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Suplemento Especial / FOLHA DIRIGIDA 30 de abril de 2014 26 TRABALHO & CIDADANIA A democracia brasileira, retomada com as eleições de 1989, chega a 25 anos repleta de desafios pela frente. Redemocratização O ano de 2014 marca duas décadas e meia da primeira eleição direta para presidente da República, após a Ditadura Militar de 1964. Para o professor David Nigri, não há como negar que, ao longo deste período, houve evolução em vários aspectos, como no Direito do Consumidor, na maior inserção da mulher na sociedade e no pluralismo político. Mas, ele ressalta que é necessário avançar em várias frentes, como dar maior rapidez à Justiça, bem como na reforma das estruturas administrativas, financeiras e tributárias DIVULGAÇÃO Se, por um lado, o país avançou nas garantias constitucionais, ainda necessita de diversas reformas Só aqueles que nasceram antes de 1988 e vivenciaram o total desres- peito aos direitos humanos podem ter uma verdadeira dimensão do significado da Constituição Fede- ral da República para o processo de redemocratização do Brasil. Afinal, o até o fim da Ditadura Militar, iniciada em 1964, era possível testemunhar os absurdos da repressão. Já aqueles nascidos após 1988, têm o privilégio de cres- cerem sob a proteção das garanti- as emanadas da carta Constitucio- nal. O texto representa a afirmação dos direitos individuais do cidadão e dos direitos sociais. Ao longo dos últimos 25 anos, muita coisa mudou. A livre inici- ativa era reprimida, o trabalhador não tinha proteção, pois os valo- res máximos eram o capital e a pro- priedade. A democracia gerou bons frutos para sociedade de um modo geral. No passado, o cidadão era relegado ao plano inferior, o con- sumidor não tinha vez. A impren- sa não tinha liberdade de expres- * DAVID NIGRI são. Crianças, adolescentes e ido- sos eram “deixados de lado”. O povo não votava e não havia plu- ralismo político. Os deficientes, que eram ignorados, nas suas necessi- dades básicas, acesso ao emprego e concurso público, passaram a ter vez na sociedade. Direitos civis e políticos foram alcançados, entre eles o princípio da isonomia e autonomia das de- cisões judiciais, com a independên- cia dos atos da Magistratura e do Ministério Público. A Eleição Di- reta foi o primeiro grande passo para a redemocratização nacional. Porém, no país, ainda há muito que aperfeiçoar. As estruturas tri- butária, administrativa e financei- ra continuam obsoletas. Mudan- ças no Código Tributário de 1966, no Código Penal Militar e a Re- forma Agrária previstas não ocor- reram; as políticas para Amazô- nia caíram no esquecimento. A celeridade processual ainda não acontece da forma necessária para desobstruir o tráfego de ações, assim como algumas leis não saíram do papel. Utilizando uma declaração do ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, a Consti- tuição permite situar o Brasil entre o seu passado e o seu futuro. Desde 1988, a situação de cau- sas mudou: a dignidade do ser hu- mano passou ocupar prioridade na escala de valores, bem como os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Dentre as leis criadas em obedi- ência às normas elencadas no Art. 5° da Constituição Federal de 1988, que trata dos direitos e ga- rantias fundamentais, podemos destacar o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Crian- ça e do Adolescente e o Estatuto do Idoso, como corolários e al- cance da dignidade da pessoa humana. O direito de igualdade deu às mu- lheres a garantia de gerir não ape- nas a vida como também os pró- prios bens e entrar para história ocupando cargos que antes eram preenchidos por homens, como Dilma Rousseff, na presidência da República brasileira. Com mais acesso às informações relacionadas aos seus direitos e de- veres, o cidadão passou a recor- rer aos órgãos que zelam pela “Or- dem e Progresso”. Quando um con- sumidor se dirige ao PROCON (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor), à Justiça ou quan- do um idoso procura a sua dele- gacia especializada, o faz em vir- tude de leis que regulamentam prin- cípios e regras da Constituição. No passado, qualquer tentativa de buscar defesa para garantir di- reitos individuais era considera- da até um atentado à segurança nacional. No presente, o cidadão conta com remédios constitucio- nais tais como: Habeas Corpus, Habeas data, mandado de segu- rança, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção, direito a certidão, direito a peti- ção aos órgãos governamentais, ação popular etc. Outro ministro do STF, Roberto Barroso, destaca que a Constitui- ção de 1988 foi a travessia bem su- cedida de um Estado autoritário para um Estado Democrático de Di- reito. Mas o processo de democra- tização ainda caminha a passos lentos, pois muitas das garantias asseguradas pela Constituição Fe- deral ainda não foram implanta- das por falta de vontade política. Em pleno século XXI, com o Bra- sil na vitrine para o mundo ao se- diar grandes eventos, o país pas- sou por importantes mudanças. Re- centemente, obras de infraestrutu- ra, investigações políticas, inves- timentos em educação e saúde, tornaram-se algumas das referên- cias no processo de redemocrati- zação, assim como os atos de pro- testos em todo o Brasil, em busca de melhorias para sociedade. Embora o país ainda precise me- lhorar muito, é possível comemo- rar o avanço, tendo em vista o que era vivido antes de 1964. * Bacharel em Direito pela Faculdade Candido Mendes e pós-graduado em Di- reito Tributário na Fundação Getúlio Var- gas. Titular do escritório que leva o seu nome, atua em Direito do Consumidor, Empresarial e Tributário. Além disso, é conselheiro do Conselho Empresarial de Franquias da Associação Comercial do Rio de Janeiro.

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Suplemento Especial / FOLHA DIRIGIDA 30 de abril de 2014

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TRABALHO & CIDADANIA

A democracia brasileira, retomada com as eleiçõesde 1989, chega a 25 anos repleta de desafios pela frente.

