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REFLEXÕES SOBRE O PERCURSO HISTÓRICO DA MEDITAÇÃO ATÉ AS
DESCOBERTAS DE SEUS BENEFÍCIOS ÀS FUNÇÕES MENTAIS
Elisa Mara Silveira Fernandes Leão, Mônica Frederigue de Castro Huang, Audie Rainere da Silva Campos, Eduardo Aurélio de Avila Branquinho, Elizangêla Aparecida Gonçalves Lima, Francielly
Fideles de Souza, José Divino de Sousa, Layana Ross Xavier Viana, Richeuma Lima Constantino, Rhuan Pablo Silva
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo discutir sobre a meditação, sua origem e os benefícios
para seus praticantes. Serão abordadas algumas religiões que incentivam tais
práticas, as diferentes técnicas, os benefícios, as relações com o funcionamento
cerebral, a cognição, as emoções e as relações sociais, contextualizando sua
evolução histórica. Baseamos este estudo em pesquisas publicadas sobre as
comparações entre grupos de meditadores e não meditadores em situação de
exames de neuro imagem como ressonânc ia magné t i ca , spec t e
eletroencefalograma. O interesse pelo assunto surgiu durante a disciplina de
Psicopatologia, no curso de Psicologia da Faculdade Estácio de Sá de Goiás, com o
estudo das áreas cerebrais e as práticas que poderiam estimulá-las. Mediante
proposta da docente aos estudantes, organizou-se um grupo de estudo com o
objetivo de buscar maior entendimento sobre o assunto e a produção científica
advinda desse conhecimento.
Palavras-chave: funcionamento cerebral, pesquisa, psicologia, meditação, religião.
ABSTRACT
This work aims to discuss about meditation, its origin and the benefits to its
practitioners. They will address some religions that encourage such practices, the
different techniques, benefits, relations with brain function, cognition, emotions and
social relations, contextualizing its historical evolution. We based this study in
published research on comparisons between meditators and non-meditators groups
in neuroimaging situation as MRI, SPECT and EEG. The interest in the subject came
up during the course of Psychopathology in the undergraduate Psychology degree
program at the Faculdade Estácio de Sá de Goiás, with the study of brain areas and
practices that could encourage them. As proposed by the teacher to students, we
organized a study group in order to seek greater understanding of the subject and
the scientific production arising of this knowledge.
Keywords: brain functioning, research, psychology, meditation, religion.
Introdução
Com o avanço da tecnologia e dos exames de neuroimagem, têm crescido as
pesquisas sobre a meditação. Até então, esta prática era valorizada muito mais
pelas comunidades religiosas e alternativas do que pela ciência. Atualmente, muitas
pesquisas são desenvolvidas por diferentes profissionais como neurologistas,
psiquiatras e psicólogos, que utilizam, dentre outros instrumentos, os exames de
neuroimagem para favorecer a realização de comparações entre a atividade cerebral
e as práticas meditativas.
Através dos resultados obtidos por meio do estudo das áreas cerebrais em
meditadores e não meditadores, é possível afirmar sobre os benefícios desta prática
muito estimulada em religiões de origens indiana, japonesa, chinesa e judaica. Além
da possibilidade de analisar áreas cerebrais no momento da meditação, é possível
apresentar resultados das funções respectivas ao longo do tempo por pesquisas
longitudinais.
Origens da Meditação
Embora as pesquisas científicas sobre a meditação ocorram há décadas,
persiste a crença de que essa técnica esteja necessariamente vinculada à religião.
Johnson (1990), em sua ampla investigação histórica sobre o tema, descobriu a
origem da meditação na cultura oriental – inclusive, os depoimentos e as religiões
que mais a utilizam encontram-se no Oriente. Segundo ele, na antiga China, por
volta de 300 a.C., a literatura taoísta, com mestres como Lao-Tzu e Chuang-Tzu, já
expunha exercícios meditativos de forma sistematizada. A literatura mística do norte
da Índia, entre 1500 e 1000 a.C., também já relatava técnicas de meditação.
Johnson presumiu a base da meditação nos primeiros estados alterados de
consciência. Acreditava este autor que “a descoberta do fogo, o exercício da caça e
a experiência sexual poderiam ter sido os fatores que primeiramente conduziram ao
estado meditativo espontâneo, provocando experiências naturais de estados
alterados de consciência, o que poderia ter acontecido há cerca de oitocentos mil
anos” (CARDOSO, 2009).
