realidade espiritual ou obsessão

43

Upload: gsu

Post on 14-Apr-2017

391 views

Category:

Education


137 download

TRANSCRIPT

Page 1: Realidade Espiritual ou Obsessão
Page 2: Realidade Espiritual ou Obsessão
Page 3: Realidade Espiritual ou Obsessão

China, tornou-se cd de 1920, rendendo-se

Ele consagrou-se total1mc~ estudo das Escrituras, t

recebido crescente visão

espiritual do propósito ete

Deus em relação a Cristo e Igreja como Seu Corpo.

un1 obreiro incansávd em

Page 4: Realidade Espiritual ou Obsessão

Sumário

Prefácio ................................... 7

CAPÍTULO 1

Realidade Espiritual: O que É? .. ....... ...... 9

CAPÍTULO 2

Realidade Espiritual: Seus Relacionamentos . .. 35

CAPÍTULO 3

Realidade Espiritual: Como Entrar nela? ...... 51

CAPÍTUL04

Obsessão: O que É? ..................... . .. 61

CAPÍTULOS

Obsessão: Causas e Livramento . .. .. ........ 75

Page 5: Realidade Espiritual ou Obsessão

refãcio

,/

Einegável que os cristãos de hoje estão à procura de

realidade .espiritual. No entanto, por que nosso

tempo tem sido marcado por falsa espiritualidade?

Nesta importante obra, Watchman Nee nos de­

monstra que realidade espiritual é veracidade, é a ver­

dade que nos liberta. "Uma vez que qualquer coisa es­

teja fora do Espírito Santo", disse ele, 11 ela se torna letras

e formas mortas." Frequentemente o cristão falha em to­

car a veracidade em vários aspectos espirituais e assim

pode ser enganado e atado pela falsidade.

Ele ressalta que se alguém não vê claramente o ver­

dadeiro caráter de certo fato, mas mesmo assim se con­

sidera esclarecido, se o que pensa e faz é errado, mas en­

tende que está muitíssimo certo, então "a essa condição

nós chamamos de obsessão ... a pessoa obcecada precisa

da luz de Deus; caso contrário, não poderá sair da sua

obsessão".

Page 6: Realidade Espiritual ou Obsessão

Tendo em conta que tudo o que se relaciona com

Deus está no Espírito Santo, conforme as Escrituras, e

somente o que está n'Ele é espiritualmente real, e fora

disso teremos frustrações e morte, por melhores que se­

jam nossas intenções, ele então nos adverte seriamente

quanto ao sutil e nocivo mal que é a obsessão, ao apon­

tar seus sintomas e causas, por meio de vários exem­

plos práticos, e também a forma como podemos alcan­

çar a libertação.

Publicada primeiramente em português em 1999,

esta 3.ª edição está revisada segundo o novo acordo or­

tográfico da língua portuguesa.

Que Deus resplandeça Sua luz em nosso espírito e .

mente para que sejamos livres de todo engano e possa­

mos conhecer e viver em realidade espiritual e sermos

usados por Ele.

Pelos interesses de Cristo,

Os Editores

Campinas, março de 2016

Capítulo 1

Realidade Espiritual

O que É?

"Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade" (João 4.24).

" ... quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si

mesmo, mas dirá tudo o que tiver ou~ido e vos anun­ciará as coisas que hão de vir" (João 16.13).

"E o Espírito é o que dá testemunho, porque o Es­

pírito é a verdade" (1 João 5.6b).

Page 7: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN NEE

· u m fato que o povo de Deus deve considerar é que toda questão espiritual tem sua realidade diante

de Deus. Se o que tocamos é mera aparência e não rea­lidade, descobriremos que isso que tocamos não tem

qualquer valor espiritual. O que, então, é realidade es­

piritual? A realidade de um fato espiritual é algo espi­

ritual, não material. Embora a realidade espiritual ne­

cessite ser revelada em nossa vida, as formalidades

estabelecidas em nossa vida não são realidade. Em­

bora a realidade espiritual deva ser manifestada na conduta, a pretensão humanamente produzida não é

realidade.

O que é realidade espiritual? "Deus é espírito; e im­

porta que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade", diz o Senhor. A palavra "verdade" significa

"veracidade" ou "realidade" . O mesmo se aplica às se­

guintes passagens: " ... quando vier, porém, o Espírito da

verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não fa­

lará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e

vos anunciará as coisas que hão de vir"; "E o Espírito é o que dá testemunho, porque o Espírito é a verdade" . Es­

sas passagens revelam que Deus é Espírito e, portanto,

tudo o que se relaciona com Deus está no Espírito. O Es­

pírito da verdade é o Espírito da realidade. Por essa ra­

zão, a realidade espiritual deve estar no Espírito. É isso que transcende o homem e a matéria. Somente o que está

no Espírito Santo é espiritualmente real, porque todos os fatos espirituais são nuh·idos no Espírito Santo. Uma vez

que qualquer coisa esteja fora do Espírito Santo, ela se

torna letras e formas mortas. Fatos espirihiais são reais,

10

R EALI DADE ESPIRI TUAL O U OBSESSÃO ?

vivos e cheios de vida somente quando estão no Espírito

Santo. É o Espírito Santo quem nos leva para dentro de

toda realidade. O que quer que possa ser iniciado sem a direção do Espírito Santo definitivamente não é reali­

dade espiritual. Tudo aquilo que alguém possa obter

simplesmente por ouvir, por pensar ou por ser emocio­

nalmente envolvido não é espiritualmente real. Deve­mos lembrar que o Espírito Santo é o executor de todas

as questões espirituais. O que Deus faz hoje é feito no Es­

pírito Santo. Somente aquilo que o Espírito Santo faz é

verdadeiramente real.

O que quer que esteja no Espírito Santo é real. Se al­

guém toca nessa realidade, ele obtém vida, pois vida e realidade estão unidas. Quem deseja prestar atenção à

vida espiritual deve enfatizar a realidade espiritual. Aquele que toca na realidade espirihial no Espírito Santo

responderá imediatamente com um" amém" em seu co­ração sempre que encontrar outro que também tocou na

realidade espiritual, e vice-versa. Esse é o significado das

palavras em Salmos 42.7: "Um abismo chama outro abismo" . Podemos dizer que a realidade toca a reali­

dade. Para um melhor entendimento, ilustremos com al­

guns exemplos concretos.

1 º Exemplo: Batismo

"Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer

da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus"

(Jo 3.5). Essas foram palavras do Senhor a Nicodemos.

11

Page 8: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN NEE

Quando Paulo escreveu aos santos em Roma, ele

perguntou: "Ou, porventura, ignorais que todos nós

que fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados

na sua morte? Fomos, pois, sepultados com ele na

morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressus­

citado dentre os mortos pela glória do Pai, assim tam­

bém andemos nós em novidade de vida. Porque, se fo­

mos unidos com ele na semelhança da sua morte,

certamente, o seremos também na semelhança da sua

ressurreição .. . " (Rm 6.3-5). Tanto o Senhor Jesus como

Paulo falam da realidade do batismo.

Mas algmnas pessoas olham o batismo do ponto de

vista físico. Seus olhos só podem ver a água e, por isso,

insistem na regeneração batismal. Eles não tocaram na realidade espiritual. Outros tentam tratar esse assunto

mentalmente. Afirmam que a água não pode regene­

rar as pessoas e, consequentemente, explicam que para algumas pessoas o batismo é real e interior, enquanto

para outras é falso e exterior. O primeiro grupo pode

entrar no reino de Deus, mas os da segunda categoria são excluídos. Os que ensinam assim tarn.bém não to­

caram a realidade espiritual nesse assunto.

O batismo sobre o qual o Senhor falou a Nicodemos

é uma realidade. Paulo também vê realidade nci ba­

tismo: sepultados com o Senhor para novidade de vida.

Ele disse aos santos em Colossos: 11

••• tendo sido se­

pultados, juntamente com ele [Cristo], no batismo, no

qual igualmente fostes ressuscitados . .. " (Cl 2.12). Para

Paulo, o batismo e o sepultamento são u1na e a mesma

coisa; do mesmo modo, o batismo e a ressurreição.

12

REALIDADE E SPIR ITUAL O U Ü BSESSÀO?

Ele sabe o que significa ser sepultado com o Senhor e

também o que significa ser ressuscitado com o Se­

nhor. Paulo não vê apenas a água do batismo nem vê alguns como verdadeiramente batizados e outros não.

Ele comunica aos outros a realidade do batismo que ele tocou.

Se você viu o batismo como realidade, você natu­

ralmente sabe o que isso é. A questão de ele ser real ou

falso, interior ou exterior simplesmente não existe,

porque você entende que ser batizado é ser sepultado

e ressuscitado juntamente com Cristo. Tendo visto

essa realidade, existe possibilidade de você se abster

de proclamar que o batismo é realmente tão grande,

tão real e tão inclusivo? Tão logo seja mostrada a rea­lidade a uma pessoa, o que é falso não mais existe. Su­

ponhamos que alguém diga: "Agora que fui batizado,

espero poder ser sepultado e ressuscitado juntamente

com o Senhor". Aquele que faz tal declaração não to­

cou a realidade, visto que, para ele, o batismo é uma

coisa, e o sepultamento e a ressurreição, outra. Mas

quem percebe a realidade espiritual sabe o que são o

sepultamento e a ressurreição. O batismo é sepulta­

mento e também é ressurreição. Eles são uma e a

mesma coisa.

Você percebe que ninguém jamais poderá entender

as coisas espirituais com os olhos fixados no que é ma­

terial, que ninguém jamais poderá pensar seriamente no que é espiritual com o cérebro? Todos os assuntos

espirituais têm sua realidade. Aquele que toca a reali­

dade não questiona mais.

13

Page 9: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN N EE

2° Exemplo: Partir do Pão

A mesma coisa é verdade com respeito ao partir o

pão. Na noite em que foi traído, o Senhor Jesus tomou

"um pão, e, abençoando-o, o partiu, e o deu aos discí­

pulos, dizendo: Tomai, comei; isto é o meu corpo. A se­

guir, tomou um cálice e, tendo dado graças, o deu aos

discípulos, dizendo: Bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em

favor de muitos, para remissão de pecados. E digo-vos

que, desta hora em diante, não beberei deste fruto da vi­

deira, até aquele dia em que o hei de beber, novo,, con­

vosco no reino de meu Pai" (Mt 26.26-29). Alguns con­

sideram isso do ponto de vista físico, por isso afirmam que, quando o pão e o cálice são abençoados, toda a

substância do pão se converte no corpo do Senhor e toda a substância do fruto da videira é mudada em san­

gue do Senhor. Outros veem isso do ponto de vista ra­

cional, argumentando que o pão e o vinho não foram

transubstanciados (como no caso anterior), mas apenas

representam o corpo e o sangue do Senhor.

Julgando pelas próprias palavras do Senhor, entre­

tanto, vemos que Ele não enfatiza nem a transubstan­

ciação nem a representação, mas a realidade espiritual.

Por trás daquilo que é comido e bebido está a realidade

espiritual. Jesus disse: "Isto é o Meu corpo"; Ele não disse: "Isto representa o Meu corpo". E depois de dizer:

"Isto é o Meu sangue, o sangue da nova aliança", o

Senhor continuou dizendo: "Não beberei deste fruto da

videira", indicando claramente que o vinho não foi

14

REALIDADE ESPIRITUAL O U ÜBSESSÃO?

transubstanciado nem representa o ;angue. Quando o

Senhor fala do pão e do cálice, Sua ênfase total está na

realidade. Aos. olhos d'Ele, não há representação nem transubstanciação.

Paulo argumenta do mesmo modo quando diz: "Por­

ventura, o cálice da bênção que abençoamos não é a co­

munhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não

é a comunhão do corpo de Cristo?" (1 Co 10.16). É o pão,

mas Paulo o reconhece como o corpo de Cristo. É o cá­

lice, todavia ele o aceita como o sangue de Cristo. Aos

olhos de Paulo, não há nem representação nem tran­

substanciação, apenas realidade espiritual. Ele explica

ainda mais: "Porque nós, embora muitos, somos unica­

mente um pão, um só corpo ... " (v. 17). Como ele pode­ria dizer isso se não tivesse tocada a realidade espiritual?

Quando alguém fala, ele declara um fato ou uma pa­

rábola - aquilo que é expresso em linguagem literal ou

simbólica. Tal não acontece com Paulo. "Nós, embora

muitos" é literal; "somos unicamente um pão" é simbó­

lico. Ele une o literal e o simbólico em uma sentença, por­

que, para ele, ambos, "nós, embora muitos" e "somos

unicamente um pão", são fatos. A realidade espiritual

que ele tocou é tão real que ele pode unir o "embora

muitos" com o _"somos um pão, um corpo". Ele trans­

cendeu a gramática e a retórica. Aqui está alguém que

realmente conhece o Senhor. Quando toma o pão, ele

está verdadeiramente em comunhão com o corpo de

Cristo, pois esqueceu o pão e agora está em contato com

a realidade espiritual. Quando toma o cálice, ele está

realmente em comunhão com o sangue de Cristo, pois

15

Page 10: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN NEE

esqueceu o fruto da videira e tocou a realidade espiri­

tual. Tendo tocado a realidade espiritual, para ele pala­

vra ou doutrina não representam problema.

3° Exemplo: A Igreja

No que diz respeito à Igreja, eis algo realmente

maravilhoso de contemplar. Alguns acham que exis­

tem igrejas falsas e igrejas verdadeiras. Mas o Senhor

disse a Pedro:

"Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta

pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno

não prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves do

reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado

nos céus; e o que desligares na terra terá sido desligado

nos céus" (Mt 16.18-19).

Essa é a Igreja no pensamento do Senhor. A Igreja

em .Sua mente é nada mais que a Igreja verdadeira.

Isso se aplica não somente à Igreja em seu aspecto

universal, mas igualmente à igreja local1. O Senhor

explica ainda mais:

"Se teu irmão pecar [contra ti], vai argui-lo entre ti

e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão. Se, po­

rém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas

pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três

testemunhas, toda palavra se estabeleça. E, se ele não

1 O autor não está se referindo às denominações ou grupos cristãos, mas à

igreja na cidade, a expressão local da Igreja única e universal.

16

REALIDADE ESPIRITUAL OU Ü llSESSÀO?

os atender, dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também

a igreja, considera-o como gentio e publicano. Em ver­dade vos digo que tudo o que ligardes na terra terá

sido ligado nos céus, e tudo o que desligardes na terra

terá sido desligado nos céus" (18.15-18).

