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Página 1 FICHA DE LEITURA N.º 02 DO ESBOÇO DE UM CURSO DE DIREITOS REAIS ANO LECTIVO 2013-2014 OBJECTIVOS E TÓPICOS A RETER PARTE I – DIREITO DAS COISAS (DIREITOS REAIS) CAPÍTULO I – NOÇÃO DE DIREITO DAS COISAS 1. O direito das coisas como direito patrimonial: direito das coisas e direito da pessoa (sobre a própria pessoa e sobre a pessoa de outrem) O direito das coisas: é aquele direito patrimonial que regula, já não o acesso aos bens económicos ou o iter para se atingirem esses bens, mas o próprio domínio dos bens em si mesmos, a directa e imediata relação com as coisas. O direito das coisas implica: i) a noção de coisa ou de bens in património (por exclusão das pessoas ou dos bens in persona); ii) a ideia de uma zona final ou terminal, em ordem ao iter do acesso aos bens, que é a zona em que esse acesso se consuma – se estratifica ou sedimenta, em termos de apropriação ou dominação da própria fonte de interesse que o bem é. O direito das coisas: trata-se de direitos particularmente relativos às coisas, de direitos que incidem directamente sobre coisas e não sobre pessoas ou bens incindíveis das pessoas. Os poderes inerentes aos direitos das coisas: trata-se de poderes directos e imediatos, não mediatados através da intervenção de outra pessoa, não propiciados pela sua acção ou pela sua omissão. O direito das coisas é um direito que não se compadece com virtualidades ou analogias de domínio, mas tende a ser um domínio efectivo 2. O direito das coisas dentro do direito patrimonial: direito das coisas e direitos de crédito. Impossibilidade de os distinguir pelo simples nexo com a pessoa, concretização na prestação. A distinção do direito das coisas face aos direitos de crédito, quando estes têm por objecto uma prestação de coisas, não fica assim suficientemente nítida se o problema se observa no verdadeiro plano dos interesses.

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FICHA DE LEITURA N.º 02 DO

ESBOÇO DE UM CURSO DE DIREITOS REAIS

ANO LECTIVO 2013-2014 OBJECTIVOS E TÓPICOS A RETER

PARTE I – DIREITO DAS COISAS (DIREITOS REAIS) CAPÍTULO I – NOÇÃO DE DIREITO DAS COISAS 1. O direito das coisas como direito patrimonial: direito das coisas e direito da pessoa (sobre a própria pessoa e sobre a pessoa de outrem) O direito das coisas: é aquele direito patrimonial que regula, já não o acesso aos bens económicos ou o iter para se atingirem esses bens, mas o próprio domínio dos bens em si mesmos, a directa e imediata relação com as coisas. O direito das coisas implica: i) a noção de coisa ou de bens in património (por exclusão das pessoas ou dos bens in persona); ii) a ideia de uma zona final ou terminal, em ordem ao iter do acesso aos bens, que é a zona em que esse acesso se consuma – se estratifica ou sedimenta, em termos de apropriação ou dominação da própria fonte de interesse que o bem é. O direito das coisas: trata-se de direitos particularmente relativos às coisas, de direitos que incidem directamente sobre coisas e não sobre pessoas ou bens incindíveis das pessoas. Os poderes inerentes aos direitos das coisas: trata-se de poderes directos e imediatos, não mediatados através da intervenção de outra pessoa, não propiciados pela sua acção ou pela sua omissão. O direito das coisas é um direito que não se compadece com virtualidades ou analogias de domínio, mas tende a ser um domínio efectivo 2. O direito das coisas dentro do direito patrimonial: direito das coisas e direitos de crédito. Impossibilidade de os distinguir pelo simples nexo com a pessoa, concretização na prestação. A distinção do direito das coisas face aos direitos de crédito, quando estes têm por objecto uma prestação de coisas, não fica assim suficientemente nítida se o problema se observa no verdadeiro plano dos interesses.

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3. Necessidade de repor o velho problema da distinção entre direitos das coisas e direitos de crédito: A) A doutrina clássica ou realista. O que caracteriza o direito das coisas ou real face aos direitos de crédito? A «teoria realista» atende à relação homem-coisa. Característico do direito real é ser um poder directo e imediato sobre uma coisa, é exprimir uma relação entre uma pessoa e uma coisa. Não há intermediário entre o titular e o objecto do direito, ao invés do que se passa com o direito das obrigações, em que o objecto só acede ao titular por mediação de outro indivíduo. Direito das coisas: relação directa e imediata; estrutura simples ou linear e não intersubjectiva. Direito das obrigações: relação indirecta e mediata; estrutura complexa ou triangular e intersubjectiva, na relação do direito das obrigações. A «teoria realista» é a que corresponde à intuição mais ostensiva ou empírica do fenómeno: à sensação que a dominialidade imediatamente nos dá e que é a de fruição, sem intermediários, de um objecto. 4. B) A doutrina personalista ou obrigacionista Crítica à teoria realista: a relação intersubjectiva é inerente a qualquer relação de direito. Todo o Direito supõe alteridade ou intersubjectividade, mesmo o direito das coisas. Surgimento da «teoria personalista»: salienta, não a relação do homem com as coisas, mas a relação do homem com os homens que necessariamente se oculta atrás daquela aparente relação. O que distingue então ambos os direitos? O que contra distingue é que não há um outro homem, um contra-sujeito particularmente individualizado. Há uma multidão de contra-sujeitos, ou de sujeitos passivos, é a denominada «obrigação passiva universal». 5. c) Doutrina de DEMOGUE Uma outra teoria extrema refere que entre os dois tipos de direitos não existe uma diferença fundamental de estrutura mas apenas quantitativa. DEMOGUE: em ambos os casos há uma relação entre pessoas, a «obrigação passiva universal» não é senão um cambiante da obrigação geral de respeito que existe para os créditos como para os direitos de outra

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ordem. A diferença é só qualitativa: há certos direitos («direitos fracos») em que a obrigação ou a relação só se estabelece directamente com alguns, e é o caso dos direitos de crédito; e há outros («direitos fortes») em que a obrigação ou a relação se estabelece directamente com todos, e é o caso dos direitos reais. Uma diferença de força ou simplesmente de grau; não uma diferença de natureza ou uma diferença de estrutura. 6. d) A busca de uma superação ou de uma síntese entre realismo e personalismo. Os erros e os acertos das duas doutrinas: a pertinência da crítica personalista (refutação das objecções contra a «obrigação passiva universal»).

Crítica à visão clássica da «teoria realista»: é uma visão

manifestamente empírica, que sobrevaloriza o conteúdo do direito, com menosprezo do momento da sanção. O direito exerce-se sem intermediário: mas como se protege esse direito?

Crítica à «teoria personalista»: é uma visão «jurídica», uma teoria que desconhece o conteúdo do direito e sobrevaloriza o momento sancionatório.

O direito protege-se com a obrigação passiva universal: mas o que é ou em que consiste esse direito? E se tal obrigação mais não é do que a obrigação geral de respeito que incumbe a todos os indivíduos em face da actividade jurídica de outrem, se mais não é do que essa obrigação abstracta e insusceptível de patrimonialização, como é que o direito existe antes de ela se tornar concreta e patrimonializada, antes de haver uma violação efectiva (visto que o direito é o reflexo da sanção)? E, de todo o modo, porque é que inere àquele objecto? Não será porque ele conta, porque ele define as condições de possibilidade, como diria KANT, ou, segundo se diz modernamente, porque ele define a Sachlogik (a «lógica das coisas»), o posse do direito? Crítica à teoria clássica: os fenómenos só são juridicamente relevantes na medida em que eles se marcam com o estigma do jurídico – jurídico que é ordenação, delimitação (afirmação para um lado, restrição para o outro) e sanção (garantia do respeito da delimitação). Só há direito na medida em que há uma protectio e, portanto, na medida em que a relação de poder com a coisa, a vinculação directa da coisa ao sujeito («res

ipsa divincta est»), é garantida por essa ordenação, delimitação ou tutela. O que importa é que o proteger é que torna jurídico o poder: o meu e o teu só são jurídicos enquanto exprimem uma regra de composição de interesses que reconhece o meu como meu e o teu como teu. Por isso a relação «homem→homem» – o homem contra quem vale o poder do primeiro sobre o bem.

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É inegável que esse homem é virtualmente qualquer homem que possa interferir com tal poder, não tendo sentido a objecção de que é absurdo que a propriedade de um lápis obrigue toda a humanidade (adversus omnes), pois o que se entende dizer é que quem quer que entre em relação com o objecto tem obrigação de respeitar aquele direito (adversus qualemcumque). Vendo-se nesse entrar em relação não um entrar em relação material, mas um entrar em relação de possível interferência, de possível turbação, juridicamente relevante: o que só sucede quando se entra no espaço da ordem jurídica que arbitra o poder sobre a coisa. O que será ainda o funcionamento da ordem jurídica que arbitra o poder sobre o bem, funcionamento que pode ser, evidentemente, directo (está-se no âmbito geográfico dessa ordem jurídica), mas que pode ser simplesmente refractado ou indirecto (está-se à sombra de uma ordem jurídica que reconhece o poder ou o arbítrio da primeira). Fica destruído o argumento de que, a aceitar-se a correcção «personalista», se corre o risco de não haver ninguém, em dada altura, em relação com o objecto, e logo, de ao direito não corresponder nenhum dever. Há sempre alguém subordinado à ordem jurídica que arbitra o poder sobre a coisa, há sempre alguém para lá do detentor do direito, sob pena de não existir ordem jurídica nenhuma e, obviamente, nenhum direito que se encontre em discussão. Um argumento irrelevante: o de que a obrigação passiva universal se identifica com o neminem laedere, com a obrigação geral de respeito, não tem conteúdo patrimonial nem especificidade. Cada direito absoluto (ou cada espécie de direitos absolutos) tem os seus meios próprios de protecção – reivindicação, acções possessórias, para os direitos sobre as coisas, interdicta, principalmente, para os direitos sobre as pessoas –, que são distintos dos do neminem laedere em geral. A objecção de que, a aceitar-se o «personalismo», a força do direito dependeria do nível demográfico do Estado, não será ainda objecção porquanto o caso é mesmo assim. Toda a problemática e dialéctica dos direitos sobre as coisas dependem da força de pressão dos excluídos do domínio, como nos mostram as reacções de todos os tempos. 7. A verdade subsistente da doutrina realista

O que particularmente avulta nos direitos reais é que a satisfação dos

interesses, a dominação sobre o bem, já não é mediatada, propiciada, pela intervenção de outra pessoa (o sujeito passivo), mas efectua-se directamente, imediatamente, independentemente, no contacto entre o titular e o objecto. É que já não se está na fase transitiva do iter do acesso aos bens: está-se na fase definitiva, intransitiva, que é a fase da dominialidade.

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O que o titular consegue já não é apenas uma antecâmara do domínio (como no contrato de promessa de compra e venda) ou um sucedâneo do domínio (como nos simples contratos obrigacionais que envolvem a transferência do gozo de uma coisa): é o domínio autêntico, absoluto (ab + solutos: independentes), real, um jus in re e não um jus ad rem.

Ao invés do que se passa nos direitos de crédito, o poder sobre o bem já não necessita do apoio do querer (dever) do portador da obrigação: já não assente num praestare ou, pelo menos, num praestare patientiam. É um poder que surge como que desligado de todo esse ingrediente obrigacional-sancionatório, de todo esse ingrediente especificamente jurídico: é um poder que surge como fáctico, que surge, enfim, como puramente empírico.

8. A tentativa de síntese – o lado interno e o lado externo do direito das coisas

Como em todos os direitos, no direito real é preciso atender à sanção

e ao conteúdo, à protectio e ao licere, ao lado externo e ao lado interno ou, com mais precisão, ao seu lado instrumental e ao seu lado essencial.

A teoria dominante e a distinção entre direito real e direito

obrigacional: I) Lado externo: i) direito crédito: a tutela é relativa, ou seja, dirigida contra pessoa ou

pessoas certas determinadas (devedores); ii) direito real: a tutela é absoluta, erga omnes, isto é, dirigida contra

a generalidade das pessoas que podem interferir com o exercício do direito. II) Lado interno: i) direito crédito: o poder do titular incide imediatamente sobre um

comportamento de outrem (prestação) e só mediatamente sobre uma coisa (nos casos de obrigação de dare);

ii) direito real: o poder incide imediatamente sobre uma coisa, é um poder directo e imediato sobre uma coisa.

Em resumo: Quanto ao lado externo, fala-se, no direito real, de uma eficácia absoluta ou erga omnes, e, no direito de crédito, de um poder de exigir ou de pretender certo comportamento específico (dare, facere ou non

facere), que só reflexa e eventualmente propicia o bem ao interessado, e, no direito real, de um poder de usar, de fruir ou de dispor de uma coisa, de um domínio parcial ou total dessa coisa, que só reflexamente vincula o

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comportamento de outras pessoas (obrigando-as a um comportamento negativo e, se este se viola, a determinadas prestações). Na linha de PICARD, distingue-se direito de crédito de direito real da seguinte forma: o direito real é (acentuando-se o lado interno) «o que impõe a qualquer pessoa a obrigação de respeitar o poder jurídico que a lei confere a uma pessoa determinada de extrair de bens exteriores todas ou parte das vantagens que permite a sua posse»; ou (acentuando-se o lado externo), «o que, atribuindo a uma pessoa um poder jurídico directo e imediato sobre uma coisa é, por isso mesmo, susceptível de ser exercido, não apenas contra certa pessoa determinada, mas contra todos e em confronto de todos». 9. A insuficiência, porém, de uma distinção que se funde apenas numa perspectiva estrutural: necessidade de uma perspectiva funcional. Os interesses característicos do direito das coisas: o interesse de imediação e o interesse de estabilização.

Ao analisarmos do ponto de vista dos interesses, o tipo do jus in re

ou do direito sobre a coisa vem a responder, essencialmente, a dois interesses basilares:

i) o interesse da imediação: o interesse na satisfação das necessidades sem intervenção ou mediação de outra pessoa, que preside ao seu licere ou ao conteúdo do direito;

ii) o interesse de estabilização: o interesse numa maior estabilidade ou segurança, que preside à protectio ou à sanção que o acompanha.

10. Interesses tendenciais ou habituais do direito das coisas

Interesses tendenciais ou habituais – distinção entre direito das

obrigações e direito das coisas: i) direito das obrigações: ia) servem interesses de alteração, isto é, principalmente a circulação

dos bens ou a dinâmica jurídica; ib) um interesse de colaboração, de autêntica propiciação, mesmo

quando originem meros deveres de non facere, como nas obrigações de não concorrência.

ii) direito das coisas: iia) servem interesses de conservação, isto é, principalmente a

dominação dos bens, a estática jurídica (ou jurídico-patrimonial) e, além disso,

iib) um interesse de exclusão – de simples não turbação, mesmo quando haja lugar a certas obrigações positivas, como nas relações de vizinhança.

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11. Noção de direito das coisas

Noção de direito das coisas: poder directo e imediato sobre uma

coisa, impondo-se à generalidade dos membros da comunidade jurídica e

constituindo uma aproximação, derivação ou expressão da forma plena de

domínio sobre os bens – com vista a organizar solidamente as infra-

estruturas sócio-económicas dadas.

12. Reflexão metodológica O princípio de que a mera visão estrutural, ou baseada em

«conceitos de preceito», é insuficiente para compreender o direito das coisas, como, de resto, qualquer ramo do jurídico, e de que só uma visão funcional, ou baseada em «conceitos de interesse», possibilita essa mesma compreensão, permitindo extrair conclusões que facultem uma ampliação ou integração do direito vigente. Simplesmente, a averiguação dos interesses causais e dos interesses que prevalecem em cada conflito de interesses não pode restringir-se isoladamente se «resolve» ou até aos juízos ou ideias de valor que resultam do sistema de comandos legislativos assim causalmente e neutralmente interpretados.

CAPÍTULO II – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DAS COISAS

1. A) Princípios ligados ao lado interno: I – Princípio da coisificação

Noção de princípio da coisificação: o princípio de que todo o

direito real é um direito sobre coisas, que versa sobre coisas, e não sobre pessoas ou bens não coisificáveis (prestações, situações económicas não autónomas).

Noção de coisa em sentido estrito: aí se abrangem não só as coisas físicas ou corpóreas, mas igualmente as coisas incorpóreas, designadamente os objectos da propriedade autoral e industrial e o estabelecimento ou empresa mercantil.

O artigo 1302.º C.C. e a retomada da noção de coisas da doutrina pandectística.

A restrição do artigo 1302.º C.C. valeria, se valesse, apenas para o direito de propriedade, já não para os seguintes casos:

i) usufruto (artigo 1439.º: «uma coisa ou direito alheio»; ii) penhor (artigo 666.º: «coisa móvel», «valor de créditos ou outros

direitos»); iii) hipoteca [artigo 688.º, n.º 1, alíneas b) e e)];

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iv) privilégios mobiliários especiais (artigo 735.º, n.º 2 «determinados bens móveis»);

v) direito de retenção (artigo 754.º: «certa coisa»); vi) e, indirectamente, para a posse (artigo 1251.º). Em síntese, o princípio da coisificação abrange, em regra, todos os

bens coisificáveis, posto se saiba que nem todas essas coisas são indiferentemente objecto de todas as situações reais, antes variando a área das coisas abrangidas conforme o género de situação em concreto.

2. II – Princípio da actualidade ou da imediação.

Noção de princípio da actualidade ou da imediação: só há direito

real em face de coisas presentes – que existam já e em poder do alienante (no caso de interceder uma aquisição derivada) – não em face de coisas simplesmente futuras. É o que decorre dos artigos 408.º, n.º 2 e 211.º C.C.

3. III – Princípio da especialidade ou da individualização.

Noção de princípio da especialidade ou da individualização

(artigo 408.º, n.º 2 C.C.): não há direitos reais sobre coisas genéricas (ou definidas só «qualitate et quantitate»), sendo necessária a especificação dessas coisas, que elas se tornem certas e determinadas, para que nelas incida um jus in re.

Importa salientar que, segundo a teoria das coisas, a especificação ou individualização jurídica não corresponde necessariamente a uma individualização física; mas é necessário que essa individualização jurídica se opere para que a relação intercedente deixe de ser só obrigacional – para que se volva numa relação real.

O mesmo vale para as coisas já relativamente individualizadas – já, de algum modo, certas e determinadas –, mas ainda não separadas ou autonomizadas de outras coisas.

Exemplos: i) As partes componentes e partes integrantes, referidas no artigo

204.º, n.º 1, alínea e), e artigo 204.º, n.º 3 C.C.; ii) É o que acontece com os bens descritos no artigo 204.º, n.º 1

alínea c) do C.C.

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FICHA DE LEITURA N.º 03 DO

ESBOÇO DE UM CURSO DE DIREITOS REAIS

ANO LECTIVO 2013-2014 OBJECTIVOS E TÓPICOS A RETER

4. IV – Princípio da compatibilidade ou da exclusão.

Noção de princípio da compatibilidade ou da exclusão: só pode

existir um jus in re sobre determinada coisa na medida em que ele seja compatível com outro jus in re que recaia sobre ela: ou – o que é o mesmo – na medida em que ele não seja excluído por força de um prevalente ou pré-existente jus in re.

Se o direito real é um «poder directo e imediato» ele tende a excluir qualquer outro «poder directo e imediato» que atinja as faculdades que ele se reserva sobre a coisa.

Isso não obsta a vários graus de utilização do objecto e, portanto, à possibilidade de compatibilização entre esses distintos «poderes directos e imediatos».

5. V – Princípio da elasticidade ou da consolidação.

Noção de Princípio da elasticidade ou da consolidação: segundo o qual todo o direito sobre as coisas tende a abranger o máximo de utilidades que propicia um direito dessa espécie: ou seja, todo o direito sobre as coisas tende a expandir-se (ou reexpandir-se) até ao máximo de faculdades que abstractamente contém. É característica de toda a realidade/dominialidade esta estrutura elástica dos poderes, este seu automatismo para a consolidação num direito mais espesso ou mais próximo do pleno.

6. B) – Princípios ligados ao lado externo: I - Princípio da tipicidade. Presos ao lado externo do direito, isto é, ao facto de o direito sobre as coisas se impor à generalidade dos membros da comunidade jurídica ou ter eficácia erga omnes avultam certos princípios bem conhecidos da doutrina. Noção de princípio da tipicidade: trata-se da tendência dos direitos das coisas para se oferecerem em tipos característicos, aproveitando o Direito as formações mais ou menos consagradas pelos usos («tipos correntes»), ou, sempre que busca reagir contra esses usos ou propor novos modelos sócio-económicos, criando, ele mesmo, de harmonia com tais fins, os «protótipos» ou os «tipos normativos» que lhe interessem.

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Não se trata, portanto, do princípio do numerus clausus ou da taxatividade, pois pode haver tipologias taxativas e não taxativas (exemplificativas e delimitativas). Trata-se de pôr em realce a vocação das formas de domínio para se oferecerem, não como meros conceitos obtidos por abstracção generalizante (como os conceitos de direito subjectivo, de direito potestativo, de obrigação, de dolo, de culpa, etc.), mas como algo de mais concreto, de mais preciso e de mais vivo que ocupa uma posição intermédia entre o «conceito geral» e o «conceito individual»: os «tipos», que «partilham com o conceito individual histórico a riqueza concreta do conteúdo e, ao mesmo tempo, partilham com os conceitos de género naturalísticos a possibilidade de abrangerem um círculo maior de fenómenos históricos individuais».

A ligação entre este princípio da tipicidade e o lado externo dos direitos das coisas facilmente se entrevê se atentarmos na extrema importância para um direito absoluto ou erga omnes de ser praticamente intuível pelos outros membros da comunidade jurídica, de ser imediatamente acessível, nos seus poderes ou no seu conteúdo, a uma «leitura» de não técnicos ou de leigos: mormente tratando-se de um problema de utilização (lato sensu) de bens em grande parte corpóreos, quer dizer, de meios materiais de subsistência – os que suscitam os conflitos básicos de interesses.

7. II – Princípio do numerus clausus ou da taxatividade.

Noção de princípio do numerus clausus ou da taxatividade: o

direito das coisas tende, não apenas a oferecer-se em tipos característicos, mas, a oferecer-se numa «tipologia taxativa», num elenco fechado de formas ou de direitos.

Ao invés do domínio dos contratos onde a tendência é para a estereotipação e os tipos estabelecidos são tão-só frequentes – havendo uma tipologia apenas exemplificativa –, ao invés dos próprios regimes de bens, onde há tendência para a tipificação, mas se deixa livre curso à improvisação de cada um, nos direitos das coisas, como nas sociedades comerciais, nos negócios unilaterais e nos tipos legais de crime, funciona, na nossa lei, o princípio de uma tipologia taxativa, o princípio do numerus

clausus, e não do numerus apertus – é o que se dispõe no actual artigo 1306.º, n.º 1 C.C.: «Não é permitida a constituição, com carácter real, de

restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares destes direito

senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante do negócio

jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional».

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FICHA DE LEITURA N.º 04 DO

ESBOÇO DE UM CURSO DE DIREITOS REAIS

ANO LECTIVO 2013-2014 OBJECTIVOS E TÓPICOS A RETER

8. Referência, para compreensão dos princípios ulteriores, aos sistemas de compatibilização entre os interesses subjacentes ao interesse de estabilização que preside ao lado interno (regularidade da constituição do direito das coisas e indiscutibilidade dessa constituição): sistema do título. Enquadramento do direito português no sistema do título.

Princípio da causalidade que se opõe ao princípio da abstracção. Estabilização é a impossibilidade de contestação o que implica

regularidade da conformação – da produção do efeito real considerado – e indiscutibilidade dessa conformação: dessa vicissitude produzida ao nível do direito sobre os bens.

A uma ordenação consistente do domínio não interessa uma firmeza desde que se funde em vicissitudes irregularmente produzidas, mas também não há dúvida de que à segurança em geral de terceiros não interessa uma preocupação de regularidade que torne indecisa a produção dos efeitos em jogo. Há que conseguir um compromisso entre a preocupação de regularidade e a de indiscutibilidade.

São três os sistemas possíveis: i) Sistema do título e do modo; ii) Sistema do modo; iii) Sistema do título. I – Sistema do título e do modo: o Direito Romano distinguia

entre o título (o acto pelo qual se estabelece a vontade de atribuir e de adquirir o direito real – a emptio, a donatio, etc,) e o modo (o acto pelo qual se realiza efectivamente essa atribuição e essa aquisição (mancipatio e a in jure cessio, a traditio).

O título só por si era insuficiente para a produção do efeito real, que exigia necessariamente o modo, mas, por seu turno, este também não era bastante para que esse efeito se produzisse, exigindo-se sempre que atrás do modo – traditio – houvesse uma justa causa de atribuição.

