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Rede São Paulo de Cursos de Especialização para o quadro do Magistério da SEESP Ensino Fundamental II e Ensino Médio São Paulo 2011

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  • Rede So Paulo de

    Cursos de Especializao para o quadro do Magistrio da SEESP

    Ensino Fundamental II e Ensino Mdio

    So Paulo

    2011

  • UNESP Universidade Estadual PaulistaPr-Reitoria de Ps-GraduaoRua Quirino de Andrade, 215CEP 01049-010 So Paulo SPTel.: (11) 5627-0561www.unesp.br

    Governo do Estado de So Paulo Secretaria de Estado da EducaoCoordenadoria de Estudos e Normas PedaggicasGabinete da CoordenadoraPraa da Repblica, 53CEP 01045-903 Centro So Paulo SP

  • Recepo e Mediao do patrimnio artstico e cultural

  • ficha sumrio tema

    Ficha da Disciplina:Recepo e mediao do

    patrimnio artstico e cultural

    Rejane Galvo Coutinho

    Formada em Educao Artstica com habilitao em Artes Plsticas na Universidade Fede-ral de Pernambuco, estado onde nasceu e viveu a maior parte de sua vida. Veio para So Paulo estudar, fez mestrado e doutorado na Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo. Hoje professora do Instituto de Artes da UNESP onde trabalha com formao de professores de Artes Visuais e atualmente coordena a Ps-Graduao em Artes. Desenvolve e orienta pesquisas sobre a histria do ensino da arte e sobre as questes contemporneas da arte/educao como mediao cultural, uma coisa tem forte relao com a outra, pois a histria abre possibilidades para entender melhor o presente e vislumbrar o futuro.

  • ficha sumrio tema

    EmentaA arte/educao como mediao cultural e social. O papel do educador como mediador.

    As relaes entre as prticas de produo, circulao e recepo. Teorias contemporneas da recepo. Revises e atualizaes sobre o conceito de educao patrimonial. Planejamento e prticas fundamentadas de mediao cultural.

    ResumoQual o papel do educador como mediador na recepo e mediao do patrimnio artstico e

    cultural? Esta a questo que norteia a disciplina e para buscar subsdios para compreender o seu alcance se faz necessrio entender, de imediato, que ela se situa no espao de trnsito entre as aes educacionais e as prticas culturais. Um espao complexo que pressupe movimentos e atravessamentos em vrias direes.

    A questo se dirige ao professor de arte, aqui entendido como mediador, em suas aes edu-cativas junto aos estudantes, tanto no ambiente escolar, quanto fora do contexto escolar, nas visitas aos museus, exposies, espetculos e outras manifestaes do mbito cultural.

    O termo recepo, que abre o ttulo da disciplina, no deve ser entendido com o sentido de passividade que tambm lhe prprio - o receber algo ou algum. Quando associamos recepo mediao pressupomos um movimento: da interioridade da recepo s apropriaes e incor-poraes do mundo e dos conhecimentos do mundo provocados por mediaes educacionais.

    O patrimnio artstico e cultural nosso campo de conhecimento, com suas prticas de produo, difuso e recepo. Portanto, no podemos pensar em objetos, obras e manifestaes apenas, mas nos trnsitos entre as diversas prticas inerentes ao campo da arte, inseridas no campo mais amplo da cultura.

    Para organizar nosso estudo em relao a esta complexidade procuramos destacar alguns aspectos inerentes s relaes entre as aes educativas e as prticas culturais, distribudos em temas por semana de estudo. No primeiro tema, preparando o terreno, vamos procurar situar algumas representaes, construdas ao longo da histria, que atravessam e se sobrepem ao contexto, introduzindo tambm algumas regras que pr-definem as relaes no campo da arte.

  • ficha sumrio tema

    No segundo tema o foco so as relaes patrimoniais, as heranas recebidas, seu processo de institucionalizao, buscando compreender os mecanismos de legitimao, para atualizar os sentidos que o legado patrimonial comporta hoje.

