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101 RESUMO REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO E QUALIDADE DOS EMPREGOS: ENTRE O DISCURSO, A TEORIA E A REALIDADE 1 Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 38, p. 101-119, fev. 2011 Recebido em 28 de maio de 2008. Aprovado em 23 de agosto de 2010. Daniel Gustavo Mocelin O objetivo deste ensaio é examinar o tema da redução da jornada de trabalho de modo crítico, expondo algumas dimensões teóricas e empíricas importantes que costumam ficar excluídas do debate público sobre a matéria. Analisando algumas características sobre o tempo de contratação de trabalhadores no mercado de trabalho brasileiro, demonstra-se que existe uma grande distância entre o discurso, a leitura acadêmica sobre a matéria e a realidade. A redução da jornada de trabalho é um tema multifacetado, que caracteriza um debate complexo e polêmico, suscitando o interesse de diversos agentes sociais interessados nessa pauta, mas que possuem diferentes concepções acerca do debate, em razão da heterogeneidade de valores em jogo. Argumenta-se no artigo que as implicações sociais de uma medida política de redução da jornada de trabalho não podem ser previstas. Contudo, entende-se que essa redução é uma tendência histórica, vinculada ao desenvolvimento socioeconômico. Há diferenças marcantes entre o discurso sindical, a simpa- tia política pela medida, as afirmações teóricas e as evidências empíricas sobre a temática. O ensaio aborda o tema sobre duas dimensões principais: quantidade e qualidade do emprego. Quando tratado pela perspec- tiva da quantidade do emprego, envolve a questão da geração de empregos, a fim de minimizar os efeitos do desemprego. Quando tratado pela perspectiva da qualidade do emprego, envolve a questão da riqueza das atividades laborais e o melhor rendimento, proporcionando real melhoria nas condições laborais e na qualidade de vida dos trabalhadores. PALAVRAS-CHAVE: redução da jornada de trabalho; emprego; qualidade do emprego. I. INTRODUÇÃO Em 28 de maio de 2008, centrais sindicais em todo o Brasil mobilizaram-se para sugerir a “redu- ção da jornada de trabalho, sem redução dos salári- os”; proposta que parece bem vista pelo governo federal. Os sindicalistas, inclusive, têm pressiona- do o governo: diversas centrais sindicais (entre elas, Central Única dos Trabalhadores, Força Sindical, Central Geral dos Trabalhadores do Brasil, Social Democracia Sindical e Central Autônoma dos Tra- balhadores) iniciaram uma coleta de assinaturas, para que o Congresso Nacional agilizasse o pro- cesso de votação, na Câmara dos Deputados. Des- te então, o debate público sobre a matéria está em pauta, mas não avançou de forma decisiva. O impacto social de uma medida como a re- dução da jornada de trabalho pode vir a ser social e economicamente significativo, mas pode seguir diversos caminhos e assumir resultados diferen- tes, dependendo do período histórico e do con- texto cultural e institucional em que ocorre. Para aprofundar essa discussão, exige-se uma atenção maior sobre o sentido de tal medida, conhecendo sua evolução histórica, seja como medida políti- ca, seja como resultado do desenvolvimento eco- nômico e das relações sociais. Um “espectro obs- curo” tende a rondar essa discussão, especialmente quando ela não vem acompanhada de um embasamento mais científico, com fundamenta- ção teórica e evidências empíricas consistentes. Há diferenças marcantes entre o discurso sindi- cal, a simpatia política pela medida, as afirmações teóricas e as evidências empíricas sobre a temática. O objetivo deste ensaio é examinar o tema da redução da jornada de trabalho de maneira crítica, 1 Durante a realização deste trabalho, o autor contou com o apoio institucional da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 38: 101-119 FEV. 2011

RESUMO

REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO EQUALIDADE DOS EMPREGOS:

ENTRE O DISCURSO, A TEORIA E A REALIDADE1

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 38, p. 101-119, fev. 2011Recebido em 28 de maio de 2008.Aprovado em 23 de agosto de 2010.

Daniel Gustavo Mocelin

O objetivo deste ensaio é examinar o tema da redução da jornada de trabalho de modo crítico, expondoalgumas dimensões teóricas e empíricas importantes que costumam ficar excluídas do debate público sobrea matéria. Analisando algumas características sobre o tempo de contratação de trabalhadores no mercadode trabalho brasileiro, demonstra-se que existe uma grande distância entre o discurso, a leitura acadêmicasobre a matéria e a realidade. A redução da jornada de trabalho é um tema multifacetado, que caracterizaum debate complexo e polêmico, suscitando o interesse de diversos agentes sociais interessados nessapauta, mas que possuem diferentes concepções acerca do debate, em razão da heterogeneidade de valoresem jogo. Argumenta-se no artigo que as implicações sociais de uma medida política de redução da jornadade trabalho não podem ser previstas. Contudo, entende-se que essa redução é uma tendência histórica,vinculada ao desenvolvimento socioeconômico. Há diferenças marcantes entre o discurso sindical, a simpa-tia política pela medida, as afirmações teóricas e as evidências empíricas sobre a temática. O ensaio abordao tema sobre duas dimensões principais: quantidade e qualidade do emprego. Quando tratado pela perspec-tiva da quantidade do emprego, envolve a questão da geração de empregos, a fim de minimizar os efeitos dodesemprego. Quando tratado pela perspectiva da qualidade do emprego, envolve a questão da riqueza dasatividades laborais e o melhor rendimento, proporcionando real melhoria nas condições laborais e naqualidade de vida dos trabalhadores.

PALAVRAS-CHAVE: redução da jornada de trabalho; emprego; qualidade do emprego.

I. INTRODUÇÃO

Em 28 de maio de 2008, centrais sindicais emtodo o Brasil mobilizaram-se para sugerir a “redu-ção da jornada de trabalho, sem redução dos salári-os”; proposta que parece bem vista pelo governofederal. Os sindicalistas, inclusive, têm pressiona-do o governo: diversas centrais sindicais (entre elas,Central Única dos Trabalhadores, Força Sindical,Central Geral dos Trabalhadores do Brasil, SocialDemocracia Sindical e Central Autônoma dos Tra-balhadores) iniciaram uma coleta de assinaturas,para que o Congresso Nacional agilizasse o pro-cesso de votação, na Câmara dos Deputados. Des-te então, o debate público sobre a matéria está empauta, mas não avançou de forma decisiva.

O impacto social de uma medida como a re-dução da jornada de trabalho pode vir a ser sociale economicamente significativo, mas pode seguirdiversos caminhos e assumir resultados diferen-tes, dependendo do período histórico e do con-texto cultural e institucional em que ocorre. Paraaprofundar essa discussão, exige-se uma atençãomaior sobre o sentido de tal medida, conhecendosua evolução histórica, seja como medida políti-ca, seja como resultado do desenvolvimento eco-nômico e das relações sociais. Um “espectro obs-curo” tende a rondar essa discussão, especialmentequando ela não vem acompanhada de umembasamento mais científico, com fundamenta-ção teórica e evidências empíricas consistentes.Há diferenças marcantes entre o discurso sindi-cal, a simpatia política pela medida, as afirmaçõesteóricas e as evidências empíricas sobre a temática.

O objetivo deste ensaio é examinar o tema daredução da jornada de trabalho de maneira crítica,

1 Durante a realização deste trabalho, o autor contou como apoio institucional da Coordenação de Aperfeiçoamentode Pessoal de Nível Superior (Capes).

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REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO E QUALIDADE DOS EMPREGOS

expondo algumas dimensões teóricas e empíricasimportantes que costumam ficar excluídas dodebate público sobre a matéria.

A expressão “jornada de trabalho” refere-se aotempo despendido com o trabalho remuneradoexecutado pelo trabalhador para um empregador,mediante um contrato regular de prestação de ser-viço, que pode ser o tempo diário, semanal, men-sal ou anual. Contudo, ao tratar sobre o tema daredução da jornada de trabalho, deve-se estar aten-to ao conceito de trabalho que está em jogo nestaexpressão. Em geral, quando se trata da reduçãoda jornada de trabalho, não se está falando no tra-balho em seu sentido antropológico ou genérico,como práxis criativa, no sentido empregado porMarx em seus escritos de juventude. Na verdade,trata-se muito mais do “trabalho no seu sentidomoderno”2, ou seja, a relação contratual, o em-prego ou a ocupação.

Dessa forma, o debate sobre a redução da jor-nada de trabalho refere-se à redução das horasque são cumpridas no emprego, em uma relaçãocontratual de trabalho assalariado, subordinado eheterônomo (prestado para um empregador). Por-tanto, usa-se a expressão “redução da jornada detrabalho” quando se faz referência à “redução detempo dedicado ao trabalho no emprego”, diário,semanal ou mensal. Reduzir a jornada de trabalhonão significa necessariamente que as pessoas ve-nham a trabalhar menos, pelo contrário, as pes-soas poderão trabalhar mais, mas em atividadespor elas escolhidas e sem remuneração, ou seja,em atividades não fundadas exclusivamente naracionalidade econômica3. Reduzir a jornada detrabalho significa que as pessoas passariam me-nos tempo no emprego ou vendendo sua “força-

de-trabalho”. É uma discussão que essencialmenterefere-se ao tempo regulado de trabalho. Sabe-se,por exemplo, que um trabalhador altamente quali-ficado – empregado nas chamadas “atividadeslaborais criativas”, que remuneram melhor – podeter uma jornada contratada menor que um traba-lhador menos qualificado – empregado em umafunção mais rotineira. Porém, as exigências rela-cionadas à qualificação dos primeiros exige umgrande dispêndio de tempo e dedicaçãoextrajornada contratada de trabalho, mas as re-compensas por isso viriam de maneiras não dire-tamente vinculadas à jornada de trabalho. Sobreisso, trata-se adiante da relação entre o tamanhoda jornada de trabalho e o nível de remuneraçãono mercado de trabalho formal brasileiro.

