redação parte 2

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Zygmunt Bauman----<<<<<< Sua habilidade de escrita é uma necessidade e não algo que você deve escolher desenvolver. Ela é necessária para seu sucesso acadêmico e também para o profissional. Para que você escreva bem é necessário bom vocabulário - para que não haja repetição de palavras - e coerência em sua argumentação - para que as ideias expostas no texto façam sentido para o leitor e também gramática correta. » Saiba o que é o texto dissertativo-argumentativo cobrado na redação do Enem » 367 dicas indispensáveis para a redação do Enem 2012 » Use as cores para se dar bem na redação do Enem; veja como Confira a seguir 8 dicas práticas que podem ajudá-lo a escrever melhor: http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/ 2012/10/11/974030/redaco-do-enem-2012-8-dicas-escrever-melhor.html Redação do Enem – 8 dicas para escrever melhor: 1. Faça uma lista Para ajudá-lo a organizar as ideias e argumentos que deseja expor em seu texto você pode fazer uma lista com cada idem na ordem correta para que façam sentido e tenham coerência. Redação do Enem – 8 dicas para escrever melhor: 2. Coloque em ordem de importância Conforme você for desenvolvendo seu texto irá perceber que certos itens de sua lista irão ser descartados. Para facilitar esse processo, faça a lista de maneira que aqueles mais importantes estejam em primeiro lugar e os menos importantes, que podem ser rejeitados, em último lugar. Redação do Enem – 8 dicas para escrever melhor: 3. Tenha argumentos sólidos Para que seu texto tenha maior credibilidade você deve procurar evidências científicas, estatísticas e outras informações importantes que podem servir como base para sua argumentação. Redação do Enem – 8 dicas para escrever melhor: 4. Faça citações Dependendo do assunto e formato de texto que estiver redigindo poderá utilizar citações de autores e obras relacionados ao tema que podem enriquecer sua escrita e demonstrar conhecimento mais aprofundado sobre o tema. Redação do Enem – 8 dicas para escrever melhor: 5. Cuidado com repetições

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Zygmunt Bauman----<<<<<<

Sua habilidade de escrita é uma necessidade e não algo que você deve escolher desenvolver. Ela é necessária para seu sucesso acadêmico e também para o profissional. Para que você escreva bem é necessário bom vocabulário - para que não haja repetição de palavras - e coerência em sua argumentação - para que as ideias expostas no texto façam sentido para o leitor e também gramática correta. »   Saiba o que é o texto dissertativo-argumentativo cobrado na redação do Enem »   367 dicas indispensáveis para a redação do Enem 2012 »   Use as cores para se dar bem na redação do Enem; veja como

Confira a seguir 8 dicas práticas que podem ajudá-lo a escrever melhor: 

http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2012/10/11/974030/redaco-do-enem-2012-8-dicas-escrever-melhor.html

 

Redação do Enem – 8 dicas para escrever melhor: 1. Faça uma listaPara ajudá-lo a organizar as ideias e argumentos que deseja expor em seu texto você pode fazer uma lista com cada idem na ordem correta para que façam sentido e tenham coerência. 

Redação do Enem – 8 dicas para escrever melhor: 2. Coloque em ordem de importânciaConforme você for desenvolvendo seu texto irá perceber que certos itens de sua lista irão ser descartados. Para facilitar esse processo, faça a lista de maneira que aqueles mais importantes estejam em primeiro lugar e os menos importantes, que podem ser rejeitados, em último lugar. 

Redação do Enem – 8 dicas para escrever melhor: 3. Tenha argumentos sólidosPara que seu texto tenha maior credibilidade você deve procurar evidências científicas, estatísticas e outras informações importantes que podem servir como base para sua argumentação. 

Redação do Enem – 8 dicas para escrever melhor: 4. Faça citaçõesDependendo do assunto e formato de texto que estiver redigindo poderá utilizar citações de autores e obras relacionados ao tema que podem enriquecer sua escrita e demonstrar conhecimento mais aprofundado sobre o tema. 

Redação do Enem – 8 dicas para escrever melhor: 5. Cuidado com repetiçõesRepetição de ideias ou de palavras empobrecem o texto de qualquer candidato. O “que” usado em exagero também pode prejudicar sua redação. 

Redação do Enem – 8 dicas para escrever melhor: 6. Use exemplosUsar exemplos também é uma ótima ferramenta para melhorar seu texto. Você deve evitar, porém, empregar situações ou personalidades muito usadas que já viraram lugar-comum nesse tipo de assunto. 

Redação do Enem – 8 dicas para escrever melhor: 7. Fuja dos clichês

Um texto que poderia ser excelente perde muito de seus pontos quando apela para clichês em sua argumentação. Sua intenção pode ser positiva, mas o avaliador entenderá como um recurso para “encher linguiça”. Evite expressões como “Desde os primórdios da humanidade”, “Importância vital”, “Caixinha de surpresas”, “Abrir com chave de ouro”, entre outras. 

Redação do Enem – 8 dicas para escrever melhor: 8. ReviseNão escreva sua redação na última hora da prova. Procure fazê-la antes de responder as outras questões de forma que você possa revisá-la depois, antes de entregar. Isso permite que você identifique erros gramaticais ou de raciocínio e faça uma edição final do texto.

http://www.coladaweb.com/portugues/emprego-dos-sinais-de-pontuacao

 

Divisão e emprego dos sinais de pontuação:

PONTO ( . )

a) indicar o final de uma frase declarativa.Ex.: Lembro-me muito bem dele.b) separar períodos entre si.Ex.: Fica comigo. Não vá embora.c) nas abreviaturas.Ex.: Av.; V. Ex.ª

DOIS-PONTOS ( : )

a) iniciar a fala dos personagens: Ex.: Então o padre respondeu: - Parta agora.b) antes de aposto ou orações apositivas, enumerações ou seqüência de palavras que explicam, resumem idéias anteriores.Ex.: Meus amigos são poucos: Fátima, Rodrigo e Gilberto.c) antes de citação.Ex.: Como já dizia Vinícius de Morais: “Que o amor não seja eterno posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure.”

RETICÊNCIAS ( ... )

a) indicar dúvidas ou hesitação do falante.Ex.: Sabe...eu queria te dizer que...esquece.b) interrupção de uma frase deixada gramaticalmente incompleta.

Ex.: - Alô! João está?- Agora não se encontra. Quem sabe se ligar mais tarde...c) ao fim de uma frase gramaticalmente completa com a intenção de sugerir prolongamento de idéia.Ex.: “Sua tez, alva e pura como um foco de algodão, tingia-se nas faces duns longes cor-de-rosa...” (Cecília- José de Alencar)d) indicar supressão de palavra (s) numa frase transcrita.Ex.: “Quando penso em você (...) menos a felicidade.” (Canteiros - Raimundo Fagner)

PARÊNTESES ( () )

a) isolar palavras, frases intercaladas de caráter explicativo e datas.Ex.: Na 2ª Guerra Mundial (1939-1945), ocorreu inúmeras perdas humanas."Uma manhã lá no Cajapió ( Joca lembrava-se como se fora na véspera), acordara depois duma grande tormenta no fim do verão. “ (O milagre das chuvas no nordeste- Graça Aranha)Os parênteses também podem substituir a vírgula ou o travessão.

PONTO DE EXCLAMAÇÃO ( ! )

a) Após vocativo.Ex.: “Parte, Heliel! “ ( As violetas de Nossa Sra.- Humberto de Campos).b) Após imperativo.Ex.: Cale-se!c) Após interjeição.Ex.: Ufa! Ai!d) Após palavras ou frases que denotem caráter emocional.Ex.: Que pena!

PONTO DE INTERROGAÇÃO ( ? )

a) Em perguntas diretas.Ex.: Como você se chama?b) Às vezes, juntamente com o ponto de exclamação.Ex.: - Quem ganhou na loteria?- Você.- Eu?!

VÍRGULA ( , )

É usada para marcar uma pausa do enunciado com a finalidade de nos indicar que os termos por ela separados, apesar de participarem da mesma frase ou oração, não formam uma unidade sintática.

Ex.: Lúcia, esposa de João, foi a ganhadora única da Sena.Podemos concluir que, quando há uma relação sintática entre termos da oração, não se pode separá-los por meio de vírgula.Não se separam por vírgula:

predicado de sujeito;

objeto de verbo;

adjunto adnominal de nome;

complemento nominal    de nome;

predicativo do objeto do objeto;

oração principal da subordinada substantiva (desde que esta não seja apositiva nem apareça na ordem inversa).

A vírgula no interior da oraçãoÉ utilizada nas seguintes situações:a) separar o vocativo. Ex.: Maria, traga-me uma xícara de café.A educação, meus amigos, é fundamental para o progresso do país.b) separar alguns apostos. Ex.: Valdete, minha antiga empregada, esteve aqui ontem.c) separar o adjunto adverbial antecipado ou intercalado. Ex.: Chegando de viagem, procurarei por você.As pessoas, muitas vezes, são falsas.d) separar elementos de uma enumeração.Ex.: Precisa-se de pedreiros, serventes, mestre-de-obras.e) isolar expressões de caráter explicativo ou corretivo.Ex.: Amanhã, ou melhor, depois de amanhã podemos nos encontrar para acertar a viagem.f) separar conjunções intercaladas.Ex.: Não havia, porém, motivo para tanta raiva.g) separar o complemento pleonástico antecipado.Ex.: A mim, nada me importa.h) isolar o nome de lugar na indicação de datas.Ex.: Belo Horizonte, 26 de janeiro de 2001.i) separar termos coordenados assindéticos.Ex.: "Lua, lua, lua, lua,por um momento meu canto contigo compactua..." (Caetano Veloso)j) marcar a omissão de um termo (normalmente o verbo).Ex.: Ela prefere ler jornais e eu, revistas. (omissão do verbo preferir)Termos coordenados ligados pelas conjunções e, ou, nem dispensam o uso da vírgula. Ex.: Conversaram sobre futebol, religião e política.Não se falavam nem se olhavam./ Ainda não me decidi se viajarei para Bahia ou Ceará.Entretanto, se essas conjunções aparecerem repetidas, com a finalidade de dar ênfase, o uso da vírgula passa a ser obrigatório.

Ex.: Não fui nem ao velório, nem ao enterro, nem à missa de sétimo dia.A vírgula entre oraçõesÉ utilizada nas seguintes situações:a) separar as orações subordinadas adjetivas explicativas. Ex.: Meu pai, de quem guardo amargas lembranças, mora no Rio de Janeiro.b) separar as orações coordenadas sindéticas e assindéticas (exceto as iniciadas pela conjunção e ). Ex.: Acordei, tomei meu banho, comi algo e saí para o trabalho. Estudou muito, mas não foi aprovado no exame.Há três casos em que se usa a vírgula antes da conjunção:1) quando as orações coordenadas tiverem sujeitos diferentes.Ex.: Os ricos estão cada vez mais ricos, e os pobres, cada vez mais pobres.2) quando a conjunção e vier repetida com a finalidade de dar ênfase (polissíndeto). Ex.: E chora, e ri, e grita, e pula de alegria.3) quando a conjunção e assumir valores distintos que não seja da adição (adversidade, conseqüência, por exemplo) Ex.: Coitada! Estudou muito, e ainda assim não foi aprovada.c) separar orações subordinadas adverbiais (desenvolvidas ou reduzidas), principalmente se estiverem antepostas à oração principal.Ex.: "No momento em que o tigre se lançava, curvou-se ainda mais; e fugindo com o corpo apresentou o gancho."( O selvagem - José de Alencar)d) separar as orações intercaladas. Ex.: "- Senhor, disse o velho, tenho grandes contentamentos em a estar plantando..."Essas orações poderão ter suas vírgulas substituídas por duplo travessão. Ex.: "Senhor - disse o velho - tenho grandes contentamentos em a estar plantando..."e) separar as orações substantivas antepostas à principal.Ex.: Quanto custa viver, realmente não sei.

PONTO-E-VÍRGULA ( ; )

a) separar os itens de uma lei, de um decreto, de uma petição, de uma seqüência, etc.Ex.: Art. 127 – São penalidades disciplinares:I- advertência;II- suspensão;III- demissão;IV- cassação de aposentadoria ou disponibilidade;V- destituição de cargo em comissão;VI- destituição de função comissionada. ( cap. V das penalidades Direito Administrativo)b) separar orações coordenadas muito extensas ou orações coordenadas nas quais já tenham tido utilizado a vírgula.Ex.: “O rosto de tez amarelenta e feições inexpressivas, numa quietude apática, era pronunciadamente vultuoso, o que mais se acentuava no fim da vida, quando a bronquite crônica de que sofria desde moço se foi transformando em opressora asma cardíaca; os lábios grossos, o inferior um tanto tenso (...) " (O visconde de Inhomerim - Visconde de Taunay)

TRAVESSÃO ( - )

a) dar início à fala de um personagem.Ex.: O filho perguntou:- Pai, quando começarão as aulas?b) indicar mudança do interlocutor nos diálogos.- Doutor, o que tenho é grave?- Não se preocupe, é uma simples infecção. É só tomar um antibiótico e estará bom.c) unir grupos de palavras que indicam itinerário.Ex.: A rodovia Belém-Brasília está em péssimo estado.Também pode ser usado em substituição à virgula em expressões ou frases explicativas.Ex.: Xuxa – a rainha dos baixinhos – será mãe.

ASPAS ( “ ” )

a) isolar palavras ou expressões que fogem à norma culta, como gírias, estrangeirismos, palavrões, neologismos, arcaísmos e expressões populares.Ex.: Maria ganhou um apaixonado “ósculo” do seu admirador.A festa na casa de Lúcio estava “chocante”.Conversando com meu superior, dei a ele um “feedback” do serviço a mim requerido.b) indicar uma citação textual.Ex.: “Ia viajar! Viajei. Trinta e quatro vezes, às pressas, bufando, com todo o sangue na face, desfiz e refiz a mala”. ( O prazer de viajar - Eça de Queirós)Se, dentro de um trecho já destacado por aspas, se fizer necessário a utilização de novas aspas, estas serão simples. ( ' ' )Recursos alternativos para pontuação:Parágrafo ( § )Chave ( { } )Colchete ( [ ] )Barra ( / )  

http://www.soportugues.com.br/secoes/fono/fono31.php

Ponto e vírgula ( ; )

O ponto e vírgula indica uma pausa maior que a vírgula e menor que o ponto. Quanto à melodia da frase, indica um tom ligeiramente descendente, mas capaz de assinalar que o período não terminou. Emprega-se nos seguintes casos:

- para separar orações coordenadas não unidas por conjunção, que guardem relação entre si.

Por Exemplo:

O rio está poluído;os peixes estão mortos.

- para separar orações coordenadas, quando pelo menos uma delas já possui elementos separados por vírgula.

Por Exemplo:

O resultado final foi o seguinte: dez professores votaram a favor do acordo; nove, contra.

- para separar itens de uma enumeração.

Por Exemplo:

No parque de diversões, as crianças encontram:brinquedos;balões;pipoca.

- para alongar a pausa de conjunções adversativas (mas, porém, contudo, todavia, entretanto, etc.) , substituindo, assim, a vírgula.

Por Exemplo:

Gostaria de vê-lo hoje; todavia, só o verei amanhã.

- para separar orações coordenadas adversativas quando a conjunção aparecer no meio da oração.