    No terceiro tema o foco so as produes contemporneas e para compreender suas prticas necessrio enfrentar os trnsitos entre a modernidade e a ps-modernidade, para situar as prticas de difuso e mediao na contemporaneidade. No tema seguinte, o debate gira em torno dos recursos disposio dos educadores para efetivar uma mediao crtica e compro-metida: dos mtodos de apreciao, processos de leitura, ao entendimento da interpretao como construo de conhecimento no campo da arte.

    E finalmente, no quinto tema, voltamos a questo que abre esta introduo, ao papel do educador como mediador, responsvel por sua formao e pela formao de pblico para as artes.

    importante deixar claro que as referncias deste texto recaem especialmente sobre as artes visuais, campo de experincia da autora. Mas ser permitido e aconselhvel proceder a toda e qualquer transferncia de referncias entre as linguagens, pois os mecanismos das prticas cul-turais e, sobretudo educacionais, so basicamente os mesmos, com suas especficas adequaes.

    Bom trabalho!

    Rejane Galvo Coutinho

  • ficha sumrio tema

    Estrutura da DisciplinaTema 1 - Arte/educao como mediao cultural e social

    Tpico 1.1 - O contexto histrico: relaes entre museu e educao Tpico 1.2 - As regras do jogo: distncia e aproximao

    Tema 2 - Questes sobre educao patrimonial Tpico 2.1 - A histria da institucionalizao do patrimnio

    Tpico 2.2 - Revises contemporneas do patrimnio

    Tema 3 - As prticas de produo, difuso e mediao na contemporaneidade Tpico 3.1 - Do modernismo ao ps-modernismo no ensino de arte

    Tpico 3.2 - Difuso e mediao na contemporaneidade

    Tema 4 - A recepo e a interpretao das produes artsticas Tpico 4.1 - Apreciao artstica ou leitura da obra de arte?

    Tpico 4.2 - A interpretao

    Tema 5 - O arte/educador como mediador

  • ficha sumrio tema

    SumrioVdeo da Semana ...................................................................... 6

    Arte/educao como mediao cultural e social .............................6

    1.1. O contexto histrico: relaes entre museu e educao ........................8

    1.2. As regras do jogo: distncia e aproximao: ....................................... 12

    Referncias bibliogrficas ........................................................ 16

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    ficha sumrio tema

    Vdeo da Semana

    1. Arte/Educao como mediao cultural e social (BARBOSA; COUTINHO,2009).

    Arte/educao como mediao cultural e social

    O ttulo deste tema tambm ttulo de um livro1 que busca circunscrever a partir de refle-xes tericas e de experincias, a ideia de que a arte/educao tem um papel de destaque como mediadora nas relaes entre arte e pblico. o que buscaremos tambm fazer nesta disciplina que tem a inteno de problematizar as relaes que atravessam o campo especfico da arte/educao como mediao cultural, pois um dos papeis pre-ponderantes do professor de Arte na contemporaneidade o de mediador cultural.

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    Para incio de conversa se faz necessrio situar o que entendemos por mediao cultural. O conceito de mediao no campo da educao comea a fazer sentido a partir das ideias scio construtivistas em contraposio ao iderio da educao tradicional. No entanto, como explica Ana Mae Barbosa:

    O conceito de educao como mediao vem sendo construdo ao longo dos sculos. Scrates falava da educao como parturio das ideias. Podemos, por aproximao, dizer que o professor assistia, mediava o parto. Rousseau, John Dewey, Vygotsky e muitos outros atribuam natureza, ao sujeito ou ao grupo social o encargo da aprendizagem, funcionando o professor como organizador, estimulador, questionador, aglutinador. O professor mediador tudo isso (BARBOSA;COUTINHO,2009,p.13).