II – Sistema do modo: é o consagrado no Direito Alemão. Trata-se do sistema em que a produção do efeito real não depende senão da tradição ou entrega, para as coisas móveis, e para os imóveis, da inscrição no registo fundiário («Eintragung»), com o respectivo acordo de transmissão («Einigung»). Embora estes actos sejam normalmente precedidos de um contrato prévio em que se manifesta a vontade de atribuir e adquirir o

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direito real sobre a coisa, a atribuição e a aquisição não dependem em si mesmas disso, mas apenas do acto por que a atribuição e a aquisição se efectuam. Ao interesse da indiscutibilidade sacrifica-se o interesse da regularidade, resolvendo-se o problema através da irrelevância liminar do segundo.

III – Sistema do título: Em França, Itália e Portugal vigora o sistema do título. Segundo o qual basta, para que o jus in re se transmita ou constitua sobre a coisa, o acto pelo qual se estabelece a vontade dessa transferência ou dessa constituição (a compra, a doação, a constituição de usufruto, de servidão, de superfície, etc.). Ao interesse da regularidade sacrifica-se, em princípio, o interesse da indiscutibilidade, ficando a existência do direito em princípio em questão enquanto estiver em questão o próprio acto que o titula.

Apreciação crítica de cada sistema: O sistema do modo: não desatende por completo às causas de

atribuição, admitindo o recurso à acção de enriquecimento sem causa. O sistema do título: além das mais ou menos numerosas excepções

que comporte e que o aproximam, por vezes, do sistema do título e do modo (incluindo um modo no título, como acontece, entre nós, com o dom manual, com o penhor e com a hipoteca) admite a usucapião e a protecção de terceiros de boa fé.

O Sistema do título e do modo: admite formas sui generis de entrega (constituto possessório e a traditio brevi manu), como admite a autêntica tradição ficta da «traditio instrumental» (através de escritura pública, se desta não resulta o inverso) e da «tradição consensual» ou por simples acordo das partes.

Consequências de cada sistema: O Sistema do modo: à irrelevância liminar do título, há-de

corresponder não só uma cisão entre título e modo, como no sistema da dupla dependência, mas uma abstracção do efeito real em face do título – um princípio da abstracção.

O sistema do título: não só excluirá qualquer espécie de cisão, mas, considerando-se o efeito real como causado pelo acto em que se manifesta a vontade de constituir ou transmitir, o princípio que rege será o da causalidade, e não o princípio de se abstrair da justa causa de atribuição.

Adoptando o princípio da consensualidade, precisará, nos bens de maior vulto económico, de uma publicidade rigorosa que defenda os interesses de terceiros, limitando-se o requisito da publicidade a uma condição de eficácia – em face de terceiros – e não seja uma condição de validade.

No sistema do modo e do título e do modo: o efeito real vem a depender de um acto ad hoc de produção desse efeito, diferente do acto em que se exprime a vontade de o alcançar, é claro que o efeito não se liga só a

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este último, só ao mero consenso (formalizado ou não) em que a atribuição se decidiu entre as partes: não há lugar a um princípio da consensualidade em matéria de constituição ou transmissão do jus in re.

9. III – Princípio da causalidade. O problema do numerus clausus dos contratos reais quoad effectum.

O princípio da causalidade: a constituição ou modificação de

qualquer direito sobre as coisas depende da validade da causa jurídica que precede essas mesmas consequências: ou seja, e fora da produção desse efeito ex vi legis, da existência e procedência do negócio de que derivou tal vicissitude no mundo jurídico-real (da compra e venda, da doação, da troca, da constituição de usufruto, etc.).

O negócio de efeitos obrigacionais é a causa jurídica dos efeitos reais, mesmo que a produção destes esteja dependente de uma ulterior formalidade, como a transmissão da coisa na doação de bens móveis, não havendo um escrito entre as partes (artigo 947.º, n.º 2). Os negócios com eficácia real não são negócios abstractos: são negócios causais, como, em regra, todos os negócios jurídicos, implicando a insubsistência deles a insubsistência daquela eficácia real e não se precisando, por isso, para atacar esta última, do meio indirecto e aleatório do enriquecimento sem causa (como acontece no princípio da abstracção).

O princípio da causalidade é incindível da protecção da boa-fé de terceiros e até, em certas circunstâncias, da do “primeiro adquirente”. É aliás, o que se verifica em várias das nossas disposições, designadamente, quanto a este, no regime de venda de bens alheios, e, quanto aos outros, no regime dos artigos 243.º e 291.º do Código Civil e, de um modo mais geral, na regulamentação dos títulos de crédito (em que uma defesa rigorosa da lei da circulação, justamente, os terceiros de boa-fé).

E, ainda, a protecção que, independentemente da boa ou má-fé, gozam os terceiros por força do instituto do registo; registo que, se não é condição de validade – e não o é, geralmente, nos sistemas de título, como não o é inclusive, nos sistemas de título e de modo em que este se reduz a uma traditio evanescente –, no entanto, para as coisas de mais vulto económico (nomeadamente, os prédios rústicos e urbanos), é pelo menos condição de eficácia em face de terceiros.

A vigência causalidade não postula forçosamente um numerus clausus das juste causae de atribuição, sendo, pelo contrário, compatível com certa margem de improvisação dos disponentes. É claro que, vigorando entre nós o numerus clausus dos negócios unilaterais (artigo 457.º C.C.), o problema só pode pôr-se para os contratos. 10. IV – Princípio da consensualidade

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Princípio da consensualidade: trata-se do princípio segundo o qual a

«constituição ou transferência de direitos reais sobre determinada coisa dá-se por mero efeito do contrato» (artigo 408.º, n.º 1 C.C.).

Trata-se da constituição do direito real solo consensu, isto é, dependente do mero acordo de vontades.

O contrato que é fonte de efeitos obrigacionais é a própria fonte dos direitos reais, efeitos que só virão, consequentemente, a produzir-se, não havendo outra causa de suspensão desses efeitos (como a inactualidade ou a indeterminação do objecto), desde que o contrato, como tal, seja inválido. É esse o alcance da transmissão ou constituição solo consensu dos direitos das coisas no ordenamento português (artigo 408.º, n.º 1 C.C.), não devendo confundir-se este princípio da consensualidade, que vigora em matéria de direitos das coisas, com o princípio homónimo que conhecemos do negócio jurídico.

A consensualidade só vale para os bens móveis e, mesmo assim, com as importantes excepções da doação, da constituição de penhor, da constituição de hipoteca ou de consignação de rendimentos ou de direitos reais de aquisição de móveis sujeitos a registo, da transmissão da propriedade de navios, e dos regimes específicos das marcas, das patentes, dos modelos e desenhos industriais, das obras de engenho, do estabelecimento mercantil, das quotas das sociedades por quotas e dos títulos de crédito.

Várias situações específicas: i) A doação de bens móveis por força do artigo 947.º, n.º 2 C.C. – ou

é feita por escrito ou é acompanhada de tradição (dom manual); ii) O penhor de coisas (artigo 669.º C.C.) – ou por “entrega da coisa”

ao credor ou a terceiro; ou pela entrega, também ao credor ou a terceiro de “documento que confira a exclusiva disponibilidade dela”; ou ainda “por simples atribuição da composse ao credor, se essa atribuição privar o autor do penhor de dispor materialmente da coisa”.

iii) O penhor de direitos (artigo 681.º, n.º 1 C.C.) – está sujeita à forma e publicidade exigidas para a transmissão dos direitos empenhados;

iv) O penhor de créditos (artigo 681.º, n.º 2 C.C.) – fica sujeito, em princípio, à notificação ao devedor.

v) etc. (ver lições). Se o princípio afirma que sem justa causa – isto é, nos direitos das

coisas convencionalmente estabelecidos, sem a existência e a validade do contrato-título – o efeito real não se produz, o princípio da consensualidade só adianta que essa condição necessária é também suficiente, dispensando-se, ao invés dos sistemas de modo ou de título e modo, o preenchimento de qualquer outra exigência não reconduzível ao contrato, não reconduzível,

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em suma, a uma mera documentação ou autenticação do consenso das partes.

Excepções a este princípio: i) A doação de bens móveis quando não exista escrito – exigência de

traditio – no artigo 947.º, n.º 2 C.C. ii) Na constituição de penhor de coisas – exigência de traditio em

qualquer das modalidades do artigo 669.º C.C. iii) Na constituição do penhor de crédito – exigência de notificação

do devedor ou equipolente; iv) Na constituição da hipoteca – exigência do registo.

11. V – Princípio da publicidade O princípio da consensualidade requer, como compensador, o

princípio da publicidade: o princípio de que, sendo um direito erga

omnes, do direito das coisas deve ser conhecido ou cognoscível das pessoas que virtualmente ele afecte, designadamente de terceiros.

Se inter partes o efeito constitutivo ou translativo se produz, em regra, solo consensu, é óbvio que o aspecto externo do direito real tem de exigir uma publicidade suficiente para se dar a conhecer a terceiros um fenómeno que por definição lhe diz respeito.

O sistema de registo é meramente declarativo, com a única excepção da hipoteca, do artigo 687.º e artigo 6.º, n.º 2 CRPredial.

Noção de terceiros para fins de registo (MANUEL ANDRADE): «as pessoas que do mesmo autor ou transmitente adquiram direitos conflituantes (total ou parcialmente) sobre o mesmo objecto.

Não confusão entre a noção de terceiros para fins de registo e a noção de terceiros para efeitos dos artigos 243.º e 291.º do C.C.: Enquanto aqui terceiros são todos os que, integrando-se na cadeia de transmissões, vêm a ser afectados por uma invalidade anterior ao próprio acto, acto em que foram intervenientes, ali serão exclusivamente aqueles que do mesmo causante recebem direitos incompatíveis sobre o mesmo objecto. Ao invés do artigo 243.º, em que a causa da invalidade é a simulação, e do artigo 291.º em que a causa da invalidade é qualquer uma das outras (com exclusão das que provocam inexistência), o jogo do instituto do registo só permite cobrir situações em que a causa de invalidade é apenas a «aquisição a non domino». Neste caso, o adquirente a non domino – que é por força de uma anterior disposição pelo seu causante do direito de que dispõe os seus benefícios ou de um direito incompatível com este – pode vir a prevalecer sobre o primeiro adquirente, ou o adquirente a non domino, desde que tratando-se de um bem sujeito a registo, tenha procedido a esse registo antes ele ser feito pelo primeiro adquirente. Embora a disposição para este primeiro adquirente fosse em si

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válida, como sem o registo o acto era ineficaz em face de terceiros, essa disposição não prevalece sobre uma ulterior disposição que se submeta com precedência a esses registos e não tenha outras causas de anulabilidade ou nulidade. Se outras causas existem, o segundo adquirente já não é protegido pela precedência da sua inscrição, não lhe valendo esta nem para efeitos do remédio do artigo 291.º, pois, enquanto participe da nota anulável ou nulo, não é obviamente terceiro para fins desse artigo e, por consequência, terceiro de boa-fé.

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FICHA DE LEITURA N.º 07 DO

ESBOÇO DE UM CURSO DE DIREITOS REAIS 2013-2014

OBJECTIVOS E TÓPICOS A RETER

PARTE II – DIREITO DAS COISAS (DIREITOS REAIS): PARTE ESPECIAL DOS DIREITOS DAS COISAS EM ESPECIAL CAPÍTULO I – OS DIREITOS REAIS DE GOZO 1. NOTAS INTRODUTÓRIAS

Talvez imbuído pela máxima romana “omnis definitio in iure civili

periculosa est”, ou seja, toda a definição em direito civil é perigosa, o legislador português não se preocupou em definir, no Código Civil de 1966, o direito de propriedade, apenas tendo aludido ao seu normal conteúdo De facto, o artigo 1305.º dispõe: «O proprietário goza de modo

pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que

lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições

por elas impostas». Segundo a doutrina não podemos dizer que estamos perante uma

verdadeira noção de propriedade por duas razões específicas: i) O gozo não é específico da propriedade; ii) Pode haver proprietários sem o uso e a fruição e também sem o

direito de disposição. Apesar da reticência definitória dalguma doutrina, podemos apontar

duas tentativas nesta matéria. A posição de OLIVEIRA ASCENSÃO – que se traduziria no

«direito real que outorga a universalidade dos poderes que à coisa se podem referir».

A posição de CARVALHO FERNANDES – que considera que se trata do «direito real máximo, mediante o qual é assegurada a certa pessoa, com exclusividade, a generalidade dos poderes de aproveitamento global das utilidades de certa coisa».

2. O direito de propriedade 2.1. Alguns aspectos gerais do direito de propriedade

O objecto – O artigo 1302.º C.C. dispõe que «Só as coisas

corpóreas, móveis ou imóveis podem ser objecto do direito de propriedade

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regulado neste código». E, mais adiante, o artigo 1302.º C.C. refere, no seu n.º 1, que os «direitos de autor e a propriedade industrial estão sujeitos a

legislação especial». Cumpre, igualmente, aludir, para se ter uma “imagem” correcta aludir aos artigos 1344.º, n.º 1 e n.º 2, que estabelece os limites materiais, referindo-se que (n.º 1) a «propriedade dos imóveis

abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo,

com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por

lei ou negócio jurídico». Por seu turno, o n.º 2, referia o ímpeto proprietarístico ao dispor que: «O proprietário não pode, todavia, proibir

os actos de terceiro que, pela altura ou profundidade a que têm lugar, não

haja interesse em impedir». Em síntese, poder-se-ia ser tentando a recuperar a máxima dos

Glosadores “usque ad sidera (ou ad coelum) et usque ad inferos (ou ad

profundum)”: até aos astros e às profundezas. As características – A partir do disposto no artigo 1305.º C.C. em

matéria de conteúdo do direito de propriedade, podem destacar-se as seguintes notas:

1.º A indeterminação: significa que o proprietário tem poderes indeterminados, ao contrário dos direitos reais limitados que têm um conteúdo preciso, determinado pela lei ou fixado pelos particulares em casos excepcionalmente permitidos. Trata-se de uma consequência da plenitude.

2.º Exclusividade: sobre a mesma coisa só pode haver um direito de propriedade.

3.º Elasticidade: extinto um direito real que a limite, a propriedade reconstitui-se plenamente. Este efeito, resultante da sua força expansiva ou atractiva (vis attractiva) é produzido automaticamente logo que cessem os ónus ou direitos reais que a comprimem ou reduzem.

Um pequeno esboço da evolução histórica do direito de propriedade. Na Época Pré-Romana. No Direito Romano. No Direito Medieval. No Direito Moderno. Remissão.

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Natureza jurídica do Direito de Propriedade. Principais posições Doutrinárias

Podemos destacar duas doutrinas diferenciadas nesta matéria. 1.ª A teoria da pertença: a propriedade traduz a ideia do meu por

oposição ao que é de outros. Consiste na relação de subordinação de uma coisa face ao proprietário. Crítica: esta ideia de pertença não explica a diferença que separa a propriedade dos restantes direitos reais e, portanto, não se considera satisfatória.

2.ª A teoria do senhorio: atribuída à Pandectística e consagrada no Código Napoleónico, entende que a propriedade é o direito real mais extenso que o ordenamento jurídico permite sobre uma coisa. Apoia-se na indeterminação dos poderes atribuídos ao proprietário que, por virtude da sua vastidão é impossível enumerar exaustivamente. Crítica: Ignora, v.g., que o usufrutuário «tem muito mais poderes sobre a coisa do que o nu proprietário», questionando-se «quem tem o senhorio da coisa?».

No panorama português predominam os adeptos da teoria do senhorio.

MOTA PINTO – destaca, como uma das notas que caracterizam a propriedade, os poderes indeterminados do proprietário, referindo que «no direito de propriedade, o titular tem, em princípio, todos os poderes».

HENRIQUE MESQUITA – insiste na ideia de que «dentro dos limites traçados pela ordem jurídica, o dominus tem o monopólio das vantagens que a coisa é susceptível de proporcionar (e) embora as restrições e vinculações a que a lei sujeita a propriedade (especialmente a propriedade sobre imóveis) sejam cada dia mais intensas, ela é ainda hoje, como era no direito romano, uma plena in re potestas».

OLIVEIRA ASCENSÃO – A propriedade «concede a universalidade dos poderes que se podem referir à coisa». De tal modo que «o proprietário tem a vocação para o gozo» e «este pode em concreto faltar sem que em nada se toque a essência do direito: a propriedade fica então reduzida a um elemento qualitativo a que podemos também nós chamar casco ou raiz; mas como os poderes foram concedidos como universalidade, eles automaticamente se expandem quando a restrições desaparecer».

CARVALHO FERNANDES – refere que a «essência da propriedade reside na sua aptidão para abarcar a generalidade dos poderes que permitam o total aproveitamento da utilidade de uma coisa, o que lhe dá carácter de exclusividade». De tal modo que considera que «não deixa de haver propriedade ainda quando alguns desses poderes são destacados e atribuídos a outrem, pois a tendência para a universalidade se mantém». Daí que, «extinto o direito limitativo ou onerador, a propriedade expande-se e retoma o seu conteúdo pleno».

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SANTOS JUSTO: tendo assinalado as características da indeterminação, exclusividade e elasticidade ao direito de propriedade, inclina-se para a teoria do senhorio.

Modalidades do Direito de Propriedade

Se é certo que é duvidoso, na doutrina, a possibilidade de apontar

várias modalidades ao direito de propriedade, do que não se pode duvidar é que alguma doutrina não hesite em identificar: i) a propriedade perpétua; ii) a propriedade resolúvel; iii) a propriedade temporária.

Vejamos em que consiste cada uma delas.

i) A propriedade perpétua. A propriedade perpétua caracteriza-se por não cessar pelo decurso

de um prazo: semel dominus semper dominus – Uma vez proprietário, sempre proprietário!

A propriedade é perpétua por diversas razões: 1.º Não se extingue pelo não uso. Razão: o não uso seria ainda uma

forma de a (não) usar! 2.º As transmissões não obstam ao carácter de perpetuidade da

propriedade: «La propriété se perpetue en se transmettant». Trata-se da propriedade-regra: i) imprescritibilidade da acção de

reivindicação; ii) excepcionalidade da extinção do direito de propriedade pelo não uso.

A regra seria confirmada pela excepção: propriedade temporária.

ii) A propriedade temporária. O artigo 1307.º, n.º 2 do C.C. não deixa dúvidas sobre a

excepcionalidade deste tipo de propriedade. Aí se dispõe: «A propriedade temporária só é admitida nos casos especialmente previstos na lei», ou seja, nos casos de propriedade constituída por um certo lapso de tempo.

São exemplos de propriedade temporária: a) Propriedade do fiduciário que é um proprietário a termo: o seu

direito termina com a sua morte – artigo 2286.º, 2290.º e 2293.º C.C. b) O direito de superfície quando, no respectivo título constitutivo, se

tenha convencionado que, ao fim de certo tempo, a propriedade da obra ou das árvores reverte para o dono do solo – artigo 1538.º, n.º 1 C.C. – etc.

Consequências da constituição da propriedade temporária fora das situações legalmente proibidas: a nulidade (artigo 294.º C.C.), com a eventual possibilidade de conversão num outro direito real (v.g., usufruto) se estiverem presentes demais requisitos.

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iii) A propriedade resolúvel.

Trata-se da propriedade constituída sob condição resolutiva, nos

termos da abertura legal do artigo 1307.º, n.º 1 C.C. Podem apontar-se os seguintes exemplos: a) A propriedade dos bens deferidos aos sucessores do ausente, com

base na sua morte presumida, que lhe será devolvida se regressar ou houver dele notícias (artigo 119.º C.C.).

b) A propriedade dos bens que um dos cônjuges tenha recebido do outro por doação ou testamento, que voltará ao autor da liberalidade ou passará para os seus herdeiros, se o cônjuge beneficiado contrair novo casamento sem respeitar o prazo internupcial (artigo 1650.º, n.º 1 C.C.);

c) A propriedade dos bens doados para casamento, que regressará ao doador ou herdeiros se ocorrer divórcio ou separação judicial de pessoas e bens por culpa do donatário (artigo 1760.º, n.º 1, alínea b), do C.C.).

d) A venda em que se reconhece ao vendedor a possibilidade de resolver o contrato e, portanto, readquirir a propriedade da coisa vendida – artigo 927.º e seguintes (venda a retro).

e) A propriedade resolúvel, em certo sentido, segundo SANTOS JUSTO, também é temporária: o proprietário que adquiriu sob condição resolutiva perde a propriedade com a verificação da condição acordada (MOTA PINTO).

Limitações legais ao Direito de Propriedade. Breves notas Introdutórias.

Importa referir que se utiliza a terminologia limitações, em

detrimento da de restrições (ou limitações ou restrições), para afastar o erro que tal expressão induz. Sobre esta matéria, OLIVEIRA ASCENSÃO alerta para o facto de o termo restrições inculcar «que todas as intervenções legais têm carácter negativo», quando «podem recair sobre os sujeitos obrigações positivas» que «não deixa(m) de representar uma restrição ou limitação dum direito real».

As limitações em nome do interesse público

1. O caso das expropriações – Com assento Constitucional no

artigo 65.º, n.º 2 CRP, aí se refere que a expropriação «só pode ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização». Por seu turno, o artigo 1308.º C.C. dispõe que «Ninguém pode ser privado,

no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados

na lei».

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Com base na regulamentação legal da matéria da expropriação podem retirar-se, segundo SANTOS JUSTO, duas regras fundamentais:

a) A indemnização não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo causado ao expropriado;

b) O prejuízo mede-se pelo valor real e corrente dos bens expropriados e não pelas despesas que eventualmente haja de suportar para obter a substituição da coisa expropriada por outra equivalente.

Consequências da noção de utilidade pública ao nível do regime

das expropriações: a) Exclui a possibilidade de haver expropriação sem o

reconhecimento e declaração da utilidade pública; b) Se os bens não forem afectados a essa utilidade pública, a

expropriação perde a sua razão de ser e, em consequência, o expropriado goza do direito de reversão: a faculdade de recuperar o seu direito sobre o bem expropriado.

Natureza jurídica da expropriação: instituto público,

relativamente ao qual a doutrina diverge sobre se o beneficiário adquire o direito a título derivado ou originário: se «o direito do expropriante, uma vez constituído, em nada padece dos vícios de que podia enfermar o direito anterior»; ou se se trata de um direito que se constitui ex

novo, ou seja, uma aquisição originária. 2. Requisição – O artigo 62.º, n.º 2 da CRP alude à requisição nos

mesmos termos em que o faz para a expropriação: «só pode ser efectuada

com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização». Por seu turno, as requisições, segundo o artigo 1309.º C.C. só poderão ocorrer nos casos previstos na lei, por certo tempo, e relativamente a bens do domínio privado.

Noção doutrinária de requisição: acto administrativo pelo qual um órgão competente impõe a um particular, verificando-se as circunstâncias previstas na lei e mediante indemnização, a obrigação de prestar serviços, ceder coisas móveis ou semoventes ou consentir na utilização temporária de quaisquer bens necessários à realização do interesse público e não convenha procurar no mercado.

Distinção da requisição da expropriação por utilidade pública: a) Pode incidir sobre coisas móveis ou imóveis (enquanto a

expropriação é privativa de imóveis) e pode consistir num facere (serviço pessoal).

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b) Por outro lado, enquanto a expropriação é uma transferência coactiva do domínio, a requisição tanto pode ter por objecto a propriedade, como o gozo ou uso de uma coisa.

c) Finalmente, a requisição é limitada no tempo: não pode exceder doze meses, seguidos ou interpolados, em relação a cada bem, nos termos do artigo 80.º, n.º 2 do Código das Expropriações.

3. Outras situações – Existem no Código Civil outras situações em

que a propriedade é limitada em virtude do interesse público: a) No caso de fraccionamento e emparcelamento de prédios

rústicos: a lei proíbe o fraccionamento de terrenos aptos para cultura em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima que corresponde à unidade de cultura fixada para cada zona do País.

http://www.drapc.min-agricultura.pt/drapc/servicos/ran/ran_fraccionamento_pr.htm Enquadramento legal O fraccionamento de prédios rústicos obedece ao estipulado na Portaria nº 202/70, de 21 de Abril, isto é, nas parcelas resultantes do parcelamento de prédios rústicos devem-se verificar uma das vertentes de Unidade de Cultura regulamentadas nesta Portaria, para o distrito onde se situam os prédios em causa. A unidade de cultura está fixada, em Portugal Continental, nos termos definidos na Portaria n.º 202/70, de 21 de Abril, sendo na área territorial da DRAPC as que constam no quadro seguinte: REGIÕES TERRENOS DE REGADIO (ha) TERRENOS DE

SEQUEIRO (ha) CULTURAS ARVENSES

CULTURAS HORTÍCOLAS

Aveiro, Viseu, Coimbra, Leiria

2,00 0,50 2,00

Guarda, Castelo Branco 2,00 0,5 3,00 Para efeitos de fraccionamento de prédios rústicos, maioritariamente localizados nas áreas incluídas na Reserva Agrícola Nacional, a unidade de cultura corresponde ao triplo da área fixada para os respectivos terrenos e região. O fraccionamento de explorações agrícolas economicamente viáveis obedece ao regulamentado nas alíneas a), b), c) e d), do artigo 20.º, do Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro, e artigos 44.º, 45.º, do Decreto-Lei n.º 103/90, de 22 de Março, ou seja, a divisão em substância de prédio rústico ou de conjunto de prédios rústicos que formem uma exploração agrícola economicamente viável só poderá realizar-se: Para efeitos de redimensionamento de outras explorações, nos termos da lei referida; Para reconversão da própria exploração ou se a sua viabilidade técnico-económica não for gravemente afectada; Se da divisão resultarem explorações com viabilidade técnico-económica; Se do fraccionamento não resultar grave prejuízo para a estabilidade ecológica. Como proceder A divisão de um prédio rústico ou conjunto de prédios rústicos que formem uma exploração agrícola apenas se pode realizar sob parecer favorável da Direcção Regional de Agricultura e Pescas territorialmente competente, emitido a requerimento do interessado no prazo máximo de 30 dias úteis. Em anexo, apresenta-se uma minuta de requerimento com indicação dos documentos necessários à instrução do processo. Legislação aplicável Decreto-lei n.º 384/88, de 25 de Outubro; Decreto-lei n.º 103/90, de 22 de Março com a nova redacção dada pelo Decreto-lei n.º 59/91, de 30 de Janeiro; Portaria n.º 202/70, de 21 de Abril; Decreto-lei n.º 73/2009, de 31 de Março.