Por Exemplo:

Esperava encontrar todos os produtos no supermercado; obtive, porém, apenas alguns.

Dois-pontos ( : )

O uso de dois-pontos marca uma sensível suspensão da voz numa frase não concluída. Emprega-se, geralmente:

- para anunciar a fala de personagens nas histórias de ficção.

Por Exemplo:

"Ouvindo passos no corredor, abaixei a voz :– Podemos avisar sua tia, não?" (Graciliano Ramos)

- para anunciar uma citação.

Por Exemplo:

Bem diz o ditado: Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.Lembrando um poema de Vinícius de Moraes: "Tristeza não tem fim, Felicidade sim."

- para anunciar uma enumeração.

Por Exemplo:

Os convidados da festa que já chegaram são: Júlia, Renata, Paulo e Marcos.

- antes de orações apositivas.

Por Exemplo:

Só aceito com uma condição:Irás ao cinema comigo.

- para indicar um esclarecimento, resultado ou resumo do que se disse.

Exemplos:

Marcelo era assim mesmo: Não tolerava ofensas.Resultado: Corri muito, mas não alcancei o ladrão.Em resumo: Montei um negócio e hoje estou rico.

Obs.: os dois-pontos costumam ser usados na introdução de exemplos, notas ou observações. Veja:

Parônimos são vocábulos diferentes na significação e parecidos na forma. Exemplos:

ratificar/retificar, censo/senso, etc.

Nota: a preposição "per",considerada arcaica, somente é usada na frase "de per si " (= cada um por sua vez, isoladamente).

Observação: na linguagem coloquial pode-se aplicar o grau diminutivo a alguns advérbios: cedinho, melhorzinho, etc.

- na invocação das correspondências.

Por Exemplo:

Prezados Senhores:Convidamos todos para a reunião deste mês, que será realizada dia 30 de julho, no auditório da empresa.Atenciosamente,A Direção

1. COESÃO TEXTUAL

1a) O Brasil vive uma guerra civil diária e sem trégua. No país, que se orgulha da índole pacífica e hospitaleira de seu povo, a sociedade organizada ou não para esse fim promove a matança impiedosa e fria de crianças e adolescentes. Pelo menos sete milhões de menores, segundo estudos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), vivem nas ruas das cidades brasileiras.(Texto modificado de Istoé Senhor, 28 ago. 1991.)1b) A poesia às vezes se impõe por sua própria força. Mesmo quem nunca leu Carlos Drummond de Andrade sabe que ele é um grande poeta. Drummond marcou não só a literatura brasileira, mas também a vida cotidiana de muitas pessoas com suas crônicas publicadas no Jornal do Brasil. Sua poesia também se preocupou com a nossa vida diária. Nesses momentos a poesia deDrummond nos faz refletir sobre sentimentos advindos de certos fatos que, ditos de outra forma, não nos teriam tocado tanto. (Fonte: Roteiro de argumentação – lendo e argumentando)

2. ESTRUTURANDO O PARÁGRAFO

2a) (1) Homens e mulheres ficaram extremamente exigentes uns com os outros. (2) Querem dos companheiros novos papéis e novos modos de ser, aos quais ainda não estão adaptados culturalmente. (3) Por exemplo: a mulher espera que o homem seja ao mesmo tempo provedor, amigo, amante; que seja sensível, terno com ela e com os filhos, bem-sucedido e agressivo na luta pela vida; o homem, por sua vez, espera que a mulher divida com ele as responsabilidades econômicas da família, ao mesmo tempo que sonha com uma parceira disponível, submissa, amante fogosa e esposa recatada. (LAPORTE, Ana Maria & VOLPE, Neusa Vendramin. In: CORDI, Cassiano et alii.Para filosofar. São Paulo, Scipione, 1995. p. 76.) Frase 2 em relação à frase 1... // Frase 3 em relação à frase 2...

Frase 2 em relação a 1: eles, sujeito oculto de querem, retomahomens e mulheres.Frase 3 em relação a 2: a mulher, sujeito de espera, retomahomens e mulheres. 

2b) (1) Mesmo sem encontrar a solução para o problema do lixo atômico,

pressionados pela opinião pública, os governos dos grandes países ocidentais são obrigados a dar alguns passos que sequer foram discutidos no Brasil. (2) Um deles é a criação de um organismo especial para tratar da questão do lixo atômico, incluindo nesta estrutura a maneira de financiar os trabalhos. (3) De um modo geral, cobra-se uma taxa sobre a energia elétrica produzida, e com esses recursos monta-se o projeto. (4) Vários elementos são levados em conta e um dos mais importantes é a questão do transporte seguro dos rejeitos. (5) Foram experimentados novos tipos de "containers" e existe uma disposição de não passar muito perto dos grandes centros urbanos. (GABEIRA, Fernando. Goiânia, rua 57. Rio de Janeiro, Guanabara, 1987. p. 48.) 

Frase 2 em relação à frase 1: um deles retoma um dos passosFrase 3 em relação à frase 2: o modo de financiar liga-se acobrar taxas, por associaçãoFrase 4 em relação à frase 3: vários elementos associa-se amontagem do projetoFrase 5 em relação à frase 4: containers associa-se atransporte

2c) “Fica evidente que o homem, de modo geral, não tem mais uma preocupação de desfrutar das coisas simples da vida, como a proposta de Burle Marx ao plantar palmeiras para que as futuras gerações possam presenciar este espetáculo da natureza. Isto ocorre devido à predominância de uma cultura de massa alienadora, preocupada em ditar parâmetros e um ritmo eloquente de consumo em detrimento de uma instabilidade coletiva de bem-estar, que tenha por objetivo amenizar os hodiernos flagelos que ocorrem em todo o mundo,como por exemplo as guerras civis e a fome que ocorrem em solo africano."2d) “No mito grego, Narciso amava-se incondicionalmente. Apreciava sua voz, seu corpo e sua feição. Certo dia, Narciso apaixonou-se por uma voz, a da bela ninfa Eco. Palatáveis aos ouvidos de Narciso, entretanto, não eram as palavras que Eco dizia; eram as palavras que ele mesmo proferia e Eco, amaldiçoada para isso, refletia. Por isso, quando a viu, Narciso a rejeitou friamente, e ela, amargurada, definhou. Analogamente, o mundo contemporâneo encontra-se pleno de narcisos, indivíduos egocêntricos e indiferentes aos outros. Para eles, a imagem própria e o enaltecer do "eu" são as prioridades. Assim, sentem-se no direito de ignorar e menosprezar o outro, agindo friamente com relação ao outro, ao coletivo, ao mundo."

3. ARGUMENTAÇÃO

3a) “A miséria que ataca grande parte da população brasileira não é gratuita. Tem origem na péssima distribuição de renda, no desemprego, nas injustiças sociais.” (Apostila Anglo) -ARGUMENTO DE CAUSA E CONSEQUÊNCIA

3b) “Bom seria se o tempo fosse menos rígido e as situações menos efêmeras. Tudo acontece de forma muito breve, confirmando a teoria do sociólogo Zygmunt Bauman, cujo cerne é a liquidez da vida e a fluidez dos momentos. Devido a essa brevidade, motivo de desespero para os seres humanos, as pessoas buscam, cada vez mais, criar imagens baseadas no “carpe diem”, afirmando haver meio de aproveitar as situações, mesmo que elas sejam fugazes.” -ARGUMENTO DE AUTORIDADE

3c) “Uma simples comparação entre dados do Ministério da Saúde revela o quão perverso foi esse período quando o assunto é segurança pública. Entre 1979 e 1994, o número de pessoas assassinadas no país, confrontado com a população, praticamente dobrou. Em 79, havia 1.169 homicídios para cada grupo de 100 mil pessoas, número que chegou a 2.104, em 94.” (“Crises e Violência”, editorial da Folha de S. Paulo) -ARGUMENTO DE PROVAS CONCRETAS

3d) “Octavio Paz, poeta e ensaísta mexicano, ao analisar o seu país, concluiu que "Quando uma sociedade se corrompe, a primeira coisa que gangrena é a linguagem". No Brasil, a gangrena linguística começa pela recusa a dar o verdadeiro nome às coisas, e continua com o desprezo pelas palavras, pela inversão do significado delas, pela apropriação indébita de vocábulos ricos em sua significação, pela corrupção ideológica com que se contaminam as palavras, pelo desrespeito total ao universo a que elas pertencem.” (Apostila Anglo)- ARGUMENTO DE ENUMERAÇÃO

3e) “Infelizmente, na sociedade atual, há formas de trabalho que são mais valorizadas que outras. Por exemplo, o trabalho de um advogado é mais conceituado que o de um carpinteiro, o que pode ser visto na forma da remuneração. Um advogado recebe muito mais, pelas mesmas horas trabalhadas, que um carpinteiro. Isso porque o pensamento contemporâneo e capitalista enxerga que o advogado agrega mais valor à cadeia produtiva e, portanto, gera mais renda que o carpinteiro.” (Redação nota dez) -ARGUMENTO DE ARGUMENTO DE CAUSA E CONSEQUÊNCIA

3f) “Cada sistema tem seus indicadores. A Inglaterra, os Estados Unidos, por exemplo, têm dinheiro sobrando e, claro, uma Bolsa de Valores respeitável. Mas, quando o assunto é futebol, o Brasil não perde para ninguém, ou melhor, iguala-se à Inglaterra: os brasileiros não sentem inveja da torcida inglesa e vice-versa.” -ARGUMENTO DE COMPARAÇÃO

3g) “Motoqueiro: Capacete é a sua segurança. Ponha isso na cabeça!” - ARGUMENTO DE COMPETÊNCIA LINGUÍSTICA

3h) “No ritmo em que caminha a sociedade atual, as contradições são gritantes: a produção aumenta a olhos vistos, mais capital é acumulado ou reinvestido em nome de uma possível utilização posterior ou mero legado para as gerações futuras, enquanto, na mesma medida, o tempo de que se dispõe mostra-se cada vez mais escasso e passível apenas de ser aproveitado para maior produção e renda, e nunca para ócio, agora, não contraditoriamente, produtivo em si mesmo.” (Redação nota dez)- ARGUMENTO DE ENUMERAÇÃO

3i) “Desde os primórdios da civilização, o trabalho foi encarado de diversas formas. Como atividade sem valor social, exclusiva dos escravos na Antiguidade Clássica, permitiu o desenvolvimento intelectual dos cidadãos gregos, sobretudo no campo filosófico, o que lhes deu ferramentas ideológicas para manter seus escravos em sua situação, enquanto tais intelectuais, no ócio laborial completo, desfrutavam do trabalho alheio. Como atividade que "dignifica o homem, o trabalho tornou-se ainda mais explorador, principalmente a partir da Revolução Industrial, quando as ideologias da virtuosidade do labor foram impostas sutilmente pela burguesia à

classe operária, fazendo esta sustentar aquela, com um respaldo socioideológico - ainda mais "elaborado" - mais alienador e sutil - que o da Antiguidade.” (Redação nota dez)-ARGUMENTO DE EXEMPLIFICAÇÃO

3j) “Embora o planeta disponha de riquezas incalculáveis – estas, mal distribuídas, quer entre Estados, quer entre indivíduos – encontramos legiões de famintos em pontos específicos da Terra. Nos países do Terceiro Mundo, sobretudo em certas regiões da África, vemos com tristeza, a falência da solidariedade humana e da colaboração entre os países.” (Técnicas básicas de redação. Branca Granatic)- ARGUMENTO DE RESSALVA

3k) “Nada pode ser realizado sem antes ter sido sonhado. Não é possível construir-se uma casa, sem antes sonhar com suas formas, seus jardins e suas cores. Não é possível viver em paz, sem antes desejá-la e, muito menos, querer um mundo melhor, sem antes tê-lo sonhado.” (Redação nota dez)- ARGUMENTO DE ENUMERAÇÃO

3l) “Sem contar, é claro, as consequências que essa mesma falta de compromisso gera sobre o número de acidentes e mortes nas rodovias. Pegar o carro para sair de férias com a família ou para realizar uma viagem a trabalho, em qualquer estado brasileiro, tornou-se um grande risco. É assustador o número de acidentes comprovadamente causados pela precariedade das estradas. Só no estado de São Paulo, onde a conservação das rodovias é considerada a melhor do país, houve 35.141 acidentes automobilísticos entre janeiro e junho de 2005. Sendo que esses mesmos acidentes provocaram 18.527 vítimas, das quais, 1.175 fatais. É intolerável que milhares de pessoas morram por ano devido à má conservação das estradas brasileiras, problema esse que poderia ser facilmente solucionado caso o governo investisse atenção e dinheiro nas rodovias. (Redação nota dez) -ARGUMENTO DE PROVAS CONCRETAS

3m) “Tomemos, como exemplo, o trabalho de um arquiteto. Ao projetar uma casa, ele está aplicando toda a bagagem técnica adquirida na faculdade. No entanto, uma pessoa que não seja formada em Arquitetura, mas, que tenha senso estético, pode muito bem ter opiniões coerentes e úteis a respeito do projeto.” (Redação nota dez)- ARGUMENTO DE EXEMPLIFICAÇÃO

4. ESTRATÉGIAS DISSERTATIVAS

4a) “O dinamismo da civilização humana na busca frenética do progresso produziu um mundo extremamente racional. Porém, o homem deve preocupar-se em adotar uma posição racional e lógica, permeada pela emoção e pelo sentimento. - RESSALVA

4b) Muito se tem cogitado sobre a legalização do aborto no Brasil. Há os que o defendem de forma racional por perceberem as várias implicações que ele tem numa sociedade tão subdesenvolvida e analisarem objetivamente os dados disponíveis pelas várias instituições que cuidam do assunto. Há os que o atacam de forma apaixonada, quase sempre levados por questões pessoais ou preconceitos religiosos, éticos ou morais. - BILATERALIDADE

4c) Se considerarmos que a pena de morte é uma violência, então a sociedade

estará cometendo um crime para resolver tantos outros. O problema maior é que a sociedade assim o exige, iludida com a possibilidade de amedrontar os bandidos recentes ou futuros. Crê na sua felicidade à custa do sofrimento de outras pessoas, o que é um perigo. - POSIÇÃO DEFINIDA

4d) Na mitologia, os Deuses, utilizando-se de seus poderes, intimidavam os mortais para obterem deles a realização de seus desejos “carnais”. A mitologia se difunde pelo mundo e com ela se espalham ideias, como as de que o poder confere ao seu possuidor a plena satisfação de seus desejos. Em 2001, o Brasil aprova uma lei que tentará limitar certos desejos. No entanto, tal lei está longe de ser realidade brasileira e apresenta inconvenientes tantos para os assediados como para os supostos assediadores. -COMPARAÇÃO OU ANALOGIA

4e) Televisão, telefones celulares, computadores, internet. O século XX chega ao seu final marcado não só pela globalização e pelo desenvolvimento da tecnologia. Sua juventude também passou por transformações e adentrará os novos anos calcada em valores e concepções diferentes das de seus pais. -CRONOLOGIA

4f) A capacidade de estar à frente de seu tempo quase nunca confere ao seu possuidor alguma vantagem. A dureza das sociedade humanas em aceitar certas noções desmente, não raro, o ditado popular que diz que “em terra de cegos, quem tem um olho é rei.” - POSIÇÃO DEFINIDA