    Para entendimento do conceito de mediao e, consequentemente, da ideia do professor mediador, a autora convoca importantes pensadores do ato educacional que atuaram em po-cas e contextos diversos, tendo em comum uma perspectiva democrtica de educao. Mais prximo de nossa poca e de nosso contexto, Paulo Freire que tambm bebia nessas mesmas fontes, defendia a ideia de que aprendemos uns com os outros mediatizados pelo mundo. A com-plexidade desta aparentemente simples constatao desmonta aquela lgica unidirecional do ato educacional e convoca uma multi-lgica fundada no dilogo. O professor mediador que organiza, estimula, questiona e aglutina em sua ao educativa precisa considerar as relaes de uns com os outros e as vrias camadas contextuais que o mundo nos oferece.

    A arte com todas as suas linguagens e possibilidades pode ser campo frtil de mediao entre nosotros e o mundo. A arte/educao tem enfrentado esta possibilidade desde que passou a considerar a arte como conhecimento culturalmente situado2 como foco do processo de en-sinar/aprender arte. A Proposta Triangular traz a arte como cultura para o centro da ao edu-cativa e considera as prticas de produo, de difuso e de recepo em seus contextos e relaes como dimenses da mediao cultural.

    O entendimento da mediao cultural, portanto, est neste texto atrelado ao entendimento mais amplo de arte como cultura, da ao educativa como prtica dialgica e com o compro-misso do educador mediador com as dimenses polticas da prxis educacional. Obviamente, a questo da mediao cultural pode ser entendida por outros pontos de vista e outras bases poltico-conceituais. Os campos das prticas artsticas, de sua difuso e recepo, so atraves-

    2. Vide tpico: Arte como Cultura, disciplina 2.

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    sados por vrias questes calcadas em posicionamentos, por uma srie de representaes que se naturalizaram ao longo do tempo e que hoje merecem reflexes. Ao longo desta disciplina nos debruaremos sobre algumas dessas importantes questes.

    1.1 - O contexto histrico: relaes entre museu e educao

    Historicamente o conceito de mediao cultural est fortemente associado a educao pa-trimonial, e em particular a educao em museus. importante ento buscar entender as relaes entre museu e educao para compreender as bases contextuais desta associao. Ao entrar em contato com o percurso e contexto de constituio do que hoje entendemos como museu, nos deparamos com uma histria, ainda fragmentada em termos de narrativa, mas que acompanha a histria poltica, cultural e social da humanidade. Ao olhar a histria, de imediato percebe-se no processo de institucionalizao dos espaos museais a configurao de algumas representaes que se incorporam ideia de museu e ainda hoje esto presentes na cultura ocidental.

    A origem dos museus est associada a uma prtica to antiga quanto a humanidade e sem-pre presente nas crianas, nos jovens e nos adultos ainda hoje: a prtica de colecionar, guardar e classificar. Porm, a nome museu vem da Grcia Antiga - mouseion - templo dedicado s musas, com carter religioso, cuja funo era agradar as divindades. As musas so entidades mitolgicas capazes de inspirar a criao artstica ou cientfica. As criaes expostas no mouseion tinham mais afunodeagradarasdivindadesdoqueseremcontempladaspeloshomens(SUANO,1986).

    De sua bela nomeao, os museus carregam o sentido de templo com certo carter reli-gioso, e como templo o que se expe neste espaos merece a contemplao. Estes sentidos do aos museus o clima de reverencia e de solenidade que se experimenta nas suas depen-dncias. Primariamente, portanto, os museus no foram espaos institudos para convivncia entre os homens, para estabelecer relaes entre eles e as obras expostas, mas para demarcar outro tipo de relao, diferente das relaes mundanas e comuns, um tipo de relao que aparta os homens da vida cotidiana, da vida terrena e os transporta para extratos espirituais e superiores. Isto ainda hoje perceptvel na arquitetura dos prdios, nos solenes e intimi-dantes prticos de entrada semelhantes a templos e palcios, sobretudo nos museus cons-trudos especificamente para este fim nos sculos XVIII e XIX. Em nosso contexto temos

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    como exemplo o Museu Paulista3, mas conhecido como Museu do Ipiranga. Isto perceptvel tambm na forma como as obras so expostas, na cenografia e iluminao, muito prximas de espaos de reverncia como santurios e altares. Isto se revela ainda no comportamento ade-quado que incorporamos nestes espaos incutidos pelas normas, no no falar alto, no corpo contido em suas possibilidades de expresso, no andar compassado, na quase suspenso da respirao.