De acordo com o Senhor, quando a Igreja declara

que um irmão está certo, ele está seguramente certo; e

quando a Igreja declara que ele está errado, ele está

inegavelmente errado. Quando lemos isso, uma per­

gunta facilmente se levanta em nossa mente: "E se a

decisão da igreja estiver errada?". O Senhor, entre­

tanto, está falando da realidade da Igreja. Uma decisão

errada não pode vir daquilo que é real, visto que uma decisão incorreta não será do Espírito Santo, mas da

vontade do homem. A Igreja, aos olhos do Senhor, é

uma realidade; tudo o que estiver fora daquela reali­

dade não tem absolutamente lugar no pensamento de

nosso Senhor.

Quando Paulo menciona a Igreja em suas epístolas,

ele se refere a ela como a chamada, a santificada e a ha­

bitação de Deus (Rm 1.17; 1 Co 1.2; Ef 2.22). O apóstolo

João fala da Igreja da mesma forma como Paulo fala.

Embora as sete igrejas da Ásia tivessem muitas falhas

e fracassos, João ainda as chama de igrejas. O Senhor

Jesus mesmo reconhece que" os sete candeeiros são as

sete igrejas" (Ap 1.20).

Para os apóstolos, a Igreja é uma realidade; por­

tanto, não existe o problema de uma Igreja falsa aos

Seus olhos. Isso não quer dizer que no mundo não

existam igrejas falsas, mas apenas indica o fato de que

17

Page 11: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN NEE

aquele que falha em ver a realidade da Igreja tem pro­

blema com sua visão espiritual. Quem considera a apa­rência aceita todas as igrejas como verdadeiras. Quem

julga racionalmente encontra umas verdadeiras e ou­

tras falsas. Somente aos olhos daquele que tocou a rea­

lidade espiritual é que a Igreja é espiritual, sem qual­quer dúvida.

Mencionemos um ponto do aspecto prático. Pode­mos perguntar o que é a vida do Corpo. A vida do

Corpo não é introduzida por agirmos segundo certo

procedimento. Somente quando a realidade espiritual

é tocada é que você toca a Igreja; só então suas ações

se tornam movimentos no Corpo e não são mais ativi­dades independentes. Por exemplo: quando você está

para fazer algo, não é porque cumpriu o procedimento

exigido, tal como convidar os irmãos e as irmãs para

reunirem-se a fim de você se aconselhar com eles, que sua ação pode ser considerada como vida do Corpo.

Você está vivendo a vida do Corpo somente quando

tocou a realidade dele enquanto comunga com irmãos

e irmãs (sejam poucos ou muitos). Se você não tocou a realidade espiritual, então o que foi aceito unanime­

mente por toda a assembleia é apenas opinião da

carne. Não é, de modo nenhum, a vida do Corpo. A

vida do Corpo flui da realidade espiritual.

O caso em Atos 15 nos mostra o que é a vida do

Corpo. Com o propósito de solucionar o problema

sobre se os gentios deviam ser circuncidados, os

apóstolos e os presbíteros se reuniram para conside­

rar a questão. Finalmente, Tiago se levantou e deu a

18

REALIDADE E SPIRITUAL OU OBSESSÃO?

decisão. Essa decisão era do Espírito Santo, pois

quando escreveram a carta-circular, eles puderam

dizer: "Pois .pareceu bem ao Espírito Santo e a nós . .. " (v. 28). A decisão veio do Espírito Santo; ela tinha to­

cado a realidade espiritual. Embora a palavra tenha

saído da boca de Tiago, os apóstolos e os presbíteros,

com toda a igreja, disseram amém à decisão e con­

cordaram com ela (v. 22) . Isso é a vida do Corpo. A

vida do Corpo é manifestada quando a realidade é tocada no Espírito Santo. Não é por cumprir certo

procedimento, mas é pelo tocar a realidade que a

vida do Corpo é realmente praticada.

Devemos compreender que toda vida espiritual e ensinamento têm sua realidade diante de Deus. Se al­

guém não tocar essa realidade, não importando quão

bem possa pregar a doutrina, ele não produz nada de

valor. espiritual. Se alguém não tocar a realidade da

Igreja, embora fale sobre ela o tempo todo, ele está em

trevas, enganando a si mesmo, e está cheio de orgulho.

Mas para aquele que teve contato com a realidade es­

piritual, sua vida é prática e viva em lugar de ser na le­

tra e exterior.

Algo maravilhoso acontece depois que você toca a

realidade. Sempre que você encontra alguém que não tocou, ou não entrou, nessa realidade, imediatamente

você sente isso. Você sabe que ele não tocou a reali­

dade por ainda estar seguindo a mente, a lei, a norma

ou o regulamento. Diante de Deus existe algo que a Bí­blia chama de "verdadeiro". E isso não é outra coisa

senão "a realidade" . O contato com essa veracidade,

19

Page 12: Realidade Espiritual ou Obsessão

. WATCHMAN NEE

com essa realidade, livra-nos da doutrina2, da letra,

dos pensamentos e métodos humanos. Seja batismo,

seja partir do pão ou Igreja, existe realidade. Nada é

mera forma, procedimento ou doutrina.

4° Exemplo: Adoração

Quanto ao exemplo de adoração, lemos estas pala­

vras: "Deus é espírito; e importa que os seus adorndores

o adorem em espírito e em verdade" (Jo 4.24) . A palavra "verdade" significa "realidade". A ênfase aqui está no

Espírito, porque pelo Espírito a realidade é gerada. Deus deve ser adorado em espírito. O que é do espírito é real;

o que não é do espírito não é real. A adoração não é al­

cançada por sentimento, emoção ou pensamento; ela

deve ser em espírito e em verdade. O que é veracidade?

Quando o espírito contata Deus, existe veracidade;

quando isso não acontece, não existe veracidade, pois só

aquilo que é do espírito é verdadeiro, enquanto o que

não é do espírito não é verdadeiro. Além do tipo de ado­ração que está na letra, mesmo aquilo que é chamado de

adoração espiritual algumas vezes falha em exh·air um

2 De maneira alguma o autor está afirmando que devemos ser libertados da sã

doutrina (Tt 2.1), da doutrina dos apóstolos (At 2.42), na qual devemos

perseverar, mas, sim, que, ao tocar no conteúdo espiritual dos ensinamentos

bíblicos, receberemos vida e seremos libertados de praticá-los apenas como

métodos religiosos. De fato, se tentarmos praticar os ensinamentos bíblicos na

força de nossa carne, baseando-nos apenas num conhecimento teórico sobre

eles, sem a devida revelação do Espírito Santo, obteremos somente frustrações

e morte, em vez de tocar em seu conteúdo espiritual e receber vida.

20

REALJl)Al>E ESPIR.ITUAL OU Ü13SESSÀO?

"amém" como resposta. Você pode não ser capaz de ex­plicar por quê, mas, de alguma forma, sente que não é

adoração espiritual. Por outro lado, você pode ser capaz de dizer amém a alguém que adora a Deus em silêncio,

pois ali você encontra a veracidade, a realidade.

5° Exemplo: Dar Graças e Louvar

Dar graças e louvar é bom; todavia, muitos agradeci­

mentos e louvores são apenas fonnas; eles não são o que a

Bíblia chama de veracidade ou realidade. Vocês não têm a

experiência de, quando alguém está agradecendo e lou­

vando, no 111.ais profundo do seu ~er não somente não há amém, mas há uma frieza congelante? Quanto mais ele

agradece e louva, mais frio você fica por dentro. Ou supo­

nha.mos que alguém tenha enfrentado uma dificuldade e es­teja louvando e agradecendo a Deus em voz alta e profu­

samente, corno se não houvesse dificuldade. Isso não é

bom? Certamente, é bom. Mas, de alguma forma, quanto mais ele louva, menos condições de dizer amém você tem.

No coração, você pensa que é correto agradecer e louvar a

Deus, mas esse louvor e ação de graças não parecem ser cor­

retos, pois não há realidade. Por outro lado, você pode en­

conh·ar outro irmão que, embora esteja agradecendo e lou­

vando a Deus, não o faz tão fortemente. Ele não parece estar

tão efusivo e seu rosto pode parecer um pouco triste, e ele

está agradecendo e louvando ao Senhor suavemente. Es­

tranhamente, você, de maneira espontânea, diz um amém.

Você sente que isso está certo, pois ele contatou a realidade.

21

Page 13: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN NEE

IDº Euemplo: Oração

Ao dar o exemplo da oração, não vamos considerar, de

modo nenhmn, orações formais. Enh·etanto, algumas ora­

ções longas e aparentemente zelosas igualmente não ar­

rancam de nós um amém. Quanto mais orações assim são

oferecidas, mais frias são nossas respostas. A razão não pode ser outra, senão que tais orações não tocaram a reali­

dade espirih1al. O capíhllo dezoito do Evangelho de Lucas

fala de dois homens que subiram ao templo para orar. O pu­

blicano batia no peito e dizia: "Ó Deus, sê propício a mim,

pecador!" (v. 13). Sua oração toca nosso coração. Mas o fa­

riseu orgillhoso, que abriu a boca para agradecer a Deus, não toca nenhuma corda responsiva em nós. Por quê? Por­

que um orou a Deus e o oun·o "orava de si para si mesmo" (v. 11). Muitas orações monológicas não apenas não des­

pertam nosso amém, mas até mesmo nos causam náuseas.

Entretanto, as orações verdadeiras, não importando quão curtas e sem eloquência sejam, tocam a realidade e, ao

mesmo tempo, os recônditos mais profundos dos homens,

levando-os nahlralmente a responder com um amém.

í/º El!eimpno: O Sangue e a Consciência

Como o sangue do Senhor Jesus purifica nossa cons­

ciência nunca poderá ser respondido na esfera física. Po­

demos imaginar uma pessoa, na ocasião da crucificação,

espargindo o sangue do Senhor Jesus sobre o próprio

corpo, conseguindo, assim, purificar sua consciência?

22

REA LI DADE ESPIRITUAL OU ÜBSESSÀO?

Ela não seria purificada dessa forma de modo nenhum,

pois o Espírito Santo é o executor de todos os fatos

espirituais. Quando o Espírito Santo purifica nossa

consciência com o sangi1e, Ele usa a realidade espirihial daquele sangue, não suas propriedades físicas, para

nos purificar. Somente o que está no Espírito Santo é

real. Quando alguém entra em contato com a realidade

no Espírito Santo, ele toca a vida. Se o que ele toca é ape­nas doutrina, não receberá vida.

861 hrrmll[lD~tm: O Velho Homem Crucificado

Que nosso velho homem. foi crucificado com Cristo,

conforme Romanos 6.6, é um fato. No entanto, alguns cristãos ainda estão dizendo: "Sei que meu velho ho­

mem foi crucificado, mas não entendo por que este meu

velho homem ainda está vivendo cada dia". A razão

para isso é que esses cristãos tocaram apenas na doutrina

e ainda precisam encontrar a realidade espiritual. De­

vemos perceber que se a doutrina está na letra e não no

Espírito Santo, ela não concede vida, não importa quão

familiarizados estejamos com ela. Questões corno sal­

vação, justificação e santificação são mortas para nós se h1do o que tocamos for mera doutrina e letra. Aquilo que

está no Espírito Santo é espiritualmente real. Quando al­

guém toca a realidade espiritual, obtém vida, porque ela é viva e cheia de frescor.

Alguém pode pregar uma mensagem aparentemente

espiritual e, ainda assim, provocar uma sensação de peso

23

Page 14: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN NEE

nos ouvintes. Isso porque o que essa pessoa disse não é realidade. Se tivesse tocado a realidade, suas palavras

soariam como verdadeiras. Somente o que é real leva as

pessoas a tocarem a realidade. Por outrolado, não im­

porta quão bem uma pessoa fale, os que conhecem a

realidade irão descobrir a irrealidade das palavras dela.

9° lt:xemplo: C onh ecer a Cristo

No que diz respeito a conhecer a Cristo, qualquer

coisa que for conhecida pela aparência exterior não é co­

nhecimento verdadeiro; só o que é conhecido em reali­

dade é verdadeiro entendimento. Enquanto o Senhor Je­

sus esteve na terra, muitos homens O encontraram. Eles

pareciam ter tido contato com Ele, mas não tiveram.

Eles pareciam tê-10 conhecido, mas não O conheceram,

pois o conhecimento deles era exterior. Todos os que

realmente conhecem a Cristo tocaram a realidade. O

conhecimento deles é no Espírito Santo. Vejamos um

pouco mais disso na Bíblia, pois é urna exper~ência

muito fundamental para ser desprezada.

Quando o Senhor Jesus esteve na terra, Ele foi co­

nhecido de duas formas diferentes: Ele foi conhecido

pela aparência e foi conhecido interiormente.

O que é conhecer a Cristo pda aparência? Esse foi

o tipo de conhecimento pelo qual os judeus entende­

ram Cristo. Desde o início, eles assumiram essa ati­

tude de conhecimento: "E diziam: Não é este Jesus, o

filho de José? Acaso, não lhe conhecemos o pai e a

24

REALIDADE E SPIRITUAL OU ÜBSESSÀO?

mãe?" (Jo 6.42). Eles tinham certeza de que O conhe­

ciam; eles conheciam até Seu pai e Sua mãe! Certa vez,

quando o Senhor Jesus foi à Sua própria região, as pessoas comentaram: "Não é este o carpinteiro, filho

de Maria, irmão de Tiago, José, Judas e Simão? E não vivem aqui entre nós suas irmãs?" (Me 6.3) . Eles co­

nheciam não apenas Seu pai e Sua mãe, mas também Seus irmãos e irmãs. Mas eles realmente conheciam o

Senhor? Não, eles não O conheciam. Embora conhe­

cessem o pai e a mãe de Jesus, eles não reconheciam

o próprio Senhor. Embora conhecessem Seus irmãos

e irmãs, eles não O conheciam. Eles julgavam o Senhor

pela aparência e não tocaram a realidade.

Havia outra classe de pessoas cujo conhecimento do

Senhor era um pouco mais profw1do do que o dos ju­deus, mas, ainda assim, elas não O conheceram de forma

interior: Seus discípulos. Uma vez, "indo Jesus para os

lados de Cesareia de Filipe, perguntou a Seus discípulos:

Quem diz o povo ser Q Filho do Homem? E eles res­

ponderam: Uns dizem: João Batista; outros: Elias; e ou­

tros: Jeremias ou algum dos profetas" (Mt 16.13-14). O

conhecimento que eles tinham do Senhor certamente

era mais avançado do que o dos judeus.

