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Georges Balandier Reflexões Prospectivas sobre as Ciências do Homem As disciplinas que se ocupam da sociedade e do homem assumem, nos nossos dias, esta- tuto de ciências. No entanto, ainda se duvida da sua validade; ao mesmo tempo, receiam- se por vezes as suas aplicações. Como pode definir-se, em linhas gerais, o seu estado actual? Como pode antever-se o seu futuro, tendo presentes as tendências que, nelas e no mundo, se desenham? SITUAÇÃO E TENDÊNCIAS ACTUAIS A nova fase de evolução do pensamento científico caracte- rizar-se-á pela constituição, sob a forma de Ciências, das disci- plinas que se ocupam do Homem e das suas obras colectivas. Tra- ta-se, aliás, de uma velha reivindicação: já no século XVII, HOBBES concebia uma «física social», cuja finalidade seria revelar as forças mecânicas operantes no interior dos sistemas sociais. Ao longo do tempo, a reivindicação manteve-se e hoje o objec- tivo aproxima-se, se ainda não foi atingido. Em França, as Ciên- cias Humanas foram oficialmente reconhecidas sob esta designa- ção, uma «Maison des Sciences de 1'Homme» será edificada em Paris e certos especialistas procedendo por antecipação dão aos seus grupos de estudo o título de «laboratórios». N. da R. Tradução, devidamente autorizada, do artigo Réflexions Prospectives sur les Sciences Sociales et Humaines, publicado na revista Prospective Publication du Centre d'Etudes Prospectives (Association Gaston Berger), n.° 10, Dezembro de 1962 (Paris). Os títulos das duas partes do artigo não figuram no original. 861

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GeorgesBalandier

Reflexões Prospectivassobre asCiências do Homem

As disciplinas que se ocupam da sociedadee do homem assumem, nos nossos dias, esta-tuto de ciências. No entanto, ainda se duvidada sua validade; ao mesmo tempo, receiam-se por vezes as suas aplicações. Como podedefinir-se, em linhas gerais, o seu estadoactual? Como pode antever-se o seu futuro,tendo presentes as tendências que, nelas e nomundo, se desenham?

SITUAÇÃO E TENDÊNCIAS ACTUAIS

A nova fase de evolução do pensamento científico caracte-rizar-se-á pela constituição, sob a forma de Ciências, das disci-plinas que se ocupam do Homem e das suas obras colectivas. Tra-ta-se, aliás, de uma velha reivindicação: já no século XVII,HOBBES concebia uma «física social», cuja finalidade seria revelaras forças mecânicas operantes no interior dos sistemas sociais.Ao longo do tempo, a reivindicação manteve-se — e hoje o objec-tivo aproxima-se, se ainda não foi atingido. Em França, as Ciên-cias Humanas foram oficialmente reconhecidas sob esta designa-ção, uma «Maison des Sciences de 1'Homme» será edificada emParis e certos especialistas — procedendo por antecipação — dãoaos seus grupos de estudo o título de «laboratórios».

N. da R. — Tradução, devidamente autorizada, do artigo RéflexionsProspectives sur les Sciences Sociales et Humaines, publicado na revistaProspective — Publication du Centre d'Etudes Prospectives (AssociationGaston Berger), n.° 10, Dezembro de 1962 (Paris). Os títulos das duas partesdo artigo não figuram no original.

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Subsistem, no entanto, ambiguidades na situação presente.Vários representantes das Ciências da Natureza não ocultam oseu cepticismo acerca das pretensas Ciências do Homem. Ao mes-mo tempo, e num sentido oposto, manifestam-se claras inquieta-ções a respeito das aplicações actuais dessas contestadas Ciências—por exemplo, quanto aos métodos de intervenção psicológica,ou quanto às técnicas de organização das empresas e de direcçãodo trabalho. A curiosidade científica parece mais perigosa ao to-mar por objecto o Homem, do que ao pretender descobrir as leisda Natureza. E os «engenheiros» da sociedade e do homem socialafiguram-se, mais ainda que os engenheiros das técnicas nucleares,os representantes modernos do aprendiz de feiticeiro.

;É hoje fácil provocar a emoção futurista. Demasiado fácil e,por isso mesmo, perigoso. A mais elementar das regras de pru-dência incita-nos a avaliar, antes, a situação destas Ciências (edas técnicas por elas induzidas), a que tantos poderes actuais oupotenciais são reconhecidos. Adoptemos, pois, essa regra, a fimde caracterizar o estado presente das Ciências do Homem e deexprimir as suas tendências dominantes. Antes do mais, importasituá-las umas em relação às outras.