    3. http://www.mp.usp.br

    Ao longo da Idade Mdia, com o poder da Igreja, os museus foram assumindo a funo de salvaguarda das colees eclesisticas e das ricas colees privadas. Em consequncia dos tesouros ali reunidos, os espaos museais limitavam a visitao pblica e quem frequentava as instituies era o restrito crculo de pesquisadores iniciados. Em meados do sculo XVI, j no Renascimento, surgiram os primeiros catlogos resultante de estudos sobre as colees e acervos(VALENTE,2003).

    Neste longo perodo, foi se agregando ao conceito de museu de forma paralela e entrelaada as representaes do poder econmico com o poder do conhecimento. Os objetos e colees mantidos pelos acervos representavam o poder da Igreja, dos prncipes, nobres e aristocratas; as pesquisas e seus pesquisadores interessavam aos poucos iniciados que tinham acesso aos signos do poder. At hoje, as instituies museais carregam signos de distino que as asso-ciam ao poder econmico, social e cultural. Entrar em um museu no tarefa fcil, mesmo naquelas instituies que no cobram ingresso, h barreiras simblicas difceis de transpor. A ideia de que o conhecimento ali exposto para uma elite iniciada nos mistrios da arte, de que necessrio ter um conhecimento prvio, ou seja, ser portador de um capital cultural, impede vrias pessoas de transpor as portas dos museus. Por outro lado, a ideia de que aqueles que conseguem transpor as barreiras passam a partilhar os signos de distino impulsionam os mais corajosos.

    Outra representao associada a esta relao de poder e saber que os museus carregam a expressa pela necessidade de mediao nestes espaos. A maior parte dos leigos que consegue transpor as barreiras das instituies busca apoio de mediadores - guias, monitores, educadores - para lhe traduzir o conhecimento exposto, para lhe indicar o que ver e como ver. A cultura

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    instituda nestes espaos impe vus de ignorncia queles no iniciados nos tesouros do co-nhecimento, impensvel ver com os prprios olhos e buscar se aproximar dos objetos direta-mente. Um dos exemplos mais comuns encontrados ainda hoje daquele visitante que diante de um quadro que lateja seus olhos pergunta interessado ao mediador: o que isto quer dizer? Nesta lgica, no permitido confiar no que se v, no se acredita naquilo que se entende que a imagem expressa. necessria uma traduo legitimada para assegurar ao vidente aquilo que ele exatamente v com seus prprios olhos.

    Aqui nos aproximamos diretamente da relao entre museu e educao quando consegui-mos incluir o pblico dentro do espao do museu. No entanto, importante voltar histria para entender que apenas no final do sculo XVIII e incio do sculo XIX que as instituies museais comeam paulatinamente a abrir as portas ao grande pblico. Alis, importante en-tender que a categoria pblico passa a existir como tal a partir do momento em que so geradas as ofertas culturais. As grandes transformaes sociais, culturais e urbanas advindas com o Iluminismo incidem nas prticas de difuso do conhecimento, e a funo primitiva do museu, antes voltado apenas para a salvaguarda e exposio, passa a incluir a dimenso educativa entre suas preocupaes. As primeiras iniciativas levam em conta a ideia da educao patrimonial e do objeto como fonte primria para a aprendizagem.