Alguns diziam que o Senhor era Elias, que foi um profeta poderoso; poderíamos dizer que Elias representa

o poder. O Senhor Jesus certamente era um Elias, o mais

poderoso dos profetas. Alguns diziam que o Senhor era Je­

remias, que foi um profeta chorão; ele representava a pai­

xão. O Senhor Jesus era realmente um Jeremias também,

pois Ele era cheio de paixão. Sete vezes Ele denunciou os

25

Page 15: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN NEE

fariseus e escribas hipócritas com II ais" (Mt 23.13-16, 23, 25,

27, 29). Quando encontrou os que vendiam bois, ovelhas e pombas e viu os cambistas assentados,

Ele os expulsou a todos do templo, incluindo os bois e ove­lhas, e, além disso, espalhou o dinheiro dos cambistas e vi­

rou suas mesas Go 2.14-15). Jesus era realmente um Elias.

Mas quando estava com os publicanos e pecadores, Ele se

assentava à mesa com eles (Mt 9.10). Enquanto estava

sentado à mesa na casa de Simão, Ele permitiu que umf1

mulher pecadora chorasse aos Seus pés (Lc 7.37-38). Ao

ver Maria chorando e os judeus chorando com ela, Jesus

gemeu em Seu espírito e chorou Go 11.33, 35). Ele era

realmente um Jeremias. Entretanto, quando as pessoas

confessavam que Ele era Elias ou Jeremias, revelavam que O conheciam simplesmente pela aparência.

No início, os primeiros discípulos também conheciam

o Senhor apenas na carne. Eles ainda não tinham aquele co­

nhecimento interior d'Ele. Homens como Tomé e Filipe ha­

viam estado com o Senhor por muito tempo. Humana­mente falando, eles deviam ter conhecido o Senhor de

forma real, mas lamentavelmente não O conheciam.

Quando o Senhor falou abertamente: "E vós sabeis o ca­

minho para onde eu vou", "disse-lhe Tomé: Senhor, não sa­

bemos para onde vais; como saber o caminho?" (Jo 14.4-5).

A afirmação clara do Senhor: "Se vós me tivésseis conhe­

cido, conheceríeis também a meu Pai. Desde agora o co­

nheceis e o tendes visto", levou Filipe a responder: "Senhor, mosh·a-nos o Pai, e isso nos basta" (vv. 7-8). O Senhor Je­

sus que Tomé conheceu era apenas um. homem de Nazaré;

ele não havia compreendido o Senhor Jesus como o Senhor

26

REALIDADE ESPIRITUAL OU ÜBSESSÃO?

da vida. O que Filipe viu no Senhor Jesus era também um nazareno; ele não havia visto o Senhor Jesus como a outra

forma do Pai. Embora ambos tivessem estado com o Se­

nhor Jesus, o conhecimento que tinham do Senhor per­

manecia exterior porque não haviam tocado a realidade.

Os discípulos conheciam o Senhor mais do que os ju­deus; mesmo assim, precisavam aprender que Senhor

Ele era. Depois de terem estado com Ele por um longo

período, eles falharam em reconhecê-10 como Ele real­

mente era. Os discípulos viram-no com seus próprios olhos, ouviram-no com seus próprios ouvidos, toca­

ram-no com suas próprias mãos e, ainda assim, não O

conheciam. Isso indica que conhecer o Senhor exige um

órgão mais aguçado do que o do sentido da visão, mais

perspicaz do que o do sentido da audição e mais sensí­

vel do que o do sentido do tato. Em Cristo, existe uma

realidade que não pode ser conhecida na carne.

O conhecimento que Pedro teve do Senhor naquele

dia particular em Cesàreia de Filipe foi um conheci­

mento interior. Quando o Senhor perguntou aos discí­pulos: "Mas vós,( .. . ) quem dizeis que eu sou?", Simão

Pedro respondeu: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo".

Imediatamente, o Senhor declarou: "Bem-aventurado

és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus" (Mt 16.15-

17). O que o Senhor quis dizer foi: "Embora você tenha

Me seguido por algum tempo, seu conhecimento ante­rior era defici~nte; seu conhecimento hoje, entretanto, é

muito abençoado, pois veio por meio da revelação do

Meu Pai celestial. Esse conhecimento é real!".

27

Page 16: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN N EE

Por essa razão, a menos que haja revelação, os ho­

mens não reconhecem quem é o Senhor, mesmo que te­

nham comido e bebido com Ele ou andado e permane­

cido com Ele. Sem esse conhecimento revelado, hido o

que d'Ele se conhece é apenas o Cristo exterior, o Cristo

histórico. Isso é chamado de conhecimento de Cristo se­

gundo a carne (2 Co 5.16). Só o conhecimento de Cristo

como o que Pedro experimentou pode ser declarado

como uma compreensão interior de Cristo.

"Assim que, nós, daqui por diante, a ninguém co­

nhecemos segundo a carne; e, se antes conhecemos

Cristo segundo a carne, já agora não o conhecemos deste

modo "(2 Co 5.16) . Durante os dias em que Paulo co­

nheceu a Cristo segw,do a carne, ele ousou atacar o

nome de Jesus de Nazaré, perseguir e maltratar os dis­

cípulos do Senhor (At 26.9-11). Mas depois que Deus re­

velou Seu Filho pelo Espírito Santo a Paulo, ele pregou

a fé que antes havia perseguido (Gl 1.16, 23). Ele setor­

nou uma pessoa diferente. Esse novo conhecil11ento que

ele agora possuía era realidade espiritual; ele não m ais

conhecia a Cristo segundo a carne.

O Evangelho de Marcos inclui o registro de um.a

mulher que teve um fluxo de sangue por doze anos.

" ... tendo ouvido a fama de Jesus, vindo por trás dele,

por entre a multidão, tocou-lhe a veste. ( ... ) E logo se lhe

estancou a hemorragia, e sentiu no corpo estarcw·ada do

seu flagelo." O que o Senhor sentiu naquele momento?

"Quem me tocou nas vestes?", Ele perguntou. Mas "res­

ponderam-lhe seus discípulos: Vês que a multidão te

aperta e dizes: Quem me tocou?" (Me 5.27, 29-31) . Aqui

28

R ..EALIDADE E SPIRIT UAL OU ÜBSESSÃO?

vemos duas classes de pessoas: os que tocam o Senhor

e os que O apertam. Os últimos podem apertá-10 apenas

na carne; os primeiros podem tocar o Cristo em Sua

realidade. O Senhor parece não ter consciência dos que

O apertam, mas está muito consciente do toque daque­

les que realmente O tocam. Que lamentável existirem

multidões que O apertam e apenas um que O toca!

"Na verdade vos digo que muitas viúvas havia em

Israel no tempo de Elias, quando o céu se fechou por

três anos e seis meses, reinando grande fome em toda

a terra; e a nenhuma delas foi Elias enviado, senão a

uma viúva de Sarepta de Sidom. Havia também muitos

leprosos em Israel nos dias do profeta Eliseu, e nenhum

deles foi purificado, senão Naamã, o siro" (Lc 4.25-27) . ·

Esses episódios são semelhantes à história da mulher

curada do fluxo de sangue. A questão jaz não na dis­

tância (perto ou longe) nem no tempo (permanente ou

transitório), mas em quem está apertando e quem está

tocando a realidade. A menos que alguém toque a rea­

lidade, ele permanecerá inalterado, não importa quão in­

timamente possa apertar o Senhor.

Aquele que conhece a Cristo segundo a carne nunca

O conhecerá de verdade. Só por revelação alguém pode

discernir a Cristo. Precisamos lembrar que Cristo não

pode ser conhecido por nossos sentidos exteriores, tais

como visão, audição e tato. Conhecer a Cristo é a obra

do Espírito Santo. Sem o Espírito Santo, ninguém pode

entender a realidade de Cristo. Não importa quão fa­

miliarizado com a história do Senhor Jesus alguém es­

teja nem quanto tenha se lançado em direção a Ele,

29

Page 17: Realidade Espiritual ou Obsessão

W ATCHMAN NEE

apertando-O, ouvindo Sua voz e se ajoelhado diante d'Ele: se não tem o Espírito Santo, ele não tocou a rea­

lidade de Cristo diante de Deus.

"As palavras que eu vos tenho dito $ão espírito e são

vida" (Jo 6.63). Alguém que tocou o Espírito Santo tem

vida. É totalmente impossível algúém tocar o Espírito sem possuir vida. O que é do Espírito é vida. Tocar a rea­

lidade é possuir vida. É exatamente aqui que muitos pro­blemas surgem. Alguns vêm a conhecer o Senhor lendo

livros, outros, ouvindo pessoas. Seja lendo ou ouvindo,

eles não tocaram o próprio Senhor. O Cristo da realidade

não pode ser comparado com o Cristo lido ou ouvido.

Aquele Cristo só pode ser entendido no Espírito Santo;

não existe outra forma de conhecê-10.

Muitos cristãos ficam desanimados porque sua fé pa­

rece não funcionax. Eles reclamam que têm ouvido a Pa­lavra durante muitos anos e conl~ecem muito, mas tudo

o que conhecem é ineficaz. E por quê? Porque não tive­

ram contato com a realidade. Tocar a Cristo com a mão

da carne nunca será eficaz. O poder saiu de Cristo para a mulher que O tocou. Mas apenas uma pessoa real-

. mente O tocou. Se a fé é operante ou não depende ape­

nas de se tocar a realidade.

Devemos compreender naturalmente que Cristo na

carne é tangível pelas mãos, visível pelos olhos e audível

pelos ouvidos da carne. Mas no Espírito Santo só pode ser alcançado no Espírito Santo. Mesmo quando o Senhor

Jesus vivia na terra, já havia os aspectos exteriores e in­teriores do conhecimento d'Ele. Nosso conhecimento

d'Ele hoje não é diferente do conl1.ecimento daquele do

30

REALIDADE E SPIR.ITUAL OU ÜBSESSÃO?

passado. A questão, portanto, é: "Como conhecemos a Cristo?". Se um dia nós O virmos pelo Espírito Santo e,

desse modo, tocarmos o Cristo da realidade espiritual, então, naquele dia, O conheceremos interiormente,

mesmo que não sejamos capazes de falar sobre isso ou

explicar o que tocamos. Uma vez que vemos interior­

mente, todas as nossas dúvidas são resolvidas. Por essa razão, devemos pedir ao Senl1.or que nos dê um conl1.e­

cimento verdadeiro d'Ele, um ver que não procede de

nós mesmos nem da instrução da carne e do sangue, mas da revelação do Pai celestial.

UIº Exemplo: Perdão

É correto um irmão perdoar outro irmão. Algumas ve­

zes, vemos um irmão perdoar ouh·o irmão que o ofendeu:

vemos que ele faz o melhor que pode para perdoar e quão

audivelmente anuncia que perdoou. Julgando pela apa­

rência exterior, ele realmente está perdoando mui gene­

rosamente; entretanto, de alguma forma, você não se sente bem por dentro ao ver aquilo. Você sente que ele

está fazendo muito esforço para perdoar e que não é algo

real. Por quê? Porque ele não tocou a realidade. Podemos encontrar outro irmão que foi ferido ·por um irmão. Ele

está h·iste; todavia, crê que Deus não pode estar errado:

ele sente que deve perdoar de coração seu irmão. Mas ele

não anuncia seu perdão em voz alta nem manifesta quão

transcendente ele é. Ele apenas diz que perdoa seu irmão.

Você sente que esse irmão não está representando e, sim,

realmente perdoando. Esse tocou a realidade espiritual.

31

Page 18: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATC HMAN NEE

11° Exemplo: Humildade

A humildade deve impressionar as pessoas, mas a

humildade de alguns cristãos faz você sentir que estão

usando sua força própria para serem humildes. Alguém

pode exclamar quão imprestável é; todavia, você sente que se trata de "humildade voluntária", isto é, humil­

dade procedente da própria vontade (Cl 2.18, 23). A hu­

mildade que ele projeta não é genuína. Se ele é, de fato,

orgulhoso, você pode chamar sua hwnildade de orgu­

lho, pois não sabe bem como classificar esse tipo de hu­

mildade. Você não pode dizer que é orgulho nem dizer

que é humildade. As atitudes externas dele parecem

humildade, todavia está longe de ser algo real.

Mas pode haver outro irmão que não usa ~ua própria

força e vontade para ser humilde. Ele, pelo contrário, age de

maneira espontânea e fala suavemente e, corno

resultado, seu orgulho, de você que o ouve, é imediatamente

manifestado, e você sente quão vergonhoso seu orgulho é.

Se em determinada situação a outra pessoa com quem você

se relaciona é orgulhosa, você também pode se permitir ser

orgulhoso. Mas se essa pessoa considera os outros melho­

res do que si mesma, então buscará a ajuda dos oub.·os

muito naturah11ente. Ela tocou a realidade da humildade.

12° Exemplo: Amor

O capítulo 13 de 1 Coríntios nos oferece um quadro

muito vivo para o exemplo do amor. Do ponto de vista

32

REALIDADE ESPIR ITUAL OU ÜBSESSÀO?

humano, raramente se encontra um homem com um

amo: c~mo o que é descrito no versículo 3: "Ainda que eu d1stnbua todos os meus bens entre os pobres e ainda

que entregue o meu próprio corpo para ser queimado".

Pode-se dizer que não existe amor maior do que este. Todavia, Paulo acrescentou: "Se ri.ão tiver amor, nada

disso me aproveitará". Isso significa que existe a possi­

bilidade de não se ter amor mesmo quando se dá todos

os bens aos pobres e o próprio corpo para ser quei­

mado. Em. outrás palavras, a menos que alguém toque

a realidade do amor no Espírito Santo, sua atitµde é

apenas uma conduta exterior. É possível um irmão dar

to~os os seus bens para alimentar os pobres e seu pró­

pno corpo para ser queimado sem que haja amor nele. Também é possível um irmão dar "a beber, ainda que

seja um copo de água fria, a um destes pequeninos" e

receber seu galardão (Mt 10.42). A questão aqui não está

no muito ou no pouco que é feito, mas em se a realidade é tocada. Somente a realidade contatada pelo Espírito do Senhor é real.