1. Estas disciplinas não são contemporâneas da mesmaforma. Sofreram uma evolução, durante a qual se modificaram,diversificaram e entraram em concorrência entre si. Umas sãotradicionais e representaram, no passado, os instrumentos da cul-tura humanística; as outras são modernas e pretendem-se rigo-rosas à imagem das Ciências — mesmo quando (é o caso da Antro-pologia Social) se apresentam como formadoras de um novohumanismo. As primeiras sofreram, aliás, o embate das segundase, em consequência dele, registaram recuos momentâneos ou trans-formações profundas. A dúvida provocante: «porquê filósofos?»,há anos lançada, é sob este ângulo reveladora. Não anuncia, porém,a morte da Filosofia. Pelo contrário: são-nos mais do que nuncanecessários este conhecimento dirigido para as significações últi-mas e os instrumentos intelectuais por ele elaborados; o mundoem mutação onde vivemos impõe-nos a busca do significado pro-fundo das suas transformações! e obriga-os à modernização donosso equipamento lógico.

Por outro lado, certas disciplinas, durante muito tempo con-cebidas como privilégio de eruditos, puderam construir-se sobforma científica e servir de «modelo» a Ciências Sociais de criaçãorecente. Tal é o caso do estudo da linguagem e das línguas, dondebrotou a Linguística moderna. Esta última — enquanto investi-gação sobre os «sinais», as estruturas e os processos da comuni-cação — veio a inspirar iniciativas teóricas e metodológicas, querespeitam à Antropologia Social e à Sociologia. DE SAUSSURE,

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fundador da Linguística científica, aparece por isso, hoje, comoinspirador ou guia de investigadores que se aproximam mais unsdos outros, pela sua comum adesão a um dado método, do que porcultivarem a mesma disciplina.

2. A lei de complexidade! crescente e de progresso pela, especia-lização rege todas as Ciências, tanto as do homem e da sociedade,como as «outras». O desmembramento das disciplinas humanísti-cas coincide com o nascimento, o desenvolvimento e a diversifica-ção das Ciências Humanas e Sociais. Presentemente, a situaçãoé tal que todas ou quase todas estas «repetem», uma a uma, asespecializações verificadas nas disciplinas parentes ou vizinhas.Considerando os grandes domínios da actividade colectiva —técnico-económico, político, religioso e cultural—, verifica-se queesses sectores fundamentais determinaram largamente a diferen-ciação interna da maior parte das Ciências do Homem, quer setrate da Sociologia, quer da Antropologia Social, da História ou daGeografia. Cada uma delas pode abarcar, segundo o seu própriométodo e a partir do ponto de vista que a define (sociedade, cul-tura, período temporal, quadro espacial), o mesmo conjunto defenómenos. Desta forma, a especialização, que leva ao sucessivodesdobramento de cada Ciência e ao recuo da investigação geralperante as investigações especiais, facilita simultaneamente as re-lações entre especialistas de disciplinas confinantes, interessadosem factos da mesma natureza. Um exemplo: o estabelecimentode paralelismos entre estudos de Ciência Política, de Sociologiae de Antropologia Social já hoje está a contribuir para uma inter-pretação mais correcta dos fenómenos políticos; noções como asde poder, de equilíbrio político, de democracia, de partido e outrasvão-se rigorizando e enriquecendo, graças a tal comparação.

Noutra perspectiva, o confronto de investigações incidentessobre o mesmo tipo de factos, mas em contextos diferentes e sobdiferentes ópticas, suscita a renovação das teorias e dos conceitosque antes se afiguravam mais solidamente fundados. É o caso daCiência Económica que — a partir das investigações antropoló-gicas sobre as economias tradicionais da África e da Ãsia (comas formas particulares que aí assumem a produção, a troca,a acumulação e o consumo das riquezas) e das análises sociológicassobre as condições sociais do desenvolvimento — foi levada a in-tegrar novos aspectos e a modificar certos procedimentos analí-ticos. Algumas obras recentes de larga difusão — como as deG. MYRDAL e de W. ROSTOW — manifestam claramente esta «socia-lização» do pensamento económico, a partir do exame dos proble-mas do crescimento.