4g) É difícil caracterizar os jovens brasileiros do final do segundo milênio, porque sempre se corre o risco de produzir simples generalizações – o que relativiza o valor da caracterização. Pode-se ainda correr o risco de descrever características não representativas, particularizando o universal e também relativizando o resultado. Mas se de arriscar se trata, aqui vão algumas das feições da época pós-moderna e dos seus produtos: os jovens de hoje. - RESSALVA

4h) No imenso e colorido caldeirão global, a bruxa-malvada do preconceito despeja temperos fortes de neonazismo e xenofobia, agitando com maior intensidade, nas últimas décadas, a copa das nações em guerra, atentados armados e conflitos étnico-religiosos. Caem mais tijolinhos do ‘castelo encantado’ chamado capitalismo. - COMPARAÇÃO OU ANALOGIA

4i) O crescimento do neonazismo e do neofascismo está intimamente ligado à concentração de renda mundial, ao desemprego estrutural,ao processo de globalização e ao descaso governamental. - SÍNTESE DE IDEIAS OU DE ARGUMENTOS

4j) Uma estátua surrealista nos moldes de um corpo humano, a cabeça enorme, com grandes ouvidos e olhos arregalados. As mãos também se fazem grandes se comparadas ao resto do corpo. No peito, um buraco. Essa é a imagem que pode ser formada, no subconsciente, quando se pensa na jovem geração brasileira que chega, agora, ao vestibular. - COMPARAÇÃO OU ANALOGIA

4k) No livro “ O retrato de Dorian Gray”, o escritor Oscar Wilde narra a história de um homem tão belo que, obcecado pela própria imagem, consegue não permitir que ela se degrade ao fazer com que o retrato seu envelhecer em vez de seu rosto. O retrato, entretanto, definhou a tal ponto que Gray não pôde mais observá-lo sem se

desesperar. Assim como o personagem de Wilde, as pessoas obcecadas por suas imagens, tanto no que se refere ao físico quanto no que tange às impressões sociais que causam. Esse cuidado extremo com a imagem, não obstante, faz definhar o espírito do indivíduo. - COMPARAÇÃO OU ANALOGIA

4l) Em uma famosa tela de Magritte observa-se um cachimbo desenhado, acompanhado da inscrição: “Isso não é um cachimbo”. De fato, não o é, mas apenas a sua representação. Somos nós que enxergamos a imagem e imediatamente a assimilamos ao objeto real, sem considerar que ambos não são iguais. Magritte sabia como o homem ignora a distinção entre a imagem e o real, e que essas imagens atribuem significados ao real. Instituições como o casamento, a Igreja e o Estado, por exemplo, dependem de seu simbolismo para perpetuarem-se. Porém, devemos saber distinguir entre o que são e o que representam. - RESSALVA

4m) Atualmente, mesmo dispondo dos mais avançados métodos de produção agrícola, a população humana ainda enfrenta problemas ao tratar da segurança alimentar. Num planeta em que convivem obesos e subnutridos, fica evidente a problemática ligada à alimentação, e tal realidade nos permite questionar: o que vem impedindo a satisfação das necessidades alimentares básicas de quase um bilhão de pessoas no mundo?” –QUESTIONAMENTO

Zygmunt Bauman1. A fragilidade dos laços humanos

A OBRA:BAUMAN, Zygmunt.Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos.Rio de Janeiro: ZAHAR, 2004

Em Assim falou Zaratrusta, Nietzsche profetiza que somente um tipo de homem é capaz de livrar-se das garras dos tempos modernos. Consolidifica, então, o conceito central da filosofia nietzscheniana: o conceito de super-homem. Porém, para que o homem alcance tal façanha, de acordo com Nietzsche, é necessário tornar-se uma espécie de ermitão, viver anos e anos nas montanhas para, desse modo, buscar a reflexão dos re: repensar, refletir e redirecionar sua conduta sócio-cultural-econômica e até espiritual, quem sabe.Para elaborar uma equação desse problema, com a pretensão de ter uma resposta para isso, o homem não necessariamente precisa tornar-se um ser introspectivo no seu mais alto grau e viver isolado, boa parte da vida, para se reencontrar. Pelo contrário. O próprio ambiente midiático deve, com todas as suas armas de aprisionamento, servir como suporte ao super-homem de Nietzsche. O homem, contudo, ainda permanece refém desse meio e, por conseguinte, acostumou-se a resolver problemas com base em clicks e com base na velocidade do provedor. E é justamente sobre esse ponto que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman discute em seu livro Amor Líquido, publicado no Brasil pela Zahar, em 2004.Os tempos modernos e, agora, os tempos pós-modernos (para alguns) causaram um

estado de fusão na sociedade humana, de acordo com o estudo de Bauman (2004). Para ele, houve uma transformação do estado sólido para o líquido. Evidencia-se, então, o conceito de “líquido mundo moderno” – algo similar à frase antológica de Marx: “tudo o que é sólido desmancha no ar”.Amor Líquido é, destarte, uma reflexão crítica do cotidiano do homem moderno, que ressalta “a fragilidade dos laços humanos”. Dividido em quatro capítulos (Apaixonar-se e desapaixonar-se; Dentro e fora da caixa de ferramentas da sociedade; Sobre a dificuldade de amar o próximo; Convívio destruído), Bauman (2004, p. 8) considera o “cidadão de nossa líquida sociedade moderna” como Der Mann ohne Verwandtschaften – o homem sem vínculos – e objetiva, no livro, “traçar um painel de esboços imperfeitos e fragmentários, em lugar de tentar produzir uma imagem completa”. Remete-me, esse foco central do estudo, ao aforisma 489 de Humano, demasiado humanoIndo profundamente demais:Pessoas que compreendem algo em toda a sua profundeza raramente lhe permanecem fiéis para sempre. Elas justamente levaram luz à profundeza: então há muita coisa ruim para ver (NIETZSCHE, 2000, p. 266).Nos dois primeiros capítulos, Bauman (2004) esmiúça a fragilidade que o “líquido mundo moderno”, de certa forma, impôs ao relacionamento humano. Em Apaixonar-se e desapaixonar-se, o autor atrela amor à cultura consumista. Hoje, amar é como um passeio no shopping center, visto que “tal como outros bens de consumo, ela [vida] deve ser consumida instantaneamente (não requer maiores treinamentos nem uma preparação prolongada) e usada uma só vez, “sem preconceito”.A cultura consumista do amor, então, serve de cenário para o segundo capítulo Dentro e fora da caixa de ferramentas da sociedade. O sentimento do imediatismo oferece conseqüências à “líquida, consumista e individualizada sociedade moderna”. O resultado de intensificação da velocidade globalizante é pontificada por Bauman (2004) na sentença: “a solidariedade humana é a primeira baixa causada pelo triunfo do mercado consumidor”.Ora, a imposição ardilosa, configurada dentro da aldeia global, transformou o relacionamento entre humanos como o mais (im)perfeito produto oferecido pelo mercado, haja vista os avanços na área genética. Doravante, será concretizada a configuração, não somente interna como externa, da prole humana. Pais poderão montar seus filhos de acordo com a conta bancária de cada um. Mesmo que essa realidade esteja imbuída em um contexto diminuto, é assustador imaginar os limites da ganância humana. Deus não está somente morto. Os homens querem seu trono.Quem seria, portanto, o responsável? De acordo com Bauman (2004), é o próprio homem mediante a (des)configuração do líquido mundo moderno competitivo. Hoje, mais do que nunca, o homem necessita de produtos pré e/ou fabricados. Até mesmo o tempo livre e as férias são programadas por meio de tais produtos impostos pelo mercado. Destarte, é justamente dessa lógica que o sociólogo polonês trata na metade final de Amor Líquido.Em Sobre a dificuldade de amar o próximo, o autor perscruta a atmosfera do relacionamento humano pelo conceito bíblico de amar ao próximo como a si mesmo. Segundo Bauman (2004), “o amor próprio é construído a partir do amor que nos é oferecido por outros”. Evidencia-se a construção de amar a si mesmo somente quando há o mesmo sentimento – no caso, amor – manifestado por outros que “devem nos amar primeiro para que comecemos a amar a nós mesmos”, finaliza.Finalmente, no quarto e último capítulo de Amor líquido, o autor reflete sobre a vertiginosa indústria do medo que criou um novo espectro: o da xenofobia. Os imigrantes são acusados como sendo os principais causadores da epidemia financeira do líquido mundo moderno, hoje. São eles, segundo a indústria do medo,

que dão à sociedade os graves males dos Estados-nação. Somente os imigrantes são os criminosos. E é dentro dessa tangente xenofóbica que a mídia encontra sua menina dos olhos de ouro. Ou seja, a pauta, dentro dessas redações, são e continuaram sendo as mesmas. Roubos, assassinatos e, principalmente, atentados terroristas são reflexos da invasão imigratória de indivíduos oriundos de países periféricos e/ou miseráveis. Exemplos, não faltam no noticiário internacional.Qual é, então, o papel dos meios de comunicação de massa nesse ambiente líquido moderno? Ora, a atmosfera midiática protagoniza justamente a socialização do homem dentro da líquida razão moderna. Hoje, os seres humanos buscam contatos com seus pares mediante um mundo virtual em que podem, segundo a imposição do próprio sistema de irmandade do final do século XX e início do terceiro milênio, substituir “fracassos”, “frustrações” e até “conquistas” com a agilidade e velocidade da Internet. Bauman (2004) utiliza como reflexo da metamorfose da relação humana o testemunho de um universitário polonês que afirma categoricamente que dentro do líquido mundo moderno tudo se resolve na base dodelete – um simples toque no mouse e tal como um passe de mágica, os problemas desaparecem. Basta limpar a lixeira e pronto.Intensifica-se, de maneira avassaladora, a substituição de contatos físicos. Tudo acontece hoje somente àqueles que estão conectados. O resultado não pode ser pior e está traduzido no subtítulo do estudo de Bauman (2004): “a fragilidade dos laços humanos”. A partir do momento em que os verdadeiros cidadãos perceberem o tamanho do labirinto onde se encontram e se mobilizarem para solucionar o problema é que se dará o primeiro passo rumo à socilialização humana. Senão,mesmo coma capacidade do homem em se adaptar aos imbróglios, a sociedade continuará correndo atrás do próprio prejuízo. Tudo isso nos remete ao pensamento de Antonio Gramsci (ano): “sou um pessimista pela inteligência, mas um otimista por desejo”.

Jorge Marcos Henriques Fernandes - é mestrando em Comunicação e Cultura Midiática junto à Universidade Paulista.Rua José Bonani, 226Bel recanto - Taubaté-SPCEP 12031-260Email: [email protected]

TRAMITAÇÃO

Texto recebido em: 08/07/2005Aceito para publicação: 06/10/2005

Rev. ciênc. hum, Taubaté, v. 11, n. 2, p. 173-174, jul./dez. 2005. 174

2. AMOR LÍQUIDO – As Fragilidades dos Laços Humanos

29 29UTC abril 29UTC 2008 às 14:53 (1) 

ENSAIOS 

Gioconda Bordon

O título do livro do sociólogo polonês Zigmunt Bauman é sugestivo e, sobretudo, apropriado para um sentimento que não se submete docilmente a definições. Professor emérito de sociologia nas Universidades de Varsóvia e de Leeds, na Inglaterra, ele tem vários livros traduzidos para o português, e o tema recorrente em sua obra são os vínculos sociais possíveis no mundo atual, neste tempo que se convencionou denominar de pós-modernidade.

A noção de liquidez, quando se refere às relações humanas, tem um sentido inverso ao empregado nas relações bancárias, a disponibilidade de recursos financeiros. A liquidez de quem tem uma conta polpuda no banco, acessível a partir de um comando eletrônico é capaz de tornar qualquer desejo uma realidade concreta. É um atributo potencializador. O amor líquido, ao contrário, é a sensação de bolsos vazios.É preciso deixar claro que Bauman não se propõe a indicar ao leitor fórmulas de como obter sucesso nas conquistas amorosas, nem como mantê-las atraentes ao longo do tempo, muito menos como preservá-las dos possíveis, e às vezes inevitáveis, desgastes no decorrer da vida a dois. Não há como assegurar conforto num encontro de amor, nem garantias de invulnerabilidade diante das apostas perdidas, nunca houve. Quem vende propostas de baixo risco são comerciantes de mercadorias falsificadas.A área de estudo principal de Bauman é a sociologia, o campo do pensamento que vai ser o ponto de partida e o foco fundamental do retrato sobre a urgência de viver um relacionamento plenamente satisfatório dos cidadãos pós-modernos. Digamos que as dificuldades vividas por um casal refletem o estilo que uma comunidade mais ampla estabelece como padrão aceitável de relacionamento entre seus vizinhos, entre os que habitam um espaço comum. Bauman é realista. Sabe que “nenhuma união de corpos pode, por mais que se tente, escapar à moldura social e cortar todas as conexões com outras facetas da existência social”. Portanto, partindo do seu campo específico de estudo, ele faz uma radiografia das agruras sofridas pelos homens e mulheres que têm que estabelecer suas parcerias no mundo globalizado.Mundo que ele identifica como líquido, em que as relações se estabelecem com extraordinária fluidez, que se movem e escorrem sem muitos obstáculos, marcadas pela ausência de peso, em constante e frenético movimento. Em seus livros anteriores, já traduzidos e disponíveis para o leitor brasileiro, Bauman defende a idéia de que esse processo de liquefação dos laços sociais não é um desvio de rota na história da civilização ocidental, mas uma proposta contida na própria instauração da modernidade. A globalização, palavra onde estão contidos os prós e os contras da vida contemporânea e suas conseqüências políticas e sociais, pode ser um conceito meio difuso, mas ninguém fica imune aos seus efeitos. A rapidez da troca de informações e as respostas imediatas que esse intercâmbio acarreta nas decisões diárias; qualidades e produtos que ficam obsoletos antes do prazo de vencimento; a incerteza radicalizada em todos os campos da interação humana; a falta de padrões reguladores precisos e duradores são evidências compartilhadas por todos os que estão neste barco do mundo pós-moderno. Se esse é o pano de fundo do momento, ele vai imprimir sua marca em todos as possibilidades da experiência, inclusive nos relacionamentos amorosos. O sociólogo Zygmunt Bauman mostra como o amor também passa a ser vivenciado de uma maneira mais insegura, com dúvidas acrescidas à já irresistível e temerária atração de se unir ao outro. Nunca houve tanta liberdade na escolha de parceiros, nem tanta variedade de

