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Recentes perseguições aos Católicos em Orissa D. John Barwa é o Arcebispo da Arquidiocese do Estado de Orissa, na Índia, lugar que tem atravessado, em sofrimento, uma série de intensas e sangrentas perseguições aos Católicos. Nesta palestra, proferida na Conferência Fátima: A Nossa Última Oportunidade, o Arcebispo Barwa fala-nos das horríveis atrocidades e perseguições que ali aconteceram; mas, ao mesmo tempo, ele e o seu povo dão-nos um exemplo vivo de coragem, de Fé, de Esperança, de Caridade e de martírio. Este exemplo, esta palestra de Sua Reverência, é uma joia rara de como nós, como Católicos, devemos viver a nossa Fé. O texto que se segue é transcrito desta bela palestra. O original pode ser visto e ouvido em www.fatima.org. pelo Arcebispo John Barwa, S.V.D. Boa tarde! O meu tema é a perseguição de Cristãos e Católicos no Estado de Orissa, e o que aconteceu num distrito da minha Arquidiocese chamado Kandhamal. Este distrito cobre 7.650 quilómetros quadrados e tem uma população de 650 mil almas. A população total da minha Arquidiocese é de 11 milhões, dos quais 70 mil são Católicos – na sua maior parte Dalits e tribais. Os Dalits são pessoas que pertencem à classe mais baixa, no sistema hindu de castas da sociedade Índiana. Os tribais não pertencem a este sistema, antes são conhecidos como os habitantes originais da terra. O Arcebispo D. John Barwa dirigiu à Conferência uma descrição muito comovente de uma Diocese Católica que vive no meio da perseguição. http://www.fatima.org/port/crusader/cr102/cr102pg26.pdf 1

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Recentes perseguições aos Católicos em Orissa

D. John Barwa é o Arcebispo da Arquidiocese do Estado de Orissa, na Índia, lugar que tem atravessado, em sofrimento, uma série de intensas e sangrentas perseguições aos Católicos. Nesta palestra, proferida na Conferência Fátima: A Nossa Última Oportunidade, o Arcebispo Barwa fala-nos das horríveis atrocidades e perseguições que ali aconteceram; mas, ao mesmo tempo, ele e o seu povo dão-nos um exemplo vivo de coragem, de Fé, de Esperança, de Caridade e de martírio. Este exemplo, esta palestra de Sua Reverência, é uma joia rara de como nós, como Católicos, devemos viver a nossa Fé. O texto que se segue é transcrito desta bela palestra. O original pode ser visto e ouvido em www.fatima.org.

pelo Arcebispo John Barwa, S.V.D.

Boa tarde! O meu tema é a perseguição de Cristãos e Católicos no Estado de Orissa, e o que aconteceu num distrito da minha Arquidiocese chamado Kandhamal. Este distrito cobre 7.650 quilómetros quadrados e tem uma população de 650 mil almas. A população total da minha Arquidiocese é de 11 milhões, dos quais 70 mil são Católicos – na sua maior parte Dalits e tribais. Os Dalits são pessoas que pertencem à classe mais baixa, no sistema hindu de castas da sociedade Índiana. Os tribais não pertencem a este sistema, antes são conhecidos como os habitantes originais da terra.

O Arcebispo D. John Barwa dirigiu à Conferência uma descrição muito comovente de uma Diocese Católica que vive no meio da perseguição.

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Orissa é o Estado mais pobre da Índia. E enfrentou uma terrível perseguição no Dia de Natal de 2007 e nos meses de Agosto e Setembro de 2008. Quando os Missionários Vicentinos chegaram a esta terra (há muito tempo atrás), aperceberam-se de que esta gente, em especial os Dalits e os tribais, precisavam da sua presença missionária, e passaram então a trabalhar no meio deles. A sua primeira prioridade foi a educação, os cuidados de saúde e o desenvolvimento social. Devido aos esforços dos missionários, os Dalits e os tribais elevaram-se na sociedade. Conseguiram bons empregos e negócios, e o seu nível de vida melhorou, coisa que os Brâmanes importantes e ricos não podiam tolerar. Começaram a dizer: “Se as pessoas desta categoria subirem na vida e os seus filhos receberem educação, o que acontecerá aos filhos dos ricos? O que farão eles? Porque não podem descer ao nível das classes baixas e trabalhar em empregos piores!” É por isso que os missionários e os Católicos se tornaram o alvo da perseguição – porque as instituições católicas e cristãs davam-lhes educação.

