuação na defesa e proteção dos direitos dos usuários,

reprimindo as infrações e compondo ou arbitrando conflitos de interesses (Inc.

XXX, do art. 3º, do Decreto nº 4.130/2002)3.

Nessa linha de busca por implementações direcionadas para a qualidade dos

serviços outorgados, a título de exemplo, surge o Sistema de Monitoramento do

Transporte Rodoviário Interestadual e Internacional Coletivo de Passageiros –

Monitriip, disciplinado por meio da Resolução ANTT nº 4.499, de 28 de novembro

de 2014. Trata-se de um novo modelo alinhado com “indicadores de

desempenho a serem observados pelas transportadoras com a finalidade de

garantir a adequada prestação dos serviços que deverão ser acompanhados

periodicamente de forma a avaliar a qualidade dos serviços e a situação de cada

empresa”4

No entanto, não se pode olvidar que a supervisão de boas práticas de gestão

dos serviços outorgados requer um acompanhamento que perfaz a operação,

em busca dos fatores organizacionais mínimos de uma cultura corporativa

preventiva de conformação ética e jurídica, na medida de seu impacto em todo

marco regulatório. Destarte, incumbe à transportadora prestar contas da gestão

do serviço à ANTT, nos termos definidos nos regulamentos e no ato de

delegação. Tal afirmação se coaduna com o disposto no inciso III, do art. 4º, da

Resolução ANTT nº 1383/2006.

3 Art. 3º À ANTT compete, em sua esfera de atuação: XXX - atuar na defesa e proteção dos

direitos dos usuários, reprimindo as infrações e compondo ou arbitrando conflitos de interesses. 4 https://appweb1.antt.gov.br/monitriipPortal/site/informacao/Apresentacao.aspx

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Nesse momento, já é possível constatar que as práticas voltadas para incentivar

os operadores em implementar programas de compliance regulatórios mantem

pleno alinhamento com o planejamento estratégico da ANTT, redundando na

mitigação da assimetria de informações, na maior interação com o mercado,

consolidando gestões por resultados, sendo reforçados pelas disposições

existentes nas normas vigentes, tais como a Lei nº 10.233/2001 e o Decreto nº

4.130/2002.

O compliance pode ser entendida como medida apta a fortalecer a defesa do

cidadão-usuário. Nos termos da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do

Consumidor – CDC), a Política Nacional das Relações de Consumo tem por

objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua

dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a

melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das

relações de consumo, atendido o princípio de que a ação governamental deve

se guiar para proteger efetivamente o consumidor pela garantia dos produtos e

serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e

desempenho (art. 4º, inc. II, alínea d). Faz-se possível, ainda, que as ações

governamentais de proteção dos consumidores ocorram por iniciativa direta, nos

termos da alínea A, do inc. II, do art. 4º.

Na mesma esteira, o incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes

de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de

mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo, reporta o vínculo

existente entre as disposições do microssistema multidisciplinar previsto no CDC

com os institutos do compliance, à luz do inc. V, do art. 4º, endossado pelo

estudo constante das modificações do mercado de consumo.

É importante uma rápida digressão a respeito da Lei nº 12.846/2013, que

positivou em solo pátrio a inserção de programas de compliance. A mencionada

Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas

jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou

estrangeira.

É seguro concluir que a Lei nº 12.846/2013 se aplica às sociedades empresárias,

ou seja, a pessoa jurídica que exerce profissionalmente atividade econômica

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organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, nos termos

do art. 966 da Lei nº 10.406/2002 (Código Civil), independentemente do tipo

societário ou personificação (sociedade em conta de participação, sociedade em

comum, sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples,

sociedade limitada, sociedade anônima, empresa individual de responsabilidade

limitada etc). Aplica-se, também, às sociedades simples, que são aquelas que

não exploram o seu objeto social nos termos do art. 966 do Código Civil, tais

como as cooperativas, sociedade de médicos, arquitetos etc.

A incidência da norma se faz de maneira tão profunda, que até as pessoas

jurídicas constituídas de forma irregular, tais como as sociedades em comum,

previstas no art. 986 do Código Civil, serão responsabilizadas no caso de prática

de atos ilícitos contra a administração pública. E mais, a pessoa jurídica com

existência temporária também sofrerá os efeitos da norma, assim como a pessoa

jurídica estrangeira, independentemente de ter sede, filial ou possuir mero

representante em solo nacional.