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Justificação da solução: interesses económico e sociais: i) Porque o fraccionamento de prédios em tamanho pequeno é um

dos factores que justifica a sua fraca produtividade; ii) Porque as reduzidas dimensões dos prédios podem favorecer a

conflitualidade entre vizinhos. b) Atravessadouros: O Código manteve os atravessadouros que,

com posse imemorial, se dirijam a ponte ou fonte de manifesta utilidade pública, enquanto não existirem vias públicas que facilitem o seu acesso.

As limitações em nome do interesse privado

1. Fumo, ruídos e factos semelhantes – O artigo 1346.º do Código

Civil determina que «o proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão

de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção

de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de

prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial

para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de

que emanam». Requisitos de aplicação do mencionado preceito: i) As emissões devem provir de prédios vizinhos, mas não

necessariamente contíguos; ii) O prejuízo substancial deve ser aferido pelo fim a que o imóvel se

encontra afectado e não pelas condições especiais em que o seu proprietário porventura se encontre.

Cumpre precisar que o uso normal depende do destino económico do

prédio que deve ser apreciado também objectivamente, sem prejuízo das condições e dos usos locais.

São ilícitas as emissões desnecessárias, seja qual for o dano que causem aos prédios vizinhos: tais emissões ou traduzem o uso anormal do prédio de que emanam ou envolvem um abuso do direito.

Dúvida interpretativa: os requisitos da lei (prejuízo substancial

para o imóvel; não resultem da utilização normal do prédio de que

emanam) funcionam alternativamente ou conjuntamente. A tese do argumento literal («ou») favorece a tese do carácter

alternativo. A tese da razoabilidade (funcionamento conjunto): questionando-se

se um proprietário se pode opor a uma emissão que não lhe cause prejuízo, só porque não corresponde ao uso normal do prédio vizinho.

2. Instalações prejudiciais – Nesta matéria deparamo-nos com duas

situações diferenciadas.

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Primeira situação – artigo 1347.º, n.º 1 C.C. – «O proprietário não

pode construir ou manter no seu prédio quaisquer obras, instalações ou

depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas, se for de recear que

possam ter sobre o prédio vizinho efeitos nocivos não permitidos por lei». Segunda situação – artigo 1347.º, n.º 2 C.C. – «Se as obras,

instalações ou depósitos tiverem sido autorizados por entidade pública

competente, ou tiverem sido observadas as condições especiais prescritas

na lei para a construção ou manutenção deles, a sua inutilização só é

admitida a partir do momento em que o prejuízo se torna efectivo». A expressão «nocivos não permitidos por lei» afasta da proibição

legal as obras que, embora possam prejudicar os vizinhos, são legalmente permitidas; e, por outro lado, há efeitos nocivos que só indirectamente atingem o prédio, desvalorizando-o em maior ou menor medida: v.g., afectando a segurança, a saúde ou tranquilidade das pessoas.

A ideia de «receio» deve ser analisada em termos objectivos. Por último, a alusão legal «em qualquer dos casos» significa que a

lei não exige a culpa na produção do dano. 3. Escavações – Nos termos do artigo 1348.º, n.º 1 C.C., o

proprietário pode «abrir, no seu prédio, minas ou poços e fazer escavações,

desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar

desmoronamentos ou deslocações de terra». Por seu turno, o n.º 2 dispõe: «Logo que venham a padecer danos com as obras feitas, os proprietários

vizinhos serão indemnizados pelo autor delas mesmo que tenham sido

tomadas as precauções julgadas necessárias». Dispensa-se a culpa na produção do dano. 4. Passagem forçada momentânea – Nos termos do artigo 1349.º,

n.º 1 C.C., o proprietário de prédio vizinho é obrigado a consentir que sobre o mesmo sejam levantados andaimes, colocados objectos, passem materiais ou sejam praticados actos análogos indispensáveis à reparação ou construção de algum edifício.

É permitido, igualmente, o acesso a prédio alheio no caso de alguém pretender recuperar uma determinada coisa sua que acidentalmente aí se encontre, ainda que se preveja a possibilidade do proprietário impedir tal acesso desde que entregue a coisa (alheia) ao seu dono, conforme dispõe o artigo 1349.º, n.º 2 C.C., ainda que se preveja a faculdade de ter de ser indemnizado pelos eventuais prejuízos causados por essa passagem (forçada).

A expressão «se para reparar algum edifício ou construção» deve sofrer uma interpretação extensiva que consagre a expressão «se para

reparar ou levantar algum edifício ou construção». Requisitos legais:

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i) Indispensabilidade da utilização do prédio alheio; ii) A circunstância do proprietário vizinho estar obrigado a consentir

o acesso ao seu prédio justifica a possibilidade de se exercer a acção directa.

5. Ruína ou construção – Nos termos do artigo 1350.º C.C., o

proprietário de prédio vizinho goza do direito de exigir, a quem for responsável pelos danos, que tome as providências necessárias para eliminar o perigo da ruína de edifício ou obra.

Requisitos legais: i) Pressupõe que as ameaças provenham de edifício ou outra obra; ii) Que o receio do proprietário seja fundado, sendo irrelevante o

excesso de temor. 6. Escoamento natural das águas – O artigo 1351.º, n.º 1 C.C.

determina que «os prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que,

naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores,

assim como a terra e entulhos que elas arrastam na sua corrente». Deste modo, o artigo 1351.º, n.º 2 C. C. proíbe os proprietários dos

prédios inferior e superior de fazerem obra que, respectivamente, estorve ou agrave o escoamento, «sem prejuízo da possibilidade de constituição da

servidão legal de escoamento, nos casos em que é admitida». É entendimento doutrinário pacífico que não é suposta, como

necessária, a contiguidade dos prédios: exige-se unicamente que um seja superior em relação ao outro, para que se possa verificar o decurso natural.

Consequências da lesão: i) Direito a indemnização; ii) Destruição das obras que, respectivamente, alterem o curso

natural ou estorvem ilicitamente o seu escoamento, como prevenção de danos futuros.

7. Obras defensivas das águas – São várias as situações previstas

pelo actual Código Civil. 1.ª Situação: se, num prédio, houver obras defensivas para conter as

águas ou se tornar necessário construir obra nova por causa da variação do curso das águas, o seu proprietário «é obrigado a fazer reparos precisos ou

a tolerar que os façam, sem prejuízo dele, os donos dos prédios que

padeçam danos ou estejam expostos a danos iminentes», nos termos do artigo 1352.º, n.º 1 C.C.

2.ª Situação: se for necessário retirar, de um prédio, materiais cuja acumulação ou queda estorve o curso das águas, com prejuízo ou risco de terceiro, as obrigações do proprietário são as mesmas, nos termos do artigo 1352.º, n.º 2 C.C.

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Mais à frente, o n.º 3 dispõe: «todos os proprietários que participam

do benefício das obras são obrigados a contribuir para as despesas delas,

em proporção do seu interesse, sem prejuízo da responsabilidade que

recaia sobre o autor dos danos». Nesta matéria existe divergência doutrinal: Para uma doutrina, o proprietário tem o direito e não a obrigação

de reparar e só quando não queira usar desse direito, os terceiros podem intervir. Ou seja, por um lado, está sujeito a uma obrigação de prestação alternativa: i) Fazer os reparos ou tolerar que outrem os faça; ii) Por outro lado, é titular do direito potestativo de escolher entre estas prestações disjuntivas.

Para outra doutrina, o proprietário tem a obrigação de fazer as obras e, se o não fizer, os interessados poderão fazê-las, sendo, segundo MENEZES CORDEIRO, o mesmo «responsável pelo suplemento de

despesas que essa inércia possa acarretar para os vizinhos e pelos demais

danos que daí possam advir». 8. Construções e edificações – O proprietário que, no seu prédio,

levante edifício ou outra construção, não pode: a) Segundo o artigo 1360.º, n.º 1 C.C., abrir janelas ou portas que

deitem directamente sobre o prédio vizinho, sem deixar, entre este e cada uma das obras, o intervalo de metro e meio;

b) Segundo o artigo 1360.º, n.º 2 C.C., construir varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte.

Justificação: evitar que o prédio vizinho seja facilmente objecto da indiscrição de estranhos e devassado com o arremesso de objectos.

Casos em que as restrições não se aplicam: 1.º Os prédios estiverem separados por estrada, caminho, rua,

travessa ou outra passagem por terreno do domínio público, nos termos do artigo 1361.º C.C.

2.º As aberturas consistirem em frestas, seteiras ou óculos para luz e ar situadas, pelo menos, a um metro e oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado e não tenham, numa das suas dimensões, mais do que quinze centímetros, artigo 1363.º C.C.

Duas situações não previstas legalmente: a) A abertura de frestas, seteiras ou óculos para luz e ar (e janelas

gradadas) fora das condições legalmente fixadas pode conduzir à aquisição de servidão (de vistas) por usucapião? Há quem responda afirmativamente.

b) Podem os vizinhos constituir uma servidão que afaste a construção de casa ou contramuro que vede aquelas aberturas? Responde-

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se afirmativamente, com o argumento de que a proibição legal é prescrita por motivos de interesse e ordem pública.

O artigo 1364.º C.C. implica que as janelas gradadas, para evitar a devassa, devem ser revestidas de uma grade fixa de ferro ou com metal; o metal não deve ter secção inferior a um centímetro quadrado; a malha não deve ser superior a cinco centímetros; e a janela deve estar mais de metro e oitenta centímetros a contar do solo ou do sobrado.

9. Estilicídio – O artigo 1365.º, n.º 1 refere que o «proprietário deve

edificar de modo que a beira do telhado ou outra cobertura não goteje

sobre o prédio vizinho, deixando um intervalo mínimo de cinco decímetros

entre o prédio e a beira, se de outro modo não puder evitá-lo». O n.º 2, por seu turno, esclarece que: «Constituída por qualquer

título a servidão de estilicídio, o proprietário do prédio serviente não pode

levantar edifício ou construção que impeça o escoamento das águas,

devendo realizar as obras necessárias para que o escoamento se faça

sobre o seu prédio, sem prejuízo para o prédio dominante». Esta obrigação legal de suportar o escoamento das águas pluviais só

existe quando caiam gota a gota nos prédios inferiores. 10. Plantação de árvores e arbustos – O artigo 1366.º aborda a

temática da plantação de árvores e arbustos por parte do dono de um prédio até à sua linha divisória. Dispondo-se que ao proprietário do prédio vizinho é concedida a faculdade de:

a) Rogar judicial ou extrajudicialmente ao dono das árvores que arranque e corte as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem;

b) Arrancar e cortar as raízes e o tronco ou ramos se o dono da árvore não o fizer dentro de três dias.

Nesta matéria, deve tomar-se em linha de conta a legislação

específica existente ao nível da plantação de eucaliptos, acácias e outras árvores igualmente nocivas.

O vizinho prejudicado com as árvores não tem o direito de pedir uma indemnização ao seu dono, porque pode evitar os danos exercendo a faculdade que a lei lhe concede.

Alguns problemas específicos nesta temática: a) Se o dono das árvores (v.g., videiras) as amarrar a esteios que

inclina sobre o prédio vizinho ou existam neste prédio, poderá adquirir, por via possessória, um direito de servidão predial? Alguma doutrina entende que sim, embora pratique um ilícito: a inclinação sobre o prédio vizinho não é efeito do crescimento natural das plantas.

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b) Se, durante vários anos, o proprietário do prédio vizinho não pedir que o dono das árvores corte as raízes, o tronco e os ramos que se infiltraram ou inclinaram sobre o seu prédio nem os cortar, se o dono o não fizer dentro de três dias (artigo 1366.º, n.º 1 C.C.), este adquire, por usucapião, a servidão predial que lhe permite defender a manutenção das raízes, tronco e ramos na situação referida?

Resposta negativa com base em dois argumentos: i) O dono da árvore não tem o animus possidendi e, portanto, a posse

que lhe permita usucapir; ii) Porque aquela faculdade que a lei confere ao proprietário do

prédio invadido pelas raízes ou sobre o qual propendem o tronco ou os ramos não prescreve: integra-se no direito de propriedade que não se extingue pelo não exercício.

c) O proprietário do prédio invadido pelas raízes, tronco ou ramos de árvore alheia pode obrigar o seu dono a fazer os cortes? A resposta tem sido negativa.

Todavia, há quem entenda que em relação a árvores plantadas junto de muros ou prédios urbanos alheios, a infiltração das suas raízes pode causar ao vizinho danos avultados sem ter a possibilidade de os evitar, a não ser demolindo, no todo ou em parte, a construção atingida. Daí que se defenda que lhe seja concedido o direito de impor ao dono das árvores a prática dos actos necessários (corte das raízes ou mesmo das árvores) para evitar esses danos, embora se reconheça que se trata duma situação excepcional: não se aplicaria nos casos normais em que o proprietário vizinho tem a possibilidade de cortar as raízes, tronco ou ramos. De contrário, se este pudesse exigir que o dono das árvores os cortasse, cair-se-ia na impossibilidade de fazer plantações junto da linha divisória; e o autor de qualquer plantação ficaria sempre sujeito ao risco de incorrer frequentemente em responsabilidade para com o vizinho.

11. Apanha de frutos – O artigo 1367.º dispõe que o proprietário de

árvore ou arbusto contíguo a prédio de outrem ou com ele confinante pode exigir ao dono deste prédio que lhe permita fazer a apanha dos frutos que não seja possível fazer do seu lado. Impõe-se, todavia, a obrigação de indemnizar os prejuízos que tal acção possa desencadear.

12. Árvores ou arbustos situados na linha divisória – O artigo

1368.º abrange a temática das árvores ou arbustos existentes na linha divisória. Eles presumem-se comuns, ou seja, estamos perante um caso de compropriedade dos proprietários dos prédios vizinhos. Cada um tem a faculdade de os arrancar; o outro, o direito de haver metade do seu valor ou da lenha ou madeira que produzirem, como mais lhe convier.

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O artigo 1369.º C.C. introduz uma importante restrição nesta matéria, visto que se a árvore ou arbusto servirem de marco divisório, ele só pode ser cortado ou arrancado de comum acordo.

13. Direito de tapagem – O artigo 1353.º do Código Civil determina

que «O proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a

concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e os

deles». Nos termos do artigo 1356.º C.C., retira-se o seguinte conteúdo de tal

direito de tapagem: a possibilidade de, a todo o tempo, «o proprietário

murar, valar, rodear de sebes o seu prédio, ou tapá-lo de qualquer modo». Importa identificar o carácter não taxativo dos modos de tapagem. São várias as formas previstas no Código Civil: a) Valas, regueiras e valados – «O proprietário que pretenda abrir

vala ou regueira ao redor do prédio é obrigado a deixar mota externa de

largura igual à profundidade da vala e a conformar-se com o disposto no

artigo 1348.º». Se fizer valado, «deve deixar externamente regueira ou

alorca, salvo havendo, em qualquer dos casos, uso da terra em contrário» (artigo 1357.º C.C.).

b) Sebes vivas – é proibida a sua plantação nas extremas dos prédios sem previamente se colocarem marcos divisórios.

Justificação ou ratio: evitar que se plantem sebes e o dono as vá aparando por dentro, fazendo-as avançar sobre terreno vizinho e usurpando o seu terreno.

14. Limitações convencionais – As limitações convencionais, nos

termos do artigo 1306.º C.C., encontram-se sujeitas ao princípio da

tipicidade ou numerus clausus. Distinção: Limitações permitidas por lei: como acontece nas figuras dotadas

de flexibilidade ou elasticidade que se configuram como tipos (relativamente abertos) e nada obsta à sua constituição no âmbito legalmente consagrado;

Limitações contrárias à lei: São nulas, mas, por efeito de conversão legal, produzem efeitos obrigacionais, nos termos do artigo 1306.º, n.º 1 C.C.; ou podem ser convertidas noutro direito real legalmente admitido.

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FICHA DE LEITURA N.º 08 DO

ESBOÇO DE UM CURSO DE DIREITOS REAIS

ANO LECTIVO 2013-2014

OBJECTIVOS E TÓPICOS A RETER

AQUISIÇÃO – MODOS DE AQUISIÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE

No encalço da Escola Racionalista do Direito, podem identificar-se

dois modos de aquisição do direito de propriedade:

Aquisição originária: o direito de propriedade surge ex novo com

base no contacto imediato com a coisa e na total independência de alguma

relação jurídica que eventualmente ligue o proprietário adquirente a outro

sujeito.

Aquisição derivada: o direito do novo proprietário deriva do antigo

através duma relação jurídica idónea.

MODALIDADES DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA

1. Ocupação. 1.1. Caracterização.

Noção de ocupação: trata-se da apropriação ou tomada de posse de

uma coisa que não tem ou deixou de ter dono.

Coisas que podem adquirir-se por ocupação: i) Os animais;

ii) Outras coisas móveis que nunca tiveram dono (res nullius);

iii) Outras coisas móveis que foram abandonadas (res

derelictae);

iv) Outras coisas móveis perdidas ou escondidas pelos seu

proprietários.

Requisitos ou elementos: 1. Pessoal: o ocupante deve ser uma pessoa com capacidade de gozo

bastante, embora não se exija a capacidade de exercício;

2. Real: a coisa ocupável deve ser res nullius que, em sentido amplo,

compreende as coisas que nunca tiveram dono ou, porque abandonadas,

deixaram de o ter; deve ser móvel visto que os imóveis sem dono

conhecido pertencem ao Estado (nos termos do artigo 1345.º C.C.); e,

finalmente, deve ser susceptível de apropriação privada, ou seja, estar no

comércio.

3. Formal: é a tomada de posse da coisa. Porém, a doutrina diverge

sobre a exigência do animus occupandi. Há quem o exija e quem o

dispense.

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1.2. Caça e Pesca.

Apesar de o Código Civil remeter esta matéria para legislação

especial, o regime da caça e pesca situa-se no âmbito da ocupação. Daí que

as coisas caçadas ou pescadas são consideradas res nullius e a sua

propriedade é adquirida por apreensão.

1.3. Animais selvagens com guarida própria.

Trata-se do que, classicamente, se denominada de ferae

mansuefactae, ou seja, é uma categoria intermédia: nem são animais

selvagens no estado de liberdade natural (ferae bestiae) nem animais

domésticos. São animais que vivem no seu estado natural e têm o hábito de

se recolherem em guaridas construídas pelo homem, a quem pertencem

enquanto não perderem o hábito de regresso (consuetudo revertendi) e só

se o perderem se tornarão res nullius e, portanto, susceptíveis de ocupação.

O Código Civil prevê os casos de mudança de guarida do animal para a de outro dono, procedendo à seguinte distinção:

1.º Caso: se o dono os puder reconhecer, são adquiridos pelo

proprietário da guarida onde se instalaram – artigo 1320.º, n.º 1 C.C.

2.º Caso: se o dono puder reconhecê-los individualmente, poderá

recuperá-los, desde que não cause dano ao dono da nova guarida – artigo

1320.º, n.º 1 C.C.

3.º Caso: se os animais foram atraídos por fraude ou artifício do

dono da nova guarida, continuam a pertencer ao dono da guarida

abandonada; por isso, devem ser-lhe restituídos e, se não for possível, tem

direito ao triplo do seu valor – artigo 1320.º, n.º 2 C.C.

1.4. Animais ferozes fugidos.

Trata-se de animais (ferozes) que se evadiram da clausura (fugidos)

em que o dono os pôs, podendo ser destruídos ou ocupados livremente por

qualquer pessoa que os encontre.

Trata-se, à primeira vista, de uma solução violenta: não tendo

sido abandonados, não se deviam considerar res nullius e, portanto, seriam

insusceptíveis de ocupação.

Justificação: tratando-se de animais ferozes ou maléficos, é

necessária a sua rápida captura (ou eliminação) para afastar o perigo que a

sua presença envolve.

Observação doutrinária: quer a ocupação quer a destruição do animal

feroz ou maléfico só será lícita quando estiver em condições de fazer mal e

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não quando, por efeito de açaimes, correntes ou outro aparelho, se

encontrar impedido de qualquer acto agressivo.

1.5. Enxames de abelhas.

Nos termos do artigo 1322.º, n.º 1 C.C., o proprietário de enxame de

abelhas tem o direito de o perseguir e capturar em prédio alheio,

respondendo pelos danos que causar (com essa perseguição ou captura).

Estabelece-se o prazo de 2 dias para o proprietário originário

capturar o enxame de abelhas, sob pena de o proprietário do prédio onde se

encontra poder ocupá-lo ou consentir que outrem o ocupe, nos termos do

artigo 1322.º, n.º 2 C.C.

Requisitos: i) A ocupação só pode funcionar se o dono não capturar o enxame no

prazo de dois dias contados a partir da fuga das abelhas;

ii) A não captura funciona como presunção de abandono, tornando as

abelhas res nullius;

iii) Justifica-se o prazo curto de dois dias pelo facto de a actuação

das abelhas denunciar, com antecedência, que estão para enxamear e

porque, não se afastando muito da colmeia-mãe, é geralmente fácil

encontrá-las.

1.6. Animais e coisas móveis perdidas.

Quem encontrar animal ou outra coisa móvel perdida é obrigado a

restituir ou avisar o dono, se o conhecer; e, se não souber a quem pertence,

a anunciar o achado pelo modo mais conveniente (dado o valor das coisas

ou possibilidades locais) ou avisar as autoridades, segundo os usos da terra,

artigo 1323.º, n.º 1 C.C. No caso do achado ter sido anunciado e a coisa

perdida não tiver sido reclamada pelo dono dentro de um ano a contar do

anúncio ou aviso, o achador faz sua a coisa perdida, nos termos do artigo

1323.º, n.º 2 C.C. Se a coisa for restituída, o achador tem direito à

indemnização do prejuízo havido e das despesas que tenha realizado e

ainda um prémio. Por último, o achador goza do direito de retenção e se

entretanto a coisa se perder ou deteriorar, só responde se tiver agido com

dolo ou culpa grave.

Em conclusão: a ocupação da coisa perdida só ocorrerá se,

publicitado o achado, o dono não a reclamar dentro de um ano. A

decorrência do prazo funciona como presunção (iuris et de iure) de

abandono.

Justificação do prémio: i) Compensação da honestidade do achador;

ii) Pelos serviços prestados ao dono, espécie de gestão de negócios;

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iii) Como correspectivo das utilidades obtidas para o proprietário.

1.7. Tesouro.

O tesouro é uma coisa móvel valiosa escondida em tempo imemorial,

que deixou de ter dono.

Nos termos do artigo 1324.º, n.º 1 C.C., o legislador adoptou a

solução de Adriano quanto à partilha do tesouro. O n.º 2 determina que «o

achador deve anunciar o achado nos termos do n.º 1 do artigo anterior, ou

avisar as autoridades, excepto quando seja evidente que o tesouro foi

escondido ou enterrado há mais de vinte anos». Se o achador não cumprir

esta exigência ou «fizer o achado ou parte dele seu, sabendo quem é o

dono, ou ocultar do proprietário da coisa onde ele se encontrava, perde em

benefício do Estado os direitos (que lhe são) conferidos». E se, depois de

anunciado o achado ou avisadas as autoridades, não for possível determinar

o dono, o descobridor torna-se proprietário de metade do achado,

pertencendo a outra metade ao proprietário da coisa móvel ou imóvel onde

estava escondido ou enterrado – artigo 1324.º, n.º 1 C.C.

Distinção do tesouro da coisa perdida ou abandonada: i) A coisa descoberta foi escondida ou enterrada.

ii) Não sendo produzido periodicamente, não se confunde com os

frutos e, por isso, se for descoberto pelo usufrutuário, este é apenas havido

como achador, cabendo ao proprietário metade.