modelos de relacionamentos, e, no entanto, nunca os casais se sentiram tão ansiosos e prontos para rever, ou reverter o rumo da relação.O apelo por fazer escolhas que possam num espaço muito curto de tempo serem trocadas por outras mais atualizadas e mais promissoras, não apenas orientam as decisões de compra num mercado abundante de produtos novos, mas também parecem comandar o ritmo da busca por parceiros cada vez mais satisfatórios. A ordem do dia nos motiva a entrar em novos relacionamentos sem fechar as portas para outros que possam eventualmente se insinuar com contornos mais atraentes, o que explica o sucesso do que o autor chama de casais semi-separados. Ou então, mais ou menos casados, o que pode ser praticamente a mesma coisa. Não dividir o mesmo espaço, estabelecer os momentos de convívio que preservem a sensação de liberdade, evitar o tédio e os conflitos da vida em comum podem se tornar opções que se configuram como uma saída que promete uma relação com um nível de comprometimento mais fácil de ser rompido. É como procurar um abrigo sem vontade de ocupá-lo por inteiro. A concentração no movimento da busca perde o foco do objeto desejado. Insatisfeitos, mas persistentes, homens e mulheres continuam perseguindo a chance de encontrar a parceria ideal, abrindo novos campos de interação. Daí a popularidade dos pontos de encontros virtuais, muitos são mais visitados que os bares para solteiros, locais físicos e concretos, onde o tête à tête, o olho no olho é o início de um possível encontro. Crescem as redes de interatividade mundiais onde a intimidade pode sempre escapar do risco de um comprometimento, porque nada impede o desligar-se. Para desconectar-se basta pressionar uma tecla; sem constrangimentos, sem lamúrias, e sem prejuízos. Num mundo instantâneo, é preciso estar sempre pronto para outra. Não há tempo para o adiamento, para postergar a satisfação do desejo, nem para o seu amadurecimento. É mais prudente uma sucessão de encontros excitantes com momentos doces e leves que não sejam contaminados pelo ardor da paixão, sempre disposta a enveredar por caminhos que aprisionam e ameaçam a prontidão de estar sempre disponível para novas aventuras. Bauman mostra que estamos todos mais propensos às relações descartáveis, a encenar episódios românticos variados, assim como os seriados de televisão e seus personagens com quem se identificam homens e mulheres do mundo inteiro. Seus equívocos amorosos divertem os telespectadores, suas dificuldades e misérias afetivas são acompanhadas com o sorriso de quem sabe que não está sozinho no complicado jogo de esconde-esconde amoroso.A tecnologia da comunicação proporciona uma quantidade inesgotável de troca de mensagens entre os cidadãos ávidos por relacionar-se. Mas nem sempre os intercâmbios eletrônicos funcionam como um prólogo para conversas mais substanciais, quando os interlocutores estiverem frente a frente. Os habitantes circulando pelas conexões líquidas da pós-modernidade são tagarelas a distância, mas, assim que entram em casa, fecham-se em seus quartos e ligam a televisão.Zygmunt Bauman explica que hoje “a proximidade não exige mais a contigüidade física; e a contigüidade física não determina mais a proximidade”. Mas ele reconhece que “seria tolo e irresponsável culpar as engenhocas eletrônicas pelo lento, mas constante recuo da proximidade contínua, pessoal, direta, face a face, multifacetada e multiuso”. As relações humanas dispõem hoje de mecanismos tecnológicos e de um consenso capaz de torná-las mais frouxas, menos restritivas. É preciso se ligar, mas é imprescindível cortar a dependência, deve-se amar, porém sem muitas expectativas, pois elas podem rapidamente transformar um bom namoro num sufoco, numa prisão. Um relacionamento intenso pode deixar a vida um inferno, contudo, nunca houve tanta procura em relacionar-se. Bauman vê homens e mulheres presos numa trincheira sem saber como sair dela, e, o que é ainda mais

dramático, sem reconhecer com clareza se querem sair ou permanecer nela. Por isso movimentam-se em várias direções, entram e saem de casos amorosos com a esperança mantida às custas de um esforço considerável, tentando acreditar que o próximo passo será o melhor. A conclusão não pode ser outra: “a solidão por trás da porta fechada de um quarto com um telefone celular à mão pode parecer uma condição menos arriscada e mais segura do que compartilhar um terreno doméstico comum”.Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos, de Zigmunt Bauman, mostra-nos que hoje estamos mais bem aparelhados para disfarçar um medo antigo. A sociedade neoliberal, pós-moderna, líquida, para usar o adjetivo escolhido pelo autor, e perfeitamente ajustado para definir a atualidade, teme o que em qualquer período da trajetória humana sempre foi vivido como uma ameaça: o desejo e o amor por outra pessoa.O mais recente título do sociólogo polonês, que recebeu os prêmios Amalfi (em 1989, pelo livro Modernidade e Holocausto), e Adorno (em 1998, pelo conjunto de sua obra), é uma leitura precisa e eloqüente, um convite a uma reflexão aberta não apenas aos estudantes e interessados em trabalhos acadêmicos. O seu texto claro, apesar de fortemente estruturado numa erudição consistente, não deixa de abrir espaço para o leitor comum, interessado em compreender como as estruturas sociais e econômicas dos tempos atuais, tentam dar conta da complexidade do amor que, com a permissão de citá-lo mais uma vez, é “uma hipoteca baseada num futuro incerto e inescrutável”.

2. Parte 2-

Um renomado periódico espanhol referiu-se recentemente a Zygmunt Bauman como um dos poucos sociólogos contemporâneos "nos quais ainda se encontram idéias". Opinião semelhante é freqüentemente exposta por críticos de várias partes do mundo quando refletem sobre o pensamento desse intelectual polonês radicado na Inglaterra desde 1971 e empenhado há meio século em "traduzir o mundo em textos", como diz um deles. Indiferente às fronteiras disciplinares, Bauman é um dos líderes da chamada "sociologia humanística", ao lado de Peter Berger, Thomas Luckmann e John O'Neill, entre outros. De um lado, não se encontram em suas obras abstrações ou análises e levantamentos estatísticos; de outro, são ali aproveitadas quaisquer idéias e abordagens que possam ajudá-lo na tarefa de compreender a complexidade e a diversidade da vida humana. Essa é uma das razões pelas quais Bauman tem muito a dizer para uma gama de leitores muito maior do que normalmente se espera de um trabalho de sociologia mais convencional, o que condiz com suas próprias ambições de atingir um público composto de pessoas comuns "esforçando-se para ser humanas" num mundo mais e mais desumano. Como ele gosta de insistir, seu objetivo é mostrar a seus leitores que o mundo pode ser diferente e melhor do que é.

Autor prolífico e de renome internacional, pode-se dizer que sua fama e prolixidade aumentaram significativamente após a aposentadoria, em 1990: 16 de seus 25 livros foram publicados após essa data e cinco obras dedicadas ao estudo de seu pensamento foram escritas nos últimos anos.

Descrito certa vez como "profeta da pós-modernidade" (com o que não concorda), por suas reflexões sobre as condições do mundo da "modernidade líquida", os temas abordados por Bauman tendem a ser amplos, variados e especialmente focalizados na vida cotidiana de homens e mulheres comuns. Holocausto, globalização, sociedade de consumo, amor, comunidade, individualidade são algumas das questões de que trata, sempre salientando a dimensão ética e humanitária que deve nortear tudo o que diz respeito à condição humana. Preocupado com a sina dos oprimidos, Bauman é uma das

vozes a permanentemente questionar a ação dos governos neoliberais que promovem e estimulam as chamadas forças do mercado, ao mesmo tempo em que abdicam da responsabilidade de promover a justiça social. "Hoje em dia", lamenta ele, "os maiores obstáculos para a justiça social não são as intenções... invasivas do Estado, mas sua crescente impotência, ajudada e apoiada todos os dias pelo credo que oficialmente adota: o de que 'não há alternativa'". É nesse quadro que se pode entender sua afirmação de que "esse nosso mundo" precisa do socialismo como nunca antes. Mas o socialismo de que Bauman fala, como insiste em esclarecer, não se opõe "a nenhum modelo de sociedade, sob a condição de que essa sociedade teste permanentemente sua habilidade de corrigir as injustiças e de aliviar os sofrimentos que ela própria causou". É nesse sentido que ele define o socialismo como "uma faca afiada prensada contra as flagrantes injustiças da sociedade".

Nascido na Posnânia em 1925, Bauman escapou dos horrores do holocausto que aguardavam os judeus poloneses na Segunda Guerra Mundial ao fugir com sua família para a Rússia, em 1939. De lá voltou após a guerra, quando se filiou ao partido comunista, estudou na Universidade de Varsóvia e conheceu Janina, com quem está casado há 55 anos e com quem teve três filhas: Anna (matemática), Lydia (pintora) e Irena (arquiteta).

Confiantes e animados pelo sonho de criar uma sociedade mais justa e igualitária, Zygmunt e Janina ali construíram suas carreiras (ele como professor da Universidade de Varsóvia e ela como editora de roteiros cinematográficos) e criaram sua família, até que uma nova onda de anti-semitismo e repressão esmagou seus sonhos e os forçou ao exílio. Após três anos em Israel, o convite para o cargo de chefe do departamento de sociologia na Universidade de Leeds trouxe Bauman e sua esposa à Inglaterra, onde permanecem até hoje.

Gentil, modesto e reservado, Zygmunt Bauman aceitou prontamente ser entrevistado para o público do Brasil, país que pouco conhece e onde esteve uma única vez há vários anos, para um congresso de sociologia no Rio de Janeiro. Pelas notícias que ouve do país, o que o impressiona é a desumanidade de cidades como São Paulo, por exemplo, uma cidade que, como diz, com sua abundância de muros ao redor de residências, prédios, parques etc., mostra "o lado mais brutal e inescrupuloso das tendências segregadoras e exclusivistas" das cidades metropolitanas. O fato de os brasileiros despenderem "4,5 bilhões de dólares por ano em segurança privada" só acresce a desumanidade de um quadro que considera sintomático da realidade mundial.

Bauman recebeu-me em Leeds, na confortável casa onde mora desde que ali chegou, há mais de trinta anos. "Naquela época achei a cidade horrível, imunda", disse-me Janina, comentando a mudança dos últimos tempos, que transformou Leeds de um sujo centro industrial em uma cidade bonita, verdejante e cheia de vida.

Extremamente hospitaleiro (algo muito próprio dos europeus do Leste, como dizem), Bauman entremeou reflexões sobre sua obra e sua vida com idas à cozinha para servir chá quente e com oferecimentos insistentes de caprichados canapés de salmão e outros petiscos cuidadosamente dispostos na pequena mesa de sua biblioteca.

Quando se acompanha sua carreira, o senhor parece um filósofo que, devido às condições da Polônia de pós-guerra, foi temporariamente desviado de sua vocação, voltando-se para a sociologia. Concorda com essa descrição?

Essa seria uma reconstrução justa do que realmente aconteceu e de como eu encarava a situação, mas com uma ressalva. Eu não era um filósofo profissional antes de ter me

desviado para a sociologia, como você sugere; nem desejava me tornar um. Antes de me juntar ao exército polonês e voltar para meu país natal por essa via, eu fiz dois anos de curso universitário de física por correspondência (na Rússia, os estrangeiros não tinham permissão de viver em cidades grandes, onde havia universidades). Lembro de, como tantos adolescentes, me sentir um tanto apavorado e esmagado pelos mistérios e enigmas do universo e de desejar ardentemente dedicar minha vida a desvendar esses mistérios e a solucionar esses enigmas. Meus estudos no entanto foram interrompidos pelo apelo das armas, quando eu tinha 18 anos, para jamais serem retomados.

Ao deixar o exército em 1945, eu me vi novamente numa Polônia arruinada pela ocupação nazista, o que se somava a um anterior legado de miséria, de desemprego em massa, de conflitos étnicos e religiosos aparentemente insolúveis e de exploração de classe brutal. Os desafios que meu país confrontava eram, pois, muito maiores do que os do resto da Europa, pois além de reconstruir fábricas e casas, semear campos abandonados e colocar a economia de pé novamente, a Polônia exigia a batalha exaustiva contra uma pobreza sedimentada e contra profundas divisões de classe; a abertura das oportunidades educativas também era tarefa urgente, já que até então elas haviam estado fechadas à grande maioria da nação. Para resumir, a Polônia ainda tinha que aderir ao "projeto de modernidade", que podia ainda estar "inacabado" na Europa (e ainda hoje está, como insiste Jurgen Habermas), mas que na Polônia de 1945 ainda nem havia começado seriamente.

Imagino que a crença de que a sociologia poderia melhorar a vida humana ao reformar o meio social no qual esta se conduzia era parte integral do "projeto de modernidade". Até mesmo diria que o projeto consistia exatamente nisso. Assim, as pessoas que estavam seriamente empenhadas em levar a sociedade a desenvolver condições mais desejáveis — a fim de ser "moderna", ou seja, mais humana e melhor estruturada para promover a felicidade e a dignidade humanas — não titubeavam um instante sobre que tipo de conhecimento deveria ser com mais urgência adquirido, dominado e colocado em prática. Certamente só poderia ser a "ciência da sociedade", a sociologia, a disciplina que surgira para servir ao "projeto de modernidade". Como Auguste Comte disse na origem do mais "modernista" dos objetivos científicos, "il faut savoir pour prévoir, e prévoir pour pouvoir". Tal convicção sobre a missão da sociologia e tal fé em seu poder de realizar sua missão devem, sem dúvida, intrigar um leitor contemporâneo, mas somente porque vivemos hoje numa era diferente, quando o mantra do dia não é mais "salvação pela sociedade"; infelizmente, o que se ouve agora, como homilias insistentes, é que devemos buscar soluções individuais para problemas produzidos socialmente e sofridos coletivamente.

Se o senhor é ao mesmo tempo sociólogo e filósofo, poderia dizer se há ocasiões em que os dois papéis entram em conflito?

Essa é uma questão de perspectiva, pois combinar os papéis de "sociólogo" e de "filósofo" (ou ser enquadrado ora em um ora no outro, ou nos dois ao mesmo tempo) pode parecer esquisito agora e no mundo anglo-saxão (ou nas partes do mundo nas quais o desenvolvimento das ciências sociais seguiu um padrão americano após a Guerra). Mas nem sempre, nem em todos os lugares, foi assim... Certamente não era assim na Polônia, onde, como em grande parte da Europa, a sociologia foi concebida, gestada e incubada dentro do pensamento filosófico — como parte, ou ramo, da filosofia. Fui educado e treinado no Departamento de Filosofia e Sociologia, e não me recordo de nenhum conflito entre as duas partes do mundo acadêmico: ambas pareciam assumir que eram "naturalmente" parte de um todo, talvez se vissem mesmo como gêmeos siameses, ou até gêmeos holocéfalos!

Sou inclinado a acreditar que as raízes da sociologia como uma atividade intelectual separada e relativamente autônoma se encontram na exposição da antiga atividade filosófica à ousada, e até temerária, intenção de "ilustrar". O projeto de "ilustração" pode ser entendido, para usar a famosa alegoria de Platão, como a vontade de levar o produto da contemplação das verdades brilhantes e ofuscantes dos filósofos para os habitantes das cavernas e, desse modo, retirá-los dos bancos aos quais estavam atados, permitindo que vissem, absorvessem e retivessem algo mais valioso do que as meras sombras das coisas refletidas nas paredes. Em outras palavras, a sociologia nasceu da intenção, do desejo de compartilhar a sabedoria dos filósofos com hoi polloi, as "pessoas comuns", e de com isso elevá-las da ignorância e superstição para o conhecimento e entendimento genuínos. Inclino-me a pensar que na sua origem a sociologia era um programa de educação filosófica universal... Li o apelo à razão como uma faculdade universal dos seres humanos, contido em Was is Aufklarung ("O que é Iluminismo") de Kant, como um manifesto sociológico (dentre outras coisas, é claro).

Muitas pessoas tendem a descrever sua obra como sendo a de um moralista ou, pelo menos, como a de um sociólogo com mensagens éticas muito fortes. Concorda com essa descrição? Se sim, diria que está propondo um novo tipo de sociologia?

