redes e parcerias no turismo -...
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INSTITUTO POLITÉCNICO DE COIMBRA
ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO
REDES E PARCERIAS NO TURISMO
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE
ESPECIALISTA EM TURISMO
CÓDIGO CNAEF - 812
JULHO 2011
MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
ÍNDICE 3
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
ÍNDICE
1 Introdução 5
2 Paradigmas e Paradoxos 9
2.1 Introdução 9
2.2 Produção de Conhecimento 12
2.3 Produção de Conhecimento nas Ciências Sociais 13
2.4 Produção de Conhecimento e Discursos 18
2.5 Produção de Conhecimento em Turismo 28
2.6 Conclusão 33
3 Negociação e Alianças Estratégicas 35
3.1 Introdução 35
3.2 Alianças Estratégicas: redes e parcerias 37
3.3 Redes e Parcerias no Turismo 49
3.4 Conclusão 54
4 Estudo da Oferta e da Procura de Formação dos Recursos Humanos na América
Latina
59
4.1 Introdução 59
4.2 Enquadramento do Estudo 60
4.3 Análise Documental 65
4.3.1 Análise de Conteúdo 65
4.4 Análise de Correspondências Múltiplas 69
4.5 Estudo de Caso 72
4.5.1 Percepção dos Actores Locais 72
4.5.2 Gerentes de Hotel – Porto de Galinhas 77
4.6 Conclusão 79
5 Conclusões 81
6 Bibliografia 85
Anexo I 95
ÍNDICE 4
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ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 Dimensões Presentes no Estudo do Turismo 33
Figura 2 Factores de Sucesso na Gestão de Redes e Parcerias 44
Figura 3 Desenvolvimento de uma Estrutura em Rede 49
Figura 4 Negociação de Redes e Parcerias em Turismo 51
Figura 5 Padrões de Influência na Construção de Redes e Parcerias 52
Figura 6 Objectivos do Estudo 62
Figura 7 Design do Estudo 63
Figura 8 Relação entre Problemas/Oportunidades/Formação 76
Figura 9 Relação entre Problemas e Necessidades de Formação 77
Figura 10 Relação entre Oportunidades e Estratégias Formativas 78
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 1 Representatividade das diferentes dimensões do sector do turismo, segundo a
análise documental
69
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 1 Funções e Responsabilidades dos Stakeholders na Formalização de Redes e
Parcerias
53
Quadro 2 Dimensão Económica do Turismo 65
Quadro 3 Dimensão Política do Turismo 66
Quadro 4 Dimensão Estratégias Futuras (Trade) do Turismo 66
Quadro 5 Dimensão Social do Turismo 67
Quadro 6 Dimensão Qualidade/Competitividade do Turismo 67
Quadro 7 Dimensão Recursos do Turismo 68
Quadro 8 Dimensão Formação em Turismo 68
Quadro 9 Análise da Homogeneidade: medidas de descriminação das variáveis 70
Quadro 10 Associações entre Subcategorias das Dimensões Política e
Qualidade/Competitividade
70
Quadro 11 Associações entre Categorias 71
Quadro 12 Associações entre Subcategorias das Dimensões Económica e Social 71
Quadro 13 Associações entre Subcategorias das Dimensões Recursos e Formação 72
Quadro 14 Requisitos inibidores e de sucesso do Modelo de Governança e Dimensão
Económica
73
Quadro 15 Requisitos inibidores e de sucesso de Formação e Informação/Marketing 74
INTRODUÇÃO
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
5
1. INTRODUÇÃO
O trabalho que se apresenta no contexto das provas públicas para atribuição
do título de especialista em Turismo reflecte um percurso profissional, uma
experiência e um desafio.
Um percurso profissional marcado pela primeira vivência de formalização de
uma rede municipal, num concelho da região centro, em 1992. Repto que, na
época, obrigou a um esforço contínuo de atribuição de sentido e de negociação na
mobilização dos stakeholders para a concretização de um projecto comum às
diversas organizações participantes. Metodologia algo inovadora, tanto para os
actores em presença como para a zona na qual esta se desenvolveu, tendo sido a
primeira vez que os seus líderes se juntaram para reflectir e implementar um
projecto partilhado, no âmbito do desenvolvimento social. Esta experiência orientou
um caminho no qual a metodologia de rede esteve sempre presente. É esta
realidade que orienta a reflexão apresentada no ponto três, sustentada na procura
de conhecimento a que uma prática intensa obrigou.
O estudo que se relata no ponto quatro deste trabalho resulta da
concretização de um projecto segundo a metodologia em rede, no qual o contacto
directo com os stakeholders se revelou fundamental para o conhecimento dos
mecanismos de ligação, ao nível dos processos de poder e de negociação de
interesses, apoiados num quadro sociocultural que lhes atribui uma especificidade
nem sempre de compreensão imediata para a equipa que o realizou. Foi este o
motivo que inspirou a vontade de ancorar os resultados encontrados num quadro
teórico que explicitasse as “vozes” dos líderes entrevistados, ou seja, o modelo
político de organizações em rede, concretizado através da negociação de
interesses divergentes.
O ponto dois deste trabalho espelha a satisfação retirada do desfio de quem
dedicou os últimos onze anos da sua vida profissional a intervir e a tentar avançar
na compreensão conceptual dos processos turísticos. Foi no quadro teórico da
investigação-acção que encontrou pistas para uma intervenção atenta e informada,
capaz de fundamentar as opções tomadas. Porque dela fizemos uso e nela nos
apoiámos para intervir e para reflectir sobre a prática de intervenção que
adoptámos, bem como a ela recorremos para analisar o caso que adiante
apresentaremos; porque dela decorrem várias implicações, seja de ordem
epistemológica, teórica ou metodológica; e porque a mesma pode ser concebida
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PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
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como um paradigma, uma perspectiva ou uma estratégia de investigação e de
intervenção, em relação à qual não há um consenso mas uma diversidade de
posições e de orientações.
A investigação-acção, tal como o próprio nome indica, remete para um duplo
objectivo: agir e investigar. Ou seja, remete para uma mudança intencional e para
um processo em que está presente a vontade de agir, produzindo alterações ou
transformações no objecto de estudo, assim como de reflectir sobre o
conhecimento produzido no decurso da intervenção. Numa perspectiva que visa
compatibilizar esse duplo objectivo e evitar dissociar conhecimento e acção, trata-
se de agir, induzindo ou suscitando mudanças numa determinada organização ou
comunidade, e de investigar, tendo em vista aumentar a compreensão do
investigador, do cliente ou de ambos (Goodnough, 2008; Hugon & Seibel, 1988;
Barbier, 1996).
A investigação-acção tem na sua origem o desejo de intervir e aspira a lidar
com problemas sociais complexos, sendo hoje amplamente reconhecida e utilizada
e a sua natureza cíclica considerada adequada para lidar com a dificuldade dos
problemas intra e inter organizacionais.
Cooperrider e Srivastva (1987, 2000), constituem uma referência das últimas
décadas no âmbito da investigação acção, pela apresentação de uma teoria
(appreciative inquiry) que permite compreender as mudanças em sistemas sociais
complexos. Os autores defendem que uma das barreiras que mais tem contribuído
para limitar o alcance e o potencial da investigação-acção tem sido o seu excesso
de aproximação à “acção”, em detrimento da “teoria”. Por isso, argumentam a favor
de uma concepção de investigação-acção que procure, por um lado, gerar teorias
e, por outro, desenvolver as organizações (French, 2009; Rowell, 2006). Neste
contexto, insistem na necessidade de devolver ao conhecimento teórico o seu papel
na transformação social e apelam para uma redefinição dos objectivos científicos
da investigação-acção, de modo a reunir, de forma dinâmica, a teoria e a prática.
Um dos motivos que mais contribuiu para a emergência e o desenvolvimento
da investigação-acção é o reconhecimento de que um sistema social pode ser mais
facilmente compreendido se o investigador fizer parte do sistema socio-técnico que
está a ser estudado. De igual modo, admite-se que este envolvimento poderá
fomentar a cooperação entre o investigador e aqueles que estão a ser alvo da sua
intervenção, bem como a troca de informações e um melhor equilíbrio ou
compromisso entre investigação de qualidade e o desenvolvimento organizacional.
INTRODUÇÃO
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É neste contexto que alguns autores (French, 2009; French & Bell, 1995) sustentam
que a investigação-acção constitui um paradigma de investigação, na medida em
que repousa sobre pressupostos não positivistas ou pós-positivistas e visa agir e
investigar de forma a aumentar a compreensão do investigador, bem como dos
vários actores organizacionais em presença. Assim, a investigação-acção adequa-
se a situações em que se pretende agir, introduzindo mudanças, e, ao mesmo
tempo, desenvolver uma explicação dessas mudanças. É ainda frequentemente
utilizada em contextos nos quais outros métodos podem ser difíceis de aplicar;
quando é requerida elevada flexibilidade; quando se pretende envolver as pessoas
na investigação; quando estamos perante situações caracterizadas por uma
elevada ambiguidade que dificultam a formulação de uma questão de investigação
precisa.
A pesquisa de informação que permite compreender os motivos implícitos
presentes na relação negocial entre os diversos actores do Turismo, associada à
explicitação deste conceito, num contexto de redes e parcerias, traduz uma
necessidade crescente, sentida na descoberta do interesse pela ambiguidade e
pela discrepância entre os discursos (“o que se diz e o que se diz que se faz”) e as
práticas (“o que de facto se faz”). Observa-se, também, nas escolhas e na acção
dos líderes de processos de intervenção, no âmbito do desenvolvimento, em geral,
e do Turismo, em particular.
PARADIGMAS E PARADOXOS
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
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2. PARADIGMAS E PARADOXOS
2.1 INTRODUÇÃO
Iniciar o trabalho conducente à obtenção do Título de Especialista, no qual se
pretende dar conta do caminho profissional percorrido, com um capítulo dedicado à
explicitação da produção de conhecimento científico, pareceu-nos um desafio
importante e a ter em conta na orientação de tão vasta tarefa, principalmente pela
relação com o tema central aqui abordado, ou seja, os paradigmas e os paradoxos
associados à definição do conceito de Turismo.
A leitura do artigo L’enchantement du monde touristique (Réau, 2007)
relembra um olhar sobre o simbólico e o (co)construído, um olhar retrospectivo
(Sense-making, Weick, 1995), que procura compreender o modo como as pessoas
se relacionam com o Turismo, como pensam, como criam o conhecimento a partir
da experiência e como usam este conhecimento para se organizarem a si próprias
e aos outros (Strati, 1999), o que se reflecte nos paradoxos da gestão e,
paradoxalmente, na gestão dos paradoxos do desenvolvimento turístico.
A ilusão da descoberta, preferencialmente a milhares de quilómetros de
distância, tão mais deslumbrante quanto mais exóticas as fotografias e as imagens
dos locais visitados, permite questionar se o centro de atenção tem sido o Turismo
ou se o interesse é a globalização, mundialização, a promoção do desenvolvimento
económico ou a confirmação de uma marca de mercado ou política.
A visão mais comum e reconhecida do estudo do Turismo, ou seja o campo
onde ganhou legitimidade académica, realça as dimensões do planeamento e
ordenamento do território, a económica e, nos últimos anos, a dimensão social ou
de desenvolvimento local. Como a produtividade aumentou o tempo livre das
pessoas, o lazer passou a ser integrado no processo de crescimento económico,
continuando a ser este, na maior parte das vezes, o verdadeiro foco da
investigação. Daí a legitimidade da associação do Turismo a uma indústria de
desenvolvimento económico, visto o lazer constituir uma variável fundamental do
processo produtivo, sem o qual a produção e a qualidade da mesma tende a
diminuir. No entanto, a questão mantém-se: será que podemos abordar o Turismo
na perspectiva do Lazer, quando o consideramos o objecto de estudo?
PARADIGMAS E PARADOXOS
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Outra tentativa de credibilizar cientificamente o Turismo relaciona-se com a
quantificação de dados da actividade turística, tornando-o uma das áreas na qual a
explicação dos fenómenos turísticos se traduz num conjunto de números infindáveis
que, pretensamente, explicam, retratam e produzem conhecimento sobre o
conceito. Talvez por isso, nem sempre se compreenda por que o investimento
económico realizado não gera o retorno económico desejado, ou este não é visível
nos dados quantitativos que resultam da sua análise. O retorno económico pode
ser, por vezes, uma forma política de atingir outros objectivos, nomeadamente,
reforçar as crenças nas virtudes do turismo, seja pela recuperação do património,
seja pela preservação ambiental, seja pelas “escapadelas” que permitem revigorar
as forças de quem produz. Mas, apesar de todos estes argumentos serem muito
importantes e encerrarem uma verdade consensual, não deixa de ser o “olhar” de
uma elite que promove, implementa, desenvolve e usufrui do Turismo. Aliás, uma
das condições para o bom funcionamento do mercado do Turismo é que este não
se encontra alinhado directamente só com razões comerciais ou mercantis
imediatas, porque quem realiza a acção de o “comprar”, não o faz por motivos
associados a preocupações de desenvolvimento económico, mas, principalmente,
por motivações intrínsecas de bem-estar, lazer e descoberta, entre outros.
Continuamos em presença de preocupações, necessidades ou expectativas
próprias de uma elite. Neste contexto, o turista “tipo” assume a forma de um actor
económico, porque permite definir produtos, destinos, em suma, tipos de práticas
diferenciadas, normalmente definidas pela visão cultural do país a que pertencem.
Colocando o Turismo noutros termos, ou seja, algo que produz uma relação
encantada, de deslumbramento com o mundo, no contexto de uma transacção
comercial, significa conseguir levar as pessoas a evadirem-se da vida diária, de
forma a refazerem as forças que lhes permitam retomar as funções que exercem na
cadeia produtiva. O centro de estudo afigura-se simples e complexo, daí paradoxal,
porque deverá salientar o que se esconde, ou seja, a relação comercial entre quem
“vende” e quem “compra”, a evasão da vida do dia-a-dia, de quem procura e de
quem oferece o sonho, o lazer.
Esta perspectiva do Turismo encerra a gestão de duas dimensões
aparentemente paradoxais, concretizadas na aquisição de algo material (um
produto) que representa a ilusão da apropriação de um bem simbólico. O turista
compra, regra geral, um produto virtual num catálogo, a partir de imagens e de
informação, mas o que o impele à acção de comprar é a realidade (co)construída
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estabelecida na transacção comercial entre quem compra e quem vende. Para
Santos (1999) a validade “prática” de uma teoria não está na sua plenitude formal
ou na sua aparente falha de senso comum, mas sim na convergência com a
realidade, dito de outro modo, na capacidade que a teoria tem de orientar a nossa
acção de forma eficaz. Então, integrar conhecimento para intervir ou gerar
conhecimento através da intervenção assemelham-se a duas faces de uma mesma
moeda se aceitarmos o pressuposto de Kelly (1955) de que, tanto ao nível
individual como colectivo, todos procuram atribuir um sentido à sua realidade
envolvente, ainda que os significados emergentes possam resultar das
representações cognitivas dos diferentes membros sobre o que está “em jogo” ou
dos constructos subjacentes aos sistemas cognitivos (Weick, 1979) de todos os
elementos que interagem num dado território.
Um dos objectivos deste trabalho é o de evidenciar a diversidade das
situações estudadas, realçando a multiplicidade dinâmica (Thatchenkery, 1996)
presente numa simultaneidade discursiva em cada um dos contextos que permite a
sua continuidade, a sua mudança e a sua transformação. Apoia-se na explicitação
das teorias implícitas (Downey & Brief, 1986), que permitem dotar os diversos
actores de novas informações conducentes a outras leituras dos problemas, das
regras, das coligações dominantes e das alternativas desejadas e desejáveis,
facilitadoras da introdução de mudanças, ainda que as alterações introduzidas nos
territórios possam permitir a continuidade da existência da ambiguidade entre o
discurso e o comportamento.
São diversos os paradigmas de investigação, múltiplas as metodologias e
mais complexa ainda, a conjugação destes constructos teóricos em planos de
investigação fiáveis e credíveis, aos olhos da comunidade científica. Nessa
descoberta, nesse movimento de ir e vir, produzir conhecimento científico significou
realizar uma série de aproximações conceituais, de modo a compreender o objecto
de investigação (Turismo), em toda a sua dimensão e movimento.
Esta tentativa de explicação do real a partir da formulação de questões
relevantes, aliada a uma grande vontade de não gerar um estudo irrelevante
condenado ao esquecimento no fundo de uma biblioteca, justificaram este percurso
aparentemente desligado do cerne do trabalho que nos propusemos realizar, mas
que permitiu uma abertura à crítica, ao debate de ideias e de perspectivas,
substituindo as orgulhosas vestes académicas por um traje humilde e
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despretensioso, necessário à descoberta e à atribuição de sentido à realidade em
estudo.
Assim, para levar avante tal tarefa, na dimensão pessoal e científica,
deparámo-nos com a inevitabilidade de reflectir sobre diferentes formas de produzir
conhecimento, dos paradigmas que suscitam à comunidade científica e que
caminhos terão de percorrer, ou que métodos nos apoiarão, tarefa a que nos
propusemos neste capítulo, para nos ajudar a conduzir a explicitação do conceito
em análise.
2.2 A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO
Enfatizando a questão do Turismo como uma relação comercial de
transacção de informação, desejos e expectativas, materializadas nos produtos
turísticos, e despoletadas por uma relação negocial, a produção de conhecimento
através de interacções discursivas (Ferreira, 2001), afigura-se como o desafio da
investigação em Turismo, por oposição à perspectiva mais tradicional sobre o que é
ciência e de como esta deve ser conduzida.
Podemos partir da definição clássica de Durozoi (1996), partilhada pela
comunidade científica, que reconhece como ciência a produção de todo o
conhecimento racional, por oposição à opinião ou ao conhecimento imediato,
elaborado a partir da observação, do raciocínio ou da experimentação, cujo objecto
é a descoberta ou a explicitação das leis que regulam os fenómenos em estudo,
bem como a sua reunião em teorias ou modelos explicativos desses fenómenos.
Dito de outro modo, fazer ciência não é mais do que produzir conhecimento acerca
de um determinado objecto de estudo, apoiado na utilização sistemática de um
método previamente definido e nas respectivas técnicas de investigação. Contudo,
consoante nos situemos no campo das ciências exactas ou no campo das ciências
sociais, a definição do que é ciência nem sempre surge de forma evidente ou
consensual. Se para os primeiros é genericamente aceite que ciência é um sistema
ordenado e coerente de proposições ou enunciados baseados num pequeno
número de princípios, cuja finalidade é descrever, explicar e prever do modo mais
completo possível um conjunto de fenómenos, identificando as leis necessárias à
sua compreensão, para os segundos a incidência no seu objecto específico dificulta
a transposição dos resultados obtidos em leis genéricas explicativas de todas as
situações, ainda que sujeitas às mesmas condições experimentais.
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Neste contexto, coloca-se-nos a pergunta: será que podemos adoptar as
mesmas definições sobre ciência quando estamos perante o domínio das ciências
exactas ou quando formulamos questões de investigação no campo das ciências
sociais? Qual é o campo do conhecimento que pode ser atribuído às ciências
sociais?
2.3 A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS
Não sendo nossa intenção apresentar uma revisão exaustiva da história da
ciência, sintetizamos o âmago da questão numa ideia que se nos afigura como central
e que percorre a revisão da literatura efectuada: o foco da discussão sobre o que é
ciência. Assim, o que diferencia as ciências naturais das ciências sociais ou humanas
centra-se na definição do objecto de estudo de cada uma delas.
Este conflito associado à definição do conceito “ciência” acompanha as
profundas transformações sociais ocorridas nos séculos XVIII e XIX, caracterizadas
pela ascensão da burguesia e consequente predomínio da produção industrial sobre a
organização feudal. O papel de um “homem” social e cognoscente, bem como a
relação por este estabelecida com os objectos que o rodeavam, legitima a ruptura
com as concepções metafísicas e religiosas, que rejeita todos os pressupostos
anteriores e lança as novas bases para a produção do conhecimento. É assim que
surge a valorização do facto, da experiência e da prova científica dos fenómenos
estudados, corrente que ficou conhecida como positivismo e que, ainda hoje,
influencia grande parte da produção do conhecimento científico.
Abordar o positivismo implica necessariamente referir Augusto Comte (Silva,
2010), principal expoente do positivismo em França, já que desde os seus primeiros
escritos revela uma rejeição profunda pela metafísica e por toda a ciência que não
se oriente pelos factos e pela prova científica dos fenómenos sociais. Segundo
Comte, ciência é a forma de conhecimento que: a) se caracteriza pela certeza
sensível de uma observação sistemática e pela certeza metódica que garante o
acesso adequado aos fenómenos observados; b) relaciona os fenómenos
observados a princípios que permitem combinar as observações isoladas; c)
investiga os fenómenos procurando as suas relações constantes de concomitância
e sucessão, isto é, as suas leis; d) é capaz de prever e controlar os fenómenos para
a construção da sociedade positiva (Gomes, 2000, p. 13).
PARADIGMAS E PARADOXOS
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O paradigma positivista ganha força ao abraçar os critérios de objectividade e
neutralidade próprios do modelo científico das ciências naturais. Assim, o
conhecimento científico não se pauta por juízos de valor, nem por interpretações que
não decorram de uma objectiva e neutral recolha de dados, dados esses passíveis de
serem alvo de tratamento estatístico, devido à sua natureza quantitativa (Gamboa,
1989). Para este autor, o paradigma positivista é a procura das causas dos
fenómenos, a explicação dos factos pelos seus condicionantes e antecedentes, sendo
que a fonte do conhecimento é o próprio objecto. Não podemos deixar de referir que,
nesta tentativa de objectivação do real, não se elimina, na totalidade, a aparente
subjectividade inerente à condução do processo de investigação científica que se
apoia inevitavelmente no estudo de algo observado pelo investigador, o que
condiciona o que se capta, aquilo a que se dá atenção, o que se valoriza e as relações
que se estabelecem entre os fenómenos. Esta questão assume particular importância
quando se pretende produzir conhecimento através do estudo de um objecto que
resulta de interacções discursivas e negociais, entre um conjunto de actores, por
vezes a milhares de quilómetros de distância, e cujas representações culturais e
sociais, se não antagónicas, são seguramente muito diferentes.
De facto, as duas principais teorias positivistas, a crença de que existem leis
ou princípios universais e permanentes que representam relações causais
unidireccionais, e a crença de que existe apenas um método verdadeiramente
científico para analisar essas relações (Walker, 1993; Guba & Lincoln, 1994), são
abertamente questionadas por alguns investigadores no campo das ciências
sociais.
Acompanhando o crescimento do anti-positivismo, o positivismo fortaleceu-se
novamente nos anos 20, com o positivismo lógico de Bertrand Russell (Ribeiro,
2007) e, mais tarde, com o raciocínio hipotético-dedutivo e com as unidades do
método de análise. Esta corrente foi novamente criticada por vários cientistas
sociais, abrindo caminho à emergência de novos paradigmas de construção de
conhecimento e de novas epistemologias, tais como o pós-positivismo, a teoria
crítica, o construtivismo, o cognitivismo e o simbolismo organizacional. Entre os
pressupostos partilhados por estas correntes epistemológicas e paradigmas está a
crença de que existe uma pluralidade de métodos e de que cada um destes
métodos tem a sua validade própria, determinada pela situação específica em que
é aplicado e pelo tipo de conhecimento procurado (Harvey & Myers, 1995).