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FICHA DE LEITURA N.º 13 DO

ESBOÇO DE UM CURSO DE DIREITOS REAIS 2013-2014

CASOS PRÁTICOS DE APOIO

3. O usufruto

3.1. Noção

O direito de usufruto é, nos termos do artigo 1439.º C.C., «o direito

de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar

a sua forma ou substância».

3.2. Características Podem apontar-se as seguintes características ao direito de

usufruto: 1.º Direito real de gozo: o usufrutuário detém poderes de uso,

fruição e administração da coisa ou direito como um bom pai de família, sempre com o respeito do destino económico da coisa (artigo 1446.º C.C.). O legislador previu, no artigo 1444.º, n.º 1 a possibilidade de trespasse, por parte do usufrutuário, do seu direito a outrem, seja de forma definitiva, seja a título provisório, bem como a possibilidade da sua oneração com o respeito pelas restrições impostas pelo título constitutivo ou pela lei. Todavia, o usufrutuário, por força do disposto no n.º 2, responde pelos danos que as coisas padecerem por culpa das pessoas que o substituir.

2.º Não exclusividade: o direito de usufruto implica a existência de outro direito real sobre a mesma coisa.

3.º Limitado: o usufrutuário não pode alterar a forma ou substância da coisa usufruída e deve também respeitar o seu destino económico.

4.º Temporário: o usufruto não pode exceder a vida do usufrutuário, quando se trate de pessoa física; e a sua duração máxima é a de 30 anos, se for constituído a favor de pessoa colectiva. Havendo prazo estipulado, extingue-se no seu termo, excepto se o usufrutuário morrer antes.

Justificação do carácter não perpétuo: i) A falta de estímulo para a conveniente exploração económica dos

bens; ii) Seria um obstáculo à sua circulação. 5.º Sobre objecto alheio: o usufruto recai sobre uma coisa ou direito

alheio. 3.3. Modalidades

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Nos termos do artigo 1441.º C.C., «o usufruto pode ser constituído

em favor de uma ou mais pessoas, simultânea ou sucessivamente, contanto

que existam ao tempo em que o direito do primeiro usufrutuário se torne

efectivo». Segundo o critério da titularidade, podemos distinguir: i) Usufruto concedido a uma pessoa; ii) Usufruto concedido a duas ou mais pessoas. Relativamente a esta segunda modalidade cumpre distinguir,

consoante seja simultâneo ou sucessivo: 1. Simultâneo: trata-se do usufruto atribuído ao mesmo tempo. É o

que se denomina de situação de contitularidade. Deste modo, se não for estabelecido um determinado prazo certo de duração, o usufruto só se extingue com a morte do último usufrutuário que, entretanto, goza do direito de acrescer.

2. Sucessivo: é o usufruto atribuído sucessivamente a diferentes pessoas. Neste caso, os usufrutuários entram na sua titularidade segundo a ordem indicada no título e depois de cessar o direito do usufrutuário precedente. Não havendo prazo certo, o usufruto extingue-se com a morte do último usufrutuário.

Importa sublinhar que o legislador estabelece uma exigência legal: a

de que as pessoas contempladas com o usufruto existam ao tempo em que o direito do primeiro usufrutuário se torne efectivo.

3.4. Natureza jurídica

À semelhança do que ocorreu com outros direitos reais de gozo,

também em matéria de direito de usufruto, não há entendimento doutrinário acerca da natureza jurídica de tal direito. Podemos destacar as seguintes doutrinas:

1.º A teoria do desmembramento (ou parcelamento) da propriedade: o usufruto constitui um desmembramento ou parcelamento da propriedade.

Crítica: a propriedade tem «traços qualitativos específicos que não podem ser divididos»; que «os outros direitos nada mais fazem do que onerar ou limitar o direito de propriedade»; e que, «se coexistirem sobre essa coisa vários direitos de propriedade, restringir-se-ão todos uns aos outros».

2.º Teoria da propriedade temporária: o nu-proprietário e usufrutuário são proprietários da coisa, mas com faculdades diferentes, avultando a temporalidade do usufrutuário.

Crítica: esta ideia é inaceitável porque o regime legal diverge, isto é, a propriedade, por força da elasticidade, torna-se plena quando se

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extinguem os direitos concorrentes que oneram a coisa. Pelo contrário, o usufruto não pode tornar-se propriedade plena com a extinção do direito correspondente (nua propriedade) pois nada na lei o permite supor. Antes, a lei (artigos 1468.º, 1471.º C.C., etc.), contrapõe o usufrutuário ao proprietário, traduzindo que se está perante um direito menor.

3.º Teoria de um direito real autónomo: o usufruto é um direito real autónomo que onera a propriedade.

3.5. Modos de constituição

O Código Civil de 1966, no seu artigo 1440.º, identifica quatro

modos de constituição do usufruto. A saber: 1.º Por contrato; 2.º Por testamento; 3.º Por usucapião; 4.º Por disposição legal.

3.5.1. Modalidades de constituição do usufruto pela via contratual Ao nível da via contratual, o usufruto pode ser constituído por dois

modos distintos: i) Constituição per translationem – através da qual o proprietário

constitui o usufruto a favor de determinada pessoa (contraparte ou terceiro), ficando com a nua propriedade;

ii) Constituição per deductionem – o proprietário cede a nua propriedade sobre uma coisa e reserva, para si (ou para terceiro) o direito de usufruto.

Vale a pena atentar, nesta última modalidade, que usualmente é constituída por doação, dado que nela o usufrutuário fica dispensado de prestação de caução se o usufruto tiver sido constituído nesta última modalidade.

3.5.2. A disposição testamentária

Uma outra forma de constituição do usufruto é aquela que ocorre por

via testamentária. O testamento configura-se como uma declaração unilateral mediante a qual alguém dispõe do seu património a favor de terceiros in vivo ou mortis causa. O testamento pode, por isso, ser usado para a constituição de um usufruto sobre a universalidade da herança ou apenas sobre uma quota, coisa ou direito que nela se encontra individualizada ou determinado1.

1 Artigo 2030.º, n.º 4 C.C.

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3.5.3. Usucapião

Dada a amplitude definitória adoptada ao nível da matéria da

“usucapião”, compreende-se que aí se inclua a matéria do usufruto («a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo». Conforme realça SANTOS JUSTOS, até determinada altura, existiu uma corrente doutrinária, segundo a qual dado que a posse é equívoca (a posse do proprietário é idêntica à do usufrutuário: ambas traduzem-se no uso da coisa e na recolha dos seus frutos) e sendo impossível distingui-las, não haveria lugar ao usufruto ex vi usucapião.

Mau grado isso, tal posição esbarrava com o facto do elemento subjectivo (animus possidendi) permitir distinguir as duas situações possessórias, daí que bem tenha andado o legislador português ao prever a possibilidade da constituição do usufruto por usucapião.

Aliás, importa não esquecer que a nua propriedade pode ser adquirida por usucapião, visto que a posse pode ser exercida por intermédio de outrem. Basta atentar no facto do proprietário da raiz poder exercer a posse por intermédio do usufrutuário que é possuidor em nome próprio quanto ao direito de usufruto e, simultaneamente, possuidor em nome alheio em relação ao direito de nua propriedade.

3.5.4. Ex vi legis

Uma outra forma de constituição do usufruto é a que ocorre por força

da lei. Trata-se de situações que terminaram com a Reforma de 1977. Tradicionalmente previa-se o usufruto dos pais sobre os bens do filho menor legítimo e o usufruto do cônjuge sobrevivo quando a sucessão legítima fosse deferida aos irmãos ou sobrinhos do de cuius.

3.6. Principais aspectos do regime geral

A regra geral é esta: os direitos e obrigações do usufrutuário são

regulados pelo título constitutivo do usufruto e, na falta ou insuficiência deste, terá de se observar o regime legalmente estipulado, nomeadamente o que decorre da definição constante do artigo 1439.º: «Usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância».

Na ausência de concretização do conteúdo do direito de usufruto, haverá que tomar em linha de conta os seguintes aspectos:

1.º O critério do bom pai de família e destino económico da coisa – Nos termos do artigo 1446.º C.C., o usufrutuário pode usar, fruir e administrar a coisa ou o direito como o faria um bom pai de família e

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sempre no estrito respeito pelo destino económico subjacente à coisa ou direito usufruído.

«Bom pai de família»: conceito plástico e amplo que visa moldar as decisões judiciais à diversidade da vida real.

2.º O direito do proprietário às despesas – momento da sua exigência – Por força do artigo 1447.º C.C., o usufrutuário, ao começar o usufruto, não é obrigado a abonar ao proprietário despesa alguma feita. Todavia, logo que finde o usufruto, o proprietário é obrigado a indemnizar aquele das despesas de cultura, sementes ou matérias-primas e, de um modo geral, de todas as despesas de produção feitas pelo usufrutuário, até ao valor dos frutos que vierem a ser colhidos.

3.7. Principais aspectos do regime especial Em matéria de regime especial do usufruto, importa considerar como deve ser regulada a situação dos frutos alienados antes da colheita, a matéria das acessões, das benfeitorias úteis e voluptuárias, das coisas consumíveis, deterioráveis, do perecimento natural de árvores e arbustos, do perecimento acidental de árvores e arbustos, das matas e árvores de corte, das plantas e viveiros, da exploração de minas, pedreiras, águas, da constituição de servidões, dos tesouros, da universalidade de animais, das rendas vitalícias, dos capitais postos a juro, dinheiro e capitais levantados, prémios e outras actividades aleatórias e títulos de participação.

3.7.1. Alienação de frutos antes da colheita

Por força do artigo 1448.º, caso o usufrutuário haja alienado os frutos

antes da colheita e o usufruto se extinguir antes que sejam colhidos, a alienação subsiste, mas o produto dela pertence ao proprietário, deduzida da indemnização a que o artigo anterior se refere.

Esta norma tem como “ratio” íntima a ideia de que a percepção dos frutos ocorre apenas no momento da colheita, pelo que se trata de evitar o locupletamento do proprietário à custa do usufrutuário e, por outro lado, visa-se evitar o inactivismo ou imobilismo deste último.

3.7.2. Acessões

O artigo 1449.º C.C. refere que o usufruto abrange as coisas

acrescidas e todos os direitos inerentes à coisa usufruída. Na base de tal norma encontra-se a ideia de que se acessão amplia a coisa objecto de propriedade é natural que o usufruto seja ampliado.

3.7.3. Benfeitorias (úteis versus voluptuárias)

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Segundo o artigo 1450.º, n.º 1 C.C. o usufrutuário tem a faculdade de fazer, na coisa usufruída, as benfeitorias úteis e voluptuárias que bem lhe parecer, contanto que não altere a sua forma ou substância, nem o seu destino económico.

Remete-se, ainda, nesta matéria, para a temática do possuidor de boa fé (artigo 1450.º, n.º 2 C.C.).

Com a expressão «que bem lhe parecer» fica, legalmente, configurada uma margem de actuação do usufrutuário face ao proprietário, impedindo este último de ser opor a que o usufrutuário introduza melhoramento na coisa usufruída, desde que as obras não excedam os limites dos seus poderes e não levem a uma alteração da forma ou substância da coisa, nem o respectivo destino económico.

3.7.4. Coisas consumíveis

Quanto à matéria das coisas consumíveis, o artigo 1451.º C.C.,

refere, no n.º 1, que o usufrutuário tem a faculdade de alienar ou consumi-las. Todavia, findo o respectivo usufruto, exige-se a restituição do seu valor, caso hajam sido avaliadas ou, sendo possível, outras do mesmo género, qualidade e quantidade ou, dentro do condicionalismo em que termina o usufruto, o valor que for atribuído às coisas consumidas. Importa atentar, na regra específica do n.º 2 do artigo 1451.º C.C., segundo a qual o usufruto de coisas consumíveis não importa a transferência da (sua) propriedade para o usufrutuário. Com esta disposição resolvem-se dois problemas:

1) O risco pelo perecimento da coisa antes de ser consumida e que corre por conta do proprietário da raiz;

2) O proprietário conserva o direito de propriedade sobre a coisa dada em usufruto, daí que lhe compita a defesa do seu direito real contra eventuais credores do usufrutuário.

3.7.5. Coisas deterioráveis

O usufrutuário, por força do artigo 1452.º, n.º 2 C.C., apenas é

obrigado a restituir as coisas como se encontrem no fim do usufruto, excepto se as mesmas houverem sido deterioradas por uso diverso do que lhes era próprio ou por culpa do usufrutuário. No caso de o usufrutuário não apresentar tais coisas deterioráveis, ele responderá pelo valor que tinham na conjuntura em que o usufruto começou, excepto se perderam todo o seu valor em uso legítimo.

3.7.6. Perecimento natural de árvores e arbustos

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As árvores e os arbustos que perecerem, de forma natural, são pertença do usufrutuário. Todavia, se se tratar de árvores de fruto, que hajam perecido normalmente, deverá proceder-se à plantação do mesmo número de pés ou, sendo a renovação por plantas do mesmo género impossível ou prejudicial, deve proceder à substituição da sua cultura por outra igualmente útil para o proprietário.

Na base desta solução encontramos a ideia de que as árvores ou arbustos que morrem lentamente são frutos da terra.

3.7.7. Perecimento acidental de árvores e arbustos Quanto às árvores e aos arbustos que perecem por acontecimentos

acidentais, eles são pertença do proprietário e não do usufrutuário. Todavia, este último pode aplicá-las nas reparações que seja obrigado a fazer ou exigir que o proprietário as retire, nomeadamente com a desocupação do prédio (artigo 1454.º C.C.). Subjacente estará a ideia de que se trata de capital e não de frutos do prédio.

3.7.8. Matas e árvores de corte

Quanto ao usufruto de matas e demais árvores de corte, rege o

disposto no artigo 1455.º C.C., segundo o qual se devem observar a ordem e as praxes usadas pelo proprietário ou, na sua falta, pelos usos da terra2. Em caso de calamidade, tufão ou ciclone, que perturbe a normal fruição, ou ainda por requisição estatal ou outras causas análogas, deve entender que compete ao proprietário indemnizar o usufrutuário até ao limite dos juros do valor das árvores mortas ou da importância recebida (n.º 2 do artigo 1555.º C.C.).

3.7.9. Plantas e viveiros

O usufrutuário deve conformar-se, no arranque de plantas (e em

viveiros), com a ordem e praxes do proprietário e, na ausência destas, com o uso da terra quanto ao tempo e modo quer do arranque, quer da retancha do viveiro, dado o disposto no artigo 1456.º C.C.

3.7.10. Exploração de minas O nosso Código faz a distinção consoante o usufruto recaia sobre a

concessão mineira e sobre os terrenos onde haja explorações mineiras. No primeiro caso, o usufrutuário deve conformar-se, na exploração das minas, com as praxes seguidas pelo respectivo titular, por força do disposto no

2 Cfr. artigo 1455.º, n.º 1 C.C.

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artigo 1457.º, n.º 1 C.C. Já, no segundo caso, o usufrutuário tem direito às quantias devidas ao proprietário do solo, quer a título de renda, quer por qualquer outro título, em proporção do tempo que durar o usufruto (artigo 1457.º, n.º 2 C.C.).

Com a primeira solução procura evitar-se a ânsia do lucro do usufrutuário que o leve a cansar excessivamente a mina. Quanto à segunda solução ela é ditada pela ideia de que o direito atribuído ao usufrutuário constitui um fruto civil e, por isso, integra-se no seu direito de percepção dos frutos.

3.7.11. Exploração de pedreiras

Por força do disposto no artigo 1458.º, n.º 1 C.C., o usufrutuário não pode abrir pedreiras sem o consentimento do respectivo proprietário. O usufrutuário pode explorar as pedreiras que se encontrem em exploração no começo do usufruto, mas deve conformar-se com as praxes observadas pelo proprietário (artigo 1458.º, n.º 1 C.C.). Admite-se que se proceda à extracção de pedra do solo para reparações ou obras a que seja obrigado.

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FICHA DE LEITURA N.º 14 DO

ESBOÇO DE UM CURSO DE DIREITOS REAIS CASOS PRÁTICOS DE APOIO

3.7.11. Exploração de pedreiras

Por força do disposto no artigo 1458.º, n.º 1 C.C., o usufrutuário não

pode abrir pedreiras sem o consentimento do respectivo proprietário. O usufrutuário pode explorar as pedreiras que se encontrem em exploração no começo do usufruto, mas deve conformar-se com as praxes observadas pelo proprietário (artigo 1458.º, n.º 1 C.C.). Admite-se que se proceda à extracção de pedra do solo para reparações ou obras a que seja obrigado.

Justificação das opções legais: i) A proibição de abrir pedreiras sem consentimento do

proprietário: na sua base encontra-se a ideia de que a extracção de pedra, nomeadamente em regime (e volume) industrial modifica a fisionomia do terreno e altera a substância da coisa;

ii) Usufrutuário explora as pedreiras existentes à data: a presunção de que, na constituição do usufruto, se teve a intenção de assegurar ao usufrutuário a continuidade da exploração anterior;

iii) Admissibilidade de extracção de pedra para reparações ou obras a que está obrigado: trata-se de fazer jus à lógica e bom senso dado que sendo o usufrutuário a realizar obras em benefício do prédio, deve poder socorrer-se dos elementos do solo (pedras) para cumprir esse encargo.

3.7.12. Exploração de águas Por força do artigo 1459.º, n.º 2, do C.C. o usufrutuário pode, em

benefício do prédio usufruído, procurar águas subterrâneas por meio de poços, minas ou outras escavações. Estas obras, destinadas a explorar novos cursos de água, leva a que se esteja perante uma situação de benfeitoria, de tal modo que o usufrutuário será equiparado ao possuidor de boa fé1.

3.7.13. Constituição de servidões Em matéria de constituição de servidões activas, reconhece-se que o

usufrutuário goza dos mesmos direitos do proprietário. Todavia, se as servidões forem passivas, não será lícito constituir encargos que 1 Artigo 1459.º, n.º 2 C.C.

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ultrapassem a duração do usufruto (artigo 1460.º, n.º 1, do C.C.). Por seu turno, o proprietário encontra-se impedido de constituir servidões sem o consentimento do usufrutuário, sempre que das mesmas advenha uma diminuição do valor do usufruto2.

Justificação das soluções: i) As servidões activas: valorizam o prédio e, se desagradarem ao

proprietário, pode renunciar a elas depois de o usufruto se extinguir; ii) As servidões passivas: constituem encargos e, por isso, bem se

compreende que não ultrapassem a duração do usufruto. E, em relação ao proprietário, a constituição duma servidão pode implicar diminuição do usufruto e, por isso, exige-se o consentimento do usufrutuário.

3.7.14. Tesouros

Quando o usufrutuário, na coisa alvo de usufruto, encontrar um

tesouro, ele é considerado achador em propriedade alheia. Ora, tal facto terá repercussões ao nível da divisão do achado, nos termos do artigo 1461.º, do C.C. A solução é ditada pela ideia de que o tesouro não pode ser considerado um “fruto natural”, daí não pertencer ao usufrutuário. Importa não descurar o que já se ensinou e aprendeu em matéria de tesouros (artigo 1324.º, do C.C.), nomeadamente o disposto no n.º 1 segundo o qual «aquele que descobrir coisa móvel de algum valor, escondida ou enterrada, não puder determinar quem é o dono dela, torna-se proprietário de metade do achado; a outra metade pertence ao proprietário da coisa móvel ou imóvel onde o tesouro estava escondido ou enterrado».

3.7.15. Universalidade de animais O usufruto que recaia sobre uma universalidade de animais – um

rebanho de ovelhas, por exemplo – implica, por parte do usufrutuário, a obrigação de que o mesmo substitua, com as crias novas, as cabeças (ovelhas) que, por qualquer motivo, vierem a faltar (artigo 1462.º, n.º 1, do C.C.). A solução será diferente se os animais se perderem, na totalidade ou em parte, por uma causa fortuita, sem que haja lugar a produção de outros susceptíveis de substituir os que pereceram. Nestas circunstâncias o usufrutuário apenas se encontra obrigado à entrega das cabeças restantes (n.º 2). Todavia, vale a pena atentar no n.º 3 do citado normativo, que esclarece que o usufrutuário se torna responsável pelos despojos dos animais, quando dos mesmos se haja aproveitado.

3.7.16. Rendas vitalícias

2 Artigo 1460.º, n.º 2 C.C.

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O usufrutuário de rendas vitalícias tem direito a perceber as prestações correspondentes à duração do usufruto, sem ser obrigado a qualquer restituição (artigo 1463.º, do C.C.). A solução subjacente a esta norma não corresponde, rigorosamente, ao princípio de que o capital pertence ao proprietário e as rendas, ao usufruto. De facto, correspondendo a renda vitalícia não só a certo capital, mas também à sua amortização periódica (artigo 1238.º, do C.C.), parece que, em bom rigor, o usufrutuário deveria deduzir, nas prestações recebidas, a parte correspondente à amortização do capital, para restituir o seu somatório no fim do usufruto. Justificação da norma: quer por não ser fácil distinguir a parte correspondente à amortização do capital e a relativa à renda quer por traduzir a vontade usual dos contraentes.

3.7.17. Capitais postos a juro Nos termos do artigo 1464.º, o usufrutuário de capitais postos a juro ou a qualquer outro interesse ou investidos em títulos de crédito, tem o direito de perceber os frutos correspondentes à duração do usufruto3. Importa, no entanto, frisar que não é lícito levantar ou investir capitais sem o acordo dos dois titulares. Existindo divergência, o consentimento pode ser judicialmente suprido, quer ele respeite ao proprietário, quer ao usufrutuário (artigo 1464.º, n.º 2, do C.C.).

3.7.18. Dinheiro e capitais levantados

Recaindo o usufruto sobre uma certa quantia em dinheiro, e no decurso do usufruto forem levantados capitais nos termos do artigo 1464.º, o usufrutuário tem a faculdade de administrar esses valores como bem lhe parecer, desde que preste a devida caução; neste caso, corre por sua conta o risco da perda da soma usufruída4. Importa colocar em realce que, caso o usufrutuário não faça uso de tal prerrogativa, o investimento das somas far-se-á nos termos do artigo 1464.º, n.º 2, tornando-se necessário o acordo do proprietário e do usufrutuário, sendo tal consentimento susceptível de ser suprido judicialmente, dado o disposto no artigo 1465.º, n.º 2, do C.C.

3.7.19. Prémios e outras utilidades aleatórias

Consoante se dispõe no artigo 1466.º, do C.C., o usufrutuário de títulos de crédito tem direito à fruição dos prémios ou outras utilidades aleatórias produzidas pelo título.

3 Artigo 1464.º, n.º 1 C.C. 4 Artigo 1465.º, n.º 1 C.C.

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Justificação da solução: a raiz ou o casco dos bens pertence ao proprietário e a sua fruição ao usufrutuário. A nível doutrinário esclarece-se, ainda, que se o prémio consistir na atribuição gratuita de certo número de acções, estas engrossarão o capital do proprietário, mas os respectivos dividendos, enquanto o usufruto se mantiver, competirão ao usufrutuário. Se o prémio consistir numa prestação susceptível de uma única utilização, deve equiparar-se aos frutos e, daí, ser exclusivamente atribuído ao usufrutuário.

3.7.20. Títulos de participação O usufrutuário tem direito aos lucros correspondentes à duração do usufruto [artigo 1467.º, n.º 1, alínea a), do C.C.], bem como à votação nas assembleias-gerais, salvo quando se trate de deliberações que importem alteração dos estatutos ou dissolução da sociedade [alínea b), do n.º 1 do artigo 1467.º C.C.]. Por último, o usufrutuário tem o direito de usufruir os valores que, no acto de liquidação da sociedade ou da quota, caibam à pare social sobre que incide o usufruto. Em matéria de temas a discutir nas assembleias-gerais, a doutrina relembra os seguintes aspectos: i) Se respeitarem à administração da sociedade, o direito de voto cabe nos poderes normais de fruição do usufrutuário; ii) Se em causa estiver a alteração dos estatutos ou a dissolução, o voto conjunto dos dois titulares justifica-se por poder haver alteração da substância da coisa ou do seu destino económico.

3.8. Obrigações do usufrutuário

3.8.1. Relação de bens e prestação de caução

Uma das primeiras e cimeiras obrigações do usufrutuário, antes de tomar conta dos bens, é a de fazer o relacionamento dos bens, com citação ou assistência do proprietário, declarando o estado deles, bem como o valor dos móveis, se for o caso disso [artigo 1468.º, alínea a), do C.C.]. Noutras situações, sendo exigido pelo proprietário, o usufrutuário terá de prestar caução, tanto para a restituição dos bens ou do respectivo valor, sendo bens consumíveis, como para a reparação das deteriorações que venham a padecer por sua culpa, ou para o pagamento de qualquer outra indemnização que seja devida. Importa recordar que, tratando-se de um usufruto constituído per deductionem, não há lugar à prestação de caução (artigo 1469.º, do C.C.). Além destes casos, quer por força de um interesse público ou por força da vontade dos instituidores, o título constitutivo do usufruto pode dispensar a prestação da caução.