Esta lógica veio por relacionar momentos com a sensação de estar “fora de si
mesmo”, o que seria, segundo Dalgalarrondo (2008), um estado alterado de
consciência. Seguindo por este pensamento, o indivíduo vivenciaria um estado
diferente do normal em situações como o exercício da caça, onde precisaria estar
em alerta, totalmente focado em sua atividade e, assim, desligar-se-ia de tudo o que
poderia acontecer ao seu redor. Da mesma forma, na experiência sexual, o indivíduo
está com suas sensações e percepções extremamente sensíveis, em um estado
alterado de consciência, de modo que quando o orgasmo acontece seria como se
essa pessoa estivesse “fora de si” por alguns segundos. Assim, aquele que já
experienciou essas sensações tende a procurá-las novamente em função do estado
de êxtase que elas proporcionam. O organismo sente falta do prazer experienciado
e busca repeti-lo.
Portanto, para Johnson, a meditação não teria sido descoberta em algum
momento específico, por uma religião ou por um indivíduo, mas sim ensinada
através dos tempos, dos povos e das culturas.
A vida cotidiana promove momentos de estados alterados de consciência ao
ser humano que, por sua vez, procura as sensações desses estados “fora de si”.
Com os rituais religiosos, pode-se conseguir o êxtase, ou estado alterado de
consciência provocado. Essa possivelmente é uma explicação sobre a origem da
meditação figurar vinculada a rituais religiosos que buscam estados alterados de
consciência, alcançando muitas vezes esse objetivo.
Sobre as religiões que mais exercitam a meditação
No âmbito religioso, vários são os grupos adeptos das práticas meditacionais,
com formas específicas segundo suas crenças. De acordo com o Centro de
Meditação Osho, na Índia (MOREIRA, CAMARGO e SOUZA, 2013), foi no Oriente
que as técnicas meditacionais se desenvolveram, no início ligadas a algum tipo de
crença.
Segundo Negri, Penedo e Paletta (2012), a meditação é a capacidade que o
indivíduo tem de focar a mente em um objeto ou pensamento e, através desse
exercício, unidirecionar a mente de modo a eliminar quaisquer outros pensamentos,
levando-o a experiências místicas no conhecimento de si, da natureza e do universo.
No continente oriental, vários grupos cultuam as práticas da meditação. Em
destaque o hinduísmo, o budismo, o taoísmo, o sufismo e o judaísmo.
O hinduísmo é baseado em crenças na reencarnação e nas escrituras hindus
(Vedas) ao que referem como Dharma. Era posto como modelo de religião elitista
até que alguns livres pensadores contestaram e a condição social deixou de ser
requisito para elevação espiritual. Surgiram, então, várias escolas de ioga visando
estabelecer harmonia entre corpo e mente. Dentre elas, destacou-se a Pranayama,
que enfatiza a respiração como sendo a vitalidade do corpo, com poder de
manipular a mente e garantir serenidade, utilizando mantras, ou seja, a mentalização
de algo nos processos meditativos.
Contrapondo a forma elitista do hinduísmo, surge na Índia o budismo.
Fundado com base nos ensinamentos de um sacerdote hindu chamado Siddhartha
Gautama, visando o desapego à reencarnação através da iluminação ou nirvana. No
caminho do meio (equilíbrio) acredita superar, através de técnicas meditativas,
doenças, velhice e morte. Posteriormente, o budismo migrou para o Japão e a
China, ficando conhecido como budismo Zen, que compartilha técnicas meditativas,
de concentração, pintura e artes marciais.
A meditação como fator essencial e a Vipassana (enxergar as coisas como
elas realmente são) são práticas presentes em todas as vertentes do budismo. A
meditação observa as reações físicas do corpo e pode ser realizada de três formas
diferentes: pela percepção de suas ações, pela observação dos mecanismos da
respiração ou pela percepção das entradas e saídas de ar nas narinas, e o resultado
obtido será o mesmo utilizando qualquer uma das três.