PARADIGMAS E PARADOXOS
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Vejamos a teoria do cognitivismo organizacional proposta por Cyert e March
(1963). Esta baseia-se em duas grandes premissas: a de um corpus de categorias
exaustivas e a do conceito de relações. Central para esta teoria é a análise do
processo de tomada de decisão nas organizações, conduzido em termos de
objectivos, das expectativas e da escolha organizacional. Os objectivos de uma
organização mudam à medida que a coligação dominante é modificada pela
entrada e saída dos seus membros, sendo considerados estratégicos e
fundamentais ou problemáticos consoante a representação que deles fazem quem
detém o poder. A escolha organizacional é influenciada pela definição do problema,
pelas regras de decisão padronizadas, pela ordem na qual estas são consideradas
pela componente da organização que decide entre as alternativas aceitáveis em
termos dos objectivos que a própria organização definiu (Strati, 1999).
A análise de constructo é o outro método largamente utilizado pelos
estudiosos do cognitivismo organizacional. Baseado na teoria de constructo pessoal
de Kelly, este método foi desenvolvido para representar modos de atribuição de
significado, tanto individuais como colectivos (Strati, 1999). Para este autor, Kelly
parte da premissa de que todas as pessoas procuram atribuir um sentido ao mundo
que as rodeia. Outro constructo é o constituído pelas teorias implícitas da
organização. Na prática a ideia central é a de que todos os membros de uma
organização desenvolvem pretensões sobre o seu modo de ser. As teorias
implícitas constituem, portanto, os mecanismos cognitivos que traduzem em
comportamentos a estrutura organizacional (Downey & Brief, 1986).
A conclusão principal no que se refere à contribuição intelectual do
cognitivismo para os estudos organizacionais pode ser resumida na ideia de que os
elementos que mantêm a organização coesa são os mais ocultos (Strati, 1999). Por
outras palavras, a cola da organização é a ambiguidade (Cohen & March, 1974).
Uma vez mais, porém, a questão é como lidar com a ambiguidade na organização,
como estudá-la e como extrair o seu significado (Gherardi, 1995).
Argyris e Schön (1978) foram os primeiros autores a propor a utilização de
mapas cognitivos para intervir nas relações organizacionais, tendo por objectivo
fornecer apoio aos membros da organização. Os autores vêem a organização como
um artefacto cognitivo de representações individuais e mapas públicos oficiais. Os
membros de qualquer organização usam dois tipos diferentes de mapas para
orientação na sua acção organizacional: mapas expostos, que são muitas vezes
publicados em documentos públicos e oficiais; e mapas em uso, aqueles que na
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verdade são utilizados na interacção quotidiana. Teorias abertas proporcionam um
enquadramento com o qual os actores organizacionais justificam as suas acções,
caso elas sejam questionadas. Mas são as teorias-em-uso que guiam o trabalho na
organização. Os mapas-em-uso são constantemente reconstruídos através de
elaboração cognitiva a nível individual, constituindo o resultado do esforço de cada
membro para se posicionar dentro da organização, ajustando-se continuamente às
mudanças provocadas por este mesmo esforço de cada membro organizacional.
Estes mapas são muitas vezes deixados implícitos, tanto por não serem visíveis
para os membros individuais, como pela sua incongruência em relação aos mapas
abertos e oficiais, o que é percebido como uma ameaça potencial. Trazê-los à luz
do dia não só ajuda a dar uma forma organizacional à dificuldade (problema), que
por vezes obriga ao recurso a consultores, como vai proporcionar uma ideia
preliminar das mudanças que podem ser necessárias e sobre o modo como as
levar a cabo.
Intervenções que utilizam a abordagem desenvolvida por Argyris e Schön
tomam a forma de eventos de aprendizagem na acção (Revans, 1982). Os
membros aprendem a conhecer a sua organização e são deste modo capacitados
para produzir mudanças. A ênfase é colocada no processo de aquisição de
conhecimentos e não no seu produto, através de entrevistas, reuniões de grupo e
do estudo pelos participantes de casos particularmente significativos com
resultados positivos ou negativos. É este ponto específico que orienta o nosso
trabalho: como produzir conhecimento? Como lhe atribuir sentido?
Também do ponto de vista epistemológico, já o método fenomenológico
ressaltava a capacidade de interpretação e reflexão do pesquisador sobre o fenómeno
que é objecto de seu estudo. A concepção de ciência baseava-se na compreensão
dos fenómenos nas suas diferentes manifestações, desvendando-os nos seus
mecanismos essenciais. A subjectividade, portanto, era considerada um elemento
fundamental e a interpretação do objecto, garantida no rigoroso processo da
passagem da experiência fenomênica à compreensão da essência, realizava-se
através do resgate do todo implícito no fenómeno.
O método fenomenológico, portanto, através das críticas às metodologias
baseadas no experimentalismo, apresentou-se como alternativa concreta no processo
de conhecimento, fundada numa visão existencialista do homem, considerando-o um
ser inacabado e de relações com o mundo, dotado de capacidade de interpretação
que desvenda o fenómeno apreendendo a sua essência.
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Uma outra concepção de ciência surge com Karl Marx fundamentada em novos
pressupostos que contrariam e negam os paradigmas em voga até então. Marx (1818-
1883) (cit. Gomes, 2000) é considerado o fundador de uma corrente política que
inspirou movimentos sociais, organizações partidárias e Estados. Tributário de uma
ampla tradição filosófica, Marx recupera de diferentes correntes filosóficas alguns
pressupostos que levam a uma síntese teórica que fundamenta a sua proposta
metodológica.
Mas, do ponto de vista metodológico, foi em Hegel que Marx procurou os
fundamentos mais importantes. Hegel é apontado como um expoente do racionalismo
abstracto, graças à sistematização e ordenação lógica que o seu pensamento
alcançou (Gomes, 2000). A sua principal preocupação residiu na procura de um
mergulho profundo na história como forma de compreensão do presente. O
desenvolvimento histórico, portanto, com todas as suas tramas multivariadas, seu
dinamismo e devir, é para ele, o caminho para a compreensão do real. E o real nada
mais é do que um momento absoluto, isto é, a história do movimento do espírito
criador, a consciência que "reflecte", ou seja, o que realiza um movimento de ida e
volta sobre si mesmo. Para Hegel, portanto, a dialéctica é o movimento, o estado do
espírito, cuja lógica se sustenta na contradição; esta lógica não é binária e imóvel,
mas triádica e dinâmica; para explicar porque uma coisa se torna outra é preciso
compreender que esta coisa traz em si a sua própria negação, o seu não-ser. Hegel
subordinava os movimentos da realidade material à lógica de um princípio a que
chamava ideia absoluta; como essa ideia absoluta era um princípio inevitavelmente
nebuloso, os movimentos da realidade material eram, frequentemente, descritos pelo
filósofo de maneira bastante vaga (Konder, 1981, p. 27).
Ao contrário de Hegel, Marx não considera a dialéctica como qualidade do
espírito, mas acrescenta a visão de que a natureza humana é conformada por
relações sociais que os indivíduos produzem em contextos históricos definidos,
formulando o que podemos chamar de materialismo histórico-dialéctico, um método
de interpretação do real a partir de seus factores económicos e sociais. Em suma,
Marx subordinava os movimentos da realidade ao conjunto de relações concretas que
os homens estabelecem entre si para a produção da sua existência material e social.
Fundamentada nestes pressupostos, a pesquisa apoiada no materialismo
histórico-dialéctico tem como questão de fundo a crítica à visão estática da realidade
assumida por outras linhas de pensamento (positivismo e fenomenologia), uma vez
que estas escondem o carácter dinâmico e histórico da mesma.
PARADIGMAS E PARADOXOS
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
18
Desse modo, as pesquisas baseadas no materialismo histórico-dialéctico, pelo
seu teor crítico, preocupam-se em desvendar as contradições apresentadas pelo real,
expressas no conflito de interpretações e interesses, para então propor formas de
superação, no sentido de transformar essa realidade, resgatando a sua dimensão
histórica.
Os fundamentos epistemológicos dessas pesquisas encontram-se na lógica
interna do processo e em métodos que desvendam a dinâmica e as contradições dos
fenómenos, bem como a relação homem/natureza, reflexão/acção e teoria/prática.
2.4 A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO E DISCURSOS
Pelo facto de muitas vezes se falar de ideologia no singular, não significa que
em todas as formações sociais não haja uma pluralidade contraditória de sistemas
ideológicos de codificação do real, presentes e ausentes nos discursos e nos níveis
objectivos de significação que lhe são atribuídos. Por outro lado, embora se procure
generalizar as formulações de forma a compreender ideologias dominantes e
ideologias dominadas, são as ideologias dominantes, ligadas aos blocos de poder,
que directamente retêm a nossa atenção. Assim, podemos afirmar que as diversas
formações científicas são coexistentes e estão articuladas de forma específica com
o sistema das ideologias, de tal maneira, que as práticas concretas de investigação,
bem como os respectivos produtos, não são puramente teóricos; apenas
encontramos formações ideológico-teóricas, cuja dominante pode ser a ideologia ou
a teoria.
A progressão do conhecimento implica assim, genericamente, uma
demarcação relativa ao campo ideológico de partida, compromete a sua redução
localizada, a negação e a superação das problemáticas que o caracterizam.
Desmontar as pressuposições espontâneas que tendem a impor-se como evidência
na representação das relações imaginárias dos indivíduos com as suas conduções
reais de existência, destruir as falsas transparências do senso comum mais ou
menos elaborado que se auto-designam como conhecimentos, tais são as tarefas
iniciais, sempre recomeçadas, que os processos científicos impõem.
No âmbito dos processos específicos de produção de conhecimentos, a
epistemologia enuncia e denuncia os obstáculos que tendem constantemente a
reintroduzir o ideológico no científico. E, para o conseguir, localiza-se no interior e
no exterior destes processos. A reflexão-intervenção sobre as práticas científicas,
PARADIGMAS E PARADOXOS
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em todas as suas operações e fases, funciona como um sistema vigilante de
controlos que também se exerce sobre a metodologia. Segundo Boudon (1965, p.
4) a metodologia é a arte de aprender a descobrir e analisar os pressupostos e
processos lógicos implícitos da investigação, de forma a pô-los em evidência e a
sistematizá-los.
Os diversos métodos permitem-nos organizar as práticas de investigação,
constituindo as operações propriamente técnicas da investigação. A função do
método, numa formação científica, consiste essencialmente em operar a selecção
das técnicas de pesquisa a aplicar por referência ao objecto e à teoria que o
constrói, em determinar-lhe os limites e as condições úteis de exercício, em
relacionar e integrar os resultados obtidos. Por isso se pode dizer que o conjunto de
procedimentos constitutivos de uma técnica de investigação tem de ser, de algum
modo, reinventado cientificamente de cada vez que a sua utilização é requerida
(Almeida, 1975).
Os resultados parciais que o processo vai gerando podem referir-se a
conhecimentos directamente construtores do objecto, quer a elementos por assim
dizer processuais, que a prática da investigação impõe, em função do próprio
objecto que se constrói. Poderão ser, portanto, elementos conceptuais da teoria em
formação ou elementos conceptuais que essa teoria envolve no próprio processo
da sua constituição.
Tanto a epistemologia como a metodologia abordam criticamente as práticas
concretas de investigação à medida que estas se desenrolam, embora a diversos
níveis. Daqui resulta a impossibilidade de um discurso geral epistemológico e de
um discurso geral de método, no sentido de um conjunto de receitas destinadas a
promover a garantia da cientificidade.
O que define o papel da epistemologia é o ponto nodal entre a articulação do
conhecimento com a construção das formações sociais como totalidades
articuladas de estruturas e práticas. Para Foucault (1969, p. 243), Abordar o
funcionamento ideológico de uma ciência para o revelar e para o modificar não
consiste em voltar aos fundamentos que a tornaram possível e a legitimaram:
consiste em repô-la em questão como formação discursiva; consiste em a abordar,
não as contradições formais das suas proposições, mas o sistema de formação dos
seus objectos, dos seus tipos de enunciados, dos seus conceitos, das suas opções
teóricas. Consiste em retomá-la como prática entre outras práticas.
PARADIGMAS E PARADOXOS
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Como já referimos, o investigador reflecte na investigação a sua visão do
mundo, das relações, bem como os pressupostos teóricos e metodológicos que o
orientam na abordagem do objecto em estudo. Assim, defrontámo-nos com diferentes
paradigmas, cujo objectivo de os sintetizar foi, somente, o de enfatizar a ideia inicial,
ou seja, explicitar as variáveis em presença na relação negocial entre os actores
turísticos e tentar acrescentar um outro olhar ao conhecimento produzido na análise
das interacções discursivas, implícitas ao desenvolvimento do Turismo.
A revisão da literatura efectuada em várias áreas de investigação tem
mostrado que a perspectiva positivista tem sido dominante (Orlikowski & Baroudi,
1991). Por isso, a emergência da investigação-acção como uma linha de
investigação distinta é um assunto controverso, fortemente criticada pelos que
defendem uma perspectiva positivista na investigação.
Segundo Reason (1993, 1994), aumentar a credibilidade da investigação-
acção acentuando a sua capacidade de ultrapassar as limitações impostas pelo
positivismo poderá contribuir para legitimar um discurso no qual investigação-acção
e positivismo acabem por emergir como linhas de investigação em oposição e com
resultados contraditórias. Este ponto de vista tem levado a que muitos
investigadores se sintam na obrigação de se colocarem de um ou de outro lado da
“barricada”, formando “comunidades” científicas ou originando contextos de
investigação que poderão não ser os mais adequados a uma eficaz produção e
difusão do conhecimento científico (Heller, 1993).
Para melhor entender o que é nuclear nesta discussão e o que distingue as
posições e os argumentos em presença, importa analisar o positivismo como uma
linha de pensamento distinta, uma vez que a investigação-acção é geralmente vista
como estando em oposição à referida linha de pensamento (Kock & Corner, 1996;
Kock, 2000). De facto, alguns dos pressupostos em que assenta o positivismo –
como a crença de que existem leis ou princípios universais e permanentes que
representam relações causais unidireccionais e a crença de que existe apenas um
método verdadeiramente científico para analisar essas relações – são clara e
abertamente questionadas por diversos autores que se situam na linha da
investigação-acção (Argyris, Putnam & Smith, 1985; Beer & Walton, 1987; Argyris &
Schon, 1989; Brewer & Hunter, 1989; Walker, 1993; Kock, McQueen & Scott, 2000;
Rowell, 2006). O positivismo foi em muito influenciado pelo pensamento cartesiano,
tendo-se apoiado na lógica das ciências naturais e em métodos que recorriam à
matemática para explicar e compreender o mundo, de uma forma fiável, sem
PARADIGMAS E PARADOXOS
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enviesamentos, que não estivesse afectada pelas imperfeições dos órgãos
sensoriais. Esta corrente desenvolveu-se e dominou o pensamento científico até à
primeira metade do século XIX, altura em que a percepção de que os indivíduos
não existem isolados e só podem ser compreendidos dentro de um contexto cultural
e social ganhou força, dando lugar ao aparecimento de um novo modo de pensar a
ciência e de formular a investigação científica. O positivismo foi ainda alvo de
severas críticas por parte de vários cientistas sociais, abrindo caminho à
emergência de novos paradigmas de construção de conhecimento e de novas
epistemologias, tais como o pós-positivismo, a teoria crítica e o construcionismo
(Gergen, 1982). A discussão suscitada em torno dos pressupostos e paradigmas
partilhados por diferentes correntes epistemológicas deu lugar a uma nova
perspectiva, na qual tem legitimidade a existência de uma pluralidade simultânea de
métodos, cada um com a sua validade própria, determinada pela situação
específica em que é aplicado e pelo tipo de conhecimento gerado (Harvey & Myers,
1995; Gergen, 1978, 1998).
Numa perspectiva de investigação-acção, o objectivo não é experimentar,
mas procurar estabelecer relações (correlacionais e/ou causais) entre variáveis, em
situações em que a aprendizagem e a mudança decorrem naturalmente das
intervenções.
Colocada a questão nestes termos, a investigação-acção surge como uma
estratégia de investigação e de intervenção mais plausível e aceitável, os seus
contornos começam a ser definidos e clarificados. De facto, se a sua
vulnerabilidade científica está associada ou se reduz a uma menor capacidade de
descobrir leis causais em contextos controlados e passíveis de serem testados, a
sua capacidade para lidar com fenómenos complexos e para se debruçar sobre
relações não deterministas mas circulares ou recíprocas vai sendo igualmente
salientada e reconhecida.
Desta discussão ressalta que a investigação-acção não é o oposto ou o
reverso do positivismo. Enquanto este remete para uma epistemologia ou uma linha
de pensamento distinta, aquela constitui uma estratégia de investigação, elaborada
a partir de um projecto de intervenção, a que se associa a análise e a reflexão.
Cooperrider e Srivastva (1987, 2000) apresentam-nos uma modalidade de
análise organizacional que designaram de appreciative inquiry, diferenciando-se de
outras perspectivas de investigação-acção já apresentadas pela ênfase que
colocam na inovação e não tanto na capacidade de resolução de problemas. O que
PARADIGMAS E PARADOXOS
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chamam appreciative inquiry constitui uma perspectiva de investigação que se
propõe como objectivo descobrir, compreender e fomentar inovações nas
actividades e processos organizacionais, constituindo uma corrente de investigação
sobre mudança.
A abordagem proposta visa utilizar o conhecimento para promover um diálogo
igualitário que conduza à eficácia e à integridade organizacional. Neste contexto,
eficácia organizacional é definida de uma forma muito específica: congruência entre
valores organizacionais (conjunto de valores, normas, ideias e interesses - que
nunca mudam e que os membros preservam - relativos à questão “como é que nos
devemos organizar?”) e práticas organizacionais observadas no quotidiano. O
appreciative inquiry remete para uma procura de conhecimento e para uma forma
de teorização que incide sobre a acção colectiva intencional, ao mesmo tempo que
visa ajudar a criar uma visão normativa e uma vontade colectiva, quer se trate de
um grupo, de uma organização ou de uma sociedade considerada como um todo.
Trata-se de um processo de investigação que afirma as nossas capacidades
simbólicas e estimula a nossa capacidade inventiva, bem como as nossas
capacidades sociais, tendo em vista expandir as nossas potencialidades, potenciar
as nossas escolhas conscientes e contribuir para a nossa evolução cultural. Nesse
sentido, coloca uma série de questões que não se enquadram numa visão
positivista da ciência ou numa forma de investigação-acção estritamente
pragmática, orientada para a resolução de problemas. Contudo, os seus objectivos
são, ao mesmo tempo, científicos (numa concepção construcionista ou socio-
racionalista de ciência) e pragmáticos (num sentido de inovação social), bem como
normativos (no sentido em que procuram afirmar tudo aquilo que a existência social
realmente é, o que pode ser e o que deve ser ou em que se deve transformar),
orientando-se por alguns princípios e orientações, de que destacaremos os
seguintes:
1) A investigação que visa promover o potencial de inovação deve
começar por destacar o que é digno de apreço (daí o nome e o sentido a
atribuir a “apreciativo”). Mais do que as falhas, discrepâncias ou
deficiências, importa reter e salientar o que o sistema faz e o que pode
fazer. Por outras palavras, a ênfase recai sobre o que o sistema já faz e
faz bem, incentiva-o a fazer o que sabe fazer bem, concentra-se sobre o
que pode fazer melhor e a tirar partido do que faz melhor do que ninguém.
Segundo os autores, qualquer sistema social “trabalha” num determinado
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grau de entropia e a primeira tarefa do investigador consiste em descobrir,
descrever e explicar as inovações sociais que, apesar de pequenas,
servem para dar vida ao sistema e para activar as competências e
energias dos seus membros, enquanto actores que participam na
construção e transformação das realidades organizacionais. Isto significa
que o que designam por abordagem “apreciativa” parte do que existe, de
“o que é”, e procura uma compreensão dos factores e das forças da
organização que servem para evidenciar o seu potencial e encaminhá-la
para um outro tipo de organização, próximo do que seria o ideal em termos
sociais e, que, por isso, poderia e deveria ser digno de apreço.
2) A investigação que tem em vista elevar o potencial da vida
organizacional deve ser aplicável. Para ter significado, a ciência deve gerar
conhecimentos e elaborar teorias que possam ser utilizados ou aplicados
e, consequentemente, validados através da acção. Assim, um processo de
investigação que gera conhecimentos utilizáveis e aplicáveis não deve ser
entendido como algo de utópico nem deve estar limitado ou circunscrito a
círculos académicos ou ser apresentado de uma forma que seja pouco
relevante para o entendimento comum, para a linguagem quotidiana ou
para aqueles a quem os conhecimentos possam ser úteis.
3) A investigação que se ocupa do potencial social da vida
organizacional deve gerar “desassossego”, ou seja, “incomodar” ou
“provocar”. Porque uma organização é um sistema aberto e indeterminado,
é capaz de se tornar em algo mais do que aquilo que num determinado
momento é; pode aprender a tomar parte activa na sua própria construção
e evolução. Assim, o conhecimento “apreciativo” enfatiza “o que é” e
aponta para “o que poderia ser”. Nesse percurso, o conhecimento gerado
pode expandir a capacidade inventiva e dar origem a imagens de
oportunidades de desenvolvimento realistas, que poderão ser
experimentadas numa escala mais alargada. Concebido nestes termos, o
appreciative inquiry é pragmático e visionário. Pode ser “provocatório” ou
incentivador, na medida em que os conhecimentos gerados por um
determinado estudo acrescentarem valor e forem assumidos pelos
membros da organização como um normativo que só acontece porque
resulta de uma escolha que fazem. Desta forma, o appreciative inquiry
pode contribuir para ajudar os membros de uma dada organização a
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modelarem o mundo em que vivem e em que trabalham, construindo-o de
acordo com os seus próprios objectivos e valores.
4) A investigação direccionada para o potencial da vida
organizacional deve ser cooperativa. Este princípio evidencia a existência
de uma forte relação entre o processo de investigação e o seu conteúdo;
uma relação que no contexto da abordagem “apreciativa “ é claramente
assumida e, de forma argumentada, é explicitada e defendida. A relação
de cooperação entre investigador e membros da organização estudada é,
aqui, encarada como essencial, tanto por razões de ordem epistemológica,
como por razões de ordem prática e ética (Argyris, 1970; Habermas, 1971;
Susman & Evered, 1978).
A selecção de um ou de outro método constitui um risco que o investigador
assume. Risco aqui assumido e baseado na convicção de que:
1) o apreço a que o appreciative inquiry se refere e que nele está
contido representa um complemento viável às formas convencionais de
investigação-acção, sendo mais adequado para a inovação social do que
para a resolução de problemas;
2) através da escolha metodológica (e de tudo o que a elas está
ligado) que efectuamos, bem como dos pressupostos que adoptamos e
assumimos, acabamos por criar o mundo (enacted reality) que mais tarde
descobrimos.