Todavia, a cooperação entre disciplinas distintas e interna-mente muito diferenciadas pode estabelecer-se em um nível ainda

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mais profundo. Trata-se, então, do parentesco resultante da própriaforma como são abordados os fenómenos humanos e os factossociais, isto é: da adesão a um mesmo método de interpretação.É assim que a chamada omáMse estrutural reúne antropólogos,linguistas, mitólogos e matemáticos que se dedicam ao exame dalógica das matemáticas modernas. Ao mesmo tempo, a utilizaçãodo método dialéctico, em análise dinâmica, provoca o frutuosoencontro de filósofos, sociólogos, historiadores e economistas e temmesmo levado a uma aproximação entre as Ciências do Homeme as Ciências da Natureza. Assim, na sua última obra, intituladaDiálectique et Socwlogw, o sociólogo G. GURVITCH dá grande re-levo aos trabalhos teóricos dos físicos modernos. A sua argumen-tação serve-se, nomeadamente, das investigações de Niels BOHRe de Louis DE BROGLIE, para ressaltar certas semelhanças de mé-todo que se revelam nas Ciências Exactas e nas Ciências doHomem.

Mas as aproximações! não se efectuam sem dificuldade. Nospaíses socialistas, a diversidade das afinidades científicas apagou--se perante uma unidade de acção científica imposta, ao menosaparentemente, pela referência oficial ao materialismo histórico.Noutros países, a livre competição entre as «escolas», a contínuasegmentação das disciplinas e por vezes a excessiva especializaçãosuscitaram, com aspectos de urgência, o problema da integraçãodas Ciências do Homem: como ligar entre si os contributos dasvárias disciplinas? a que nível apreender os sistemas de factossignificativos? Procurando responder a este problema, a Filosofiatentou reencontrar a sua vocação original e satisfazer a nostalgiada unidade intelectual perdida. De HEGEL a MARX e a J.-P. SARTRE,as filosofias da totalidade (isto é: do conjunto das relações natu-rais e culturais concernentes ao Homem) e da totalização (ouseja: do movimento histórico que incessantemente compõe e de-compõe as estruturas socio-culturais) esforçaram-se por satisfazeressa aspiração. No entanto, a Filosofia moderna parece ter con-duzido a melhores resultados na reflexão sobre as Ciências—exemplo: a obra de Gaston BACHELARD—, do que na procura deuma integração dos conhecimentos especializados.

Periodicamente, esta última tarefa tem sido também reivin-dicada, sob o risco de suscitar acusações de «imperialismo», pelasCiências do Homem com vocação de síntese. A Sociologia e a An-tropologia Social, salientando a função unificante da praxis colec-tiva, â História, sublinhando a unidade interna de cada períodohistórico, e em certos aspectos a própria Geografia Humana, des-tacando a paisagem como síntese da acção comum em um dadoquadro natural, aventuraram-se a tentativas mais ou menos dis-cretas. A mais ambiciosa continua, aliás, a ser a de Auguste

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COMTE, que pretendeu fundar a Sociologia como «ciência dasciências».

O debate permanece aberto. Regularmente, o problema daelaboração de uma Ciência Social unificada volta a pôr-se; e anoção de mtegração das disciplinas especializadas chegou a adqui-rir, durante algum tempo, o carácter de verdadeiro «fetiche», con-forme a expressão do antropólogo norte-americano A. L. KROEBER.Como as tentativas efectuadas não tiveram êxito, por motivosfacilmente apreensíveis, os esforços tendem hoje a desenvolver-seno sentido de provocar uma convergência de iniciativas, umacooperação interdisciplinar. Surgem mesmo instituições com esteobjectivo, sejam os «conselhos nacionais de investigação emCiência Social», sejam organizações federativas, como a «Maisondes Sciences de rHomme», que tentará agrupar em Paris centrosde estudo de Ciências Sociais e Humanas, incluindo as Matemá-ticas Sociais.

3. As Ciências do Homem foram, durante muito tempo, en-caradas como disciplinas mais sensíveis aos aspectos qualitativosdo que aos aspectos quantitativos dos fenómenos, mais dirigidasà «qualidade» do que ao «número». Ora, há que assinalar aquiuma inversão de tendência. Por um lado, esta deve-se à influênciaprovocante das disciplinas que se apresentam dotadas de maisnítido cunho científico, quer porque abordam os fenómenos sobo aspecto da quantidade (quantidade de homens na Demografia,quantidade de bens na Economia) e sujeitam os dados recolhidosà prova de técnicas complexas, quer porque permitem exercerum domínio sobre o real (definindo modos de acção racionais)e sobre o futuro (traçando perspectivas de evolução a mais oumenos longo prazo). Por outro lado, porém, essa inversão de ten-dência acentuou-se em razão das novas relações estabelecidas entreas Ciências do Homem e as Matemáticas, a despeito das adver-tências de Auguste COMTE, que, no seu Cowrs de PMlosophie Posi-tive, tinha denunciado o carácter «precário e estéril» de tal apro-ximação.