O ensaio aborda o tema da redução da jornadade trabalho sobre duas dimensões principais:quantidade e qualidade do emprego. Quando tra-tado desde a perspectiva da quantidade do em-prego, envolve a questão da geração de empre-gos, para minimizar os efeitos do desemprego.Essa seria a pauta mais recorrente dos debates,especialmente após o movimento de reestruturaçãoprodutiva das décadas de 1980 e 1990, mas queainda está muito presente nos discursos sindicaise políticos. Quando tratado desde a perspectivada qualidade do emprego, envolve a questão dariqueza das atividades laborais e o melhor rendi-mento, devido a uma maior valorização social eeconômica do trabalho desempenhado, promoven-do a melhoria da qualidade de vida dos trabalha-dores. Essa seria a pauta mais importante do de-bate, pois resgataria o cunho histórico da reduçãoda jornada de trabalho, fundado na luta por me-lhores empregos e, em “menor” importância, nareivindicação por mais empregos. Melhores em-pregos são ocupados por trabalhadores mais qua-lificados, com maior grau de instrução, que tam-bém são mais valorizados no mercado de traba-lho, permitindo um adequado rendimento, mes-mo em jornadas menores. O caso é que a hora-trabalho dos profissionais mais qualificados temmaior preço no mercado de trabalho.

O debate público, em maior medida, e a dis-cussão teórica, em menor, sobre a redução da jor-nada de trabalho esteve recentemente vinculadaao fenômeno do desemprego. Muitas vezes, quan-do assume caráter de política pública, a reduçãoda jornada de trabalho tem o objetivo de reduzir ataxa de desemprego. Esse debate é conhecido soba denominação de partilha do trabalho, ou work-

2 Sobre esse debate, ver Méda (1999), Gorz (2003) eArendt (2005). Esses autores desenvolveram discussõesfilosóficas sobre o sentido do trabalho na modernidade,especialmente enfocando a crítica sobre a racionalidade eco-nômica que governaria as relações sociais após a revoluçãoindustrial.3 Na modernidade, constata-se uma redução das relaçõesque o homem poderia manter com o mundo (contemplaçãoe ação, por exemplo) em favor de uma relação específicarelacionada à produção e ao consumo, o que seria caracteri-zado por importantes autores como racionalidade econô-mica. Sobre isso, ver Gorz (2003) e Arendt (2005). Refe-rências a tal questão também estão presentes nas obrasclássicas de Max Weber. No final deste ensaio voltaremosao assunto.

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sharing. A expectativa daqueles que defendem aredução da jornada de trabalho por medida políti-ca é a de que a redução de jornada permitiria queo mesmo emprego fosse repartido por mais tra-balhadores (todos trabalhando menos horas), oque resultaria, portanto, em mais empregos. Noentanto, a viabilidade dessa “partilha do emprego”é questionável. A esperada “redução da jornadacom manutenção do salário mensal” tende a au-mentar o custo do trabalho frente aos demais fa-tores de produção, podendo provocar uma even-tual substituição do fator trabalho, que ficaria maiscaro frente aos demais. Por outro lado, aplicaruma política de redução da jornada de trabalhonas atividades econômicas que demandam traba-lho pouco qualificado pode ampliar a geração deempregos precários e de baixa remuneração, em-pregos facilmente substituíveis por novastecnologias; haveria mais empregos apenas tem-porariamente.

A redução da jornada de trabalho caracteriza-se, portanto, como um tema multifacetado, de-marcado por um debate complexo e polêmico,suscitando o interesse de administradores, eco-nomista, historiadores, sociólogos, governo, ci-dadãos, sindicatos, empresários, federações indus-triais e trabalhadores. Todavia, destaca-se que cadaagente interessado possui diferentes concepçõesacerca do debate, em razão da heterogeneidadede valores em jogo.

II. DIVERGÊNCIAS E CONTRADIÇÕES ACER-CA DA REDUÇÃO DA JORNADA DE TRA-BALHO

A partir do final dos anos 1960, o desempregosurgiu como um dos temas centrais das socieda-des capitalistas modernas, e talvez caracterize aprincipal dimensão de análise sobre a problemáti-ca da redução da jornada de trabalho. Entretanto,há controvérsias sobre se a geração de empregosé o centro da questão. Várias propostas têm sidoapresentadas para combater o problema crônicode escassa geração de emprego. No Brasil, a su-gestão das centrais sindicais levantada por suaintelligentsia tem sido pela redução da jornada detrabalho. Segundo o Departamento Intersindicalde Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos(DIEESE, 2006), se os ocupados trabalharemmenos horas por semana seria possível gerar no-vos empregos para que mais pessoas possam in-serir-se no mercado de trabalho. A idéia, quepermeia as centrais sindicais, é a de que se os

trabalhadores do setor formal da economia redu-zissem sua carga horária, a tendência seria a cria-ção de novos postos de trabalho formais.

Nessa perspectiva, que toma por base o de-semprego, a problemática redução da jornada detrabalho aparece como uma questão quantitativasobre a geração de empregos, sem uma preocu-pação com o tipo de emprego gerado.

Calvete (2003, p. 15) sugeriu que a reduçãoda jornada de trabalho não poderia ser transfor-mada em uma panacéia para o combate ao de-semprego. Para o autor, essa política conforma-ria instrumento útil se adotada no “momento cer-to” e acompanhada de outras medidas necessári-as. Nos marcos do capitalismo atual, para que aredução da jornada de trabalho tivesse algum efei-to positivo sobre a geração de novos postos detrabalho, teria de vir acompanhada pela proibiçãode horas-extras, maior controle sobre a intensida-de do trabalho, manutenção dos padrões de cum-primento da jornada de trabalho e cobertura uni-versal dos novos e velhos riscos sociais.

Alguns sindicatos defendem que a redução dajornada forçaria o surgimento de um novo turno detrabalho, com a contratação de novos trabalhado-res. Alguns sindicalistas estariam esquecendo-se dosencargos que as empresas pagam por cada traba-lhador contratado. Muitas empresas, especialmen-te as pequenas, não suportariam a contratação deum novo contingente de mão-de-obra e acabariampor falir, podendo gerar mais desemprego. Por isso,empresários sugerem que a redução da jornada detrabalho também deveria vir acompanhada por al-guma flexibilização da legislação trabalhista, condi-ção que não costuma ser levantada no discurso sin-dical. Deve-se destacar ainda que o pagamento dehoras-extras acaba sendo menos oneroso às em-presas do que o pagamento de horas normais paraempregados de um terceiro turno de trabalho, comtodos os seus direitos garantidos. No entanto, seas horas-extras fossem tornadas mais caras, essequadro poderia tornar-se diferenciado. Além disso,deve-se considerar que no caso de a legislação “im-por” a redução da jornada de trabalho, haveria orisco de ocorrer a criação de um novo turno detrabalho apenas naquelas empresas com trabalhomonótono e repetitivo, ou seja, acabariam sendocriados empregos de menor ou baixa qualidade,visto que trabalhadores mais qualificados, que ocu-pam melhores postos de trabalho, já têm jornadamédia menor.

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De acordo com estudos feitos pelo Dieese(2007) a redução da jornada de 44 para 40 horassemanais poderia gerar mais de dois milhões denovos empregos, se acompanhada do fim dashoras-extras. O estudo supõe que essas quatrohoras reduzidas por jornada seriam ainda neces-sárias para as empresas manterem o mesmo nívelde produtividade. Assim, as empresas teriam decontratar mais, e essas quatro horas ficariam dis-poníveis para outro trabalhador.

Muitas vezes, os defensores da redução da jor-nada esquecem que, no caso do Brasil, as condi-ções de emprego são desfavoráveis principalmentenas atividades menos intensivas em tecnologia oupara trabalhadores de baixa escolarização, comrendimentos insuficientes. Então seria preciso es-tar atento para não efetivar uma medida que ve-nha a beneficiar mais aqueles já privilegiados. Aredução da jornada para trabalhadores que têmbaixos salários pode significar redução ainda mai-or do salário, visto que a natureza de sua ativida-de, por si mesma, tende a ser pobre em conteúdoe pouco valorizada. Enquanto isso, os melhor re-munerados seriam beneficiados, pois trabalhari-am menos horas e não teriam perdas significati-vas de salário, considerando que, ao contrário dosprimeiros, suas atividades laborais são ricas e va-lorizadas no mercado de trabalho. O fato é que apossível redução do salário-hora de quem ganhamais faria menor diferença do que uma reduçãono salário-hora de quem recebe menos.

Outro ponto de divergência refere-se aos efei-tos sobre a economia. Os agentes que são con-trários à redução da jornada de trabalho enten-dem que essa medida poderia causar um colapsona economia, já que a reivindicação prevê ape-nas a diminuição das horas trabalhadas e não dossalários. Nesse sentido, o debate sobre a redu-ção da jornada de trabalho poderia ser pondera-do no sentido de também ser acompanhado poruma discussão sobre a revisão do nível de remu-neração, pois distribuir o tempo de trabalho tam-bém significa pensar na redistribuição da rendado trabalho.

Muitos sindicatos estão atentos a outros ele-mentos que intercalam esse debate. Quando ossindicatos defendem a idéia de que a redução dajornada seria fator potencial da geração de empre-gos, refletem, ao mesmo tempo, que essa redu-ção melhoraria a qualidade de vida do trabalhador,que passaria a dispor de mais tempo livre para o

lazer, educação e família. Muitos dos estudos apre-sentados adiante destacam que a redução da jor-nada de trabalho não gera necessariamente novasvagas.