Neste enquadramento, vejamos o que nos propõe Thatchenkery (1996) quando
nos apresenta a Metáfora de Tamara e a Metáfora de Maya-Leela para explicar a
multiplicidade simultânea e dinâmica presente na análise dos discursos. Boje
(1995), a propósito da multiplicidade, fala-nos das histórias organizacionais que
narram a vida da organização (Stories of the Storytelling Organization) inspirando-
se numa peça de teatro (Tamara) cuja técnica de representação se caracteriza pela
presença de uma estrutura multidimensional e por uma multiplicidade dinâmica. As
várias personagens vão contando as suas histórias à medida que vão andando de
divisão em divisão e o público segue as personagens que entende ou melhor,
segue a história que mais lhe interessa. Esta peça era composta por doze palcos e
por doze personagens criando 726 discursos simultâneos em movimento. Nenhum
espectador consegue seguir todas as histórias a não ser que assista várias vezes à
PARADIGMAS E PARADOXOS
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peça, pois esta só pode ser percebida quando o espectador consegue acompanhar
as várias cenas (discursos) que são apresentadas em simultâneo durante o
decorrer da peça. Também se torna difícil perceber a peça através daquilo que os
outros dizem e daquilo que eles contam a partir das suas experiências, pois cada
um elabora o seu próprio discurso sobre o que está a assistir ou a viver. Deste
modo, Tamara pode ser uma metáfora discursiva que salienta a pluralidade de
interpretações das histórias organizacionais e de como se distribuem numa rede de
significados contextualizados historicamente (Boje, 1995). Para Gephart (1991) as
histórias podem ser o fermento que permite atribuir sentido, fazer sentido dos
acontecimentos. Thatchenkery (1996) utiliza a expressão “ir um passo à frente”
(notch deeper), para descrever como uma organização pode compreender a
multiplicidade de discursos que operam em simultâneo, que não precisam de ter
nem grande lógica, nem um objectivo determinado. São, simplesmente, discursos
de variados tipos que coexistem, à semelhança do que acontece na peça Tamara.
Podemos conceber um discurso como: a set of ideas and practices which condition
our ways of relating to, and acting upon, particular phenomena. Because a
discourse is always embedded in social practice, it cannot be reduced to its
ideational content any more than be seen as devoid of theory (Knights & Morgan,
1991, p. 253).
O conceito de discurso foi mais claramente identificado por Foucault (1976) a
partir dos seus estudos sobre o conceito de loucura. Este conceito forma-se num
contexto social particular, porque os vários actores percebem o mundo em
determinados termos, desenvolvem determinadas práticas sociais que reproduzem
as suas percepções como se o que dizem sobre o que acontece fosse a verdade;
mas porque o seu discurso é aquele passa a ser essa a sua tradução do que
acontece. Isto não é menos do que o resultado da combinação entre a relação de
poder e de conhecimento representada pelos políticos e pelos peritos que, através
de um discurso convincente, segregam “os loucos da sociedade através da
institucionalização” the mad and the insane from “normal” society through a system
of institutional incarceration (Thactenkery, 1996, pág. 310). Knights & Morgan
(1991, p. 253) reforçam esta ideia, a discourse is not then simply a way of seeing; it
is always embedded in social practices which reproduce that way of seeing as the
truth of discourse.
Os discursos vão mudando e, no mundo pós moderno, existe uma tal
pluralidade de discursos como de actores. Os discursos mudam à medida que os
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PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
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actores adaptam ou mudam as condições nas quais os processos ocorrem.
Concordando com Foucault, o poder do resultado/efeito dos discursos é sempre
alvo de resistências, o que torna o discurso um conceito verdadeiramente dinâmico.
Para perceber os vários actores e as relações sociais que estabelecem entre
si temos de perceber os discursos nos quais eles situam as suas auto-percepções
no dia-a-dia (Knights &Morgan, 1991). Os discursos podem ser como um tipo de
estenografia que utilizamos para mostrar e descodificar todo o conjunto de relações
que se estabelecem entre os processos de poder e de conhecimento, pelo que nos
dão uma visão parcial e subjectiva dos acontecimentos, o que ainda é mais
marcado pelo facto de os discursos em si mesmo estarem
condicionados/embebidos pelas práticas sociais que os sustentam (Foucault, 1976,
p.225). Isto pode confirmar a falsidade da preposição de que em cada interacção
social existe um único discurso válido. Contudo, existem tantos jogos, tantas
combinações (interplay) como quantos os participantes e as histórias de vida que
estiverem em presença.
Estes discursos dão origem a conhecimento e poder (Knowledge-power
shapers) formando-se a partir da realidade social e da vida organizacional, sendo
uns mais adequados do que outros, uns mais eficazes do que outros, uns mais
disfuncionais do que outros, mas que se cruzam num emaranhado de jogos e numa
rede que os organiza. Um dos contributos da metáfora da Maya-Leela na análise
dos discursos prende-se com uma reconceptualização do conceito de poder.
Podemos considerar que é esta simultaneidade discursiva que desencadeia a
criatividade que pode inspirar o risco, a vida e a transformação; e a sua
multiplicidade a continuidade das organizações (Thatchenkery, 1996). Este autor,
através da Metáfora de Maya-Leela relata-nos a existência de quatro discursos
dominantes nas organizações.
O “discurso contínuo” centra-se em torno da participação. O “discurso
introduzido”, característico do modelo de organização de mudança social global,
promove a incorporação de novas ideias na organização. Este discurso está
presente e suporta a prática da consultoria. O terceiro, o “discurso cíclico”, é de
uma intensidade reflexiva podendo assumir-se como o discurso dominante em
diferentes momentos da vida organizacional. Por vezes é este o privilegiado;
noutras alturas é abandonado; mais tarde pode voltar a ser retomado. Este
fenómeno não é novo porque normalmente as velhas ideias não morrem, mas são
retomadas com um outro formato. Por último, o quarto discurso, o “discurso
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transformado”, é o que está imbuído de uma grande espiritualidade (“militância”) no
qual o tema central da organização muda ao longo do tempo, adquire novas
formas, e surge no âmbito das várias experiências pelas quais a organização vai
passando.
O antigo conceito de Maya-Leela, à semelhança de Tâmara, evoca a ideia de
jogo ou de interrelação de multiplicidades, sendo Maya um conceito antigo da
filosofia indiana utilizado para evocar a multiplicidade de formas e de processos que
encontramos no mundo. Leela descreve o cósmico e a expressão do universo
através de uma ideia de um mundo brincalhão e excêntrico que gera multiplicidade
numa abundância exuberante. Por isso, este pode ser um conceito que permite
explicar porque nas organizações muitas pessoas se sentem atraídas
simultaneamente por vários discursos.
Este aspecto é crucial, porque se cada um olhar para as organizações
através do que é construído num construto específico, no qual o que é dominante
vai e vem, consegue visualizar através desse movimento materializado nos
discursos, as mudanças que vão ocorrendo na organização ao longo do tempo.
Assim, a organização estrutura-se e compreende-se (atribui-se sentido) neste jogo
de ambiguidades e de paradoxos escondido na rede de discursos. Lyotard (1984) é
um autor importante que facilita a compreensão desta problemática com o conceito
de fim e de meta-narrativa, se partilhármos a sua tese de que a existência de um
único modelo de discurso global perde a força quando convive com o imenso
conjunto de “falares” e de histórias fragmentadas, contraditórias, plurais e
simultâneas, que encontramos diariamente nas organizações.
A metáfora de Maya-Leela permite lançar um novo olhar sobre o conceito de
poder pela análise do que é dito e das consequências do que se diz, conduzindo a
uma abordagem pós-cognitiva do sentido de poder. A presença de todos estes
discursos múltiplos, complementares e competitivos interagem na vida real das
organizações e na vida das pessoas dentro das organizações, descrevendo como
múltiplos discursos seguem e ilustram realidades organizacionais, transformando
pessoas e sociedades. É nesta perspectiva que enquadro este trabalho, pela
necessidade sentida de explicitar os discursos, os jogos e a rede que os sustenta,
produzidos numa relação comercial e negocial construída sobre algo intangível. O
desafio a que nos propomos é tentar contribuir para a explicitação de sentido sobre
o conceito de Turismo.
PARADIGMAS E PARADOXOS
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2.5 PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO EM TURISMO
O que se procurou realçar com as ideias até agora expostas foi a
multidisciplinaridade inerente ao Turismo e a necessidade de nos apoiarmos em
diversas ciências, para o estudar e o compreender. Tradicionalmente, o turismo tem
sido abordado numa perspectiva económica. Incluímos aqui o lazer enquanto
variável inerente à cadeia produtiva, numa perspectiva antropológica, numa visão
geográfica e, mais recentemente, numa dimensão social. Sem dúvida, estas
abordagens têm permitido uma ancoragem científica de legitimação e credibilização
da investigação produzida em Turismo.
Este trabalho não se assume como uma investigação científica sobre esta
matéria, não é esse o seu objectivo nem a sua pretensão. Pensamos, todavia,
poder contribuir com um outro olhar para este fenómeno, apoiando-nos numa
prática reflexiva que obrigou a encontrar respostas para os problemas
apresentados por quem faz ou usufrui do Turismo. O que esperamos enfatizar são
as dimensões política, cultural e psicológica, presentes nas decisões de quem
detém o poder para criar condições facilitadoras a que o Turismo ocorra, e as
motivações que sustentam as opções de fazer e de usufruir do Turismo, de quem o
alimenta e anima, num quadro de interacções multiculturais que orientam e
condicionam os atributos que os diversos actores em presença associam às
transacções turísticas.
Neste âmbito, sintetizamos a abordagem de Pichault (1998) que pretende
explicar os diversos tipos de jogos de poder que emergem em organizações em
rede, em processos contínuos de negociação e de mudança, nas quais
stakeholders, projecto e parceria são conceitos “chave”. Tal como defende o autor,
a possibilidade de emergirem uns ou outros jogos de poder está associada à
centralização ou à dispersão do poder numa organização, ou num contexto, e ao
tipo de mecanismos de ligação envolvidos (Mintzberg, 1983). Ou seja, o foco está
no grau de autonomia dos actores e nos processos nos quais estes interagem que,
por sua vez, são inerentes aos motivos, atributos ou representações próprios dos
contextos socioculturais de onde estes provêm. Pensamos que, para explicitar este
relacionamento simbólico dos vários actores em presença, materializado pela
transacção efectiva de produtos numa base negocial, poderemos apoiar-nos no
modelo político de organizações em rede, nos quais as fronteiras são pouco
convencionais e aparecem cada vez mais permeáveis, porque os vários actores
PARADIGMAS E PARADOXOS
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organizacionais externos desempenham um papel com uma intervenção crescente,
nos processos de mudança internos (Pichault, 1998). Para este autor, ao contrário
do que defendem outros e sobre as organizações em rede, que salientam a
confiança mútua, a cooperação e o ultrapassar de conflitos como uma das
características indissociáveis desses sistemas, os sistemas sem limites não evitam
os jogos de poder. Estes permanecem e são assumidos como intrínsecos a
qualquer acordo organizacional. É a intervenção e o papel crescente, múltiplo e
simultâneo dos vários intervenientes que direcciona e afecta o modo como os jogos
de poder se desenvolvem, como promovem mudanças e como se organizam num
sistema em rede.
O modelo proposto é estruturado em torno de duas variáveis principais: a
natureza dos mecanismos de ligação (mais ou menos formais) e o tipo de parceria
negociada (parceria panóptica ou política). A utilização do termo panóptica decorre
do conceito de Bentham, proposto no século XVIII (Gonçalves, 1993), sendo mais
tarde retomado por Foucault (1975), quando este se inspira no modelo estrutural de
sistemas prisionais, no qual todas as áreas são vigiadas e controladas, conduzindo
à emergência de sentimentos de poder e de segurança máxima.
No entanto, a estrutura híbrida das organizações em rede, devido à
coexistência de projectos e estruturas múltiplas, gera uma situação mais complexa
na qual os jogos de poder podem assumir, a qualquer momento, várias formas e
tipologias consoante os acordos específicos negociados em cada projecto
individual. Tal diversidade pode levar à justaposição de princípios de mudança
divergentes e desafia a equipa principal (em particular os executivos) a planear
novos meios de gerir os indivíduos dentro das organizações modernas.
Muitas das análises políticas nas organizações focam, principalmente,
sistemas limitados (bounded systems) nos quais os diferentes stakeholders, e as
suas estratégias, podem ser identificados de forma mais ou menos clara. Mas
importa salientar como um ponto de vista político sobre mudança organizacional
também é apropriado a um contexto caracterizado pelo aparecimento de sistemas
não limitados (unbounded system), construídos em torno do uso de tecnologias em
rede e que combinam diferentes tipo de mecanismos de coordenação/ligação com
diversas categorias (hybridization process). Este trabalho centra-se nas novas
formas de organização do trabalho, sistemas sem limites ou organizações em rede,
e procurou compreender o papel dos processos políticos nestes sistemas
(Mintzberg, 1979).
PARADIGMAS E PARADOXOS
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
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O modelo político tem sido aplicado a uma grande diversidade de ambientes
organizacionais: empresariais, mecanicistas, missionários, profissionais ou
configurações adhocráticas (Mintzberg, 1983). No entanto, estes contextos,
tradicionalmente, têm sido abordados como sistemas fechados e limitados, pelo
que os stakeholders e as suas estratégias de poder podem ser facilmente
percebidos. Mas, compreender os processos de poder em sistemas abertos, exige
estudar as relações de poder que se estabelecem nas negociações entre os
diferentes actores organizacionais externos, que são bem diferentes das que
emergem nas relações hierárquicas da organização. Numa estrutura híbrida, e na
qual a intervenção do cliente é cada vez maior, os jogos de poder são diferentes
dos que usualmente se encontram num processo de mudança organizacional,
dependendo não só da categoria dos mecanismos de ligação inter-unidade (dentro
de uma dada organização) mas, também, do tipo de parceria estabelecida com o
cliente. Assim, o modelo de estrutura organizacional orientada para e por projectos
pode ser uma estratégia para satisfazer de forma mais eficaz as diversas
necessidades dos clientes.
Quando o tipo de parceria é visto como uma submissão estrita e directa aos
desejos/necessidades do cliente, os operadores tendem a escolher o jogo da saída
(Hirschman, 1970). Segundo esta tipologia, um actor que não concorda com um
dado contexto político pode adoptar três atitudes basicamente diferentes: saída,
militância (voz) ou submissão à autoridade (lealdade). Quando os operadores estão
muito dependentes da necessidade de satisfazer as exigências dos clientes tendem
a jogar o jogo da saída ou seja, procurarem outra colocação no mercado num
espaço de dois, três anos, usando o que aprenderam como um trunfo. Quando os
operadores têm tanta autonomia (reforçada pelo sistema de parceria) que até
podem alterar alguns procedimentos de forma a gerirem os interesses dos vários
intervenientes no processo, mesmo que façam parte de uma organização muito
estruturada, sentem-se mais inclinados a jogar o jogo da voz ou o da militância que,
na realidade, contribui para a consolidação dos projectos, sendo feitos
ajustamentos constantes entre os operadores e os clientes, dada a autonomia de
gestão do processo de que gozam os primeiros.
Para Grenier e Metes (1992), Hammer e Champy (1998), Handy (1995),
Savage (1990) e Schrage (1990) as organizações em rede caracterizam-se pela
confiança mútua, cooperação e co-associação e não pela competição entre
interesses opostos, como foi largamente defendido. Mas, o modelo político de
PARADIGMAS E PARADOXOS
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organizações em rede que aqui se salienta inspira-se em Pichault (1993) e na sua
distinção entre o Princípio da Perpetuação e o Princípio da Inovação. O Princípio da
Perpetuação expressa os comportamentos de “saída” (jogo de poder de saída)
observados no boicote, auto-reforma, práticas clandestinas, mau uso de infra-
estruturas, entre outros. O Princípio de Inovação salienta os jogos de poder da
“voz” e militância, caracterizado pelo empenho forte e pessoal, a busca de perfeição
profissional, auto-afirmação, entre outros.
Pichault (1998), ao introduzir as variáveis categoria dos mecanismos de
ligação inter-unidade e o tipo de parceria definido, considera que esta visão sobre
os jogos de poder e o seu reflexo na emergência de uma ou de outra tendência
(Princípio) na organização, tem de ser repensado. Para Pfeffer (1981, pág.87)
quando o poder é muito concentrado, os outros participantes no sistema têm pouca
aptidão ou motivação para entrar na competição pelo controlo, o que provoca
conflitos visíveis.
A actividade política é observada, sobretudo, quando o poder é distribuído de
uma forma mais igualitária. Por outras palavras, a reacção dos participantes será
diferente se o processo de tomar decisões for centralizado, pois, se a influência de
um grupo for muito forte e conseguirem impor as suas decisões, os outros tenderão
a resistir através do jogo de saída, embora nem sempre tal aconteça. Se o poder é
largamente difundido e as decisões resultam do jogo entre os vários actores
organizacionais, então estes tendem a praticar o jogo da voz (militância) gerando
elevados níveis de envolvimento pessoal. Neste contexto podemos dizer que o
Princípio da perpetuação é mais aplicável a sistemas de poder centralizado,
enquanto o Princípio da inovação é mais fácil de observar em sistemas de poder
disperso, tal como nos sistemas em rede. Contudo, em ambos os casos,
observaremos jogos de poder mais ou menos intensos entre os diferentes grupos
de stakeholders, embora a natureza e o significado de tais jogos possa variar,
notavelmente, consoante a categoria dos mecanismos de ligação envolvidos, ou
seja, os binómios centralização/autonomia, dimensão/amplitude e
especialização/diferenciação (Mintzberg, 1979).
Uma outra dimensão tem de ser tida em conta quando se estudam os
processos de poder numa organização em rede: o equilíbrio obtido entre os
objectivos heterogéneos das diferentes unidades envolvidas e o tipo de parceria
negociada entre os parceiros. Se este equilíbrio estiver a contribuir para a
manutenção ou reforço da identidade autónoma de cada unidade parceira, estamos
PARADIGMAS E PARADOXOS
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perante uma parceria política. Se, pelo contrário, esta conciliação reflecte,
principalmente, os interesses de um dos stakeholders, estamos perante uma
parceria panóptica, na qual um dos grupos de interesses vai tentar manter o
controlo dos outros e do desenrolar dos acontecimentos. Daí que procurámos
salientar a distinção proposta por Pichault (1995). Esta distancia-se do conceito
usual de parceria inter-organizacional em que a transparência e a confiança são
vistos como valores “chave” (Miles e Snow, 1986; Paché e Paraponaris, 1993).
Uma visão política nas parcerias de mercado insiste na divergência de interesses
necessária entre os vários actores envolvidos (Pfeffer e Salancik, 1978). Desta
forma, falar de confiança mútua pode parecer uma ilusão; ou um dos parceiros tem
sucesso na imposição do seu ponto de vista ou é estabelecido um compromisso,
necessariamente temporário, entre os diferentes stakeholders (Hart e Saunders,
1977). Uma vez mais, ambas as situações geram múltiplas e simultâneas
negociações, dado que diferentes tipos de parcerias podem ser negociados com
diferentes parceiros. O que importa clarificar nestes processos são essencialmente
duas variáveis:
1) o tipo de mecanismos de ligações estabelecidas entre parceiros
externos (clientes, fornecedores, etc.) e a unidade local considerada;
2) o tipo de envolvente na qual são negociadas as relações, as
trocas, as transacções comerciais.
O modelo de mudança que daqui resulta é flexível e mobiliza em simultâneo
abordagens políticas e contingenciais, levando, em alguns contextos, a situações
de fracasso e, noutros, a arranjos estruturais diferentes. Este modelo sustentado na
Perpetuação e Dissidência (no qual os jogos de poder levam a um fracasso relativo
na medida em que os actores organizacionais tendem a procurar outras
oportunidades) e Incrementalismo e Inovação (nos quais os conflitos podem
contribuir para a renovação dos processos e do trabalho corrente), permite
perceber por que razão a gestão política de sistemas ilimitados, organizados em
rede, tem sido algo esquecido, dado o carácter múltiplo, por vezes antagónico e de
difícil controlo que o mesmo encerra.
PARADIGMAS E PARADOXOS
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2.6 CONCLUSÃO
Por fim, e em síntese, salientamos que a inovação e a criatividade
organizacional enfatizam a capacidade de as organizações interagirem, mudarem e
responderem à crescente competitividade à escala global, quando procuram apoio
no avanço tecnológico e em modelos de liderança que facilitam a gestão do
ambiente externo (Chemers, 1997).
Se o ponto de partida deste trabalho foi a relação negocial inerente ao
Turismo, concretizada pela transacção de produtos que representam a
materialização de representações e símbolos, ancorada numa multiplicidade de
factores sociais e culturais, muito mais complexas do que as presentes na relação
tradicional produtor – cliente, então a explicitação deste conceito não poderá ser
realizada considerando apenas as dimensões que usualmente lhe são
reconhecidas. As dimensões económica, psicológica, antropológica e social, apesar
de serem as mais estudadas, traduzem, no nosso ponto de vista, uma visão
fragmentada do Turismo, porque não realçam a complexidade deste conceito
patente nos processos políticos das organizações em rede. Estas sobressaem, são
visíveis ou considerados referências consoante os jogos de poder os confirmam ou
os dissimulam (anulam), contribuindo para a emergência de uma outra dimensão: a
política/marca.
Figura1: Dimensões Presentes no Estudo do Turismo (formulação própria).
Económica
Lazer
Geográfica
Planeamento
Antropológica
Cultura
Social
Desenvolvimento
Política
Marca
Stakeholders
O pentágono de conexões que emerge desta relação negocial em sistemas
sem limites, nos quais os actores organizacionais externos determinam e
condicionam o percurso do desenvolvimento do Turismo, num dado território, é o
PARADIGMAS E PARADOXOS
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que parece ser, em nossa opinião, o cerne da questão e o fulcral na abordagem do
conceito Turismo. Porque os discursos dos stakeholders, e a sua capacidade de
influência, não são simplesmente uma “maneira de ver”, nem uma maneira de falar
das coisas. São sempre embebidos de práticas sociais, psicológicas e políticas, que
reproduzem uma determinada “maneira de ver” como sendo a verdadeira. Ou seja,
os discursos podem ser concebidos como um conjunto de ideias e de práticas
condicionados pelo relato dos próprios e pela sua acção sobre um determinado
fenómeno e um acontecimento específico. Neste contexto, este trabalho procura
centrar-se nas novas formas organizacionais, sistemas sem limites ou organizações
em rede, e compreender o papel dos processos políticos nestes sistemas através
da “voz” dos stakeholders, que interagem no Turismo. É esta a problemática que
será abordada no capítulo seguinte.
NEGOCIAÇÃO E ALIANÇAS ESTRATÉGICAS
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3. NEGOCIAÇÃO E ALIANÇAS ESTRATÉGICAS
3.1 INTRODUÇÃO
O tema central deste capítulo, sem pretender ser uma revisão conceptual
exaustiva ou decorrer de uma investigação na qual o rigor metodológico é o foco
prioritário, enquadra-se numa reflexão que acompanha o percurso profissional
realizado, primeiro no âmbito do desenvolvimento social e organizacional, mais
tarde no contexto do Turismo, que versa a necessidade de as organizações e as
populações se mobilizarem, como forma de se motivarem na realização de
projectos de desenvolvimento, cujos resultados conduzam a ganhos comuns e
individuais.