Também na Índia, foi fundado o taoísmo pelo imperador Huang Di, que
escreveu o Tao (caminho como os taoístas se referem à religião). É considerado
como um estilo de vida filosófico e religioso e não propriamente uma religião. O
pensador Lao-Tse, também conhecido como um dos pais do taoísmo, escreveu uma
das mais importantes obras: o Tao Te Ching. Nesta filosofia, acredita-se na
dualidade entre duas energias, o Yin e o Yang, que se manifestam através de
opostos – masculino e feminino, luz e escuridão, forte e fraco – pela concentração
na respiração, o que é um tipo de meditação. A acupuntura teve origem aqui,
visando à vitalidade do corpo e à desobstrução dos meridianos. O taoísmo propõe
vários tipos de meditação, sendo a mais conhecida no Ocidente a Tai Chi, onde a
mente é esvaziada de preocupações e outros pensamentos. A técnica é composta
por exercícios e movimentos de todo o corpo, como ocorre na natureza, sempre
atentos à respiração em ritmo sincronizado.
Outra prática de meditação é encontrada no judaísmo, a primeira religião
monoteísta, influenciando significativamente o cristianismo e o islamismo. Seu
patriarca foi Abraão (Abraham), e a crença em um Deus único é a sua base. Os
judeus não se restringem apenas às práticas meditacionais cabalísticas; podem ser
utilizadas técnicas de respiração iguais às da Vipassana para se obter acesso e
controle das emoções e tranquilidade à mente.
Há também a meditação Sufi, que surge de uma vertente mística do
islamismo, o sufismo, e busca a Deus através da dança, da música, dos retiros
espirituais e da meditação. Ganhou forças entre os países do noroeste da África,
Marrocos, Sudeste Asiático, Indonésia e Índia. Os sufis acreditam que a busca pela
felicidade, o controle da mente e a experiência com o divino podem ser adquiridos
através de técnicas meditacionais, usando mantras e exercícios de respiração e
movimento do corpo, como o Rodopio Sufi. Nessa técnica, o meditador faz um
movimento de giro em torno do seu próprio eixo como se fosse uma roda gigante,
começando de forma lenta e aumentando a velocidade por cerca de trinta minutos e,
então, o meditador irá testemunhar várias imagens periféricas desfocadas. Diante de
tantos contextos religiosos distintos, em que a meditação se faz presente, é possível
verificar diferentes formas de meditação.
Sensações
O indivíduo que pratica a meditação desenvolve a sensação de ter a condição
de entrar em uma nova dimensão de vida e dá a isso o nome de espiritualidade ou
contato com o transcendente. Essa relação oferece prazer e sensação de bem-estar,
o que deixa o desejo de repetir a técnica para continuar sentindo e tendo a
experiência que lhe causa prazer. Algumas experiências religiosas semelhantes à
meditação são descritas como uma sensação muito agradável da presença divina e
o acesso ao significado de todas as coisas.
Conectar-se diretamente com o seu próprio ser é denominado como um
estado de transe dito estático, que pode ser “induzido por treinamento místico e
religioso, ocorrendo geralmente como a sensação de fusão do eu com o
universo” (DALGALARRONDO, 2008). Utilizando esse conceito da Psiquiatria, é
possível fazer a inferência de que a meditação é um Estado Alterado de Consciência
(EAC) provocado pelo próprio indivíduo, que busca uma relação além da
consciência cotidiana.
Com os rodopios sufis, a sensação de presença divina dos praticantes da
ioga, as técnicas indus, taoístas, judaicas e de tantas outras religiões têm em suas
práticas rituais que se valem do Estado Alterado de Consciência (EAC). O
entendimento desse estado pode ser melhor definido pela presença de duas
características subjetivas importantes, a sensação psicológica de deslocamento do
ego ao centro de percepção da pessoa e uma sensação de que este ego é
identificado com o próprio corpo.
Seria controverso afirmar que existem evidências de que o EAC possa
conduzir uma pessoa a um reino transcendente e elevado de consciência, mas há
ampla evidência, segundo pesquisas, de que alguns EAC provoca sentimentos
extremamente agradáveis e podem afetar profundamente a personalidade de um
indivíduo.
Considerações sobre os benefícios da meditação
Somos o que pensamos. Tudo o que somos surge com nossos pensamentos.
Com nossos pensamentos, fazemos o nosso mundo.