É necessário que vejamos que 11.ão precisamos agir

além daquilo que somos diante de D_eus. Alguns ex­

pressam um amor tão grande, que faz com que as pes­

soas duvidem de ele ser genuíno. Alguns cristãos mos­

tram um amor assim, mas ele é vazio de sentimento humano; isso levanta suspeitas. Quando lemos 2 Corfo­

tios, vemos como Paulo foi mal interpretado e calu­

niado, corno ele sofreu e como ficou constrangido, mas

ele venceu todas essas coisas. Contudo, ele não era sem

sentimentos, pois era um homem real. Ele foi afligido,

33

Page 19: Realidade Espiritual ou Obsessão

W AT CHMAN NEE

mas venceu. Ele sofreu, mas venceu. Todavia, sua vitó­

ria foi a vitória de um homem, não a vitória de um anjo. Ele realmente venceu, mas venceu como um ser hu­

mano. Ele era verdadeiramente humano; e sua vitória foi

também real. Pelo Espírito de Deus, ele tocou a reali­

dade. Quando lemos suas palavras, não podemos deixar de curvar a cabeça e dizer: "Eis um homem que não está

longe de nós. Parece que podemos tocá-lo". Sentimos

que ele não é como Miguel ou Gabriel, que ele não vive

enh·e os querubins, mas é uma pessoa que pode ser co­nhecida. Não existe outra razão para isso além de ele

possuir realidade espiritual. Consequentemente, ao to­

car nele, tocamos na vida.

34

Capítu lo 2

· alidade Espir·tual

Seus Relacionamentos

Realidade e Conduta

D evemos lembrar que existe algo diante de Deus

chamado realidade. A dificuldade com muitos cris­

tãos é que eles tentam fabricá-la. Eles tentam produzir essa realidade diante de Deus, resultando em eles co­

piarem ou imitarem. O que Deus requer, entretanto, é

veracidade, is to é, o fato real manifestado em nossa

vida. Aquilo q~1e fazemos por nós mesmos é obra do ho­

mem, uma falsificação, não é a algo genuíno. Quão sem sentido é para 6 homem agir sobre a base da doutrina,

pois tudo o que-_ele tem é nada mais do que conduta ex­

terior. Ele não tem? que é verdadeiro: a realidade.

Page 20: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN NEE

Por causa disso, devemos aprender a viver diante de

Deus de acordo com o que realmente somos. Devemos

pedir a Ele que nos leve a contatar o que é espiritual­

mente real. Algumas vezes, chegamos perto de ser fal­

sos, simplesmente porque sabemos muito e agimos con­

forme as doutrinas, em vez de seguirmos a liderança do

Espírito Santo. Sempre que agimos sobre a base da dou­

trina, não estamos tocando a realidade.

Em certa ocasião, um irmão narrou sua experiência

assim: "Um irmão me ofendeu grandemente. Um dia,

ele veio falar comigo e disse: 'Irmão, isso não tem im­

portância, não existe mais nada!'. Mas em meu interior

havia um sentimento dizendo: 'Isso não está certo, por­

que ele sem.pre faz essas coisas. Ele te1n feito isso a mui­

tos outros e também a mim'. Senti que devia repreendê­

lo severamente. Mas raciocinei que se eu o repreendesse

duramente, ele poderia ficar ferido e dizer que eu não o

havia perdoado. Se, pelo conh·ário, eu o cwnprimentasse

e o convidasse para jantar, não estaria mostrando que eu

amo meu irmão? Todavia, havia uma forte convicção

dentro de mim dizendo: 'Você deve lhe dizer a verdade

hoje. Mostre-lhe onde a conduta dele está errada'. De­

pois de lutar interiormente por uns quinze minutos, eu

finalmente lhe disse a verdade".

É um fato que, algumas vezes, é mais valioso re­

preender do que cumprimentar. Embora possamos

manter uma aparência gentil que leva as pessoas a

nos elogiar, diante de Deus isso não tem valor espiri­

tual. A questão é: nossa conduta segue a ordem da

doutrina morta ou a direção do Espírito Santo? O irmão

REALIDADE ESPIR ITUAL OU ÜBSESSÀO?

mencionado amava de verdade seu irmão no coração,

mas a questão não estava relacionada ao coração, e sim

à realidade espiritual.

Um dia, um cristão teve urna briga com um dos

membros de sua família que, por ser muito violento, o

feriu no rosto. Naquele momento, o irmão se lembrou do

que Mateus 5 ensina: "A qualquer que te ferir na face di­

reita, volta-lhe também a outra" (v. 39). Ele pensou que,

por ser um cristão, deveria agir como um e, assim, ofe­

receu a outra face. Tendo feito isso, ficou tão nervoso

logo depois que não pôde dormir por duas noites.

No tocante à sua conduta, ele agira conforme a pa­

lavra da Bíblia. Entretanto, ficou tão irritado que perdeu

o sono por duas noites. Isso claramente revela o fato de

que ele não havia tocado a realidade espiritual. Sua con­

duta não procedia da vida, por isso não era algo real.

Muitos cristãos sentem que possuem uma deficiên­

cia por serem incapazes de ~istinguir o verdadeiro do

falso, de serem incapazes de discernir o que é de Deus

e o que não é. A razão para isso, julgando a partir da ex­

periência espiritual, repousa na falha deles em tocar a

realidade espiritual. Se tivessem contatado aquela rea­

lidade, no momento em que qualquer coisa falsa lhes

aparecesse diante dos olhos, seriam instantaneamente

reconhecidas pelo que eram. O poder de discernimento

procede daquilo que alguém já viu. Se tocamos a reali­

dade espiritual em certa questão, ninguém pode jamais

nos enganar naquela questão em particular. Um crente

verdadeiramente salvo tocou, pelo menos, a realidade

espiritual da salvação. Consequentemente, torna-se

37

Page 21: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATC HMA N NEE

difícil enganá-lo nessa questão. Igualmente, aquele que

tocou a realidade espiritual de determinada questão

descobrirá, de maneira muito nahual, o que for irreal tão

logo isso apareça. E quando encontrar a falsificação,

dentro dele se levantará um estranho poder que repelirá

a imitação.

A razão por que somos tão facilmente enganados é

porque frequentemente enganamos a nós mesmos. Os

que se enganam a si mesmos são suscetíveis de serem

enganados pelos outros. Se não vemos algo em nós mes­mos, como podemos vê-lo nos outros? Quando chega­

mos a conhecer a nós mesmos é que começamos a co­nhecer os outros. Os que não conhecem a si mesmos não

podem conhecer os outros. Mas uma vez que, por meio dos tratos de Deus, vemos quem somos, de forma natu­

ral reconhecemos o que os outros são. Se numa questão

em particular você recebeu o tratamento de Deus e to-. cou a realidade, você sabe como o Espírito de Deus tra­balha em você. Por esse conhecimento, você instanta­

neamente discerne se a outra pessoa está agindo por si mesma ou se é movida pelo Espírito de Deus.

O discernimento espiritual só vem depois de nós

mesmos contatarmos a realidade. Quem não tocou a

realidade engana a duas pessoas: a si mesmo e a quem

está espiritualmente no mesmo nível. Ele não pode en­ganar aqueles que sabem o que é do Espírito Santo e vi­

vem no Espírito Santo. Ele absolutamente não tem como enganar a igreja. A pessoa que não tocou a realidade

pode considerar-se espiritual, mas, por alguma razão

desconhecida, a igreja não diz II amém" . Sabemos que

REAUf)AOE E SPIR.ITUAL OU ÜBSESSÀO?

sempre que a igreja não pronuncia seu II amém" a uma

pessoa, está na hora de ele confessar seu pecado. Se os

irmãos e as irmãs não sentirem que devem dizer 11 amém", aquela pessoa deve ter falsidade nela.

Alguns irmãos e irmãs perturbam e sobrecarregam a

igreja não apenas com seus pecados, mas também com

suas coisas JJboas" que brotam deles mesmos. O pecado

é facilmente reconhecido, mas o "bem" que procede do ego não é tão facilmente detectado, mesmo estando tão

longe de Deus e da realidade espiritual. Causa grande

preocupação contemplar quão fo:~quentemente os cris­

tãos estimam a si próprios como se tivessem alcançado

alguma coisa após terem h·abalhado nela, quando, na verdade, ainda não tocaram sua realidade espiritual.

Cremos que quando alguém encontra a realidade, isso re­

sultará em vida; quando isso não acontece, o resultado

será morte. Um irmão realiza um ato particular diante de Deus; ele toca a vida e leva outros a tocarem-na. Outro ir­

mão também faz alguma coisa; ele sente que fez bem,

mas os outros não encontram vida nele e não são edifi­cados. Em vez de admirarem sua ação, eles a rejeitam.

Isso porque a conduta desse irmão procedeu dele mesmo

e o resultado é morte em vez de vida.

Devemos aprender a viver no Espírito Santo, senão

poderen1os exercitar nossa "boa" conduta sem tocar a

realidade espiritual. Que significa viver no Espírito

Santo? Significa não fazer coisa alguma por nós mesmos ou de nós mesmos. Tudo o que é feito pelo ego é da

carne e tudo o que é da carne definitivamente não é rea­

lidade espiritual. A realidade espiritual é espiritual, não

39

Page 22: Realidade Espiritual ou Obsessão

.WATCHMAN NEE

carnal. Simplificando, realidade espiritual é aquilo que

alguém toca pelo Espírito Santo, e isso que é tocado é

vivo e real. A conduta de um cristão não é real se não for

no Espírito Santo. Sua conduta nunca pode substituir

aquilo que é real · diante de Deus e não pode ajudar os

outros nem edificar a própria pessoa. Que Deus tenha

misericórdia de nós, a fim de entendermos que viver no

Espírito Santo é viver em realidade espiritual.

Suprimento e Realidade

O capítulo 4 de 2 Coríntios especialmente nos mos­tra que onde existe realidade existe suprimento: " ... le­

vando sempre no corpo o morrer de Jesus, para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo" (v. 10).

Onde o morrer de Jesus é exibido, há a manifestação da

vida de Jesus. Em outras palavras, desde que o morrer

de Jesus esteja em nós, Sua vida também está em nós.

Isso se refere àqueles que conhecem o morrer de Jesus e

nos quais a vida de Jesus é manifeEJtada.

"De modo que, em nós, opera a morte, mas, em vós,

a vida" (v. 12). No versículo 10, Paulo fala da manifes­

tação da vida; aqui ele fala do suprimento da vida. Aquilo que é manifestado em nós chamamos de vida,

mas aquilo que é manifestado nos outros chamamos de

suprimento. A fonte é a mesma, visto que tudo provém

do morrer de Jesus. Consequentemente, a pregação sem

realidade é vazia e inútil, pois não pode suprir o Corpo

de Cristo. Só depois de o morrer de Jesus operar em nós,

40

R EALIDADE E SP IRITUAL O U ÜBSESSÀO?

a vida de Jesus pode operar nos outros. De modo que

isso é mais do que uma questão de pregação ou traba­

lho, mas é, antes, uma questão do suprimento de vida.

Sem dúvida, a pregação tem seu lugar adequado,

mas se ela não estiver endossada pela realidade, não

pode suprir vida. Quando levamos no corpo o morrer

de Jesus, o Corpo de Cristo recebe o suprimento. Onde há realidade, há suprimento. Se não conhecemos "o

morrer de Jesus" e não tivermos carregado sossegada­

mente a cruz, então não teremos suprimento. Lembre­

se de que, no tocante à realidade espiritual, obra não é

o que você faz, mas aquilo que você experimentou diante

de Deus; é isso que automaticamente suprirá o Corpo

de Cristo. Se, do seu lado, você conhece o que é o mor­rer de Jesus, a Igreja, do outro lado, receberá esponta­

neamente o suprimento.

Por causa disso, não precisamos dizer às pessoas

que perdoamos isso ou aquilo, nem tocar a trombeta

para anunciar que temos amado nem atrair a atenção

das pessoas para quanto temos carregado a cruz. Se não

tocamos a realidade, faJ:emos o maior esforço para suprir

outras pessoas. Não importa se temos consciência disso

ou não. O fato permanece: "A morte opera em nós, mas

e1n vós, a vida".

N assa dificuldade jaz em nosso demasiado conhe­

cimento de ensinos. Agimos de acordo com o ensino,

mas não existe suprimento prático. Lembremos que o suprimento não é um ato exterior, e sim uma realidade

interior. Se você tivesse conhecido diante de Deus o que

é o morrer de Jesus, então a vida de Jesus operaria

41

Page 23: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN N EE

espontaneamente na Igreja. Onde existe vida, existe su­

primento, pois o suprimento é a infusão da vida e não a exibição de trabalho com o fim de ser admirado. O su­

primento é para edificar as pessoas e não para edificar

sua fama por ter tido determinada experiência. O que importa é se há ou não verdadeiro suprimento. Cada

vez que você passa pelo "morrer de Jesus", alguns ir­

mãos e irmãs receberão de você o suprimento de vida.

Não há necessidade de esperar até que você publique

sua autobiografia.

No exato momento em que recebemos vida do Se­

nhor, a Igreja já está sendo suprida com vida. Precisamos

saber que muita ajuda que foi dada ultrapassa a cons­ciência e o sentimento. Quando temos realidade, as pes­

soas serão supridas, tenhamos consciência disso ou não, pois a vida é um fato. Sempre que, verdadeiramente, car­

regamos a cruz, diante do Senhor, o Corpo de Cristo re­

cebe o suprimento.

Como poderemos entender o que Paulo diz -· "a

rnorte opera em nós, mas em vós, a vida" -, se igno­

rarmos o que é o suprimento de vida? Paulo disse aos

santos em Colossos: "Agora, me regozijo nos meus

sofrimentos por vós; e preencho o que resta das afli­ções de Cristo, na minha carne, a favor do seu corpo,

que é a igreja" (1.24) . O que é isso? É o suprimento de

vida. Tendo entendido o Corpo de Cristo como um,

haverá naturalmente o suprimento. Por isso, Paulo é

capaz de sofrer por amor do Corpo de Cristo e preen­

cher em sua carne aquilo que falta das aflições de

Cristo. Você não pode entender como as aflições de

42

T REALIDADE E SPIR.ITUAL OU ÜBSESSÃO?

Cristo podem ser preenchidas se não entendeu que o

Corpo de Cristo é um.

Peçamos ao Senhor que abra nossos olhos para en­tendermos que o Corpo é um. Quem conhece realmente

que o Corpo é um não pode falhar em entender 1 Co­

ríntios 4.7: "E que tens tu que não tenhas recebido?".

Tudo o que temos foi recebido de Deus e tudo é para o

suprimento do Corpo. A realidade que pessoalmente to­

camos diante de Deus se torna o suprimento da Igreja.