Frequentemente, os agentes turísticos têm de operar no meio de
organizações complexas, com regras e procedimentos relativamente padronizados,
que dificultam a gestão de relações e oportunidades de negócio que emergem em
contextos informais, próprios das iniciativas das populações ao nível local. No
entanto, o Turismo é considerado um vector estruturante do desenvolvimento
económico e social a nível mundial, devido à capacidade de mobilização e de
realização, tanto de grandes empreendimentos internacionais, como de pequenos
projectos e negócios a nível local e periférico. É esta característica distintiva que
confere a este sector de actividade condições e vantagens competitivas na
utilização de estruturas em rede, para a gestão de produtos e destinos agregados
(Breda, 2004; Costa, 2007), porque facilitam e viabilizam o acesso ao conhecimento
e à informação, a recursos, mercados e tecnologias que, usualmente, só são
acessíveis a quem já tem e detém o poder e os meios para lhes aceder. Outro
aspecto importante prende-se com a crescente exigência do consumidor turístico,
para o qual a organização dos destinos em rede abriu e aumentou a diversidade e a
sofisticação da oferta (Gray, 1996). Mas a organização em rede não é consensual e
nem sempre os estudos realizados realçam as suas vantagens competitivas de
forma inequívoca. Neste âmbito é importante clarificar os domínios e os contextos
nos quais as redes e as parcerias constituem alternativas vantajosas e
complementares das estruturas já existentes (Franco, 2010). A reflexão sobre este
tema direcciona-nos para a extensão da sociedade do conhecimento a outras
formas de organização social, entre a qual a laboral, recolocando a ética no centro
das relações interpessoais. As redes e as ligações em rede promovem e ajudam a
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mobilização de agrupamentos informais de pessoas ou de organizações,
combinando procedimentos e “formas de fazer”, que agilizam e potenciam a
concretização de projectos e actividades. Quanto mais explícito se conseguir ser
sobre as ligações em rede e o papel de cada um dos actores envolvidos, mais
eficaz se poderá ser na gestão das mesmas, na medida em que os resultados
produzidos no seio destes agrupamentos são percebidos como mais próximos dos
objectivos e dos interesses das comunidades, seja ao nível económico (emprego),
seja ao nível social (desenvolvimento). Ao colocarmos o foco nas dinâmicas e nos
processos de transformação social, remetemos para segundo plano a perspectiva
de desenvolvimento económico alinhada com o PIB e salientamos a visão de
desenvolvimento pautada pela qualidade de vida, traduzida no equilíbrio entre a
vida pessoal e o trabalho. Desta forma, podemos equacionar as redes como um
complemento das organizações convencionais, podendo funcionar como uma
alternativa aos sistemas formais e, por vezes, asfixiantes da “burocracia”. As redes
e as organizações em rede podem existir tanto à margem como no seio das
organizações, podendo ser fundamentais na gestão e transferência de
conhecimento e na optimização de recursos partilhados entre estas, constituindo-se
como uma estratégia de superação dos recursos limitados ou sectoriais de cada
uma das entidades envolvidas, especialmente se os problemas em causa são
originados por múltiplas variáveis e exigem, por isso, soluções multi-especializadas,
tais como os de sustentabilidade ambiental (Franco, 2010).
Colocando a questão de uma forma simples, uma rede pode assemelhar-se a
uma lista de contactos pessoais, uma espécie de agenda com a identificação das
pessoas envolvidas ou, pelo contrário, pode ser algo mais complexo e estruturado,
com associados ou membros que definem actividades, partilham informação, e têm
poder para tomar e fazer cumprir as suas decisões. Contudo, mesmo estas
estruturas devem caracterizar-se por um sistema em rede que as distinga das
ligações observadas nas organizações convencionais. As redes mais comuns
assemelham-se pelo objectivo que preconizam, ou seja, criar emprego, gerar
riqueza e promover o desenvolvimento. No entanto, podem distinguir-se pelo tipo
de transacções que estabelecem entre os seus membros, sendo possível identificar
três tipos de redes: pessoais, informais e formais. As características destes tipos de
redes são facilmente visualizadas na forma como estas operam, situando-se,
normalmente, algures num ponto intermédio entre as redes pessoais e as formais,
dependendo, em grande parte, das características dos grupos e das organizações
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que as integram. O tema central desta reflexão prende-se com a análise de qual o
tipo de rede mais eficaz ou de quais as características dos seus membros mais
relevantes, na dinamização com sucesso de projectos capazes de gerarem o
desenvolvimento das comunidades e dos territórios. Dito de outro modo, não só é
necessário identificar quais os parceiros mais eficazes para os objectivos que se
pretendem alcançar, como se afigura fundamental compreender a cultura e as
dinâmicas sociais dos países, dos territórios ou das comunidades associadas em
rede. Putnam (2000) propõe a distinção entre place-based communities e interest-
based communities na qual as aproximações e as alianças podem emergir por
proximidade territorial ou por consonância de interesses ou de assuntos,
independente da formalização da estrutura que as sustenta. No entanto, as
facilidades comunicacionais permitem-nos entender a necessidade de afirmação
dos novos sistemas horizontais, embora a cultura ocidental tenha dificuldade de se
desligar das estruturas verticais e hierarquizadas, nos quais a determinação da
autoridade é inquestionável. Em suma, todo este processo é complexo e remete
para domínios paradoxais e contraditórios, porque nos obriga a repensar novas
formas de articulação social, económica e política, em que as alianças, parcerias e
redes poderão apresentar-se com contornos bastante diversos, dada a
multiplicidade de factores que as desencadeiam. Todos assistimos ao resultado de
parcerias entre o poder político e o poder empresarial que, mesmo quando
conduzem aos resultados desejados, nem sempre desencadeiam as “boas”
políticas sociais. Estas nem sempre conseguem constituir-se como força
agregadora suficientemente motivadora para fazer evoluir os acordos pontuais,
apelidados normalmente de parcerias, para verdadeiras estruturas de cooperação
em rede.
3.2 ALIANÇAS ESTRATÉGICAS: redes e parcerias
A palavra rede tem na sua natureza ou na sua base uma complexidade
curiosa. Rede permite recolher. Permite reunir meios de sobrevivência e permite
juntar esforços; também é um meio usado nos sistemas informáticos (ligados em
rede), porque permite compilar informação e partilhar conhecimentos.
Estamos perante uma sociedade de informação, na qual emergem novas
formas de poder. Neste contexto, ter poder poderá ser ter conhecimento criado
pelas informações recolhidas entre todos e postas ao serviço do bem comum.
NEGOCIAÇÃO E ALIANÇAS ESTRATÉGICAS
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Todas as intervenções que sejam concretizadas segundo uma metodologia
de rede resultam, a maior parte das vezes, num trabalho profícuo em prol do bem-
estar global e sustentam-se na ideia de que todos somos necessários, sejam
entidades empresariais, sociais, políticas, educativas ou outras. Nesta perspectiva
de complementaridade de papéis, de contributos e de responsabilidades, emergem
as redes, enquanto organização do tecido socioeconómico de uma comunidade, na
procura de soluções específicas e adequadas a cada meio, através da
rentabilização dos recursos existentes. A revisão da literatura salienta uma visão
algo consensual sobre este conceito, realçando variáveis tais como: relacionamento
e partilha de poder, trabalho conjunto em prol de objectivos comuns e troca de
informação capaz de gerar um pensamento estratégico, porque se apoiam numa
reflexão cooperante (Kernagham, 1993). No entanto, esta definição de rede e
parceria é frequentemente apelidada de “romântica” ou “ingénua”, pois os estudos
empíricos nem sempre salientam, e por vezes até contrariam, os resultados e os
benefícios que os defensores das estruturas em rede proclamam. Se
considerarmos como “verdadeiras” estas duas perspectivas encontramo-nos
perante uma aparente impossibilidade, traduzida na adopção de uma em
detrimento da outra, ainda que os discursos dominantes que surgem na defesa de
uma delas possam oscilar ao longo do tempo. É possível que a competição a que
se assiste na tentativa de legitimar, credibilizar ou até provar a “veracidade” de uma
tese em detrimento da outra, reflicta o âmago e a essência das estruturas em rede.
Certamente mais do que falar de cooperação, tal como já foi aflorado no primeiro
capítulo deste trabalho, seja importante centrar a atenção na competição e, mais do
que realçar a partilha, seja relevante explicitar os interesses e os “ganhos” que cada
participante pretende alcançar, quando se associa e participa neste modelo
organizativo.
Há muitas formas de emergirem as redes. Por vezes, elas vão nascendo a
partir das necessidades e das motivações de pessoas e de grupos locais,
sustentadas na preocupação em encontrar soluções para os problemas e em definir
uma estratégia comum de intervenção. Contudo, todas estas dinâmicas locais
podem ser articuladas e integradas numa estrutura mais global e globalizante, que
permita ir mais longe no diagnóstico social, reorganizando as iniciativas existentes
num novo design de intervenção, mais estruturado, no qual se redefinem as
prioridades e os recursos a afectar, sejam eles locais, nacionais ou internacionais.
NEGOCIAÇÃO E ALIANÇAS ESTRATÉGICAS
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Esta nova estrutura não inibe nem impede o normal funcionamento de outras
iniciativas que estejam em curso, mas potencia a articulação e implementação de
propostas de intervenção nas quais a metodologia de partilha e de conjugação de
esforços só resulta se existir a vontade individual de querer fazer aliada ao
dinamismo institucional que permita fazer.
Uma das questões essenciais sobre o funcionamento das redes prende-se
com o objectivo no seio do qual elas se formalizam. A negociação dos diferentes
interesses dos vários parceiros envolvidos, a delimitação difícil do espaço que cada
um ocupa e no qual cada um vai poder intervir e até onde o vai poder fazer, são
processos bastante complexos porque, de facto, estão subjacentes ao que para
cada um faz sentido, permitindo tantos equívocos como o número de intervenientes
e de participantes em presença. Nem sempre o que está em jogo é percebido da
mesma forma aos olhos dos que estão envolvidos. Assim, gostaríamos de realçar
que a problemática das redes e parcerias vai mais longe do que a mera
optimização dos recursos do meio. O seu principal objectivo é o de permitir às
entidades e às pessoas, além de equacionarem soluções para desafios concretos,
conseguirem que os diferentes stakeholders aceitem, se envolvam e assumam
como seus os projectos em causa. Este desafio poderá ter tanto mais sucesso
quanto mais próximos estiverem os resultados alcançados, a inovação conseguida,
e o reconhecimento do prestígio daí recorrente das políticas propostas; e, também,
se estas reflectirem e corresponderem aos interesses e às expectativas das
populações (Chapman, 1998).
As redes podem emergir tendo em vista a concretização de uma
multiplicidade simultânea de objectivos. Consoante o seu propósito, também difere
o tipo de rede que mais se lhe adequa. Quando o foco se centra na negociação de
acordos tácitos ou implícitos, essenciais à recolha e partilha de informação,
mobilização de apoios e à explicitação e resolução de conflitos, que possam
condicionar o êxito do projecto em causa, as redes pessoais afiguram-se como
bastantes eficazes, dada a proximidade e facilidade de contactos entre os
membros, que facilitam a abordagem sistémica necessária ao sucesso comum.
Todavia, uma das particularidades das redes pessoais é o facto de a ligação
estabelecida se sustentar nas relações dos participantes, no conhecimento e em
vivências anteriores e na sua adesão voluntária. Esta ligação pode ser motivada
pela percepção dos benefícios que cada um consegue alcançar, seja em termos
pessoais, seja em termos profissionais, pela modificação das coligações
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dominantes devido a novas interligações nas relações de poder e de confiança e
pela intuição de alguns de que sozinhos não possuem os recursos suficientes para
a concretização eficaz de determinadas actividades. Daí que, uma rede informal,
seja usualmente organizada visando dar corpo a uma acção de forma rápida, eficaz
e com o maior consenso possível entre os diversos actores. Riege, Perry e Go
(2001) explicitam esta ideia ao sistematizarem um conjunto de razões para se
formarem redes e parcerias, embora a questão da negociação de interesses dos
diferentes participantes se mantenha, designadamente:
a) redução de custos e de riscos de investimento inerentes à
presença em mercados altamente competitivos;
b) aumento da capacidade de aceder a mercados internacionais e
optimização de fluxos e de canais de escoamento dos produtos;
c) acesso a conhecimento e informação útil no incremento das
aptidões de influência e de poder.
Neste contexto, podemos afirmar que as redes e parcerias podem constituir
um sistema eficaz quando permite organizar um sector muito competitivo em torno
de três grandes eixos:
a) gestão do marketing;
b) gestão de recursos;
c) gestão do conhecimento.
Spink (1999) ainda explicita mais esta problemática, organizando os possíveis
factores de sucesso das redes e parcerias em diferentes níveis, ou seja, ao nível da
gestão estratégica e ao nível da gestão operacional. No primeiro devemos dirigir a
nossa atenção para variáveis como: visão, objectivos estratégicos, planeamento,
liderança, gestão participada. No segundo, o foco coloca-se no desenho dos
processos, na eficácia dos meios e estratégia de comunicação, no empowerment e
no commitment. Mas não podemos esquecer que a competitividade do mercado
constitui, per si, um factor muito motivador do desenvolvimento de estruturas em
rede, já que encontramos organizações que apesar de competirem entre si se
associam para actuar nos mesmos mercados. No entanto, estas ligações são mais
raras e pontuais e emergem quando o mercado de destino é altamente competitivo.
Exemplos desta controvérsia são as parcerias público-privadas. Estas surgem
quando o sector público detém o conhecimento e o poder para intervir em
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determinados mercados mas não possuiu os recursos nem a capacidade técnica
para o fazer. Para Linder (1999) o que as justifica é o alinhamento de objectivos e
de recursos sustentado nos interesses dos diversos stakeholders. Contudo, estes
projectos são apresentados, usualmente, como o resultado de um processo de
negociação apoiado na confiança, na partilha de investimentos, de recursos, de
responsabilidades e de lucros. Todavia, não é esta a realidade que observamos,
seja através dos estudos empíricos, seja nas notícias diárias que nos relatam os
resultados e os desvios ao inicialmente negociado, na concretização de projectos
sustentados neste modelo organizacional. Então deverá ser questionado o tipo de
relação negocial estabelecida e se o foco é, de facto, a cooperação, confiança e
partilha de interesses, ou se, como já foi abordado na primeira parte deste trabalho,
a divergência de motivações dos vários stakeholders e os interesses individuais que
estes pretendem alcançar. Podemos equacionar esta problemática através de um
novo olhar, se assumirmos que as redes e parcerias devem seguir um processo de
gestão estratégica tão eficaz como aquele que se exige a organizações
considerados casos de sucesso em diferentes sectores muito competitivos. A
concretização dos objectivos estratégicos, através de um processo de planeamento
e de avaliação sistemática porque apoiado num modelo de liderança forte, mas
participada, torna-se essencial. Por outro lado, a riqueza das redes está associada,
em grande medida, ao facto de os seus membros aderirem a um objectivo
específico e delimitado no tempo e na acção; e poderem actuar nesta nova
estrutura libertos de constrangimentos políticos, laborais, legais, sociais, ou outros,
que as organizações convencionais, às quais pertencem, lhes colocam no dia-a-dia.
Esta rede informal inicial, cumprida a sua tarefa, pode dissolver-se ou dar lugar a
algo mais formal e duradouro. Para isso é necessário que os elementos que a
integram partilhem o empenho comum no êxito da mesma, ainda que as
motivações individuais para a sua perenidade sejam, e sê-lo-ão certamente,
diferentes. O desafio coloca-se no método de clarificação das motivações
individuais que permita salientar a reciprocidade ou o antagonismo de interesses,
mais do que os interesses comuns em presença, e que possibilite estabilizar os
resultados alcançados num determinado território, no médio e longo prazo.
As redes inter-organizacionais podem constituir uma alternativa às exigências
que se colocam no desenvolvimento dos territórios, pela multiplicidade de respostas
que as mesmas permitem encontrar, bem como pela optimização das motivações e
recursos dos diversos stakeholders envolvidos. Esta nova forma de organização da
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sociedade poderá ter um papel muito importante na mudança de atitudes, na
percepção da envolvente e no incremento de aptidões de comunicação e de
resolução de problemas em conjunto (Chisholm, 1996; Foster-Fishman, 2001).
Principalmente se potenciar o desenvolvimento social e económico das
comunidades, promovendo encontros ou debates facilitadores de uma reflexão
discursiva, capaz de aumentar a compreensibilidade sobre os factores associados e
que condicionam estas problemáticas. Contudo, esta estrutura é particularmente
sensível em dois grandes domínios: liderança e gestão de redes. Estes dois
conceitos são fundamentais na medida em que o tipo de gestão adoptado pode
levar, ou não, à estabilização do desenvolvimento, pelos fenómenos que permite
desencadear, nomeadamente: efeitos de expansão (efeitos multiplicadores),
aumento da tolerância (múltiplos modos de fazer) e incremento da confiança
(negociação de interesses divergentes).
A idealização de estruturas em rede surge no século XX como uma forma de
organização social alternativa, muito próxima da metodologia de investigação-
acção, ou como outros autores preferem ciência-acção, capaz de optimizar o
processo de pesquisa e de optimização da informação (Chisholm, 1993), resultando
em intervenções e actividades mais eficazes, porque percebidas como mais
adequadas pelas populações ou contextos a quem se destinam.
Outro conceito que importa referir é o de Governança, pela ênfase que coloca
na gestão de um dado território ou serviço público segundo os princípios da
economia de mercado, no qual a cooperação entre os actores locais se revela
fundamental para o êxito da mesma (Neault, 2004). Uma ideia-chave é a
transparência e abertura na circulação de informação entre os diferentes parceiros
e um processo comunicacional intenso que assegure a compreensão por todos das
várias ideias em jogo. Um aspecto fulcral é a importância da participação activa na
partilha de políticas, estratégias e programas, sem a qual não é possível
estabelecer os laços de confiança fundamentais para que a mesma ocorra. Mas,
para tal, é necessário clarificar o papel de cada um dos parceiros, bem como
explicitar de forma detalhada e rigorosa as responsabilidades de cada um. Só
assim, defende a autora, se alcançará a eficácia desejada com as estratégias,
programas ou políticas definidas, na medida em que os objectivos que as
sustentam sejam claramente definidos e alvo de processos de avaliação e de
monitorização sistemática, não só dos resultados, mas mais importante, dos
impactos futuros. Dito de outra forma, o foco não é a avaliação dos outputs, mas,
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principalmente, dos outcomes. A coerência conseguida na gestão equilibrada das
variáveis enunciadas contribui para a sobrevivência das redes e parcerias, porque
permite a compreensão clara por todos do que está em jogo, seja do que lhes é
exigido, seja aquilo que poderão ganhar.
Um argumento que justifica o aparecimento das redes é a crescente
interdependência entre as organizações, grupos e pessoas (Aldrich & Whelten,
1981; Powell, 1990), decorrente e paralela à complexificação da envolvente e
crescente visibilidade da turbulência que muitas organizações têm de enfrentar
(Emery & Trist, 1965). Problemas como desemprego ou precariedade no trabalho,
qualidade da educação, desenvolvimento comunitário, concorrência e
competitividade à escala global, resultam em realidades complexas e, apesar de
revelarem diferentes expressões, encerram as mesmas preocupações a nível
mundial. Reflectem-se em rápidas mudanças e alterações da estrutura e das
“regras do jogo” a nível social, que exigem enquadramentos e soluções
diversificados, para os quais, muitas vezes, as organizações não possuem a
suficiente agilidade para responder em tempo útil. Assim, podemos afirmar que as
redes, enquanto estrutura social fortalecida por tipos de relacionamentos
específicos (Jay, 1964), poderão oferecer e devolver às comunidades a capacidade
de encontrarem respostas ajustadas às culturas locais, capazes de resolverem e
anteciparem problemas, porque combinam dois modelos organizacionais,
designadamente:
a) teoria dos sistemas, segundo Ashby (1956), que defende que as
organizações devem conter em si mesmas toda a variedade
capaz de combinar com a diversidade do meio ambiente;
b) teoria das organizações, segundo Lawrence e Lorsch (1969), que
salientam a necessidade de o design e a estrutura interna das
organizações reflectir a complexidade da envolvente.
As redes fornecem um modelo de composição social e organizacional
bastante eficaz para desenhar, conceber, implementar, gerir e desenvolver esforços
em torno da resolução de situações muito complexas (Chisholm, 1996; Robyn,
2004). Este autor defende que podemos identificar diferentes níveis na organização
de redes: o nível inter-grupal, o nível interdepartamental e o nível inter-
organizacional ou meta-organizacional. A abrangência e o tipo de relação que
perseguem permitem-nos identificar o tipo de rede em presença; dito de outro
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modo, é a expansão territorial e o objectivo que lhes dá origem que explica o tipo e
o modo de funcionamento de uma rede, como se estes dois factores
condicionassem e orientassem o tipo de cultura que emerge nestas estruturas.
Já foi referido que as redes se podem formar em torno de diferentes
objectivos. Para Chisholm (1996) estes sistematizam-se em:
a) troca de informação entre entidades;
b) permuta de produtos ou serviços entre entidades;
c) confronto de expectativas sustentadas no conteúdo normativo das
características sociais dos membros;
d) envolvimento dos membros da rede nos mecanismos de poder
político, social e económico, capaz de legitimar o aparecimento de novas
estruturas socioeconómicas, ou, pelo menos, optimizar as existentes;
e) emergência de estratégias ao nível meta-organizacional que
constituam possíveis soluções e respostas a problemas a que,
individualmente, as organizações não conseguem responder.
Figura 2: Factores de Sucesso na Gestão de Redes e Parcerias
(adaptado de Franco, 2010).
No entanto, são vários os constrangimentos que se colocam ao
funcionamento das comunidades em rede. Compreende-se a dificuldade de estas
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estruturas emergirem espontaneamente e manterem-se, apesar de serem
consideradas pelos diversos autores como uma alternativa eficaz aos modelos de
funcionamento mais tradicionais. A sua análise pode-nos sugerir algumas
respostas:
a) os membros que integram espontaneamente as redes representam
organizações muito diversas, seja quanto à sua localização, seja
quanto aos fins que prosseguem. Por vezes, são as estruturas
regionais que sentem a necessidade de se associar em rede,
visando a resolução de problemas locais, mas não têm nem o poder,
nem a autonomia, para decidir sobre o tipo de medidas a
implementar, nem possuem os meios que lhe é necessário alocar;
b) a adesão à rede é voluntária. Este aspecto sugere um
constrangimento paradoxal porque, se num primeiro olhar poderá
sugerir algo positivo, por outro lado, reforça a questão já focada da
dependência na tomada de decisão;
c) os membros das redes tendem a encontrar-se pontualmente, não
existindo um modelo hierárquico vertical, ou seja, não faz sentido
uma relação de superior subordinado, pelo que, o modelo de
liderança presente nas redes assume-se como uma variável
particularmente sensível e condicionante do seu sucesso;
c) a participação dos membros acontece baseada nos interesses de
cada um e no tipo de contribuições que estão dispostos a dar;
d) a tomada de decisões tem de ter em conta os objectivos gerais e
particulares das organizações membro, assim como os objectivos
específicos dos grupos e dos indivíduos envolvidos no processo
(Brown, 1987);
e) a organização em rede é auto-controlada, sendo a sua eficácia
observada no conjunto de actividades desenvolvidas, resultando
esta, essencialmente, da forma e do tipo de interacções que os
membros desencadeiam entre si.