Talvez deva começar dizendo que, diferentemente da filosofia que "deixa o mundo como é", conforme a famosa reclamação de Ludwig Wittgenstein (que disse isso seguramente pensando no tipo de filosofia de "análise lingüística" que dominava o universo acadêmico da época), a sociologia faz diferença no mundo. Diria mesmo que, considerando sua ligação com a condição humana, há alguma afinidade entre o papel da sociologia e o da engenharia. A "engenharia" em que a sociologia se engaja, quer deliberadamente ou não, pode ser de dois tipos, e faz uma imensa diferença saber de qual deles se trata. Desde os anos de 1950 cunhei os termos "engenharia pela manipulação" e "engenharia pela racionalização" para diferenciar os dois tipos de engajamento e esclarecer para mim mesmo a qual tipo eu deveria aderir e de qual eu deveria me afastar.

O primeiro tipo de "engenharia", imensamente popular no meu tempo de estudante, tanto na comunista Polônia como na capitalista América, se oferecia aos corredores do poder com a promessa de ajudá-los a obter, sem nenhum questionamento, qualquer tipo de ordem que fosse escolhida para a sociedade sob seu domínio. Supridos com informações sociológicas sobre as condições sob as quais os homens e as mulheres se inclinam a diminuir suas obstinações e indocilidades usuais e se tornam menos propensos a se rebelar e a trilhar seus próprios caminhos, os detentores do poder podiam, então, legislar e transformar a realidade de modo a obter e receber a obediência e a disciplina que achassem necessárias. O livro de sociologia mais influente da época, The structure of social action, de Talcott Parsons, declarava exatamente seu propósito de desvendar os segredos do comportamento humano e de torná-lo previsível, não obstante ser um fato inquestionável que os atos humanos são voluntários; em outras palavras, alardeava a possibilidade de "neutralizar" os efeitos potencialmente perturbadores da escolha livre inata dos seres humanos, escolha danosa e abominável do ponto de vista dos construtores e guardiães da ordem. Esse tipo de sociologia prometia ser uma ciência da não-liberdade a serviço da tecnologia da não-liberdade... algo na mesma linha do que disse recentemente William Kristol em apoio às intenções dos dirigentes americanos de remodelar a ordem social das pátrias de outras pessoas, desta vez em escala planetária: "Bem, o que há de errado com o domínio, desde que a serviço de bons princípios e altos ideais?"1. Já ouvi tais palavras muitas vezes, e me arrepiei antes do mesmo modo como ainda me arrepio agora.

Penso que fui atraído para a sociologia por motivos exatamente opostos aos que moviam os praticantes e "propagandistas" da "engenharia pela manipulação". Suponho que o que me seduziu foi a esperança de ampliar a extensão e a potência da liberdade dos atores sociais, oferecendo a eles um melhor insight na organização social na qual desempenham suas tarefas de vida e que eles co-produzem (a maior parte das vezes inconscientemente). Desde sempre acreditei que, se a vocação sociológica tem alguma utilidade para os seres humanos, essa utilidade se deve aos serviços que presta e pode prestar ao esforço de compreender, dar sentido e adquirir um modicumde controle sobre suas vidas. É por isso que tendo a descrever o que faço como um contínuo diálogo com a experiência humana. Era isso ao menos o que Stanislaw Ossowski, um dos maiores sociólogos poloneses e um dos meus mais persuasivos professores em Varsóvia, considerava a premissa central de sua muito peculiar "sociologia humanística".

Foi com isso em mente que durante os cinqüenta anos de minha aventura sociológica me movi de uma área da "condição humana" para outra, sempre estimulado pelas contínuas mudanças, algumas profundas e outras sutis, dessa condição, ou seja, do cenário social em que os indivíduos devem atuar. Desempenhando sua função — isto é, representando a condição humana como produto das ações humanas —, a sociologia era e é para mim uma crítica da realidade social. Entendo que cabe à sociologia expor publicamente a contingência, a relatividade do que é "a ordem", para abrir a possibilidade de arranjos sociais e modos de vida alternativos; em outras palavras, ela deve militar contra as ideologias e as filosofias de vida estilo TINA ("there is no other alternative") e manter outras opções vivas. Eu me regozijaria se algum dia dissessem de mim o que Kracauer disse de Simmel: "É sempre o homem — considerado o construtor de cultura e um ser espiritual e intelectual maduro, agindo e avaliando com total controle dos poderes de sua alma e ligado fraternalmente aos outros homens em sentimento e em ação coletiva — que está no centro da visão de Simmel".

Se isso é ser moralista, então sou moralista no sentido de que creio que todas as decisões que o ser humano toma em seu ambiente social (pois ninguém está sozinho, todos nós estamos conectados a outras pessoas) têm significado ético, têm um impacto em outras pessoas, mesmo quando só pensamos no que ganhamos ou perdemos com o que fazemos. A extensão planetária da televisão não nos permite mais dizer "eu não sabia" como desculpa para nossa inação. Contemplamos diariamente como se faz o mal, como se sofre a dor, e dizer que nada podemos fazer pelo outro é uma desculpa fraca e pouco convincente, até mesmo para nós próprios. Não há como negar que em nosso planeta abarrotado e intercomunicado dependemos todos uns dos outros e somos, num grau difícil de precisar, responsáveis pela situação dos demais; enfim, que o que se faz em uma parte do planeta tem um alcance global.

Max Weber também era um moralista, no sentido de que estava interessado em ética e desenvolveu a idéia de ética como dever; mas o seu contexto era diferente, era de grandes poderes. Não é esse o meu caso, pois nunca estive particularmente interessado em falar com os detentores do poder, tanto na Polônia como na Inglaterra.

Diria, então, que o papel da sociologia mudou na última geração?

Gostaria de voltar a insistir sobre o que cabia à sociologia nas suas origens. Como disse, essa "ciência da sociedade" nasceu junto com o projeto de modernidade, que era um projeto muito simples. Partindo da idéia de que o mundo que herdamos dos tempos pré-modernos, tradicionais, ignorantes, preconceituosos e supersticiosos era um mundo desordenado e caótico, a tarefa que se impunha era torná-lo melhor. Ora, quem assumiria esse papel? Evidentemente os legisladores, os reis, os príncipes, os presidentes, os parlamentos, enfim, quem quer que estivesse no poder e que se

impusesse a tarefa de reorganizar o mundo de tal modo que as pessoas viessem a se comportar racionalmente, a buscar a felicidade sem correr o risco de fazer escolhas erradas. Nesse quadro, cabia à sociologia fornecer informações sobre como obter um comportamento desejável das pessoas, sobre as razões pelas quais elas se desviam do caminho certo, como mantê-las nesse caminho e evitar desvios etc. Enfim, o conhecimento sociológico era, portanto, dirigido àqueles que estavam no papel de legislar, de criar as condições para uma boa sociedade. Esse era, enfim, o projeto da modernidade, que hoje está em grande parte abandonado.

O que quero dizer, portanto, é que a sociologia, como um esforço de entendimento da experiência humana, não mudou. Continua agora como era antes. O problema é que hoje o conhecimento sociológico é dirigido não mais aos governantes, porque estes renunciaram à sua responsabilidade para com o bem da sociedade; eles são agora neutros, não interferem na vida que se escolhe, a não ser que se trate de um assassino ou um terrorista. Por exemplo, o único tipo de conhecimento pelo qual Tony Blair se interessa é aquele que lhe diz qual movimento deve ser feito para ser mais popular. Outras coisas, como o bem da sociedade, não lhe interessam muito.

Vivemos em tempos de desregulamentação, de descentralização, de individualização, em que se assiste ao fim da Política com P maiúsculo e ao surgimento da "política da vida", ou seja, que assume que eu, você e todo o mundo deve encontrar soluções biográficas para problemas históricos, respostas individuais para problemas sociais. Nós, indivíduos, homens e mulheres na sociedade, fomos portanto, de modo geral, abandonados aos nossos próprios recursos.

Sendo assim, a única entidade a quem a sociologia se dirige hoje é aquela que realmente está assumindo a responsabilidade — o indivíduo. Ora, a experiência individual é normalmente muito estreita para que o indivíduo seja capaz de ver os mecanismos internos da vida. Não saberíamos o que está acontecendo nesse mundo da modernidade líquida se não fôssemos alertados para as possíveis conseqüências do processo em andamento. Explicar como as coisas funcionam, ampliar a visão necessariamente limitada dos indivíduos, alargar seus horizontes cognitivos, enfim, dar a eles condições de enxergar além de seu próprio nariz é o que cabe à sociologia agora. Como disse Ulrich Beck, que mais do que ninguém nos alertou sobre os intricados mecanismos do que ele chama de Risikogesellschaf, a sociedade de risco, "nós, cidadãos, perdemos a soberania sobre nossos sentidos e, portanto, também sobre nosso julgamento... ninguém é mais cego para o perigo do que aqueles que continuam a confiar em seus próprios olhos".

Poderia falar mais amplamente sobre os riscos da modernidade?

Uma das características do que chamo de "modernidade sólida" era que as maiores ameaças para a existência humana eram muito mais óbvias. Os perigos eram reais, palpáveis, e não havia muito mistério sobre o que fazer para neutralizá-los ou, ao menos, aliviá-los. Era óbvio, por exemplo, que alimento, e só alimento, era o remédio para a fome.

Os riscos de hoje são de outra ordem, não se pode sentir ou tocar muitos deles, apesar de estarmos todos expostos, em algum grau, a suas conseqüências. Não podemos, por exemplo, cheirar, ouvir, ver ou tocar as condições climáticas que gradativamente, mas sem trégua, estão se deteriorando. O mesmo acontece com os níveis de radiação e de poluição, a diminuição das matérias-primas e das fontes de energia não renováveis, e os processos de globalização sem controle político ou ético, que solapam as bases de nossa

existência e sobrecarregam a vida dos indivíduos com um grau de incerteza e ansiedade sem precedentes.

Diferentemente dos perigos antigos, os riscos que envolvem a condição humana no mundo das dependências globais podem não só deixar de ser notados, mas também deixar de ser minimizados mesmo quando notados. As ações necessárias para exterminar ou limitar os riscos podem ser desviadas das verdadeiras fontes do perigo e canalizadas para alvos errados. Quando a complexidade da situação é descartada, fica fácil apontar para aquilo que está mais à mão como causa das incertezas e das ansiedades modernas. Veja, por exemplo, o caso das manifestações contra imigrantes que ocorrem na Europa. Vistos como "o inimigo" próximo, eles são apontados como os culpados pelas frustrações da sociedade, como aqueles que põem obstáculos aos projetos de vida dos demais cidadãos. A noção de "solicitante de asilo" adquire, assim, uma conotação negativa, ao mesmo tempo em que as leis que regem a imigração e a naturalização se tornam mais restritivas e a promessa de construção de "centros de detenção" para estrangeiros confere vantagens eleitorais a plataformas políticas.

Para confrontar sua condição existencial e enfrentar seus desafios, a humanidade precisa se colocar acima dos dados da experiência a que tem acesso como indivíduo. Ou seja, a percepção individual, para ser ampliada, necessita da assistência de intérpretes munidos com dados não amplamente disponíveis à experiência individual. E a sociologia, como parte integrante desse processo interpretativo — um processo que, cumpre lembrar, está em andamento e é permanentemente inconclusivo —, constitui um empenho constante para ampliar os horizontes cognitivos dos indivíduos e uma voz potencialmente poderosa nesse diálogo sem fim com a condição humana.

Poderia nos dizer como foi a experiência de viver no que o senhor descreveu como a "idade áurea", quando as universidades polonesas tiraram o máximo de vantagem da liberdade ganha nas batalhas do "outubro polonês"2?

Foi algo, de fato, fascinante, diferente de qualquer outra universidade que conheci; diferente, diria, de qualquer vida universitária existente. Há situações de liberdade acadêmica praticamente sem limites, quando todos os tipos de Weltanchauungen (visões de mundo), estratégias de pesquisa, hierarquias de relevância e prioridades, estilos de se contar histórias se encontram, conversam e argumentam. E há também situações em que os sociólogos se movem pelo sentido de urgência, e não somente pela necessidade de completar dissertações a tempo e assegurar uma próxima promoção; uma urgência de dar sua própria contribuição para a batalha por uma sociedade melhor, mais hospitaleira aos seres humanos e à sua humanidade. E também se movem por uma vocação, uma missão de só se dedicar a isso. O que foi peculiar da situação pós-outubro polonês foi que as duas situações emergiram juntas e continuaram durante algum tempo a coincidir e a se fertilizar reciprocamente. Tal convergência é muito menos freqüente do que a presença de uma ou de outra das duas situações isoladamente; na verdade, tanto quanto posso julgar a partir de minha experiência de meio século, é mesmo uma raridade.

Esse tipo de combinação entre sentimento de liberdade e de propósito é uma felicidade de que a maioria dos acadêmicos contemporâneos infelizmente carece, quer tenham ou não consciência do que estão perdendo. Na maioria dos lugares do mundo a liberdade de expressão acadêmica é completa ou quase completa, somente limitada pelos regulamentos e regras (muitas vezes penosas e até ridículas) da carreira e de outras invenções da burocracia universitária; mas, fora isso, as escolhas são deixadas inteiramente livres para cada um. Há, no entanto, muito pouco sentido do propósito e particularmente da relevância de seu próprio trabalho para o mundo fora dos muros da

academia, como se todos compartilhassem da sina da filosofia lamentada por Wittgenstein, de "deixar o mundo como é". Como se queixam muitos sociólogos americanos, e também alguns europeus, os estudos sociais acadêmicos perderam a ligação com a agenda pública. Parece haver poucos fregueses, se é que algum, para os modelos de "boa sociedade", o que costumava ser a preocupação central e o forte da sociologia com inclinações humanísticas. As classes educadas não estão mais interessadas na tarefa de ilustração e de elevação espiritual do povo. Os intelectuais pararam em grande parte de se definir pela responsabilidade que têm para com "o povo", a nação e a humanidade.

O senhor se referiu aos "muros da academia" como um obstáculo para o pensamento livre. Há alguma esperança para as universidades?

O que quer que as universidades façam, elas não conseguirão jamais pôr um fim à curiosidade humana, que talvez tenha de sair da academia para se satisfazer. Ainda tenho meu escritório na Universidade de Leeds, mas mal posso reconhecer a universidade da qual saí há poucos anos, tal a velocidade da mudança. Os nomes aparecem e desaparecem das portas, as pessoas são classificadas de acordo com o projeto em que estão engajadas no momento, mas tudo é tão a curto prazo! Cambridge provavelmente ainda é diferente.

Se se pensa nas limitações que a organização universitária hoje impõe ao desenvolvimento do pensamento livre, basta olhar para o que acontece com a filosofia e a sociologia tal como são praticadas nos departamentos universitários e em outros "locais de autoridade", ou seja, os lugares em que afirmações reconhecidas como pertencentes a uma dada disciplina podem ser feitas e nos quais elas devem ser expressas para serem reconhecidas como tais. Nesse quadro, pois, a filosofia e a sociologia se ligam a interesses intelectuais, estilos de pensamento e modos de argumentação bastante diferentes. Cada uma dessas duas disciplinas acadêmicas se pretende de posse de grupos distintos de "dados primários" e os processa, interpreta, verifica e refuta de maneiras diferentes. Dominar o canon tanto da sociologia como da filosofia e adquirir credenciais oficialmente reconhecidas e confirmadas em cada uma delas toma todo o tempo dos estudantes universitários — e a competência em uma dessas disciplinas acadêmicas raramente é exigida para se adquirir o grau na outra.