Defensor da redução da jornada de trabalho,Calvete (2003) reconhece que essa medida nãopode vir a caracterizar um instrumento daprecarização das condições de trabalho. Diminui-ção de salários, flexibilização do horário e perdade benefícios poderiam transformar a redução dajornada em uma extensão do emprego por tempoparcial. Como defende o autor, o que seria benéfi-co para a economia e para todos os agentes seriaque a redução da jornada mantivesse as condi-ções e os benefícios do emprego, ou seja, com amanutenção do trabalho em tempo integral, po-rém com jornada menor. Em pesquisa de douto-rado, Calvete (2006) concluiu que a redução dajornada pode ser um instrumento útil se adotadaem período de crescimento econômico e acom-panhada de outras medidas, que potencializemseus resultados, tais como maior limitação da uti-lização de horas-extras, maior controle sobre aintensidade do trabalho, regras mais rígidas nobanco de horas, melhoria na fiscalização pelasdelegacias regionais do trabalho e maiores restri-ções às contratações atípicas.

O debate acadêmico metodologicamente maisrigoroso sobre a redução da jornada de trabalhopermeia diversos aspectos, tais como os contra-tos flexíveis, por meio de compensação de horas,o trabalho a domicílio, a extinção do controle dehorário (TIETZE & MUSSON, 2002; KARSTEN& LEOPOLD, 2003); também é vastamente re-corrente como uma medida que favorece a distri-buição de renda e o aumento da produtividade(BOSCH & LEHNDORFF, 2001); ou como a ex-pressão da uma pauta histórica da classe traba-lhadora (DAL ROSSO, 2002; CALVETE 2006);também como aspecto alinhado com a caracteri-zação do “trabalho decente”, neste caso, conside-rando-se as jornadas demasiado longas e sem avallegal, que tendem a ser recorrentes no mercadode trabalho informal, especialmente nos paísesmais pobres (BESCOND, CHÂTAIGNIER &MEHRAN, 2003; GHAI, 2003). Tem-se aponta-do, por exemplo, que a redução da jornada de tra-balho pode ter impactos sobre a vida dentro e forado trabalho, melhorando a qualidade de vida notrabalho (CARNEIRO & FERREIRA, 2007). Háautores que demonstram ser a redução da jornada

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de trabalho uma tendência histórica atrelada aodesenvolvimento socioeconômico (DAL ROSSO,1998; 2002; 2006). Por outro lado, não se podedeixar de destacar ainda aqueles autores quealertam sobre a “necessidade” dessa medida, re-produzindo o discurso sindical (DIEESE, 2006;2007; e, mais ponderado, CALVETE, 2003; 2006).

Conhecer de antemão se os resultados de umamedida como a redução da jornada de trabalhoseriam positivos depende de uma série de fatoressociais e econômicos de difícil mensuração. Osagentes diretamente atingidos, beneficiados ou nãopela medida, como o trabalhador, o meio empre-sarial e o governo, estão frente a mudanças quepodem originar “conseqüências impremeditadas”,que poderiam, inclusive, assumir efeitos contrári-os ao que se espera. Cabe ainda questionar a ne-cessidade da “geração forçada” de novos empre-gos, considerando o caso recente do Brasil, quan-do houve geração de mais de 13 milhões de em-pregos formais, entre 2000 e 2008. Portanto, nãose sabe bem ao certo as implicações sociais de talmedida caso seja politicamente determinada; o quese sabe é que ressurge um grande debate sobre oassunto e que a redução da jornada de trabalho éuma tendência histórica.

De qualquer forma, quanto mais os principaisagentes interessados estiverem envolvidos no de-bate, maiores são as chances de os resultadosserem positivos. Do contrário, a falta de diálogoentre as partes interessadas poderá não causar oefeito esperado, seja a geração de mais empregosou a melhoria das condições laborais e da qualida-de de vida dos trabalhadores.

No caso do mercado de trabalho brasileiro, emque ainda há concentração acentuada de postosde trabalho de baixa remuneração, que demandamtrabalho pouco qualificado, em que as atividadeslaborais são empobrecidas, a questão antes des-crita poderia ter um agravante. Poder-se-ia aca-bar procedendo à redução do tempo de trabalhosem melhorar as condições de emprego. Dal Rosso(2002) aponta três medidas do tempo que influ-enciam a relação entre homem e trabalho: a dura-ção (quantidade de horas por dias, semanas ouanos), a distribuição (forma como o horário con-centra-se ou dilui-se em determinados períodos)e a intensidade (esforço físico, intelectual e emo-cional investido no trabalho).

Carneiro e Ferreira (2007) buscaram analisarpossíveis impactos da redução de jornada de tra-

balho sobre a qualidade de vida no trabalho, abor-dando esta última especialmente quanto àcompatibilização da vida pessoal com o trabalho eao aproveitamento do tempo no trabalho, a partirdo caso de uma organização pública brasileira. Noestudo, identificaram pouca relação entre a redu-ção da jornada e a qualidade de vida no trabalho,contrariando o que afirmam peremptoriamente aliteratura favorável e os sindicalistas sobre os be-nefícios em termos de qualidade de vida no traba-lho e “trabalho decente”. O uso de escalaspsicométricas adotadas pelos autores revelou pou-ca diferença nos indicadores de qualidade de vidaentre os empregados em jornada reduzida e jorna-da convencional. Nas entrevistas, apontaram queempregados em jornada reduzida e gestores rela-taram haver melhor uso do tempo, pois consegui-am resolver assuntos no período livre do dia, eque sua produtividade manteve-se ou melhorou;entretanto, os gestores queixaram-se de ser maisdifícil supervisionar a equipe. A redução da jorna-da propiciou melhor ajustamento entre vida pro-fissional e particular, oferecendo tempo para cui-dados com a saúde, família e outros assuntos.Uma relevante constatação do estudo foi que houvemelhoria da “qualidade de vida ‘fora’ do traba-lho”, com mais tempo para dedicar-se à família, àsaúde e a outras atividades. O estudo revelou al-gumas melhorias específicas na qualidade de vidano trabalho, tais como melhor aproveitamento dotempo e concentração, contudo, pouco ou nadamelhoraram os indicadores das condições laboraise das relações sociais de trabalho, nem mesmoaumentou o número de vagas disponíveis.

A situação européia é distinta do contexto bra-sileiro, mas alguns aspectos são convergentes paraa compreensão do contexto em que se concebe aidéia da redução da jornada de trabalho. Conside-rando-se a experiência francesa, Estrade, Méda eOrain (2001) constataram que os impactos sobrea vida profissional e familiar variam conforme asorganizações, o gênero do trabalhador, a naturezada atividade laboral e os cargos técnicos ougerenciais. Os autores constaram mais uma me-lhora na relação entre vida privada e vida no tra-balho do que propriamente qualquer alteração nascondições de trabalho, remuneração ou satisfa-ção. Ainda sobre o caso francês, Pélisse (2004)destaca que novas práticas de uso do tempo notrabalho emergiram com a redução de jornada,como a modulação, quando gestores definem osperíodos de trabalho das equipes conforme a de-

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REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO E QUALIDADE DOS EMPREGOS

manda, o trabalho em turnos com revezamento eo rearranjo permanente de equipes de trabalho.

No debate dos anos 1980 sobre a redução dajornada de trabalho, o aspecto mais sustentadofoi o da geração de empregos, tendo em vista acrise econômica internacional e a reestruturaçãoprodutiva, que indicava forte redução no númerode empregos. No debate dos anos 1990, um as-pecto (re)incluído foi o da melhoria na qualidadede vida do trabalhador, na forma de mais horaslivres para o lazer, a educação, a cidadania e aqualificação profissional. Hoje, ambos os aspec-tos são importantes, mas também há quem sus-tente que uma jornada de trabalho mais reduzidapossa inclusive gerar maior produtividade.

Entre os argumentos dos que acreditam que aredução da jornada de trabalho pode servir comoum mecanismo que ajude a diminuir os altos índi-ces de desemprego, estão os dados da Organiza-ção Internacional do Trabalho (OIT), que mos-tram e comparam a jornada semanal de trabalhoem horas. Nos países mais desenvolvidos, a jor-nada de trabalho declinou gradualmente dos anos1980 aos anos 2000: nesse período, houve umaredução média na duração da jornada de trabalhode 44 para cerca de 38 horas semanais, o que foiseguido por uma forte ampliação do emprego ematividades de serviços e comércio. Contudo, nospaíses menos desenvolvidos ou periféricos, ondese expandiu a indústria fabril mais tradicional, asjornadas estariam diminuindo em menor ritmo.

Nos estudos recentes, a flexibilidade foi focoimportante dos estudos sobre a redução da jorna-da de trabalho, embora tenha sido ponderada emtons distintos. Bosch (1999), por exemplo, argu-menta que a redução da jornada de trabalho acabasendo uma política e uma prática virtuosa especi-almente quando o ambiente de aplicação atinge uma“maturidade econômica”. Quer dizer, quando ostrabalhadores suprem suas necessidades exclusi-vamente com sua remuneração, recebida em ra-zão de uma menor jornada, sem que seja necessá-rio que eles venham a cumprir horas-extras ou termais de um emprego, caso de economias alta-mente desenvolvidas, especialmente onde há aconsolidação de um Estado de bem-estar social eeconomia dinâmica.

Por outro lado, há estudos que consideram queo aumento da flexibilidade possibilita um maiorcontrole sobre o tempo de trabalho e mesmo aextensão de jornada não remunerada de trabalho

(BOSCH & LEHNDORFF, 2001; SINGE &CROUCHER, 2003). No Brasil, Dal Rosso (2003)e Carneiro e Ferreira (2007) mencionam o casodas práticas de “banco de horas”, que ganharamespaço sob o argumento de que permitia melhorconciliação entre vida pessoal e profissional. Se-gundo os autores, a regulamentação do banco dehoras veio sendo impulsionada mais pelos inte-resses dos empresários, resultando em aumentode horas trabalhadas e redução de custos comhoras-extras, mesmo que pareça ser uma práticaque agrade os trabalhadores.

Outros estudos com sólida base empírica têmrevelado ainda que diversos fatores podem influ-enciar a percepção do trabalhador sobre o tama-nho da jornada de trabalho: a idade indica o “mo-mento da vida”, associando-se à constituição defamília, investimento em qualificação profissionale proximidade da aposentadoria (TIETZE &MUSSON, 2002; KARSTEN & LEOPOLD, 2003;SINGE & CROUCHER, 2003); a perspectiva deprogressão na carreira, comprometimentoorganizacional, motivação e satisfação com o tra-balho, impacto sobre o ritmo de trabalho (WALSH& DEERY, 1999); conciliação com vida social edo lazer com a profissional (ESTRADE, MÉDA& ORAIN, 2001); o resultado para a renda fami-liar (BOSCH, 1999).