O suprimento do Corpo excede as limitações físicas

da comunicação. Paulo disse à igreja em Corinto: "Eu, na

verdade, ainda que ausente em pessoa, mas presente em

espírito . .. " (1 Co 5.3). Por ter tocado a realidade do

Corpo de Cristo, ele pôde dizer que seu espírito estava presente com eles, exatamente como seu corpo esteve

presente com eles antes. Isso não é idealismo; é reali­dade. Tendo entendido a unidade do Corpo de Cristo,

nosso espírito invariavelmente é achado ali. Isso é cha­

mado de suprimento de· vida e transcende palavras e

obras e ultrapassa as limitações da comunicação física.

Se conhecemos o Senhor e estamos em contato com Ele,

tudo o que experimentamos se torna automaticamente

a riqueza do Corpo.

Quão lamentável é que a maioria dos cristãos viva

na esfera exterior! Quando trabalham, parece haver

algum suprimento, mas quando não estão trabalhando

não existe suprimento. Quando abrem a boca, parecem

ser os servos escolhidos de Deus; quando a boca deles

está fechada, não são mais os servos escolhidos de • 1

Deus. Eles podem suprir quando são apreciados, mas

43

Page 24: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATC HMAN NEE

não podem suprir quando são mal-entendidos. Por

não terem tocado a realidade espiritual diante de Deus,

eles falham em suprir vida ao Corpo de Cristo. Toda­

via, existem aqueles que, quando as pes_soas falam com

eles por cinco minutos, elas recebem o suprimento de

vida por meio deles. O Corpo de Cristo é um fato. O su­

primento espiritual não depende de cumprimentos de

mão nem de conversas. Se alguém tem passado por al­

guma experiência diante de Deus, tendo recebido das

mãos de Deus "o morrer de Jesus", ele já supriu o

Corpo de Cristo.

Nós suprimos a Igreja com o que conhecemos de

Deus interiormente. Não é que tentemos suprir ou pro­

positadamente procuremos suprir o Corpo de Cristo,

mas estamos naturalmente suprindo a Igreja. O que to­

cou a realidade espiritual tem suprimento; quem não a

tocou não tem suprimento. É algo que não pode ser for­

çado. Julgando da experiência de Paulo, podemos real­

mente dizer que suprir o Corpo de Cristo é uma reali­

dade e não um ato. Se temos experimentado realidade

diante de Deus, espontaneamente supriremos a Igreja

com aquela realidade. Somente quando ternos uma ex­

periência real é que beneficiamos a Igreja.

As palavras que Paulo diz são singulares. Enten­

demos com facilidade quando ele diz: "Levando sem­

pre no corpo o 111.orrer de Jesus, para que também a sua

vida se manifeste em nosso corpo". Mas quando ele

diz: "De modo que, em nós, opera a morte, mas, e1n

vós, a vida", não entendemos tão facilmente o signifi­

cado, não até que conheçamos a unidade do Corpo de

44

r

1

\ 1

R EALIDADE ESPl!UTUAL OU ÜBSESSÃO?

Cristo. Visto que o Corpo é um, tudo o que é operado

em mitn será naturalmente operado nos outros. Isso é

vida e isso é suprimento. Depois de entender isso, fi­camos extremamente felizes porque tudo o que o mem­

bro recebe do Cabeça é mantido no Corpo. E todos es­

tamos desfrutando desse Corpo.

Se tocamos essa realidade, não lamentaremos a po­

breza e a esterilidade da Igreja. É verdade que, no to­

cante à aparência, ternos de reconhecer a condição de po­

breza e degradação da Igreja. Ternos de confessar que,

na aparência exterior, os grupos cristãos e também os

cristãos individualmente falharam. Mas sempre que to­

camos a realidade da Igreja, imediatamente declaramos

que a Igreja não está nem pobre nem degradada. Não é

por causa dos fracassos dos cristãos individuais e dos

grupos de cristãos que a riqueza da Igreja é diminuída,

porque dia a dia tudo aquilo que os membros recebem

do Cabeça está suprindo a Igreja. Paulo tocou nessa rea­

lidade espiritual, por isso podia reprovar a igreja em Co­

rinto bem como suprir suas necessidades.

" . .. até que todos cheguemos à mi.idade da fé e do

pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita

varonilidade, à medida da estatura da plenitude de

Cris to . .. " (Ef 4.13). Essa palavra é difícil de ser entendida

exterior e mentalmente. Para a Igreja, alcançar a mi.idade

da fé parece algo tão distante e fora das possibilidades

quando contemplamos a aparência exterior. Quem sabe

se a Igreja vai atingir esse ponto? Todavia, quando to­

camos a realidade espiritual, não sentimos necessidade

de fazer tal pergunta. Sabemos que a Igreja, diante de

45

Page 25: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN NEE

Deus, é uma e nunca foi dividida. Tão logo toquemos a

realidade, todas as perguntas exteriores desaparecem.

Como podemos suprir se não vimos essa realidade? Nosso suprimento começa no momento em que enten­

demos. De modo que a base do suprimento é tocar a rea­

lidade do Corpo e também experimentar a cruz.

Devemos reconhecer que o suprimento de palavras

também é baseado na vida que já demos à Igreja. O Es­

pírito Santo dará testemunho daquilo que você expressa

se o que você diz é o que já deu à Igreja em vida. Mas Ele

não dará testemunho daquilo que você pronuncia se

isso não representar o que você já recebeu diante de Deus. As pessoas recebem ajuda de suas palavras ape­nas se você primeiramente as supriu com sua vida. De

outra forma, a ajuda que as palavras dão é somente um

pouco de esclarecimento da mente, visto que tal ajuda é

apenas o produto da árvore do conhecimento do bem e do mal. O alimento da Igreja, entretanto, é vida. O su­

primento de vida é o único e exclusivo alimento da

Igreja. A questão não é o que você pode dar, mas o quanto você já tem dado à Igreja. O que você deu de rea­

lidade à Igreja? Quando você se levanta diante da Igreja,

o que já supriu a ela? Se você não tocou a realidade, não

terá nada para suprir às pessoas. Somente o que é espi­

ritual, que tem a realidade por trás da palavra, pode su­

prir a Igreja.

Alguns cristãos consideram o Corpo de Cristo ape­

nas como uma parábola. Eles não entenderam a reali­

dade do Corpo e, portanto, não têm como supri-lo. Não

existe possibilidade de alguém suprir o Corpo se ele não

R EALIDADE E SPIR.!TUAL OU OBSESSÃO?

o entendeu. É com o corpo1 em vista que o comer com a

boca é o comer do corpo, o ver dos olhos é o ver do

corpo, e o ouvir dos ouvidos, o ouvir do corpo. Aquilo que um membro recebe, o Corpo recebe. Não importa

quem seja o irmão ou irmã, tudo o que ele ou ela recebe

também é recebido pelo Corpo. Precisamos compreen­

der que a vida do Corpo é não apenas um viver corpo­rativo, mas também uma vida corporativa. Se falhamos

em tocar nessa realidade, a Igreja ê apenas uma dou­

trina, e o Corpo, uma parábola; consequentemente, não temos como suprir sua necessidade.

Não esqueça que você não é uma entidade indepen­dente, mas membro do Corpo .. Disse Paulo: "De maneira que, se mn membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um

deles é honrado, com ele todos se regozijam" (1 Co

12.26). Isso· é uma palavra vazia ou um fato? Paulo foi

um homem que tinha consciência do Corpo. Se ele não tivesse tocado a realidade do Corpo, não poderia fazer

tal afirmação. Peçamos a Deus, portanto, para nos levar

a tocar a raiz, que é a realidade, a fim de que possamos espontaneamente suprir a Igreja.

Perguntas e Real idade

Se você não entendeu a realidade espiritual, obvia­

mente terá muitas perguntas. Suponhamos que você te­nha ouvido coisas sobre uma pessoa que não conhece.

1 Nessa frase, o autor mescla os dois sentidos de corpo: o físico e o espiritual.

47

Page 26: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATC HMAN NEE

Naturalmente, você se informará a respeito dela com quem a conhece. Mas existe uma pessoa neste mundo

que você já conhece completamente sem precisar fazer

qualquer pergunta. Essa pessoa é seu próprio ego. Você

mesmo é uma rt:alidade que você conhece. Ou, então,

suponhamos que haja uma casa para ser alugada e que você nunca a viu. Para conhecê-la, você precisa per­

guntar quantos quartos ela tem, se as janelas são gran­

des ou pequenas, etc., mas logo que você mudar para

essa casa e viver ali, não tem mais perguntas a fazer. So­

bre tudo aquilo que já está claro, não há necessidade de

fazer mais perguntas. Em outras palavras, se vivemos na

realidade de algo, não temos mais perguntas. Somente

alguém que não conhece o Corpo de Cristo perguntará o que ele é. Aquele que conhece não fará tal pergunta.

No tocante aos assuntos espirituais, podemos es­

clarecê-los até o ponto de remover qualquer dificul­dade espiritual, mas não podemos torná-los claros a

ponto de não mais apresentarem problemas para a

mente humana. Tomemos, como exemplo, a pregação

do evangelho: podemos pregar até as pesSOil-S ficarem

suficientemente esclarecidas para crer, mas não pode­

mos pregar até satisfazer plenamente a mente do ho­

mem'. O que disse Natanael quando Filipe lhe disse que haviam encontrado Aquele de quem Moisés, na

lei, e os profetas haviam escrito? Ele disse: "De Nazaré

pode sair alguma coisa boa?". Todavia, mais tarde,

quando o Senhor lhe disse: "Antes de Filipe te chamar,

eu te vi, quando estavas debaixo da figueira", Nata­

nael encontrou a realidade. Ao que ele, mais do que

REALIDADE E SPIRITUAL OU ÜBSESSÃO?

naturalmente, confessou: "Mestre, tu és o Filho de

Deus, tu és o Rei de Israel!" (Jo 1.45-49) . Ele havia to­

cado a realidade, por isso não tinha mais perguntas. As

coisas espirituais são assim. Tão logo alguém toca a realidade, ele é interiormente iluminado. Ele conhece

interiormente, quer seja capaz ou não de explicá-lo.

Algumas passagens da Bíblia parecem ser facilmente mal-entendidas. Mas se o Espírito Santo estiver pre­

sente, qualquer pessoa será capaz de contatar a realidade

espiritual da passagem. Desse modo, não pode haver en­tendimento errado.

49

Page 27: Realidade Espiritual ou Obsessão

Capítulo 3

Realidade Espiritual

Como Entrar nela?

Frequentemente, realidade espiritual nada é para nós

além de meros termos, porque não entramos em sua

realidade. Só depois que entramos nela é que podemos

tocar aquilo que é real. Daí surge a pergunta: como po­demos entrar na realidade espiritua~? " . .. quando vier,

porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a ver­

dade ... Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar" (Jo 16.13-14). Esses dois

versículos nos falam que é o Espírito Santo quem nos

anuncia a verdade e nos guia para dentro dela.

De todas as obras do Espírito Santo, duas são de

primordial importância: a revelação do Espírito e a dis­

ciplina do Espírito. A primeira nos capacita a saber e a

entender a realidade espiritual, enquanto a segunda nos

Page 28: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN N EE

conduz à experiência da realidade espiritual por inter­

médio de arranjos circunstanciais.

A revelação é o fundamento de todo progresso es­

piritual. Sem a revelação do Espírito Santo, não impor­

tando quão boni. seja o conhecimento e quão excelente

seja a conduta exterior de um cristão, ele permanece su­

perficial diante de Deus e pode nunca ter dado um

passo sequer à frente. Por outro lado, se alguém tem a

revelação do Espírito Santo e carece da Sua disciplina

adicional, a vida desse cristão é incompleta. Podemos

dizer que a revelação do Espírito Santo é o alicerce, en­

quanto a Sua disciplina é a construção. Isso não signi­

fica que existe um período chamado "a revelação do Es­

pírito Santo" e, então, outro período chamado II a

disciplina do Espírito Santo" - os dois estão interliga­

dos. Quando Ele revela, também disciplina, e quando

disciplina, também revela. Por essa razão, a revelação

não abrange toda a vida cristã, pois se deve incluir tam­

bém a disciplina.

Cremos que tudo o que o Pai co1úiou ao Filho, o Fi­

lho realizou (Jo 17.4). Tam.bém cremos que tudo aquilo

que o Filho confiou ao Espírito Santo, o Espírito Santo

realizará. Cremos que, a despeito de quão imensa seja

a realidade espiritual, o Espírito Santo é capaz de nos

guiar para dentro dela. Não existe absolutamente nada

de Cristo que tenha sido n egado à Igreja. Isso inclui não

apenas nossa experiêncb, mas muito mais do que isso,

pois inclui a questão sobre a obra do Espírito Santo ter

sucesso ou não. Não esqueçamos que, assim como

Cristo realizou tudo, assim também o Espírito Santo

52

REALIDAl)E Esrm.JTUAL ou OBSESSÃO?

tudo realizará. Devemos crer na probidade do Espírito

e na perfeição da Sua obra.

O objetivo da obra do Espírito Santo é nos guiar

para dentro da veracidade, para dentro da realidade. Ele

nos dá revelação a fim de nos levar à presença da vera­

cidade, para podermos ver o que somos em Cristo. Al­

guns cristãos têm uma deficiência: eles vivem como se

o Espírito Santo tivesse pouca organização, pouca in­

corporação neles. Quando não têm o suficiente para aju­

dar a si mesmos, corno podem esperar ajudar os outros?

Mal conseguem suprir suas próprias necessidades; aju­

dar os outros para eles está fora de questão. Um cristão

que deseja ajudar os outros deve ser levado, ele mesmo,

pelo Espírito do Senhor, para denh·o da realidade. A fim

de conduzi-lo à realidade espixitual, o Espírito do Senhor

precisa levá-lo a passar por muita disciplina e muitas

provações.

" .. . ó Deus da minha justiça; na angústia me deste lar-

gueza . . . " (Sl 4.1 - ARC). Deus permitiu que Davi pas-

sasse por muitas aflições para que pudesse conduzi-lo à

largueza. Em sua epístola, o apóstolo Tiago diz: "Ouvi,

meus amados irmãos. Não escolheu Deus os que para o

mundo são pobres, para serem ricos em fé e herdeiros do

reino que ele prometeu aos que o amam?" (2.5). Deuses­

colhe os pobres no mundo para que sejam ricos na fé.

Deus não se diverte com a ideia de ter Seus filhos sem­

pre na aflição e na pobreza; Seu alvo é levá-los da aflição

para a largueza, da pobreza para a riqueza na fé.