Posso entender a preocupação dos sociólogos acadêmicos com a circunscrição, as barreiras e a defesa de suas possessões contra os competidores na obtenção do dinheiro das fundações e do governo, mas o que não podemos esquecer é que essa preocupação se origina na realidade da vida acadêmica e não na lógica da experiência humana que a sociologia é chamada a servir.

Quão difícil foi para o senhor se ajustar à cultura britânica, quando veio viver na Inglaterra, com mais de 40 anos?

Ajustamento nunca ocupou um lugar prioritário no meu programa de vida. Nesse campo não fui além do básico, isto é, aprender o idioma local e me fazer compreensível, evitando os mais crassos faux pas. Tal como lembro, meu estado mental ao chegar à Grã-Bretanha não estava particularmente preocupado em esconder, sufocar ou erradicar minha idiossincrasia, em abandonar o que no meu modo de agir e pensar poderia parecer estranho aos nativos. Tornar-me como os outros e dissolver-me no plano de fundo não me parecia tarefa nem possível nem especialmente atraente, e nunca foi minha intenção. Na época, eu considerava que o desafio estava em outro lugar: como revelar para meus colegas e alunos britânicos o sentido das minhas diferenças e talvez induzi-los a achar algum interesse e uso no que era inicialmente alheio a eles.

"Ajustamento" sugere uma via de mão única. Ao contrário, eu pensava em termos de troca igualitária: o único meio de retribuir a hospitalidade dos meus anfitriões britânicos era oferecer a eles algo que não tinham ainda e não poderiam adquirir a não ser num encontro face a face com um pensamento e um modo de agir alternativos; algo novo e diferente que pudesse eventualmente enriquecê-los do mesmo modo que me tenho enriquecido com o encontro com o cotidiano britânico. Eu, na verdade, desejava ser aceito — mas aceito precisamente pelo que eu era, por minha dessemelhança.

Minha sorte foi que, com essa atitude, eu aterrissei e me estabeleci na Grã —Bretanha. Posso pensar em muitos países onde viver com tal atitude teria sido muito mais difícil e social e espiritualmente custoso. Se alguém tiver de ser um exilado ou um estrangeiro, a Grã-Bretanha é o lugar certo para se estar. Pode-se esperar boa vontade, tolerância e bastante hospitalidade — com a condição de que não se queira fingir que se é inglês... Além disso, o que aqui chega vindo de fora não é colocado numa classe mas numa categoria separada, de "estrangeiro", na qual a liberdade de pensamento e de ação tem amplo espaço; os estrangeiros escapam da atribuição de classe, de certo modo inflexível e rija, que interfere na vida dos outros, dos britânicos comuns...

O senhor certa vez disse que se sentia "fora de lugar" em muitas circunstâncias. Ainda se sente assim? Diria que esse sentimento implica perdas e ganhos?

Sim, ainda me sinto assim e gosto disso. Não tenho certeza se tal atitude foi fruto de uma escolha livre que gradualmente se tornou um hábito, ou se foi, e ainda é, um meio de transformar uma necessidade em virtude. Perdas deve haver, como ser ocasionalmente objeto de desconfiança, de zombaria, de descortesia, de um caso ou dois de rejeição e, o que para mim é a coisa mais vexatória e nociva de todas, sentir que em vez de avaliarem suas opiniões de acordo com o seu mérito, elas são descartadas como manifestações de alienismo. Mas os ganhos superam imensamente as perdas. No meu ponto de vista (e por experiência), estar "fora de lugar", ao menos em parte do nosso ser, não concordar completamente, manifestar divergência e dissensão, é o único meio de resguardarmos nossa autonomia e liberdade. Estar "dentro" mas parcialmente "fora" é também um meio de preservar o frescor, a inocência e a abençoada ingenuidade de visão. Quem está assim situado tende a fazer perguntas que não ocorreriam àqueles estabelecidos mais solidamente; tende a notar o estranho no familiar, o anormal no óbvio. Exílio é muito freqüentemente uma situação de sofrimento, mas também de expansão do pensamento crítico, de independência, insight e criatividade. No conjunto, foi minha grande sorte viajar e me estabelecer aqui.

Quando e como o senhor abandonou o marxismo? Considera-se ainda um socialista?

Nunca abandonei Marx, apesar de minha intoxicação pelo "marxismo realmente existente" ter sido, felizmente, breve; de fato, terminou bem cedo, no momento em que o vi como era: um imenso obstáculo para a recepção e a manutenção da mensagem ética de Marx.

Imagino que meu entusiasmo por Emmanuel Lévinas3 tenha sido, em grande parte, predeterminado pela minha antiga inoculação com a idéia de Marx de que a qualidade da sociedade deve ser testada pelos critérios de justiça e de fair play que regulamentam a coletividade humana: a sociedade deve se justificar pelos padrões éticos, e não o contrário, os padrões éticos pela sociedade. Espero ter o direito de dizer que nunca abandonei essa crença. O mesmo se aplica ao meu socialismo, que, em meu entender, se resume na convicção de que, assim como o poder de carga de uma ponte se mede não pela força média de todos os pilares mas pela força de seu pilar mais fraco, a

qualidade de uma sociedade também não se mede pelo PIB, pela renda média de sua população, mas pela qualidade de vida de seus membros mais fracos.

Socialismo para mim não é o nome de um tipo particular de sociedade. É, exatamente como o postulado de Marx de justiça social, uma dor aguda e constante de consciência que nos impulsiona a corrigir ou a remover variedades sucessivas de injustiça. Não acredito mais na possibilidade (e até no desejo) de uma "sociedade perfeita", mas acredito numa "boa sociedade" — definida como aquela que se recrimina sem cessar por não ser suficientemente boa e não estar fazendo o suficiente para se tornar melhor...

Fiquei muito marcado pelo Homme révolté de Albert Camus, que li no fim dos anos de 1950. O rebelde de Camus é um ser humano que diz "não", mas que também diz "sim", ou seja, um ser humano que diz cada uma dessas palavras de tal modo que deixa espaço para a outra. O rebelde se recusa a aceitar o que existe, mas também se abstém de rejeitar totalmente o que existe. Ele não desculpa a condição humana pela sua desumanidade, por não se equiparar ao que ela poderia ser, mas também não a despreza; aceita a condição humana "realmente existente", completa, com todas as suas desumanidades. A motto hic Rhodos, hic salta4 define o rebelde de Camus e também o distingue dos rebeldes "metafísicos" e "históricos", aparentemente seus parentes próximos, mas não companheiros de armas e talvez até mesmo seus confessos inimigos e adversários mais traiçoeiros.

O rebelde metafísico rejeita a condição humana, considerando-a injusta, fraudulenta, abjeta e absurda. Ele nega a ela o direito de existir e o direito de reconhecimento. É, pois, um rebelde intolerante que não perdoaria, e muito menos absolveria, o pecado da não-resistência. Ele odeia o pecado, mas odeia mais ainda o pecador. Ele odeia a desumanidade do mundo, mas odeia mais ainda — já que também desdenha e rejeita — seus escravos, vítimas e feridos colaterais. O rebelde metafísico diria que o mais horrendo crime da condição humana "realmente existente" é a conspiração contra a rebelião. E, no entanto, nenhum criminoso é tão repelente para ele como os seres humanos não rebeldes.

Os erros do rebelde histórico são ainda mais terríveis, ou ao menos assim parecem, pois foi contra ele que o rebelde de Camus teve de afirmar seu próprio tipo de rebelião. Na época em que Camus escreveu, o rebelde metafísico já parecia ter sido derrubado e destronado por seu "primo histórico", e essa mudança de dinastia parecia irreversível e definitiva. Era também claro que, apesar de o rebelde histórico ter feito sua rebelião contra a variedade metafísica de escravidão, ele a fizera em nome de uma escravidão nova e aprimorada.

Ele se rebelou contra ter de encarar o fato da solidão humana e da responsabilidade que a acompanha. Não podia suportar a condição de sujeito moral dos homens, bem como o absurdo da impotência e da insignificância humanas. A servidão, disse Camus, era a verdadeira paixão do século XX. Amedrontado por sua impotência, o rebelde histórico correu em busca de proteção, procurando desesperadamente uma nova autoridade que aceitasse sua rendição. E isso ele encontrou nas "leis da história", que inevitavelmente aliviam os ombros doloridos do peso da escolha responsável, e também nos absolvem do mais angustioso dos deveres — o da subjetividade: daquele cuidado pelo Outro no qual o Eu, o sujeito que está sozinho mas que não é solitário, que se auto-guia mas não está abandonado, nasce. Finalmente, as leis da história oferecem a fuga mais eficaz da culpa de crueldade ao fazer a inevitabilidade histórica do progresso tomar o lugar da distinção entre o bem e o mal.

Muitos anos mais tarde deparei com outra afirmação de Camus: "Existe a beleza e existem os humilhados. Quaisquer que sejam as dificuldades que o empreendimento possa apresentar, gostaria de nunca ser infiel quer aos segundos quer à primeira". Também gostaria que minha vida me permitisse dizer que me comportei o mais possível de acordo com esse princípio. Por outro lado, não me importo muito com a lealdade aos "ismos"...

O senhor se diz ao mesmo tempo um socialista e um liberal. Poderia explicar como concilia as duas posições?

Eu, na verdade, não acredito que requeiram conciliação. Defino o socialismo de um modo muito simples, como já disse antes, pela qualidade de vida de seus membros mais fracos.

Se se pensa, por exemplo, num dos fundadores do liberalismo moderno, John Stuart Mill, nota-se que ele também chegou ao socialismo por acreditar que para implementar o programa liberal, o programa da liberdade humana, é necessário uma distribuição justa de oportunidades, diminuindo-se a distância entre os membros mais ricos e os mais pobres da sociedade. E, se nos lembrarmos de Lord Beveridge, o criador do Estado de bem-estar social britânico, o caso é o mesmo. Durante a guerra, o governo da Grã-Bretanha criou uma comissão para organizar um programa de bem-estar social (do qual Beveridge era diretor), prevendo que com o fim do conflito haveria milhões de desempregados que não mais aceitariam a sina dos oprimidos. Beveridge preparou então todo um programa que foi pouco a pouco aceito pelo governo após a guerra. Ora, ele não era um socialista e não se definiu jamais como tal. Dizia que era um liberal e que o que estava propondo era, na verdade, a implementação definitiva do programa liberal, porque, se o liberalismo quer que todos sejam seres autônomos e autoconfiantes, então para ser livre é necessário que se tenha recursos, que haja um chão firme no qual se apoiar. A idéia de Lord Beveridge, que infelizmente não se impôs, era que toda essa assistência social, esse bem-estar social, toda essa provisão eram necessários como medidas temporárias. E isso porque ele partia do pressuposto de que, para ter a coragem, a ousadia de ser aventurosas e se arriscar, as pessoas precisam se sentir seguras — e segurança elas não podem obter por si próprias, mas deve ser oferecida e garantida pela grande sociedade. Se as pessoas se arriscam sozinhas, correm o perigo de ser abatidas por um grande fracasso, uma tragédia, uma crueldade ou coisa semelhante. Deve haver, portanto, essa garantia do Estado, o que eu chamo de seguro coletivo contra o infortúnio individual. Se isso existe, as pessoas se enchem de coragem e, sem receio de tentar, logo podem tornar-se prósperas. Essa era a idéia de Beveridge.

Enfim, como vemos, se se considera o melhor na história do liberalismo e o melhor na história do socialismo, eles sempre convergem, há sempre essa conexão entre os dois. Para resumir, tudo se reduz à questão muito simples de que há dois valores igualmente indispensáveis para uma vida humana decente e digna: liberdade e segurança. Não se pode ter um sem que se tenha o outro. Esse é o meu ponto, mas infelizmente na prática política eles são normalmente justapostos e apresentados como tendo propósitos opostos, como sendo necessário sacrificar a segurança sob o argumento de que quanto maior ela for menos livre se é. A acusação mais comum hoje em dia é que o Estado de bem-estar social torna as pessoas dependentes, já que ninguém pode ser livre se depende de assistências de qualquer natureza: saúde, caridade e coisas do gênero. Isso tudo me soa muito cruel, porque eu sou um ser moral na medida em que me considero dependente de você. Em certo sentido, meu bem-estar depende do seu bem-estar, minha autonomia depende da sua autonomia. Assim, qualquer que seja a perspectiva da qual se parta, chega-se sempre à mesma questão de que, ou liberdade e segurança são

obtidas juntas, ou não serão obtidas de modo algum. Esse é o ponto de encontro entre socialismo e liberalismo.

Em sua obra o senhor se refere freqüentemente a romances. O que acha que a literatura pode ensinar sobre a sociedade e sobre a condição humana? Mais especificamente, o senhor confessa ser Borges uma de suas grandes fontes inspiradoras. Poderia nos explicar em que um escritor que parece não tratar especificamente de questões sociais lhe é importante?

Devo começar lembrando que meus professores na Polônia nunca se preocuparam com as diferenças entre "filosofia social" e "sociologia propriamente dita"; mas, acima de tudo, consideravam romancistas e poetas seus camaradas de armas, não competidores, e muito menos antagonistas. Aprendi a considerar a sociologia uma daquelas numerosas narrativas, de muitos estilos e gêneros, que recontam — após terem primeiramente processado e reinterpretado — a experiência humana de estar no mundo. A tarefa conjunta de tais narrativas era oferecer um insight mais profundo do modo como essa experiência foi construída e pensada, e dessa maneira ajudar os seres humanos na sua luta pelo controle de seus destinos individuais e coletivos. Nessa tarefa, a narrativa sociológica não era "por direito" superior a outras narrativas, pois tinha de demonstrar e provar seu valor e utilidade pela qualidade de seu produto. Eu, por exemplo, me lembro de ganhar de Tolstoi, Balzac, Dickens, Dostoievski, Kafka ou Thomas More muito mais insight sobre a substância das experiências humanas do que de centenas de relatórios de pesquisa sociológica. Acima de tudo, aprendi a não perguntar de onde uma determinada idéia vem, mas somente como ela ajuda a iluminar as respostas humanas à sua condição — assunto tanto da sociologia como das belles-lettres.

Compreendo, pois, a observação de Richard Rorty de que, se os futuros arqueólogos quisessem saber como era viver, buscar a felicidade e sofrer na nossa era agridoce, teriam muita sorte se encontrassem em alguma biblioteca os livros de Dickens e muito azar se encontrassem os de Heidegger. Quando se está seriamente interessado em colocar o pensamento, o sentimento e a ação humana no centro da pesquisa sociológica e em se tratar a sociologia como uma conversa contínua com os seres humanos, o veredicto de Rorty faz muito sentido. A lida diária com médias estatísticas, tipos, categorias e padrões facilmente faz com que se perca de vista a experiência. Um bom romance teria, então, um efeito salutar e sóbrio, relembrando ao praticante dos "métodos sociológicos" qual deveria sempre ser o "negócio" da sociologia e que tipo de sabedoria ela deveria estar permanentemente buscando.