A responsabilização das pessoas jurídicas, além de objetiva, decorrerá, também,

da pratica de atos ilícitos em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não,

cabendo ainda responsabilização individual dos dirigentes ou administradores

ou de qualquer pessoa natural, autora coautora ou participe do ato, consoante

os artigos 2º e 3º da lei em análise. Nesse sentido, as responsabilidades são

independentes entre si, ou seja, a pessoa jurídica será responsabilizada

independentemente da responsabilização da pessoa natural participe do ato. No

entanto, os administradores ou dirigentes responderão de forma subjetiva,

ensejando a análise da existência de dolo ou culpa (imprudência, negligência ou

imperícia).

Tendo por escopo evitar medidas de simulação ou evidente intuito de fraude à

responsabilização pela prática dos atos ilícitos, o art. 4º da Lei estabelece que

subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração

contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária. É de se

observar, contudo, que nas hipóteses de fusão e incorporação, a

responsabilidade da sucessora será restrita à obrigação de pagamento de multa

e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido, não

lhe sendo aplicáveis as demais sanções previstas na Lei decorrentes de atos e

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fatos ocorridos antes da data da fusão ou incorporação, exceto no caso de

simulação ou evidente intuito de fraude, devidamente comprovados, conforme

as disposições do §1º do art. 4º.

Confira-se, de mais a mais, que as sociedades controladoras, controladas,

coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas, responderão

solidariamente pela prática dos atos previsto na Lei. O legislador estabeleceu

que tal responsabilidade se limita à obrigação de pagamento de multa e

reparação integral do dano causado. A responsabilidade solidária permite à

Administração Pública responsabilizar quaisquer dos participes da prática do ato

ilícito, porquanto se trata de obrigação complexa, na qual envoltos diversos

sujeitos passivos da relação jurídico-administrativa.

Esse panorama de amplo abarcamento dos diversos tipos societários impõe a

conclusão inafastável de que o legislador tem por escopo criar uma atuação

organizacional em conformidade, plenamente atrelada à não ocorrência de atos

lesivos à administração pública. Nesse sentido, os atos que dificultem atividade

de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou

intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos

órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional, constituem ato lesivo à

administração público, podendo resultar na instauração de Processo

Administrativo de Responsabilização (PAR).

O programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no

conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e

incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética

e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios,

fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública,

nacional ou estrangeira (art. 41, do Decreto nº 8.420/2015). A análise e

implementação de um programa de integridade requer sua adequação e

adaptabilidade ao ambiente próprio de cada negócio, isto é, o programa de

integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as

características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual por

sua vez deve garantir o constante aprimoramento e adaptação do referido

programa, visando garantir sua efetividade.

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Face ao conjunto normativo exposto, a busca por uma maior eficiência na

prestação de serviços no mercado de transportes terrestres exige, dada a

relevância e atualidade do tema, a inserção de mecanismos de

acompanhamento e de incentivo a constituição de controles internos no âmbito

dos operadores privados, inclusive como componente de aperfeiçoamento do

marco regulatório vigente.

4. O compliance regulatório enquanto gestão social adaptativa e

policêntrica

Os processos de acompanhamento do compliance tornam aplicável o instituto

como gestão social adaptativa. Como política pública que busca a eficácia de

resultados almejados, a gestão social requer a interação de diversos atores

como medidas de cogerência pública. Um compliance regulatório demanda a

inserção de percepções coletivas e interorganizacionais da sociedade em um

ambiente de debate e adequação às exigências de um novo paradigma de

gestão.

Ser o compliance entendido como gerência social importa necessariamente uma

redução das intervenções estatais, ampliando a autonomia de comunidades,

inclusive de negócios, mediante o fortalecimento de suas capacidades

resolutivas frente às diversas contingências. São, dessa forma, processos de

interação empreendedora para os grupos que tem por escopo a alteração do

meio em que atuam, permitindo a formação de interações policêntricas. Se

aproxima em tal sentido da compliance como gestão em rede. As redes de

políticas são, assim, nas palavras de FLEURY (2008), um fenômeno recente:

Na gestão das redes, o foco está colocado nos processos de interação entre os diferentes atores e os meios pelos quais esses processos podem ser estimulados, mantidos ou mudados, quando necessário. O conflito entre as organizações é visto como um produto inevitável das interdependências entre elas e deve ser ativamente gerenciado. O apoio a uma política que favoreça os objetivos de vários atores é uma estratégia da gerência das redes, assim como a ativação seletiva por meio do uso de incentivos para desenvolver arranjos organizacionais – coalizões – e interações entre os atores (KLIJN, 1996). Os atores agem em função de suas percepções em relação aos demais atores e às expectativas de seus comportamentos. Com base nessas percepções, nos seus recursos e interesses e nas regras estabelecidas, cada ator define sua estratégia de ação. As redes são caracterizadas por configurações específicas de percepções

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que são relacionadas à história e à natureza de cada rede (KLIJN et al., 1995, p. 440). A gerência das redes muitas vezes deve enfrentar questões relativas à mudança das regras de interação, aos valores e às percepções, e pode ser promovida a partir de debates abertos, de processos de avaliação e aprendizagem e/ou por meio da entrada de novos atores.