Apocalipse 21 mostra qual será a condição da Igreja

diante de Deus quando ela aparecer no futuro: ela II tem

53

Page 29: Realidade Espiritual ou Obsessão

W ATCHMAN NEE

a glória de Deus. O seu fulgor era semelhante a uma pe­

dra preciosíssima, como pedra de jaspe cristalina.( ... ) A

cidade é quadrangular, de comprimento e largura

iguais. E mediu a cidade com a vara até doze mil está­

dios. O seu comprimento, largura e altura são iguais. ( ... )

A estrutura da muralha é de jaspe; também a cidade é de

ouro puro, semelhante a vidro límpido. Os fundamen­

tos da muralha da cidade estão adornados de toda es­

pécie de pedras preciosas" (vv. 11, 16, 18-19). Quão rica

e quão ampliada a Igreja será quando aparecer, um dia,

diante de Deus!

Que é largueza? A largueza da qual o salmista fala

é quando em aflição você é levado por Deus a um lugar

amplo para desfrutar d'Ele, onde a angústia não é capaz

de deprimir você. Aquele que desfruta da companhia da

quarta pessoa na fornalha de fogo (Dn 3.25) é alguém

que desfruta de Deus, e aquele que desfruta de Deus é

uma pessoa alargada. Aquele que é lançado na prisão

com os pés no tronco e ainda pode orar e cantar hinos a

Deus (At 16.24-25) é alguém que desfruta de Deus; esse

é, certamente, uma pessoa alargada. Uma pessoa presa

atrás das grades que ainda desfruta da presença do Se­

nhor deve ser, inevitavelmente, uma pessoa alargada.

O Espírito Santo aspira nos guiar para a largueza por

intermédio da aflição, mas que tristeza termos de ad­

mitir que, algumas vezes, somos abatidos por ela. Vimos

o fim ou o propósito de Deus no caso de Jó, de como

Deus é cheio de piedade e misericórdia (Tg 5.11). Já, de

fato, compreendeu o objetivo de Deus, mas alguns che­

gam a um fim antes que o de Deus seja alcançado! Eles

54

R EALIDADE ESPIRITUAL OU ÜBSESSÃO?

são pressionados pela aflição e falham em chegar a um

lugar espaçoso. Tão logo sejam testados, eles murmuram

e acusam a Deus de ser injusto; consequentemente, a afli­

ção os faz capotar, nunca usando a oportunidade de se­

rem levados à largueza.

Alguns cristãos podem não estar na angústia, mas na

pobreza1. Eles . carecem de realidade espiritual. O que

eles têm é insuficiente para suprir suas próprias neces­

sidades; como podem falar em ajudar outras pessoas?

Mas, graças a Deus, existem cristãos que são espiritual­

mente ricos. De pessoas assim você não consegue son­

dar a largura nem medir sua profundidade. Sempre que

está em dificuldades, você vai a eles e é sempre ajudado.

Parece que você não consegue encontrar um problema

a respeito do qual eles não saibam algo e que as pessoas

que chegam a eles nunca ficam sem ser ajudadas. Você

tem de curvar a cabeça e dizer: "Deus, obrigado porque

existem tais pessoas tão ricas na igreja". A riqueza que

elas têm excede a pobreza que você tem; por isso elas po­

dem suprir as necessidades que você lhes apresenta.

São ricas porque tocaram a realidade.

Se uma igreja pode ser um candelabro de ouro, isto

é, se ela pode realmente testemunhar para o Senhor, de­

pende de quantos cristãos alargados e quantos cristãos

ricos na fé existem nela, e no quanto os cristãos podem

suprir outras pessoas. É verdade que podemos ir e ba­

ter à porta de um amigo à meia-noite e pedir emprestado

três pães, quando não temos nada para colocar diante de

' Espiritualmente falando.

55

Page 30: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN NEE

outro amigo que chegou a nós de uma viagem (Lc 11.5-

6). Todavia, algumas vezes, quando as pessoas precisam de pão, o Senhor nos dirá: "Dai-lhes, vós mesmos, de co­

mer" (Mt 14.16). Quantos pães realmente temos? Geral­

mente, podemos orar numa emergência e Deus é mise­

ricordioso para conosco. Entretanto, a oração de

emergência não pode substihiir a riqueza. Quão pobres

somos se não existe aumento nos itens espirituais depois

de, digamos, um ou cinco anos!

Qual é a causa da pobreza? É a falta da disciplina e

do controle do Espírito Santo. Reconheçamos que todos

os que são alargados e ricos diante de Deus são os que

passaram por muitas situações e têm uma história com

Deus. A experiência e a história deles tornam a Igreja

rica. Muitas doenças são para a riqueza da Igreja; mui­

tas dificuldades são para a riqueza da Igreja; muitos so­

frimentos são para a riqueza da Igreja e muitas frustra­

ções são para a riqueza da Igreja.

Contemple o número de cristãos que passam seus

dias na tranquilidade e na facilidade. O resultado é po­

breza espiritual. Quando outros irmãos e irmãs estão em

dificuldade, aqueles não entendem nem são capazes de

oferecer assistência espiritual. Não têm história diante de

Deus. O Espírito Santo não tem oportunidade de mani­festar a realidade de Cristo neles porque não tem chance

de incorporax Cristo neles. Não obstante quanto possam

ter ouvido a Palavra, o ouvir não pode substituir a obra

do Espírito Santo. Aqueles que carecem da obra do Es­

pírito em sua vida não podem ter como sua a riqueza de

Cristo; por isso, nada têm com que suprir ouh·as pessoas.

REALIDADE E SPIRITUAL OU ÜBSESSÃO?

O que determina se somos úteis ou não nas mãos de Deus é a extensão da obra que o Espírito Santo tem ope­

rado em nós. Um cristão não pode ser caído a ponto de

parecer que o Espírito Santo não o incomode. Sua po­

breza parece predestinada, mas cremos que o Senhor

não deixaria escapar de Suas mãos alguém que tivesse

se colocado nelas. Cremos que cada provação tem o

propósito de alargar e emiquecer. Cada provação pro­

duz mais riqueza. Cada dificuldade nos ajuda a conhe­

cer melhor a Deus. E, assim, seremos capazes de suprir

as necessidades dos filhos de Deus.

Uma irmã foi salva quando tinha treze anos; ela viveu

cento e três anos. Um irmão a visitou quando ela com­

pletou cem anos e lhe perguntou por que Deus a havia conservado tanto tempo na terra. Ela tranquilamente res­

pondeu: "Deus me conserva aqui para que eu possa orar

mais, e mais e mais!". Oh, quão rica ela era! Outra irmã fi­

cou acamada por mais de quarenta anos, trinta e cinco dos

quais ela esteve surda. Quando um irmão foi visitá-la, ela

lhe disse: "Antes eu era muito ativa, correndo para todo

lado; eu não atendi às muitas obras de oração de que a

igreja necessitava. Mas hoje eu fico na cama. Há qua­

renta anos faço diariamente a obra da oração". Ela não es­

tava nem irada, nem ansiosa, nem mmmurando por

causa da sua doença; pelo contrário, ela fez uma grande

obra. A aflição a havia alargado e a tornado rica, e sua ri­

queza se tornou a riqueza da Igreja.

Alguns irmãos e irmãs não são eloquentes nem têin

muito conhecimento; entretanto, sabem como orar.

Sempre que escutam algo, eles oram por aquilo: oram

57

Page 31: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN NEE

pelos doentes e pelos irmãos e irmãs em dificuldades;

suprem a Igreja constantemente com suas orações. Ou­

tros irmãos e irmãs apenas se reúnem, mas nunca

oram; eles ouvem as mensagens e, ainda assim, não

oram; nada têm com que suprir a Igreja. São pobres

porque não receberam a disciplina do Espírito Santo e

não sabem o que é realidade espiritual. Humanamente

falando, alguns irmãos e irmãs deveriam ter caído há

muito tempo, mas ainda estão de pé. Qual é a explica­

ção? É que alguém os está suprindo. Por essa razão, a

abundância da vida não está relacionada à palavra ou

a doutrinas, mas, sim, a quanto você tem passado

diante de Deus e, portanto, quanto você pode suprir a

Igreja.

Dia após dia, o Espírito Santo busca oportunidades

para nos guiar para dentro da realidade espiritual. Se

recusarmos aceitar Sua disciplina, negaremos a Ele a

oportunidade de nos conduzir para a realidade espiri­

tual. Mui frequentemente, quando a dificuldade surge,

alguns escolhem o caminho mais fácil para escapar.

Quando chegam as provações, alguns a contornam e

evitam dessa forma a dificuldade; mas a oportunidade

de o Espírito Santo nos guiar para dentro da realidade

espiritual também é perdida. E o Espírito do Senhor

não tem chance de operar algo dentro deles, a fim de

poderem repartir com a Igreja o que receberam. Se fu­girmos da disciplina do Espírito Santo, não poderemos

esperar entrar na realidade espiritual e, consequente­

mente, perdemos a oportunidade de sermos alarga­

dos e enriquecidos.

REALIDADE E SPIR ITUAL OU OBSESSÃO?

Aceitemos a disciplina do Espírito Santo. Assim en­

traremos num lugar espaçoso e teremos algo para suprir

a Igreja. Precisamos, urna vez :mais, nos consagrar, mais

completamente e mais perfeitamente, a fim de conceder

ao Espírito do Senhor a chance de aperfeiçoar Sua obra

e nos guiar para dentro da realidade espiritual. Apren­

damos diariamente diante de Deus, a fim de que nosso

depósito possa se tornar a riqueza da Igreja. Tal riqueza,

um dia, será manifestada no novo céu e na nova terra.

Não existe ouro que não tenha passado pelo fogo, nem

pedra preciosa que não tenha passado pelas trevas, nem

pérola que não tenha experimentado o sofrimento. Pe­

çamos ao Senhor que nos livre de toda conversa vã e de

toda pobreza. Peçamos a Ele, por outro lado, que veja­

mos mais e mais o que é a realidade espiritual, para que

sejamos guiados por Seu Espírito para dentro de toda

realidade espiritual.

59

Page 32: Realidade Espiritual ou Obsessão

Capítulo 4

Obsessão

O que É?

"Quem há entre vós que tema ao SENHOR e que ouça a voz do seu Servo? Aquele que andou em trevas, sem nenhuma luz, confie em o nome do SENHOR e se firme sobre o seu Deus. Eia! Todos vós, que acendeis fogo e vos armais de setas incendiárias, andai entre as labaredas do vosso fogo e entre as setas que acendes­tes; de mim é que vos sobrevirá isto, e em tormentas vos deitareis" (Isaías 50.10-11).

"Pois em ti [SENHOR] está o manancial da vida; na tua luz, vemos a luz" (Salmos 36.9).

Page 33: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN N EE

Realidade espiritual é veracidade, é a verdade que nos liberta. Frequentemente, o cristão falha em to­

car a veracidade e cai na falsidade. Ele é enganado e

atado pela falsidade; ele não vê claramente o verda­

deiro caráter de certo fato, mas mesmo assim se consi­

dera esclarecido; o que pensa e faz é errado, mas ele en­

tende que está muitíssimo certo. A essa condição nós

chamamos de obsessão. A pessoa obcecada precisa da luz de Deus; caso contrário, não poderá sair da sua ob­

sessão. Vejamos o que é obsessão.

Obsessão É Engano Próprio

João, em sua primeira carta, descreve uma pessoa ob­

cecada, dizendo que ela engana a si mesma (1.8). Se al­

guém sabe que pecou, mas mesmo assim diz aos outros que não pecou, é uma mentira. Mas se ele pecou e ainda

assim crê que não cometeu pecado, isso é engano pró­

prio. A mentira é cometida quando alguém sabe quepe­

cou, mas diz aos outros que não. A obsessão é evidente

quando alguém peca e ainda pensa tão bem de si mesmo

a ponto de crer ser sem pecado como o Senhor Jesus. O

mentiroso conhece seu pecado, mas procura enganar os outros; o obcecado, embora tendo pecado, crê e diz aos

outros que não tem pecado. Em outras palavras, enga­

nar os outros é mentira e enganar a si mesmo é obsessão.

A essência numa mentira é a mesma que numa ob­

sessão; ambas são pecado. Mas numa mentira a pessoa

conhece seu pecado em sua consciência, mas procura

REALIDADE E SPIRITUAL O U ÜBSESSÀO ?

enganar os outros dizendo que não pecou; na obsessão, ela não apenas diz que não tem pecado, mas psicologi­camente acredita em sua inocência. Quem engana as

pessoas é mentiroso; quem engana a si mesmo é obce­

cado. Todos os obcecados enganam a si mesmos. Eles

vivem no mundo de sua imaginação. Muitos dos que

são orgulhosos são obcecados! A tendência dos sober­bos é conceber pensamentos sobre eles mesmos, a ponto

de literalmente crerem que são assim como pensam e

desejarem que os outros também creiam que são assim.

Paulo foi, em certo tempo, obcecado. Quando Estê­

vão foi morto por apedrejamento, Paulo" consentia na

sua morte" (At 8.1). Ele estava totalmente obcecado por

dentro. Quando escreveu à igreja em Filipos, fez refe­

rência à sua história passada, dizendo: " ... quanto ao

zelo, perseguidor da igreja ... " (3.6) . Ele pensava estar

servindo a Deus zelosamente ao perseguir a Igreja. Ele

não estava satisfeito apenas em ver as pessoas serem fe­

ridas; ele pediu ao sumo sacerdote cartas para as sina­

gogas de Damasco, a fim de que, se encontrasse alguns

que fossem do Caminho, homens ou mulheres, pu­

desse levá-los presos para Jerusalém (At 9.12). Ele cria

que, agindo dessa forma, poderia servir a Deus com fervor. Mas ele estava certo? Seu desejo de servir a

Deus estava certo, mas sua perseguição contra a Igreja

como um serviço a Deus estava errado. Ele estava er­rado, mas ainda assim acreditava estar certo - isso se chama obsessão.

Aqueles a quem o Senhor se refere em João 16.2 eram também obcecados: "Eles vos expulsarão das sinagogas;

Page 34: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN NEE

mas vem a hora em que todo o que vos matar julgará

com isso tributar culto a Deus". Imaginar que matar os

discípulos do Senhor é servir a Deus é obsessão.