    4. http://www.louvre.fr

    A histria do Museu do Louvre4 ilustra de maneira exemplar o que foi dito acima. A emblemtica construo que hoje abriga o Museu foi no passado fortaleza, depois palcio, abrigou galeria de acervo dos nobres, abrigou por um perodo a Academia de Belas Artes e instituiuamodadossales.Foiinauguradooficialmentecomomuseuem1793comacervode obras confiscadas famlia real e aos aristocratas que fugiram da Revoluo Francesa. H inclusive uma verso de que a constituio do Museu foi uma estratgia para evitar a disperso dos tesouros reais. At meados do sculo XIX, o Louvre oferecia acesso gratuito ao pblico apenas nos fins de semana. Durante a semana as obras eram reservadas para estudo de artistas e pesquisadores. Seu acervo foi enriquecido paulatinamente com obras confiscadas fruto das conquistas napolenicas e, posteriormente, atravs do processo de colonizao que induziu o gosto pelo extico, junto ao desenvolvimento da arqueologia, criando galerias especficas sobre culturas, pocas e temas. Hoje, uma visita ao Museu do Louvre um dos mais prestigiados signos de distino, uma prtica que leva multides a reverenciar uma histria de conquista de valores atravs da arte.

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    No final do sculo XIX, quando o Museu do Louvre abriu suas portas diariamente ao p-blico,seinstituiumsetoreducativonainstituiocompreocupaodeformao.Em1928,ou seja, mais de um sculo aps sua inaugurao, se institui um servio de visitas guiadas neste setor, exatamente quando o fluxo de pblico aumenta com a abertura das portas, a expanso urbana, o desenvolvimento dos meios de comunicao. Exatamente quando os movimentos artsticos questionam os cnones da arte instituda e expandem as experimentaes no campo da arte. Podemos ento ponderar que esse recurso de mediao, as visitas guiadas, vem reforar todo o processo de institucionalizao da cultura francesa da qual o Museu um dos smbolos mximos, de sua histria, de seus valores atravs de uma ao educativa. um caso tpico de mediao cultural atrelada a um projeto poltico.

    5. http://www.museunacional.ufrj.br

    No Brasil, as primeiras experincias educacionais em museus so localizadas no Museu Nacional do Rio de Janeiro5,nadcadade1920,associadasaoestudodeHistria,iniciandooquehojesepodechamardeparceriamuseu-escola.Nasdcadasde1930e1940,aquestodaeducao em museus no contexto histrico mereceu ateno das instituies que promoveram encontros e publicaes sobre o assunto, sempre relacionados necessidade de constituio de uma identidade nacional sob a ideologia do Estado Novo. Esta associao foi to fortemente tecida por nosso sistema educacional que hoje, nos currculos de educao bsica, no pode faltar uma visita ao museu histrico mais prximo. No Estado de So Paulo h quase que uma obrigatoriedade de visitar o Museu Paulista, instituio que se constituiu exatamente para este fim no final do sculo XIX, para auxiliar na construo de uma identidade de povo brasileiro, ao reverenciar o local da Independncia e do ser paulista, ao reforar as representaes bandei-rantes e da elite cafeeira. Esta forte associao entre museu e histria, entre museu e local de coisas antigas e mesmo velhas est arraigada no imaginrio do brasileiro. Resta nos perguntar o que vem ocorrendo no processo de mediao para que esta prtica imposta na escolarizao no faa dos brasileiros, e dos paulistanos em particular, melhores frequentadores e apreciado-res de seu patrimnio histrico e cultural.

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    1.2 - As regras do jogo: distncia e aproximao:

    Identificamos algumas representaes associadas a museu e educao que permanecem ativas em nosso imaginrio. So representaes que atravessam os processos de mediao em mo-vimentos opostos, por um lado induzem aproximaes e por outro revelam distanciamentos. Neste tpico, vamos procurar entender melhor estas polarizaes aparentemente contraditrias buscando ajuda na sociologia, especialmente nas ideias do socilogo francs Pierre Bourdieu.

    Inicialmente, vamos procurar compreender um pouco da economia das trocas simblicas e a ideia de capital como um recurso suscetvel de gerar interesse por sua acumulao e distribui-o no contexto social e cultural. Bourdieu define capital como uma fora ou poder inscritos na objetividade das coisas. Em seu uso primrio, capital uma representao da capacidade potencial de produzir benefcios financeiros, porm Bourdieu usa o conceito de capital me-taforicamente. Ele analisa a dinmica de quatro tipos de capitais: econmico, cultural, social e simblico. No campo das prticas artsticas, por exemplo, obras de artes se tornam capital econmico quando so criadas, vendidas para colecionadores, revendidas para outros colecio-nadoresoudoadasamuseus.Soconvertidasemmoeda(capitaleconmico)einstitucionali-zadas em forma de propriedade ou posse.