Não só a sociologia perde para a literatura quando se quer entender o que faz as pessoas serem o que são, conhecer o que pensam, os dilemas que enfrentam, suas alternativas etc. Muito pouco também se pode aprender sobre isso de escritos que estão extremamente distantes das experiências diárias, que as processam de modo a selecionar somente uma pequena parcela da condição humana. Pensemos, por exemplo, no grande Kant, que estabeleceu as fundações de nosso pensamento. Pois bem, nas suas tentativas de explicar o humano, ele desconsiderou todo o aspecto da condição humana que não fosse a razão, deixando de lado, portanto, as características emocionais, irracionais, erráticas, que também fazem parte dessa condição. Isso nos deixa com um quadro da humanidade muito empobrecido, que, se por um lado pode aumentar a elegância teórica e o prazer estético do relato lógico, de outro perde a comunicação com a experiência humana diária. Ora, se se entende a sociologia, como já mencionei antes, como um diálogo contínuo com a experiência humana, tal estratégia representa o fim do diálogo, pois com ela muito pouco se pode aprender sobre a humanidade.

O que aprendi com Borges? Acima de tudo, aprendi sobre os limites de certas ilusões humanas: sobre a futilidade de sonhos de precisão total, de exatidão absoluta, de conhecimento completo, de informação exaustiva sobre tudo; enfim, sobre as ambições humanas que, no final, se revelam ilusórias e nos mostram impotentes. Lembremos, por exemplo, do conto de Borges que fala sobre o mapa: o sonho do mapa exato que acaba ficando do mesmo tamanho da própria coisa mapeada e, portanto, sem nenhuma utilidade. Não me ocorre nenhum filósofo ou sociólogo que tenha podido tratar de tais questões de forma tão persuasiva, tão convincente, tão espetacular. Em parte isso se deve à posição muito luxuosa e mesmo invejável de nunca ter sido um acadêmico e de nunca ter estado submetido a uma disciplina. Fora dos muros da academia os romancistas desfrutam da liberdade que é negada, por exemplo, aos sociólogos profissionais, que têm seus trabalhos avaliados pela conformidade com os procedimentos que definem e distinguem a profissão, e não por sua relevância humana. Quando se envia um artigo a uma revista científica para ser avaliado por um "par", numa opinião anônima, isso só tem um impacto: reduzir a originalidade ao denominador comum! Pois na verdade o que acontece é que essas opiniões fazem rebaixar todo pensamento original. Borges nunca teve que se submeter a esse tipo de coisa. Note que os dois cientistas sociais da modernidade realmente interessantes e ainda hoje extremamente tópicos foram Marx e Simmel, e eles têm também essa característica em comum: ambos eram free lancers e nenhum deles ensinou nas universidades!

Ao contrário dos acadêmicos, portanto, os romancistas podem, aberta e sem a menor vergonha, recorrer a estratégias que os primeiros desconsiderariam arrogantemente como "meras intuições", "puras suposições" ou mesmo "construções da imaginação". É por agirem assim que eles podem abrir novas possibilidades interpretativas que os profissionais de bona fide dificilmente iriam suspeitar ou mesmo notar.

Mas, acima de tudo, a maior vantagem da narrativa dos romancistas é que ela se aproxima mais da experiência humana do que a maioria dos trabalhos e relatórios das ciências sociais. Elas são capazes de reproduzir a não-determinação, a não-finalidade, a ambivalência obstinada e insidiosa da experiência humana e a ambigüidade de seu significado — todas características muito marcantes do modo de o ser humano estar no mundo, mas que a ciência social se inclina a ver como "impressões falsas", originárias da ignorância ou do conhecimento insuficiente.

O senhor tem sempre enfatizado a necessidade de todos nós "questionarmos ostensivamente as premissas de nosso modo de vida". Teria alguma sugestão a nos dar sobre as respostas a esses questionamentos?

Maurice Blanchot disse certa vez, em palavras que ficaram famosas, que as respostas são a má sorte das perguntas. De fato, cada resposta implica fechamento, fim da estrada, fim da conversa. Também sugere nitidez, harmonia, elegância; enfim, qualidades que o mundo narrado não possui. Tenta forçar o mundo numa camisa-de — força na qual ele definitivamente não cabe. Corta as opções, a multidão de sentidos e possibilidades que a condição humana implica a cada momento. Promete falsamente uma solução simples para uma busca provocada e impelida pela complexidade. Também mente, pois declara que as contradições e as incompatibilidades que provocam as questões são fantasmas — efeitos de erros lingüísticos ou lógicos, em vez de qualidades endêmicas e irremovíveis da condição humana.

Creio que a experiência humana é mais rica do que qualquer uma de suas interpretações, pois nenhuma delas, por mais genial e "compreensiva" que seja, poderia exauri-la. Aqueles que embarcam numa vida de conversação com a experiência humana

deveriam abandonar todos os sonhos de um fim tranqüilo de viagem. Essa viagem não tem um final feliz — toda a felicidade se encontra na própria jornada.

O senhor descreveu modestamente um de seus livros mais recentes como um discussion paper. Diria que é por acaso ou propositadamente que tem se dedicado a escrever ensaios?

No curso de meio século de estudos e de escrita, nunca consegui adquirir a habilidade de terminar um livro... Com o passar do tempo reconheço que todos os meus livros foram entregues ao editor inacabados. Em regra, antes mesmo que o manuscrito seja impresso, fica claro para mim que o que há pouco me parecia "o fim" era, de fato, um começo — com uma seqüência desconhecida, mas tremendamente necessária. Por trás de cada resposta percebo que novas questões estão piscando; que mais, muito mais restou a ser explorado e compreendido, e muito pouco, de fato, foi revelado pelo "acabamento bem-sucedido" das explorações passadas. As perguntas mais intrigantes e provocantes emergem, via de regra, após as respostas. No decurso dos anos aprendi a apreciar a queixa de Adorno sobre a convenção linear da nossa escrita: por causa dela nós não conseguimos transmitir a lógica do pensamento que, diferentemente da escrita, move-se em círculos e está invariavelmente forçada, por seu próprio progresso, a fazer perpétuos retornos.

O senhor já foi descrito como um "profeta da pós-modernidade" e os termos "pós-moderno" e "pós-modernidade" aparecem em títulos de quatro de seus livros. Estaria sugerindo que uma mudança cultural e social significativa ocorreu na última geração, suficientemente grande para que falemos de um novo período da história?

Uma das razões pelas quais passei a falar em "modernidade líquida" e não em "pós-modernidade" (meus trabalhos mais recentes evitam esse termo) é que fiquei cansado de tentar esclarecer uma confusão semântica que não distingue sociologia pós-moderna de sociologia da pós-modernidade, "pós-modernismo" de "pós-modernidade". No meu vocabulário, "pós-modernidade" significa uma sociedade (ou, se se prefere, um tipo de condição humana), enquanto "pós-modernismo" refere-se a uma visão de mundo que pode surgir, mas não necessariamente, da condição pós —moderna. Procurei sempre enfatizar que, do mesmo modo que ser um ornitólogo não significa ser um pássaro, ser um sociólogo da pós-modernidade não significa ser um pós-modernista, o que definitivamente não sou. Ser um pós-modernista significa ter uma ideologia, uma percepção do mundo, uma determinada hierarquia de valores que, entre outras coisas, descarta a idéia de um tipo de regulamentação normativa da comunidade humana, assume que todos os tipos de vida humana se equivalem, que todas as sociedades são igualmente boas ou más; enfim, uma ideologia que se recusa a fazer qualquer julgamento e a debater seriamente questões relativas a modos de vida viciosos e virtuosos, pois, no limite, acredita que não há nada a ser debatido. Isso é pós-modernismo. Mas eu sempre estive interessado na sociologia da pós-modernidade, ou seja, meu tema tem sempre sido compreender esse tipo curioso e em muitos sentidos misterioso de sociedade que vem surgindo ao nosso redor; e a vejo como uma condição que ainda se mantém eminentemente moderna na suas ambições emodus operandi (ou seja, no seu esforço de modernização compulsiva, obsessiva), mas que está desprovida das antigas ilusões de que o fim da jornada estava logo adiante. É nesse sentido que pós-modernidade é, para mim, modernidade sem ilusões.

Diferentemente da sociedade moderna anterior, que chamo de "modernidade sólida", que também tratava sempre de desmontar a realidade herdada, a de agora não o faz com uma perspectiva de longa duração, com a intenção de torná-la melhor e novamente sólida. Tudo está agora sendo permanentemente desmontado mas sem perspectiva de

alguma permanência. Tudo é temporário. É por isso que sugeri a metáfora da "liquidez" para caracterizar o estado da sociedade moderna: como os líquidos, ela caracteriza-se pela incapacidade de manter a forma. Nossas instituições, quadros de referência, estilos de vida, crenças e convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar em costumes, hábitos e verdades "auto-evidentes". Sem dúvida a vida moderna foi desde o início "desenraizadora", "derretia os sólidos e profanava os sagrados", como os jovens Marx e Engels notaram. Mas enquanto no passado isso era feito para ser novamente "re-enraizado", agora todas as coisas — empregos, relacionamentos, know-hows etc. — tendem a permanecer em fluxo, voláteis, desreguladas, flexíveis. A nossa é uma era, portanto, que se caracteriza não tanto por quebrar as rotinas e subverter as tradições, mas por evitar que padrões de conduta se congelem em rotinas e tradições.

Como um exemplo dessa perspectiva, li outro dia que um famoso arquiteto de Los Angeles estava se propondo a construir casas que permanecessem lindas "para sempre". Ao ser perguntado o que queria dizer com isso, ele teria respondido: até daqui a vinte anos! Isso é "para sempre", grande duração, hoje. O que me interessa é, portanto, tentar compreender quais as conseqüências dessa situação para a lógica do indivíduo, para seu cotidiano. Virtualmente todos os aspectos da vida humana são afetados quando se vive a cada momento sem que a perspectiva de longo prazo tenha mais sentido.

Jean-Paul Sartre aconselhou seus discípulos em todo o mundo a ter um projeto de vida, a decidir o que queriam ser e, a partir daí, implementar esse programa consistentemente, passo a passo, hora a hora. Ora, ter uma identidade fixa, como Sartre aconselhava, é hoje, nesse mundo fluido, uma decisão de certo modo suicida. Se se toma, por exemplo, os dados levantados por Richard Sennett — o tempo médio de emprego em Silicon Valley, por exemplo, é de oito meses —, quem pode pensar num projet de la vie nessas circunstâncias? Na época da modernidade sólida, quem entrasse como aprendiz nas fábricas da Renault ou da Ford iria com toda a probabilidade ter ali uma longa carreira e se aposentar após 40 ou 45 anos. Hoje em dia, quem trabalha para Bill Gates por um salário talvez cem vezes maior não tem idéia do que poderá lhe acontecer dali a meio ano! E isso faz uma diferença incrível em todos os aspectos da vida humana.

No meu livro mais recente, Liquid love, exploro o impacto dessa situação nas relações humanas, quando o indivíduo se vê diante de um dilema terrível: de um lado, ele precisa dos outros como o ar que respira, mas, ao mesmo tempo, tem medo de desenvolver relacionamentos mais profundos que o imobilizem em um mundo em permanente movimento.

Em muitas partes de sua obra o senhor soa nostálgico, às vezes até mesmo do que chama de "modernidade sólida", quando a humanidade aparentemente era menos ansiosa e tinha uma vida mais estável e segura. Concorda com essa interpretação?

Eu não diria isso. Não acredito que haja um progresso linear no que diz respeito à felicidade humana. Podemos dizer que, como um pêndulo, nos movemos de tempos mais felizes para tempos menos felizes e de menos felizes para mais felizes. Hoje temos medo e somos infelizes do mesmo modo como também tínhamos medo e éramos infelizes há cem anos, mas por razões diferentes. A modernidade sólida tinha um aspecto medonho: o espectro das botas dos soldados esmagando as faces humanas. Virtualmente todo mundo, quer da esquerda quer da direita, assumia que a democracia, quando existia, era para hoje ou para amanhã, mas que uma ditadura estava sempre à vista; no limite, o totalitarismo poderia sempre chegar e sacrificar a liberdade em nome da segurança e da estabilidade. Por outro lado, como Sennett mostrou, a antiga condição de emprego poderia destruir a criatividade e as habilidades humanas, mas

construía, por assim dizer, a vida humana, que podia ser planejada. Tanto os trabalhadores como os donos de fábrica sabiam muito bem que iriam se encontrar novamente amanhã, depois de amanhã, no ano seguinte, pois os dois lados dependiam um do outro. Os operários dependiam da Ford assim como esta dependia dos operários, e porque todos sabiam disso podiam brigar uns com os outros, mas no final tendiam a concordar com um modus vivendi. Essa dependência recíproca mitigava, em certo sentido, o conflito de interesses e promovia algum esforço positivo de coexistência, por menor que fosse.

Bem, nada disso existe hoje. Os medos e as infelicidades de agora são de outra ordem. Dificilmente outro tipo de stalinismo voltará e o pesadelo de hoje não é mais a bota dos soldados esmagando as faces humanas. Temos outros pesadelos. O chão em que piso pode, de repente, se abrir como num terremoto, sem que haja nada ao que me segurar. A maioria das pessoas não pode planejar seu futuro muito tempo adiante. Os acadêmicos são umas das poucas pessoas que ainda têm essa possibilidade. Na maioria dos empregos podemos ser demitidos sem uma palavra de alerta. Você chama isso nostalgia? Não sei... Para pessoas que viveram no tipo de sistema Ford, semitotalitário, que tinha uma tendência totalitária inerente, como Hannah Arendt dizia, nossas apreensões devem parecer incompreensíveis!

A questão é que, como já disse antes, aproximando-me dos meus 80 anos, não mais acredito que possa existir algo como uma sociedade perfeita. A vida é como um lençol muito curto: quando se cobre o nariz os pés ficam frios, e quando se cobrem os pés o nariz fica gelado. Há sempre um custo a ser pago para a melhora numa determinada direção. Mas insisto que a sociedade que obsessivamente se vê como não sendo boa o suficiente é a única definição que posso dar de uma boa sociedade.

O senhor subscreveria a motto de Romain Rolland sobre o "pessimismo da inteligência" e o "otimismo da vontade"?

Pessimismo? No meu entender, o otimista é aquele que acredita que este é o melhor dos mundos possíveis. E o pessimista é aquele que suspeita que o otimista tem razão... Nesse quadro, não me identifico nem com o otimista nem com o pessimista, pois acredito que o mundo possa ser melhorado e que essa mera crença é instrumental em torná-lo melhor...

Qual seria sua mensagem para os jovens de hoje?

Gostaria que tentassem, apesar de tudo (e talvez esteja aí o elemento de nostalgia que você notou), apesar de todas as tendências em contrário e de todas as pressões de fora, reter na consciência e na memória o valor da durabilidade, da constância, do compromisso. Eles não podem mais contar, como a antiga geração, com a natureza permanente do mundo lá fora, com a durabilidade das instituições que tinham antes toda a probabilidade de sobreviver aos indivíduos. Isso não é mais possível e, na verdade, a vida humana individual, apesar de ser muito curta, abominavelmente curta, é a única entidade da sociedade de agora que tem sua longevidade aumentada. Sim, somente a vida humana individual vê crescer sua durabilidade, enquanto a vida de todas as outras entidades sociais que a rodeiam — instituições, idéias, movimentos políticos — é cada vez mais curta. Assim, o único sentido duradouro, o único significado que tem chance de deixar traços, rastos no mundo, de acrescentar algo ao mundo exterior, deve ser fruto de seu próprio esforço e trabalho. Os jovens podem contar unicamente com eles próprios e só haverá em suas vidas o sentido e a relevância que forem capazes de lhes dar. Sei que essa é uma tarefa muito difícil... mas é a única coisa que posso lhes dizer.