As concepções teóricas sobre a redução dajornada de trabalho proferem afirmações maiscategóricas, permeando elementos mais comple-xos que aqueles levantados pelo debate público epor isso diferem das proferidas por governos esindicalistas, atacando, inclusive, aspectos maisamplos apontados por autores que embasam seusargumentos em dados empíricos. Deve-se desta-car, entretanto, que os teóricos de maior desta-que, tanto os mais antigos quanto os atuais, ado-tam pressupostos que têm por base, em geral, arealidade social e econômica dos países mais de-senvolvidos.

A polêmica em torno da redução da jornada deempregos é tão antiga quanto o capitalismo. A re-volução industrial marcou uma era em que o tra-balho assumiu uma posição de destaque na socie-dade moderna e na vida das pessoas. Desde en-tão, debates sobre essa realidade despertaram ointeresse de muitos pensadores. Em muitos des-tes debates, a jornada de trabalho foi tema recor-rente. Abordagens mais críticas defenderam quea configuração da jornada de trabalho passou a

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ser um fator de extrema importância para os gan-hos do capital. Em O Capital, Karl Marx apontouo tamanho da jornada de trabalho, associada aoutros fatores – introdução de novas tecnologiasmecânicas ao processo de trabalho, por exemplo– como um dos motores do capitalismo. Era como alargamento da jornada de trabalho que o capi-talista obtinha a mais-valia absoluta. Estava naextração da mais-valia o principal mecanismo aomesmo tempo de acumulação de capital e de ex-ploração dos trabalhadores.

Guy Aznar (1995) e André Gorz (2004) sãodois defensores da necessidade de “trabalhar me-nos para trabalharem todos”. Para esses autores,o trabalho de tempo integral difundido durante operíodo industrial, de 1850 a 1975, tem reduzidonas economias mais desenvolvidas. Frente a essefato, ambos argumentam que o emprego em tem-po integral não existe mais em quantidade sufici-ente e, por isso, o emprego teria perdido o caráterde provedor das necessidades humanas e dos di-reitos sociais. Da mesma forma, entendem quefrente aos padrões atuais de produção e de con-sumo, nenhuma ação isolada seria suficiente pararetomar o “pleno emprego”, como esse existiu nospaíses mais desenvolvidos da Europa ocidental nopós-segunda guerra. Parece evidente que a redu-ção da jornada de trabalho precisaria ser acompa-nhada de outras medidas como o crescimentoeconômico, ampliação da produtividade e umamudança cultural.

Gorz e Aznar defendem que está em andamentouma revolução cultural que reconhece a necessi-dade da redistribuição do tempo de trabalho e aredução do tempo de trabalho individual comoparte de uma mudança efetiva da sociedade. Con-tudo, classificam como irreal e insuficiente a sim-ples redução da jornada de trabalho por meio deuma medida política, sem uma revolução culturale uma mudança na organização da sociedade.

O sociólogo alemão Claus Offe (1994; 1997)entende que o futuro não estaria em trabalhos se-guros, duradouros, com expediente integral, masna relação de alternância entre períodos de traba-lho pago cada vez mais curtos e períodos sempremaiores de atividade livre. Assim, o prestígio e oreconhecimento, obtidos por meio do trabalhoassalariado, poderiam ser deslocados para as ati-vidades pessoais. O autor chega a sugerir que to-das as pessoas, durante todo o seu período devida útil de trabalho, poderiam ter grandes licen-

ças do trabalho, até mesmo anos de férias garan-tidas e pagas. Neste sentido concorda com Gorz,para quem o capital humano – riqueza de ideias,criatividade, capacidade de aprendizagem – estariatornando-se mais importante que o capital materialno novo capitalismo; o capital humano ainda repre-sentaria pequena fração do tempo usado pela forçade trabalho para a sua produção e reprodução. ParaOffe e Gorz, a capacidade de independência daspessoas pode ser constituída por meio da aquisiçãoconstante do conhecimento.

Para Robert Castel (1998) o fenômeno do de-semprego não faz parte de uma crise passageirae, por essa razão, não pode ser superado comações conjunturais. O foco do autor recai sobreoutro fenômeno, que seria a precarização do tra-balho. Tanto o desemprego quanto a precarizaçãodo trabalho caracterizariam fenômenos conjuntosda dinâmica da modernização e reestruturaçãoprodutiva que ocorreu nas décadas de 1980 e 1990.Em sua obra, o autor descreve e analisa a deca-dência da sociedade salarial e a consequente re-dução das proteções sociais, da propriedade soci-al e dos direitos trabalhistas. Ao tratar sobre al-guns cenários possíveis para o futuro na obra Asmetamorfoses da questão social, em um desses oautor sugere a redução da jornada de trabalhocomo um meio de redistribuir o salário, o tempode trabalho, as proteções sociais e as garantiasjurídicas: “a divisão do trabalho é menos um fimem si do que um meio, aparentemente o mais di-reto para chegar a uma redistribuição efetiva dosatributos da cidadania social” (idem, p. 583). Con-tudo, Castel reconhece que a renda do trabalhotambém deveria ser repartida entre os indivíduos.À redução da jornada de trabalho deve seguir-setambém uma redistribuição da riqueza.

Castel defende a tese de que se deveria mantero trabalho como centro estruturador da socieda-de e, a partir dele, redistribuir a cidadania e man-ter a coesão social. Não se trataria efetivamentede restaurar a sociedade salarial, mas sim demantê-la como referência. Para o autor, a redu-ção da jornada de trabalho é mais que uma ques-tão técnica ou política, em que a dificuldade estáem encontrar fórmulas que amenizem ou com-pensem perdas. A redução da jornada de trabalhoseria uma questão de mudança cultural comconsequências políticas de fundo. Tomando comoexemplo o fracasso na criação de emprego da leidas 39 horas, aplicada na França em 1982, o au-tor percebeu que soluções não se encontram em

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REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO E QUALIDADE DOS EMPREGOS

propostas tímidas ou conciliatórias, mas noenfrentamento cultural do problema político. Parasolucionar o problema seria necessária a atualiza-ção do direito trabalhista, a redução substancialdo tempo de trabalho e a consolidação da cober-tura universal dos riscos sociais, que deveriamser em parte desatrelados do trabalho assalariado.

Robert Castel sugere que uma resposta “con-sistiria em transferir os direitos do estatuto doemprego à pessoa do trabalhador” (CASTEL,2005, p. 84; sem grifos no original), restabele-cendo uma continuidade dos direitos por meio dadescontinuidade das trajetórias profissionais. “Nemo mercado, nem o trabalho, nem o Estado têmhoje a mesma estrutura, mas a questão de suaarticulação sempre surge de novo. Ao trabalho quese tornou móvel e ao mercado que se tornou vo-látil deveria corresponder um Estado social quese tornou flexível” (idem, p. 94).

Entre os teóricos mencionados, a posição maiscrítica sobre o sentido da redução da jornada detrabalho foi feita por Gorz (2003, p. 186-187). Oautor afirma a necessidade de superar tanto o de-bate técnico quanto o debate político, avançandopara o debate cultural, ao sugerir que se rompacom a noção estritamente econômica vinculadaao trabalho na sociedade capitalista. A reduçãoefetiva da redução da jornada de trabalhocorresponderia a uma escolha de sociedade. Doisobjetivos estariam vinculados: em primeiro lugar,destaca que todos trabalhariam menos para quetodos possam trabalhar e desenvolver fora do seutrabalho as potencialidades pessoais que não con-seguem nele desenvolver. Ou seja, na perspectivade Gorz, a redução da jornada de trabalho nãoestaria voltada apenas para que todos tenhamemprego, pelo contrário, esse seria um ponto demenor importância. A redução da jornada de tra-balho estaria condicionada a uma mudança de ati-tude em relação ao emprego, que não deveria maisser o centro estruturador da vida das pessoas, maspoderia continuar sendo o centro estruturador dacoesão social.

Em segundo lugar, Gorz sugere que uma pro-porção maior da população possa ascender a tare-fas profissionais qualificadas, complexas, criati-vas, responsáveis, que permitam evoluir e reno-var-se continuamente. Ou seja, nem sequer adi-antaria reduzir a jornada de atividades laborais queexigem pouca instrução do trabalhador, pois elastendem a ser substituídas por novas tecnologias,

e acabariam por manter o desemprego e não fa-voreceriam o desenvolvimento pessoal dos traba-lhadores nelas empregados. “Quanto mais um tra-balhador é qualificado, mais a pessoa que o reali-za precisa de tempo para atualizar seus conheci-mentos, renovar-se, inovar e manter-se recepti-vo, diversificando os seus centros de interesse.Isso vale para os professores, os médicos, os ci-entistas e os técnicos, para os dirigentes de em-presa, etc. Isso vale em particular para as empre-sas de ponta. Para impedir a monotonia e arotinização da mente, a direção obriga a transfe-rências, rupturas no ritmo de vida, feriados: via-gens de estudo, estágios nas filiais do estrangeiro,seminários internacionais, ano sabático. Os está-gios, seminários, etc., não têm por finalidade aper-feiçoar o empregado em sua própria especialidademas, ao contrário, estão o mais das vezes distan-tes dos interesses imediatos de seu trabalho, paraque possam incitar à mudança, ao distanciamento,para investir em um horizonte mais aberto, umaimaginação mais fértil. [...] § [...] trabalhar me-nos (em número de horas consagradas ao traba-lho profissional direto) é trabalhar melhor, sobre-tudo nos ofícios inovadores ou em contínua ino-vação. É, portanto, nestes ofícios que a reduçãoda jornada de trabalho é possível e desejável [...].Também nesses ofícios a atividade pode ser re-partida entre um número maior de pessoas” (idem,p. 188-189; grifos no original).