As agências reguladoras atuam nesse segmento como gestores sociais,

assumindo o papel de coordenação das interações das diversas exigências

normativas, não abandonando o papel de acompanhamento da atuação do

mercado regulado. Não se trata, a bem da verdade, de redução dos controles

incidentes por parte do Estado, na medida em que se está a estimular a inserção

de controles internos como guia fundamental aplicado aos mercados.

É importante enfatizar que a compliance nesse viés postula um período de

maturação e adaptabilidade aos diversos segmentos de mercado, sendo

essencial e confundível com os fenômenos associativos, exercendo uma função

determinante na superação da política tradicional, bem como nas relações

verticalizadas ainda tão comuns. Diante de um quadro ainda incipiente de

discussões da aplicação do instituto nas agências reguladoras pátrias, não se

pode perder de vista que a visão estritamente mercantil, dissociada de

preocupações verdadeiras com o social, transfere uma lógica toda

particularizada de que os agentes econômicos somente podem atuar com

pretensões escusas, sendo falsas as ideias que levam a crer que há uma

racionalidade calculadamente não utilitária.

Nesse contexto de eivadas postulações tradicionais, o manejo relacional entre

os atores colide como os modelos até então existentes, vislumbrados em uma

seara que se deve desconstruir de que a compliance é somente um mecanismo

de combate à corrupção.

5. Sistema de Classificação de Análises de Compliance Concorrencial:

Matriz de Variáveis em Rede

As teorias tradicionais de condução de um programa de compliance exigem a

análise do fenômeno a partir de determinados atributos. Para além de um

trabalho de classificação, é fundamental imprimir valores interpretativos e

axiológicos aliados a uma capacidade efetiva de solução de problemas, de modo

que represente uma inovação. Consequentemente, quando se enxerga o

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instituto objeto do presente estudo sob uma ótica do conhecimento racional, é

possível uma vasta ampliação de estruturação de seus elementos-chave. A

superação de um modelo top-down existente na relação Estado/Agentes

Econômicos é a premissa justificadora para a implementação substancial de um

arquétipo que dever-se-á permitir a integração de estruturas em rede.

A rede de compliance ou o compliance em rede exige a maturação do instituto

enquanto técnica de ligação ou vínculo, horizontalmente relacionadas em um

processo de colaboração, cooperação e associação entre os stakeholders. No

presente trabalho, a análise em rede é avistada sob o prisma do campo de

reflexão incidente sobre o problema objeto de análise por parte dos envolvidos

e de sua integração: Estado-Agentes Econômicos-Sociedade.

Um sistema de classificação de auxílio à análise de uma política de compliance

decorre de um modelo de percepção de tal instituto como uma rede de

integração de dimensões relativamente estáveis, que possuem independência

de investigação/crítica e natureza de compartilhamento de interpretação.

Outrossim, define-se tal sistema como a esquadrinhadura de estudo das

relações em rede de dimensões ou tipologias, de modo a permitir uma completa

compreensão do fenômeno da compliance aplicável à sociedade e realidade

nacional, em superação e resposta às necessidades dos múltiplos atores

interdependentes, em face da conformação de uma natureza flexível de análise

frente ao progresso social.

A matriz do sistema de interpretação envolve a existência de indicadores que

concernem às dimensões interpretativas. Assim, concebeu-se a matriz mediante

a existência de indicadores de análise que são vórtices que privilegiam uma

estrutura de análise integrada, sem arranjos hierárquicos entre si. Desse modo,

haver-se-á de ocorrer a análise da compliance sob as seguintes dimensões:

dimensão jurídica, dimensão filosófica, dimensão sociocultural, dimensão

técnico-científica e dimensão política.

As razões que justificam tal fenômeno se relacionam com a necessidade de

ampliação dos vetores de modelos de análises, aptas a flexibilizar e ampliar o

campo de incidência da natureza de conformação da compliance.