Outros autores, dos quais destacamos Kim (2005), são ainda mais explícitos
na operacionalização dos custos e benefícios das redes e parcerias, principalmente
aquelas que se formalizam entre stakeholders públicos e privados. Dos principais
benefícios salientam:
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a) redução de custos individuais, principalmente os que estão
relacionados com a implementação e manutenção dos projectos;
b) partilha de riscos entre diversos parceiros com alargamentos de
prazos não previstos, muitas vezes associados à resolução de
questões ambientais não identificadas, entre outros;
c) através de maior eficiência na execução dos projectos associada,
também, a maiores e mais favoráveis condições de financiamento,
criação de emprego e estimulação da economia em geral;
d) a promoção da inovação, optimizando a qualidade de prestação de
serviço.
No entanto os riscos deste tipo de organização social são vários (Kim, 2005):
a) a perda de controlo do poder político na tomada de decisão sobre o
tipo e a natureza de serviços prestados;
b) o custo para os utilizadores;
c) a menor preparação das estruturas políticas para encetar este tipo de
negociações, especialmente se os parceiros envolvidos representam
grupos económicos competitivos, levando, por vezes, à adopção de
medidas sociais, económicas ou outras que podem contrariar as
opções ao nível da regulamentação e das políticas públicas;
d) as estruturas governamentais tiram menos benefícios quando
existem poucos parceiros com conhecimentos especializados
necessários à formalização de coligações;
e) menor capacidade de os governos seleccionarem os diferentes
parceiros de forma imparcial, devido às forças de pressão que
exercem os diferentes stakeholders.
Chisholm (1995) considera que o desenvolvimento da rede se pode processar
através do método action-research, envolvendo ciclos de diagnóstico, planeamento,
implementação, recolha e análise de informação, avaliação e novas propostas de
acção. Este método tenta actuar em duas variáveis em simultâneo: gerar
conhecimento sobre o tecido social (investigar); tentar modificar essa realidade
(intervir/agir). Pretende-se promover um tecido social disponível para aprender com
as experiências, esperando que a partilha conjunta dos êxitos e dos
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constrangimentos facilite o aprender a aprender. Este processo pode ser facilitado
se o cruzamento de informação for enriquecido com os resultados da avaliação das
acções e da pesquisa de nova informação e salientar o conjunto das modificações
resultantes do esforço de implantação de propostas conjuntas, (Pasmore &
Friedlander, 1982; Susman & Evered, 1978). Neste contexto, poder-se-á criar um
verdadeiro sentimento de aprendizagem nos diferentes membros da rede, desde
que se consiga desencadear um sentimento de confiança em cada um, pela
percepção da prossecução em conjunto dos interesses das diferentes coligações.
Contudo, para desencadear um relacionamento positivo entre os membros,
motivador da realização de projectos em conjunto e da partilha dos saberes e
experiências de cada um é fundamental que os vários participantes na rede a
encarem como uma plataforma de acção colaboradora e não como uma panaceia
ou solução milagrosa para os problemas do foro comunitário (Chisholm, 1996).
Esta atitude torna-se viável quando os parceiros percepcionam o processo de
tomada de decisão como algo que ocorre num clima de confiança, reforçada pelo
interesse de cada um viabilizar soluções de interesse comunitário. Neste contexto,
uma rede multi-organizacional procura dar resposta aos interesses da comunidade,
de forma integrada e global, dependendo a sua eficácia da capacidade de cada
membro se descentrar dos meros objectivos organizacionais ou pessoais e passar
a encarar a perspectiva do “todo”. Uma estratégia possível para fomentar esta
atitude nos diferentes membros poderá estar associada à capacidade da rede
organizar conferências ou encontros de discussão aberta sobre temáticas de
interesse comuns aos vários parceiros, como forma de desenvolver aptidões de
comunicação e de confronto de ideias em grupo, fundamentais à tomada de
decisão e à procura de soluções consensuais pela negociação. Esta ideia poderá
ser útil à criação de mecanismos de união e de coesão grupal (Denis, 2001;
Halbesleben, 2007), bem como ao aumento de conhecimento pela reflexão dos
pressupostos teóricos que permitem compreender os problemas sociais.
De igual importância é a identificação das atitudes e a percepção de pertença
a uma meta-organização, direccionada para a resolução de meta-problemas,
apoiada na divulgação de projectos bem sucedidos, como forma de incrementar a
auto-estima e o orgulho no trabalho desenvolvido. Reconhecer o prestígio e criar
condições em que cada um possa retirar notoriedade é uma estratégia inicial,
motivadora do aparecimento de laços associativos. Um outro problema se coloca: a
animação e o desenvolvimento das redes. Este constitui um dos pontos mais
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sensíveis desta problemática e que aponta para uma estratégia concertada entre a
capacidade de imprimir e organizar o conhecimento aliado a técnicas específicas de
dinâmica de grupos e de gestão da componente política da eficácia. Leva à
aceitação e valorização da presença de diferentes coligações com interesses
divergentes. Só assim se poderão desenvolver projectos com designs adequados
aos meios e às populações para os quais se dirigem.
Liderar, gerir, definir objectivos e avaliar são funções que exigem capacidade
técnica e que poderão ser desenvolvidas por uma equipa de projecto, funcionando
com características muito próximas das dos grupos semi-autónomos, em que a
avaliação do seu trabalho não é baseada em regras ou horários, mas sim em
prazos e objectivos. As relações que se estabelecem nestas equipas não são as
tradicionais baseadas na hierarquia, mas as que resultam dos laços de confiança e
da partilha de valores. Esta equipa de projecto pode surgir nas instituições a partir
do líder da mesma, no seio de um grupo de técnicos ou em regime de consultoria.
Seja qual for o caminho escolhido é certo que a elevada qualificação das equipas
associada à autonomia do trabalho são factores essenciais ao seu êxito.
A procura de soluções convencionais e inovadoras adequadas à
complexidade dos problemas com que nos deparamos, não pode ser conseguida
com estratégias tradicionais. O que se realça é a necessidade de compreender os
processos e os mecanismos que mantêm os problemas, como se potencia a
descoberta de novos métodos de trabalho e como se motivam os membros para
novos modos de pensar e de agir (ainda que estas iniciativas passem por um
período experimental), enquanto veículo facilitador da aprendizagem colectiva e da
mudança. A organização em rede, neste contexto, deverá incorporar e projectar a
imagem e os valores do sistema em que se insere (Nowell, 2009). Outro factor
fundamental para a existência da rede é a crença da necessidade desta estrutura
como parte de uma solução integrada e acima das possibilidades de intervenção
isolada das organizações. Só esta crença em soluções multivariadas para
problemas multifacetados e a confiança na contribuição e na necessidade da
presença e dos conhecimentos de todos, pelo envolvimento activo de cada um,
poderão permitir a integração deste novo sistema. Um ambiente fortalecido por
estes mecanismos dá lugar a contextos mais enriquecidos que ajudam a melhorar
as possibilidades do sucesso individual e organizacional, bem como conduzem a
uma gestão mais eficiente dos recursos. Para tal acontecer é necessário que as
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populações compreendam e adiram à implementação das políticas de
desenvolvimento (Chisholm, 1996).
Figura 3: Desenvolvimento de uma Estrutura em Rede (formulação própria).
3.3 REDES E PARCERIAS NO TURISMO
Por tudo o que referimos se enaltece e se compreende que os grandes desafios
que se colocam ao Turismo estão associados ao desenvolvimento de modelos de
gestão capazes de articularem de forma harmoniosa a coerência, a participação e a
responsabilidade a nível meta-organizacional ou comunitário. De facto, o grande
número de stakeholders envolvidos na definição de destinos e produtos turísticos,
bem como a sua diversidade cultural, territorial, natureza jurídica, dimensão,
capacidade de influência e de pressão é tão vasta que se torna difícil manter uma
imagem de congruência em produtos e destinos que são, por vezes, definidos,
realizados e utilizados a uma escala mundial. Daí que seja necessário clarificar a
dimensão territorial da parceria ou rede que se pretende dinamizar (internacional
nacional, regional ou local), de forma a seleccionar o tipo de estrutura horizontal que
mais se lhe adequa, bem como os domínios passíveis de serem alvo de intervenção.
Todavia é, usualmente, a concepção económica de desenvolvimento que predomina
como argumento e força motora do investimento que o poder político ou os grandes
grupos empresariais privados colocam na realização e gestão de projectos turísticos.
A criação de emprego é, muitas vezes, o “slogan” promocional que mais “vende”
determinados investimentos em certas regiões e o que abrange, de forma mais
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alargada o consenso das populações. Por isso consegue despoletar nestes os níveis
de participação e de adesão necessários à implementação dos projectos propostos.
Promover o desenvolvimento económico, a nível meta-organizacional, implica o
envolvimento activo das estruturas governamentais, já que esta dimensão exige ser
acompanhada de medidas e de políticas sociais, educativas e ambientais
fundamentais à emergência de dinâmicas que favoreçam e facilitem o aparecimento
de estruturas empresariais geradoras de emprego.
Jackson e Murphy (2002) defendem que os governos identificaram o Turismo
como o sector de actividade com mais potencial para concretizar este objectivo,
porque pode constituir uma alternativa aos sectores mais tradicionais da economia.
Atribuem-lhe a capacidade de gerar riqueza, seja qual for o nível a que as iniciativas
ocorram: nacional, regional ou local. No entanto, a necessidade de produzir destinos
territoriais integrados leva à construção de bases de poder regional ou local que, ainda
que sejam extensões do poder governamental, obriga à negociação do poder de
influência político nacional (Ben, 1998). Este é um aspecto crucial na dificuldade em
gerir e animar estruturas em rede, pois a competitividade no mercado turístico mundial
exige a adopção de estratégicas de atracção de clientes globais, para o qual é
fundamental um papel activo e integrado entre fornecedores, empresas, populações
locais e estruturas governamentais (Erkus-Öztürk, 2009). Todos estes stakeholders se
sentem atraídos pelas facilidades financeiras e legais que os governos poderão
atribuir a determinados investimentos, integrando-os nas suas políticas
governamentais, mas não estão dispostos a abdicar da sua autonomia no que
respeita a decisões que impliquem a defesa dos interesses intrínsecos de cada
organização ou do grupo de pressão em jogo. O equilíbrio entre a resistência que
estes grupos tendem a fazer à influência e às orientações governamentais e a
vontade dos governos em que as facilidades concedidas sejam aplicadas de forma
“politicamente desejável” leva a processos de negociação contínuos entre o poder
formal e o poder das partes interessadas, perdendo-se de vista, por vezes, o objectivo
central, ou seja, o aumento da competitividade do sector.
O cerne desta problemática coloca-se na energia dispendida na luta pela gestão
e condução autónoma dos projectos por cada um dos stakeholders, o que torna actual
a necessidade da definição do modelo de liderança mais eficaz nestes contextos. Do
lado governamental, a preocupação centra-se na manutenção de poder, de forma a
garantir que o apoio concedido é aplicado naquilo que é “suposto ser”. No entanto,
não pode impor um conjunto de estratégias de gestão operacional a aplicar
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internamente nas organizações parceiras. Por outro lado, as organizações aderentes
rejeitam qualquer interferência na sua gestão interna, mas pretendem alcançar os
apoios cedidos pelos governos, pois estão conscientes de que de forma autónoma
não têm nem recursos, nem legitimidade, nem capacidade de influência para aceder e
concretizar determinados projectos. É o encontro do espaço disponível de negociação
que resulta da intersecção entre a manutenção de poder por parte do governo e a
preservação da autonomia por parte das organizações, que permitirá formalizar redes
e parcerias com relativo sucesso. Um estudo realizado pela Organização Mundial de
Turismo (UNWTO, 2003), realça a cooperação entre as várias partes envolvidas nos
sectores público e privado, considerada fundamental para o aumento da
competitividade desta actividade. No entanto, é necessário ter em conta que o
“intervalo” disponível para a cooperação coincide com o que é considerado livre para
ser negociado, e só isto está vago para ser usado na construção de potenciais bases
de poder. Só o que é comum às políticas governamentais, à estratégia das
organizações participantes e aos recursos disponíveis, e que esteja alinhado com os
desafios e tendências do sector, deve constituir o foco da negociação na formalização
de redes e parcerias em Turismo.
Figura 4: Negociação de Redes e Parcerias em Turismo (formulação própria).
Recursos
Disponíveis
Um destino turístico pode ser considerado a combinação de produtos, serviços
e experiências, dentro de uma área geográfica definida que permita a análise e
monitorização do impacto do Turismo, apoiada num modelo de gestão da oferta e da
procura capaz de maximizar os benefícios das partes interessadas (Buhalis, 2000). A
junção de várias organizações em rede tem consequências na cultura e na estratégia
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de cada uma, não se podendo dissociar as decisões e os caminhos assumidos pela
parceria das decisões e opções de gestão intra-organizacionais. Este é um ponto de
conflito na gestão de redes e parcerias, principalmente se os diversos stakeholders
em presença possuem e fazem uso de igual, ou aproximada, capacidade de
influência.
Aos governos falta o poder formal para conduzir as decisões dentro das
organizações, que, na sua perspectiva, asseguram que as políticas definidas estão a
ser concretizadas, sendo tentado a exercer influência directa. Esta visualiza-se no
papel de facilitador da negociação e de aproximação de diferentes intervenientes no
processo, bem como no de responsável pelo planeamento e concepção do modelo de
aliança adequado. Observamos que a atitude normativa das estruturas
governamentais na implementação de redes e parcerias conduz a um reforço da
influência das suas bases de poder local e a um esvaziamento do poder das outras
estruturas envolvidas. Esta realidade gera resistências nas organizações parceiras,
bem como potencia a emergência de estratégias implícitas suficientemente fortes
capazes de reforçarem a sua zona de influência sem que, de forma formal ou
explícita, fique ameaçado o processo negocial e o acesso aos recursos.
Figura 5: Padrões de Influência na Construção de Redes e Parcerias
(adaptado de Ben, 1998)
Roberts e Simpson (2000) defendem que a teoria dos stakeholders (Freeman &
McVea (2000) poderá contribuir para a formalização de estruturas em rede no
Turismo, já que o seu lado normativo, quando aplicado ao planeamento turístico,
conduz à cooperação entre os intervenientes fundamentais a este processo, porque
permite a coordenação e a concretização dos interesses individuais. Para clarificar as
funções e reponsabilidades que cabem tanto ao poder político como às empresas, aos
actores locais e a outros representantes da sociedade civil, a Organização Mundial de
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Turismo propõe a sistematização desta problemática (UNWTO, 2002). O Quadro 1
agrupa os principais factores que permitirão oferecer produtos turísticos de qualidade,
porque permitem superar as expectativas do consumidor garantindo a emergência de
destinos competitivos e sustentáveis (Buhalis, 2000).
Sector Público Sector Privado
Ter uma visão, uma estratégia para o Turismo. Compreender a envolvente social no que respeita à sua
estrutura governamental e comunitária.
Promover uma envolvente favorável ao desenvolvimento
do Turismo, permitindo sustentabilidade e lucro ao sector
privado, oferecendo facilidades de financiamento aos
investimentos.
Desenvolver competências e usá-las no acesso a
facilidades de financiamento que contribuam para o
desenvolvimento real de serviços e investimentos
turísticos.
Responsabilizar-se pela existência e manutenção de
infra-estruturas adequadas.
Assumir uma responsabilidade colectiva pela prática e
difusão de padrões éticos, morais e de justiça na indústria
do sector.
Gerar suficientes e adequadas condições de mercado
capazes de estimularem o desenvolvimento sustentado
do Turismo.
Contribuir para a preservação da cultura, das tradições e
do ambiente, promovendo a educação e orientação dos
turistas, como uma directiva fundamental para o
desenvolvimento sustentável do sector.
Proporcionar condições favoráveis e serviços de apoio ao
sector privado, em conjunto com planos de incentivos.
Envolver comunidades locais no desenvolvimento do
Turismo e assegurar que estão satisfeitas com os
benefícios que lhes são direccionados.
Assegurar um quadro legal flexível de regulamentação do
trabalho.
Desenvolver medidas para a formação profissional de
competências de trabalho de forma a alcançar a
excelência na qualidade de serviço.
Assegurar uma regulamentação estável e uma política de
impostos justa.
Cooperar com os governos de maneira a assegurar a
segurança e o bem-estar dos turistas.
Providenciar um modelo de regulação, através da
consulta dos stakeholders, para a protecção dos recursos
naturais, sociais e culturais.
Contribuir para o desenvolvimento da pesquisa e criação
de base de dados estatísticos.
Assegurar o bem-estar das comunidades locais bem
como o bem-estar dos turistas internos ou externos.
Recorrer à tecnologia de forma a aumentar a eficácia das
operações de marketing turístico e de qualidade de
serviço.
Realizar investigação, em cooperação com o sector
privado, produzindo informação útil para a indústria e a
comunidade de investidores sobre tendências de
mercado, de maneira a melhorar a percepção e o
entendimento das mudanças no sector.
Sustentarem as decisões estratégicas na informação
produzida nos diversos estudos.
Quadro 1: Funções e Responsabilidades dos Stakeholders na Formalização de Redes e
Parcerias (adaptado de UNWTO, 2000).
A clarificação de papéis, proposta no Quadro 1, pode ser visualizada na
substituição do poder de influência do governo pelas bases de poder a nível regional
ou local. Mas como assegurar que os bens públicos, tal como os recursos naturais,
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são preservados, colocados ao serviço das populações e das gerações futuras? E
como lidar com as estratégias “não declaradas” dos stakeholders utilizadas no
combate à perda de poder?
Frequentemente os governos tendem a “blindar” as bases de poder
responsáveis pela animação de projectos localizados num dado território,
formalizando-as através de equipas de projecto lideradas por membros das estruturas
governamentais ou da administração púbica, que têm como missão negociar a
condução do projecto segundo um modelo político previamente estabelecido. E, nem
sempre, os líderes destas equipas conseguem conduzir a negociação promovendo a
adesão e entusiasmo dos diversos parceiros aos projectos em causa numa
perspectiva de longo prazo, especialmente quando estamos perante a exploração
turística de recursos naturais (Buhalis, 2000).
Em síntese, podemos afirmar que ao governo cabe a definição de políticas de
desenvolvimento e de sustentabilidade, de formação e de atribuição de recursos.
Também é a entidade reguladora e negociadora, pelo que a imparcialidade e a defesa
do bem comum são obrigações intrínsecas às suas atribuições. As organizações são
responsáveis pela definição de estratégias sustentáveis que conduzam aos resultados
e aos impactos contratualizados, bem como respondem pela utilização dos recursos
que lhes são alocados e pelo bem-estar das populações.
3.4 CONCLUSÃO
A Organização Mundial do Turismo, entidade que resulta de um sistema
organizacional em rede, apresenta os principais objectivos que sustentam e
despoletam a formalização de parcerias. Estes incidem na gestão de produtos, do
marketing, da investigação, da tecnologia, das infra-estruturas, dos recursos humanos
e do financiamento. No entanto, a dimensão e abrangência da parceria, bem como a
identificação dos stakeholders assumem factores críticos de sucesso que não se
podem descurar. Se as parcerias e a organização em rede são consideradas
estratégicas no desenvolvimento do Turismo, porque facilitam o rejuvenescimento dos
destinos e a implicação das comunidades, também se reconhece que a lacuna de
estudos e de sistemas de avaliação da sua eficácia e eficiência gera um sentimento
de alguma desconfiança face aos benefícios das mesmas (Augustyn, 2000). Mais
consensual é a aplicação deste modelo a alianças estratégicas que envolvam
pequenos negócios, de impacto local. Witt (1995) defende que as redes entre diversas
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entidades locais (bases de poder local, hotéis, agências de viagem, restauração, entre
outros) aumentam a competitividade das pequenas empresas, à luz das tendências de
concentração e de internacionalização do Turismo, porque aumentam a qualidade dos
destinos.
Por tudo o que já foi explanado, verifica-se que as redes constituem uma
estrutura complementar para o desenvolvimento estratégico e sustentado do Turismo,
especialmente se retomarmos a ideia inicial da conceptualização deste tema enquanto
relação negocial. Estas visam o aumento da competitividade, a sustentabilidade, a
melhoria da qualidade de serviço e a inovação de produtos e de destinos, bem como a
otpimização dos recursos. No entanto, os seus resultados dependem, em grande
medida, do controlo de factores críticos, tais como:
a) as redes e parcerias devem ser formalizadas através de acordos
simples, mas que integrem os requisitos legais aplicáveis;
b) a definição explícita dos objectivos e das metas a alcançar devem
reflectir claramente os interesses dos stakeholders envolvidos;
c) a identificação do que é comum e passível de negociação deve ser
realçado e constituir a base de apoio para a cooperação;
d) a coordenação horizontal das estruturas em rede obriga à existência
de um sistema de informação eficaz e ao qual todos tenham
acesso;
e) os recursos disponíveis, bem como as regras e responsabilidades
inerentes à sua utilização, devem ser divulgados;
f) as fragilidades e os riscos dos investimentos devem ser conhecidos
por todos os parceiros, independente da sua capacidade de
influência;
g) o modelo de liderança deve permitir a cada membro o exercício da
sua capacidade de influência.
É a gestão equilibrada da informação, do modelo de liderança, do poder e
capacidade de influência e do que é passível de negociação que poderá conduzir à
mudança e inovação necessárias à confirmação destes sistemas organizacionais. A
este propósito, Gélinas e Fortin (1996) consideram que a aproximação que
recentemente se tem vindo a verificar entre mudança, aprendizagem e inovação
organizacionais é estimulante e vem permitir que, do ponto de vista conceptual,
uma certa clarificação possa ser introduzida neste domínio. No mesmo sentido,
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Bonami (1996), ao debruçar-se sobre esta mesma problemática, apresenta uma
contribuição relevante para a clarificação conceptual e para a especificação de
níveis de análise a ter em conta em qualquer intervenção que vise qualificar ou
desenvolver as comunidades e os seus actores. Assim, sustenta ser indispensável
distinguir reforma, de mudança e de inovação, bem como o nível macro, meso ou
micro em que ocorrem as intervenções. A reforma é, em geral, algo que preocupa
ou algo de se ocupa a liderança de topo das organizações e, em particular, o
Governo dos Estados. Trata-se de uma mudança situada a nível macro e cuja
eficácia em muito dependerá da adesão que for capaz de suscitar junto das
diferentes partes envolvidas. As “grandes reformas” são projectadas no topo e os
seus impulsionadores visam “reformar” as organizações e instituições, impelindo-as
a mudar. A maior parte das vezes todo o esforço se reduz ou se concentra em
mudanças legais (as chamadas reformas estruturais, frequentemente, é a isto que
se reduzem) ou declarativas (que se ficam por declarações de princípios e
formulação de orientações), a que os supostos destinatários não aderem nem os
supostos beneficiários chegam a compreender. Daí que o processo não chegue a
despertar o interesse ou o entusiasmo bastante para que os actores nele
envolvidos o transformem num caso de sucesso ou façam da mudança imposta
(“mudar os outros ou os outros que mudem”) uma inovação coroada de êxito. Já as
intervenções situadas a um nível meso e incidindo a maior parte vezes sobre a
componente humana ou social das organizações/regiões (qualificação dos recursos
humanos, desenvolvimento de competências, mudança de comportamentos ou
atitudes), para alcançar os efeitos que se propõem e esses efeitos perdurarem no
tempo, não poderão ignorar as lógicas dos actores em presença nem os seus
comportamentos estratégicos. Estes orientam a sua actuação quotidiana e dão
sentido a uma realidade que se caracteriza por ser opaca e imprevisível. Por fim, a
intervenção a nível micro enfatiza a importância das relações e das interacções e
privilegia uma unidade ou focaliza uma área do sistema. É a este nível que emerge
a inovação de processos.