A Geografia Humana, a História, a Psicologia experimental,a Psicologia Social e a Sociologia recorrem à medida e a técnicasestatísticas adequadas às suas possibilidades e necessidades. Ométodo do questionário e da sondagem permite «testar» fenóme-nos tão diferentes como a prática religiosa, as atitudes operá-rias, as reacções colectivas! nos grandes conjuntos urbanos, ascaracterísticas de um mercado potencial, as opiniões políticas, etc.Mas tais processos não são mais do que, poderá dizer-se, as ma-nifestações primitivas da relação estabelecida entre as Ciênciasdo Homem e as Matemáticas estatísticas ou o Cálculo das proba-bilidades. Relações mais estreitam (ou melhor: menos instrumen-

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tais) e altamente complexas instauram-se a partir do momentoem que as varias disciplinas conjuntamente se aplicam a precisaruma estratégia da decisão, no quadro ,da investigação operacional.Ao mesmo tempo, o recurso ao método dos modeibs — a fim deesquematizar sistemas de relações, quer entre grupos sociais, querentre indivíduos» quer entre bens produzidos, símbolos ou sinais— abre um novo campo de colaboração, que aliás já incitou certosmatemáticos—designadamente G.-T. GUILBAUD, em França — atentar a constituição de uma Matemática Social, a partir dos dadosda topologia, da teoria dos conjuntos e dos «grupos. Trata-se deuma frente avançada de iniciativas, ainda situadas fora de todoo conformismo.

No que se refere ks técnicas grosseiras de sondagem e dequantificação, é fácil evidenciar a magreza dos resultados adqui-ridos, a desproporção entre os meio® utilizados e as certezas con-seguidas. O sociólogo norte-americano Pitirim SOROKIN, denun-ciando as ilusões e fraquezas da Sociologia, (sobretudo nos EstadosUnidos), criticou, com verve e razão, os abusios da «testomania»e da «quantofrenia». Deve, no entanto, observar-se que foi coma preocupação de chegar à prática, isto é: a uma aplicação dasCiências do Homem, que esses métodos impugnados se desenvol-veram inicialmente. Tal preocupação correspondia, de resto, à in-tenção dos fundadores — de SAINT-SIMON, de Auguste COMTE, deKarl MARX, e também, de Max WEBER, que tanto se interessou pelasrelações entre «o sábio e o político», e de Émile DURKHEIM, quepretendia pôr a Sociologia ao serviço do progresso da sociedade.Para eles, a Ciência Social devia estar na base da Política. Paraos seus sucessores, na actualidade, o domínio da Ciência Socialprática é sobretudo o das micro-aplicações: de facto, técnicas decarácter estatístico são utilizadas em quadros restritos (empresa,bairro de uma cidade, «população» de uma universidade ou deuma administração, etc.) e conduzem a resultados tanto menosvulneráveis, quando mais contidas são as suas ambições. ,É claroque não oferece dificuldade salientar as grandes limitações de quesofrem tais resultados. Simplesmente, este facto não basta paradesacreditar todas as investigações que procuram ligar as Ciênciasdo Homem e as Matemáticas. Importa, na verdade, destrinçar asutilizações de rotina—quer dizer: as que se encontram à dispo-sição da prática social no actwã estado das disciplinas e dosconhecimentos — e as utilizações inovadoras, que se inspiram nalógica das Matemáticas modernas, para imprimir maior segurançaàs Ciências Sociais e Humanas. Umas são meramente gestionárias;as outras aplicam-se a procurar o rigor e a eficácia científica.

4. O avanço científico não resulta apenas de uma série deacções deliberadas: é também imposto do exterior. Sob este ân-

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guio, importa destacar, no atinente às Ciências do Homem, asincidências das profundas alterações registadas nos métodos dainformação científica (colheita, conservação e tratamento). Umaautêntica viragem está em curso: passa-se de uma fase caracte-rizada por uma reflexão metódàca «alimentada» por factos escas-sos, a uma fase em que domina uma interpretação científica defactos numerosos e em rápida acumulação. Os progressos daanálise do conteúdo, da análise temática, da semeiologia, conduzema uma nova concepção da documentação científica. O tratamentomecânico das informações permite «concentrar» os dados e deter-minar correlações múltiplas.