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O estudo compliance possui forte conotação jurídica. As questões atinentes à

atuação em conformidade com o ordenamento jurídico vigente, no exercício de

atividade econômica por parte de pessoas jurídicas, implicam no

reconhecimento da imperiosa necessidade de amplificar as discussões

concernentes. Tal afirmativa decorre, seguramente, do reconhecimento, em

sede constitucional, de que é princípio da ordem econômica a livre concorrência.

Nesse sentido, ademais do inciso IV, do art. 170 da Constituição Federal de

1988, a ordem econômica pátria é fundada na valorização do trabalho humano

e da livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna.

Ultimado esse breve introito, é importante que se intua que há verdadeira

imbricação entre os dispositivos jurídicos-constitucionais mencionados e o

instituto da compliance. Por conseguinte, a inter-relação que advém do fluxo das

metas jurídicas impostas pelo constituinte nacional e dos efeitos modernizadores

de novas práticas de gestão, tal como o compliance, devidamente reguladas pela

Administração Pública, importam, de mais a mais, no reconhecimento da busca

pelo alcance da eficiência, dado que é indigitado princípio previsto no caput do

art. 37 da Carta Maior.

Em seu sentido semântico, compliance é atuar em conformidade. Da palavra ao

conceito, a semasiologia permite inferir que em um contexto de acentuada

globalização, da imperatividade do pleno exercício da atividade econômica por

meio de práticas que não violem as normas, assim como da punibilidade

decorrente e do papel social de tais atividades, erige-se significados e

significantes.

No que tange ao direito comparado, RODAS (2015), informa que:

O fundamento jurídico dos programas em questão nos Estados Unidos repousa, no Chapter Eight of the United States Sentencing Guidelines, datados de 1991, emendados em 2004 e em novembro de 2014. A partir de 2004, o programa passou a ser denominado “Programa de Compliance e Ética”, tendo seus requisitos tornado-se mais estritos, assim se tendo mantido em 2014. Em suma, os requisitos mínimos são: efetividade do programa; supervisão e responsabilidade por executivo de alto nível da empresa; delegação operacional proibida a empregados cujos antecedentes não os recomendem; regras claras e tornadas de conhecimento geral dos empregados da empresa; recursos e medidas que possibilitem efetivo cumprimento do programa, com relatórios periódicos e auditorias; avaliações

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periódicas; criação de mecanismos disciplinares específicos, incentivadores do cumprimento dos objetivos; proteção do anonimato e da confidencialidade, relativamente aos relatos ou busca de informações por parte de empregados; e providências cabíveis a serem tomadas em caso de ocorrência de infração.

A relevância de tais previsões legais (dimensão jurídica) expressa e se vincula

ao importante elemento da prevenção no âmbito gerencial, dado que a

importância do tema transcende interesses públicos e privados, porquanto

precatar é alicerce que se impõe tanto ao gestor público, quanto ao privado.

Vale notar que no âmbito estatal, o Conselho Administrativo de Defesa

Econômica (CADE) possui papel central na persecução pela prevenção e

repressão às infrações à ordem econômica. Daí que a competência preventiva

da mencionada autarquia reflete o quão efetivo poder-se-á tornar a consecução

da geração de uma cultura voltada ao cumprimento das disposições relativas a

um equilibrado sistema de defesa concorrencial.

Vide, nesse sentido, o regime de análise prévia de atos de concentração, os

Acordos em Controle de Concentração (ACC), os Termos de Compromisso de

Cessação (TCC) e os Acordos de Leniência previstos na Lei nº 12.529/11. Na

esteira da prevenção e de seu papel orientativo, o CADE expediu a proposta de

um “Guia para Programas de Compliance”, no qual definiu compliance como “um

conjunto de medidas internas, adotadas por um determinado agente econômico,

que permite a esse agente prevenir ou minimizar os riscos de violação às leis

decorrentes de sua atividade – ou detectá-los mais rapidamente, caso se

concretizem”.

O referido guia é reflexo de um engajamento que se alberga e confirma a

premência, atual, de mecanismos de gestão de riscos na atuação dos agentes

econômicos. E é de bom tom que se rememore: agentes econômicos que devem

se pautar, ainda que em linhas de ideais, à luz da existência digna. Assim, a

primordialidade no âmbito de uma administração gerencial, confirmados pela

expedição de um manual explanativo pela entidade reguladora, tem por escopo

expurgar a pouquidade ou insuficiência de aspectos orientativos no âmbito da

gestão pública. Reside, por conseguinte, em tais linhas de consideração, a

conformação da compliance à dimensão técnico-científica.