As “razões” para a perseguição

Diziam eles que uma razão para a perseguição era porque os Católicos e os Cristãos estavam a converter à força os tribais e os Dalits ao Cristianismo. A segunda razão era haver nesse Estado um governo fundamentalista, chamado Grupo Fundamentalista do Partido Bharatiya Janata (BJP). O BJP sabia que, para chegar ao poder eram precisos votos, e que os Dalits e os tribais não iriam votar nele. Só votam no Partido do Congresso. Os membros do BJP aperceberam-se de que a presença dos Daliits e dos tribais não lhes permitiria chegar ao poder; e assim, determinaram que era melhor eliminá-los. Estas são só algumas das muitas razões que eles têm invocado, ao longo de muitos anos. Foi uma acção pensada e muito bem planeada a que aconteceu no Dia de Natal de 2007. Em 24 de Dezembro, um líder fundamentalista hindu estava a passar por uma aldeia onde o nosso povo estava a preparar o Presépio para as festividades do Natal. Seguindo o seu plano, este líder desceu em direcção ao Presépio e pôs-se a fazer comentários desagradáveis, começando, com isso, a atacar os Cristãos daquela terra. Os fundamentalistas hindus destruíram as nossas lojas cristãs e católicas em três paróquias. Escolheram propositadamente aquele dia, por saberem que é um dia de muito negócio para os Cristãos.

Falsas acusações

Em 23 de Agosto de 2008, certo homem santo ou vidente dos Hindus – repare-se que nem todos os Hindus são maus – foi morto naquela noite. Embora os marxistas do

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Partido Comunista Maoísta afirmassem ter matado aquele homem, fomos nós, os Católicos, a ser acusados de ter assassinado esse líder religioso. Por isso, começaram a atacar-nos, dizendo que éramos nós os responsáveis e que tínhamos planeado matá-lo. E isso não era verdade, de modo algum. O Partido Comunista Maoísta era o responsável, mas houve um ataque em massa contra os Cristãos que se prolongou por dois meses inteiros: Agosto e Setembro. E, nisto, 93 Católicos foram mortos; 6.500 casas foram queimadas; 350 igrejas, 45 centros de saúde e muitos conventos e instituições foram destruídos; e 50 mil pessoas ficaram sem abrigo. O nosso povo teve de viver na floresta. Era no tempo das chuvas, era um tempo muito frio, mas, mesmo assim, eles sobreviveram. Por o Governo ser de coligação do grupo fundamentalista, não se interessou minimamente por nós, mas por fim lá recebemos ajuda de diferentes países, nações e pessoas de boa vontade; e assim pusemo-nos a reconstruir. Tornei-me Arcebispo daquela mesma área e, a 2 de Abril de 2011, tomei a meu cargo a responsabilidade da Arquidiocese. Até então, eu era bispo noutra Diocese. Logo que me encarreguei desta Diocese, pus-me a visitar cada canto, cada aldeia. Reuni-me com todos os padres, freiras e as pessoas que estavam sem casa; fui a cada lugar e falei com todos, tive reuniões com eles e partilhei das suas agonias e dores.

O propósito de acabar com os Cristãos

Lakshmanananda Saraswati, líder dos grupos fundamentalistas hindus, clamava por todo o lado:

“Iremos acabar com os Cristãos, tirá-los desta terra para fora; e não restará nenhuma existência cristã nesta parte do nosso País.”

E declarou abertamente que era da sua responsabilidade varrer todos os Cristãos daquela terra para fora.

“Não perderemos o nosso Jesus” Por causa disto, quando eu visitava todo o meu povo, diziam-me a uma só voz:

“Senhor Arcebispo, nós perdemos tudo, perdemos os nossos bens, perdemos as nossas casas, mas não perdemos Jesus, e não perderemos o nosso Jesus!”

Era o que o meu povo dizia, alto e bom som.

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Eu visito-os de vez em quando. Leva-me seis horas por estrada. As estradas não são grande coisa, mas também não são más de todo. Posso ir a 100 ou 120 quilómetros à hora, e a viagem leva-me seis horas. São terras todas elas muito longe; há muitas florestas, selvas e montanhas, e é uma zona não muito densamente povoada. Quase só os tribais e os Dalits ali vivem; mas, ao mesmo tempo, é uma área muito rica em recursos naturais. É por isso que querem tirar dali os tribais e os Dalits – para assim as multinacionais se apoderarem desses ricos minérios. Mas apesar disso, ao mesmo tempo,

“Nós acreditamos que o nosso Deus está connosco, e eu acredito que só Ela (Nossa Senhora de Fátima) nos pode valer.”