Gélinas e Fortin (1996) distinguem, ainda, duas perspectivas em confronto e
propõem que se passe a falar de “inovação” e de “enovação” para enfatizar o
contraste entre mudança planeada e mudança emergente. Inovação tem a ver com
a dinâmica de mudança originada no exterior da organização e que acaba por ser
nela inserida; o movimento é do exterior para o interior. Enovação tem a ver com a
dinâmica de mudança que vem do interior. A inovação obedece a uma estratégia de
NEGOCIAÇÃO E ALIANÇAS ESTRATÉGICAS
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
57
mudança planeada e nela o agente de mudança adopta uma concepção causal do
produto, defende a “tecnicidade” das soluções e valoriza a sua qualidade
tecnológica. Por contraste, a enovação insere-se numa estratégia que se apoia e
apoia a mudança emergente, que se centra nos processos de empowerment e que
estabelece uma relação contingente entre os actores e o contexto. Assim, a
resolução de problemas opera a partir de conhecimentos internos; o agente de
mudança adopta uma concepção construtivista ou construcionista dos processos e
valoriza a qualidade contextual.
Os autores não negam que a mudança possa ser planeada e gerida ou que a
mesma não possa obedecer a uma lógica que visa pôr em prática planos de acção
previamente explicitados; salientam a importância e o valor de uma intervenção
atenta à dinâmica complexa das estratégias dos actores. A mudança emergente
resulta da interacção dos actores, mais do que do objectivo dessa interacção. E
perante situações complexas e de contornos pouco definidos, uma intervenção que
não descura estes processos, antes lhes dá o devido realce, os apoia e os
consolida, poderá revelar-se pertinente e facilitadora da aprendizagem
organizacional e comunitária. Mas, para que assim seja, a intervenção tem que ser
colocada noutros termos que não os tradicionais e as relações entre teoria e prática
têm que ser reequacionadas (Gélinas & Fortin, 1996; Yaeger, T. 2006). Para estes
autores, uma intervenção “enovadora” só é viável se assentar em certos
pressupostos e obedecer a alguns princípios. Assim, a intervenção centrada na
emergência não significa ausência de intenção. Parte do reconhecimento de uma
pluralidade de intenções e de interacções e a estratégia que adopta facilita a
aprendizagem e a apropriação por partes dos actores organizacionais activamente
envolvidos no processo. A liderança deverá ser formada para que a sua atenção
seja focalizada na transformação ou confirmação das práticas actuais, em vez de
esperar que a mudança seja um acréscimo resultante da acção de um técnico
contratado no exterior. A explicitação das representações dos participantes, bem
como das “teorias implícitas” que operam na organização ou do saber tácito sobre o
qual repousa a organização e o trabalho que nela é realizado, fazem parte do
processo de intervenção e nele ocupam um lugar de relevo. Os líderes não se
limitam a encomendar uma intervenção, participam e levam a cabo acções
inseridas no projecto, acompanham no terreno as acções empreendidas e o
trabalho projectado. Estes atribuem-se um papel e um objectivo em que a
facilitação e apropriação das aprendizagens, sua integração nos quadros
NEGOCIAÇÃO E ALIANÇAS ESTRATÉGICAS
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
58
conceptuais dos actores organizacionais e sua inserção em práticas quotidianas
renovadas, são primordiais. Para que tal possa ocorrer, importa contextualizar as
redes e parcerias no quadro da “inovação” (facilitam o acesso aos stakeholders de
uma dada região do “que é novo”) e da “enovação” (difundem junto dos
stakeholders de uma dada região o que de “novo já se faz”).
ESTUDO DA OFERTA E DA PROCURA DE FORMAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO SECTOR TURÍSTICO, NA AMÉRICA LATINA
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
59
4. ESTUDO DA OFERTA E DA PROCURA DE FORMAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO SECTOR TURÍSTICO, NA AMÉRICA LATINA
4.1 INTRODUÇÃO
A Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra, no final
de 2008, enquanto membro afiliado da Organização Mundial de Turismo, através da
Certificação do seu curso de Turismo, no Programa de Certificação da UNWTO
Thémis Foundation, foi convidada a apresentar uma proposta para a realização de
um estudo sobre a oferta e a procura de formação dos recursos humanos no sector
do Turismo na América Latina.
Conscientes da necessidade de propiciar o desenvolvimento competitivo dos
destinos turísticos da América Latina, mediante políticas educativas e laborais que
assegurem a disponibilidade de trabalhadores qualificados, os Chefes de Estado
dos Governos Ibero-Americanos decidiram, na Cimeira celebrada em São Salvador
(El Salvador), nos dias 29 a 31 de Outubro de 2008, instruir a SEGIB (Secretaria
Geral Ibero-Americana) que, tal como tinham acordado os Ministros de Turismo na
VIII Conferência Ibero-Americana, realizar com o apoio e a coordenação da
Organização Mundial de Turismo (UNWTO), um estudo sobre a oferta e a procura
de formação dos recursos humanos no sector do Turismo na América Latina.
A Organização Mundial de Turismo (UNWTO), através da UNWTO Thémis
Foundation, lançou este desafio a todas as Instituições de Ensino Superior que, a
nível mundial, se encontram certificadas por esta instituição, tendo seleccionado
seis. A cada uma destas instituições educativas foi atribuído o estudo de uma sub-
região da América Latina, sob a coordenação científica e técnica do Instituto
Politécnico Nacional do México, tal como a seguir se descrimina:
a) Sub-região 1 (México, Cuba e República Dominicana) – Universidade
Anáhuac do México Norte;
b) Sub-região 2 (América Central e Colômbia) – Universidade Externato da
Colômbia;
c) Sub-região 3 (Equador, Venezuela, Bolívia e Chile) – Pontifícia
Universidade Católica do Equador;
d) Sub-região 4 (Peru e Brasil) – Escola Superior de Educação do Instituto
Politécnico de Coimbra, Portugal;
ESTUDO DA OFERTA E DA PROCURA DE FORMAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO SECTOR TURÍSTICO, NA AMÉRICA LATINA
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
60
e) Sub-região 5 (Argentina, Uruguai e Paraguai) – Universidade Politécnica
de Valência, Espanha;
O objectivo desta investigação foi o estudo da oferta e da procura de
formação dos recursos humanos do sector hoteleiro na América Latina, tendo em
conta as perspectivas e os planos de investimento da região, bem como o
desenvolvimento das políticas educativas e laborais. Este trabalho decorreu no
período compreendido entre Janeiro e Julho de 2009 e desenvolveu-se em quatro
fases. A primeira incidiu sobre o diagnóstico no plano económico, laboral, educativo
e turístico dos países em análise. Na segunda fase procedeu-se à caracterização
da situação actual quanto à formação dos recursos humanos em cada país e,
especificamente, no sector hoteleiro, associada a uma análise prospectiva sobre a
tendência da procura de emprego até 2015. A terceira fase incluiu a análise de
casos piloto em cada sub-região e a quarta, e última fase, sintetiza as conclusões e
as recomendações finais.
O relatório final deste estudo foi apresentado na XIX Cimeira de Chefes de
Estado Ibero-Americanos, no final de 2009, na qual se reflectiu sobre a situação
diagnosticada e o posicionamento da procura e da oferta de formação dos recursos
humanos no sector hoteleiro na América Latina.
O estudo empírico que se apresenta neste capítulo centra-se na explicitação
dos resultados obtidos no caso piloto da sub-região 4 – Recife e Região de
Ipojouca, Porto de Galinhas, Brasil -, bem como na importância da relação entre
estes e a problemática analisada nos capítulos anteriores. A recolha e tratamento
de dados do caso analisado no Peru foram da responsabilidade da Universidade de
San Martín de Porres, sob a coordenação do Professor Doutor Henrique Urbano.
4.2 ENQUADRAMENTO DO ESTUDO
O crescimento do sector turístico e o seu contributo para a riqueza nacional é
uma constante em todos os países da América Latina, o que é favorecido pelo
importante património que possuem, destacando-se os recursos naturais, pelo que
é previsível o desenvolvimento sustentado deste sector nos próximos anos. No
entanto, existem diversos factores comuns a todos os países analisados e que
dificultam este modelo de desenvolvimento, dos quais se destacam lacunas no
capital humano e na qualidade de serviço e, principalmente, a menor qualidade e
ESTUDO DA OFERTA E DA PROCURA DE FORMAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO SECTOR TURÍSTICO, NA AMÉRICA LATINA
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
61
diminuta rede de cobertura territorial de infra-estruturas, designadamente, ao nível
das comunicações, infra-estruturas básicas e organização do tecido empresarial.
Se é uma evidência que o Turismo constitui um pilar fundamental no
desenvolvimento das economias Ibero-Americanas, particularmente as que se
encontram em vias de desenvolvimento, também é uma realidade a dificuldade
sentida na formação e captação de recursos humanos qualificados para o sector
hoteleiro, especialmente os que operam nos níveis mais operativos ou intermédios
das organizações.
Importa, assim, contribuir para a criação de conhecimento sobre esta
realidade, capaz de sustentar políticas e as decisões num quadro de
desenvolvimento sustentável, que responda a necessidades actuais e a tendências
futuras, no qual a gestão do conhecimento e a gestão da formação se afirmem
como estratégias de desenvolvimento e de mudança positiva nas entidades do
sector hoteleiro.
São estes os pressupostos que sustentaram a realização deste estudo e
motivaram a equipa de investigadores da Escola Superior de Educação do Instituto
Politécnico de Coimbra a identificar, não só as necessidades de formação dos
recursos humanos do sector hoteleiro do Brasil, através da análise da
documentação disponível, mas, também, a ouvir as “Vozes” dos actores locais,
representativos dos vários sectores de actividade desse país.
Considerando a concorrência dos mercados internacionais, sobretudo de
economias de menor valor acrescentado, numa economia global, o nível de
competitividade das empresas assenta, progressivamente, em factores como o
conhecimento e o capital humano que possuem.
Urge, assim, valorizar e promover nas organizações a disseminação interna
do conhecimento. É aqui que surge o papel da educação e formação, não enquanto
elemento potenciador da aptidão para o exercício de uma tarefa, mas como
mecanismo transformador dessa competência numa mais-valia para a organização
e para o desempenho global do destino.
Constituindo o Turismo um sector em franco crescimento na Ibero-América,
onde se contam destinos com elevadas expectativas, face aos mercados
emergentes, é urgente criar mecanismos que promovam, de uma forma equilibrada,
o desenvolvimento económico e social da região, sustentado em dois grandes
pilares: uma adequada formação dos recursos humanos e um desenvolvimento
baseado em critérios rigorosos de sustentabilidade ambiental.
ESTUDO DA OFERTA E DA PROCURA DE FORMAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO SECTOR TURÍSTICO, NA AMÉRICA LATINA
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
62
O desenvolvimento competitivo dos destinos turísticos da América Latina
deverá apoiar-se na adopção de políticas educativas e laborais que assegurem a
disponibilidade de trabalhadores qualificados. Estas só poderão conduzir aos
resultados esperados se se apoiarem em diagnósticos de necessidades de
formação que cruzem as exigências e os desvios entre a oferta e a procura.
Formação, actualização e/ou reconversão de competências são aspectos
fundamentais ao desenvolvimento sustentável do sector turístico e é o caminho
para empreender culturas de aprendizagem nas organizações que o integram,
nomeadamente no âmbito do sector hoteleiro. Assim se garante também uma
melhor participação das comunidades locais no processo de desenvolvimento
turístico dos destinos, o que pode contribuir para a luta contra a pobreza, entre
outros.
As novas orientações da formação profissional, potenciadoras da difusão do
conhecimento nas organizações alicerçam-se nos seguintes vectores-chave:
a) promoção de competências gerais, técnicas e sociais (e não
apenas qualificações especializadas e técnicas), necessárias à construção
de uma compreensão e visão global dos processos de trabalho, permitindo
uma maior polivalência e mobilidade profissional;
b) flexibilização das estruturas de formação, como resposta às novas
necessidades;
c) reciclagem daqueles cujas competências foram ultrapassadas;
d) promoção do ensino-formação como indutor de mudança e não
apenas de adaptação.
É neste cenário que surgiu a oportunidade de realizar este estudo,
constituindo-se a formação profissional a ferramenta mais acessível para suporte
do desenvolvimento de um novo perfil de colaborador, sensibilizado para a
necessidade de aprendizagem contínua e para o desenvolvimento de competências
ajustadas ao core-business das entidades empregadoras.
Figura 6: Objectivos do Estudo (formulação própria)
ESTUDO DA OFERTA E DA PROCURA DE FORMAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO SECTOR TURÍSTICO, NA AMÉRICA LATINA
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
63
A recolha de informação incidiu sobre a análise dos principais documentos
oficiais e entrevistas a representantes do sector hoteleiro, instituições educativas e
associações públicas e privadas representativas deste domínio de actividade, a
operarem no Brasil.
Figura 7: Design do Estudo (formulação própria)
Sector privado (n=3)
Instituições Educativas (n=2)
Associações do Sector (n=3)
Vozes dos Actores Chave
Análise Documental
Requisitos dos Recursos Humanos
TRADE
2015
A análise documental sobre documentos-chave de diagnóstico, análise e
projecção da actividade Turística, versou os seguintes documentos oficiais:
a) EMBRATUR (2007) “Exigências ao nível dos recursos humanos no
sector turístico”;
b) Ministério da Educação do Brasil (2008) “Plano de Desenvolvimento
da Educação – razões, princípios e programas”.
c) Ministério do Turismo do Brasil (2007 e 2008) “Boletins de
Desempenho Económico do Turismo”;
d) Ministério do Turismo do Brasil (2007) “Plano Estratégico de
Turismo”;
e) Saab (2005). “Considerações sobre o Desenvolvimento do Sector do
Turismo no Brasil”.
f) Suarez, M.A. (2007) “Problemas de expansão espacial do Turismo”;
g) UNWTO (2008) “Turismo en Ibero-América: Panorama Actual”;
ESTUDO DA OFERTA E DA PROCURA DE FORMAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO SECTOR TURÍSTICO, NA AMÉRICA LATINA
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
64
Os dados recolhidos, no primeiro momento de análise documental, foram
tratados segundo técnicas de análise de conteúdo, agrupados em categorias e
subcategorias de Temas ou conteúdos que as explicitam e lhes atribuem sentido.
De seguida, estes dados foram transpostos para bases construídas no
programa informático SPSS (Advanced models 17.0), que integram as variáveis e a
sua frequência, decorrentes das análises anteriores. Privilegiaram-se análises de
correspondência múltipla, visando a extracção das associações mais significativas
intra-variáveis.
Foram considerados para alvo de entrevistas três grupos distintos de actores-
chave que intervém no sector do Turismo, no Brasil, designadamente:
representantes de instituições associativas do sector, representantes de instituições
educativas do sector e gerentes de hotéis, tais como:
a) ABIH – Associação Brasileira da Industria Hoteleira;
b) ABAV – Associação Brasileira de Agentes de Viagens;
c) Associação de Hotéis de Porto de Galinhas (directamente
relacionada com o estudo de caso);
d) ABBTUR – Associação Brasileira de Bacharéis em Turismo;
e) SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial;
f) Hotel Pestana do Rio de Janeiro;
g) EcoResort de Angra dos Reis;
h) ENOTEL – Resort e SPA de Porto de Galinhas.
Realizaram-se oito entrevistas individuais, com cerca de duas horas e meia
cada (Anexo I). Destas entrevistas extraíram-se os requisitos que facilitam ou
inibem o desenvolvimento do Turismo no Brasil, na percepção dos inquiridos, bem
como as estratégias que as unidades Hoteleiras encontram para superar as
dificuldades de contratação de pessoas com formação específica no sector.
A equipa que elaborou este estudo, constituída por docentes do curso de
Turismo da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra, teve
a seguinte composição:
a) Coordenação, Adília Ramos;
b) Investigadora Principal, Susana Lima;
c) Investigadoras, Eugénia Devile e Maria do Rosário Campos;
d) Investigadora/Consultora, Maria do Rosário Mira.
ESTUDO DA OFERTA E DA PROCURA DE FORMAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO SECTOR TURÍSTICO, NA AMÉRICA LATINA
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
65
4.3 ANÁLISE DOCUMENTAL
4.3.1 Análise de Conteúdo
Da análise de conteúdo efectuada aos diversos documentos consultados
sobre o Brasil, emergiu um resultado que merece ser destacado, quer pela
expressão que assume, quer pela particularidade das dimensões que aqui são
identificadas. Considerando que algumas dessas áreas têm directamente que ver
com a análise descritiva já realizada ao longo do estudo, e, ao mesmo tempo,
considerando que o conhecimento aqui gerado e assim explicitado pode facilitar a
tarefa de fundamentação das decisões a tomar, por quem de direito, no plano da
estratégia e do desenvolvimento do Turismo no Brasil, optámos por sistematizar a
informação já referida anteriormente, nos quadros seguintes (Quadros 2 a 8).
Estes quadros indicam a frequência com que ocorre a referência a certos
temas, assim como a representatividade que estes assumem nos documentos
oficiais. Em síntese, os dados recolhidos sugerem uma atenção especial dada às
dimensões económica, política e social do Turismo, bem como às estratégias de
desenvolvimento futuro deste sector de actividade e à necessidade de maior
estruturação dos domínios qualidade/competitividade, formação e gestão integrada
de recursos
Categoria Subcategoria Temas Unidade Registo %
Impacto do Turismo na Economia do País
Sustentabilidade O Turismo é uma actividade estratégica de auto-sustentabilidade 58 36,25
Subtotal 58 36,25
Crédito
Incentivo nas facilidades de crédito e financiamento para o sector turístico 24 15,0
Incentivos financeiros específicos para médias, pequenas e microempresas 24 15,0
Incentivos financeiros para o consumidor final 4 2,5 Subtotal 52 32,5
Investimento
Atracção de investimentos, nacionais e internacionais, para a construção de equipamentos turísticos 13 8,12
O Turismo potencializa a procura interna das economias e teve um forte crescimento nos últimos anos
13 8,12
Subtotal 26 16,25
Divisas
Sector com forte capacidade de gerar divisas 19 11,88 O Turismo possibilita a exportação de bens, sobretudo os não comercializáveis 5 3,12
Subtotal 24 15,0 TOTAL 160 100,0
Quadro 2. Dimensão Económica do Turismo
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Categoria Subcategoria Temas Unidade Registo %
Governança e Modelos de Gestão no Sector do Turismo
Articulação
É necessária uma verdadeira articulação/parcerias entre as Entidades Governamentais e as Entidades da Sociedade Civil (visão compartilhada)
39 25,16
Promover uma participação efectiva do Brasil junto dos Organismos Internacionais de Turismo 12 7,74
Políticas de atracção de ONG’s, criação de reservas e de outras acções amigas do ambiente 10 6,45
Subtotal 61 39,35
Modelo de Gestão
O Turismo é um sector fundamental para o cumprimento das metas definidas pelo Governo, pelo que é necessária uma maior transversalidade entre Ministérios e entre estes e os diversos Órgãos
21 13,55
Promover um Modelo de Gestão descentralizada e a organização dos Municípios em rede 17 10,97
O Desenvolvimento sustentado do sector exige sofisticadas estruturas de Governança
12 7,74
Subtotal 50 32,26
Regulamentação
É necessário proceder à adequação e normalização do enquadramento legal, inovando nas políticas públicas e sociais e nos mecanismos de fiscalização e de regulação
36 23,23
Deverá ser regulamentada a oferta de formação 8 5,16 Subtotal 44 28,39
TOTAL 155 100
Quadro 3. Dimensão Política do Turismo
Categoria Subcategoria Temas Unidade Registo %
Estratégias de Desenvolvimento do Sector do Turismo
Marca
Reforçar a promoção, o marketing e a comercialização do produto turístico brasileiro no mundo (posicionamento da marca)
29 15,93
O Brasil tem de se afirmar no cenário internacional como potencial destino turístico, tendo em vista os seus recursos, potencialidades, diversificação de destinos e produtos apelativos
28 15,38
Estrategicamente deve constituir-se como um pólo de atracção de eventos técnicos, negócios, incentivos e eventos, divulgando a oferta de produtos brasileiros no mercado nacional e internacional
27 14,84
Subtotal 84 46,15
Segmentação
Tem de se definir claramente os segmentos-alvo da actividade turística
24 13,19
Dar prioridade aos mercados sul-americanos de curta distância, em paralelo com o incremento do Turismo nacional
19 10,43
Dar prioridade aos mercados de longa distância com afinidade cultural 16 8,79
Subtotal 59 32,41
Oferta
Promover a articulação de ofertas de lazer com a multiplicidade de recursos, envolvendo as comunidades locais
12 6,59
Deverá captar investidores para as regiões mais remotas em desenvolvimento, promovendo a produção artesanal e dando visibilidade ao interior do país
12 6,59
Aumentar a taxa de permanência de nove para doze dias
5 2,75
Alcançar uma taxa de crescimento de quinze por cento ao ano, resultando na captação de nove milhões de turistas estrangeiros
5 2,75
A fidelização dos turistas passa pela oferta da implementação de cadeias hoteleiras, localizadas em destinos diversificados
5 2,75
Subtotal 39 21,43 TOTAL 182 100
Quadro 4. Dimensão Estratégias Futuras (trade) do Turismo
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Categoria Subcategoria Temas Unidade
Registo %
Impacto do Turismo no desenvolvimento social do país
Desenvolvimento
O Turismo pode reduzir as desigualdades sociais 27 16,77
O Turismo é um sector privilegiado para construir e reforçar a cidadania 27 16,77
O Turismo pode reduzir as desigualdades regionais 16 9,94
Subtotal 70 43,48
Emprego
O Turismo foi e é o sector de actividade que criou e cria mais emprego e emprega pessoal liberto de outros sectores
32 19,87
O Turismo promove uma política coordenada ao nível do emprego e do relançamento da economia 12 7,45
O Turismo é um sector caracterizado fortemente por mão-de-obra intensiva
10 6,21
A criação de postos de trabalho no Turismo exige menos investimento do que outros sectores de actividade
6 3,73
O Turismo é afectado por grande rotatividade nos postos de trabalho 6 3,73
Subtotal 66 40,99
Qualidade de Vida
O Turismo é um sector que promove a saúde e o bem-estar da população, devendo ser democratizado e promovido o acesso ao lazer
17 10,56
Incompatibilidade entre a profissão e a vida familiar 8 4,97 Subtotal 25 15,53
TOTAL 161 100
Quadro 5. Dimensão Social do Turismo
Categoria Subcategoria Temas Unidade Registo %
Qualidade, Competitividade e Certificação de Serviços de Turismo
Monitorizar e Avaliar
Incrementar a qualidade e a competitividade (cultura de avaliação) 50 37,88
Monitorizar de forma sistemática programas e projectos turísticos
41 31,06
Subtotal 91 68,94
Planear
Futuro do Turismo passa por um planeamento estratégico, diferenciado aos vários níveis e a longo prazo
18 13,64
Melhorar o sector produtivo, inovando na forma e no conteúdo das relações produtivas (articulação entre a procura e a oferta)
8 6,06
Gestão do risco e das crises 5 3,78 Subtotal 31 23,48
Benchmarking Promover o Benchmarking 5 3,78 Harmonizar práticas de comercialização dos produtos 5 3,78
Subtotal 10 7,58 TOTAL 132 100
Quadro 6. Dimensão Qualidade/Competitividade do Turismo
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Categoria Subcategoria Temas Unidade
Registo %
Gestão de Recursos Turísticos (naturais, culturais, patrimoniais e físicos)
Recursos Endógenos
Deverá promover uma utilização sustentada de recursos naturais e culturais (certificação ambiental)
35 28,69
O Brasil é considerado um destino único pela sua riqueza natural, cultural e histórica, devendo manter a identidade e a autenticidade da envolvente
30 24,59
O turista é um consumidor não só de produtos turísticos mas de toda a região de destino, o que é especialmente importante nos países em desenvolvimento
8 6,56
Subtotal 73 59,84
Recursos Físicos e Tecnológicos
Existe uma má gestão e necessidade de investimento em infraestruturas básicas e turísticas
26 21,31
Desenvolvimento tecnológico e investigação 15 12,29 O investimento em infraestruturas turísticas tem-se caracterizado muito pelo mono produto 8 6,56
Subtotal 49 40,16 TOTAL 122 100
Quadro 7. Dimensão Recursos do Turismo
Categoria Subcategoria Temas Unidade Registo %
Formação no Sector Turístico
Competências
Programas de Qualificação Profissional e Ambiental 15
Necessidade de formação técnica e em acolhimento, desenvolvendo multi-competências
12
A formação deve ser direccionada para os aspectos sociais e culturais dos destinos, tendo em conta as diferenças regionais
10
Exigências de profissionalismo em responsabilidade, cooperação e acolhimento
10
Desenvolver novos perfis e competências 8
É dada mais importância às competências psico-sociais, culturais e linguísticas do que às de formação específica em Turismo
8
Formas de organização da educação que estimulem a individualização e socialização voltadas para a autonomia
5
Subtotal 68
Público-alvo
É necessário qualificar operacionais e quadros operacionais no sector turístico
13
Necessidade de formação do poder local 12 Elevada taxa de analfabetismo, principalmente nas zonas mais pobres
10
Subtotal 35
Organização
A formação no sector de Turismo exige investimentos de menor vulto do que outros sectores de actividade e é mais ágil no processo de qualificação dos recursos humanos
5
Deverá dar-se uma particular importância às instituições educativas de formação
5
Pouca estruturação das carreiras 5 Educação de qualidade para reduzir as desigualdades regionais e sociais
5
Formação para o desenvolvimento 5 Subtotal 25
TOTAL 128 100
Quadro 8. Dimensão Formação em Turismo
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Gráfico 1. Representatividade das diferentes dimensões do sector turístico,
segundo a análise documental
17,55
15,47
15,37
14,9
12,68
12,3
11,73
0 5 10 15 20
Estratégias
Social
Económica
Política
Qualidade
Formação
Recursos
4.4 ANÁLISE DE CORRESPONDÊNCIAS MÚLTIPLAS
A análise de correspondências múltiplas ou análise da Homogeneidade
(Homals) utilizada para o tratamento quantitativo das variáveis encontradas na
análise de conteúdo, apresentada anteriormente, permite estudar múltiplos
indicadores de forma simultânea e tratar variáveis qualitativas, de forma a averiguar
as várias associações que se estabelecem entre elas, num contexto de
interdependência, a partir de diversas variáveis e categorias.