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A compliance é uma prática sistemática que comporta metodologia cientifica,

mediante o uso da lógica aplicada as observações reiteradas dos fenômenos e

variáveis da política imposta. Os métodos empregados pelo observador, seja a

Administração Pública, sejam os agentes econômicos ou, até mesmo, a

sociedade ensejam a imprescindibilidade de proposições de hipóteses,

desenvolvimento de teorias e conjuntos de evidências.

A dicotomia existente, entre os interesses públicos e a persecução privada pelo

lucro, a princípio divergentes, devem ceder espaço e, desse modo, nascer-se-á

a convergência dos benefícios oriundos de um programa devidamente

estruturado de compliance.

Desse modo, a dimensão sociocultural implica no desenvolver da crença que

atinja à moral, as leis e os costumes da comunidade nacional, de que a atuação

em conformação, à luz de tal dimensão, requer a existência de práticas sociais

artificias, porquanto não naturais e próprias do indivíduo. Isto é, importa frisar

que se tem na presente dimensão o escopo da construção da herança social, de

uma longa manus do progresso de um povo. A compliance representaria, assim,

reiteradas práticas comportamentais de costumes predominantes: o costume da

atuação em conformidade com a necessidade de um cenário apto a atingir o

adequado ambiente concorrencial, na ótica, também, do ganha-ganha

civilizatória e desenvolvimentista.

Ainda na esteira da dimensão sociocultural, repercutem na defesa de tal ótica os

elementos adaptativos e evolutivos como mecanismos aptos a introduzir a

progresso e a atualização das práticas por parte dos stakeholders na qual

incidem. A esse propósito, o compliance, em seu destino de permanência, dever-

se-á permitir a inserção de novos conceitos, dado a dinamicidade da vida.

A compliance, enquanto política e militância de direção, representa a noção da

busca de efeitos desejáveis. Haver-se-á, portanto, a obrigatória pertinência das

práxis humanas em direção às vias transversais de natureza inexorável do

elemento de legitimação do programa político instituído. A dimensão política é a

representação de um regime de organização das diversas expressões de poder

aplicáveis no sentido de prevenção das condutas antijurídicas.

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Assim, a referida dimensão se justifica pela busca do fim colimado de conquistas

de bem estar à sociedade, o que se relaciona com a natureza ética e moral das

necessidades de condutas compatíveis com que tal coletividade almeja,

permeando, assim, o exercício de ausência de subversão à ordem escolhida.

Certamente, as dimensões analisadas no presente trabalho são temáticas

próprias e derivantes da dimensão filosófica. A dimensão filosófica ou

metafilosófica coaduna a própria busca pela natureza e razão da existência da

compliance. As razões de conformação são de natureza ética, racionalmente

apreendidas em uma seara de princípios fundamentais e análise da realidade

existente.

A implicação decorrente refletirá a natureza crítica para a existência de um

adequado programa de compliance, que exigirá a constante análise de

conceitos, técnicas e problemas de ordem filosóficas. Nesse sentido, a

superação ao limbo intelectual na condução de novos problemas e desafios,

mediante a constante análise e reflexão das razões fáticas e empíricas da própria

existência natural da compliance dará azo que mostrará como tal instituto se

relaciona com os demais objetos, em graus de lógica, epistemologia, metafísica

e metafilosofia. Os elementos básicos da realidade devem permear a

confrontação do amoldamento entre os mecanismos vitais do mundo fenomênico

e das necessidades de conhecimento dos objetos incidentes.

Destarte, caber-se-á os seguintes questionamentos em sede de uma dimensão

filosófica aplicável ao compliance: O que diferencia o compliance de outras

técnicas existentes? Qual o raciocínio adequado e aplicável à realidade inter-

relacionada ao compliance? O compliance é método albergado aos sistemas

científicos?

Em face das considerações até o momento apresentadas, é importante que um

compliance, inserto no contexto de matriz em rede, reflita a necessidade de uma

gestão adaptativa, em preservação à autonomia de atuações, devidamente

conectada ao dinamismo e volatilidade sociais. Assim, as dimensões de

interpretação podem ser ampliadas, melhoradas e complementadas com o

evoluir das situações, de modo que a busca pelo bem comum, como

determinado objetivo da compliance e da sociedade pátria, deva ser contínua e

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estável. É, pois, um sistema aberto. Ademais, é certo que o fato de se tratar de

um sistema aberto não confronta, como poderia aparentar, com a estabilidade

da busca pela equidade social. A abertura que se defende é que o contexto de

informações e conhecimentos sejam permanentemente reforçados, ao passo

que as estruturas legais garantam segurança jurídica.