Produz-se, deste modo, uma pequena «revolução», determinadapela própria ordem das coisas. De facto, as Ciências Sociais eHumanas encontram-se, simultaneamente, demasiado desenvolvi-das e pouco desenvolvidas. Por um lado, acumularam uma do-cumentação demasiado vasta, para poder ser eficientementeutilizada por processos elementares; por outro, e em sentido con-trário, descuidaram certos conjuntos de factos e os seus métodosde análise e de explicação permanecem vulneráveis. O problemacentral destas Ciências reside, pois, na selecção da documentaçãoe na exploração metódica e total da documentação seleccionada.Os métodos modernos de classificação e o recurso às máquinaselectrónicas visam satisfazer esta dupla exigência. Um exemplohipotético ilustrará estas observações. O conjunto das informa-ções respeitantes às economias africanas tradicionais e modernas,tribais e nacionais, é extenso: vários milhares de títulos. Essasinformações são de valor desigual e comportam lacunas. Simples-mente, parece inviável extrair delas os ensinamentos científicose práticos que comportam, sem recorrer a novos meios que permi-tam considerá-las na sua totalidade. A selecção, a concentraçãodos dados seleccionados e o tratamento sistemático com vista àidentificação de correlações (entre estruturas económicas e estru-turas demográficas, sociais, etc), são as etapas necessárias>, queos novos processos mecânico® permitiriam levar a cabo.

No mesmo sentido actuam as iniciativas dirigidas a reduzira parte da linguagem verbal (e das suas aproximações) e a alar-gar a parte dos modelos e da representação simbólica dos sistemasde relações. Tem-se o direito de esperar, de tais iniciativas, umacréscimo de rigor e a realização de condições que permitam umaexperimentação aproximada. Não podendo fazer experimentaçãosobre sociedades ou grupos sociais reais, o investigador opera sobreos modelos, observa as consequências! da sua intervenção e procurana realidade (presente ou histórica) a validação da sua análise.Com efeito, pode-se construir, por exemplo, o modelo das estruturascaracterísticas de uma dada economia tradicional, e procurar, apartir de tal modelo, as incidências em cadeia de «acontecimentos»

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que aíeotem $®m e^rutur^s: por exemplo, modificações na di-visão do trabalho, penetração ampliada da moeda e de artigosde produção industrial, etc. Um procedimento desta índole reforçaa exactidão da análise e permite prever os resultados prováveisde uma determinada intervenção. Sem excluir outros métodos,a utilização de modelos encaminha, portanto, a investigação parauma exactidão maior.

5. Um último ponto que interessa salientar é que algumasdas Ciências do Homem e a própria evolução geral do mundo nosimpelem a ver sob nova luz as nossas relações com as civilizaçõesextra-europeias, digamos as nossas relações com o exótico. Defacto, a Antropologia Social, a Etnologia e a Sociologia Comparadaelaboraram técnicas que podemos dizer de «desenraizamento»(dépayseiment), porque nos ensinam a encarar como um fenómenoestranho—ou seja: como um fenómeno cujo sentido carece deser descoberto —, não somente as sociedades, melanésicas ou afri-canas por exemplo, a que não pertencemos, mas também as so-ciedades industriais, de que fazemos parte. Tais Ciências aju-dam-nos, desta sorte, a recuperar a virtude criadora do «espantocientífico» e, ao mesmo tempo, através das comparações que nosfacultam, oferecem-nos a possibilidade de captar, por detrás dadiversidade das criações colectivas, as identidades profundas doespírito humano e as propriedades comuns de toda a vida socialviável.

No entanto, o «desenraizamento» opera ainda noutro planoe mediante um processo que evoca o paradoxo. Efectivamente, namedida em que as sociedades «exóticas» tendem a aproximar-sedas nossas, pela assimilação de elementos técnicos e pela manipu-lação de instrumentos e bens semelhantes aos que utilizamos; namedida também em que a sua vontade de desenvolvimento seafirma—algumas das nossas certezas científicas são abaladas.As Ciências Sociais e Humanas foram, na sua maior parte, elabo-radas a partir de um experiência e de uma história limitada: aexperiência e a história do Ocidente. Por isso, desde o momentoem que as suas teorias, os seus métodos, as suas técnicas de apli-cação começam a ser exportados, as dificuldades surgem. Desco-bre-se, então, que o seu alcance não é ainda universal. Basta for-mular esta verificação de um modo concreto, a partir de um exem-plo, para que a sua evidência ressalte: a Ciência Económica foicapaz de dominar intelectualmente os problemas suscitados pelacrise de 1929, mas mantêm-se ainda inapta para dominar a pro-blemática do desenvolvimento nos países de economia retardada.Poder-se-iam, aliás, f&zer observações análogas, a propósito dasituação da Ciência Política em face dos fenómenos políticos

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específicos dos novos Estados, bem como a respeito de outrasCiências Sociais e Humanas.