    No entanto, como capital cultural, as obras de artes contribuem para o status de classe no apenas daqueles que as possuem, mas, de maneira ainda mais importante, contribuem para o status daqueles que respondem s obras de artes e consomem obras de arte. Capital cultural pode significar capital econmico, mas no necessariamente. A questo no exatamente de propriedade, mas de apropriao ou de incorporao. Pode no haver a posse fsica do objeto, o que interessa a apropriao de seus sentidos e do que eles representam no contexto no qual o objeto e o indivduo esto inseridos. Porm, na perspectiva sociolgica de Bourdieu e Darbel (2003),arecepodeobrasdeartedependedacomplexidadeesofisticaodoscdigosarts-ticos em relao ao domnio individual dos cdigos sociais. Ou seja, para que haja apropriao de bens simblicos necessrio domnio de cdigos especficos e compreenso dos contextos sociais de tais cdigos. Aqui tem papel importante a educao que possibilita aos indivduos o acesso e domnio de diferentes cdigos culturais. So as qualificaes educacionais, que tambm podem serdescritascomocapitaleducacional(consideradoumsubconjuntodocapitalcultural)quein-cluem a totalidade da educao formal e o nmero de diplomas ou ttulos que uma pessoa possui.

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    Portanto, a educao formal institucionaliza o capital cultural e a arte/educao em particular, ajuda a constituir capital cultural atravs da educao formal e no-formal.

    Sabe-se que o capital cultural tambm herdado e transmitido atravs das famlias enga-jadas com artes, e nestes casos se torna uma vantagem e um diferencial para alguns sujeitos. Quando a escola assume o princpio da igualdade como ponto de partida para suas aes educacionais, no levando em conta as diferenas iniciais, trabalha em prol da conservao das desigualdades. Bourdieu alerta:

    Com efeito, para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, necessrio e suficiente que a escola ignore, no mbito dos contedos do ensino que transmite, dos mtodos e tcnicas de transmisso e dos critrios de avaliao, as desigualdades culturais entre as crianas das diferentes classes sociais. Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar levado a dar sua sano sdesigualdadesiniciaisdiantedacultura.(BOURDIEU,2007,p.53)

    Ao analisar e denunciar os mecanismos de conservao dos capitais culturais pelo sistema educacional, Bourdieu chama ateno dos educadores para a possibilidade de reverso deste mecanismo. A partir de suas pesquisas sobre o perfil de frequentadores de museus a partir das polticas culturais de democratizao das artes, o autor enfatiza o papel preponderante da edu-cao no comportamento dos consumidores de cultura e mais uma vez nos provoca a pensar:

    A existncia de uma ligao to forte entre a instruo e a frequncia a museus mostra que s a escola pode criar (ou desenvolver, segundo o caso) a aspirao cultura,mesmo cultura menos escolar. Falar de necessidades culturais, sem lembrar que elas so, diferentemente das necessidades primrias, produtos da educao, com efeito, omelhormeiodedissimular(maisumavezrecorrendoideologiadodom)queasdesigualdades frente s obras da cultura erudita no so seno um aspecto e um efeito das desigualdades frente escola, que cria a necessidade de cultura ao mesmo tempo emquededefineosmeiosdesatisfaz-la.(BOURDIEU,2007,p.60)

    A relao direta entre capital cultural e educao, seja a educao formal ou familiar, ajuda a compreender e desconstruir o crculo fechado e elitista no qual o campo exclusivo da arte se instala. O entendimento de que a necessidade de arte uma construo social, um produto da

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    educao, desmascara a conhecida ideologia do dom, to utilizada no meio educacional como recurso para mascarar as desigualdades de oportunidades.