E porque é que eu digo isto? Porque, na nossa terra, a Mãe de Deus, Amma Ma, tem o primeiro lugar nas nossas vidas. Onde quer que seja organizada a devoção a Maria Santíssima, nossa Mãe do Céu, centenas de milhares de pessoas ali afluem, pelo amor que temos por Amma Ma, a nossa Mãezinha do Céu; e nós acreditamos que é Ela Que nos tem dado alento e Que nos tem alimentado com a Sua própria vida. Certa vez, convidei o Cardeal Telesphore Placidus Toppo, um dos três Cardeais da Índia a viver nesta parte do país, para uma celebração no Santuário Mariano. Centenas de milhares de pessoas ali acorreram, e tinham um slogan a dizer ao mundo e às pessoas de outras crenças, e especialmente aos fundamentalistas, que era o seguinte:

“Nós não somos pessoas assustadas. Vocês não podem tirar Cristo de nós, nem podem tirar de nós o amor da nossa Mãe, nem podem tirar o amor da nossa Mãe de nós.”

Eles dizem isto sempre como uma promessa solene, porque querem afirmar claramente ao mundo, e especialmente àqueles que querem destruir-nos:

“Nunca conseguirão destruir-nos. Nunca conseguirão afastar-nos da nossa querida Mãe Maria Santíssima. E ainda mais: nunca conseguirão afastar-nos do nosso Deus.”

Assim, agora estou mais vezes lá, mais vezes nesta parte da minha Diocese, e aí passo muito do meu tempo. E quanto às construções e reabilitações? Está tudo feito. Construímos igrejas, construímos instituições, construímos os nossos centros de saúde – tudo isso está reconstruído, excepto nas áreas mais remotas. E o BJP, aquele grupo fundamentalista, foi-se abaixo. O BJP só conseguiu um lugar em toda a região, e perdeu miseravelmente. O plano que tinham era como em Gujarat – criar uma sensação de medo, uma atmosfera de terror, para ganharem votos. Em Gujarat, tiveram uma grande maioria, mas na minha região só ganharam um assento (nas últimas eleições).

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O filho da terra veio a ser o primeiro Arcebispo da terra

Eu vim como Arcebispo da Arquidiocese e fui bem aceite, porque antes disso eu já era bispo em Rourkela, no mesmo Estado de Orissa. As pessoas aceitaram-me bem por eu ser natural daquela terra e pertencer àquele povo. É por isso que dizem: “O filho da terra veio a ser o primeiro Arcebispo da terra.” Sempre que me ia encontrar com o chefe do Governo, diziam logo: “É o primeiro Arcebispo de entre o nosso povo, falemos com o coração do nosso povo.” É sempre isto o que eles sentem, e eu também me sinto orgulhoso de estar com o meu povo, de falar a sua linguagem e partilhar das suas tristezas e alegrias. Reuni-me com practicamente todos os líderes políticos. As últimas vezes que estive com um Governador, como aconteceu na nossa concentração de Natal, havia muitos jornalistas e gente da imprensa, e estávamos todos sentados juntamente com o Governador. Eu estava com as minhas vestes episcopais, e os jornalistas, os representantes da imprensa, perguntaram-me o seguinte:

“Senhor Arcebispo, qual é a força que têm os Cristãos e os Católicos?”

E eu respondi:

“A nossa Fé em Deus, o amor que temos por Maria Santíssima, nossa Mãe do Céu, é a nossa força. Nós temos orgulho na nossa Fé, e a nossa Mãe do Céu, Maria Santíssima, nunca nos deixará.”

Acredito que precisamos de trabalhar cada vez mais pela unidade dos filhos e filhas da nossa querida Mãe, Maria. O slogan que agora é dito é:

“Não perdemos Jesus, e não O havemos de perder.” A Fé, a esperança e a confiança vão crescendo. Não só isso, mas também as vocações – vocações de qualidade. Só neste ano tive 33 ordenações. E quando organizamos campos vocacionais para rapazes e moças vêm de Roma padres e freiras para recrutar vocações. Em ambas as minhas Dioceses tivemos este ano 700 rapazes e 613 moças que foram para os campos vocacionais para recrutamento. Também aqui quero dizer a realidade – quero que os meus filhos se tornem religiosos e padres comprometidos, dedicados e convictos no mundo. Para onde eu vou, encontro sempre gente. Uma vez foi Kerala que teve um número muito grande de vocações, especialmente na Diocese de Palai, que tinha o maior número de vocações na Índia. Mas hoje isso mudou para a minha área, a terra tribal,

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especialmente Rourkela, onde vive a maioria destes tribais e o número de vocações é muito alto. Quero que cresça este número de vocações para a vida religiosa, para a vida cristã, mas que sejam de qualidade e não apenas de quantidade.