É nesse sentido de crítica à racionalidade eco-nômica que Gorz entende a importância da redu-ção da jornada de trabalho, mas espera junto des-sa redução uma maior flexibilidade; não simples-mente uma redução da jornada diária, mas antesuma redução da jornada mensal, anual. Para Gorz,a redução linear do tempo de trabalho, com ma-nutenção de horários cotidianos rígidos e unifor-mes seria a menos promissora e a menos eficazdas liberações de tempo, pois considera “[...] im-possível introduzir de maneira uniforme nas em-presas e para todo o pessoal a semana de 35, ou30, ou 25 horas em cinco dias. Mas é possível,em troca, introduzir para todo mundo uma dura-ção anual de trabalho de 1400, ou 1200, ou 1000horas por ano [...]” (idem, p. 190), em que o tra-balhador continuaria recebendo salário regularmen-te.

Nessa perspectiva, o autor sugere que se cum-pra o tempo de emprego de maneira mais con-centrada, para que se tenha mais tempo disponí-

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vel – semanas, meses e anos – para o desenvolvi-mento de outras esferas da vida não diretamenteligadas ao emprego, como o desenvolvimento deum projeto, artístico ou técnico, individual, fami-liar ou comunitário; do contrário, a redução dajornada de trabalho como um tempo fracionadoem algumas horas por dia apenas proporcionariaà pessoa alguns prazeres passivos, como consu-mir mais, executar tarefas domésticas, ir ao cine-ma e embriagar-se.

Grande parte desse argumento está fundadaem uma critica à racionalidade econômica domundo moderno, que atingiria, segundo o autor,todos os agentes envolvidos, desde o Estado e asempresas, até os trabalhadores e os sindicatos, aspessoas e os consumidores. Para Gorz, aracionalidade econômica não deixa lugar para acriatividade e a liberdade das pessoas, negando ouso do tempo que não tenha valor de troca e fimem si mesmo, pois esse não produz nem conso-me riquezas mercantis. “Ela exige o pleno empre-go dos indivíduos empregados [...]” (idem, p.116). Nesse sentido, o autor entende que osindicalismo e o patronato seriam cúmplices his-tóricos, uma vez que, para essas instituições, vi-sando manterem seu poder, os indivíduos deveri-am definir-se como “trabalhadores de tempo inte-gral”, sendo tudo mais acessório. Para o patronato,“[...] o assalariado não era nada mais que sua forçade trabalho; passada a soleira da fábrica, ele dei-xava de ser uma pessoa para tornar-se uma fun-ção. Aceitar empregar em tempo parcial mais gentedo que o necessário era arriscar-se a estar empresença não de forças de trabalho, mas de pesso-as, cada qual com sua individualidade e sua vidapróprias, dificultando a disciplina, a coordenação,o mando” (ibidem).

Para o sindicato: “[...] era apenas como forçade trabalho que os indivíduos deveriam ser defen-didos e representados. [...] O aumento do tempolivre [...] só alcançou o primeiro plano das reivindi-cações sindicais sob a pressão de uma base, comfreqüência externa aos aparelhos sindicais recalci-trantes. Isso porque o indivíduo, em seu tempolivre, deixa de ser um trabalhador; o desejo de tem-po livre é precisamente o desejo de ser definido poroutras atividades, valores e relações que não aque-las advindas do trabalho” (idem, p. 116-117).

Essa forte crítica está fundada na idéia de que,aumentando o tempo livre dos trabalhadores, osindivíduos poderiam subtrair-se à dominação dos

patrões, mas também dos sindicalistas. A amplia-ção do “tempo livre” das pessoas torna-se, paraGorz, o aspecto mais positivo da redução da jor-nada de trabalho, permitindo alterar relações depoder e de dominação por meio do “livre desen-volvimento das aspirações sociais e individuais”.Nessa perspectiva, está implícito que o plenoemprego, nos moldes do trabalho empobrecido,modelaria o modo de vida e a forma de consumodos indivíduos em função da racionalidade econô-mica, o que seria pernicioso para a sociedade. Ostrabalhadores, por sua vez, apenas descobririamos limites da racionalidade econômica à qual estãosujeitos quando suas vidas não fossem inteiramen-te preenchidas e suas mentes inteiramente ocupa-das com o trabalho assalariado: quanto mais o tra-balho fosse coercitivo, devido à intensidade e àduração, menos o trabalhador seria capaz de con-ceber sua vida com um fim em si mesma.

Florida (2004) sugere haver uma mudança ra-dical em curso nas escolhas e atitudes da pessoae descreve uma sociedade na qual o espírito cria-tivo torna-se cada vez mais dominante. A partirde informações sobre transformações que vêmocorrendo nos Estados Unidos há algumas déca-das, o autor refere-se à constituição de uma novaclasse econômica, creative class, formada porpessoas de escolaridade mais alta, que despendemmais tempo com educação, qualificação e profis-são e que costumam, por isso, ter jornadas detrabalho mais longas que as outras camadas soci-ais, isto porque para “criar” é preciso um esforçocontinuado no trabalho. O fato é que essa classecriativa acaba tendo mais autonomia para “traba-lhar mais”. Embora suas jornadas contratuais deemprego possam reduzir-se, sua dedicação ao tra-balho é maior.

Muito relevante ainda é demonstrar a vinculaçãoentre a redução da jornada de trabalho e o desen-volvimento social e econômico, tomando comoreferencial explicativo as transformações históri-cas relevantes. Essa forma de pensar a questão, apartir de um movimento sócio-histórico, enfatizao tratamento diferenciado que a matéria pode terem distintas épocas e em contextos singulares,mesmo que centrada em um processo amplo deevolução das características da jornada de traba-lho no mundo capitalista.

A discussão sobre a redução da jornada de tra-balho surge com elementos diferentes em cadaperíodo histórico. Na segunda metade do século

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REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO E QUALIDADE DOS EMPREGOS

XIX, em várias partes do mundo eclodiram pro-testos dos trabalhadores pela redução da jornadade trabalho. Aquelas mobilizações buscavam divi-dir o dia em oito horas de trabalho, oito de des-canso e oito de lazer. Como descreveram os pen-sadores da época, crianças, jovens e mulheres tra-balhavam exaustivamente nas fábricas, em jorna-das muito extensas, que podiam atingir mais de15 horas por dia, o que causava muitas mortes emutilação devido ao esgotamento físico.

Após atingir seu ápice no início da industriali-zação, a redução da jornada de trabalho, pela con-vergência de muitos fatores, acabou por diminuirnos últimos séculos. Entre o final do século XVIIe meados do XIX, em algumas fábricas, as jorna-das de trabalho para homens, mulheres e criançasatingiam mais de 80 horas semanais. Entre o iní-cio do século XIX até meados do século XX, ajornada de trabalho média reduziu-se de 67 para48 ou 44 horas. Na virada para o século XXI,muitos países já possuem jornadas semanais demenos de 40 horas, e em algumas atividadeslaborais que demanda trabalho de elevada qualifi-cação, as jornadas semanais chegam à média de36 horas.

Com base nessas evidências, poder-se-ia afir-mar que essa mudança foi resultado da introdução

de inovações tecnológicas que ampliaram a capaci-dade produtiva e permitiram a execução do traba-lho em menor tempo. Também seria correto afir-mar que essa redução histórica da jornada de tra-balho nas sociedades capitalistas decorreu da evo-lução das relações de trabalho e fora resultado dosmovimentos operários e da ação sindical, que tam-bém se organizaram nesse contexto mais amplo.

Ambas as ponderações acima referidas sãocomplementares e não mutuamente excludentes.A introdução de novas tecnologias no processode produção contribuiu para o aumento da produ-tividade do trabalho, possibilitando o aumento daprodução com redução da jornada de trabalho. Poroutro lado, e ao mesmo tempo, as novas máqui-nas também passaram a exigir que os trabalhado-res seguissem o ritmo das máquinas, o que foiverificado no período da racionalização do traba-lho, da produção em massa, do taylorismo e dofordismo. Entretanto, posteriormente, com a in-trodução de tecnologias mais desenvolvidas, mui-to trabalho repetitivo foi substituído por equipa-mentos eletroeletrônicos, e novos empregos fo-ram gerados em outros setores econômicos me-nos dependentes da automação, em geral o setorde serviços, onde se pode ou não demandar tra-balho mais qualificado.

FONTE: adaptação livre e incrementada do modelo apresentado por Dal Rosso (2006, p. 308).

FIGURA 1 – CURVA DA JORNADA DE TRABALHO E TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS

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A convergência de um conjunto de fatorespode estar relacionada a essa tendência, emespecial destacam-se três: (1) o desenvolvimentohistórico da organização dos trabalhadores e dossindicatos e o da legislação trabalhista; (2) odesenvolvimento histórico da tecnologia aplicadaà produção; (3) o desenvolvimento histórico dademanda por trabalho, que tende a ser umademanda cada vez mais qualificada. Conformeexplicado por Dal Rosso (2006), a duração dajornada de trabalho não é um dado fixo, imutável,no curso da história. A redução média da jornadade trabalho sempre envolveu transformações nasrelações entre empregadores e trabalhadores, bemcomo transformações nas condições materiais,tecnológicas e culturais das sociedades. Pararepresentar essa concepção, o autor apresenta ummodelo gráfico para expressar as mudanças naduração do tempo de trabalho durante o capitalismo– em que fica representada a curva da jornada detrabalho e os movimentos históricos que tomaramlugar desde o surgimento do capitalismo até osdias de hoje, modelo que adaptamos a seguir. Essaformulação abstrata é adequada para analisar atendência histórica de redução da jornada detrabalho no mundo ocidental, bem como consisteem um modelo válido para analisar o casobrasileiro.