    O simples fato de recordar que o que se vive como um dom, ou um privilgio das almas de elite, um signo de distino, em realidade o produto de uma histria, uma histria coletiva e uma histria individual, produz um efeito de dessacralizao, de desencantamentooudedesmitificao(BOURDIEU,2010,p.32,traduodaautora).

    Ainda na perspectiva de Bourdieu, o capital simblico um tipo de capital que aparente-mente denega seu potencial valor econmico, fazendo valer em lugar disso o poder, como, por exemplo, o poder da arte pela arte. Algumas obras carregam um capital simblico to acentua-do que tem valor alm de seu custo material. Em meio ao complexo contexto da cultural visual do sculo XX, a obra de Marcel Duchamp, O Grande Vidro6, tem um alto capital simblico que se contrape ao material utilizado. Andy Warhol agregou capital simblico s serigrafias, uma tcnica comercial de reproduo em srie at ento desprezada no campo da arte. As ilustraes de revistas em quadrinhos, geralmente tidas como mais prximas do capital econ-mico, foram utilizadas por artistas da Pop Art agregando um capital simblico diferenciado a estas produes. A arte infantil tem funcionado como capital simblico relacionado a valores humanistas de livre-expresso no sistema educacional das sociedades capitalistas modernas.

    6. Tambm conhecida como A Noiva Desnuda por seus Celibatrios, pode servistanosite:http://www.sescsp.org.br/sesc/galeria/20mundo/obra05.htm.

    J o capital social se refere a posse de uma rede de relaes mais ou menos institucionali-zadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento, ou em outros termos, vinculao a um grupo; pode ser convertido em capital econmico quando agrega crdito e notabilidade ou ainda quando a rede impulsiona o sujeito na hierarquia do ranking social. Em algumas reas, participar de associaes profissionais constitui capital social, assim como participar de clubes e associaes, como as esportivas e de laser, desde que estas associaes mantenham uma re-presentatividade no contexto

    Ou seja, as relaes entre os distintos capitais no so de modo algum simtricas ou opostas ou preestabelecidas, mas precisam ser compreendidas sempre em relao s foras que fazem mover os campos nos quais esto inseridas, no caso das produes artsticas, o campo da arte.

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    A ideia de campo outra contribuio de Bourdieu que ajuda a compreender as relaes dos sistemas de produo, de difuso e de recepo dos bens culturais. Entendido como um sistema de posies e de relaes objetivas, o campo, em sentido geral, assume uma existncia temporal, o que implica sempre trabalhar com a dimenso histrica no modo de pensamento relacional. O campo pode ser conceitualizado como espao de jogo historicamente constitudo com suas instituies especficas e suas leis de funcionamento prprias. Pode-se dizer que a estrutura de um campo o estado das relaes de foras entre as instituies e/ou os agentes comprometidos no jogo. Alm de um campo de foras, um campo social constitui um campo de lutas destinadas a conservar ou a transformar este campo de foras. Quer dizer, a prpria estrutura do campo, enquanto sistema que est permanentemente em jogo. Se trata da conser-vao ou da subverso da estrutura de distribuio do capital especfico. No entanto, no po-demos esquecer que os agentes comprometidos nestas lutas tem em comum um certo nmero de interesses fundamentais, de cumplicidades bsicas, como em um jogo, h acordos aceitos tacitamente para estar em jogo. Para que um campo funcione necessrio que haja gente dis-posta a jogar o jogo, que acreditam no valor do jogo. Esta crena condio para entrada no jogo, no uma crena explcita, voluntria, produto de uma eleio deliberada do indivduo, mas uma adeso imediata, uma submisso s regras.