6. Aos saltos, através de erros e correcções ti por necessidadeemergente de numerosas solicitações de aplicação, estas disciplinascontinuamente se reforçam, desde há cerca de trinta anos. Subsis-tem, porém, dúvidas a seu respeito e a sua situação especial éfrequentemente mal interpretada. Na prática, o principal debateconcerne as suas possibilidades de verificação e de experimenta-ção. Como provar que não se limitam a. construir sobre pajlavras?No seu domínio, a experimentação, concebida à imagem da queefectuam as Ciências da Natureza, é impossível — quer por moti-vos que algumas destas últimas também conhecem (desde que oHomem está em causa, a intervenção in vivo depara fronteirasinsuperáveis), quer por razões respeitantes à subjectividade doinvestigador, que não pode impedir-se totalmente de ser, ao mesmotempo, juiz e parte interessada, quer, finalmente, porque toda aacção referente ao Homem oui à Sociedade assume, em últimainstância, uma significação política.

Todo o esforço das modernas Ciências do Homem se orientouno sentido de tornear estas dificuldades. Em primeiro lugar, pra-ticam a experimentação em escala reduzida. Sirva de exemploo estudo dos «grupos restritos», mediante utilização das técnicassociométricas, que de resto ultrapassaram as fronteiras dos «labo-ratórios» e procuraram aplicação em vários domínios, nomeada-mente no interior das empresas. Em segundo lugar, é uma expe-rimentação, imperfeita embora, o que se efectua, quando as Ciên-cias do Homem intervêm para preconisar ou definir uma acção,mais racionalizada ou mais eficaz, baseada nos seus conhecimen-tos actuais. Em tais circunstâncias, elas orientam as decisõese podem chegar a verificações parciais. Esta relação, ainda pre-cária decerto, entre investigação e aplicação transparece já emnumerosos sectores da actividade colectiva: organização das em-presas e das administrações, ordenamento urbano e regional,alteração das motivações de um público ou de uma população, etc.Finalmente, não devem ignorar-se os procedimentos permissivosde uma experimentação %nMrecta OUÍ simulada. No primeiro caso,trata-se da possibilidade de examinar, com método científico, asdecisões importantes tomadas por diversos «agentes» (autoridadespolíticas, empresários, etc), apreender as consequências próxi-mas de tais intervenções e efectuar uma verificação grosseira acurto prazo. Encaradas sob esta óptica, uma alteração constitu-cional, uma reforma escolar e, noutra escala, um método de des-colonização constituem «experiências» que o investigador nãoprovoca e não controla, mas das quais pode extrair ensinamentos.No segundo caso, trata-se da viabilidade de encontrar um sucedâ-

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neo da experimentação directa. A este respeito, já mencionámoso recurso ao método dos modelos; mas convém acrescentar queos processos cibeméticos e os meios mecanográficos melhoraramo rendimento das investigações deste tipo.

Para além destas observações, há um outro facto determi-nante, que importa relevar. As evoluções recentes modificarampor completo as condições de observação do Homem, enquantoindivíduo e enquanto membro de sistemas sociais complexos. Defacto, todas as sociedades se encontram, no presente, em estadode transição, sob o impacto dos progressos técnicos, das modifi-cações de regime e de estrutura (países socialistas), e dos pro-cessos de desenvolvimento económico (países do «terceiro mun-do»). Esta situação ocasiona que as informações a tratarcientificamente se diversifiquem e cresçam rapidamente em volu-me. Por outras palavras, há muito mais fenómenos e processos aconsiderar — donde resulta que o conforto teórico é eliminado. Domesmo passo, as condições de observação e de intervenção — namedida em que a gestão técnica, ou mesmo tecnocrática, das eco-nomias e das sociedades se acentua — são igualmente transfor-madas. Uma forte pressão se exerce no sentido da aplicação dosconhecimentos, o que afinal põe estes à prova e osi submete a umaverificação parcial. Mas essa pressão também afecta progressi-vamente a posição social dos investigadores.

II

VISÃO PROSPECTIVA

a) As Ciências do Homem são arrastadas por dois movi-mentos de algum modo contraditórios. Por um lado, progridemem rigor, em eficácia metodológica. Alargam, em £i mesmas, odomínio da Ciência, apagando progressivamente o sector da espe-culação contestável. Multiplicam os processos de verificação e ela-boram técnicas de «aplicação» dos seus resultados. Por outrolado, porém, estão sujeitas a revisões frequentes, por se encon-trarem em presença de um mundo que Ohes impõe, pela primeiravez, uma tomada de consciência de todas as formas assumidaspela economia, pela sociedade e pela civilização; por outras pala-vras: lhes impõe a abertura a um universalismo resultante dosfactos e não das intenções. Revisões forçadas, outrossim, por umdevir histórico que não consente a permanência de ilhéus preser-vados, porquanto tudo põe em causa: o equilíbrio interno das na-ções e o sistema das relações internacionais.