 

 

Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke é professora aposentada da Faculdade de Educação da USP e pesquisadora associada do Center of Latin American Studies, Universidade de Cambridge. É autora, entre outros, de Nísia Floresta, o Carapuceiro e outros ensaios de tradução cultural (Hucitec, 1996) e As muitas faces da história(Unesp, 2000), editado também em inglês, The new history: confessions and conversations (Polity Press, 2002). *Uma versão reduzida desta entrevista foi publicada na Folha de S. Paulo, caderno "Mais!", 19 de outubro de 2003.

1. William Kristol é um dos mais influentes pensadores neo-conservadores de Washington e um dos ideólogos da chamada "doutrina Bush". É editor da The Weekly Standard e chairman do Project for the New American Century. Seu pai, Irving Kristol, foi um dos grandes defensores do senador Joseph McCarthy e de sua política inquisitorial contra os comunistas — conhecida como macarthismo — do início dos anos de 1950. 2. O "outubro polonês" (1956) ficou conhecido como o início de um período de grandes promessas e expectativas, quando a liberalização do regime — que se propunha a ser mais fiel aos ideais comunistas — parecia abrir novas perspectivas para a Polônia. 3. Nascido na Lituânia em 1906 e naturalizado francês, foi um filósofo que fez da responsabilidade ética para com os outros o ponto de partida e o foco principal de suas análises filosóficas. "A Ética precede a ontologia" é uma frase que sintetiza sua posição. Totalité et infini (1961) e Autrement qu'être (1974) são consideradas suas obras-primas. Faleceu em 1995. 4. De significado controverso, essa expressão de Esopo é usada aqui no sentido de Marx, que, seguindo Hegel, a usou para descrever as condições das quais não se pode fugir. No caso do rebelde de Camus, trata-se de acentuar que, se ele quer aprimorar o mundo, não há como escapar ao fato de que o ponto de partida tem de ser a condição humana existente, com todas as suas imperfeições.

Parte 3

Zygmunt Bauman é um sociólogo polonês, de descendência judaica, nascido em 1925, em Poznań.

Quando a Polônia foi invadida pelo nazismo em 1939, sua família refugiou-se na União Soviética.

Bauman serviu na Polish First Army, sob o controle dos soviéticos. Neste período, o autor tomou

parte nas batalhas de Kolberg e Berlin. De 1945 a 1953, Bauman passou a servir na Korpus

Bezpieczeństwa Wewnętrznego (KBW), esta unidade foi responsável pela repressão à resistência

ucraniana e germânica. Neste momento de incertezas, foi que o autor iniciou seus estudos em

sociologia na universidade de Varsóvia, onde teve artigos e livros censurados e em 1968 foi

afastado da universidade. Logo em seguida emigrou da Polônia, reconstruindo sua carreira no

Canadá, Estados Unidos e Austrália, até chegar à Grã-Bretanha, onde em 1971 se tornou professor

titular da universidade de Leeds, cargo que ocupou por vinte anos. Responsável por uma prodigiosa

produção intelectual, recebeu os prêmios Amalfi, em 1989, por sua obra Modernidade e Holocausto

e Adorno, em 1998, pelo conjunto de sua obra. Atualmente é professor emérito de sociologia das

universidades de Leeds e Varsóvia.

Em Tempos Líquidos, o assunto primordial que  permeia a obra é a insegurança. Um fenômeno

que, para o autor, caracteriza a vida nas grandes metrópoles globalizadas. Neste sentido, as

cidades são hoje verdadeiros campos de batalha, onde poderes globais se chocam com identidades

locais. O resultado desta equação é a eclosão nímia da violência e da insegurança.

Tempos Líquidos está subdivido em cinco capítulos. No primeiro, o autor manifesta sua

preocupação em relação a liquefação do Estado-nação, face a sua incapacidade responder

localmente ao estímulos globais. Segundo o autor, num planeta atravessado por “auto-estradas da

informação”, nada que acontece em alguma parte dele pode de fato, ou ao menos potencialmente,

permanecer do “lado de fora”. A sociedade não é mais protegida pelo Estado, ou pelo menos é

pouco provável que confie na proteção oferecida por este. Ela agora está exposta à rapacidade de

forças que não controla e não espera, nem pretende, recapturar e dominar. “Aberto” e cada vez

mais  indefeso de ambos os lados, o Estado-nação perde sua força, que agora se evapora no

espaço global, assim como a sagacidade e a destreza políticas, cada vez mais  relegadas à  esfera

da “vida política” individual e “subsidiadas” a homens e mulheres. O que resta de política a cargo do

Estado e de seus órgãos se reduz gradualmente a um volume talvez suficiente para guarnecer

pouco mais que uma grande delegacia de polícia. Segundo o Autor, o Estado reduzido dificilmente

poderia conseguir ser mais que um Estado da proteção pessoal. Bauman afirma que num planeta

negativamente globalizado, todos os principais problemas  são globais e, sendo assim, não

admitem soluções locais.  Num mundo saturado de injustiças e habitado por bilhões de pessoas a

quem se negou a dignidade humana vai corromper inevitavelmente os próprios valores que os

indivíduos deveriam defender. Desta forma, a democracia e a liberdade não podem mais estar

plena e verdadeiramente seguras num único país, ou mesmo num grupo de países. Sendo assim, o

autor assevera que o medo é reconhecidamente o mais sinistro dos demônios que se aninham nas

sociedades abertas de nossa época. Contudo, é a insegurança do presente e a incerteza do futuro,

adverti o autor, que produzem e alimentam o medo mais apavorante e menos tolerável. Essa

insegurança e essa incerteza, por sua vez, nascem de um sentimento de impotência.

No segundo capítulo intitulado ” A humanidade em movimento”, o autor retrata as conseqüências da

globalização, do enfraquecimento do Estado- Nação, quando aborda a questão do aumento de

refugiados em diversas áreas do globo. O autor assevera que, a única indústria que floresce nas

terras dos retardatários – conhecidas pelo apelido tortuoso e frequentemente enganoso, de “países

em desenvolvimento” – seja a produção em massa de refugiados. Neste sentido, o número de

vítimas da globalização sem teto e sem Estado cresce rápido demais para que o planejamento, a

instalação e a construção de zonas que possam conter esses refugiados. Bauman aponta para a

desregulamentação das guerras como um grande efeito da globalização, que em grande medida

contribuem diretamente para o aumento destes refugiados. Bauman  descreve que, tornar-se um

refugiado significa perder os meios em que se baseia a existência social, ou seja, um conjunto de

coisas e pessoas comuns que têm significados – terra, casa, aldeia, cidade, pais, posses, empregos

e outros pontos de referência cotidianos. Essas criaturas à deriva e à espera não têm coisa alguma

senão sua “vida indefesa, cuja continuação depende da ajuda humanitária”. Um outro ponto

preocupante relacionado a esta questão, se refere a absorção de parte destes excedentes

populacionais pelas guerrilhas, gangues de criminosos e traficantes de drogas, que em seus

conflitos aniquilam e reabsorvem o “excedente populacional”. A partir de suas inferências o autor

recorrer a Loïc Wacquant para asseverar que, a missão do Estado está sendo redefinida; este

recua na arena econômica, alegando a necessidade de reduzir seu papel social à ampliação e ao

reforço de sua intervenção penal. Um reflexo desta mudança pode ser observado no tratamento

que alguns paises adotam em relação aos estrangeiros, permitem a saída, mas “protegem contra o

ingresso indesejado de unidades do outro lado”, isto é, o que o autor denominou de  “membranas

assimétrica”.

No terceiro capítulo, Bauman aponta três possíveis causas para o sofrimento humano: a primeira

está relacionada ao poder superior da natureza; a segunda diz respeito a fragilidade de nossos

corpos; contudo, a terceira causa se relaciona intimamente a questão central desta obra e emerge

da inadequação dos regulamentos que ajustam as relações dos seres humanos na família, no

Estado e na sociedade. Robert Castel chegou a conclusão semelhante, depois de descobrir que a

insegurança moderna não deriva de uma carência de proteção, mas sim da “falta de clareza de seu

escopo”. Castel atribuí à individualização moderna a responsabilidade por esse estado de coisas;

sugere que a sociedade moderna, tendo substituído as comunidades e corporações estreitamente

entrelaçadas, que no passado definiam as regras de proteção e monitoravam sua aplicação, pelo

dever individual do interesse, do esforço pessoal e da auto-ajuda, tem vivido sobre a areia

movediça da contigência. Segundo Bauman, a segurança das pessoas e a proteção de suas

propriedades são condições indispensáveis para a capacidade de lutar efetivamente pelo direito à

participação política, mas não podem se estabelecer de forma definitiva nem serem adotadas com

confiança, a menos que a forma das leis impostas a todos tenha se tornado dependente de seus

beneficiários. Contudo, devemos fazer uma ressalva: se os direitos políticos podem ser usados para

enraizar e solidificar  as liberdades pessoais assentados no poder econômico, dificilmente

garantirão liberdades pessoais aos despossuídos, que não têm direito aos recursos sem os quais a

liberdade pessoal não pode ser obtida nem, na prática desfrutada – deixada à sua própria lógica de

desenvolvimento, a “democracia” poderia continuar sendo não apenas na prática, mas também de

modo formal e explicito, um assunto essencialmente elitista -,  sem direitos políticos, as pessoas

não podem ter confiança em seus direitos pessoais; mas sem direitos sociais , os direitos políticos

continuarão sendo um sonho inatingível, uma  ficção inútil ou uma piada cruel para grande parte

daqueles a quem  eles foram  concedidos pela letra da lei.

No quarto capítulo o autor trata da dicotomia social vivida nas grandes cidades. O autor recorre a

Manuel Castells que retrata uma crescente polarização e uma distância  cada vez maior entre os

mundos das duas categorias em que se dividem os habitantes: “o espaço da camada superior

geralmente está conectado à comunicação global e a uma vasta rede de intercâmbio, aberta a

mensagens e experiências que envolvem o mundo inteiro. Na outra extremidade do espectro, redes

locais segmentadas, frequentemente de base étnica, recorrem a sua identidade como o recurso

mais valioso para defender seus interesses e, em último instância, sua existência.”  Desta forma, as

pessoas da “camada superior” não pertencem ao lugar que habitam, pois suas preocupações estão

em outro lugar. Segundo Bauman, além de ficarem sozinhas, e portanto livres para se dedicarem

totalmente a seus passatempos, e terem os serviços indispensáveis a seu conforto diário

assegurados, elas não têm outros interesses investidos na cidade em que se localizam  suas

residências. Por outro lado, o mundo em que vive a outra camada de moradores da cidade, a

camada “inferior”, é o exato  oposto da primeira. Os cidadãos urbanos da camada  inferior são

“condenados a permanecer locais”. Para eles, é dentro da cidade que habitam que a batalha pela

sobrevivência, e por um lugar decente no mundo, é lançado, travada e por vezes vencida, mas na

maioria das vezes perdida. O acirramento desta segmentação social pode ser observado pelo

aumento vertiginoso dos condomínios fechados, como os existentes na Barra da Tijuca – RJ,

Região dos Lagos – RJ, São Paulo – SP, e em outras grandes cidades brasileiras que sofrem pelo

aumento dos índices de violência contra a vida e ao patrimônio. Pois, como afirma Bauman,

qualquer um que tenha condições adquire uma residência num “condomínio”, planejado para ser

uma habitação isolada, fisicamente dentro da cidade, mas social e espiritualmente fora dela. O traço

mais proeminentes do condomínio é seu “isolamento e distância  da cidade… Isolamento significa a

separação daqueles considerados socialmente inferiores”. As cercas têm dois lados…Elas dividem

em “dentro” e “fora” um espaço que seria uniforme. Desta forma, as cidades, que originalmente

construídas para fornecer proteção a todos os seus habitantes, hoje se associam com mais

freqüência ao perigo do que à segurança.

Finalizando a obra o autor  trata da utopia face a incerteza do mundo contemporâneo. Viver em um

mundo incerto com a esperança de dias mais equilibrados é necessário para o progresso. Bauman

revisita Anatole France que afirma que: “sem as utopias de outras épocas, os homens ainda

viveriam em cavernas, miseráveis e nus. Foram os utopistas que traçaram as linhas da primeira

cidade…” para nascer, o sonho dos utopistas necessitava de duas condições. Primeiro, um

sentimento irresistível de que o mundo não estava funcionando de maneira adequada e de que era

improvável consertá-lo sem uma revisão completa. Segundo, a confiança na capacidade humana

de realizar essa tarefa, a crença de que “nós, humanos, podemos fazê-lo”, armados como estamos

da razão capaz de verificar o que está errado no mundo e descobrir o que usar para substituir suas

partes doentes, assim como da capacidade de construir as armas e ferramentas necessárias para

enxertar esses projetos na realidade humana. Neste sentido, o autor apresenta três metáforas,

diferentes entre si, mais relacionadas ao modo de interagir com o mundo vivido. A primeira diz

respeito ao guarda-caça, que tem por princípio defender a terra sob sua guarda contra toda

interferência humana, a fim de proteger e preservar. A segunda é a do jardineiro, o qual presume

que não haveria nenhuma espécie de ordem no mundo, não fosse por sua atenção e esforços

constantes. Essas duas metáforas tipificam a autoridade investida aos Estados-Nações. A terceira

metáfora é a do caçador, o qual não dá a menor importância ao “equilíbrio” geral “das coisas”, seja

ele “natural” ou planejado e maquinado. A única tarefa que os caçadores buscam é outra “matança”,

suficientemente grande para encherem totalmente suas bolsas. Esses são produtos da globalização

e do enfraquecimento do Estado-Nação. Contudo, nem todos podem tornar-se caçadores, mas os

mais abastados.

Ao ler a presente obra, sob a perspectiva do autor,  pode-se perceber sua importância no

planejamento das políticas públicas. Muitas vezes somos tentados o produzir estratégias locais para

resolução de problemas, que se quer, compreendemos. Talvez esta seja a razão de continuarmos

tentando. Para ilustrarmos o tema tratado, vamos utilizar como referência um caso recorrente em

nossa sociedade, que é o do combate diuturno ao tráfico de drogas.  O enfrentamento de grupos

criminosos nas favelas cariocas aumenta a sensação de insegurança de nossa sociedade, sem,

contudo abalar os pilares do crime organizado. Os EUA  lideram uma campanha ao combate de

drogas nos cartéis colombianos. Todavia, não são tão impetuosos no comércio de venda de armas.

São essas incongruências que nos circundam. Como construir estratégias para essas questões, se

não controlamos os insumos de tais processos. O sentimento que advém desta análise é o de

impotência, mas o autor nos incentiva a continuar visionando um mundo melhor. Precisamos

perseguir a utopia.

BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, 119 p.,