    Bourdieu examinou primeiro o campo das religies e depois transferiu seu sistema para ana-lisar os campos da cultura, especialmente da educao e da arte. Neste processo ele faz uma ana-logia ponderando que a religio da arte tomou o lugar da religio no mundo contemporneo:

    Evidentemente quando se trata de obras em um museu, fcil reconhece-las. Por qu? O museu como uma igreja: um lugar sagrado, a fronteira entre o sagrado e o profano est demarcada. Expondo um urinol ou uma roda de bicicleta em um museu, Duchamp se satisfez em recordar que uma obra de arte uma obra que est exposta em um museu. Por que sabem vocs que uma obra de arte? Porque est expostaemummuseu(BOURDIEU,2010,p.27-28,traduodaautora).

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    Referncias bibliogrficas ALENCAR, Valria Peixoto de. O mediador cultural: consideraes sobre a formao eprofissionalizaodeeducadoresdemuseuseexposiesdearte.2008.97f.Dissertao(MestradoemArtes)-UniversidadeEstadualPaulista,InstitutodeArtes,SoPaulo,2008.Disponvel em: .Acessoem:30mar.2011.

    BARBOSA,AnaMae;COUTINHO,RejaneGalvo(Org.).Arte/Educao como me-diao cultural e social.SoPaulo:UNESP,2009.

    BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simblicas.6.ed.SoPaulo:Perspectiva,2005.

    BOURDIEU, Pierre. El sentido social del gusto: elementos para una sociologa de la cultura.BuenosAires:SigloVeintiuno,2010.

    BOURDIEU, Pierre. Escritos de educao. Seleo, organizao, introduo e notas por MariaAliceNogueiraeAfrnioCatani.9.ed.Petrpolis,RJ:Vozes,2007.

    BOURDIEU, Pierre; DARBEL, Alain. O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seupblico.SoPaulo:Edusp/Zouk,2003.

    DUCHAMP, Marcel. O Grande Vidro.[entre1915e1923].leo,verniz,fiosmetlicos,fios de ao, p e cacos de vidro sobre duas placas de vidro, 272,5 x 175,8 cm. Museu de Artes da Filadlfia. Disponvel em: . Acessoem:22mar.2011.

    MOURA, Ldice Romano de. Arte e educao: uma experincia de formao de educado-resmediadores.2007.185f.Dissertao(MestradoemArtes)-UniversidadeEstadualPau-lista,InstitutodeArtes,SoPaulo,2007.Disponvelem:.Acessoem:20mar.2011.

    SUANO, Marlene. O que museu.SoPaulo:Brasiliense,1986.(PrimeirosPassos).

    VALENTE, Maria Esther. A conquista do carter pblico do Museu. In: GOUVA, Guaracira;

    MARANDINO,Martha;LEAL,MariaCristina(Org.).Educao e museu: a construo social do

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  • Pr-Reitora de Ps-graduaoMarilza Vieira Cunha Rudge

    Equipe CoordenadoraCludio Jos de Frana e Silva

    Rogrio Luiz BuccelliAna Maria da Costa Santos

    Coordenadores dos CursosArte: Rejane Galvo Coutinho (IA/Unesp)

    Filosofia: Lcio Loureno Prado (FFC/Marlia)Geografia: Raul Borges Guimares (FCT/Presidente Prudente)

    Antnio Cezar Leal (FCT/Presidente Prudente) - sub-coordenador Ingls: Mariangela Braga Norte (FFC/Marlia)

    Qumica: Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

    Equipe Tcnica - Sistema de Controle AcadmicoAri Araldo Xavier de Camargo

    Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

    SecretariaMrcio Antnio Teixeira de Carvalho

    NEaD Ncleo de Educao a Distncia(equipe Redefor)

    Klaus Schlnzen Junior Coordenador Geral

    Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

    Coordenador de Grupo

    Andr Lus Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

    Marcos Roberto GreinerPedro Cssio Bissetti

    Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

    Produo, veiculao e Gesto de materialElisandra Andr Maranhe

    Joo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

    Liliam Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

    Pamela GouveiaRafael Canoletti

    Valter Rodrigues da Silva

    Marcador 1Vdeo da SemanaArte/educao como mediao cultural e social1.1 - O contexto histrico: relaes entre museu e educao1.2 - As regras do jogo: distncia e aproximao:

    Referncias bibliogrficas

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