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Neste jogo de influências contraditórias e de tensões, dese-nham-se sem embargo tendências, que noa permitem raciocinar emparte por antecipação* Numa perspectiva globai e simplificada,que abranja o conjunto das Ciências do Homem, como poderemoscaracterizá-las?

1. A mais significativa, já antes a mencionámos: cada vezmais, a (prova pelos factos substituirá a prova pelo raciocíniocrítico.

Por motivos diversos mas convergentes — multiplicação emelhor equipamento técnico das investigações, incremento rápidoda documentação, ampliação geográfica dos campos de estudo,etc. —, o número dos dados carecentes de tratamento científicovai crescendo rapidamente, enquanto que a sua natureza se diver-sifica. Os riscos de erro por omissão tendem a ser eliminados.

Doutra parte, os novos métodos de tratamento da informaçãocientífica — quer se trate de dados estatísticos numerosos, querde dados qualitativos expressos em «código»—vão permitir aredução progressiva da perda de conhecimento científico que, atéao presente, tem empobrecido a investigação. Nessa medida, aparte da interpretação «livre» e controversa será reduzida,

2. Em resultado dessa primeira tendência, alargar-se-á ocampo das certezas científicas que escapam às vicissitudes resul-tantes das oposições de «escolas». Por outras palavras: um mínimocientífico, não sujeito a contestações, será obtido e ir-se-á depoisincessantemente ampliando, na totalidade das Ciências do Homem.

3. A actual repartição das disciplinas e a protecção dasrespectivas fronteiras estão condenadas a remodelações pro-fundas.

A aspiração a que se crie uma Ciência do Homem Social,mesmo se porventura não favorece a buisca da melhor solução,é significativa. Na prática, o que vai suceder é a organização dediversas coalizões de meios e de instrumentos, de acordo com aescada e a natureza dos problemas estudados. A investigação ope-racional e, sob uma forma muito mais grosseira, os área studie®,que se têm desenvolvido sobretudo nos Estados Unidos, já hojenos oferecem uma imagem dessas necessárias coalizões. Uma áreastudy é, como se s&be, um conjunto de estudos consagrados1 a umadada área geográfica ou cultural, que tem por objectivo congregaro maior número possível de factos significativos, desde o meionatural e a economia, até às expressões ideológicas.

4. A distância entre Ciências do Homem e Ciências da Na-tureza começa a reduzir-se, sem por isso ser posta em causa a suaespecificidade.

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As Ciências da Natureza aperceberam-se melhor das suas in-certezas, das 3uas impossibilidades, das incidências da sua expe-rimentação sobre o próprio objecto do estudo, e ainda — o que émais decisivo—'da sua rélativiãaãe. Foi W. HEISENBERG quemsalientou a humildade assim reencontrada: «nos nossos dias —observou —, a Física sofre uma transformação fundamental, cujoprincipal aspecto é um regresso á íaua auto-lSmitação originária».Em consequência desta evolução, as Ciências do Homem sentem-semenos inferiores às outras e mais aparentadas com elas.

A percepção de um parentesco é, aliás, reforçada pela des-coberta de um «nível» comum aos dois grupos de Ciências, quandose consideram 03 respectivos proceselos de conhecimento. Paraverificar esta semelhança metodológica, basta comparar, porexemplo, a utilização do método dialéctico nas Ciências do Ho-mem e o uso que, sob o ponto da complementaridade dialéctica,dele fizeram, físicos como Niels BOHR e Louis DE BROGLIE, pararesolver os novos problemas que defrontaram.

5. O carácter das opções e decisões que regem a vida dassociedades será modificado, na medida em que as Ciências doHomem definam melhor as suas certezas e incertezas, fixem maisexactamente os limites do determinismo e da liberdade criadorae se mostrem mais seguras dos seus resultados! e aplicações.

Não se poderá, então, sustentar a confusão entre factos e pre-ferências, entre as coacções da necessidade e as exigências dosvalores. A racionalidade progredirá e o problema das opções —que valores e finalidades prosseguir, no quadro de uma dadasituação — será mais claramente definido. A gestão mais rigorosadas sociedades poderá, assim, ser acompanhada por uma explo-ração mais eficiente do campo aberto à liberdade.