Buda
Quando abordamos o tema meditação, apesar de esta ser praticada por
milhões de pessoas no mundo, é corriqueiro vir à mente a imagem de monges em
uma montanha, estáticos, explorando suas mentes como se estivessem num estado
alterado de consciência. É uma ideia correta, mas limitada e simplista, diante da
grande dimensão que a meditação abrange, pois não está associada somente aos
monges do Tibete, mas a uma prática oriental que ao longo de milênios na história
da humanidade vem se aprimorando. Seja de cunho religioso, na busca do transpor
da consciência humana para a consciência divina, ou associada às práticas de
relaxamento, beneficiando um estado de tranquilidade, bem-estar físico e mental
que busca a transformação do indivíduo através de uma particularidade de estado
de consciência, a meditação resgata o equilíbrio homeostático.
Um erro não só na cultura ocidental como na oriental é a crença de que a
concentração traz grandes poderes à mente. Na verdade, com o aperfeiçoar da
concentração, também existe um ato de focalizar em algo e isso não é espiritual. A
meditação é uma técnica de aperfeiçoamento de concentração. Muitas religiões a
mantém como parte de seus ritos, mas essa não é de exclusiva utilização do meio
religioso.
A mente fala o tempo todo. Se esse falatório interno puder ser silenciado,
mesmo que durante um único instante, o indivíduo terá uma breve visão da não-
mente. Esse é o objetivo e a essência da meditação. O estado de não-mente é o
estado correto e natural (OSHO, 2002). Ao longo da história, nos deparamos com os
aprimoramentos que a cultura ocidental fez ao aderir conteúdos que não foram
criados em seus limites territoriais, a fim de torná-los úteis às suas necessidades. O
mesmo acontece com a meditação, destacada pelos seus benefícios à saúde em
“um esforço para exercitar a atenção” (GOLEMAN, 1989), beneficiando o aumento
das defesas imunológicas, o autocontrole emocional, o controle do estresse, a
atenção, a concentração, a memória e as relações sociais. Utilizada como uma
técnica rápida para o relaxamento ou como auxílio em terapias mediante a atenção
do indivíduo para o seu interior, a meditação proporciona obtenção de
conhecimentos, capacidade de relacionar-se com empatia, entre outras benesses,
sem necessariamente, a elevação divina.
Nestes momentos nossa mente flutua com milhões de pensamentos e imagens. A meditação é, em essência, o treinamento sistemático da atenção que só deverá ser alcançado através da prática regular e disciplinada que levará o indivíduo a alcançar o estado de mente focada e sustentada (REZENDE, 2013).
Cientistas não só atestam que a meditação é uma das importantes
ferramentas para prevenir doenças e elevar a qualidade de vida, como a
espiritualidade maior do ser. Nesse sentido, a meditação pode ser positiva para as
funções cognitivas e o controle das emoções, uma vez que favorece funções
cerebrais e promove melhorias de relacionamentos sociais.
O exercício mental pode ser comparado ao exercício físico na promoção de
benefícios para a saúde. A movimentação dos músculos e das articulações garante
elasticidade à máquina humana. O exercício mental, através do foco num objeto ou
na respiração no momento em que se está vivenciando a prática, oferece a
possibilidade de controle das emoções e, assim, um meditador consegue manejá-las
melhor. Com esse exercício, estimula-se o pensamento e o conhecimento dessa
emoção, sentindo e dominando as sensações que oferece ao corpo humano. Como
a emoção pode contaminar todas as demais funções, sejam físicas ou mentais,
tendo o maior conhecimento e controle desta, as demais seriam melhor utilizadas.
Através da capacidade de concentração em algo, como na respiração ou em
alguma coisa específica, o indivíduo com o passar do tempo e o treino meditativo
consegue dominar sua atenção sem muito esforço, alcançando melhores resultados
no aprendizado e na memorização, mesmo porque essa é dependente da atenção.
As práticas religiosas têm mostrado para a ciência que a ligação do humano
ao transcendente através de seus ritos espiritualistas tem acarretado grandes efeitos
comportamentais, além de orgânicos, para seus praticantes. Fé, além de motivar o
ser humano ao crescimento, traz saúde física e mental. Muitas religiões, além de
buscarem o conforto emocional através da espiritualidade, se preocupam em manter
o corpo saudável por considerarem o mesmo como um “templo” que é habitado pelo
“Espírito Santo”. Tanto religiões orientais como algumas ocidentais também utilizam
a oração para “abrir o coração a Deus”, como uma forma de descarga emocional de
anseios, medos etc.