No meio das ao boas obras, Satanás ainda actua

com muito poder Para ser mais realista, devido ao número crescente de padres e religiosos que vêm de diversas partes do país e até do mundo, isto hoje está a tornar-se cada vez mais um negócio. Há uma competição para afastar as vocações. Estas coisas acontecem e, para mim, são dolorosas. Isto significa que, juntamento com todas estas boas obras e o bom espírito que decorre delas, também o demónio anda a trabalhar; Satanás trabalha com muito, muito poder – muito poderosamente. Creio que o que nós precisamos é da Santíssima Virgem Maria, nossa Mãe do Céu, a Quem temos um grande amor, devoção e compromisso. É Ela que nos há-de valer. Quero aqui dizer que, quando enfrentámos a perseguição, o meu sentimento era assim, como o exemplo de que falamos na Índia – a árvore de sândalo. É muito instrutivo. É assim:

“Até mesmo o machado que corta e que abate a árvore de sândalo fica perfumado com a sua fragrância exaltante e tranquila.”

O significado é bastante cristão, porque o melhor que tem a árvore do sândalo, o seu perfume, é concedido em primeiro lugar ao machado que a corta, fere e derruba; a seguir vem o que segura o machado, e por fim quem está presente. Até mesmo quando o que segura o machado está a aniquilar a árvore, a cortar a árvore, é uma ilustração da experiência cristã e da percepção de Deus, bom material para ser reflectido pela comunidade cristã, onde quer que ela esteja situada e onde quer que viva. E é isto que está a acontecer.

A perseguição fortaleceu-nos Hoje, há outros grupos de fundamentalistas que nos censuram por estarmos a converter pessoas, e isso é uma verdade. O número de conversões cresce mais a cada dia que passa. A nossa dificuldade está no facto de Orissa ser o único Estado que fez uma lei anti-conversão. Não podemos baptizar uma pessoa a menos que tenhamos todas as permissões do sistema das autoridades civis. O problema é que há centenas de pessoas a virem ter connosco e a perguntar-nos todos os dias: “Senhor Arcebispo, estamos à espera há tanto tempo, o que havemos de fazer?” É verdade que na nossa terra devíamos receber uma autorização legal, uma autorização escrita do Colector e da Polícia, do Tribunal, mas não recebemos.

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Só recebemos das autoridades locais um affidavit a declarar o seguinte de uma pessoa:

“É da minha livre vontade que quero abraçar este Cristianismo, esta Fé, não havendo coacção ou sedução de espécie nenhuma, apenas a minha livre vontade.”

Feito este affidavit, nós baptizamo-los. O número está a crescer, e eu sei – eu próprio sou um homem tribal – que é muito mais fácil para nós aceitar Jesus do que ir para outra religião qualquer. Os fundamentalistas e todos os outros grupos dizem que éramos Hindus, mas nós nunca o fomos. Pertencemos a um grupo animista, de adoração de espíritos, mas estamos fartos de adorar tantos espíritos por todo o lado. Quando havia um problema na família ou em qualquer parte da nossa vizinhança, pensávamos que algum espírito, em qualquer parte, estava aborrecido. E ter que agradar a todos espíritos e ao sol fazia-nos a vida muito difícil. Então os missionários vieram e começaram a ensinar-nos:

“Há um só Deus, Que vos ama incondicionalmente, e Ele é o Deus Que ama, Que é cheio de amor. Todos esses espíritos não têm poder algum perante Ele.”

Quando nos apercebemos do amor de Deus,

abraçámos o Cristianismo Para nós, foi uma nova revelação. Quando nós nos apercebemos do amor de Deus por nós, abraçámos o Cristianismo. Milhares e milhares abraçaram o Cristianismo. E não foi só abraçar o Cristianismo. Posso dizer que nós somos Cristãos convictos, comprometidos, totalmente fiéis, prontos a morrer pela nossa Fé, e não apenas Cristãos com Fé. Não vivemos na razão. Está certo, posso compreender a maneira como se discutem as coisas, como só se fala de publicações e de livros. Mas para nós –

O que interessa é o coração – emoções convictas, sentimentos, e o que nos interessa mais [é Quem amamos]. Estamos convencidos de que Deus nos ama e que nós amamos a Deus. Aconteça o que nos acontecer na vida, continuaremos firmes na nossa Fé. Deus proteger-nos-á, a Mãe, Maria Santíssima, salvar-nos-á, e com tudo isso, a nossa Fé fez de nós aquilo que nós hoje somos.