A obsessão está relacionada ao coração. Quando o

obcecado faz algo errado, seu coração insiste em que ele

está certo. Se alguém age errado e afirma que está certo

está mentindo. Mas se age errado e ainda declara com a

boca e crê no coração que está certo, é obcecado. O men­

tiroso é duro por fora, mas seco por dentro; quanto mais confiante exteriormente, mais vazio se torna interior­

mente. O obcecado é duro por fora e por denfro, sendo

confiante no interior e no exterior, pois até mesmo sua

consciência parece justificá-lo.

A situação do obcecado é tal que, tendo feito algo er­

rado, ele ainda pensa e firmemente acredita que aquilo

está tão certo que ninguém pode dizer que está errado.

Isso é obsessão. Além do mais, o obcecado imagina algo que não aconteceu como se reahnente tivesse acontecido,

e sua imaginação vai tão longe a ponto de afirmar que ou­tros definitivamente fizeram aquilo. Na verdade, quanto

mais ele pensa naquilo, mais certo se torna para ele. Isso

também é obsessão. Algumas vezes, cristãos admiram

certa coisa e secretamente ahnejam consegui-la. No início, sentem-se um pouco incomodados sobre seu desejo, mas

à medida que continuam pensando naquela direção,

pouco a pouco e de forma crescente ficam convencidos da legitimidade e realidade de sua cobiça. Finalmente, rece­

bem-na corno verdade e passam a propagá-la como ver­

dade. Isso também é obsessão. Quando as pessoas che­

gam a esse ponto de obsessão, é muito difícil convencê-las

REALIDADE E SPIR.ITUAL OU Ül3SESSÃO?

do seu erro, mesmo que alguém prove isso pela Palavra

de Deus. A razão é que elas dizem conscientemente (isto

é, conforme a consciência) que estão certas.

Por isso, sejamos muito cuidadosos a fim de não ter­

mos a menor intenção de enganar os outros. Devemos

corrigir palavras inexatas pronunciadas de qualquer forma. Se dissermos palavras inexatas visando a enga­

nar as pessoas, acabaremos por enganar a nós mesmos.

Conta-se uma história de um irmão que desejava

ser um cristão zeloso. Ele achava que a voz com que

orava naturalmente não era bastante ardente; resolveu,

então, produzir outra voz. Quando orou a primeira vez com sua nova voz, sentiu-se bastante constrangido, pois

não era sua voz nahiral. Mas pouco a pouco se esqueceu

de como era sua voz natural. Todos sentiam a falta de

naturalidade da sua voz, mas ele a achava muito natu­

ral. Considerar o que não é natural como natural é ob­

sessão. Quando fingiu a primeira vez, ele tinha cons­

ciência da ausência de naturalidade. Mas depois de ficar

obcecado, perdeu sua consciência interior e. aceitou

aquela voz como real. Quão lamehtável é a obsessão!

A bsessão Ilustrada em Malaquias O G"

Um livro do Antigo Testamento mostra, de maneira

especial, que tipo de pessoa é o obcecado: Malaquias.

"Eu vos tenho amado, diz o SENHOR." Isso é um fato,

"mas vós [Israel] dizeis: Em que nos tens amado?" (1.2).

Page 35: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN NEE

Isso é obsessão. O que eles dizem não é o mesmo que uma mentira comum. Eles ousam dizer a Deus: "Em que

nos tens amado?". Isso prova que o coração deles real­

mente não cria que Deus os amava. Eles não criam no fato; pelo contrário, aceitavam uma mentira como ver­

dade. Se isso não for obsessão, o que será, então?

"O filho honra o pai, e o servo, ao seu senhor. Se eu

sou pai, onde está a minha honra? E, se eu sou senhor,

onde está o respeito para comigo? - diz o SENHOR dos

Exércitos a vós outros, ó sacerdotes que desprezais o meu nome. Isso foi dito por Deus, ao que eles respon­

deram: "Em que desprezamos nós o teu nome?" (v. 6).

Eles não honraram a Deus; todavia, criam que não ha­

viam desprezado Seu nome. Isso é obsessão.

"Ofereceis sobre o meu altar pão imundo." Essa é a

palavra de Deus. Mesmo assim, eles responderam: "Em que te havemos profanado?" (v. 7). Eles estavam erra­

dos, mas acreditavam estar certos. Isso é obsessão.

11 Ainda fazeis isto: cobris o altar do SENHOR de lágri­

mas, de choro e de gemidos, de sorte que ele já não olha para a oferta, nem a aceita com prazer da vossa mão. ( ... )

Porque o SENHOR foi testemunha da aliança entre ti e a mulher da hia mocidade, com a qual tu foste desleal, sendo ela a tua companheira e a mulher da tua aliança."

Isso era um fato, ao qual eles responderam: "Por quê?"

(2.13-14). Eles não criam que houvessem agido errada­

mente. Isso é obsessão.

"Enfadais o SENHOR com vossas palavras." Isso era

um fato. Mas eles diziam: "Em que o enfadamos?" (v. 17).

66

REALIDADE ESPlfl.JTUAL O U OBSESSÃO?

É evidente que eles haviam enfadado a Deus, mas ainda

assim não criam que o houvessem feito. Isso é obsessão.

"Desde os dias de vossos pais, vos desviastes dos meus estatutos e não os guardastes; tomai-vos para mim, e eu me

tomarei para vós outros, diz o SENHOR dos Exércitos." Isso

é o que Deus disse, mas a resposta deles foi: "Em que ha­vemos de tomar?" (3.7). Aos seus próprios olhos, eles eram

um povo que nunca se agastara das ordenanças de Deus,

por isso acreditavam não haver motivo para retomar. Isso é inquestionavelmente um caso de obsessão.

"Roubará o homem a Deus? Todavia, vós me rou­

bais", disse Deus, mas a resposta deles foi: "Em que te

roubamos?" (v. 8). Eles haviam roubado a Deus nos dí­zimos e nas ofertas; todavia, acreditavam que nunca O haviam roubado. Isso é obsessão.

11 As vossas palavras foram duras para mim, diz o SE­NHOR." Isso era um fato, mas a resposta deles foi: "Que

temos falado contra ti?" (v. 13). Eles ofenderam, entre­

tanto não acreditavam que houvessem ofendido a Deus.

Isso certamente é obsessão.

A Obsessão Ilustrada

no Evangelho de João

Existe um livro no Novo Testamento que trata bas­

tante da obsessão: o Evangelho de João.

"Eu vim em nome de meu Pai, e não me recebeis; se outro vier em seu próprio nome, certamente, o recebereis"

Page 36: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN NEE

(5.43). Os judeus pareciam ter uma consciência sem ofensa

em sua rejeição ao Senhor Jesus. A razão era o fato de se­

rem obcecados.

"Como podeis crer, vós os que aceitais glória uns dos

outros e, contudo, não procurais a glória que vem do

Deus único?" (v. 44) . Por que eles buscavam aquilo que

não era glória em lugar da verdadeira glória? Porque

eram obcecados.

"Não vos deu Moisés a lei? Contudo, ninguém den­

tre vós a observa. Por que procurais matar-me?" (7.19) . Isso foi o que o Senhor disse, mas "respondeu a multi­dão: Tens demônio. Quem é que procura matar-te?" (v.

20). A mentira deles chegou ao ponto de obsessão, caso

contrário, com.o poderiam acusar o Senhor de ter de­

mônio? Eles pretendiam matar o Senhor Jesus e, mesmo

assim, estavam tão obcecados que chegavam a imaginar

que o Senhor tinha demônio.

"Nós, todavia, sabemos donde este é; quando, po­

rém, vier o Cristo, ninguém saberá donde ele é" (v. 27).

Isso também é mentir a ponto de estar obcecado.

O Fenômeno da Obsessão

Estar obcecado é muito trágico e triste . O obce­

cado cai num estado bastante anormal. Vamos dar al­

gumas ilustrações. Alguns cristãos são obcecados em

sua forma de falar. Tendo dito coisas, são capazes de

acreditar que nunca as disseram; ou não tendo dito

68

REALIDADE ESPIRITUAL OU ÜBSESSÀO?

coisas, ainda assim acreditam que as disseram. O que

os outros nunca disseram eles imaginam e insistem

que foi dito. Tais crentes não apenas mentem, mas

também estão obcecados. Na verdade, existem cristãos

que estão obcecados num nível tal que chegam a acei­

tar a mentira como verdade, o errado como certo e o

falso como fato.

Tais cristãos começam pensando em enganar os

outros, mas acabam enganando a si mesmos. Alguém

pode mentir e enganar um, cinco ou mesmo dez ir­

mãos. Esses irmãos, sem dúvida, sofrem perda, mas o

preço pago pelo que mente é muitíssimo mais alto,

pois suas trevas o conduzirão à obsessão. Ele mente

até isso se tornar um hábito. Por fim, ele acreditará

que sua mentira é verdade. As mentiras começam en­

ganando os outros e terminam em obsessão para o

que mente . No início, alguém pode sentir-se um

pouco incomodado, achando que não está certo para

um cristão falar uma mentira. Porém, mais tarde,

quanto mais ele mentir menos sentirá que está er­rado. Na verdade, quanto mais ele mentir, mais con­

victo se tornará; sim, ele mesmo acredita que isso é

verdade. Isso é obsessão. Ele começa criando uma

desculpa desnecessária para enganar os outros, mas termina acreditando que aquilo é um fato. Isso é real­

mente obsessão.

Alguns cristãos são obcecados em seu testemm1ho.

Depois de ouvir o testemunho de muitos irmãos a res­

peito de como suas orações foram respondidas, seu tra­

balho abençoado e seus problemas, resolvidos, um irmão

69

Page 37: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN NEE

começa a sonhar que suas orações também são respon­

didas, suas obras abençoadas e seus problemas igual­

mente resolvidos. Tudo isso, entretanto, não são fatos, e

sim fantasias. Mesmo assim, havendo oportunidade, ele

se levanta para dar seu testemunho. Ele fala de forma tão

viva que faz com que o fato mais comum pareça algo ex­

tremamente maravilhoso. Depois de dar seu testemunho

algumas vezes, passa a acreditar nele. Não pode mais dis­

tinguir que parte é verdadeira e que parte é falsa. Ele se

· enganou crendo que tudo é verdade. Isso é obsessão.

Alguns cristãos são obcecados por doença. Seu

corpo, na verdade, é saudável; todavia, eles afirmam

ter alguma doença. Muitas das suas doenças surgem

do amor-próprio. Não estão doentes, pois os médicos

não podem prescrever nenhum remédio; mas por ama­

rem tanto a si mesmos, eles se queixam desse ou da­

quele incômodo. Se seu coração bate apenas um pouco

mais depressa, concluem que devem ter problemas

de coração. Se tossem um pouquinho mais, têm certeza

do que estão com tuberculose. Se os médicos lhes dis­

serem a verdade, que não estão nem um pouco doen­

tes, eles afirmam que os médicos são incompetentes.

Mas se os médicos disserem que estão doentes de ver­

dade, eles os louvam vezes seguidas por serem muito

capazes. Não ter doença e ainda insistir que tem é ob­

sessão. Isso é o resultado do amor-próprio. Pode bem

começar com o desejo oculto de ganhar simpatia da fa­

mília, dos amigos, dos parentes, mas, por fim, termina

com a própria pessoa realmente acreditando estar

doente. Ela cria sua doença por meio das inclinações

70

REALIDADE ESPIRITUAL OU ÜBSESSÃO?

de sua alma. Isso é obsessão, pois a obsessão é criar

algo para, por meio dele, enganar a si mesmo até não

ter consciência de estar enganado.

Alguns do povo de Deus estão obcecados pelo medo.

Alguém pode abrigar um medo em seu coração sem que

nada terrível tenha acontecido. No início, pode ser um

simples pensamento de que algo é terrível. Mas depois

o medo real desce sobre ele. Podemos dar a essa pessoa

muitas razões para mostrar que não há nada amedron­

tador, mas mesmo assim não poderemos convencê-la.

Não importa quem lhe diga a verdade, ela acredita na

falsidade. Isso também é obsessão.

Alguns cristãos são obcecados por suas suposições.

Devido à falta de luz, tais crentes frequentemente acei­

tam as suposições como fatos. A princípio, alguém

pode apenas imaginar que o outro fez certa coisa, ou

pronunciou palavras ou frequentou certo lugar. De­

pois, entretanto, ele acredita que a pessoa em questão

fez aquela coisa, falou aquela palavra ou frequentou

aquele lugar. Ele está tão obcecado que imagina algo

que nunca aconteceu. Sua acusação é claramente in­

justificável, mas mesmo assim ele acredita ser verdade.

Isso é obsessão. Ele acredita no que não é verdade para

outras pessoas. Isso é obsessão. Ele aceita a suposição

como fato. Isso é obsessão.

Existe outro tipo de obsessão. Alguns santos estão

verdadeiramente buscando o Senhor. Eles esperam

andar de modo perfeito diante d'Ele, mas não têm

luz. Tais pessoas podem contemplar a si mesmas

achando que fizeram algo errado, quando não existe

71

Page 38: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN NEE

nada errado. Elas se preocupam quase a ponto de

morrer. Chegam ao extremo de lamentar que o Se­

. nhor não as pode perdoar nem o sangue precioso pode

purificá-las do seu pecado. Julgando pela luz de Deus,

só podemos concluir que elas não pecaram. Mas elas

confessam que pecaram, que cometeram uma terrível

transgressão. Elas agonizam e derramam muitas lá­

grimas, e confessa1n, não uma, mas centenas de vezes.

Confessam o tempo todo porque sentem que seu pe­

cado está sempre presente com elas. Que nome você dá

a isso? Isso também é obsessão. Uma pessoa não fica

obcecada apenas com coisas ruins; existe a possibili­

dade de ficar obcecado até pela convicção de pecado.

Um cristão que busca a Deus pode se condenardes­

necessariamente se lhe falta a luz. Crer naquilo que

não é um fato é obsessão.

"Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal;

que fazem da escuridade luz e da luz, escuridade;

'lf põem o amargo por doce e o doce, por amargo.

(Is 5.20). Alguém pode ficar tão obcecado a ponto de

chamar o mal de bem e o bem de mal, de fazer da es­

cuddade luz e da luz escuridade e pôr o amargo por

doce e o doce por amargo. Ele está totalmente er­

rado, mas tem confiança que está certo. Quão la­

mentável é tal condição! O que o cristão mais deve te­

mer é ter pecado e não ver tal pecado. Ter pecado está

relacionado com contaminação, mas não ver o pe­

cado está relacionado com trevas. A contaminação já

é bastante perigosa, mas acrescentar as trevas à con­

taminação é duplamente perigoso. O cristão que vive

72

REALIDADE ESPIR.IT UAL O U Ü BSESSÃO?

nas trevas não pode andar tranquilamente no cami­

nho que está a sua frente, porque não vê o caminho.