Segundo o psicanalista Erich Fromm (1956), a concentração é bem mais
difícil de ser praticada em nossa cultura, pois tudo parece agir contra uma situação
favorável para o alcance desta. O passo mais importante para esse aprendizado é
conseguir ficar só consigo mesmo, sem ler, sem ouvir rádio, sem fumar, sem beber,
o que poderia ser um grande benefício para os que praticam essa técnica. Todavia,
a meditação ainda é mais seguida pelos que procuram religiões ou por aqueles que
procuram seguir alguma filosofia de vida. Nessas vertentes, existem regras a serem
seguidas, o que demonstra que os fiéis precisam ter disciplina, persistência e foco.
Procurando manter esses objetivos, é possível, por exemplo, alcançar outros
benefícios tantos, como trabalhar e chegar pontualmente, estudar e conseguir
aprendizado e aprovações, relacionar-se com pessoas e ter mais facilidade em suas
escolhas.
Na verdade, ser capaz de concentrar-se significa ser capaz de ficar só
consigo mesmo. De acordo com Fromm (1956), em sua obra Psicologia e Religião,
existe o anseio da personalidade humana pelo religioso, tanto pelo fenômeno quanto
pelo estado que poderia contribuir para o enfrentamento da insegurança em relação
à finitude humana, que proporcionaria a condição de amar verdadeiramente. Isso
poderia acontecer, já que o indivíduo seria capaz de estar consigo, pensando sobre
seus sentimentos, necessidades e demais conteúdos.
A meditação propõe o exercício de ser capaz de sentir o próprio corpo e a
respiração, sentir os próprios sentimentos, através de técnicas que têm como
condição sine qua non o exercício de estar só com seus pensamentos e
sentimentos. Para alcançar esse estado, é necessário desligar-se de estímulos que
podem significar conexão com outras pessoas ou distrações. Conseguir estar
desligado de celulares, televisão, computadores, músicas e estar inteiramente ligado
a si próprio conduzirá o indivíduo a descobertas de novas potencialidades pessoais.
A capacidade de estar só poderá facilitar o relacionamento verdadeiro e inteiro com
o próximo. Existindo a possibilidade de se reconhecer como um indivíduo e suas
particularidades, muito provavelmente, existirá a condição de perceber a
individualidade do próximo, aumentando assim a condição de respeito e admiração
por outra pessoa e a condição de ser capaz de amar.
Essa capacidade de ficar só consigo mesmo nos remete a práticas milenares
das religiões orientais, onde a meditação é colocada como prática que objetiva
tornar nossa mente calma e pacífica. Os benefícios da meditação começaram a ser
investigados no meio científico e, dentre estes estudos, podemos citar Richard J.
Davidson, Elisa Kozasa, Johnson. Uma dessas pesquisas, realizada em Wisconsin,
Espanha e França, relata a primeira evidência de alterações moleculares específicas
no corpo pela sequência de um período de meditação mindfulness.
O estudo investigou os efeitos de um dia de prática mindfulness intensiva em
um grupo de meditadores experientes, em comparação a um grupo de indivíduos
controle não treinados que se envolveram em atividades não-meditativas. Depois de
oito horas de prática mindfulness, os meditadores mostraram uma gama de
diferenças genéticas e moleculares, incluindo níveis alterados de genes reguladores
e níveis reduzidos de genes pró-inflamatórios, que, por sua vez, se correlacionaram
com a recuperação física mais rápida a partir de uma situação estressante, por este
estado alterar as redes de conexões nervosas.
Bases Neuroanatômicas da Meditação
O cérebro humano é formado por cerca de 100 bilhões de células nervosas,
os neurônios, que estão conectados em redes cujas funções têm vários propósitos,
além de possuírem sofisticada organização e funcionamento interno. Cada um
desses neurônios faz contatos com outros neurônios em pontos chamados sinapses.
Hoje sabemos que não há apenas uma área cerebral responsável totalmente
por uma função, como já pensado pelos estudiosos localizacionistas. Existem
verdadeiros circuitos e redes associadas que constituem sistemas neurais
integrados e interligados envolvidos na manifestação dos fenômenos psicológicos,
abrangendo áreas sensoriais, cognitivas, emocionais e do comportamento.