O diagrama de vertentes, à vista disso, fica assim definido:

Dimensão Jurídica: Subsistema racional/legal concernente à necessidade de

avaliação de atuação em conformação com o ordenamento jurídico definido pelo

conjunto dos atores sociais, mediante representantes designado em escrutínio,

com o fito de se buscar o bem estar coletivo.

Dimensão Filosófica: Subsistema de avaliação dos fenômenos em suas

naturezas e metafundamentos, por força de experiências de profunda reflexão e

pensamentos aplicáveis à existência da compliance, bem como seus problemas

e soluções.

Dimensão Técnico-Cientifica: Subsistema de interpretação e criação de técnicas

gerenciais mediante a utilização de método científico, experimentação,

observação, hipóteses e adoção de modernos mecanismos de aplicabilidade ao

instituto do compliance.

Dimensão Política: Subsistema avaliativo da política de condução dos

mecanismos de integridade adotados pelos econômicos e, eventualmente,

definidos pelo Estado, com observância das implicações de relações de poder e

suas consequências ao adequado desenvolvimento de um programa de

compliance, em preservação da competição no mercado econômico.

Dimensão Sociocultural: Subsistema investigativo dos fenômenos socioculturais

e de sua relação e impacto com o compliance, seja em nível de programas, bem

como em nível de práticas adotadas.

Forçoso reconhecer que a premência do assunto ora em análise é

caracterizadora da relevância do tema para a sociedade. Veja-se, a despeito de

todos os esforços envidados, que o contexto no qual se inserem às infrações à

ordem econômica, em especial no campo da concorrência, carecem de maiores

estudos, inclusive com a formulação de definições que sirvam, a um só tempo,

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de paradigma e de orientação ao conjunto de atores, para que se possa atingir

a justiça social.

6. Conclusão

Em linhas de conclusão, o estudo da compliance comporta diversas feições, tal

como exposto, constituindo uma determinada opção interpretativa de auxílio aos

stakeholders. Logo, é certo entender que a compliance, muito além do que

somente uma necessidade contemporânea de atuação em conformidade com o

ordenamento jurídico, serve como extensão de um conjunto complexo de

análises albergadas às necessidades sociais. Com efeito, a imposição de uma

diretriz de existência digna é uma definição de ordem coletiva relacionada ao

mínimo existencial, de que todos são responsáveis pelo bem estar comunitário.

Supera-se, assim, de modo verdadeiro, o outrora citado limbo intelectual, em

ascendência ao cumprimento de postulados maiores, sejam de ordem jurídicas,

filosóficas, socioculturais, técnico-científicas ou políticas.

No âmbito de uma teoria geral, é possível vislumbrar o instituto fortemente

imbricado com a ética e seus fundamentos. A estruturação de um programa de

integridade dever-se-á perpassar pelas questões deontológicas existentes. A

existência dos programas, de per si, ensejam a necessidade uma maior

interação com bases teóricas profundas.

O compliance regulatório para sua aplicação requer, por parte das entidades

reguladoras, uma avançar no sentido de se constituir marcos regulatórios que

fomentem a inserção de controles internos no âmbito do mercado regulado.

Nesse sentido, mostra-se oportuno discussões para implementação de aspectos

práticos albergados às necessidades existentes no mercado econômica e na

atividade atinente à regulação.

A criação de um sistema de análise da compliance é fruto do esforço para

contribuir com a criação de um paradigma de evolução do instituto, da

necessidade contemporânea de atuação em rede, de integração em sede de

boas práticas, de modo que o fenômeno sirva aos programas, políticas, técnicas,

soluções de problemas, análise de riscos etc. O sistema de análise é permeado

pelo conjunto de macro eixos, que comportam em seu bojo uma generalidade

que possa permitir a ampliação de diferentes concepções, ângulos e vertentes.

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A ordem econômica é o reflexo de uma condução política de estado,

devidamente consignada no texto da Carta Maior nacional. O combate às

práticas que violem um saudável ambiente de atuação econômica carrega uma

carga axiológica do que a sociedade espera em vistas da busca pela justiça

social. Resultados apropriados decorrem de variáveis diversas. Não se trata de

impingir a melhor técnica ou matriz de integração e análise do fenômeno, mas,

a bem da verdade, de contribuir com a inserção de um maior aprofundamento

intelectual do estudo em análise.

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