Os fenômenos da obsessão são muitos e variados. Existe a possibilidade de o crente ficar obcecado em seu

pensamento em relação a si mesmo e aos outros, em suas

palavras concernentes a si mesmo e aos outros, en1 sua

situação espiritual, em seus pecados e em tudo relacio­

nado consigo mesmo. A obsessão é, realmente, um sin­

toma muito comum. Todos os cristãos podem cair na ob­

sessão; a diferença reside apenas no grau. Por isso, não podemos deixar de prestar atenção a isso.

73

Page 39: Realidade Espiritual ou Obsessão

Capítulo 5

Obsessão Causas e Livramento

Existe uma causa para cada obsessão. Vamos tentar

encontrar algumas das causas básicas examinando

atentamente as Escrituras.

Amor às Trevas

Há pessoas que amam mais as trevas do que a luz.

Essa é uma das principais causas da obsessão. Esse amor

anor:qrnl revela o desvio do coração; por isso, tais pessoas

se tornam facilmente obcecadas. A fim de evitar dificul­

dades e de se salvarem de problemas, elas não ousam en­

carar a luz, mas procuram se confortar dizendo que es­

tão certas. Pouco a pouco, começam a crer que estão

Page 40: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN NEE

certas. Assim, ficam obcecadas. Os judeus rejeitaram o

Senl,or Jesus porque amavam mais as trevas do que a luz

(Jo 3.19). Eles não tinham luz, pois habitavam nas trevas.

Achavam justo odiar e rejeitar o Senhor Jesu_s. "Se eu não

tivesse feito enh·e eles tais obras, quais nenhum ouh·o fez,

pecado não teriam; mas, agora, não somente têm eles

visto, mas também odiado, tanto a núm como a meu Pai"

(15.24). Por quê? Porque estavam obcecados. Eles odia­

ram o Senhor sem causa. Precisamos saber que sempre

que houver h·evas, e não luz, existirão conceitos errados,

falsa confiança e julgamento errado. Existe um elemento

de obsessão em cada um desses erros. A consequência de

não amar a luz é obsessão.

Orgulho

O orgulho também é uma grande causa da obsessão.

"A soberba do teu coração te enganou ... " (Ob 1.3). Isso

revela que a maior causa do engano próprio é o orgulho.

Aqueles que enganam a si mesmos a ponto de entrar em obsessão são, provavelmente, todos pessoas soberbas .. Se

um cristão colocar seu coração em obter vanglória e po­

sição diante dos homens, ele pode começar a fingir ser

o que não é a fim de enganar as pessoas. Pouco a pouco,

ele começa a enganar a si mesmo e a se tornar obcecado.

Uma vez que se torna orgulhoso, ele pode facilmente

imaginar a si mesmo como alguém que tem algo ex­

traordinário. Lentamente, aceitará as fantasias como

verdade. Assim, ele cai na obsessão. Nunca considere o

orgulho como um pecado insignificante, pois ele pode

REALIDADE ESPIRITUAL OU ÜBSESSÃO?

facilmente nos impelir para a obsessão. Aprendamos,

portanto, a ser humildes.

Não Receber o Amor da Verdade

Não receber o mnor daç!::-:-:::~rna enorme

por trás da obsessão. Em 2 Tessal01 · nses nos é mos­

trado que para aqueles que "nã acolheram o amor da

verdade para serem salvos ... Deus lhes manda a opera­ção do erro, para darem crédito à mentira" (2.10-11).

Essa é, realmente, uma consequência terrível. As pessoas

se tornam obcecadas por crer nas mentiras. Elas creem em coisas que não existem. Por não receberem o amor da

verdade, naturalmente se inclinam para as mentiras.

"Compra a verdade e não a vendas; compra a sabe­

doria, a instrução e o entendimento" (Pv 23.23). A ver­dade precisa ser comprada, isto é, um preço deve ser

pago. Bem-aventurados somos se nosso coração está

bem preparado para a verdade de Deus. Nós amaremos a verdade e a aceitaremos, custe o que nos custar. Mas,

muitas vezes, os homens não têm o amor da verdade ne­

les. Eles torcem a verdade e até a descartam. Finalmente,

acabmn acreditando que ela não é a verdade. Proclamam

como falso o que é verdade e pregam como verdade o

que é falso. Eles parecem fazer isso com confiança. Isso,

definitivamente, é obsessão.

Devemos saber que, uma vez que alguém rejeita o

amor da verdade no coração, é muito difícil para ele.. ver

a verdade mais tarde. Havia um irmão que estudava

77

Page 41: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATC HMAN NEE

num seminário teológico. Ele foi conversar com um dos

seus professores sobre o batismo. Esse irmão disse: "Tenho visto diante de Deus que fui crucificado com o

Senhor. Já estou morto; preciso ser sepultado; devo ser

batizado. O que o senhor acha disso?". O professor res­

pondeu: "Eu também tive uma experiência semelhante

anteriormente. Logo antes de me formar no seminário, como acontece com você agora, eu também vi essa ques­

tão da morte, sepultamento e ressurreição juntamente

com Cristo. Eu vi que já havia morrido, que devia ser se­pultado no batismo. Mas se eu fosse batizado por imer­

são, não poderia trabalhar na denominação à qual eu

pertencia. Orei sobre isso e senti que podia adiar a de­cisão até depois da formatura e ordenação. Formei-me

no seminário e fui ordenado pastor. Agora são passados muitos anos. Embora não tenha sido batizado, tenho me

sentido muito bem. Por isso, por que você não se con­centra nos seus estudos? Depois da sua formatura e or­

denação, talvez isso não incomode mais você" . Viver em

paz depois de violar a verdade não é outra coisa senão

obsessão. (Felizmente, aquele irmão não deu ouvidos ao

seu professor.) Lembre que podemos facilmente nos tornar obcecados se nosso coração não for totalmente para o Senhor.

Não Buscar a Glória

que Vem do Único Deus

Não buscar a glória que vem do único Deus também

é um fator que gera obsessão. "Como podeis crer, vós os

. 1

REALIDADE E SPIRITUAL OU OBSESSÃO?

que aceitais glória uns dos outros e, contudo, não procu­rais a glória que vem do Deus único?" (Jo 5.44). Por cobi­

çarem a glória dos homens, os judeus rejeitaram o Senhor e perderam a vida eterna. Quão lamentável!

Esse amor desordenado pela glória dos homens inclinou

o coração deles para a mentira. Como resultado, eles acreditaram na falsidade. Eles se tornaram cada vez mais

confiantes em si mesmos. Eram nada mais que obcecados.

O Livramento:

Ver a Luz na Luz de Deus

A obsessão é trágica. Os filhos de Deus não devem

ser obcecados. O obcecado não consegue ver o caráter

real das coisas. Portanto, a seguir apontaremos, de forma

breve, como ver a realidade e evitar a confusão.

"Quem há entre vós que tema ao SENHOR e que ouça

a voz do seu Servo? Aquele que andou em trevas, sem nenhuma luz, confie em o nome do SENHOR e se firme

sobre o seu Deus. Eia! Todos vós, que acendeis fogo e

vos armais de setas incendiárias, andai entre as labare­

das do vosso fogo e entre as setas que acendestes; de mim é que vos sobrevirá isto, e em tormentas vos dei­

tareis" (Is 50.l0-11).

Quando os israelitas andaram em trevas e não ti­

nham luz, mais do que naturalmente acenderam tochas

com as quais se cercaram. Eles andavam nas chamas do

seu próprio fogo. Isso era bom? De modo nenhum, pois

o resultado foi que se deitaram em aflições. As trevas

79

Page 42: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCHMAN NEE

!?\'? espirituais não podem ser desfeitas por tochas feitas pelo

homem. A luz deve vir de Deus, não do homem. As to­

chas humanas nunca podem capacitar alguém a ver a

realidade espiritual.

Procuremos entender que as tochas que acendemos

nunca podem ser uma fonte de luz espiritual. Alguns

cristãos dizem: "Onde estou errado? Não sinto que te­

nha feito algo errado. Não sinto estar errado em coisa al­

guma". Você é realmente tão digno de confiança assim?

Outros podem dizer: "Meditei muito sobre essa questão

em particular. Ouso concluir que isso está definitiva­

mente certo". Está certo afirmar que você pode decidir

definitivamente sobre algo pelo fato de ter meditado

bastante? De acordo com a Palavra de Deus, essa não é

a maneira de os cristãos conhecerem algo. Você pode es­

gotar seu poder mental em considerações, mas tudo o

que for aceso ali será simplesmente sua tocha humana.

Um. cristão não pode prosseguir sua jornada espiritual

pela luz de sua própria tocha. Ele deve depender do

nome do Senhor. Somente por confiar em Deus ele pode, de fato, ver e andar espiritualmente. Com frequência,

tornamo-nos mais confusos pelo nosso muito pensar e

podemos até mesmo ser enganados. A luz espiritual

não vem de nosso sentimento ou pensamento. Quanto mais alguém busca a luz dentro de si mesmo, menos luz

tem, pois a luz não está nele.

"Pois em ti está o manancial da vida; na tua luz, ve­

mos a luz" (Sl 36.9) . É somente pelá luz de Deus que ve­

mos realmente a luz, isto é, o verdadeiro caráter dó que

quer que seja. A primeira luz, no texto acima, é a luz que

80

REALIDADE ESPIRITUAL OU ÜBSESSÀO?

ilumina; a segunda luz é o verdadeiro caráter que é visto. Precisamos viver na luz de Deus se desejamos

ver o caráter real de uma questão.

É wn grande problema o modo como vivemos. Se vi­

vemos na luz da vida de Deus, podemos ser pessoas que

veem. Existem alguns cristãos que merecem nosso maior

respeito não apenas por sua própria bondade, mas tam­

bém por seu viver diante de Deus. "Deus é luz" (1 Jo

1.5). Todos os que conhecem a Deus conhecem a luz. To­

dos os que conhecem a luz manifestam ter Deus neles. Tão logo aquele que conhece a luz de Deus encontra-se

com você, é capaz de discernir seu caráter e de apontar

as faltas que você tem. Ele não faz isso com o desejo de

ferir você, mas se deve totalmente à sua aguçada visão interior. Para o que não tem luz, certa coisa pode pare­

cer muito boa; entretanto, deve-se deixar para aquele

que vive na luz de Deus descobrir o verdadeiro caráter da coisa. Nenhuma luz de vela é necessária debaixo do

sol brilhante; nenhwna o_utra tocha humana é necessá­

ria debaixo da luz de Deus. Se vivêssemos na luz de

Deus, o verdadeiro caráter de todas as coisas seria tão

claro e transparente como a luz.

Aqueles que se conhecem na luz de Deus têm ver­

dadeiro conhecimento de si mesmos. Se não estivermos

na luz de Deus, podemos pecar sem estar conscientes de

quão vil é nosso pecado; podemos cair sem termos plena

consciência de quão vergonhosa é nossa queda. Pode­

mos fazer algum bem exteriormente, mas quão enga­

noso é nosso estado interior! Podemos mostrar bondade

por fora, mas quem conhece nossa dureza por dentro?

81

Page 43: Realidade Espiritual ou Obsessão

WATCI-IMAN NEE

Podemos agir de forma espiritual, mas nossa realidade

é que somos totalmente da carne. Quando a luz de Deus vem, o verdadeiro caráter de todas essas coisas será ma­

nifestado. Então, ver-nos-emos totalmente e confessare­

mos quão indignos sempre fomos.

Aqui está a diferença entre os dois testamentos: no antigo, o certo e o errado eram conhecidos pela lei exte­

rior; no novo, conhecemos o verdadeiro caráter de algo

por meio do Espírito Santo que habita em nós. É possí­

vel vermos nossa falta por meio da doutrina ou do en­

sino, mas mesmo assim precisamos ver nossas faltas na

luz de Deus. Conhecer nossas faltas por meio da dou­trina ou do ensino é superficial; perceber nossa falta na luz de Deus é perfeito. Somente na luz de Deus podemos

ver o que Deus vê. Esse é o significado de ver a luz na

luz de Deus.

Se não quisermos ficar obcecados, devemos viver na

luz de Deus. Nossa maior tentação é acender nossas

próprias tochas. Sempre que enfrentamos um problema,

imediatamente procuramos as respostas em nós mes­mos. Tentamos decidir o que é certo e o que é errado.

Esse não é o caminho que Deus quer que sigamos. Pre­

cisamos ser humildes, reconhecendo quão indignos de confiança somos. Nosso julgamento, pensamento e ação

não são confiáveis. Estamos sujeitos ao erro. O que jul­gamos como certo pode não ser necessariamente certo;

o que julgamos errado pode não ser de todo errado. O que consideramos doce pode ser amargo, e vice-versa.

O que recebemos como luz pode não ser luz de modo al­

gum, e o que recebemos como trevas pode vir a não ser

82

REALlDADE ESPIRITUAL OU ÜBSESSÃO?

trevas. Não devemos substituir a luz de Deus por tochas que acendemos. Devemos receber a luz de Deus.

"São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos

forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em h·e­

vas. Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão!" (Mt 6.22-23). O cristão que não

tem luz em si tende para a obsessão. Que lamentável se

alguém não vê o que deveria ver e não sabe o que de­

veria saber. Devemos pedir a Deus para brilhar em nós a fim de poder tocá-10. A vida cristã não deve ser cheia

de problemas, dúvidas e hesitações. Devemos ser capa­zes de ver se algo é certo ou errado. Se pudermos ver, evitaremos cair em obsessão.

"Se alguém quiser fazer a vontade dele [ de Deus], co­

nhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus ou se eu

[Jesus] falo por mim mesmo" (Jo 7.17). A condição para sermos iluminados é genuinamente querer a vontade de

Deus. Cuidemos para não decidir, de maneira rápida e

confiante, sobre qualquer assunto que chegue a nós. Pelo conh·ário, peçamos a Deus para nos dar um coração

perfeito para fazer Sua vontade. Um coração endure­cido, egoísta e autoconfiante bloqueia a luz de Deus. Se

desejamos ter a luz de Deus, devemos ser meigos, não

egoístas e não autoconfiantes. Resumindo, devemos ser

humildes. Peçamos a Deus para nos libertar, a fim de que diariamente vivamos em Sua luz e, assim, sejamos

capacitados a conhecer o que é veracidade e realidade.

Que Deus nos livre da falsidade e da obsessão!