O nosso socorro de emergência terminou. Construímos, como já disse, quase 6 mil casas. E das 50 mil pessoas que se foram embora para outros sítios, voltaram todas para as suas casas, excepto os que quiseram manter-se afastados para variarem o seu modo de sustento. As igrejas estão reconstruídas, graças a todos vós e também ao Governo. Construímos oito casas por um total de 80 mil rúpias. Pagámos 50.000 rúpias e

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o Governo pagou 30.000 rúpias. Já apresentamos outro pedido para uma nova concessão de fundos. Outra coisa que precisamos de compreender é que estas pessoas que participaram em assassínios e destruições e distúrbios eram geralmente gente local, instigada por pessoas de fora, que lhes davam bebidas e álcool e drogas. Quando os encontramos e falamos com eles, admitem ter procedido assim mas nunca sabia o que isso significava. Estão agora a dizer-nos isso muito claramente, e pedem que lhes perdoemos. Muitos deles – mesmo chefes – vêm ter connosco e perguntam-nos:

“Podem perdoar-nos?” E eu e a minha gente dissemos:

“Somos pessoas de perdão, somos pessoas de amor, somos pessoas de paz. É certo que não podemos esquecer-nos do que fizeram, não podemos, mas perdoamo-vos. Vivamos em paz e harmonia, porque esta é a nossa vida e esta é a nossa mensagem.”

A nossa força está no amor de Deus

e no amor de Maria Santíssima Tenho confiança em como construiremos uma Kandhamal e Orissa pacífica, seguramente e de certeza. Muitos perguntam:

“Que força têm para se aguentarem assim? O que é que os faz tão fortes para aguentar as perseguições e as dificuldades?”

Temos uma resposta:

“É o Amor de Deus e o amor da Mãe Maria.” Tirando isso, não temos mais nada. Temos casas mais pequenas, a minha gente não tem grandes contas bancárias. Mas uma coisa que a minha gente tem é um sorriso em todas as alturas.

Visitas inesperadas tratadas como a presença de Deus

E se os visitarem, posso garantir-lhes que eles não poderão oferecer-lhes grandes riquezas, mas, com toda a certeza, hospitalidade, fazendo com que os convidados sejam bem-vindos. Na nossa língua, dizemos atithi, que significa: “alguém que vem sem ser esperado, sem avisar a altura.” São considerados como a presença de Deus, como representantes de Deus. Precisamos de cuidar deles, e fá-lo-emos da melhor maneira possível, porque esta é a nossa cultura.

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Há inveja na Índia porque – embora nós, Cristãos, sejamos apenas 2,06% – na nossa Conferência de Bispos Católicos (CBCI) e por toda a parte, dizemos claramente e em voz alta que atingimos 25% da nossa missão de educação de qualidade, de cuidados de saúde e de actividades de desenvolvimento social. E isto acontece porque há um compromisso, há uma dedicação, há uma convicção e uma entrega nossa a Deus. Como disse, muita gente pergunta-nos de onde conseguimos a nossa força. E a nossa resposta é que Jesus disse:

“Uma casa construída sobre uma rocha pode aguentar todos os ataques e até dar abrigo.”

Vencer o Mal com o Bem

Amor, compaixão, perdão e serviço sacrificial são os componentes dessa rocha, e por isso espera-se que a Igreja dê abrigo até mesmo ao atacante. Vencer o mal pelo bem – apesar da hostilidade e do sofrimento que foi demonstrado para com os Cristãos em Kandhamal, no meu Estado, na minha Arquidiocese. Não é muito fácil dizer que a situação é agradável; mas não devemos ser subjugados pela enormidade do mal. Devemos manter-nos sempre firmes no núcleo da Fé, mesmo quando a situação é muito escura, dolorosa e amarga, ou até mesmo humilhante. Acreditamos na não-violência. Quando fomos atacados, 50 mil pessoas, em vez de deixarem os seus lares e fugirem para a floresta, podiam ter contra-atacado. Podia ter havido mais derramamento de sangue, e sabemos que podia ter havido mais mortes em ambos os lados. Teríamos sofrido menos mortos no nosso lado, porque conhecemos as florestas, conhecemos as situações, e podíamos ter-nos escondido e matado um maior número deles. Não contra-atacámos. Dissemos:

“Que o demónio faça agora o seu trabalho, porque é certo que venceremos, porque hoje estão a cantar a nossa canção, ‘We shall overcome.’”