Conforme a figura, os diferentes períodos detempo possuem um valor mais do que apenasdescritivo da tendência de redução da jornada detrabalho. Dal Rosso (idem) vai afirmar que, naEuropa, a jornada de trabalho aumentou de duraçãodo período posterior à Idade Média até a revoluçãoindustrial, atingindo seu ápice. Nesse períodohistórico, os trabalhadores teriam trabalhado maisde 14 horas diárias, o que teria deflagrado asprimeiras mobilizações e revoltas, posteriormentechegando à organização dos trabalhadores eformulações de políticas trabalhistas.

Deve-se destacar a importância do grau dedesenvolvimento de muitas sociedades e atémesmo das próprias atividades econômicas. Setomássemos para análise, por exemplo, o caso depaíses em desenvolvimento, nos moldes dos anos1960-1970, poder-se-ia observar o ápice dajornada de trabalho e seu pleno crescimento. Damesma forma, se tomássemos para análise umsetor econômico de ponta, poderíamos observardiferenciada tendência em relação a um setortradicional ou de pouca intensidade tecnológica.

Situações diferentes também poderiam serobservadas em setores em que o movimentosindical fosse mais forte, ou em atividades laboraisem que os trabalhadores fossem mais qualificados,devido ao seu maior poder de barganha.

Mais recentemente, haveria uma convergênciade fatores que conduz à tendência da redução dajornada de trabalho, com especial destaque para oavanço tecnológico e o crescimento de ocupaçõesmais complexas no mercado de trabalho, uma vezque a legislação trabalhista estaria ultrapassada e aatuação sindical parece ter perdido força. Se aorganização sindical e as políticas trabalhistasforam forças fundamentais na redução da jornadade trabalho, após esta atingir seu ápice, ossindicatos e as legislações trabalhistas parecem“nadar contra a corrente”, embora recentementehaja, ao que parece, maior preocupação dessesatores com o acompanhamento dastransformações econômico-sociais, uma vez queestariam revendo alguns de seus pressupostos.

A OIT publica periodicamente os Indicadores-Chave do Mercado de Trabalho, conhecidos emsua sigla inglesa como KILM (“Key-Indicators ofthe Labour Market”). Esse documento põe emevidência diversas tendências relacionadas aomundo do trabalho, entre os quais se destacamalguns dados sobre a jornada de trabalho. Os dadosde 2006 indicam que em seis economias da Ásiao número de horas trabalhadas superou 2 200horas-ano. A república da Coréia do Norte lideraeste grupo, seguida por Bangladesh, Sri Lanka,Hong Kong, China, Malásia e Tailândia. Em outroextremo estão os países da União Europeia comoAlemanha, Bélgica, Dinamarca, França, PaísesBaixos e Suécia, onde se trabalham em médiamenos de 1 600 horas-ano.

Essa diferença na quantidade de horastrabalhadas estaria vinculada ao grau dedesenvolvimento econômico, tecnológico e socialdos países e às políticas de desenvolvimento postasem prática. Na Ásia, a maior parte dos países temse desenvolvido por meio da expansão da indústriatradicional, dependente de mão-de-obra em geralpouco qualificada, o que se verifica especialmenteno caso da China. As exceções, no caso asiático,seriam Japão e Coréia do Sul que, como economiasavançadas, podem dispor de trabalho em que aexploração da mão-de-obra não ocorre baseadano aumento do tamanho da jornada de trabalho,

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como seria o caso de indústrias tradicionais,intensivas em dispêndio de energia física.

Contudo, a redução da jornada de trabalho édiferente da idéia do trabalho em tempo parcial,que grande parte dos trabalhadores não têm vistocomo um tipo de contrato satisfatório. Segundo oKILM (2007, p. 12), na metade dos países daAmérica Latina e do Caribe, pelo menos uma emcada oito pessoas empregadas trabalha em tempoparcial, porém queriam ter mais horas de trabalho.Os países com menor recorrência de empregosem tempo parcial são os da Europa Central eOriental e os novos membros da União Européia.Já as economias mais avançadas da EuropaOcidental apresentariam crescimento significativodos contratos parciais.

Dados da Relação Anual de InformaçõesSociais (Base RAIS)4, revelam que a média anualde horas contratadas no mercado de trabalhoformal do Brasil foi de 1 961 horas-ano, em 2008.

O tamanho da jornada de trabalho no Brasil éintermediário no contexto global anteriormentedescrito e está aquém da evolução constatada nospaíses desenvolvidos, mas é menor do que nospaíses asiáticos. Contudo, essa média anual dehoras contratadas varia segundo os gruposocupacionais (Quadro 1). Os trabalhadores maisgraduados trabalham, em média, menos horasanuais. As jornadas tendem a ser menores quantomaior a complexidade das atividades laborais. Osprofissionais das ciências e das artes apresentama menor média de horas anuais de trabalho, 1 594horas-ano, semelhante ao caso dos países maisdesenvolvidos. As jornadas anuais são maiorespara as categorias ocupacionais menos complexas,como trabalhadores dos serviços, vendedores,trabalhadores agropecuários, operários fabris etrabalhadores de manutenção e instalação; em todasessas últimas categorias citadas, as jornadas médiasanuais superam 2 028 horas-ano. Comparandocom os profissionais das ciências e das artes, sãocerca de 400 horas-ano a mais de trabalho.

QUADRO 1 – EVOLUÇÃO DA MÉDIA ANUAL DE HORAS CONTRATADAS SEGUNDO OS GRUPOSOCUPACIONAIS, BRASIL, 1994, 2000 E 2008

FONTE: Ministério do Trabalho e Emprego; base estatística da RAIS.NOTA: 1. Magistrados, procuradores, delegados, dirigentes de organizações privadas, gerentes, diretores

e cargos de gestão em geral.

4 A Relação Anual de Informações Sociais, instituída em1975, fornece informações estatísticas sobre o mercado detrabalho formal no Brasil, funcionando em conjunto com oCadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged),criado em 1965, que instituiu o registro permanente deadmissões e dispensa de empregados; são mantidos peloMinistério do Trabalho e Emprego. As bases estatísticaspodem ser conferidas em MTE (2010), mediante cadastrocomo pesquisador.

Essa média anual de horas contratadas vemem evolução desde 1994. Diferente do caso re-gistrado nos países mais desenvolvidos, no Brasilhá uma leve tendência de aumento da jornada anu-al, entre 1994 e 2008. Essa situação reproduz-seem praticamente todas as categorias ocupacionais,aumentando inclusive no caso dos profissionaisdas ciências e das artes, para os quais a médiaanual de horas contratadas passa de 1 556 horas-

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ano, em 1994, para 1 594 horas-ano, em 2008.Somando-se a isso o fato do grande crescimentodo número de empregos no mercado de trabalhoformal, pode-se afirmar que o contexto de cres-cimento econômico que se passa no Brasil regis-tra certa falta de mão-de-obra, condição que jus-tifica esse aumento das horas contratadas nas di-versas classes ocupacionais, mesmo com o mai-or volume do mercado de trabalho formal.

Entre as afirmações categóricas proferidaspelos teóricos, o debate público em geral, o dis-curso sindical, a simpatia política e as evidênci-as empíricas, parece que ficar com as últimas éo caminho mais acertado para pensar-se a ques-tão. Não se trata de desmerecer alguns dos ele-mentos que ficam em destaque em cada umadessas perspectivas, mas compreender singula-ridades específicas acerca da redução da jorna-da de trabalho. Contudo, parece fundamentalpensar a questão considerando-a no contextohistórico do desenvolvimento socioeconômicogeral e singular.

III. CARACTERÍSTICAS DA JORNADA DETRABALHO NO BRASIL

Dal Rosso (2006) descreveu alguns elemen-tos históricos importantes do contexto de redu-ção da jornada de trabalho no Brasil. Houve duasmudanças no tamanho da jornada de trabalho de-terminadas pela legislação, uma na Constituiçãode 1934 e outra na de 1988. Na Constituição de1934 foi estabelecida a jornada de trabalho de 48horas semanais (oito horas diárias).

As primeiras indústrias brasileiras foram ins-taladas no século XIX e não teria tardado a emer-gir os primeiros movimentos reivindicatórios pelaredução da jornada. As greves de 1907, 1912 e1917 teriam conseguido algumas vitórias, apósincluírem em suas pautas os temas da duração eda intensidade do trabalho. Em 1932, o movimen-to operário teria obtido a fixação legal da duraçãoda jornada de trabalho em oito horas diárias porseis dias da semana, acrescidas da possibilidadede complementação com mais duas horas-extrasao dia. A partir de 1985, os movimentos grevistasmais combativos estabeleceram acordos separa-dos por empresas e conseguiram reduzir as jor-nadas de trabalho. Como afirmam Gonzaga,Menezes Filho e Camargo (2003), em 1988, quan-do a jornada de trabalho de 44 horas semanais foioficializada pela Constituição, a maior parte dos

empregos já tinha jornadas menores que 48 ho-ras, seguindo uma tendência histórica.

O artigo sétimo da Constituição de 1988 regu-lamentou a jornada de trabalho de 44 horas sema-nais e oito horas diárias, em 5,5 dias por semana;estabeleceu que o número máximo de horas-ex-tras diárias não pode exceder duas horas, e a re-muneração das horas-extras deve ser de no míni-mo 150% do valor da hora normal. Segundo aConstituição, jornadas menores e flexibilização dajornada por períodos superiores a uma semana sópodem ser efetivadas por negociação individualou coletiva (BRASIL, 1988).

Dal Rosso (1998) ao fazer uma análise maispormenorizada do caso brasileiro quando da re-dução da jornada de trabalho de 48 para 44 horas,quantificou o efeito na criação de novos postosde trabalho. A redução de 8,33% da jornada detrabalho legal resultou na criação de, aproximada-mente, apenas 1% de novos postos de trabalho.Segundo o autor, a diferença de 7,33% explica-sepelas estratégias adotadas pelas empresas paracontrabalançar a redução da jornada legal. A prin-cipal estratégia teria sido o aumento da utilizaçãode horas-extras, que saltou de 24% nos mesesanteriores à promulgação da Constituição para41% nos meses posteriores.