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O artigo 1470.º, do C.C. aborda a matéria da falta de prestação de caução, aí se dispondo que «Se o usufrutuário não prestar a caução devida, tem o proprietário a faculdade de exigir que os imóveis se arrendem ou ponham em administração, que os móveis se vendam ou lhe sejam entregues, que os capitais, bem como a importância dos preços das vendas, se dêem a juros ou se empreguem em títulos de crédito nominativos, que os títulos ao portador se convertam em nominativos ou se depositem nas mãos de terceiro, ou que adoptem outras medidas adequadas (n.º 1). Inexistindo acordo quanto ao destino do bem, por parte do usufrutuário, o n.º 2, do artigo 1470.º C.C., prevê o recurso ao tribunal. Importa esclarecer que a doutrina portuguesa tem entendido que outras medidas podem ser adoptadas, dado o elemento literal: «o proprietário tem a faculdade de exigir (…) que se adoptem outras medidas adequadas». Por outro lado, a falta de caução priva o usufrutuário da posse dos bens, mas já não dos seus frutos de tais bens. Estamos perante medidas coactivas destinadas a acautelar o interesse do proprietário na conservação e futura restituição dos bens. Faltando, inicialmente, a prestação da caução, tal não impede, a qualquer momento, que o usufrutuário coloque um ponto final nessa falha, com as consequências legais que daí advirão.

3.8.2. Obras, melhoramentos e plantações

Em matéria de obras (novas ou de reparação), melhoramentos e plantações, o artigo 1471.º, n.º 1, do C.C., dispõe que o usufrutuário é obrigado a consentir ao proprietário quaisquer obras ou melhoramentos de que seja susceptível a coisa usufruída, e também quaisquer novas plantações, se o usufruto recair em prédios rústicos, contanto que dos actos do proprietário não resulte diminuição do valor do usufruto. O usufrutuário encontra-se numa situação de sujeição, dada a natureza potestativa do direito colocado à disponibilidade do proprietário. Das obras ou melhoramentos realizados, o usufrutuário tem direito ao usufruto, sem ser obrigado a pagar juros das somas desembolsadas pelo proprietário ou qualquer outra indemnização; no caso, porém, de as obras ou melhoramentos aumentarem o rendimento líquido da coisa usufruída, o aumento pertence ao proprietário (artigo 1471.º, n.º 2, do C.C.).

3.8.3. Reparações ordinárias

Em matéria de reparações, da coisa ou bens dados em usufruto, rege o disposto no artigo 1472.º, do C.C. Deste modo, ficam a cargo do usufrutuário tanto as reparações ordinárias indispensáveis para a conservação da coisa como as despesas de administração (n.º 1). O n.º 2 alerta para um critério específico de classificação das reparações, visto que

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não se consideram ordinárias as reparações que, no ano em que forem necessárias, excedam dois terços do rendimento líquido desse ano. Uma regra específica é a que encontramos no n.º 3 e que refere que o usufrutuário pode eximir-se das reparações ou despesas a que é obrigado, renunciando ao usufruto. Que consequências advirão da falta dessas reparações? i) Dar lugar à execução específica das obras necessárias; ii) Dá lugar à obrigação de realizar as reparações extraordinárias a que tenha dado causa; iii) Dar lugar à indemnização dos danos a que dê causa a negligência do usufrutuário.

3.8.4. Reparações extraordinárias

As reparações extraordinárias são da responsabilidade do proprietário, salvo se as mesmas se tiverem tornado ordinárias por má administração do usufrutuário, sendo aplicável o regime do artigo 1473.º, do C.C. Cabe ao usufrutuário avisar atempadamente o proprietário para que o mesmo leve a cabo as referidas obras. De tal modo que, se o proprietário, depois de avisado, não efectuar as reparações extraordinárias, e as mesmas forem de utilidade real, entende-se que o usufrutuário pode fazê-las a expensas suas e exigir a importância despendida ou o pagamento do valor que tiverem no fim do usufruto, se este valor for inferior ao custo (artigo 1473.º, n.º 2, do C.C.). Caso o proprietário leve a cabo as reparações, observar-se-á o disposto no n.º 2, do artigo 1471.º, por força do n.º 3, do artigo 1473.º, do C.C.

3.8.5. Impostos Em matéria de impostos, o artigo 1474.º C.C. estabeleceu a regra de que o pagamento dos impostos e quaisquer outros encargos anuais que incidam sobre o rendimento dos bens usufruídos incumbe a quem for titular do usufruto no momento do vencimento. Significa isto que os impostos que incidam sobre o capital são da responsabilidade do proprietário. Por outro lado, se tal for estipulado no título constitutivo do direito de usufruto, torna-se possível o rateio dos encargos pelos vários interessados-usufrutuários.

3.8.6. Dever de diligência informativa O usufrutuário é obrigado, nos termos do artigo 1475.º, do C.C., a informar o proprietário de qualquer facto de terceiro, de que tenha notícia e que configure uma intromissão ilegítima na propriedade da coisa, bem ou

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direito objecto do usufruto. Trata-se de impor, a cargo do usufrutuário, de um dever de diligência informativa, de tal modo que, se dessa falta de informação, resultarem danos na coisa, os mesmos passarão a ser da sua inteira responsabilidade. Tal dever de diligência deve ir ao ponto de se entender que, por si só, nalgumas situações, o seu cumprimento não se afigura suficiente, devendo acrescer-lhe outras providências, tais como as tomaria, para as suas coisas, bens ou direitos, o bom pai de família.

3.9. Extinção do direito de usufruto

3.9.1. Aspectos gerais do regime jurídico

3.9.1.1. A morte do usufrutuário ou o decurso do prazo Por força do artigo 1476.º, n.º 1, alínea a) o usufruto extingue-se, quer pela morte do usufrutuário, quer com ou findar do prazo estipulado, sempre que o mesmo não seja vitalício. Dada a natureza pessoal do usufruto, facilmente se torna perceptível que ocorrendo a morte do beneficiário o mesmo se extinga. Nesta matéria, importa atentar na regra específica do artigo 1477.º, do C.C., segundo a qual se o usufruto for concedido a alguém até certa idade de terceira pessoa durará pelos anos prefixos, ainda que o terceiro faleça antes da idade referida, excepto se o usufruto tiver sido concedido só em atenção à existência de tal pessoa.

3.9.1.2. Reunião do usufruto e da propriedade na mesma pessoa Se, na mesma pessoa, se reunirem os direitos de usufruto e de propriedade, compreende-se que cesse o usufruto, dado que se torna impossível distinguir, subjectivamente, quem é o proprietário e quem é o usufrutuário. Ocorre uma espécie de confusão por esta “reunião” do usufruto e da propriedade na mesma pessoa (artigo 1476.º, n.º 1, alínea b), do C.C.).

3.9.1.3. Não exercício por vinte anos

Com vista a “dinamizar” a utilização dos bens e coisas, o legislador optou, no artigo 1476.º, n.º 1, alínea c) C.C. ao estabelecimento de uma causa de extinção do direito do usufruto pelo seu não uso por um determinado período de tempo: 20 anos. Refira-se que, tendo ficado legislativamente esclarecido que se trata de uma renúncia ao exercício ou não uso, puro e simples, não nos encontramos perante um caso de prescrição de direito, o que, só por si, releva em sede de não validade das causas de suspensão e interrupção típicas da prescrição.

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Para a doutrina, esta reacção (legislativa) contra o usufrutuário derivaria da ideia de fazer cessar as limitações da propriedade: importa que as coisas proporcionem a maior utilidade possível em proveito quer do proprietário, quer da colectividade.

3.9.1.4. Perda total da coisa usufruída

Nos termos do artigo 1476.º, n.º 1, alínea d), com a perda total da coisa usufruída deixa de existir o objecto do direito de usufruto e, por isso, compreende-se que o mesmo se extinga. Ocorrendo a perda parcial, proceder-se-á à continuidade do usufruto na parte remanescente (artigo 1478.º C.C.). Já se a coisa se transformar noutra (rei mutatio) que tenha mais valor, embora com outra finalidade económica, o usufruto continuará na coisa modificada.

3.9.1.5. Renúncia Nos termos do artigo 1476.º, n.º 1, alínea e), e n.º 2, refere-se que o usufruto se extingue caso o usufrutuário renuncie ao mesmo, não tendo tal declaração o carácter de uma declaração negocial receptícia, o que significa que a sua validade não depende da aceitação da renúncia pelo declaratário negocial – o proprietário.

3.10. O regime especial do direito de usufruto

3.10.1. Destruição do edifício Se o prédio urbano for destruído por qualquer causa, o usufrutuário tem o direito de desfrutar o solo e os materiais restantes (artigo 1479.º, n.º 1, do C.C.). Nada impede, todavia, que o proprietário da raiz proceda à sua reconstrução, ocupando o solo e os materiais, desde que, entretanto, pague ao usufrutuário, durante o usufruto, os juros correspondentes ao valor do solo e dos materiais (artigo 1479.º, n.º 2, do C.C. O mesmo vale, mutatis

mutandis, para o caso de edifício situado em prédio rústico. Justificação da solução: pela necessidade de reconstruir o prédio e, desse jeito, evitar a sua inutilidade e improdutividade do solo ocupado pelas ruínas do edifício destruído. Acresce, ainda, o facto de se evitar o sacrifício do usufrutuário com os referidos juros.

3.10.2. Indemnizações

Por força do artigo 1480.º, n.º 1, do C.C., se se verificou o perecimento da coisa, a sua deterioração ou diminuição do valor e houver lugar a indemnização ao proprietário, o usufruto passa a incidir sobre esta.

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Já nos casos de expropriação ou requisição – nos termos em que legalmente é admitida – passa a ter por objecto a indemnização correspectiva (artigo 1480.º, n.º 2 C.C.). Justificação da solução: assenta no pressuposto de que há uma indemnização: se houver reconstituição natural ou reintegração específica, o usufruto continuará sobre a coisa restaurada ou reparada.

3.10.3. Seguro da coisa destruída

Se o usufrutuário fez seguro da coisa ou pagou os prémios de seguro já feito, nos termos do artigo 1481.º, n.º 1, do C.C., o usufruto transfere-se para a indemnização devida pelo segurador. Todavia, nos casos em que se estamos perante edifício, o proprietário pode reconstruí-lo, transferindo-se o usufruto para o novo edifício. Nesse caso, se o preço pago na reconstrução for superior à indemnização recebida, o direito do usufrutuário será proporcional à indemnização (artigo 1481.º, n.º 2 C.C.). Se os prémios forem pagos pelo proprietário, a indemnização que lhe for devida pertence-lhe por inteiro (artigo 1481.º, n.º 3 C.C.).

3.10.4. Mau uso

Havendo mau uso da coisa alvo de usufruto, por força do artigo 1482.º, não se dá a extinção do usufruto, ainda que o usufrutuário faça mau uso da coisa usufruída. Todavia, se o abuso se tornar consideravelmente prejudicial ao proprietário, pode este exigir que a coisa lhe seja entregue, ou que se tomem as providências previstas no artigo 1470.º, obrigando-se, no primeiro caso, a pagar anualmente ao usufrutuário o produto líquido dela, depois de deduzidas as despesas e o prémio que pela sua administração lhe for arbitrado. O que é o mau uso? Trata-se de uma cláusula aberta cujo preenchimento fica na livre apreciação e densificação do magistrado judicial.

3.11. O fim do usufruto: efeitos Findo o usufruto, e tomando em linha de conta o disposto no artigo 1483.º, do C.C., tem lugar a restituição da coisa. O usufrutuário deve restituir a coisa ao proprietário, sem prejuízo do disposto para as coisas consumíveis e salvo o direito de retenção nos casos em que se verifique o condicionalismo legal da sua invocação. E se o usufrutuário não restituir a coisa objecto de usufruto? É entendimento hoje pacífico de que, terminado o usufruto, o proprietário pode intentar, contra o usufrutuário ou respectivos herdeiros, uma acção de reivindicação (artigo 1311.º, do C.C.), dando-se, automática

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e imediatamente (ipso iure), a re-expansão e consolidação dos poderes do proprietário que se encontravam “comprimidos” ou “onerados” com os poderes de uso, fruição e administração a favor do usufrutuário. Cessado o usufruto, o usufrutuário deve restituir a coisa, sob pena de responder pelos danos e perdas que tal comportamento culposo possa originar e, além disso, fica sujeito à acção de reivindicação intentada pelo proprietário contra aquele ou seus herdeiros – sucessores. Todavia, se a coisa alvo de usufruto for uma coisa consumível, o usufrutuário é obrigado a restituir o seu valor se tiverem sido estimadas ou a entregar outras do mesmo género, qualidade e quantidade ou o seu valor na conjuntura em que findar o usufruto. Além disso, podem identificar-se outras excepções: i) O dever de restituição, no estado em que se encontrarem, das coisas deterioráveis pelo uso (artigo 1452.º, do C.C.); ii) A não restituição das rendas vitalícias que tenham findado antes da cessação do usufruto (artigo 1463.º, do C.C.).

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FICHA DE LEITURA N.º 15 DO

ESBOÇO DE UM CURSO DE DIREITOS REAIS 2013-2014

5. O DIREITO DE SUPERFÍCIE

5.1. Noção A noção de direito de superfície é nos dada pelo legislador, no artigo 1524.º, nos seguintes termos: «O direito de superfície consiste na faculdade

de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em

terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações». O titular do direito de superfície dá pelo nome de SUPERFICIÁRIO. O dono do solo é denominado: PROPRIETÁRIO ou FUNDEIRO. A coisa implantada: IMPLANTE. A noção legal surge-nos, segundo a doutrina nacional mais expressiva, deveras amputada do seu conteúdo originário, dado que importa socorrer-nos, ainda, aos artigos 1526.º C.C. – direito de sobreelevação – a faculdade de construir sobre prédio alheio – e artigo 1528.º C.C. que permite a constituição do direito de superfície através da alienação de obra ou árvores, desde que separadas da propriedade do solo. Por tudo, isto o direito de superfície não se deve cingir apenas às faculdades de manutenção e construção. 5.2. Objecto A determinação do objecto deve ser levada a cabo em dois momentos distintos: 1.º) No primeiro momento, o direito incide sobre o solo alheio e compreende a parte necessária à construção e aquela que, embora não necessária, tenha utilidade para o uso da obra (artigo 1525.º, n.º 1, do C.C.). Tal direito pode, igualmente, incidir sobre o solo e edifício alheios. 2.º) No segundo momento, o direito incide sobre a obra (todo o tipo de construção) ou plantações feitas ou adquiridas. Quanto à obra não é forçoso que se trate de um edifício e, por outro lado, relativamente às plantações, afastam-se os vegetais cujo ciclo produtivo se esgota numa colheita anual: caso em que o direito de superfície só se justifica para plantações destinadas a perdurar por um período mais ou menos longo (artigo 1526.º). No que tange ao direito de construir sobre edifício alheio (direito de sobreelevação) está sujeito às limitações impostas à constituição da propriedade horizontal; e, levantado o edifício, procede-se à aplicação

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das regras pertinentes àquele tipo de propriedade, tornando-se o construtor condómino das partes referidas no artigo 1421.º C.C. 5.3. Natureza jurídica A doutrina portuguesa divide-se na hora de identificar a natureza jurídica do direito de superfície. I – A posição de PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA: a posição do superficiário é complexa, tornando-se necessário distinguir duas faces: em relação à obra ou plantação, é ou virá a ser o seu proprietário; e quanto ao terreno ou solo em que ficam implantadas, estamos perante um direito real de gozo autónomo. II – A posição de JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO: parte da análise da posição do fundeiro no sentido de identificar que existe somente um elemento constante: a propriedade do solo. Além disso, verifica que há dois direitos reais que apenas surgem quando o implante se estabelece: o direito real de aquisição (típico da propriedade temporária) e o direito de preferência. E pode ter também o direito de perceber o Cânone enfitêutico, ao qual se reconhecem as características gerais do ónus real. No que respeita à posição do superficiário, é composta por dois direitos reais: o direito de implantar a coisa em terreno alheio (direito de implante) e o direito de propriedade, quando a coisa estiver implantada. Verifica-se que nenhum destes direitos é constante: «há casos em que o superficiário não

tem o direito de implante, e há casos em que o superficiário não tem em

concreto o direito de propriedade». Todavia, dado que o «elemento fulcral

nestas situações não está nos direitos parcelares, que tanto podem surgir

como desaparecer, mas sim no direito de conjunto em que todos se

integram». É a partir da verificação de que esse direito de conjunto é sempre idêntico, para além da variação dos seus elementos, que o Professor de Lisboa conclui que o direito de superfície é um «direito real composto». III – A posição de MENEZES CORDEIRO: recusa que o direito de superfície sobre o implante seja um direito de propriedade porque nem é exclusivo nem pleno: é, sim, um direito real complexo uma vez que, no seu conteúdo, há faculdades que, noutros direitos reais, a lei autonomiza como direitos reais. É o mesmo que sucede com o direito do fundeiro. IV – CARVALHO FERNANDES: observa a existência de dois momentos: no primeiro, em que ao superficiário é reconhecida a faculdade de, sem interferência do fundeiro, fazer o implante em terreno alheio, o superficiário é titular de um direito potestativo dirigido à aquisição de um direito real, tudo apontando para um direito real de aquisição; no segundo, quando a obra ou plantação já está feita, os poderes do superficiário moldam-se aos do proprietário. Todavia, face à ausência de exclusividade,

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entende-se que o direito de superfície é um direito real a se, próximo da propriedade, «o que legitima a possibilidade de às suas normas se

recorrer, enquanto regime subsidiário, para integrar o tratamento jurídico

do direito do superficiário sobre a obra ou a plantação». 5.4. A constituição do direito de superfície Como princípio geral, estabelece-se, no artigo 1528.º C.C., que o direito de superfície pode ser constituído por contrato, testamento ou usucapião, podendo resultar, ainda, da alienação da obra ou árvores já existentes, separadamente da propriedade do solo. Neste último caso, trata-se de admitir o desmembramento ou parcelamento do objecto inicial do domínio do alienante. Por força do artigo 1529.º, n.º 1 C.C., a constituição do direito de superfície importa a constituição das servidões necessárias ao uso e fruição da obra ou das árvores. Se, no título, não forem designados o local e as demais condições de exercício das servidões, serão fixados, na falta de acordo, pelo tribunal. Todavia, refere-se no n.º 2 do artigo 1529.º C.C., a constituição coerciva da servidão de passagem sobre prédio de terceiro só é possível se, à data da constituição do direito de superfície, já era encravado o prédio sobre que este direito recaía. Esta solução tem por base o seguinte entendimento: o reconhecimento de um direito implica a atribuição dos meios indispensáveis ao seu gozo normal. 5.4.1. A constituição por via contratual A constituição do direito de superfície pode ocorrer por via contratual, seja a partir do contrato de compra e venda, sociedade ou outro dos demais contratos nominados ou inominados. A partir do momento em que as árvores, ligadas ao solo, são consideradas coisas imóveis, facilmente se compreende que se exija escritura pública e registo, nos termos do artigo 204.º, n.º 1, alínea c), do C.C. e artigo 80.º, n.º 1 do Código do Notariado. 5.4.2. A constituição por via testamentária A via testamentária é uma das formas do nascimento do direito de superfície. Neste contexto podemos distinguir: i) Legado a certa pessoa do direito de construir ou plantar e legado do solo a outra; ii) Legado a alguém do direito de construir e devolução do direito sobre o solo aos herdeiros; etc. 5.4.3. A constituição ex vi usucapião

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Reconhece-se a possibilidade do direito de superfície ser constituído por meio de usucapião. Podemos identificar duas situações distintas: i) Se a propriedade superficiária já estiver constituída a favor de alguém, não há dificuldade sobre a possibilidade de um terceiro a adquirir por usucapião; basta que tenha a posse com os necessários requisitos; ii) Mas se o direito de superfície ainda não estiver constituído, em causa está a aquisição do direito de construir ou plantar apenas em relação ao futuro e, por isso, não falta quem recuse a possibilidade de se adquirir por usucapião. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA reiteram a ideia de que a usucapião deve ser admitida, sem limitações, em matéria de direito de superfície, dado que «bem pode suceder que a pessoa construa ou plante,

na convicção simultânea de ter o direito de o fazê-lo e de respeitar o

direito de propriedade de outrem sobre o terreno». 5.5. Regime jurídico do direito de superfície À semelhança do direito de propriedade do solo, também o direito de superfície se afigura transmissível, por acto inter vivos e mortis causa

1. Importa esclarecer que, no caso de venda ou dação em cumprimento do direito de superfície, o proprietário do solo terá um direito de preferência, em último lugar. A justificação deste direito de preferência compreende-se porque, constituindo o direito de construir ou plantar em terreno alheio, bem como o de aí manter obra ou árvores uma restrição à propriedade do solo, proporciona a recuperação da sua plenitude. Esta possibilidade de transmissão é complementada pela possibilidade de oneração quer do direito de superfície quer da propriedade do solo. 5.5.1. A posição do fundeiro O proprietário do solo, em matéria de direito de superfície, possui as seguintes faculdades: 1.º) Usar e fruir a superfície, mas não pode impedir nem tornar mais onerosa a construção ou plantação (artigo 1532.º C.C.). Por aqui se compreende que se o fundeiro impedir a construção ou plantação, o superficiário pode exigir-lhe que destrua as obras ou elimine as situações que tornam mais oneroso o exercício do seu direito; e o pagamento dos encargos que venha a suportar a mais.

1 Artigo 1534.º C.C.

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2.º) Usar e fruir o subsolo, embora se torne responsável pelo prejuízo causado ao superficiário em consequência de tal exploração, por força do disposto no artigo 1533.º C.C. Fica absolutamente vedado ao fundeiro levar a cabo construção ou fazer escavações que afectem a estabilidade da propriedade superficiária ou prejudiquem o direito do superficiário. 3.º) Receber, em dinheiro, uma prestação única ou certa prestação anual, que pode ser perpétua ou temporária (artigo 1530.º). Há aqui lugar para distinguir diversas situações: 3.1. Se a prestação for única, o preço devido pelo superficiário é objecto de uma obrigação autónoma, sujeita, em princípio, ao regime do preço no contrato de compra e venda, negócio paradigmático dos contratos onerosos de alienação ou oneração de bens (artigo 939.º C.C.). 3.2. Se for anual, o dever de a pagar constitui uma obrigação real (propter rem ou ob rem) a cargo, portanto, de quem for titular do direito de superfície na data do seu vencimento. Urge ainda atentar no artigo 1531.º, n.º 1 C.C., que remete para os artigos 1505.º e 1506.º C.C., e alude ao tempo e lugar do cumprimento de cada uma das prestações. Todavia, dada a revogação de tais normativos, a doutrina continua a socorrer-se do ensinamento que era inerente a tais artigos e assim procedendo à aplicação do respectivo regime jurídico. Uma regra específica, em matéria de mora, é a que encontramos no artigo 1531.º, n.º 2 C.C., segundo a qual, existindo mora no cumprimento, o proprietário do solo tem o direito de exigir o triplo das prestações em dívida. 5.5.2. A posição do superficiário Reconhecem-se ao superficiário as seguintes faculdades: 1.º Fazer construções ou plantações no terreno do fundeiro [no (sub)solo, consoante os casos] (artigo 1524.º C.C.). 2.º Construir sobre edifício alheio, observados os requisitos e limitações impostas à constituição da propriedade horizontal (artigo 1526.º C.C.). 3.º Gozar a obra ou plantação feita: tal situação jurídica encontra-se moldada pelos direitos de propriedade, com as limitações decorrentes do uso e fruição do solo ou do subsolo reconhecidos ao proprietário. 4.º Dispor da obra construída ou árvores plantadas. Esta faculdade envolve a possibilidade de alienação do direito de superfície e de o limitar ou onerar através da constituição de direitos reais de gozo ou de garantia. 5.º Reconstruir a obra ou renovar a plantação, no caso de destruição.