É claro que canto em Hindi, hum honge kamyab. É a minha língua nacional. O meu inglês pode não ser muito bom, porque falo sete línguas em casa – a língua nacional, a língua do Estado, a língua do meu pai e da minha mãe, a língua da escola – há tantas línguas! A Índia tem 26 línguas oficiais. Espero e creio que tenham compreendido o meu inglês.

Cantamos assim em Hindi: “hum honge kaamyaab, honge kaamyaab hum honge kaamyaab ek din, ho ho mann main hai vishwas poora dil re hai vishwas, hum honge kaamyaab, ek din.”

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Venceremos. Se não for neste dia, se não for hoje, creio que será um dia. E um dia, não sei quando – mas o meu povo acredita nisto – nós venceremos. É por isso que nunca desanimamos. Numa Diocese, onde sou Administrador Apostólico, há pouco mais de 250 mil Católicos e um número parecido de Protestantes. É um grupo, todos tribais, e é a história de sucesso daquela parte do país.

A libertação dos senhores da terra

Um missionário holandês, Constant Lievens, veio para nós, aprendeu a nossa língua e libertou-nos dos espíritos, e libertou-nos dos senhores da terra – porque para nós, tribais, a terra, a propriedade, o mundo, não pertencem a nenhum ser humano, a nenhum indivíduo. Tudo pertence a Deus, porque foi Ele Quem nos criou. Limpamos a terra, cultivamos a terra, mas não temos a posse da terra. O sistema do Governo é medi-la, dividi-la em talhões e dar a sua posse à comunidade. Os nossos antepassados nunca possuíram a terra; perderam tudo e ficaram ainda mais pobres. Este missionário que chegou libertou-nos dos proprietários, dos donos da terra, porque aprendeu a lei da terra – porque era a nossa terra. Foi assim que centenas e milhares de nós aceitaram fazer-se Católicos. Mas hoje dizem que nós somos Hindus e que os missionários são estrangeiros, porque vêm de uma terra estranha e converteram-nos. Nunca nos convertemos. Aceitámos com a nossa Fé, com a nossa convicção, com alegria e felicidade, o que mais ninguém podia fazer por nós. É o amor de Deus; são as pessoas escolhidas por Deus, por quem os missionários trabalharam e deram a vida por nós. Quem, a não ser Deus, enviou estes missionários para trabalharem completamente para nós – por amor de nós? Quem? E assim, como disse, onde estou agora, há 70 mil Católicos e, em número só um pouco maior, Protestantes de diversas denominações. Como estava a dizer, estes são os problemas. Tornam-se mais fundamentalistas que os próprios grupos fundamentalistas autênticos. Porque da maneira como esta denominação fala, como se propaga, como prega na praça pública e em toda a parte – há quem até diga que dão dinheiro para as conversões. Nunca ninguém me deu dinheiro para eu converter alguém ao Cristianismo, porque não acredito nisso.

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Somos Católicos de qualidade, não Católicos de quantidade

Embora esteja hoje a ser acusado desse género de conversões por suborno, continuo a tentar falar numa língua mais alta, numa língua mais clara, de que esse não é o nosso caminho. Deus não quer Católicos de número – 80.000, 90.000, 250.000. Para nós, isso não faz sentido, a não ser que haja uma mudança de coração, uma mudança de vida, uma mudança de comportamento. Esta perseguição levou-nos a compreender que não é o número que nos torna capazes de aguentar a perseguição, de aguentar o sofrimento, de aguentar os assassínios e os massacres. Aqui estão alguns exemplos que lhes quero dar sobre o que aconteceu durante a perseguição.

Mártires pela sua Fé Um dos meus rapazes, um jovem de 18 anos, viajava num autocarro. Rebuscaram-lhe o saco e encontraram uma Bíblia. Puxaram-no para fora e disseram-lhe: “Renuncias a Jesus?” – e o jovem respondeu: “Nunca!” Abriram uma cova e foram-no enterrando vivo, pouco a pouco, perguntando-lhe sempre: “Renuncias a Jesus?” Disse o jovem: “Mata-me. Primeiro mata-me e enterra-me.” E responderam-lhe: “Não, não te vamos matar primeiro.” E enterraram-no vivo. Sabemos que isto aconteceu de facto. Outro homem, nosso catequista, estava com a mulher e o filhinho quando se apoderaram-se dele, dizendo: “É este o professor que percorre as aldeias e anuncia a Cristo.”