O caso do mercado de trabalho formal do Brasilé diferente do latino-americano, em razão de suaeconomia que mescla atividades laborais bastantetradicionais com outras de ponta – mais desen-volvidas. Não se pode, contudo, negar que hajaelevada informalidade no mercado de trabalho noBrasil, embora esse seja menor em relação a ou-tros países da região. No âmbito do mercado detrabalho informal, é difícil conhecer mais afundoa questão das jornadas de trabalho, que tendem aser muito extensas, pois não são reguladas pelalegislação. Todavia, muitas informações estão dis-poníveis sobre o tamanho da jornada de trabalhono mercado de trabalho formal brasileiro. Tratarde algumas características desse mercado de tra-balho ajuda-nos a revelar importantes aspectossobre a realidade do mercado de trabalho formalno Brasil, especialmente no que diz respeito aotamanho da jornada de trabalho e inter-relaçõescom outras variáveis. Também se deve destacaro grande crescimento do número de empregosformais nos últimos anos, o que encorpou muitoo mercado de trabalho no Brasil.

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REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO E QUALIDADE DOS EMPREGOS

FONTE: Ministério do Trabalho e Emprego; Base RAIS.

QUADRO 2 – EVOLUÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DO NÚMERO DE EMPREGOS FORMAIS POR TAMANHO DAJORNADA DE TRABALHO, BRASIL, 1994, 2000 E 2008

Dados da Base Rais, indicam uma concentra-ção de empregos com jornada entre 41 e 44 horas,que representam 70% dos empregos, em 2008;apenas 3,5% dos empregados do mercado de tra-balho formal trabalham em tempo parcial (até 20horas) (Quadro 2). Também se destaca significati-va concentração de empregos com jornadas entre31 e 40 horas semanais, que foi de 20% (Quadro2), mas que estão, em geral, ocupados por traba-lhadores com maior grau de instrução (Quadro 3).Entre 1994 e 2008, houve grande expansão domercado de trabalho formal, com um crescimentode quase 16 milhões de empregos formais. No pe-ríodo, houve crescimento na participação de em-pregos com jornadas entre 41 e 44 horas, que pas-sou de 63% para 70%. Destaca-se, ainda, que houveredução do contingente de empregos com jornadaentre 31 e 40 horas, de 24% para 20% (Quadro 2).

A partir do Quadro 3, podemos observar que,em 2008, os empregos com jornada de trabalho maislonga, entre 41 e 44 horas, eram ocupados em suamaior parte por trabalhadores com menor grau deinstrução. Os trabalhadores com até o Ensino Médioincompleto, aqueles geralmente alocados em ativi-dades laborais repetitivas e rotineiras, ou em servi-ços domésticos e no meio rural, estavam emprega-dos no mercado de trabalho formal sempre em pa-tamares maiores que 80%, situação que se repetenos anos anteriores, 1994 e 2000, caracterizando-seuma tendência. A partir do Ensino Médio completo,esse número cai em 9% (72% dos empregados comEnsino Médio no mercado de trabalho formal doBrasil têm jornadas de 40 a 44 horas); caindo mais12% quando chega ao Ensino Superior incompleto(60% dos empregados com Ensino Superior incom-pleto no mercado de trabalho formal do Brasil têmjornadas de 40 a 44 horas).

FONTE: Ministério do Trabalho e Emprego; Base RAIS.NOTA: Não foi contabilizada a participação das faixas de jornadas menores que 20 horas, o que pode ser

obtido subtraindo a soma das categorias de 100.

QUADRO 3 – PROPORÇÃO DO NÚMERO DE EMPREGOS POR TAMANHO DA JORNADA DE TRABALHO ESEGUNDO O GRAU DE INSTRUÇÃO DOS TRABALHADORES, BRASIL, 1994, 2000 E 2008

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A escolaridade está diretamente vinculada aotamanho da jornada semanal contratual dos traba-lhadores. Os dados do mercado de trabalho for-mal brasileiro reforçam a hipótese de que, com aelevação do grau de instrução dos empregados,que se segue da demanda por trabalho mais quali-ficado, diminui o tamanho da jornada, sem che-gar a predominar o grupo das atividades em tem-po parcial (menos de 30 horas) para os trabalha-dores mais instruídos. Os trabalhadores maisescolarizados, com Ensino Superior completo,Mestrado e Doutorado têm baixa participação nos

empregos com jornadas mais longas (41 a 44 ho-ras), respectivamente, 31%, 24% e 13%, em 2008.

Quando observamos os dados dos empregoscom jornada de trabalho entre 31 e 40 horas, arelação constatada é quase inversa à dos trabalha-dores menos escolarizados, visto que se pode cons-tatar maior concentração de trabalhadores maisescolarizados: 57% dos doutores, 25% dos mes-tres e 38% dos graduados estão em empregos comjornada mais curta (31 a 40 horas); a participaçãodos trabalhadores com Ensino Médio incompleto emenos, nesta faixa, não supera 15%.

FONTE: Ministério do Trabalho e Emprego; Base estatística da Rais.NOTA: 1. Jornada de até 20 horas semanais.

QUADRO 4 – REMUNERAÇÃO MÉDIA (EM R$) POR INSTRUÇÃO DO EMPREGADO E TAMANHO DAJORNADA DE TRABALHO (EM HORAS SEMANAIS) (BRASIL, 2008)

Um fato curioso sobre esse último aspectorefere-se à observação de que, quanto maior aformação do trabalhador, maior acaba sendotambém a participação de empregados contra-tados em tempo parcial, especialmente no casodaqueles com mestrado (31,25%) e doutorado(23,19%). Esse parece ser um caso vinculadoao caso das universidades privadas, centros depesquisa, consultorias, que tendem em muitoscasos a contratar por tempo mais reduzido.Deve-se destacar ainda que há um contingentesignificativo de servidores públicos privilegia-dos, com jornadas que variam entre 36 e 40horas. Se, por um lado, esse fato demonstraque os empregados mais qualificados são con-tratados por menor tempo, flexibilizando a pres-tação de serviço, também significa, por outro

lado, que existe um maior valor da hora de tra-balho, o que encarece ou não justifica acontratação dos profissionais em jornadas com-pletas, por parte dos empregadores. As remu-nerações médias são maiores para os trabalha-dores com jornadas entre 31 e 40 horas (Qua-dro 4), mas este dado parece refletir o caso dofuncionalismo público. Os empregos com jor-nadas de 41 a 44 horas apresentam remunera-ção média menor em todas as faixas de instru-ção. Uma possível medida de redução da jorna-da recairia sobre empregos que têm remunera-ção menor que aqueles em que a jornada já éreduzida. A instrução é o fator mais evidente noquesito remuneração média, não sendodeterminante o tamanho da jornada.

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REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO E QUALIDADE DOS EMPREGOS

FONTE: Ministério do Trabalho e Emprego; Base RAIS.NOTA: Remuneração média em valor nominal corrente no ano referido, sem reajuste inflacionário.

QUADRO 5 – TEMPO MÉDIO DE CONTRATAÇÃO (HORAS SEMANAIS) E REMUNERAÇÃO MÉDIA PORGRAU DE INSTRUÇÃO (BRASIL, 1994, 2000 E 2008)

Considerando o tempo médio de contrataçãopor faixa de instrução dos trabalhadores, pode-seperceber que o tamanho médio da jornada sema-nal não aumenta apenas para os trabalhadores comEnsino Superior (Quadro 5), que em 1994, 2000e 2008 foi de 35 horas semanais. Em todos osgraus de instrução inferiores ao Superior, houveaumento na média de horas contratadas. O fato éque, mesmo com o aumento do volume do mer-cado de trabalho brasileiro, os contratos de traba-lho estão maiores, especialmente para as catego-rias de menor instrução. Os trabalhadores comaté Ensino Médio incompleto trabalham em médiamais do que 42 horas semanais, em 2008. Os tra-balhadores com Ensino Médio completo traba-lham, em média, 41,55 horas semanais. Os traba-lhadores com Ensino Superior completo trabalhamem média 40,35 horas semanais. Até o EnsinoSuperior incompleto, as jornadas médias sema-nais diminuem pouco, embora seja uma reduçãoconstante. Já os trabalhadores com Ensino Supe-rior completo trabalham em média 35,31 horassemanais; os com mestrado 28,61 e os com dou-torado, trinta e duas.

IV. CONCLUSÕES

Buscou-se levantar um conjunto de aspectosteóricos e de evidências históricas e empíricas quepossam subsidiar um debate promissor sobre aquestão da redução da jornada de trabalho, em

especial atentando para o diálogo público que sepromete para o Brasil, nos próximos anos. É im-portante destacar que não se considera a reduçãoda jornada de trabalho como um processo negati-vo, mas que é preciso estabelecer algumas pon-derações. Entre os pontos mais relevantes, desta-ca-se o fato evidente de que a redução da jornadade trabalho é um processo histórico vinculado aodesenvolvimento econômico, às mudanças soci-ais e culturais e à natureza das atividades laborais.O que se defende é que a redução da jornada detrabalho precisa ser discutida primeiramente peloviés da qualidade dos empregos, deixando a ques-tão da quantidade dos empregos em segundo pla-no, especialmente considerando o contexto recen-te de ampla geração de empregos formais no Bra-sil. Há indícios de que uma medida política, deter-minada de cima para baixo, pode acarretar, no lon-go prazo, um processo contrário aos objetivosdaqueles que a defendem deliberadamente. Pare-ce inoportuno reduzir a jornada de trabalho semvalorizar a remuneração e as demais condições deemprego e sem considerar a natureza das ativida-des laborais. Porém, essa valorização depende deaspectos que não dizem respeito unicamente à le-gislação trabalhista, ao poder de barganha dos tra-balhadores ou à ação sindical, mas também a ele-mentos próprios ao mercado de trabalho. Consta-tou-se, por exemplo, que as categoriasocupacionais, a instrução e a qualificação são fa-

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tores decisivos para melhorar a remuneração e ascondições de emprego, além de ter efeito diretosobre o menor tamanho da jornada de trabalho.