Entretanto, existem pontos nodais bem específicos envolvidos nesses
circuitos que têm correlações bastante relevantes quanto à sua função e ativação
durante os processos que envolvem a cognição humana, desde as emoções até um
reflexo a um estímulo sensorial.
Conforme explica Ramachandran (2014), e a partir de pesquisas e estudos
atuais, vamos discutir essas áreas ou pontos que têm fundamental importância na
manifestação de funções cognitivas básicas que levam à constituição dos diversos
tipos de comportamentos, patologias psíquicas, somatizações e outras
consequências dessa interação de uma rede neural tão complexa.
Investigações em conduzidas pelas universidades de Wisconsin, Harvard e
Califórnia, comprovaram que, em momento de meditação, existem significativos
estímulos em diferentes áreas cerebrais, desencadeando boas consequências.
Conforme Gil (2012), a atenção está na origem do conhecimento e da ação,
onde a condição básica para que ela ocorra é a vigília, subentendida no sistema
ativador reticular ascendente que, juntamente com os núcleos intralaminares do
tálamo, atua com influências excitatórias no cérebro. Nessa relação entre a vigília e
a atenção estão relacionadas as estruturas da amígdala, o hipocampo e o lobo
frontal. Experimentos com meditadores demonstraram maior capacidade destes de
permanecerem vigilantes.
Lent (2010) afirma que a atenção tem dois aspectos principais: a criação de
um estado geral de alerta e a focalização desse estado de sensibilização sobre
certos processos mentais e neurobiológicos – a atenção propriamente dita. É
verdade, ainda, que todas as áreas corticais recebem projeções recíprocas do lobo
temporal e do córtex parietal posterior. Verificou-se que o núcleo pulvinar, situado no
tálamo, tem um papel chave na modulação atencional da percepção.
Segundo o que diz Marino (2005), os fenômenos de concentração focada são
mediados pelo córtex pré-frontal, que parece mediar ainda a prática da meditação.
Registros realizados durante estados de meditação demonstram a ocorrência de
ativação no giro do cíngulo e do córtex pré-frontal ao mesmo tempo. Logo, o estado
de concentração inicia-se após a ativação dessas duas regiões, quando da intenção
e vontade de suprimir da mente pensamentos invasivos.
Lent (2010) apresenta a definição de memória como a capacidade que o
homem e os animais têm de armazenar informações que possam ser recuperadas e
utilizadas posteriormente. É diferente da aprendizagem, que se refere apenas à
aquisição de informações. São vários os tipos e subtipos de memória e seus
mecanismos neurais não são completamente conhecidos.
Informações transitórias e duradouras são armazenadas em várias áreas do
córtex, conforme sua função. Do córtex, elas podem ser mobilizadas como memória
operacional pelas áreas pré-frontais, em conexão com áreas do córtex parietal e
occipitotemporal. As memórias explícitas podem ser consolidadas pelo hipocampo e
de áreas corticais adjacentes do lobo temporal medial, em conexão com os núcleos
do tálamo e do hipotálamo. Por fim, o processo de consolidação é fortemente
influenciado por sistemas moduladores, principalmente os envolvidos com
processamento emocional, como o complexo amigdaloide do lobo temporal.
Para Lent (2010), o córtex pré-frontal está dividido em cinco regiões
funcionais. As regiões ventromedial e orbitofrontal estão envolvidas com o
planejamento de ações e do raciocínio, o ajuste social do comportamento e aspectos
do processamento emocional (prática da meditação compassiva, que estimula o
pensamento positivo em relação à outra pessoa, mostrou atividades nestas áreas e
depoimentos dos praticantes de que se tornaram pessoas mais socialmente flexíveis
e empáticas corroboram com essa teoria); já a região ventrolateral é encarregada
pela memória operacional; a região dorsolateral está envolvida com a manipulação
cognitiva dos dados da memória operacional; e a região cingulada anterior,
envolvida com as emoções e a atenção. Quando estimulados a meditarem sobre
compaixão e bondade amorosa, o grupo demonstrou ter sentimentos positivos e não
só empáticos, mas de amor ao próximo e maior respeito ao que o outro está
sentindo, assim, o sentimento não seria sofredor, mas mais amadurecido. Esses
resultados também mostraram alterações nas redes do Corpo estriado ventral, que
têm conexões com áreas corticais do sistema límbico e participam da regulação do
comportamento emocional.