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Então, eles arrastaram-no, e bateram-lhe e ataram-lhe as mãos. Obrigaram a esposa a ver tudo aquilo e disseram-lhe: “Olha, aqui está a tua mulher e o teu filho.” E, pegando numa grande pedra à frente dele, perguntaram-lhe:

“Renuncias a Jesus? Senão, estás a ver esta pedra? É assim que tu vais morrer.”

E o catequista replicou: “Eu aceitei o meu Jesus, não renunciarei a Ele!” Por várias vezes lhe fizeram a pergunta e lhe deram pontapés. Não conseguiram nada. Por fim, deixaram-lhe cair a grande pedra sobre a cabeça, matando-o. Perguntaram então à esposa:

“Viste o que aconteceu ao teu marido. E tu? Renuncias a Jesus? Bem viste o destino do teu marido; vai-te acontecer o mesmo se não renunciares a Jesus.”

E esta senhora respondeu:

“Se o meu marido morreu pela sua Fé em Deus, o Deus que nos criou, e o Deus que nos ama, eu também não renunciarei. Façam de mim o que quiserem.”

Este é o tipo de coragem que o meu povo tem. Quando a levámos a Delhi para dar um testemunho público, ela contou exactamente, a chorar mas em voz alta e clara, o que tinha acontecido. Esta senhora ainda é viva, e conta ao mundo o que lhes aconteceu pela sua Fé. Há centenas mais de exemplos vivos que lhes podia contar. O testemunho corajoso, a Fé corajosa que foi manifestada é maravilhosa. Só posso dizer isto: o meu povo perdeu os seus bens; o meu povo perdeu as casas; mas hoje estão felizes e cheios de alegria!

Doenças misteriosas Como vêem, há outro segredo: os que iam à frente nos assassínios e nas perseguições – ninguém pode realmente perceber o que se passa, mas a maioria destes perseguidores está a morrer de uma doença que nem os próprios médicos compreendem. Doenças misteriosas. Não desejamos que eles morram, mas acontecem coisas que eles não querem contar, nem nós queremos dizer. Dizemos simplesmente: está bem, se acontece, é por vontade de Deus, deixem que aconteçam.

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Elefantes cristãos E aconteceu também outra coisa interessante: depois de terem sido destruídas todas as casas dos Católicos e Cristãos, um número assombroso de elefantes saiu das selvas e destruiu um grande número de casas dos perseguidores. Começaram a chamar-lhes “elefantes cristãos”, porque só destruíram as casas dos perseguidores e não tocaram nas casas dos Católicos ou dos Cristãos. Talvez se virem as coisas desta maneira, é maravilhoso ver que muitas, muitas mais coisas destas estão a acontecer.

Os dirigentes católicos são perseguidos

Vemos Deus manifestar a Sua presença, mas nunca dizemos que é Deus Quem o faz. Só dizemos: “As coisas estão a acontecer.” Para quem esta numa posição de chefia, a situação é muito difícil. Às vezes é difícil compreender os assassínios. A minha sobrinha, uma religiosa – como veio no jornal, ouvirão o nome desta religiosa – a Irmã Meena Lalita Barwa, foi violada em série, em público, com um padre da minha Diocese. A este, enviei-o para o nordeste, para Assam, para poder movimentar-se em segurança, porque neste momento era muito difícil para ele andar à vontade nesta Arquidiocese. Quando veio a multidão, destruíram totalmente o Centro Pastoral, mas já o voltámos a pôr em estado de funcionar. A minha sobrinha, a Irmã Meena Lalita, e um padre foram levados à força, empurrados, com armas apontadas, e todos os atacantes, milhares deles, juntaram-se e tentaram obrigá-los a fazer sexo em público. Ambos, o Padre Chellan, que veio de Kerala, e a minha sobrinha, disseram: “Matem-nos, que nós nunca faremos semelhante coisa.” Finalmente, derramaram petróleo sobre eles para os queimarem, mas não chegaram a pô-los a arder. A minha sobrinha, a freira, foi violada consecutivamente em público, e muitos dos violadores são funcionários do Governo. Agora que o Governo mudou, conseguiram apanhar 30 deles. Isto aconteceu em 25 de Agosto de 2008. A minha sobrinha Meena estudou no colégio, ainda não como freira mas como uma simples moça, porque queríamos que ela prosseguisse os seus estudos, e ela esteve sempre entre os primeiros da turma, fez o melhor que podia. Ela também quer estudar Direito, para poder ajudar estas mulheres que passam por estes terríveis sofrimentos. Ela identificou os que eram chefes e que fizeram este acto de violência contra ela, e eles estão na cadeia. Desta maneira, muitos, muitos deles são penalizados e vão para a cadeia. E actualmente, são eles que andam a fugir, em vez de nós. Estão a fugir porque a Polícia está a apanhá-los. E por estarem sempre em fuga vêem as coisas muito difíceis.