6) Não nos cabe formular aqui profecias, mas enunciar ten-dências e possibilidades, não só quanto às Ciências do Homemem si mesmas, mas também quanto à futura posição da sociedadeperante elas. De que natureza serão, pois, as questões levantadase as solicitações dirigidas a essas disciplinas?

1. Num mundo onde os homens, os instrumentos técnicos,os bens e os conhecimentos se multiplicam a um ritmo jamaisigualado, os problemas técnicos concernentes à sua «administra-ção» irão progressivamente ocupando os primeiros lugares entreas preocupações dos responsáveis. Este «atravancamento» e estacomplexidade das sociedades modernas, só por si e em consequên-cia da sua contínua progressão, já exigiriam uma intervençãocrescente das Ciências do Homem aplicadas.

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Mas há que levar em conta ainda outros aspectos. As alte-rações induzidas pelas transformações técnicas e pelo crescimentoeconómico são cada vez maisi rápidas e mais numerosas, têm efeitoscumulativos e exigem uma adaptação das estruturas materiais dasociedade (cidades novas, urbanização dos campos, etc), das rela-ções económicas e sociais (socialização parcial da propriedade*planeamento, automatização da produção, etc), das atitudes co-lectivas e dos comportamentos individuais. Também neste vastodomínio, as Ciências do Homem serão chamadas a tornar a pre-visão menos aleatória e a orientar as terapêuticas indispensáveis.

Finalmente, as desigualdades regionais e nacionais, derivadasde uma difusão desigual dos instrumentos do crescimento econó-mico, oferecem o risco de se acentuar e de conduzir à generalizaçãodas tensões e das rupturas. Cada vez mais, as Ciências Humanase Sociais serão levadas a cooperar nos esforços de desenvolvi-mento. De resto, já procuram fazê-lo; mas com um equipamentointelectual insuficiente.

2. Duas séries de transformações básicas começam a operarsimultaneamente e produzirão um mesmo efeito: o desenraizarmento do homem moderno, perante um mundo que se altera emtoda a sua extensão e esboça as primeiras relações com os «outrosmundos».

As paisagens urbanas e industriais do futuro, os meios detransporte do porvir, as deslocações empreendidas através do cos-mos, etc, suscitarão um duplo desenraizamento: o que provirádo radical revolvimento dos quadros materiais da existência hu-mana e o que a modificação, igualmente total, dos quadros do pen-samento surtirá. Trata-se de uma situação à qual o homem mo-derno terá de adaptar-se. Aquelas Ciências do Homem que, se-gundo já notámos, asseguram uma preparação para «o exótico»,desempenham, sob este aspecto, um papel importante. Paradoxal-mente, a nossa Etnologia ajudar-nos^á a conseguir que o futurose não nos torne «estranho».

3. Por outro lado, não pode duvidar-se de que as Ciênciasdo Homem terão de contribuir para a organização de um ensinomais adaptado às exigências do século.

De facto, tornar-se-á necessário consentir numa revolução nosmétodos de difusão do saber. As próprias condições do trabalhoe a repartição das tarefas a exigirão. A um ritmo cada vez maisrápido, as máquinas eliminarão as competências antigas; e a ace-leração do progresso técnico imporá, aos trabalhadores de todosos níveis, sucessivas reconversões. Será, por conseguinte, de conhe-cimentos polivalentes e duma certa disponibilidade intelectual,mais do que de conhecimentos especializados, que importará dotar

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as gerações ascendentes. Aliás, a viragem já começou: algunsempresários começam a preferir colaboradores que saibam sobre-tudo «servir-se da cabeça» e engenheiros capazes de adaptaçõesrápidas.

Assim, as «humanidades» virão a recobrar a sua antiga fun-ção, junto das disciplinas' mais novas e de teor científico. Naformação do novo saber-pensar e na invenção, igualmente urgente,do novo saber-existir, a sua cooperação tornar-se-á de novo ne-cessária.

4. Por último, as Ciências do Homem continuarão a realizara obra que sempre foi a das disciplinas humanísticas.

Para além dos conhecimentos técnicos parciais, elas garan-tem, por vocação, os reagrupamentos de factos e as sínteses con-dicionantes da interpretação da aventura colectiva, Para alémdas transformações radicais, que provocam a desorientação e pa-recem assegurar a vitória do sem-sentido, etlas buscam e revelamas significações que permitem reconciliar o Homem com a suaHistória. Para além dos limites estreitos dos Humanismos tran-sactos, elas incitam a construir uma civilização capaz de reco-nhecer as diferenças, sem negar as solidariedades.

(Trad, de A, de Oliveira Nunes)