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6.º Utilizar as servidões necessárias ao uso e fruição da obra ou das árvores, sobre a restante parte do prédio do fundeiro (artigo 1529.º, n.º 1 C.C.). 7.º Ser indemnizado por caducidade do seu direito, segundo as regras do enriquecimento sem causa (artigo 1538.º, n.º 2 C.C.); ou por expropriação do prédio (artigo 1542.º C.C.). Em matéria de obrigações, recaem sobre o superficiário: 1.º A obrigação de pagamento da prestação convencionada no título constitutivo do direito de superfície (artigo 1530.º, n.º 1 C.C.), que é sempre em dinheiro (artigo 1530.º, n.º 3 C.C.). A prestação pode ser única ou anual e esta, perpétua ou temporária, consoante se esclarece no artigo 1530.º, n.os 1 e 2 C.C. 2.º Dar preferência ao fundeiro na venda ou dação em cumprimento do direito de superfície. Daí que, nos termos gerais, lhe deva dar conhecimento do projecto de alienação e respectivo clausulado (artigos 1535.º, n.º 2 e 418.º C.C.). 3.º Responder pelas deteriorações da obra ou plantações, quando se verifique culpa da sua parte e não houver lugar à indemnização constante do artigo 1538.º, n.º 2 C.C. 5.6. Modos de extinção do direito de superfície Nos termos do artigo 1536.º, n.º 1, o direito de superfície extingue-se nas seguintes situações: i) Se o superficiário não concluir a obra ou não fizer a plantação no prazo fixado, ou, na falta de fixação, dentro do prazo de dez anos (artigo 1536.º, n.º 1, alínea a), do C.C.). Justificação da limitação temporal: por o superficiário não revelar interesse atendível e não ser conveniente manter indefinidamente uma

restrição ao direito de propriedade. Se a obra ou plantação apenas tiver sido iniciada, entende-se que é indispensável a sua conclusão (artigo 1536.º C.C.). ii) Se, destruída a obra ou as árvores, o superficiário não reconstruir

a obra ou não renovar a plantação dentro dos mesmos prazos a contar da destruição (artigo 1536.º, n.º 1, alínea b), do C.C.). Nestas situações não bastará o simples início da reconstrução da obra ou renovação da plantação. iii) Pelo decurso do prazo, se foi constituído por certo tempo (artigo 1536.º, n.º 1, alínea c), do C.C.). iv) Pela reunião na mesma pessoa, dos direitos de superfície e de propriedade (artigo 1536.º, n.º 1, alínea d), do C.C.).

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v) Pelo desaparecimento ou inutilização do solo (artigo 1536.º, n.º 1, alínea e), do C.C.). vi) Pela expropriação por utilidade pública (artigo 1536.º, n.º 1, alínea f), do C.C). Outras causas: permite-se que no título constitutivo se estipule que o direito de superfície se extinga em consequência da destruição da obra ou das árvores ou da verificação de qualquer condição resolutiva (artigo 1536.º, n.º 2, do C.C.). Justificação da não menção da renúncia: A renúncia não surge como causa de extinção do direito de superfície pela seguinte razão: sendo o superficiário proprietário da obra ou plantação, não se justifica a admissibilidade de um modo de extinção próprio dos direitos sobre coisa alheia. Cumpre, por último, aludir à situação em que a falta de pagamento das prestações anuais, durante vinte anos, leva à extinção da obrigação de as pagar, aplicando-se as regras da prescrição. O que não significa que o superficiário adquira a propriedade do solo, salvo se estiverem presentes os requisitos da aquisição da propriedade ex vi usucapião (artigo 1537.º C.C.). 5.7. Efeitos da extinção do direito de superfície Importa distinguir os seguintes efeitos: 1.º Extinção pelo decurso do prazo: neste caso o proprietário do solo adquire a propriedade da obra ou das árvores. Todavia, exceptuando-se os casos de disposição em contrário, o superficiário tem direito a uma indemnização calculada segundo os critérios do enriquecimento sem causa. Caso não se verifique tal indemnização, o superficiário responde pelas deteriorações da obra ou das plantações quando haja culpa da sua parte (artigo 1538.º). Para alguma doutrina, importa não desconhecer que se torna possível que as partes estipulem que a obra seja demolida e os materiais arrecadados pelo superficiário, desde que tal não fira o interesse público. 2.º Direitos reais de gozo ou de garantia constituídos sobre o direito de superfície: se este direito se extinguir pelo decurso do prazo fixado, aqueles direitos (usufruto, uso e habitação, habitação periódica e servidão predial) extinguir-se-ão igualmente. Se o superficiário for indemnizado (artigo 1538.º, n.º 2 C.C.), aqueles direitos transferem-se sobre a indemnização (artigo 1539.º C.C.). 3.º Direitos reais constituídos pelo proprietário: estendem-se à obra e às árvores adquiridas nos termos do artigo 1538.º, por força do disposto no artigo 1540.º C.C.

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Justificação da solução: ao constituírem uma garantia real ou direito real de gozo sobre o solo, as partes terem normalmente em vista tudo o que vier a acrescer a esse terreno em virtude da extinção do direito de superfície por efeito do decurso do prazo fixado. 4.º Permanência dos direitos reais: se o direito de superfície for perpétuo ou, sendo temporário, se extinguir antes do decurso do prazo, os direitos reais constituídos sobre a superfície ou sobre o solo continuam a onerar separadamente as duas parcelas, como se não tivesse havido extinção (artigo 1541.º C.C.). 5.º Extinção por expropriação (por utilidade pública): a cada um dos titulares cabe a parte da indemnização que corresponder ao valor do respectivo direito (artigo 1542.º C.C.).

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FICHA DE LEITURA N.º 16 DO

ESBOÇO DE UM CURSO DE DIREITOS REAIS 2013-2014

1. O DIREITO DE USO E HABITAÇÃO

A matéria do direito de uso e habitação encontra-se prevista, conjuntamente, com a do usufruto, no Título III – Do Usufruto, uso e habitação. Face a esta opção legislativa, facilmente se verifica que, em tudo quando não se encontre expressamente regulado, ao nível do uso e habitação, serão aplicáveis, em primeira linha, além das que especificamente integram o Capítulo V (artigos 1484.º a 1490.º C.C.), as disposições gerais do Capítulo I (artigos 1439.º a 1445.º C.C.) “Disposições Gerais” e, em segunda linha, as que se encontram nos Capítulos II a IV e respeitam, respectivamente, aos “Direitos do Usufrutuário” (artigos 1446.º a 1467.º C.C.), “Obrigações do

Usufrutuário” (artigos 1468.º a 1475.º) e “Extinção do Usufruto” (artigos 1476.º a 1483.º C.C.). 1.1. Origem histórica do instituto Como salienta SANTOS JUSTO, trata-se de uma figura que tem a sua origem remota no Direito Romano. Nesse contexto histórico, o direito de usar coisa alheia – referido como usus – excluía, num primeiro momento, a percepção (colheita) dos frutos, daí que o romanista e civilista ULPIANUS, no Digesto, referisse que “Cui usus relictus

est, uti potest, frui non potest” – aquele, a quem for deixado o uso, pode usar, não pode

fruir. Posteriormente, deu-se um “enchimento” de tal direito, de modo que, pouco a pouco, passou a integrar a fruição de frutos, flores e lenha, com a especificidade (ou limitação) de que tal consumo se verificasse no local. Além disso, o usus, sobre o rebanho, passou a conter a faculdade de consumir o leite, embora limitado à satisfação

das necessidades [estritamente] pessoais e familiares. Sempre que tal direito incidia sobre uma moradia/casa, além do titular a poder habitar com a sua família, viria a ser permitido, doravante, ao “habitor” o acolhimento, nesse local, dos hóspedes, escravos, libertos, operários, etc. que com o mesmo tivessem algum convívio. Na Roma antiga, o usus foi delineado como um direito (pessoal e) intransmissível e, à semelhança do direito de usufruto, foi gizado como um direito que impunha, ao titular, o respeito pela sua essência material e destino económico-social

da coisa. Já, nessa altura, foi prevista a possibilidade de ser exigido, ao usuário, a prestação de caução (cautio usurária), através da qual garantia, ao proprietário, o uso

diligente da coisa e a sua restituição no termo do usus. No que tange à sua constituição, ela ocorria, essencialmente, por via do chamado legado alimentício. Nos tempos modernos, e não fossem as recentes alterações legislativas, a figura é, em termos económico-sociais, irrelevante e insignificante. O tema encontra, no entanto, um novo fulgor com a temática da necessidade da protecção das pessoas que vivem em união de facto e em economia comum há mais de dois anos. 1.2. Noção de “uso” e de “habitação” Nos termos do artigo 1484.º, n.º 1 do C.C., o direito de uso surge-nos como um direito que tem por essência a faculdade de [alguém] se servir de certa coisa alheia e

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haver os respectivos frutos [para si], na [estrita] medida das necessidades, quer do

titular, quer da sua família. Dito isto, facilmente se percebe que a expressão “uso” reserva-se para as situações em que aquele conteúdo de poderes fácticos é exercido sobre uma coisa que não uma habitação, pois, neste último caso, estamos perante o denominado direito de habitação. Direito uso: abrange qualquer coisa [móvel ou imóvel alheia]; Direito de habitação: abrange uma coisa imóvel que serve de habitação. Usuário: o que tem um direito de uso; Morador usuário: o que tem um direito de habitação. 2. PRINCIPAIS ASPECTOS DO REGIME 2.1. Características À semelhança do que ocorre com o direito de usufruto [daí a sua integração conjunta e no mesmo título, como vimos], o direito de uso e habitação surge-nos como: – Um direito real de gozo; – Um direito real de gozo não exclusivo, limitado e temporário; – Um direito que tem por objecto uma coisa alheia.

– Um direito limitado às necessidades do [seu] titular e da sua família – tais necessidades “pessoais” são fixadas segundo a condição social do usuário ou morador usuário (artigo 1486.º C.C.); já quanto às necessidades “familiares”, fazem parte desse “âmbito subjectivo” «o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens, os filhos

solteiros, outros parentes a quem sejam devidos alimentos e as pessoas que, convivendo

com o respectivo titular, se encontram ao seu serviço ou ao serviço das pessoas

designadas» (artigo 1487.º C.C.). É entendimento pacífico, no seio da doutrina portuguesa, de que os filhos

casados são excluídos do âmbito subjectivo da “família”, já que os mesmos, por regra, se instalam em habitação própria e vivem autonomamente, integrados num outro núcleo familiar [lá diz o povo: «Quem casa, quer casa! Por isso… foge de casa dos pais»].

Quanto à expressão «outros parentes», entende-se que abrange as pessoas

ligadas ao usuário ou familiares por contrato de prestação de serviços domésticos e as

que de qualquer modo e sem contrato daquela espécie, lhes prestam assistência ou

companhia designadamente nos casos de doença ou de invalidez. – Um direito intuito personae – isto é, um direito pessoal. – Um direito pessoal intransmissível. – Um direito real de gozo insusceptível de ser onerado com um qualquer

garantia real.

2.2. Constituição Quanto ao modo de constituição, o legislador, em nome da economia de meios,

remeteu para as regras do usufruto, de tal modo que os direitos de uso e habitação se constituem pelos mesmos modos que o usufruto, sem prejuízo do disposto na alínea b) do artigo 1293.º, por força do disposto no artigo 1485.º C.C.

Esquematicamente, dir-se-á que podem ser constituídos por: – por contrato; – por testamento; – por disposição legal.

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Fica afastada a possibilidade de o mesmo poder ser “adquirido/constituído” por usucapião – contrariamente ao direito de usufruto – por expressa exclusão ditada pelo artigo 1293.º, alínea b) do C.C.

Quanto à aquisição vi legis, importa não esquecer algumas das recentes alterações legislativas introduzidas pelo Decreto-lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, pela Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 6/2001, de 11 de Maio, e pela Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio.

Vejamos a relevância de cada um desses diplomas: i) Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro – aditou três novos artigos ao

Código Civil: ia) Artigo 2103.º-A do Código Civil: determina que o «cônjuge sobrevivo tem

direito a ser encabeçado, no momento da partilha, no direito de habitação da casa de

morada da família e no direito de uso do respectivo direito». ib) Artigo 2103.º-B do Código Civil: determina que «se a casa de morada da

família não fizer parte da herança, observar-se-á, com as necessárias adaptações, o

disposto no artigo anterior relativamente ao recheio». ic) Artigo 2103.º-C do Código Civil: define o recheio como «o mobiliário e

demais objectos ou utensílios destinados ao cómodo, serviço e ornamentação da casa». Importa precisar que PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA entendiam que, o

direito de habitação relativo à casa de morada de família e o direito de uso sobre o recheio, somente poderiam constituir-se, como direitos reais de gozo sobre coisa alheia, se a casa ou recheio viessem a caber em propriedade a outro herdeiro.

ii) Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto [adopta as medidas de protecção da união de facto]: determina que «em caso de morte do membro da união de facto proprietário

da casa de morada do casal, o membro sobrevivo tem direito real de habitação

periódica sobre a mesma pelo prazo de cinco anos e direito de preferência na sua

venda ou arrendamento». Todavia, importa não olvidar uma excepção: o anteriormente referido não se aplica «se ao falecido sobreviverem descendentes ou ascendentes que

com ele vivam há pelo menos um ano e pretendem continuar a habitar a casa, ou no

caso de disposição testamentária em contrário». iii) Lei n.º 6/2001, de 11 de Maio [que instituiu o regime jurídico de

protecção das pessoas que vivam em economia comum há mais de dois anos]: aí se determina que «em caso de morte da pessoa proprietária da casa de morada comum, as

pessoas que com ela tenham vivido em economia comum há mais de dois anos [e nas demais condições legalmente exigidas] têm um direito real de habitação periódica

sobre a mesma, pelo prazo de cinco anos e, no mesmo prazo, direito de preferência na

sua venda». Todavia, permanece uma excepção, já constante da Lei n.º 135/99, isto é, «a sobrevivência de descendentes menores que, não coabitando com o falecido,

demonstrem ter absoluta carência de casa para habitação própria». iv) Lei n.º 7/2001 [que institui o regime jurídico de pessoas que,

independentemente do sexo, vivam em união de facto há mais de dois anos]: aí se determina que, na hipótese de união de facto, verificando-se a morte do proprietário da casa de morada, «o membro sobrevivo tem direito real de habitação pelo prazo de cinco

anos sobre a mesma e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua venda». Tal direito cessa, no entanto, «caso ao falecido sobrevivam descendentes com menos de um

ano de idade ou com ele convivessem há mais de um ano e pretendam habitar a casa,

ou no caso de disposição testamentária em contrário».

2.3. Regime Jurídico

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O regime jurídico dos direitos de uso e habitação é composto pelos seguintes instrumentos jurídicos:

i) O disposto no título constitutivo; ii) As disposições constantes do Código Civil relativas ao Direito de uso e

habitação; iii) As disposições constantes do Código Civil relativas ao Direito de usufruto,

desde que compatíveis com os mesmos (artigo 1490.º C.C.). Daqui se conclui, topicamente, que o usurário (direito de uso) ou morador

usurário (direito habitação) têm os seguintes direitos: 1 – Usar, mediante respeito do destino económico, a respectiva coisa. Fica

proibido, no entanto, o gozo indirecto que se traduz no poder de dispor da coisa, quer mediante trespasse, quer mediante locação ou mesmo oneração.

2 – Fruir, de forma limitada, a coisa, ou seja, apenas na medida das necessidades (pessoais) do titular ou da sua família (artigo 1484.º, n.º C.C.).

Em matéria de obrigações, cumpre elencar as seguintes: 1 – Relacionamento dos bens; 2 – Prestação de caução, sempre que exigida (artigo 1468.º e seguintes C.C.). 3 – Pagamento das despesas de administração. 4 – Liquidação dos impostos. 5 – Pagamento de outros encargos anuais que incidam sobre o rendimento da

coisa, na proporção da sua fruição (artigo 1489.º C.C.). 6 – Avisar o proprietário da prática ou ameaça de actos lesivos da coisa por parte

de terceiro (artigo 1475.º C.C.). 7 – Agir, de modo geral, como um bom pai de família (artigo 1446.º C.C.). 8 – Restituir a coisa, findo o seu direito (artigo 1483.º C.C.). 9 – Sujeição às providências, mutatis mutandis, descritas no artigo 1482.º do

C.C. caso faça mau uso da coisa objecto do seu direito. Aspectos de diferenciação entre o direito de uso e habitação e o de usufruto: – Limitação da fruição à satisfação das necessidades pessoais e familiares; – Intransmissibilidade do direito de uso e habitação; – Não oneração do direito de uso e habitação. – Carácter pessoalíssimo do direito de uso e habitação. Dos modos de extinção do direito de uso e habitação: 1 – Aplicação das regras relativas ao direito de usufruto (artigos 1476.º e

1485.º): a) Pela morte do usuário ou morador usuário; b) Pela reunião do direito de uso ou habitação e da propriedade na mesma

pessoa; c) Pelo seu não exercício durante vinte anos, qualquer que seja o motivo; d) Pela perda total da coisa usada; e) Pela renúncia [sem necessidade de aceitação pelo proprietário] do usuário ou

morador usuário.

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2 – Causa específica de extinção: desaparecimento da necessidade pessoal que originou a constituição do direito de uso ou habitação [Exemplo: o morador usuário deixa de viver na localidade onde se encontra a habitação].

2.4. Natureza Jurídica Com as devidas adaptações, o aluno deverá recuperar o que se referiu, em matéria de direito de usufruto, sendo certo que importa não ignorar, como esclarece PUGLIESE, que o direito de uso e de habitação não é apenas um minus em relação ao usufruto, mas também um aliud. De facto, estamos perante um direito real sobre coisa alheia mais limitado e com características específicas que lhe dão uma autonomia enquanto direito real de gozo menor.

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ANEXO – LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR:

Artigo 5.º (Casa de morada comum) da Lei n.º 6/2001, de 11 de Maio que dispõe:

«1 – Em caso de morte da pessoa proprietária da casa de morada comum, as pessoas que com ela

tenham vivido em economia comum há mais de dois anos nas condições previstas na presente lei têm direito real de habitação sobre a mesma, pelo prazo de cinco anos, e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua venda.

2 – O disposto no número anterior não se aplica caso ao falecido sobrevivam descendentes ou ascendentes que com ele vivessem há pelo menos um ano e pretendam continuar a habitar a casa, ou no caso de disposição testamentária em contrário.

3 – Não se aplica ainda o disposto no n.º 1 no caso de sobrevivência de descendentes menores que não coabitando com o falecido demonstrem ter absoluta carência de casa para habitação própria».

Artigo 4.º (Casa de morada de família e residência comum) da Lei n.º

7/2001, de 11 de Maio que dispõe:

«1 – Em caso de morte do membro da união de facto proprietário da casa de morada comum, o membro sobrevivo tem direito real de habitação pelo prazo de cinco anos, sobre a mesma, e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua venda.

2 – O disposto no número anterior não se aplica caso ao falecido sobrevivam descendentes com menos de 1 ano de idade ou que com ele convivessem há mais de um ano e pretendam habitar a casa, ou no caso de disposição testamentária em contrário.

3 – Em caso de separação, pode ser acordada entre os interessados a transmissão do arrendamento em termos idênticos aos previstos no n.º 1 do artigo 84.º do Regime do Arrendamento Urbano».

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CASOS PRÁTICOS ANA, casada com BONIFÁCIO, tem 2 filhos, um de 6 meses e outro com 1 ano

de idade. ANA é titular de um direito de habitação sobre o prédio urbano X pertencente a CATARINA. DIANA, irmã de Bonifácio, desempregada, veio viver com o casal.

Recentemente, DIANA apaixonou-se por ANA e levou esta a “descuidar” as suas obrigações conjugais, de tal modo que BONIFÁCIO optou por abandonar, durante algum tempo, a casa de morada de família. ANA e DIANA passaram a tomar as refeições juntas e a partilhar o mesmo leito.

Em 30 de Novembro de 2008, ANA vem a falecer em virtude de uma doença súbita, rara e fulminante.

1 – Diga se o direito de habitação se extinguiu. 2 – Diga se DIANA se integra na noção de família do artigo 1487.º C.C. 3 – Considere que DIANA viveu com ANA em condições análogas aos

cônjuges, tal facto terá alguma relevância no presente direito real de gozo? 4 – Diga se se afigura possível adquirir, por usucapião, um direito de uso? 5 – Diga a cargo de quem ficam as despesas de manutenção prédio urbano X,

durante todo o tempo que o mesmo durar. 6 – Identifique os principais aspectos diferenciadores entre Direito de Usufruto e

Direito de Uso ou Habitação. 7 – Suponha que ANA e BONIFÁCIO tinham, cada um deles, um filho nascido

fora do seu casamento, integrarão eles a noção de família do artigo 1487.º? 8 – E se tais filhos fossem casados?

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FICHA DE LEITURA N.º 17 DO

ESBOÇO DE UM CURSO DE DIREITOS REAIS

2013-2014 CASOS PRÁTICOS DE APOIO

CAPÍTULO II – OS DIREITOS REAIS DE GARANTIA

1. Notas Introdutórias 2. A hipoteca 2.1. Noção Noção de hipoteca: trata-se de uma garantia real que confere ao credor o direito a ser pago pelo valor de certa coisa imóvel (ou móvel sujeita a registo), pertencente ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (artigo 686.º, n.º 1 C.C.). Na hipoteca não há entrega (traditio) da coisa, à semelhança do que ocorre com o penhor, sendo a publicidade assegurada com o registo – que tem efeito constitutivo (artigo 687.º C.C. e artigo 4.º, n.º 2 CRegPred). 2.2. Constituição São vários os modos de constituição da hipoteca: i) Legal: ocorre sempre que a mesma resulta imediatamente da lei, sem dependência da vontade das partes, desde que exista a obrigação a que serve de segurança (artigos 704.º e 705.º C.C.). Deve proceder-se ao seu registo que é um acto constitutivo da mesma. ii) Judicial: é a hipoteca cujo título constitutivo é uma decisão judicial que tanto pode ser uma sentença (de tribunal cível, criminal ou administrativo) que condene o devedor à realização de uma prestação em dinheiro, como um despacho saneador que condene o réu no pedido, ainda que a decisão judicial seja provisória. iii) Voluntária: é a hipoteca que depende da vontade do titular da coisa hipotecada que pode manifestar-se num contrato ou declaração unilateral (artigo 712.º C.C.): testamento e simples concessão unilateral por parte do proprietário, sujeita a escritura pública (artigo 714.º C.C.). 2.3. Objecto A hipoteca pode ter os seguintes objectos: i) Incidir sobre prédios rústicos e urbanos; ii) O direito de superfície (artigo 1540.º e 1541.º C.C.);

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iii) O direito resultante de concessões em bens do domínio público; iv) O usufruto; v) As coisas móveis registáveis; vi) As partes dum prédio susceptíveis de propriedade autónoma, sem perda da sua natureza imobiliária; vii) A quota de coisa ou direito comum (artigo 689.º, n.º 1 C.C.), podendo, com o consentimento do credor, a divisão da coisa ou direito comum limitar a hipoteca à parte que for atribuída ao devedor. 2.4. Regime jurídico Através da hipoteca, o credor hipotecário possui a faculdade de fazer executar o seu objecto, no caso de incumprimento da obrigação garantida, preferindo em relação aos credores comuns e aos outros credores hipotecários cujo registo seja posterior. 2.5. Extinção Podem identificar-se as seguintes formas de extinção da hipoteca: i) Por extinção da obrigação garantida (artigo 730.º, alínea a), do C.C.). ii) Por prescrição, a favor de terceiro, do prédio hipotecado decorridos vinte anos sobre o registo da aquisição e cinco sobre o vencimento da obrigação; iii) Pelo perecimento da coisa hipotecada (artigo 730.º, alínea c) C.C.); iv) Por renúncia do credor (artigo 730.º, alínea d) e 731.º, n.º 1, do C.C.). v) Especificidade do usufruto: va) Se a hipoteca incidir sobre uma coisa sobre a qual foi constituído o usufruto, a sua extinção não prejudica a hipoteca, tudo se passando como se o usufruto nunca tivesse sido constituído (artigo 699.º, n.º 1 C.C.); vb) Se a hipoteca tiver por objecto o direito de usufruto, a extinção deste produz a extinção daquela, salvo se a extinção do usufruto resultar de renúncia ou da transferência dos direitos do usufrutuário para o proprietário ou da aquisição da propriedade por aquele: nestes casos, a hipoteca subsiste, como se a extinção do usufruto não se tivesse verificado (artigo 699.º C.C.). 2.6. Natureza jurídica

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SANTOS JUSTO adopta a doutrina realista, na versão que lhe confere MENEZES CORDEIRO, ao nível da natureza jurídica da hipoteca. Trata-se de um direito cujas características o distinguem como verdadeiro direito real.

3. O penhor 3.1. Noção

Noção de penhor: trata-se duma garantia real que confere ao credor

o direito à satisfação do seu crédito e juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca pertencentes ao devedor ou a terceiro (artigo 666.º, n.º 1 C.C.).

3.2. Constituição

Nos termos do artigo 669.º, n.º 1 C.C., o penhor só produz efeitos

com a entrega da coisa empenhada ou de documento que confira a sua exclusiva disponibilidade.

Com a entrega (traditio) verifica-se a publicitação do penhor, verificando-se a necessidade de protecção de terceiros. Dado que priva o autor do penhor da possibilidade de dispor materialmente da coisa, a entrega pode, em certos situações, ocorrer por via da atribuição da composse ao credor.

No que respeita ao penhor de direitos, a sua constituição está sujeita à forma e publicidade exigidas para a transferência desses direitos (artigo 681.º, n.º 1 C.C.). Por outro lado, se o direito estiver sujeito a registo, só produz efeito a partir do registo (artigo 681.º, n.º 2 C.C.).

3.3. Objecto

Nos termos do artigo 666.º, n.º 1 C.C., o penhor pode incidir sobre

coisas móveis, créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro.