Lobo da ínsula é um lobo profundo, situado no fundo do sulco lateral, no
encéfalo. Suas principais funções são fazer parte do sistema límbico e coordenar
emoções, além de ser responsável pelo paladar e por estímulos relacionados à dor.
Interessante observar que, comparando a atividade cerebral de meditadores
experientes aos iniciantes, estas atividades cerebrais aparecem diminuídas, o que
demonstra melhor autonomia no controle emocional e também um menor incômodo
em relação à dor.
Um estudo preliminar desenvolvido em Harvard pela doutora Sara Lazar e
seus colegas mostrou que, com o exercício da meditação de atenção plena,
aconteceu uma diminuição do volume da amígdala. Lent (2010) traz sua elaboração
sobre a amígdala, mais apropriadamente chamada de complexo amigdaloide, que,
por ser composta de diferentes grupos de núcleos, é considerada o “botão de
disparo” das reações emocionais. Para exercer tal função, recebe aferências
sensoriais através do tálamo, e aferências mais complexas do córtex. A amígdala
também envia projeções a várias regiões que participam da execução dos
comportamentos e ajustes fisiológicos característicos das emoções.
Sua participação nas reações de medo envolve, além do disparo das
manifestações biológicas e de reações comportamentais correspondentes, um
componente importante de memória. O medo condicionado é uma forma de
memória implícita e depende inteiramente da amígdala.
Como nas reações de medo, a amígdala é o “botão de disparo” da raiva e sua
conexão com o hipotálamo é a via de saída para as reações correspondentes. A
amígdala e o hipotálamo estão conectados com a grísea periaquedutal, que é a
coordenadora do comportamento de ataque defensivo característico do medo. Com
essas funções, os participantes da pesquisa de Harvard apresentaram a tendência a
administrarem melhor o medo e a controlarem o estresse.
Outra pesquisa realizada por um grupo da Universidade da Califórnia em
2009, utilizando ressonância magnética de imagem (MRI) de alta resolução para
estudar o cérebro de meditadores, constatou que certas regiões dos cérebros de
meditadores, há muitos anos praticantes, apresentavam alterações no tamanho, em
relação aos correspondentes dos cérebros de não meditadores do grupo controle.
Também obtiveram resultados significativos relacionados ao maior controle
emocional pelos meditadores experientes, o que foi corroborado com a pesquisa de
Harvard.
Considerações Finais
No decorrer da pesquisa, percebeu-se que a meditação traz uma considerável
melhora para o corpo e para a mente, por meio de técnicas praticadas há milênios.
Devido aos seus benefícios, vários profissionais da saúde voltam sua atenção a esta
técnica como meio de fortalecimento das funções cerebrais, aperfeiçoando a
cognição e a emoção através da manutenção do foco, de modo que o indivíduo não
desvencilhe sua concentração para outro estímulo e vivencie experiências místicas,
ou seja, um estado alterado de consciência.
No Ocidente, a meditação tem ganhado destaque com evidências de
conceituadas pesquisas na promoção da qualidade de vida. Diante dos estímulos
estressores de um mundo globalizado e da necessidade de aperfeiçoamento das
funções cognitivas, a importância que permeia tal prática tem sustentado religiões e
filosofias e elevado a meditação à condição de parte intrínseca na história da
humanidade.
Os benefícios que a meditação oferece chamam a atenção na atualidade,
principalmente pelas melhores condições de acompanhar e aferir os resultados
através de exames reconhecidos no campo científico. Com as informações
divulgadas, o conhecimento da técnica expande para além do meio religioso,
diminuindo atitudes preconceituosas em relação a um exercício de concentração
que pode ser útil para a memória, a atenção e as relações sociais.
A iniciativa em estudar e descobrir o que já existe sobre este assunto
proporcionou ao grupo ampliar um pouco mais as fronteiras do saber, gerando a
sensação de que existe muito para ser aprendido e discutido. A responsabilidade em
disseminar as relações alcançadas através da pesquisa bibliográfica move a
investigação na direção das publicações científicas, de modo que é possível
perceber o quanto nossa máquina cerebral pode nos contemplar com capacidades
surpreendentes. Como se aguardando que sejam utilizadas por nós, essas
capacidades estão à nossa disposição, aguardando disciplina e interesse para nos
oferecer maiores condições de atenção, concentração, memória, diminuição de
ansiedade e melhores relacionamentos sociais.
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