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Quando uma perseguição acaba – começa logo outra

Mas o mal nunca se vai embora. Esta perseguição acabou, mas virá outra de outra maneira. Agora há a gente clandestina. Chamamos-lhes Maoístas. (Nota do Editor: Os Maoístas são comunistas que seguem os ensinamentos do líder comunista chinês Mao.) Muita gente na minha região é raptada, levada. Recentemente, dois italianos foram raptados, e todos faziam pressão sobre mim para fazer uma comunicação à imprensa. É claro que a fiz, mas o problema é que estou numa posição muito sensível. Se disser alguma coisa sobre o Governo, o Governo fica ofendido e entala-me. Se digo alguma coisa contra estes Maoístas, esta gente clandestina, eles entalam-me a mim e ao meu povo. E o meu povo tem muita dificuldade em sobreviver; estamos em dificuldades, mas nunca perdemos a esperança.

Havemos de vencer Apesar de tudo isto, dizemos: “Havemos de vencer.” E a gente do Governo acusa-me e ao meu povo, Católicos, e ao Chefe da Igreja, que estamos a apoiar os Maoístas, o que nunca fazemos. O Superintendente da Polícia e todos eles chamam-me, vêm ter comigo, encontram-se comigo, e perguntam-me: “Senhor Bispo, porque está isto a acontecer?” A minha única resposta é esta:

“Governem melhor, desenvolvam a região, dêem meios adequados e melhores para as pessoas terem uma vida melhor, e as coisas mudarão automaticamente.”

Depois pediram-me para tratar das actividades de desenvolvimento na região. E eu respondi: “Não sou a pessoa responsável por tudo isso.” Mas o Governo disse: “Faça isso e nós apoiá-lo-emos.”

Deus e a nossa Mãe Santíssima não nos deixarão ao desamparo

Ao mesmo tempo, isto é difícil. Mas estou sempre com o meu povo nesta região, e sei que nada acontecerá a mim e ao meu povo. Deus está connosco. Para terminar, quero dizer-lhes que a nossa Mãe Santíssima não nos deixará ao desamparo. Na minha Diocese, a imagem de Nossa Senhora de Fátima foi a cada aldeia, a

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cada casa, a cada canto. As pessoas conhecem-Na. Também temos a nossa querida Mãe, Maria Santíssima, de Velankanni, Mãe, Maria Santíssima, da nossa terra. A devoção e o amor à Mãe Maria é muito grande.

As palavras de Maria devem ser seguidas e obedecidas

Queremos, certamente, que o amor da Mãe Maria cresça em toda a parte. Se isto é uma ordem da Mãe, Maria Santíssima, de Fátima, que tem de acontecer, então irá acontecer. A desobediência, creio eu, trouxe a confusão ao nosso mundo, e a desobediência trará ainda mais confusão hoje. Mas ao mesmo tempo, asa palavras da Mãe Maria devem ser seguidas e obedecidas. Na minha qualidade de Arcebispo na hierarquia da Igreja, posso apenas dizer, porque não tenho muito conhecimento e informação, que, para mim, o que interessa é o amor de Deus e a devoção à nossa querida Mãe Maria.

Quem deve fazer isto? Se isto tiver de ser feito, terá de ser feito. Mas quem o fará? Todos nós devemos fazê-lo. Toda a Igreja deve fazê-lo, e não apenas um grupo. Todos nós devemos saber e estar convencidos de que isto é urgente e é a necessidade desta hora. Eu estou convencido; todos nós, nós os Bispos, sabemos, sentimos que tem de ser feito, mas tem de ser feito com consentimento, com compreensão, com o amor da nossa querida Mãe Maria. Que a nossa Mãe, Maria Santíssima, nos abençoe, que a nossa Mãe, Maria Santíssima, proteja a Sua Igreja, que a nossa Mãe, Maria Santíssima, proteja todos os Seus filhos.

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