Podemos identificar determinadas categorias de coisas sobre as quais o penhor não pode incidir:

i) Coisas móveis registáveis, ou seja, susceptíveis de hipoteca (automóveis, aeronaves e navios);

ii) Dada a necessidade da coisa móvel ser certa, não podem as universalidades de facto ser dadas em penhor.

iii) Só podem ser empenhados direitos que tenham por objecto bens móveis (artigo 680.º C.C.).

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3.4. Regime jurídico

O penhor é um direito real acessório e indivisível: está o serviço de

um direito de crédito «que dita o interesse e sentido da operação» e, por isso, extingue-se «caso desapareça a obrigação garantida»; se a obrigação garantida se extinguir parcialmente ou se fraccionar, o penhor manter-se-á sobre a totalidade da coisa.

Importa esclarecer que o credor pignoratício é um mero detentor e não possuidor da coisa empenhada [artigo 1253.º, alíneas a), c) C.C.], o que permite que o mesmo possa recorrer às acções possessórias para a defesa do seu direito, mesmo contra o proprietário (artigo 670.º, alínea a) C.C.).

Deveres do credor pignoratício: i) Guardar e administrar a coisa empenhada como um proprietário

diligente; ii) Não usar a coisa sem o consentimento do autor do penhor, salvo

se o uso for indispensável à sua conservação; iii) Restituir a coisa depois de a obrigação se extinguir. iv) Dever de perceber os frutos que devem ser destinados,

sucessivamente, ao pagamento das despesas, dos juros e, finalmente, do capital.

Direitos do credor pignoratício: i) O direito de ser pagar pelo produto da venda da coisa empenhada,

que pode ser feita extrajudicialmente, se assim tiver sido convencionado; ii) Adjudicação da coisa pelo valor que o tribunal fixar (artigo 675.º,

n.º 2); iii) O credor não tem o direito de fazer sua a coisa, mesmo que haja

convenção nesse sentido (artigo 694.º, ex vi artigo 678.º – proibição do pacto comissório).

3.5. Extinção

São várias as causas de extinção do penhor, sendo algumas idênticas

às que se verificam ao nível da hipoteca (artigo 677.º C.C.). Merece especial referência: i) Restituição da coisa empenhada ou do documento que confira a

sua exclusiva disponibilidade: se a sua entrega é necessária, também basta a sua restituição para que a garantia fique despojada da sua eficácia.

3.6. Natureza jurídica

A doutrina diverge em matéria de natureza jurídica do penhor.

Podem apontar-se as seguintes teorias:

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i) Figura processual (CARNELUTTI e LIEBMAN); ii) Direito de crédito (JOSÉ TAVARES); iii) Direito misto (COSENTINO); iv) Direito real complexo. Para SANTOS JUSTO, o penhor é um direito de natureza real que se

revela na faculdade de o credor fazer vender a coisa (quer continue a pertencer ao garante quer a sua propriedade tenha sido transferida para terceiro) e de se fazer pagar pelo preço com preferência aos restantes credores sem garantia.

Argumento em sentido contrário: podendo o penhor incidir sobre direitos e tendo os direitos reais por objecto coisas corpóreas, questiona-se a natureza jurídica desse tipo de penhor. É essa a posição de MENEZES CORDEIRO quando recusa a sua natureza de direito real e de penhor porque «tem por objecto não uma coisa, mas uma prestação», embora reconheça que «a semelhança económica que apresenta com o penhor em

sentido próprio justifica que se fale de penhor de créditos».

4. A consignação de rendimentos 4.1. Noção Noção de consignação de rendimentos: trata-se de uma garantia real que consiste na afectação (ou consignação) dos rendimentos de certos bens imóveis ou móveis sujeitos a registo ao cumprimento de uma obrigação e ao pagamento dos juros, ao cumprimento apenas da obrigação ou só ao pagamento dos juros (artigo 656.º C.C.). Importa sublinhar que tais rendimentos, usados para pagar uma dívida a um devedor, apenas poderão estar indexados a esse fim (prazo nunca superior a 15 anos se incidir sobre rendimentos de imóveis – artigo 659.º, n.º 1 C.C. – ou até ao pagamento da dívida garantida). 4.2. Constituição

São vários os modos de constituição da consignação de

rendimentos: a) Voluntária: quando resulta de negócio jurídico inter vivos ou

mortis causa (artigo 658.º, n.º 2 C.C.). Importa salientar que se o acto for inter vivos, deve revestir a forma de escritura pública se os rendimentos afectados forem de bens imóveis; e de documento particular, se derivarem de bens móveis (artigo 660.º, n.º 1 C.C.).

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De especial importância é a necessidade da consignação de rendimentos ser levada ao registo (artigo 2.º, n.º 1, alínea h) CRegPred), só assim não sendo nos casos em que os rendimentos incidem sobre títulos de créditos nominativos, caso em que deverá ser mencionada nos títulos e averbada de acordo com o regime legal vigente nessa matéria. Do não registo deriva a não produção de efeitos em relação a terceiros, nos termos do artigo 5.º, n.º 1 do CRegPred.

b) Judicial: quando é constituída por decisão judicial, sendo utilizada para evitar a venda (judicial) ruinosa dos bens. Daí que deva ser requerida pelo exequente e supõe o acordo do executado.

4.3. Regime jurídico

Nos termos do artigo 661.º, n.º 1, as partes podem estipular que os

bens continuem em poder do concedente ou passem para o do credor ou de terceiro.

No primeiro caso, quer o concedente quer o credor pode exigir a prestação de contas (respectivamente, ao credor e ao concedente) se a consignação de rendimentos não incidir sobre uma importância fixa (artigo 662.º C.C.). No último caso, o credor fica com o direito de receber os respectivos frutos. 4.4. Natureza jurídica

Os autores advogam que se trata de um direito real de garantia

complexo porque compreende poderes de fruição e de uso e faculdades importadas da locação e hipoteca. 5. Os privilégios creditórios 5.1. Noção

Trata-se de faculdades que a lei, em atenção à causa do crédito,

concede a certos credores de, independentemente de registo, serem pagos com preferência a outros (artigo 733.º C.C.).

Deste modo, os privilégios creditórios derivam da lei e não de negócio jurídico, não estando sujeitos a registo, ainda que se trate de coisa imóvel. A lei concede-os em atenção à qualidade dos credores (Estado, Autarquias Locais, outras pessoas colectivas públicas) ou à natureza do crédito que protegem.

5.2. Noção

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Podem identificar-se várias modalidades: 1.ª Modalidade: privilégios mobiliários – incidem sobre coisas

móveis e pode ser de duas espécies: a) Privilégios mobiliários gerais: abrangem o valor de todos os

bens móveis que existam no património do devedor na data da penhora ou de acto equivalente (artigo 735.º, n.º 2 C.C.). O facto de não incidirem sobre coisa certa e determinada, leva a que não constituam garantias reais; daí que não valham contra terceiros titulares de direitos que, recaindo sobre alguma dessas coisas sejam oponíveis ao exequente (artigo 749.º C.C.);

b) Privilégios mobiliários especiais: compreendem só o valor de determinados bens móveis. Trata-se de verdadeiras garantias reais e, por isso, vigora o princípio da prioridade (prior in tempore, potior in iure), segundo o qual se o privilégio se constituir e depois a coisa (sobre que incide) for alienada a terceiro, o credor goza do direito de sequela.

2.ª Modalidade: privilégios imobiliários – Trata-se de privilégios

que são sempre especiais (artigo 735.º, n.º 3 C.C.). Apesar disso, a lei pode criar privilégios imobiliários gerais para garantia de determinados créditos: os créditos por contribuições do regime geral da previdência e dos respectivos juros.

Têm a seu favor um privilégio creditório mobiliário geral os

créditos: i) Estado e das autarquias locais sobre impostos indirectos e directos

(mas em relação a estes, só aos inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores). De fora ficam os impostos que gozam de privilégio especial (artigo 744.º);

ii) Por despesas do funeral do devedor, conforme a sua condição e costume da terra (artigo 737.º, n.º 1, alínea a) C.C.);

iii) Por despesas com doenças do devedor ou de pessoas a quem este deva prestar alimentos, relativo aos últimos seis meses (artigo 737.º, n.º 1, alínea b) C.C.);

iv) Por despesas indispensáveis ao sustento do devedor e das pessoas a quem este tenha a obrigação de prestar alimentos, nos últimos seis meses (artigo 737.º, n.º 1, alínea c) C.C.);

v) Emergentes do contrato de trabalho ou da violação ou cessação deste contrato, pertencentes ao trabalhador e relativos aos últimos seis meses (artigo 737.º, n.º 1, alínea d) C.C.).

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Têm a seu favor um privilégio creditório mobiliário especial os créditos:

i) Por despesas de justiça feitas directamente no interesse comum dos credores, destinadas à conservação, execução ou liquidação de bens móveis (artigo 738.º, n.º 1 C.C.);

ii) Resultantes do imposto do selo em relação aos bens móveis transmitidos (artigo 738.º, n.º 2 C.C.);

iii) Derivados de fornecimentos de sementes, plantas e adubos, e de água ou energia para irrigação ou outros fins agrícolas (artigo 739.º, alínea a) C.C.);

iv) Resultantes de facto que implique responsabilidade civil (artigo 741.º C.C.);

v) Do autor de obra intelectual fundados em contrato de edição (artigo 742.º C.C.).

Têm a seu favor um privilégio creditório imobiliário os créditos: i) Despesas de justiça feitas directamente no interesse comum dos

credores, para a conservação, execução ou liquidação de bens imóveis (artigo 743.º C.C.);

ii) Imposto municipal sobre imóveis devido às autarquias locais, inscrito para cobrança no ano corrente na data da penhora ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores (artigo 744.º, n.º 1 C.C.);

iii) Imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis e imposto do selo (artigo 744.º, n.º 2 C.C.). 5.3. Regime jurídico

Dada a multiplicidade de privilégios creditórios urge proceder à sua

graduação. Deste modo, fala-se de concurso de créditos privilegiados, sendo os mesmos pagos pela ordem indicada e, além disso, sempre que existirem créditos igualmente privilegiados, verificar-se o rateio entre eles, na proporção dos respectivos montantes.

Ora, tal ordem é a seguinte: i) Primeiro: os privilégios por despesas de justiça, sejam mobiliários

ou imobiliários (artigos 738.º, n.º 1 e 743.º C.C.); ii) Segundo: estes privilégios preferem sobre as outras garantias

mesmo anteriores, que onerem os mesmos bens, e valem contra os terceiros adquirentes;

iii) Terceiro: os restantes privilégios seguem a seguinte ordem: a) Mobiliários: são graduados sucessivamente os seguintes créditos: I – Mobiliários especiais (artigo 747.º, n.os 1, alíneas a) a e) C.C.): 1.º Estado: por impostos; 2.º Autarquias Locais: por impostos; 3.º Fornecimentos destinados à produção agrícola;

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4.º Facto que dê lugar a responsabilidade civil; 5.º Autor de obra literária. II – Mobiliários gerais (artigos 747.º, n.º 1, alínea f) C.C.): 1.º Autarquias Locais: por imposto sobre as transmissões

onerosas de imóveis e ao imposto do selo. 2.º Autarquias Locais: pelo imposto municipal sobre imóveis.

5.4. Extinção

Nos termos do artigo 752.º C.C., os privilégios extinguem-se pelas

mesmas causas por que se extinguem a hipoteca.

5.5. Natureza jurídica A doutrina entende que os privilégios creditórios mobiliários

especiais e imobiliários são verdadeiros direitos reais de garantia: incidem sobre coisas certas e determinadas e gozam de prevalência.

Dada a falta de determinação da coisa, os privilégios creditórios mobiliários gerais não tem essa natureza: segundo OLIVEIRA ASCENSÃO tratar-se-ia tão simples de «preferências no pagamento em

processo executivo, não são direitos sobre bens».

6. O direito de retenção 6.1. Noção O direito de retenção reconduz-se à faculdade de o detentor de uma coisa móvel ou imóvel não a entregar a quem lha pode exigir, enquanto não cumprir a obrigação a que está adstrito para com o seu titular, nos termos do disposto nos artigos 754.º e 755.º C.C. Trata-se de um direito com origem legal e não negocial, não estando sujeito a registo, e cuja verificação implica a presença dos seguintes requisitos: 1.º Detenção lícita da coisa que deve ser entregue a outrem (artigo 756.º, alínea a) C.C.; 2.º O devedor da restituição da coisa é credor daquele a quem deve restituir (artigo 754.º C.C.); 3.º O crédito do obrigado a restituir deve resultar de despesas feitas por causa da coisa ou de danos por ela causados (artigo 754.º C.C.) e estar vencido. 6.2. Regime Jurídico

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O regime do direito de retenção é diferenciado: i) Regime genérico: quando o crédito do devedor da restituição «resultar de despesas feitas por causa da coisa ou de danos por ela

causados» (artigo 754.º C.C.); ii) Regime excepcional: em situações legalmente definidas, nos termos do artigo 755.º C.C. Existem situações de exclusão do direito de retenção: i) Obtenção da coisa por meios ilícitos; ii) Despesas feitas de má fé; iii) Coisas impenhoráveis; iv) Prestação de caução suficiente (artigo 756.º C.C.). Casos de existência do direito de retenção antes do vencimento do crédito que o justifica: o caso do artigo 757.º C.C. Aspectos do regime: i) Direito retenção incide sobre coisa móvel: a lei equipara-o ao penhor, salvo no que respeita à substituição ou reforço (artigo 758.º, 666.º, 670.º a 673.º, 675.º). ii) Direito retenção incide sobre coisa imóvel: a lei concede ao seu titular a faculdade de a executar nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário e de ser pago com preferência aos demais credores do devedor (artigo 759.º, n.º 1 C.C.); e, até à entrega da coisa, os direitos e obrigações do titular do direito de retenção são regulados pelas regras do penhor com as necessárias adaptações (artigo 759.º, n.º 3). iii) Concorrência de direito retenção e privilégio creditório sobre a mesma coisa imóvel: este prevalece ainda que aquele seja anterior (artigo 751.º). Se concorrerem o direito de retenção e uma hipoteca, já aquele prevalece, ainda que seja anterior (artigo 759.º, n.º 2 C.C.). iv) Sendo o direito de retenção concedido pela lei em atenção a particulares qualidades do crédito garantido, compreende-se que seja intransmissível sem o crédito que garante (artigo 760.º C.C.). 6.3. Extinção do direito de retenção O direito de retenção, nos termos do artigo 761.º C.C., extingue-se pelas mesmas causas por que cessa a hipoteca e ainda pela entrega da coisa que funciona como renúncia tácita. 6.4. Natureza jurídica do direito de retenção

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Sendo-lhe comuns as características da inerência, sequela e prevalência, estamos perante um verdadeiro direito real de garantia. CAPÍTULO III – OS DIREITOS REAIS DE AQUISIÇÃO 1. DIREITO DE PREFERÊNCIA COM EFICÁCIA REAL 1.1. Noção e breves notas históricas

O direito de preferência com eficácia real (direito de opção,

preempção, prelação e tanteio) permite a uma dada pessoa, verificado um certo circunstancialismo, a aquisição de uma coisa (imóvel) no caso de o proprietário da mesma a pretender alienar, desde que o preferente se predisponha a pagar a importância que o terceiro oferece. A origem histórica do instituto, segundo SANTOS JUSTO remonta, quer no direito

de avoenga (que atribuía aos parentes de vendedores de bens de raiz, herdados de ascendentes comuns, a preferência na sua alienação, pagando um justo preço), quer ao direito de opção (que, na enfiteuse, o titular do domínio directo tinha na venda do domínio útil, permitindo a sua aquisição pelo preço oferecido ao enfiteuta ou impondo-lhe, se não quisesse adquirir, o pagamento de uma percentagem (2%) do preço recebido (laudeminum)). 1.2. Modalidades ou formas de constituição do direito de preferência com eficácia real Podemos identificar as seguintes modalidades ou formas de constituição do direito de preferência legal: a) Origem legal ou resultante da lei: Trata-se daqueles casos em que o legislador, por diversas razões (transmissão de segurança à posição dos arrendatários e do senhorio; evitar a constituição de terrenos com áreas que dificultam a rendibilidade da sua exploração agrícola; impedir conflitos de comproprietários e proporcionar a melhor exploração dos bens; etc.) atribui a determinadas pessoas um direito de preferência. É o que ocorre nos seguintes casos: i) Em matéria de arrendamento urbano – artigo 1091.º C.C., na redacção introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro; ii) Em matéria de arrendamento rural – artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro; iii) Em matéria de prédios rústicos confinantes cuja área é inferior à da unidade de cultura – artigo 1380.º C.C.; iv) Em matéria de compropriedade – artigo 1409.º C.C.; v) Em matéria de direito de superfície – artigo 1535.º C.C.;

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vi) Em matéria de alienação de prédio dominante – artigo 1555.º C.C.; vii) Em matéria de quinhão hereditário – artigo 2130.º C.C.; b) Origem convencional: é aquela que resulta de um pacto de preferência com eficácia real (artigos 414.º e 421.º C.C.), ou seja, de um contrato (ao qual foi atribuída eficácia real) através do qual um dos contraentes assume a obrigação de, em igualdade de condições, escolher determinada pessoa (a outra parte ou terceiro), no caso de decidir celebrar determinado negócio. De forma sintética: significa que alguém se compromete, no caso de decidir contratar, a dar preferência a certa pessoa. No caso de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, o pacto de preferência, após o seu registo, assume a natureza de direito real de aquisição logo que se observem os requisitos de forma e publicidade constantes do artigo 413.º C.C. No caso de tal obrigação de preferência for imposta no testamento a herdeiro ou legatário, deve ser registada pelo beneficiário do encargo para poder ter eficácia real (artigo 2235.º C.C.). 1.3. Regime jurídico Nos termos dos artigos 1410.º e 421.º, n.º 2, a eficácia real do direito legal de preferência significa que o preferente tem a possibilidade de opor o seu direito (de aquisição da coisa) a qualquer adquirente da coisa. Esta ideia implica que a acção de preferência deva ser instaurada não só contra o adquirente, mas também contra o alienante porque assenta no incumprimento da sua obrigação. O preterido e titular do direito de preferência, após obter ganho de causa, verá, retroactivamente, as coisas passarem-se como se o contrato tivesse inicialmente sido celebrado entre o alienante o preferente. O exercício do direito de preferência varia consoante estejamos ao nível de uma das duas seguintes situações: 1.º Caso: o obrigado a dar preferência não comunicou o projecto de alienação ao preferente: prazo de seis meses – artigo 1410.º, n.º 1 C.C.; 2.º Caso: o obrigado a dar preferência comunicou o projecto de alienação ao preferente: prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo. 1.3. Natureza jurídica. Posições doutrinárias

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Em matéria de natureza jurídica do direito real (legal) de aquisição a doutrina encontra-se numa “turbulenta” viagem dogmática, da qual não se vislumbra, a curto prazo, a chegada a qualquer porto seguro. 1.ª Posição de MENEZES CORDEIRO: Para este autor, o direito das coisas surge como a «afectação jurídico-privada de uma coisa

corpórea aos fins de pessoas individualmente consideradas». Todavia, seria possível «alargar o conceito de direito real a casos em que não haja

quaisquer poderes sobre coisas», como seria o caso dos direitos reais de aquisição que se configuram como uma «afectação que visa a aquisição de

direitos relacionados com a coisa afectada». 2.ª Posição de OLIVEIRA ASCENSÃO: As preferências legais têm natureza real, porque é «também verificável a inerência própria de

todos os fenómenos reais». 3.ª Posição de MOTA PINTO: Considera o preferente titular de uma relação obrigacional complexa integrada por um direito de crédito e por um direito potestativo, embora desvalorize este problema que entender ser uma «questão de menor importância». 4.ª Posição de HENRIQUE MESQUITA: O preferente «tem

apenas, imediatamente, direito em relação a um contrato» e «só

mediatamente, já na veste de sujeito ou parte desse contrato, é que adquire

a posição real sobre a coisa alienada». É por isso que «os direitos reais

são direitos sobre coisas e não direitos em relação a um contrato», daí que o direito de preferência dotado de eficácia erga omnes se pode qualificar como «uma relação jurídica complexa integrada por direitos de crédito e

direitos potestativos que visam proporcionar e assegurar ao preferente

uma posição de prioridade na aquisição, por via negocial, de certo direito,

logo que se verifiquem os pressupostos que condicionam o exercício da

prelação». Por último, «deve considerar-se sujeito ao princípio do numerus

clausus, como se de um ius in re se tratasse». 5.ª Posição de SANTOS JUSTO: Inclina-se para a orientação personalista, referindo que não lhe repugna aceitar a natureza creditória do direito “real” de aquisição, embora fortemente tutelada e sem prejuízo da sua sujeição ao princípio do numerus clausus. Em abono de tal posição, invoca os direitos de aquisição dotados de eficácia real que podem caducar ou prescrever nos termos gerais, contra o que sucede nos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície e servidão. 2. A promessa (contrato) de alienação com eficácia real 2.1. Noção

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Noção de contrato-promessa com eficácia real: trata-se de um negócio jurídico em que uma das partes promete transmitir ou constituir um direito real sobre bens imóveis ou móveis sujeitos a registo que, mediante declaração expressa e inscrição no registo, goza de eficácia real. A produção de efeitos reais, relativamente a terceiros, implica a presença dos seguintes requisitos: i) Declaração expressa; ii) Escritura pública ou (se o contrato-prometido não estiver sujeito a esta formalidade) documento particular com reconhecimento da assinatura da parte que se vincula ou de ambas, consoante se trate de contrato-promessa unilateral ou bilateral; iii) Inscrição no registo. 2.2. Regime jurídico No caso de recusa à celebração do contrato-prometido, por parte do promitente-vendedor, o promitente-comprador poderá recorrer à execução específica, nos termos do disposto no artigo 830.º, n.º 1 C.C. Na maior parte dos casos a coisa já terá sido alienada a um terceiro, pelo que a acção do promitente-comprador deverá ser instaurada contra o promitente-vendedor e o terceiro (adquirente) para ser condenado a abrir mão da coisa. Se a aquisição de terceiro estiver registada, deve pedir-se o cancelamento da inscrição feita a seu favor. 2.3. Natureza jurídica Em matéria de natureza jurídica do contrato-promessa com eficácia real, podemos identificar duas posições: i) um direito real de aquisição; ii) um direito de crédito. 1.ª Posição realista – um direito real de aquisição: quem considera que o promissário pode sempre, por via da execução específica, sem a cooperação do promitente ou mesmo contra a sua vontade, obter o direito real que este se obrigou a transmitir ou constituir. 2.ª Posição personalista – um direito de crédito: aqueles que entendem que o direito real traduz uma afectação jurídica de uma coisa, consideram que não repugna aceitar o seu carácter real porque, embora «a afectação da coisa não traduza um benefício imediato, visa o aparecimento de novo direito». Defende a posição personalista HENRIQUE MESQUITA, referindo que o regime da execução específica «não corresponde qualquer direito de natureza real» porque «do que se trata não é de um ius in re, mas antes e apenas do direito a uma prestação debitória, embora obtida por meio do

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tribunal». Ou seja, «A aquisição do direito real decorre do contrato e não directa e imediatamente do exercício do direito de execução específica». Refere-se, ainda, que, por «efeito da promessa, o respectivo beneficiário é apenas titular de um direito de natureza creditória: o direito de exigir do promitente a celebração do contrato definitivo, podendo conseguir esse resultado através da execução específica». Quanto ao argumento do artigo 413.º C.C., entende que a sua redacção teria sido mais rigorosa se nele se houvesse empregado, em vez da expressão eficácia real, a expressão eficácia contra terceiros (ou a expressão oponibilidade a terceiros que é a utilizada no Código do Registo Predial – artigo 5.º)». SANTOS JUSTO adere à posição personalista segundo a qual o contrato-promessa com eficácia real emerge um direito de natureza creditória, embora fortemente tutelado, sem prejuízo da sua sujeição ao princípio do numerus clausus. 2.4. Outros direitos reais de aquisição A doutrina identifica, ainda, outros direitos reais de aquisição que, na maior parte dos casos, se configuram como verdadeiros direitos potestativos: i) O direito do proprietário e superficiário de prédio confinante com parede ou muro alheio adquirir comunhão (artigo 1370.º); ii) O direito de constituir uma servidão legal de passagem (artigo 1550.º C.C.); iii) O direito de aproveitar as águas dos prédios vizinhos que estejam sem utilização (artigos 1558.º, n.º 1 e 1561.º, n.º 4 C.C.); iv) O direito de servidão legal de aqueduto (artigo 1561.º C.C.).

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FICHA DE LEITURA N.º 18 DO

ESBOÇO DE UM CURSO DE DIREITOS REAIS

ANO LECTIVO 2013-2014 OBJECTIVOS E TÓPICOS A RETER

FICHA DE LEITURA – COMPLEMENTAR – PRINCÍPIOS D. REAIS –

Além dos princípios já estudados, a recente doutrina portuguesa – JOSÉ ALBERTO C. VIEIRA –, veio identificar outros princípios cujo conhecimento se afigura imprescindível para os alunos do presente Curso de Solicitadoria e Administração. Trata-se, essencialmente, de quatro princípios: I – Princípio da Inerência; II – Princípio da Absolutidade; III – Princípio da Boa Fé; IV – Princípio da territorialidade.