Numa primeira fase procedeu-se à análise da homogeneidade considerando
seis dimensões associadas ao Turismo – Económica, Política,
Qualidade/Competitividade, Social, Recursos, e Formação, baseada em 182 casos
que atingiu a convergência após sete iterações com um ajustamento de 2.83. As
duas dimensões encontradas revelam um eigenvalue de .76 para a primeira e de
.18 para a segunda. As variáveis que apresentam maior valor discriminativo, ou
seja, revelam uma maior contribuição para o total da variância explicada são as de
Dimensão Política e Dimensão Qualidade/Competitividade. Contudo, todas as
outras apresentam um valor próprio que discrimina na dimensão um, próximo do
valor total encontrado para esta dimensão, pelo que podemos considerar que todas
as variáveis estão associadas (Quadro 9).
ESTUDO DA OFERTA E DA PROCURA DE FORMAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO SECTOR TURÍSTICO, NA AMÉRICA LATINA
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
70
Dimensão % da Variância da
Dimensão 1 1 2
Dimensão Económica ,756 ,219 57.456
Dimensão Política ,793 ,104 60.268
Dimensão Qualidade/Competitividade
,802 ,137 60.952
Dimensão Social ,733 ,228 55.708
Dimensão Recursos ,717 ,211 54.492
Dimensão Formação ,785 ,186 59.660
% of Variance 76,448 18,081
Quadro 9. Análise da Homogeneidade: medidas de descriminação das variáveis
Articulação entre
Entidades Públicas e Privadas
Modelo de Gestão/Govern
ança
Regulamentação e
fiscalização do Sector e da Formação
Monitorizar e avaliar
programas e projectos turísticos
Planear os investimentos, os riscos e as
crises
Promover o
Benchmarking
Articulação entre Entidades Públicas e Privadas
1,000 ,867 ,795 ,710 ,638 ,340
Modelo de Gestão/Governança ,867 1,000 ,917 ,615 ,736 ,392
Regulamentação e fiscalização do Sector e da Formação
,795 ,917 1,000 ,565 ,802 ,427
Monitorizar e avaliar programas e projectos turísticos
,710 ,615 ,565 1,000 ,453 ,241
Planear os investimentos, os riscos e as crises
,638 ,736 ,802 ,453 1,000 ,532
Promover o Benchmarking ,340 ,392 ,427 ,241 ,532 1,000
Quadro 10. Associações entre Subcategorias das Dimensões Política e
Qualidade/Competitividade
A análise integrada dos Quadros 9 e 10 permite-nos concluir o seguinte:
a) quando nos documentos oficiais é referida a componente Política
do sector do Turismo em simultâneo, também é referida a componente
Qualidade/Competitividade;
b) A Articulação entre Entidades Públicas e Privadas é fundamental
para a Monitorização e Avaliação de Programas e Projectos Turísticos;
c) O Modelo de Gestão/Governança deve promover a Articulação
entre Entidades Públicas e Privadas;
d) A Regulamentação e Fiscalização do Sector e da Formação
dependem do Modelo de Gestão/Governança;
e) Planear os Investimentos, os Riscos e as Crises está associado
com Regulamentação e Fiscalização do Sector e da Formação e Modelo
de Gestão/Governança;
ESTUDO DA OFERTA E DA PROCURA DE FORMAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO SECTOR TURÍSTICO, NA AMÉRICA LATINA
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
71
f) Promover o Benchmarking não satura de forma tão discriminativa
como as variáveis anteriores, revelando uma associação fraca intra-
variáveis.
Tentando compreender como as outras dimensões do Turismo se associam,
realizou-se nova análise da homogeneidade considerando quatro dimensões –
Económica, Social, Recursos, e Formação, baseada em 182 casos, que atingiu a
convergência após cinco iterações com um ajustamento de 1.95. As duas
dimensões encontradas revelam um eigenvalue de .75 para a primeira e de .21
para a segunda. Verificou-se que todas as variáveis saturam na primeira dimensão
pelo que, em vez da representação gráfica, se optou por apresentar os valores
próprios de cada uma das variáveis. Verifica-se que a dimensão Económica se
associa com a Social e a componente Formação com a Recursos (Quadro 11).
Dimensão Económica
Dimensão Social
Dimensão Recursos
Dimensão Formação
Dimensão Económica 1,000 ,974 ,529 ,571
Dimensão Social ,974 1,000 ,515 ,556
Dimensão Recursos ,529 ,515 1,000 ,926
Dimensão Formação ,571 ,556 ,926 1,000
Quadro 11. Associações entre Categorias
Turismo é uma estratégia de
auto-sustentabilidade
Facilidades de crédito e
financiamento para o sector
turístico
Sector com forte capacidade de gerar divisas
Atracção de investimento e
desenvolvimento económico
Turismo pode reduzir as
desigualdades e reforçar a cidadania
Sector profissional gerador de emprego
Qualidade de vida e bem-
estar da população
Turismo é uma estratégia de auto-sustentabilidade 1,000 ,925 ,570 ,597 ,865 ,907 ,583
Facilidades de crédito e financiamento para o sector turístico
,925 1,000 ,616 ,645 ,800 ,838 ,631
Sector com forte capacidade de gerar divisas ,570 ,616 1,000 ,955 ,493 ,517 ,977
Atracção de investimento e desenvolvimento económico ,597 ,645 ,955 1,000 ,516 ,541 ,977
Turismo pode reduzir as desigualdades e reforçar a cidadania
,865 ,800 ,493 ,516 1,000 ,954 ,505
Sector profissional gerador de emprego ,907 ,838 ,517 ,541 ,954 1,000 ,529
Qualidade de vida e bem-estar da população ,583 ,631 ,977 ,977 ,505 ,529 1,000
Quadro 12. Associações entre Subcategorias das Dimensões Económica e Social
A análise do Quadro 12 permite afirmar que:
a) O Turismo é uma Estratégia de Auto-sustentabilidade se existirem
Facilidades de Crédito e de Financiamento para o Sector;
ESTUDO DA OFERTA E DA PROCURA DE FORMAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO SECTOR TURÍSTICO, NA AMÉRICA LATINA
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
72
b) Este Sector tem Forte Capacidade de Gerar Divisas se Atrair
Investimento e Promover o Desenvolvimento Económico;
c) O Turismo pode contribuir para Reduzir as Desigualdades Sociais
e Promover a Cidadania se for um Sector capaz de Gerar Emprego;
d) A Qualidade de Vida e Bem-estar da População está associada
com Sector com Forte Capacidade de Gerar Divisas e Atracção de
Investimento e Promoção do Desenvolvimento Económico.
Recursos naturais e culturais
Recursos físicos e tecnológicos
Tipos de competências e perfis formativos
Público-alvo Organização da
formação
Recursos naturais e culturais 1,000 ,742 ,944 ,596 ,488
Recursos físicos e tecnológicos ,742 1,000 ,786 ,804 ,657
Promoção e Marketing do Brasil
,884 ,656 ,834 ,527 ,431
Tipos de competências e perfis formativos
,944 ,786 1,000 ,632 ,517
Público-alvo ,596 ,804 ,632 1,000 ,818
Organização da formação ,488 ,657 ,517 ,818 1,000
Quadro 13.Associações entre Subcategorias das Dimensões Recursos e Formação
A Gestão dos Recursos Naturais e Culturais está associada à necessidade de
desenvolvimento de novas Competências e Perfis Formativos. O desenvolvimento
sustentado de Recursos Físicos e Tecnológicos exige formação da população em
geral e, especificamente, do poder local e de quadros e operacionais que actuam
no sector turístico. O desenvolvimento e a organização da formação devem ter em
conta as necessidades do Público-alvo. Por fim, acresce salientar que as categorias
e subcategorias com maior grau de associação, que foram sendo explicitadas nas
análises anteriores, deverão ser tidas em conta na implementação e
desenvolvimento das Estratégias Futuras (Trade) (Quadro 4), tal como estão
formuladas nos documentos oficiais analisados nesta fase do estudo, ou seja, tanto
no posicionamento da Marca Brasil, como na definição dos Segmentos de mercado
prioritários, bem como na diversificação da Oferta.
4.5 ESTUDO DE CASO
4.5.1 Percepção dos Actores Locais
Na perspectiva dos actores locais entrevistados (três dirigentes de
Associações Representantes do Sector Hoteleiro e dois dirigentes de Entidades de
Formação) há vários factores que contribuem para o sucesso do desenvolvimento
ESTUDO DA OFERTA E DA PROCURA DE FORMAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO SECTOR TURÍSTICO, NA AMÉRICA LATINA
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
73
do Turismo no Brasil, bem como aspectos que interferem ou inibem este
desenvolvimento. As “Vozes” dos Actores Locais foram organizadas em quatro
dimensões que agrupam os requisitos, positivos e negativos, que interferem no
sector. São elas: Modelo de Governança, Dimensão Económica,
Informação/Marketing e Formação, tal como se apresentam nos quadros seguintes.
Modelo de Governança Dimensão Económica
1. A Política para o Turismo está sustentada cientificamente; 2. Foi criado o Ministério do Turismo;3. Ministério do Turismo ainda é pequeno mas é forte e está a trabalhar bem;4. O modelo político proposto para o turismo é sistémico e promove a gestão descentralizada;5. O modelo político promove a responsabilidade e o diálogo com as Entidades;6. As políticas estão bem estruturadas;7. A estrutura política tem vindo a mudar a atitude dos empresários turísticos;8. O Ministério do Turismo tem vindo a desenvolver uma política de segmentação.
1. O Brasil tem de ser pensado ao nível do Município;2. A política de educação definiu o combate ao analfabetismo como prioridade, não havendo investimento na formação em turismo;3. Há um divórcio entre a Política governamental e os empresários;4. O Governo tem de reduzir a burocracia facilitando a captação e os fluxos de mercados de proximidade (eliminar o visto entre países vizinhos);5. Políticas de Governança centralizadas, por vezes desfasadas dos problemas e interesses locais;6. Quem tem de implementar as políticas ou não o faz ou o faz sem ser de forma integrada;7. As políticas estão bem definidas mas ou não são executadas ou são mal implementadas;8. O próprio Governo não acredita no potencial do Turismo apesar de este se encontrar em 4º lugar no PIB.
1. Sector do Turismo em grande evolução;2. Fomento do turismo interno fundamental para o desenvolvimento local e nacional;3. Existem linhas de financiamento e de crédito para o turismo, em diversas áreas;4. A crise económica estimulou o turismo interno;5. Há financiamento para a captação de turistas;6. Há um interesse crescente de investidores internacionais.
1. O acesso a financiamento para projectos é difícil e sujeito a negociação de interesses;2. Os Municípios que têm acesso a financiamento para projectos turísticos não os sabem elaborar;3. A atribuição de financiamento está sujeita a critérios políticos e pouco a critérios técnicos;4. O elevado custo das viagens aéreas internas é uma ameaça ao turismo interno;5. Necessidade de valorização da actividade turística com as populações locais;6. Grande potencial de turismo interno que não está explorado (só cerca de 1º% da população é que viaja);7. Os investimentos previstos para Pernambuco (estaleiros e refinaria) irão resultar num aumento de fluxo turístico e não há recursos humanos formados.
Quadro 14: Requisitos inibidores e de sucesso do Modelo de Governança e
Dimensão Económica.
ESTUDO DA OFERTA E DA PROCURA DE FORMAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO SECTOR TURÍSTICO, NA AMÉRICA LATINA
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
74
Formação Informação/Marketing
1. Os orientadores de estágio nas Entidades de acolhimento avaliam adequadamente a formação destes alunos;2. Há áreas onde a oferta de formação é muito grande e tem qualidade;3. O mercado pressiona o empresário para investir na formação dos seus recursos humanos;4. Os Hotéis têm de formar o seu próprio pessoal;5. Associações do sector promovem cursos tecnológicos de formação para os seus associados;6. Associações do sector elaboram diagnósticos sistemáticos de necessidades de formação dos seus associados;7. Hotéis elaboram os próprios planos de formação e responsabilizam-se pela formação dos seus recursos humanos;8. Entidades hoteleiras estabelecem parcerias com grandes multinacionais da região para desenvolver planos de formação.
1. Quem implementa as políticas no terreno, não tem formação;2. Empresários têm interesse em desvalorizar a formação dos diplomados como estratégia para descer os salários;3. Há necessidade de incrementar o diálogo entre as Entidades formadoras e o mercado empregador, no sentido de alinhar a formação com este mercado;4. Há áreas com grande potencial turístico sem oferta de formação;5. O turismo foi considerado durante muito tempo como um sector para o qual não era necessária formação;6. Concentração das escolas no centro/sul do país;7. A oferta de formação não é suficiente, não cobre todo o país e está muito longe de responder às necessidades de formação, principalmente ao nível dos quadros médios;8. Falta formação de qualidade em todos os níveis;9. Quadros superiores são de fora, o que se traduz em grande rotatividade de pessoal (Ex: Pernambuco);10. Durante anos a formação focalizou-se nos níveis operacionais;11. Há muitos profissionais de turismo sem formação.
1. A segmentação tem sido alvo de muitos estudos;2. A segmentação está bem caracterizada;3. Os públicos-alvo são: terceira idade, negócios, jovens e pessoas com mobilidade reduzida;4. Pernambuco desenvolveu uma grande campanha nacional, devido ao custo do dólar e do euro, incrementando o turismo interno;5. Início do Projecto “Cadastrum” (registo das empresas por área);
1. É fundamental estar cadastrado para poder participar em acções de promoção promovidas pelo Governo (feiras, exposições, etc.);2. O Ministério do Turismo/EMBRATUR têm pouco financiamento para a promoção do Brasil e a que fazem não é suficiente;3. A EMBRATUR promove o Brasil, essencialmente, no sul da Europa (Portugal, Espanha e Itália), por dificuldades financeiras;4. Não há ou não resultou a estratégia de promoção direccionada para o norte da Europa (já tiveram o mercado finlandês e perderam-no);5. É uma necessidade absoluta reconquistar o mercado escandinavo.
Quadro 15: Requisitos inibidores e de sucesso de Formação e
Informação/Marketing.
ESTUDO DA OFERTA E DA PROCURA DE FORMAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO SECTOR TURÍSTICO, NA AMÉRICA LATINA
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
75
Os entrevistados referem, ainda, os grandes problemas que afectam o sector
do Turismo, bem como as oportunidades que se colocam ao Brasil neste domínio.
O equilíbrio entre estas duas questões só poderá ser ultrapassado, na sua opinião,
com a superação das necessidades de formação identificadas. Para tentar colmatar
as necessidades de formação os Empreendimentos Hoteleiros, as Associações
representativas do Sector e as Entidades Formadoras, especialmente as privadas,
responsabilizam-se pela formação dos seus colaboradores, investindo de forma
sistemática nesta área.
Esta problemática parece afectar directamente a forma como os destinos se
vão posicionando ao longo do país e sugere quase uma relação causal entre a
oferta e a qualidade de formação e a segmentação dos mercados. Foi referido
pelos entrevistados que o centro/sul do país, por exemplo, Rio Janeiro, S. Paulo,
Curitiba, Florianópolis e Brasília se destinam a Turismo de negócios, de elites e de
lazer. O Norte e o nordeste, devido à ausência de oferta de formação e à menor
sensibilidade das populações locais para o Turismo, posicionam-se, ainda, para
segmentos de mercado com menor poder financeiro/turismo de massas (Salvador,
Bahia, Manaus, etc.). São Paulo tem desenvolvido bastante o turismo cultural,
apoiado por um nível sociocultural da população mais elevado e uma oferta
formativa mais diversificada e com qualidade.
Na figura 8 apresenta-se uma síntese do que dizem os actores locais sobre o
desenvolvimento do Turismo no Brasil, o que falta fazer, as oportunidades que
importa agarrar e a premência de investimento na formação, sem o qual não será
possível desenvolver de forma sustentada e integrada este sector.
ESTUDO DA OFERTA E DA PROCURA DE FORMAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO SECTOR TURÍSTICO, NA AMÉRICA LATINA
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76
Figura 8: Relação entre Problemas/Oportunidades/Formação (formulação própria)
OPORTUNIDADES
NECESSIDADES DE FORMAÇÃO
1. As políticas estão bem definidas mas ou não são executadas ou são mal implementadas2. Problemas de segurança (droga, prostituição, violência) em locais turísticos3. Problemas de integração racial (xenofobismo, racismo, Favelas)4. Desordem urbana (grandes fluxos de pedintes e sem abrigo que invadem as cidades)5. Cliente interno não sabe consumir turismo. Só está habituado a consumir turismo no estrangeiro6. O turismo interno passa, em grande parte, por operadores clandestinos7. Grandes movimentos excursionistas ao longo de todo o país (detrupação de turismo interno)O grande movimento de excursionistas gera problemas ao nível do ambiente8. Grandes problemas ambientais9. Os destinos turísticos que estão identificados e consolidados têm carências fortes e poucos recursos10. Há diferentes destinos (aventura, montanha, sol e praia, etc.) que precisam de directrizes governamentais muito claras11. O Brasil recebe poucos turistas face às suas potencialidades12. Os Municípios que têm acesso a financiamento para projectos turísticos não os sabem elaborar13. O Brasil é um país pobre, com grande desigualdade social14. Problema grave de infra-estruturas15. O próprio Governo não acredita no potencial do Turismo apesar de este se encontrar em 4º lugar no PIB16. O Caribe é o grande concorrente do Brasil no mercado europeu17. Ausência de uma política agressiva de marketing18. Ausência de planeamento e ordenamento do território (dois bons exemplos são Brasília e Curitiba)19. Os investimentos previstos para Pernambuco (estaleiros e refinaria) irão resultar num aumento de fluxo turístico e não há recursos humanos formados
PRINCIPAIS PROBLEMAS
1. Formação dos operadores privados locais2. Formação dos responsáveis locais do sector3. É necessário integrar conceitos de turismo ou educação cívica na formação básica 4. É necessário criar um eixo de disciplinas relacionadas com a cidadania e educação social, na formação básica5. Os programas de formação em cidadania devem ser desenvolvidos ao nível dos Municípios6. É necessária formação em gestão pública e em concepção de gestão de projectos7. Falta de formação do sector público e privado8. É necessária formação ao nível do planeamento e da estratégia de produtos e destinos9. Formação da população em geral em cultura de serviço10. Grande lacuna é a formação de nível médio e profissionalizante11. Necessidade de formação contínua, de aperfeiçoamento e reciclagem e em novas tecnologias12. Os operadores turísticos e as agências de viagens exigem formação de nível superior13. Conhecimento em novas tecnologias é baixo14. Necessidade de formação em línguas15. A oferta de formação ao nível operativo e intermédio tem qualidade, mas não é suficiente16. Falta de formação em línguas17. Falta de formação em Gestão Hoteleira18. Falta formação dos recursos humanos no Nordeste, ao nível dos operacionais médios 19. A formação de nível superior tem de ser adaptada à especificidade das regiões de forma a garantir a preservação da identidade regional
1. O Brasil tem 3700 Municípios com potencialidades turísticas2. O Brasil tem 300 regiões turísticas3. O Brasil tem 65 destinos indutores internacionais, classificados no programa de competitividade4. O Brasil ainda está no início do processo de reconhecimento das suas potencialidades turísticas5. O turismo de negócios está bem desenvolvido e quase consolidado6. No sul do país existem projectos turísticos atractivos e competitivos, tanto para o turismo interno como externo (gastronomia e enoturismo)7. Está a emergir a consciência de que a herança cultural é um produto turístico atractivo8. Está a emergir a consciência de que a paisagem natural é um produto turístico atractivo9. Desenvolvimento de produtos turísticos internos para a classe média 10. Há uma procura crescente do Brasil por turistas estrangeiros11. Grandes eventos tais como: Olimpíadas militares, Copa 2014 e as Olimpíadas de 201612. Os grandes eventos internacionais vão obrigar ao desenvolvimento das infraestruturas (metro, terminais ferroviários, aeroportos, etc)13. O Brasil tem uma grande diversidade de produtos e destinos, mas que precisam de ser consolidados14. Os operadores precisam de se desenvolver e inovar porque há mercado15. O sector do Turismo é estratégico para o futuro do Brasil16. O Turismo é a única estratégia sustentável para o desenvolvimento do Nordeste17. È necessário todo o tipo de turismo mas com planeamento18. Privatização dos Aeroportos19. O Nordeste tem uma maior diferenciação de produtos do que outras zonas do país (sol e praia, turismo cultural e gastronómico).