Mais que estabelecer objetivos acerca da quan-tidade de emprego, o debate sobre a redução dajornada de trabalho precisa estar focado em obje-tivos referentes à sua qualidade. O Dieese (2007)sugere, em uma de suas últimas publicações, quereduzir a jornada de trabalho produzirá empregosde qualidade. Sem estar relacionada a um con-junto de outros fatores, essa idéia seria equivoca-da e de pouco embasamento, por partir do pres-suposto que, trabalhando quatro horas semanaisa menos, os trabalhadores já teriam um “empregomelhor”. A qualidade do emprego não se expres-sa essencialmente pelo tamanho da jornada de tra-balho, pelo contrário, talvez seja um dos indica-dores de menor importância nessa matéria. A qua-lidade do emprego hoje perpassa a possibilidadede desenvolvimento não apenas profissional, masdas aspirações sociais e individuais. É o trabalhorico, com maior volume de conteúdo, que temmaior valor no mercado. O trabalho empobrecidoem conteúdo, baseado em tarefas simples e roti-neiras, tem baixo valor no mercado de trabalho, ereduzir a jornada destes postos acarretará emmenor remuneração e manutenção de sua baixaqualidade.

É preciso estar atento a uma falácia: a defesada idéia de que, com a redução da jornada de tra-balho, “os trabalhadores trabalharam menos e ga-nharão mais”. O debate sobre a redução da jorna-

da de trabalho é urgente. Contudo, é simplóriopensar que essa medida, de maneira isolada edescontextualizada, por si só resolveria problemascomo o desemprego, os baixos salários e aprecarização do trabalho. Dependendo da formacomo for proposta, a redução da jornada podepotencializar a precarização do emprego e enfra-quecer ainda mais a proteção social dos trabalha-dores, além do próprio sindicalismo. Reduzir ajornada de trabalho está no centro de uma série demudanças na infraestrutura social, mas que exigetambém mudanças ideológicas e culturais.

Muitas questões precisam ser examinadas, re-pensadas e redefinidas, o que passa pela prática eo conteúdo do próprio sindicalismo. Não é sufici-ente criar mais empregos. Parece ser preciso pen-sar em criar mais e melhores empregos. Que tipode empregos seria criado com uma política deredução da jornada que fosse precipitada, ou poli-ticamente imposta? Ampliar o volume de trabalhorotineiro e repetitivo, que requer mão-de-obradesqualificada e socialmente dependente, especi-almente do Estado, que gera salários baixos e in-divíduos desmotivados, não resolveria os proble-mas mais profundos da realidade social, poderiaantes agravá-los. Considerando a importância dodiscurso sindical e da simpatia política por este, aquestão que envolve a redução da jornada de tra-balho perpassa o sentido teórico que essa práticaassume. Todavia, as evidências empíricas pare-cem ser subsídios decisivos para complementaressa discussão, por isso, não podem ser subesti-madas pelo debate público.

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Daniel Gustavo Mocelin ([email protected] ) é Doutorando em Sociologia pela Universidade Fe-deral do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

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THE THEME OF RELIGIOUS FREEDOM IN 19th CENTURY BRAZILIAN POLITICS:TOWARD AN UNDERSTANDING OF SECULARIZATION WITHIN THE POLITICALSPHERE

Gilson Ciarallo

The secularization of institutions has been a recurrent theme in the social sciences over the last fewdecades, largely as a result of its conceptual complexity, a fact which has led to the development ofdifferent ways of looking at the relationships between religion and other social spheres establishedthroughout history. One of these relationships is the one that exists between religion and politics.“Secularization” refers to the increased autonomy of different spheres of society in relation toreligion. Aspects of autonomization of the political sphere in relation to religion are subjected toanalysis, taking discussions of religious freedom carried out on the 19th century Brazilian politicalscene into consideration. Within this context, papal patronage and ultramontanist ideas were intimatelyrelated to the continuities and ruptures identified within the field of political ideas, considering whatreligious themes were at that time. Although clerical presence within the political activities of theperiod was notable, with the extinction of papal patronage and the advent of the Republic, religiousdiscourse migrated from that sphere, now manifesting itself only within the strictly ecclesiasticenvironment and through proselytism. The social configuration that emerged in this light enables usto identify clear signals of secularization of the political sphere toward the end of the 19th century.The present argument contributes to clarifying the theme of secularization in Brazil. With theseparation of Church and State and with the decreasing presence of the clergy within officialdecision-making processes, the political sphere underwent secularization. This in turn allows us tolocate Brazilian socio-cultural experience alongside other socio-cultural experiences that can beconsidered as components of Western modernity.

KEYWORDS: Secularization; Imperial Brazilian Parliament; Religious Freedom; EcclesiasticAuthority.

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REDUCTION OF THE WORK DAY AND QUALITY OF EMPLOYMENT: BETWEENDISCOURSE, THEORY AND REALITY

Daniel Gustavo Mocelin

The goal of this essay is to critically examine the topic of work day reduction, expounding some of theimportant theoretical and empirical dimensions that are often excluded from public debate on thematter. Analyzing some of the characteristics of workers’ contracts within the Brazilian labor market,we demonstrate that there is considerable distance between discourse and academic readings of theissue and its reality. The reduction of the work day is a multi-faceted theme that characterizes acomplex and polysemic debate, stirring the interest of a variety of social agents who are interested inthe matter but whom maintain different conceptions of it, given the heterogeneity of the values that areat stake. We argue that the social implications of a political measure reducing the work day cannot bepredicted. Nonetheless, such a reduction is a historic tendency, linked to socio-economic development.There are marked differences between trade union discourse, political sympathies, theoretical assertionsand empirical evidence on the matter This essay looks at two main dimensions of the topic: quality andquantity of employment. When examined from the quantitative side, the issue of job creation comes tothe fore, in the interests of minimizing the effects of unemployment. When the focus turns to thequalitative side, what is at stake is the issue of the relationship of work activities to wealth and outputs,of providing real improvements in work conditions and worker’s quality of life.

KEYWORDS: Work Day Reduction; Employment; Job Quality.

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LE THEME DE LA LIBERTE RELIGIEUSE DANS LA POLITIQUE BRESILIENNE DU XIXSIECLE: UNE VOIE POUR LA COMPREHENSION DE LA SECULARISATION DE LASPHERE POLITIQUE

Gilson Ciarallo

La sécularisation des institutions est un thème qui a été très abordé dans les sciences sociales lesdernières décennies, surtout en raison de sa complexité conceptuelle, ce qui favorise des différentsregards sur les relations qui sont établies au long de l’histoire entre la religion et d’autres sphèressociales. Une de ces relations, c’est celle que nous pouvons observer entre la religion et la politique.La “sécularisation” est l’autonomisation des sphères de la société par rapport à la religion. Lesaspects de l’autonomisation de la sphère politique par rapport à la religion sont placés sous analyse,en considérant les discussions dans le scénario politique brésilien du XIX siècle sur la liberté religieuse.Dans ce contexte, le patronage et les idées ultramontaines ont été intimement liées aux ruptures etpermanences identifiées dans le domaine des idées politiques, en considérant les thèmes religieux.Bien que la présence du clergé dans l’activité politique de la période sous analyse ait été remarquable,avec l’extinction du patronage et l’avènement de la République, les discours religieux ont quitté cedomaine là, et ont commencé à se manifester seulement dans le cadre ecclésiastique, de façonprosélytique. La configuration sociale qui apparait à partir de ce thème permet d’identifier dessignes de l’effectuation de la sécularisation de la sphère politique à la fin du XIX siècle. L’argumentprésent contribue pour clarifier le thème de la sécularisation au Brésil. Avec la séparation entrel’Eglise et l’Etat, et la présence chaque fois moins expressive du clergé dans les processus décisionnelsfinaux, la sphère politique s’est sécularisée, en permettant de localiser l’expérience socioculturellebrésilienne à côté d’autres expériences socioculturelles qui composent la modernité occidentale.

MOTS-CLES: sécularisation; parlement impériel brésilien; liberté religieuse; autorité ecclésiastique.

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REDUCTION DE LA JOURNEE DE TRAVAIL ET QUALITE DES EMPLOIS: ENTRE LESDISCOURS, LA THEORIE ET LA REALITE

Daniel Gustavo Mocelin

Le but de cet article est d’examiner le thème de la réduction de la journée de travail de façoncritique, en exposant certaines dimensions théoriques et empiriques importantes qui sont normalementexclues du débat public sur la question. En analysant quelques caractéristiques sur le tempsd'embauche des travailleurs dans le marché de travail brésilien, on démontre qu’il existe une grandedistance entre le discours, la lecture académique sur la question et la réalité. La réduction de lajournée de travail est un thème avec des multiples facettes, ce qui caractérise un débat complexe etpolémique, favorisant ainsi l’intérêt de plusieurs agents sociaux sur cette question, mais qui possèdentdifférentes conceptions autour du débat, en raison de l’hétérogénéité des valeurs en jeu. Dansl’article, on soutient que les implications sociales d’une mesure politique de réduction de la journéede travail ne peuvent pas être prévues. Toutefois, on comprend que cette réduction est une tendancehistorique, liée au développement social et économique. Il y a des différences frappantes entre lediscours de syndicat, la sympathie politique par la mesure, les affirmations théoriques et les évidencesempiriques sur la thématique. L’article aborde le thème avec deux dimensions principales: quantitéet qualité de l’emploi. Quand abordé par la perspective de la quantité de l’emploi, il implique laquestion de la création d’emplois, avec l’objectif de réduire au minimum les effets du chômage.Quand abordé par la perspective de la qualité de l’emploi, il implique la question de la richesse desactivités de travail et la meilleure productivité, en fournissant une réelle amélioration dans les conditionsde travail et dans la qualité de vie des travailleurs.

MOTS-CLES: réduction de la journée de travail; emploi; qualité de l’emploi.

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