Redemocratização

O ano de 2014 marca duas décadas e meia da primeira eleição direta parapresidente da República, após a Ditadura Militar de 1964. Para o professorDavid Nigri, não há como negar que, ao longo deste período, houve evoluçãoem vários aspectos, como no Direito do Consumidor, na maior inserçãoda mulher na sociedade e no pluralismo político. Mas, ele ressalta que énecessário avançar em várias frentes, como dar maior rapidez à Justiça, bemcomo na reforma das estruturas administrativas, financeiras e tributárias

DIVULGAÇÃO

Se, por um lado, o país avançou nas garantiasconstitucionais, ainda necessita de diversas reformas

Só aqueles que nasceram antes de1988 e vivenciaram o total desres-peito aos direitos humanos podemter uma verdadeira dimensão dosignificado da Constituição Fede-ral da República para o processode redemocratização do Brasil.Afinal, o até o fim da DitaduraMilitar, iniciada em 1964, erapossível testemunhar os absurdosda repressão. Já aqueles nascidosapós 1988, têm o privilégio de cres-cerem sob a proteção das garanti-as emanadas da carta Constitucio-nal. O texto representa a afirmaçãodos direitos individuais do cidadãoe dos direitos sociais.

Ao longo dos últimos 25 anos,muita coisa mudou. A livre inici-ativa era reprimida, o trabalhadornão tinha proteção, pois os valo-res máximos eram o capital e a pro-priedade. A democracia gerou bonsfrutos para sociedade de um modogeral. No passado, o cidadão erarelegado ao plano inferior, o con-sumidor não tinha vez. A impren-sa não tinha liberdade de expres-

* DAVID NIGRI são. Crianças, adolescentes e ido-sos eram “deixados de lado”. Opovo não votava e não havia plu-ralismo político. Os deficientes, queeram ignorados, nas suas necessi-dades básicas, acesso ao empregoe concurso público, passaram a tervez na sociedade.

Direitos civis e políticos foramalcançados, entre eles o princípioda isonomia e autonomia das de-cisões judiciais, com a independên-cia dos atos da Magistratura e doMinistério Público. A Eleição Di-reta foi o primeiro grande passopara a redemocratização nacional.

Porém, no país, ainda há muitoque aperfeiçoar. As estruturas tri-butária, administrativa e financei-ra continuam obsoletas. Mudan-ças no Código Tributário de 1966,no Código Penal Militar e a Re-forma Agrária previstas não ocor-reram; as políticas para Amazô-nia caíram no esquecimento.

A celeridade processual ainda nãoacontece da forma necessária paradesobstruir o tráfego de ações, assimcomo algumas leis não saíram dopapel. Utilizando uma declaração

do ministro do Supremo TribunalFederal, Celso de Mello, a Consti-tuição permite situar o Brasil entre oseu passado e o seu futuro.

Desde 1988, a situação de cau-sas mudou: a dignidade do ser hu-mano passou ocupar prioridadena escala de valores, bem comoos valores sociais do trabalho e dalivre iniciativa.

Dentre as leis criadas em obedi-ência às normas elencadas no Art.5° da Constituição Federal de1988, que trata dos direitos e ga-rantias fundamentais, podemosdestacar o Código de Defesa doConsumidor, o Estatuto da Crian-ça e do Adolescente e o Estatutodo Idoso, como corolários e al-cance da dignidade da pessoahumana.

O direito de igualdade deu às mu-lheres a garantia de gerir não ape-nas a vida como também os pró-prios bens e entrar para históriaocupando cargos que antes erampreenchidos por homens, comoDilma Rousseff, na presidência daRepública brasileira.

Com mais acesso às informações

relacionadas aos seus direitos e de-veres, o cidadão passou a recor-rer aos órgãos que zelam pela “Or-dem e Progresso”. Quando um con-sumidor se dirige ao PROCON(Programa de Proteção e Defesado Consumidor), à Justiça ou quan-do um idoso procura a sua dele-gacia especializada, o faz em vir-tude de leis que regulamentam prin-cípios e regras da Constituição.

No passado, qualquer tentativade buscar defesa para garantir di-reitos individuais era considera-da até um atentado à segurançanacional. No presente, o cidadãoconta com remédios constitucio-nais tais como: Habeas Corpus,Habeas data, mandado de segu-rança, mandado de segurançacoletivo, mandado de injunção,direito a certidão, direito a peti-ção aos órgãos governamentais,ação popular etc.

Outro ministro do STF, RobertoBarroso, destaca que a Constitui-ção de 1988 foi a travessia bem su-cedida de um Estado autoritáriopara um Estado Democrático de Di-reito. Mas o processo de democra-

tização ainda caminha a passoslentos, pois muitas das garantiasasseguradas pela Constituição Fe-deral ainda não foram implanta-das por falta de vontade política.

Em pleno século XXI, com o Bra-sil na vitrine para o mundo ao se-diar grandes eventos, o país pas-sou por importantes mudanças. Re-centemente, obras de infraestrutu-ra, investigações políticas, inves-timentos em educação e saúde,tornaram-se algumas das referên-cias no processo de redemocrati-zação, assim como os atos de pro-testos em todo o Brasil, em buscade melhorias para sociedade.Embora o país ainda precise me-lhorar muito, é possível comemo-rar o avanço, tendo em vista o queera vivido antes de 1964.

* Bacharel em Direito pela FaculdadeCandido Mendes e pós-graduado em Di-reito Tributário na Fundação Getúlio Var-gas. Titular do escritório que leva o seunome, atua em Direito do Consumidor,Empresarial e Tributário. Além disso, éconselheiro do Conselho Empresarial deFranquias da Associação Comercial doRio de Janeiro.