ESTUDO DA OFERTA E DA PROCURA DE FORMAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO SECTOR TURÍSTICO, NA AMÉRICA LATINA
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
77
4.5.2 GERENTES DE HOTÉIS – PORTO GALINHAS
Figura 9: Relação entre Problemas e Necessidades de Formação
(formulação própria)
PROBLEMAS NECESSIDADES FORMAÇÃO
1. O sector do Turismo no Brasil ainda é muito incipiente;2. Há graves problemas estruturais (aeroportos, estradas, saneamento básico, estruturas formativas);3. A grande dimensão do Brasil leva à existência de grandes assimetrias;4. A Turismo não foi considerada uma prioridade (o poder político definiu como prioridade o combate à pobreza, ao analfabetismo e saúde);5. Recursos financeiros e humanos são escassos;6. O modelo de governo federativo do Brasil não funciona, porque não há articulação entre os vários níveis de poder;7. Não há uma estratégia planeada no médio e longo prazo;8. A preservação e arranjo da envolvente das Unidades Hoteleiras ficam a cargo dos empresários;9. O problema central é o nível muito baixo de instrução da população10. Graves problemas de segurança;11. É feito pouco Marketing externo e há dificuldade de captar mercados longínquos;12. As Unidades Hoteleiras individuais têm muitas dificuldades de atrair e formar pessoal qualificado;13. No Brasil, e neste sector, há muita falta de pessoal;14. No Brasil há muitos recursos naturais, há um bom clima e há mão-de-obra: falta é a formação;15. Não há uma política de preservação do meio ambiente;16. Os empreendimentos hoteleiros fixam-se em zonas paradisíacas onde não há estruturas de formação;17. Há recursos que são afectados ao nordeste pelo governo federal, mas que não chegam ao destino devido à corrupção;18. Não há voos directos para o norte da Europa;19. O Caribe é o grande concorrente do Brasil face aos mercados europeus, devido ao preço e à segurança;20. Pouca articulação entre universidades e mercado de emprego.
1. As Faculdades e as escolas de Formação Académica Superior de Turismo não formam com a qualidade necessária para o sector;2. Para quadros médios e superiores é difícil contratar pessoas na região;3. È difícil fixar quadros médios e superiores nas Unidades hoteleiras devido á ausência de infra-estruturas (transportes, educação, saúde) nas regiões turísticas;4. Educação para a cidadania e preservação e conservação do bem comum;5. No Nordeste é necessária formação em todos os níveis: operativos, quadros médios e superiores;6. Necessidade de formação em línguas;7. Necessidades de formação em: governanta de andares, empregado de mesa, gerentes de alimentos/bebidas, cozinha, chefes executivos e empregadas de limpeza;8. Grande necessidade de formação em animação. A animação é muito pouco profissional.
Na opinião dos entrevistados, o Turismo é fundamental para o
desenvolvimento do Nordeste mas não há escolas de formação, nem recursos
humanos qualificados aos vários níveis. A única solução é a formação ser dada
pelas próprias entidades, individualmente ou em parceria com grandes empresas
multinacionais que se estabeleçam na zona, e vejam as iniciativas formativas como
uma estratégia na qual elas têm interesse.
ESTUDO DA OFERTA E DA PROCURA DE FORMAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO SECTOR TURÍSTICO, NA AMÉRICA LATINA
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
78
Pernambuco é um destino emergente que começou a desenvolver-se há
pouco tempo, pelo que tem tido algum ordenamento e planeamento no
desenvolvimento integrado do Turismo. Está-se a procurar envolver as populações
locais e a desenvolver a consciência da importância do Turismo para a região,
proporcionando-lhes a possibilidade de obterem uma fonte de rendimento com
várias actividades complementares do sector e tem incrementado uma estratégia
de Marketing direccionada para o turismo interno (Ex: “Vivendo Pernambuco”).
Figura 10: Relação entre Oportunidades e Estratégias Formativas
(formulação própria)
OPORTUNIDADES NECESSIDADES FORMAÇÃO
1. Houve uma mudança quando o Governo considerou o sector do Turismo como prioritário;2. Quando os Municípios consideram o turismo uma prioridade e têm uma visão estratégica para o sector este desenvolve-se na região (Búzios, Curitiba, Nordeste);3. O Brasil tem uma beleza natural imensa;O Brasil não é afectado por catástrofes naturais, terrorismo, etc.;4. O Turismo no Nordeste tem crescido muito;5. Há operadores que têm inovado e aberto o mercado a públicos que antes não viajavam;6. O Sul do Brasil é um caso de sucesso porque tem uma organização e um nível sócio cultural muito mais elevado do que no resto do país;7. Os eventos internacionais que se perspectivam têm obrigado a uma articulação entre as várias entidades governativas, no combate à insegurança no Rio de Janeiro, que já produziu bons resultados. Este exemplo tem de se estender ao resto do país;8. As grandes cadeias hoteleiras, nacionais e internacionais, têm mais facilidade de garantir a permanência e a formação dos seus quadros;9. A Argentina é o grande mercado emergente do Nordeste;10. Já há bastante articulação entre escolas profissionais e o mercado de emprego;11. Há investidores internacionais interessados, mas é preciso segurança e infra-estruturas.
1. Tudo tem de passar pela política: incentivos para formação, incentivos fiscais para a empregabilidade e formação, etc.;2. São as Unidades Hoteleiras que têm de fazer a formação de todo o seu pessoal ou então têm de contratar em outros estados ou no estrangeiro;3. A estratégia mais eficaz é contratar recursos humanos na região e desenvolver uma política continuada de formação;4. As Unidades hoteleiras têm de ter uma estrutura de Gestão de Recursos Humanos muito especializada (recrutamento e selecção, formação, avaliação de desempenho e gestão por objectivos);5. Para as funções operativas as unidades hoteleiras organizam frequentemente cursos de formação, de modo a terem uma base sólida de recrutamento;6. Ao nível dos quadros médio é privilegiada a selecção e promoção de pessoal interno, em paralelo com períodos de formação em exercício;7. É necessário ter uma estratégia de motivação e de reconhecimento interno (prémios) para estimular a vontade de aprender e de desempenhar funções com responsabilidades acrescidas;8. As unidades hoteleiras formalizam protocolos com entidades formativas para acolher estagiários;9. É fundamental desenvolver uma política de 10. Gestão de Recursos Humanos eficaz ao nível da gestão de conflitos;10. O Grupo Pestana criou o “Campus Pestana”, desenvolvendo formação em línguas, novas tecnologias, gestão, etc, privilegiando o e-learning;11. A oferta de lugares de estágio ás entidades formadoras permite negociar reduções de preços na formação do pessoal das unidades Hoteleiras;12. Desenvolvimento de programas internos de motivação e empenhamento para garantir a qualidade de serviço;13. Modelo de gestão por objectivos, com parâmetros e indicadores bem definidos quanto á satisfação do cliente;14. Dão preferência à contratação de pessoas com formação na gestão de recursos humanos.
As dificuldades que se colocam ao sector do Turismo, no Estado de
Pernambuco e na perspectiva dos entrevistados, são semelhantes às já apontadas
ESTUDO DA OFERTA E DA PROCURA DE FORMAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO SECTOR TURÍSTICO, NA AMÉRICA LATINA
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
79
por outros interlocutores, para o Brasil, em geral. O mesmo se passa com as
necessidades de formação e as estratégias seguidas pelas empresas para as
superar. Nas figuras 4 e 5 apresenta-se uma síntese dos discursos referentes a
esta problemática.
4.6 CONCLUSÃO
Apesar de o estudo realizado ter sido mais vasto e visar a caracterização
detalhada do posicionamento dos recursos humanos no sector hoteleiro, na
América Latina, optou-se por salientar os dados recolhidos junto dos actores locais
brasileiros, bem como os que foram analisados através da leitura dos documentos
oficiais. Esta opção deveu-se ao facto de a informação resultar de um trabalho de
campo com o qual os investigadores tiveram contacto directo e pela pertinência dos
conteúdos analisados face à problemática apresentada.
A análise documental realça as dimensões económica, política e social do
Turismo, e a sua articulação com as estratégias de desenvolvimento futuro deste
sector de actividade, como forma de garantir a qualidade/competitividade. Os
resultados enfatizam, ainda, a importância da formação e da gestão integrada de
recursos na prossecução deste objectivo.
De igual modo, os líderes entrevistados reforçam a necessidade de políticas
que promovam a articulação entre entidades do sector, o investimento em infra-
estruturas e o incremento do marketing como estratégias capazes de potenciarem a
capacidade competitiva do país, enquanto destino turístico. Mais uma vez, as
temáticas da formação e das facilidades de financiamento ao investimento
constituem recursos essenciais, segundo os participantes, para o desenvolvimento
do sector.
O que se afigura como algo consensual, na leitura integrada dos resultados
do estudo, é a inter-relação entre o desenvolvimento do sector turístico e a
promoção de uma articulação harmonizada entre todos os actores que nele
intervém, segundo o modelo de parcerias ou de outras formas de associação, a
diferentes níveis e âmbitos de intervenção.
CONCLUSÕES 81
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
5. CONCLUSÕES
Para concluir, propomo-nos fazer um balanço do trabalho realizado,
especificando o que conseguimos, o que com isso aprendemos, como articulamos
o que foi sendo feito ao longo do percurso efectuado, o que importa reter do esforço
empreendido, o que é agora possível acrescentar e o que representa isso como
contributo, quer em termos da investigação, quer em termos da acção ou
intervenção.
O ponto de que partimos, o rumo que traçámos e a meta a que nos
propusemos chegar são importantes para este balanço final. Não é que o fim, o que
ainda queremos fazer, o que permanece em aberto e o que resta aprender não
sejam igualmente importantes. O futuro e o que está para além da meta é sempre
gratificante, assim como o olhar prospectivo é atractivo e desafiante. Contudo, o
olhar retrospectivo com que introduzimos o presente trabalho regressa para ajudar
a concluir. Não é tanto um olhar para trás; será mais um olhar pelo retrovisor, à
semelhança do que ocorre com quem anda ao volante e quer avançar; os
movimentos que faz não são de quem está parado mas de quem sabe que tem que
mexer e olhar para perceber o que se passa em redor, para decidir o que fazer e
reparar nos efeitos do que faz, e, sem perder de vista o fim a que quer chegar, abrir
caminho e andar.
Serve esta introdução para salientar que partimos de uma prática (de
intervenção), ou seja, de um sítio um pouco afastado do lugar em que é mais
comum iniciar-se um trajecto conducente a uma investigação.
Se quer entender, tente mudar; o conhecimento dissociado da acção não faz
sentido; perante o que está a acontecer, tenho algo a dizer e vou fazê-lo. Weick
(1995) deu alguns passos por esse caminho e vislumbrou outras saídas,
acrescentando-lhe valor: como posso mudar, agir ou intervir, se não souber quais
os efeitos do que faço?; como posso saber, se não mexer e não perceber ou se não
der um sentido ao que faço?; que acontece ao que eu faço (que sentido lhe
atribuem)? Colocámos mais perguntas. E se nos apoiássemos no apreço por uma
linha de pensamento que faz da acção positiva e de tudo o mais que há de positivo
um ponto forte e um ponto de partida? Sendo que, para tal, é imprescindível haver
um líder com um projecto e com visão, que saiba rodear-se de conhecimento e o
saiba gerir, assim como saiba tirar partido do que existe, identificando boas
práticas, consolidando-as e apoiando-se nelas para operar as mudanças que
CONCLUSÕES 82
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
entende serem necessárias e desejáveis. Esta vontade de partir do que existe, de
nele querer intervir para o melhorar, de o confrontar com o conhecimento ou sobre
ele agir de forma informada, encontra uma pista e uma orientação para se exprimir
e progredir. Com efeito, o profissional que intervém e que reflecte sobre a sua
prática de intervenção, que gera conhecimento e o partilha, que o confronta com a
realidade sobre a qual se debruça e com isso aprende, que publica e se expõe, e
que em todo este percurso assume riscos, age pensando, redefine, reformula e
acrescenta valor ao conhecimento disponível, submetendo à avaliação pública dos
pares o seu contributo, aproxima-se do ponto de partida e aponta um caminho a
trilhar.
O percurso efectuado permitiu avançar na clarificação conceptual, assim
como contribuiu para gerar conhecimento, orientar uma escolha e conferir-lhe
sentido. Permitiu ainda, como era esperado, reflectir sobre a prática e enriquecê-la,
proporcionando-lhe pontos de ancoragem e de referência.
O contributo que representa o trabalho realizado, quer em termos da
investigação, quer em termos de intervenção, foi sendo explicitado ao longo do
texto aqui apresentado. A opção efectuada, que procurámos fundamentar no
capítulo dedicado à explicitação de redes e parcerias, conduziu-nos a uma
abordagem do Turismo que, situando-a no prolongamento dessas alianças
estratégicas, pensamos ter vindo a enriquecê-la e a aprofundá-la, acrescentando-
lhe valor. A análise do case study ilustra e evidencia essa abordagem.
Para concluir, sintetizamos os resultados e articulamos os conceitos que
entretanto fomos apresentando e desenvolvendo. Concluir sobre o que se realizou
e apresentar de forma resumida o sentido da investigação implica criar um
momento no presente, entre a descoberta do passado e do futuro, que justificou o
projecto realizado.
A relação específica que emerge nos contextos turísticos, de deslumbramento
com o mundo, no âmbito de uma transacção comercial, conduz a processos
contínuos de explicitação de sentido entre os intervenientes, num movimento de
adesão ou de rejeição, frequentemente animado por intensas emoções, suscitadas
pelo enredo que nasce da negociação entre a compra e a venda de produtos e de
símbolos. É este lado paradoxal, não explícito, e até confuso, da relação que se
estabelece nos processos turísticos que se pretendeu realçar. Este aspecto é
visível na importância atribuída à abordagem política do Turismo, constituindo esta
o ponto de partida da sua capacidade competitiva. A revisão da literatura e o estudo
CONCLUSÕES 83
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
apresentado permitem-nos afirmar que esta perspectiva atravessa o Turismo ao
longo do tempo, do espaço e das culturas. Assim, assegurar a partilha e a
manutenção do poder pelas coligações dominantes, mantendo a estabilidade das
forças de pressão e protegendo-as de efeitos surpresa na negociação dos habituais
interesses em jogo, parece ser algo crucial na abordagem dos processos turísticos.
Também é importante dar atenção aos procedimentos, cuidando para que estes
não ameacem as coligações dominantes, nem baralhem os habituais jogos de
interesse, em que se sabe, à partida, ou é bastante previsível quem ganha e quem
perde, pela negociação política nos bastidores que levam a cabo os grupos de
pressão. É este equilíbrio que importa respeitar. É esta relação de “forças”
paradoxais, ou não, que abre o espaço necessário à negociação onde é possível
descortinar uma oportunidade para mudar e dispor de margem de manobra para
intervir. É neste quadro que se compreende a importância das redes e das
parcerias, visíveis nas Vozes dos Actores Locais, enquanto estratégia facilitadora
do desenvolvimento integrado das várias dimensões inerentes ao conceito de
Turismo, bem como na explicitação dos símbolos, da cultura e dos interesses dos
vários intervenientes em “jogo”.
Todas as práticas são passíveis de mudança, desde que não contrariem o
código estabelecido, e implícita ou explicitamente, não ameacem as coligações
dominantes nem se oponham às forças vigentes. O que se poderá mudar
dependerá do que for aceitável e não ameaçador em cada momento para o grupo
dominante. Podemos assumir que este é o “focus” e o “locus” da negociação no
âmbito das redes e parcerias. Para concretizar, repetimos aqui alguns dos
resultados encontrados que sintetizam e explicitam esta nossa reflexão:
a) A componente Política do sector do Turismo e a componente
Qualidade/Competitividade são sempre referidas em simultâneo;
b) A Articulação entre Entidades Públicas e Privadas está directamente
associada à Monitorização e Avaliação de Programas e Projectos Turísticos;
c) O Modelo de Gestão/Governança deve promover a Articulação entre
Entidades Públicas e Privadas;
d) A Regulamentação e Fiscalização do Sector e da Formação dependem do
Modelo de Gestão/Governança;
e) Planear os Investimentos, os Riscos e as Crises está associado com
Regulamentação e Fiscalização do Sector e da Formação e Modelo de
Gestão/Governança;
CONCLUSÕES 84
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
Para finalizar, diremos que isto constitui parte importante do que aprendemos
com o trabalho realizado. Resta muito a fazer e a aprender. Temos consciência de
que este, como todos os trabalhos que se querem científicos, deverá ter
continuidade, já que são várias as questões que permanecem em aberto e que
necessitam de ser aprofundadas.
Seria interessante analisar os efeitos deste estudo nas opções estratégicas
seguidas ao nível do desenvolvimento do Turismo, no Brasil, tais como: são visíveis
melhorias no que concerne à promoção e divulgação do Brasil como destino
turístico integrado?; houve evolução na confirmação desta “marca”?; é perceptível
uma melhoria na articulação entre as diversas entidades, públicas e privadas,
responsáveis pela concretização destes objectivos?.
Todavia, o que fica feito constitui um estímulo para prosseguir outras
investigações.
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PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
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ANEXO I
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
95
ANEXO I - GUIÃO DE ENTREVISTAS
1. OBJECTIVO - RESULTADO
Transformar as Vozes dos Líderes Locais em Requisitos, transpondo as ideias e
opiniões dos entrevistados em indicadores concretos sobre as necessidades,
expectativas, recursos e potencialidades locais ao nível do desenvolvimento do
Turismo, realçando assimetrias, contradições e desfasamentos entre a oferta e a
procura de formação no sector hoteleiro, bem como estratégias de desenvolvimento
sustentado para o sector.
2. PROCESSO DE ENTREVISTA
Cada entrevista deverá demorar aproximadamente 1h e 30 minutos. Este guião
constitui-se como um instrumento orientador da abordagem dos temas a inquirir,
não devendo as questões ser apresentadas rigidamente de forma sequencial.
Pretende-se, inicialmente, recolher informação sobre uma breve caracterização da
Entidade entrevistada, relativamente à sua percepção sobre o seu posicionamento
no meio e à sua capacidade de resposta às Vozes dos clientes, no que respeita à
sua participação num projecto de desenvolvimento sustentado do Turismo no
Brasil. Com o decorrer da entrevista deve-se tentar completar informação que
responda às questões de seguida enunciadas.
3 ÂMBITO DA ENTREVISTA
• Conversa livre;
• Deixar o entrevistado direccionar a troca de impressões, sem contudo fugir
aos temas a abordar;
• Cobrir 4 áreas: passado, presente, futuro e imaginário;
• Passado: explorar os problemas ou pontos fracos do tema em análise
(posicionamento no meio da Entidade entrevistada);
• Presente: tipo de serviços oferecidos e factores de escolha desses serviços
(capacidade de resposta da Entidade entrevistada);
• Futuro: possíveis melhorias no tipo de resposta desses serviços;
• Imaginário: explorar o imaginário do entrevistado relativamente ao tema em
análise
ANEXO I
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
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4. QUESTÕES GENÉRICAS QUE PERMITEM CARACTERIZAR O TURISMO NO BRASIL
(PERU)
4.1 Como descreve o posicionamento actual do Sector Turístico no Brasil? O
nível de desenvolvimento do Turismo diferencia-se ao longo do território? De
que forma? Que razões primordiais aponta para tal diferenciação?
4.2 Quais os principais problemas que afectam actualmente o Turismo no Brasil?
E no passado? Que estratégias foram encontradas para os solucionar?
4.3 Considera o Turismo um sector estratégico na economia brasileira? Porquê?
Que outras se lhe devem associar, na sua opinião?
5. QUESTÕES GENÉRICAS QUE PERMITEM CARACTERIZAR A QUALIDADE DOS
RECURSOS HUMANOS, NO SECTOR HOTELEIRO
5.1 Como caracteriza, em termos genéricos, os Recursos Humanos que
trabalham no sector hoteleiro no Brasil? Qual tem sido a evolução da sua
qualificação?
5.2 Especificamente, ao nível da formação dos recursos Humanos, em Turismo,
quais são os principais problemas que identifica? O que poderia ser feito para
resolver ou minorar esses problemas?
5.3 Que novos perfis ou profissões considera que serão necessários no futuro,
no sector hoteleiro, no Brasil? Que níveis ou graus de formação defende, para
cada um perfis apontados anteriormente?
6. QUESTÕES GENÉRICAS QUE PERMITEM CARACTERIZAR AS
NECESSIDADES/TENDÊNCIAS DE QUALIFICAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS, NO
SECTOR HOTELEIRO
ANEXO I
PROVAS PARA ATRIBUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM TURISMO – MARIA DO ROSÁRIO CAMPOS MIRA
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6.1 Qual a imagem que tem do Tipo e da Qualidade de Formação oferecida no
Brasil para o sector do Turismo? O que poderá ainda ser feito? Que aspectos
deverão mudar?
6.2 Dos problemas já identificados anteriormente quais são os que, na sua
opinião, poderiam ser resolvidos pela Formação? E quais são os que a
Formação per si não resolve?
6.3 Se tivesse a possibilidade de definir um Plano de Formação para o sector
hoteleiro no Brasil, quais os objectivos que formulava? E que resultados
esperariam atingir?
7. Quais as estratégias que tem encontrado para sol ucionar problemas na sua
Unidade Hoteleira, similares aos que já foram refer idos?
8. Numa escala (crescente) de 1 a 5 qual o nível em que incluiria os seguintes
factores, determinantes na qualidade e planeamento do sector turístico:
- ordenamento do território
- acessibilidade(s)
- formação de recursos humanos
- promoção e marketing
- valorização de recursos tangíveis e intangíveis.
Obrigado