I – Do Princípio da Inerência

Na enunciação que efectuou o citado autor, na nossa perspectiva, haverá que corrigir a referência a que o mesmo faz à ideia de que os direitos reais (apenas) têm por objecto coisas corpóreas. Dito isto, afigura-se correcto afirmar que «cada direito real tem uma coisa determinada por objecto e, na ausência de causa legal, não pode ser dissociado ou separado dela, nomeadamente, para ter outra coisa por objecto».

É a esta ligação “íntima ou umbilical” entre o direito e a coisa que é usual denominar-se de “inerência”. Todavia, na doutrina procedeu-se à distinção entre o lado interno e o lado externo da inerência.

Lado interno: destaca a ideia de inseparabilidade entre direito e coisa.

Lado externo: a sequela – enquanto consequência dinâmica da inerência, já que permite ao titular do direito real ir buscar a coisa ainda que esta passe pelas mãos de várias pessoas e onde quer que ela se encontre, fazendo uso, se necessário, da acção de reivindicação.

Noção de inerência: a coisa (corpórea [e incorpórea, na nossa perspectiva]) é objecto de um direito real e não pode ser separada dele. Se um direito real se constitui sobre uma coisa, ele só pode ter por objecto essa coisa e não uma coisa diversa.

A esta luz, percebe-se que o direito real é inerente a uma coisa determinada, isso implicará a sua extinção sempre que o direito real perecer. Vejamos algumas regras que exprimem, de forma expressa, esta ideia:

i) A extinção do usufruto – artigo 1476.º, n.º 1, alínea d) C.C.

ii) A extinção do direito de uso e habitação – artigo 1476.º, n.º 1, alínea d) C.C. ex vi artigo 1485.º C.C.

iii) A extinção do direito de superfície – artigo 1536.º, alínea e) C.C.

iv) A extinção da hipoteca – artigo 730.º, alínea c) C.C.

v) Extinção dos demais direitos de garantia – artigos 664.º, 677.º, 752.º e 761.º C.C.

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O princípio aflora nos artigos 1545.º, n.º 1 e no artigo 1546.º C.C., já que se estabelece a inseparabilidade e indivisibilidade das servidões prediais. De igual modo, deve entender-se que, nos casos de mudança de servidão predial, prevista no artigo 1568.º, n.º 1 C.C., em que o direito passa a exercer-se noutro prédio, deve entender-se que ocorre a extinção da servidão existente e a constituição de uma nova.

Para maiores desenvolvimentos, pode consultar-se: VIEIRA, José Alberto C., Direitos Reais, Coimbra Editora, Coimbra, 2008: (1-899): 210-214.

II – Do Princípio da Absolutidade

O Direito real é uma situação jurídica absoluta ou um direito subjectivo absoluto, já que se trata de uma situação ou direito subjectivo que existe por si, sem dependência de uma outra situação de sinal contrário.

Já o vimos, os direitos de crédito são relativos, têm eficácia inter partes, ao passo que os direitos reais são absolutos e possuem eficácia erga omnes.

Importa referir que a contraposição entre direitos absolutos e relativos pode ser analisada sob três perspectivas distintas:

– a da responsabilidade civil;

– a da estrutura da situação jurídica considerada;

– o da oponibilidade.

Para maiores desenvolvimentos, pode consultar-se: VIEIRA, José Alberto C., Direitos Reais, Coimbra Editora, Coimbra, 2008: (1-899): 225-230.

III – Do princípio da Boa Fé

A importância da boa fé nos Direitos Reais surge, essencialmente, ao nível de dois institutos:

i) A posse, com inclusão da matéria da usucapião;

ii) A acessão industrial, contando com a matéria da especificação.

A boa fé consiste num estado de espírito do agente e isso faz dela uma boa fé em sentido subjectivo.

De qualquer modo, questiona-se se a boa fé deve ser entendida em sentido psicológico ou em sentido ético.

A boa fé em sentido psicológico consiste na mera ignorância do sujeito relativamente a certos factos ou estado de coisas; em sentido ético, a boa fé postula o cumprimento de deveres de diligência, ou seja, uma ignorância desculpável do sujeito relativamente a factos ou estado de coisas.

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A boa fé surge-nos como um dos critérios sistemáticos de caracterização da posse (artigo 1258.º C.C.).

O possuidor de boa fé tem algumas vantagens:

i) Tem um poder de fruição (artigo 1270.º, n.º 1 C.C.), contrariamente ao de má fé (artigo 1271.º, 1.ª parte C.C.), que responde ainda pelos frutos que um possuidor diligente teria podido obter (artigo 1271.º, 2.ª parte C.C.);

ii) O possuidor de boa fé só responde pela perda ou deterioração da coisa havendo culpa sua, enquanto o possuidor de má fé está sujeito a um regime agravado de responsabilidade civil objectiva. O possuidor de boa fé pode ainda levantar as benfeitorias voluptuárias que haja feito, contando que não haja detrimento na coisa (artigo 1275.º, n.º 1), o que é negado ao possuidor de má fé.

iii) Em matéria de usucapião, o possuidor de boa fé beneficia de prazos menos dilatados quando comparados com os prazos de usucapião do possuidor de má fé (artigos 1294.º a 1296.º e 1298.º a 1300.º C.C.).

Na acessão industrial – abrangendo a especificação –, existem diferenças no caso de boa ou má fé:

i) a união ou mistura de coisas pertencentes a donos diferentes realizada de boa fé está sujeita a um regime mais favorável do que a má fé (artigos 1333.º, 1334.º, 13336.º, 1337.º, e 13240.ºa 1343.º C.C.);

ii) havendo boa fé, o autor da confusão ou da mistura pode beneficiar da atribuição do direito à acessão, o que não sucede, em regra, existindo má fé (artigos 1334.º, 1337.º, 1341.º e 1342.º).

Para maiores desenvolvimentos, pode consultar-se: VIEIRA, José Alberto C., Direitos Reais, Coimbra Editora, Coimbra, 2008: (1-899): 245-251.

IV – Do princípio da Territorialidade

Pretende significar que a ordem jurídica portuguesa é a única a determinar o regime jurídico-real das coisas situadas em território português e que esse regime jurídico é o Direito material português.

Como refere J. A. C. VIEIRA, «Se o princípio surge incontroverso para as coisas imóveis, como manifestação da soberania do Estado português, ele vale igualmente para as coisas móveis que se encontrem em Portugal, ainda que a titularidade do direito real caiba a cidadãos estrangeiros».

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FICHA DE LEITURA N.º 19 DO

ESBOÇO DE UM CURSO DE DIREITOS REAIS

ANO LECTIVO 2013-2014 OBJECTIVOS E TÓPICOS A RETER

IV – PARTE – TERCEIROS PARA EFEITOS DE REGISTO

CAPÍTULO I – AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE:

TERCEIROS PARA EFEITOS DE REGISTO

1. Justificação da inserção do tema

As presentes notas, em matéria de «terceiros para efeitos de

registo», resultam de uma Conferência proferida pelo meu saudoso Mestre ORLANDO DE CARVALHO, no já longínquo ano de 1994, no dia 1 de Julho, ao Curso dos Registos e do Notariado, tendo sido publicada no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, n.º 70 (1994): p. 97-106. Com a devida vénia, reproduz-se, com algumas notas, tal ensinamento, devendo o texto, por isso, ser usado para efeitos estritamente académicos e dos alunos do Curso de Solicitadoria e Administração de Coimbra (ISCAC).

2. TERCEIROS PARA EFEITOS DE REGISTO

Uma das noções mais importantes no nosso direito registal predial é

a noção de terceiros para efeitos de registo. Noção praticamente pacífica na nossa jurisprudência e na nossa doutrina, na esteira dos países, como a França e a Itália, em que o nosso sistema se inspirou, viu-se, a partir dos anos 60, estranhamente conturbada, havendo mesmo uma corrente contrastante que ganhou algum peso nos nossos pretórios, conseguindo ter eco, surpreendentemente, no Supremo Tribunal de Justiça. E então é que o problema foi grave, pois, como é sabido, os juízes é que são a verdadeira law in action, eles é que têm a rara virtude de desempenhar, no mecanismo da determinação social, o papel da Moira grega ou do Fatum latino: esse filho do Caos e da Noite, na visão de HESÍODO – o que não é muito

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prometedor nem lisonjeiro para a sua frónesis ou a sua prudência… Ainda um acórdão recente, de 3-6-1992, comentado na nossa mais antiga e prestigiada revista, voltou a ocupar-se do assunto. E se regressa, avisadamente, a uma boa e sã doutrina, a aplicação que dela faz é, a nosso ver, incorrecta, posto o comentário crítico também não esteja isento de reparos.

Entremos, pois, em matéria. De há muito que se sente a conveniência de alertar o público para as

mutações de domínio sobre bens imóveis – e, à semelhança deles, sobre móveis que incorporam grandes unidades de valor, na fórmula de MANUEL DE ANDRADE (ao actualizar as razões da distinção entre móveis e imóveis) –, ou, dito de maneira mais pertinente, de alertar os obrigados pela obrigação passiva universal: e por isso o problema é comum aos sistemas jurídicos antigos e modernos, e, entre estes, tanto ao romano-germânico como ao escandinavo e ao anglo-saxónico. Mas a exigência é particularmente aguda nos chamados sistemas do título – em que a produção do efeito real depende da justa causa de atribuição, o que, nas mutações de domínio provenientes de contrato, coincide com o acordo em que se estabelece a vontade de atribuir e de adquirir o ius in res, ou seja, o simples consenso (com a respectiva formalização, se exigida) em que se acorda essa transmissão ou constituição de direitos, independentemente de qualquer acto ulterior destinado a executar a vontade contida naquele (modo). O direito português, como os direitos francês, italianos, etc., é, nos termos do artigo 408.º, n.º 1, do Código Civil, um sistema de título, e, como frisámos nas nossas lições de Direito das

Coisas, é mesmo um sistema rigorosamente de título, na medida em que não só, ao invés dos suíço e austríaco, não incorpora um modo no título, mas também, ao invés dos direitos italiano e francês, não acolhe, em menor ou maior grau, a regra «Posse vale título» – vestígio, nos sistemas modernos, da antiga regra germânica «Hand ware Hand» («A mão garante a mão»). Sendo assim um sistema rigorosamente causal (até na letra de câmbio, onde a abstracção tem só que ver com a legitimação cambiária, mas não com o ius in re sobre a letra) e um sistema em princípio consensual (consensualidade sensu lato, no sentido exposto, pois não é o nudus consensus que basta, mas o título com as formalizações exigidas por lei), é óbvio que sem uma publicidade suficiente os riscos para o público seriam enormes. Donde a importância de um princípio de publicidade como compensador da causalidade e consensualidade, princípio que, para os móveis comuns, se basta com as excepções à consensualidade que se estabelecem em matéria de doação (artigo 947.º, n.º 2 C.C.), de penhor de coisas (artigo 669.º C.C.), de penhor de créditos (artigo 681.º, n.º 2 C.C.), de títulos ao portador (artigo 483.º C.C.), mas, no que toca aos imóveis, impõe um ónus de registo em todas as mutações e vicissitudes

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do domínio, a cargo das conservatórias do registo predial. Já não falando de certos móveis sui generis (veículos automóveis, navios mercantes, aeronaves, bens da propriedade autoral e da propriedade industrial, partes sociais, acções) que também beneficiam, em maior ou menor medida, de uma publicidade semelhante, a cargo das conservatórias ou organismos afins.

O registo predial português, que, além da sua importância própria, serve ainda de paradigma aos registos congéneres, tem, como se sabe, as seguintes características, herdadas do modelo francês e italiano: é um registo de aquisições (não um registo de pessoas, como o registo civil e o registo nacional de pessoas colectivas, ou um registo de bens, como o registo da propriedade industrial), é um registo declarativo (não um registo constitutivo, como o do «Grundbuch» alemão e austríaco) e é um registo facultativo (não um registo obrigatório, como parcialmente acontece com o registo comercial). Todos sabemos o que significam estes termos. O registo é facultativo porque a sua inobservância, embora tenha consequências jurídicas, constitui inobservância de um simples ónus do adquirente, não infracção de um autêntico dever, garantido por sanções administrativo-penais. O registo é declarativo, porque mera condição de eficácia da sua aquisição, não condição da sua validade. A aquisição sem registo não deixa de ser válida inter partes. Independentemente dos representantes e seus herdeiros, a que alude o artigo 5.º, n.º 3, do Código do Registo Predial (CRPred.), há que notar que, enquanto não haja registo ou registos de aquisições colidentes, prevalece inteiramente a primeira aquisição, de acordo com a regra prior in tempore, potior in iure. Só foge a isto, desde 1959, a constituição de hipoteca, em que o registo é constitutivo e, por conseguinte, condição de validade da aquisição do direito. Há quem fale a este propósito de condição de eficácia, mas, se bem julgamos, sem critério, pois a aquisição que não é eficaz nem inter nem supra partes, e não apenas in tempus, mas in perpetuum, é uma aquisição que não vale porque não se fez validamente. É o que ocorre justamente aqui. Decerto que o título existe (o acto ou acordo hipotecário), mas a constituição de hipoteca exige, além dele, um modo, que é o registo da aquisição. Trata-se de um direito de formação complexa, caso em que o preenchimento de um dos termos do iter não chega para a validar ou validar parcialmente. Dizer-se que a constituição de hipoteca sem registo é tão-só ineficaz, tem tanto sentido como dizer-se que é ineficaz a venda de um imóvel sem escritura. A não ser que nos refiramos à ineficácia em sentido amplo, que engloba todas as razões de não produção dos efeitos pretendidos, desde a inexistência, à invalidade, à ineficácia stricto sensu e à mera irregularidade (assim, por ex., MANUEL DE ANDRADE, na sua Teoria, para enquadramento sistemático dessas figuras). Só que se o Direito é discurso e o discurso é o rigor, não cremos que se caracterize minimamente a

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situação. Por fim, o nosso registo é um registo de mutações ou aquisições (já que as extinções da alínea x) do artigo 2.º, n.º 1, do CRPred., são também aquisições: pelo menos, aquisições derivadas restitutivas), na linha tradicional da transcrição ítalo-francesa, embora superada e melhorada através da técnica do fólio real e do registo de todas as alterações do domínio, originárias ou derivadas, inter vivos ou causa mortis, voluntárias ou não, ao invés do que acontece naqueles direitos. Significa isto que não se faz uma ficha biográfica do prédio verdadeiramente credível, como as que caracterizam o sistema do «Grundbuch» e, maximamente, o sistema do Real Property Act australiano. O que se regista são as vicissitudes do domínio, as mudanças na sua titularidade. Um sistema de ficha biográfica credível é um sistema dispendiosíssimo, exigindo um rigoroso cadastro geométrico, o acerto contínuo das confrontações, a actualização permanente da história dos bens – coisa impensável nos nossos pobres registos fundiários, sem cadastro, sem topógrafos, com poucos meios do orçamento. Daí a modéstia a que os serviços se obrigam – tal como se obrigam, em matéria de patentes, em face do luxo do «first to invent

system» do Canadá e dos Estados Unidos. E agora já estamos de posse do quadro em que se situa o problema

dos terceiros para efeitos de registo. Diga-se apenas que os princípios do registo se acomodam, apesar da sua nomenclatura opulenta, à parcimónia desta técnica de inscrições e dos desígnios do sistema declarativo: não a substituição da verdade material por uma verdade registal ou tabular que, como no sistema TORRENS, praticamente a elimina – por modo a que o prédio circula através de um certificado semelhante ao que entre nós se introduziu com o timesharing – mas, ao invés, a manutenção das duas verdades, cada uma com o seu regime e a sua esfera específicos, pois o registo oferece-se como a imagem possível da situação jurídica do bem, aproximativa, posto constitua um repositório de dados sempre dignos de atenção pelos interessados na situação do prédio – vista a credibilidade do serviço ou, nesta medida, a sua fé pública. Como frisa COVIELLO, «a transcrição é uma forma externa que não exerce nenhuma influência sobre a substância do negócio: se este é nulo ou anulável, fica tal como era mesmo depois de transcrito. Aquela não sana os vícios do título, não cria direitos, apenas os conserva. Havendo colisão entre o direito fundado num título válido mas não transcrito, e um título transcrito mas nulo ou anulável por razões de forma ou de substância, é sempre o primeiro que terá a prevalência». O que não obsta, como vimos, a que a inscrição constitua um alerta para os interessados possíveis – algo sobre que eles deverão convenientemente informar-se e tomar eventualmente providências já que do registo decorrem três espécies de efeitos. O que eu chamo o efeito imediato ou automático do registo, que se liga ao registo definitivo, e não ao registo provisório: a presunção iuris tantum da titularidade do

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direito, nos precisos termos em que o registo o define (artigo 7.º CRPred.) O que eu chamo os efeitos laterais do registo e que são todos aqueles que se consignam na lei, independentemente dos dois outros efeitos: assim, o do artigo 291.º do Código Civil (tutela de terceiros de boa fé contra a invocação de invalidades do negócio jurídico), o do artigo 435.º do mesmo diploma (tutela de terceiros na hipótese de resolução) e os dos artigos 1294.º e 1298.º ainda desse código (prazos de usucapião). Finalmente, e este é o mais importante, o que eu chamo o efeito central do registo e que é o que se consigna no artigo 5.º CRPred., combinado com o artigo 6.º: a inoponibilidade a terceiros dos factos sujeitos a registo enquanto este se não fizer, acompanhada da substituição, em matéria de prevalência, da regra da prioridade da aquisição pela da prioridade da inscrição.

E eis-nos no coração do problema da noção registal de terceiros. O desejável, já se disse, era que o registo fosse uma publicidade eficaz em face de todos os obrigados pela obrigação passiva universal, ou seja, e como defendo no meu Direito das Coisas, de todos os outros membros da comunidade jurídica que arbitra o poder sobre os bens ou das comunidades jurídicas que reconhecem essa ordem. Observe-se, contudo, que esse objectivo pode entender-se em termos mais de eficácia do que de publicidade, tendendo a garantir uma protecção absoluta dos direitos – o que só se consegue, obviamente, com um sistema de registo constitutivo integrado por um princípio de abstracção: o sistema da Eintragung alemã, ou do negócio real («negócio de disposição») como negócio abstracto em face do negócio obrigacional («negócio compromissório»), quer dizer, o puro sistema de modo, perante o qual os vícios do título são totalmente improcedentes. Mas já não, acentue-se, no «Grundbuch» austríaco e suíço, como vimos, dado serem sistemas causais, e mesmo no sistema TORRENS, visto o registo ser facultativo, não excluindo que fora dele haja disposições não registadas, regulando-se pelas regras gerais do negócio jurídico (o registo não é aí condição de validade nem verdadeira condição de publicidade da aquisição: o seu fim é tornar o direito incontrovertível e mobilizável nos termos expostos). O registo, porém, pode entender-se de maneiro menos exigente, ou seja, dirigir-se mais à publicidade do que à plenitude da garantia. É o que se pratica na maioria esmagadora dos ordenamentos jurídicos e o que se pretende com o registo declarativo. Busca-se aí tornar pública a aquisição, competindo aos interessados precaver-se em consequência. E o meio, o démarreur, dessa tomada de precauções, é justamente o ser o registo condição de oponiblidade do direito, nos moldes em que o registo o demarcou, aos terceiros portadores de pretensões contraditórias. Sabendo isso, o adquirente vai prevenir-se com o registo, pois, não o fazendo, uma aquisição conflituante ulterior a cuja inscrição se proceda, embora sofra de

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ilegitimidade do tradens (se a primeira aquisição é válida, a segunda não o é, salvo se o novo adquirente é subadquirente do primeiro), vê essa ilegitimidade suprida pelo respectivo registo, isto é, pela inoponibilidade da aquisição não registada e, mesmo em caso de diligência tardia do primeiro adquirente, pela prevalência do registo primeiramente feito. Com este simples mecanismo, é esperável que os interessados fiquem atentos, diligenciando pela conservação dos direitos que têm. Se o não fazem, sibi

imputant. É este o sistema português de registo, havendo, pois, que definir

rigorosamente o que são terceiros para esse fim – já que, conforme se viu, não são todos os obrigados pela obrigação passiva universal. Tradicionalmente, na linha da doutrina e da jurisprudência francesa e italiana, terceiros para efeitos de registo são, nas palavras do Prof. MANUEL DE ANDRADE, «os que do mesmo autor ou transmitente recebem sobre o mesmo objecto direitos total ou parcialmente incompatíveis». E explica COVIELLO, sobre a exigência de se tratar do mesmo autor ou dans causam: «…Quem pretende ser preferido em virtude da transcrição a que procedeu deve encontrar-se em conflito com alguém que adquiriu do mesmo causam dans. Se são diversos os autores, um será proprietário e o outro não. Ora quem não tinha o poder de dispor nada podia transmitir e aquele que com ele contratou nada podia obter, de acordo com o conhecido princípio ‘nemo plus juris transferre potest quam ipse

habet’. O conflito não poderá então decidir-se com base na prioridade da transcrição, mas segundo a pertença ou não do domínio aos respectivos autores. Quem adquiriu a domino, ainda que não tenha transcrito, é sempre preferido a quem adquire a non domino, se bem que o seu título se torne público». O que importa, em suma, é realçar que terceiros são apenas os que estão em conflito entre si, o que só se verifica quando o direito de um é posto em causa pelo do outro. Pressupõe isto que o transmitente ou causante é o mesmo, pois não o sendo, só um dos adquirentes é a domino e o direito do outro, mais do que afectado pelo direito daquele, é afectado pelo não direito do seu tradens. Esta a meridiana razão da exigência, em que pese aos nostálgicos de uma tutela urbi et orbi. Afora isto, porém, nada se exige para a inoponobilidade a terceiros do direito não inscrito: nem ser a aquisição inter vivos ou mortis causa (no sistema português), nem a aquisição ser gratuita ou onerosa, nem ser com conhecimento da aquisição conflituante não inscrita ou com inteiro desconhecimento da mesma, etc., etc.

Esta doutrina, pacífica até aos anos 60, aparece, depois do CRPred. de 1959, a sofrer progressiva contestação, primeiro num sentido mais abrangente do que o proposto, em seguida, e com maior virulência, num sentido mais restrito. Aquela linha, defendida pelos acórdãos do STJ, de 12-7-1963, da Relação de Lisboa, de 19-6-1966, e, mais, recentemente,

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pelo da Relação de Coimbra, de 22-7-1986, avalisa-se na comentarística de GAMA VIEIRA, e sustenta que terceiros para efeitos do registo são «todos aqueles que, não intervindo nem participando em determinado facto jurídico, têm, relativamente ao seu objecto, direito oposto ou incompatível com o daqueles que no mesmo facto intervieram ou participaram». Ora, independentemente dos exageros manifestos da noção – nem sequer se exige que o terceiro conflituante se prevaleça de um ius in

re ou congénere, nem que tenha inscrito o seu direito! –, é óbvio, e pelo que acima se disse sobre a ideia de conflito, que a res inter alios acta (e nesta noção comum é que a definição se alicerça) exclui logicamente qualquer contrates de interesses resolúvel pela via do registo. A utilidade do disposto no artigo 5.º seria assim ininteligível. A não ser que se atribuísse à inscrição no registo o carácter de presunção absoluta, substituindo a verdade material pela verdade registal. Mas tal subversão do sistema ainda não ousou promover-se.

A outra linha filia-se no ensino, desde 1971, de OLIVEIRA ASCENSÃO, recentemente defendido por MENESES CORDEIRO, e encontrou eco na nossa jurisprudência, designadamente no acórdão do STJ, de 4-3-1982, e, já antes, nos acórdãos da Relação de Coimbra, de 8-4-1986, da Relação de Lisboa, de 26-6-1990, e da Relação de Évora, de 3-10-1992. Baseando-se no disposto no artigo 17.º, n.º 2, do CRPred., sustenta-se que terceiros para efeitos de registo são apenas os que adquirem a título oneroso e de boa fé, ou seja, com desconhecimento da aquisição conflituante, não sendo nítido se do mesmo autor ou dans causam, até porque esta exigência, como é lógico, não emerge do referido artigo 17.º, visto aí se tratar, não de terceiros entre si (como pressupõe a ideia de conflito), mas de um subadquirente do autor do registo nulo. Donde esta doutrina ser menos uma restrição da tese tradicional do que, virtualmente, uma restrição da doutrina do inter alios. De qualquer forma, a restrição é inadmissível e subverte totalmente a função do registo e o seu impulso à segurança do tráfico. A ideia do registo como ónus do adquirente não se compadece, é claríssimo, com um dever do terceiro de desconhecer por completo a aquisição não transcrita, ou melhor, com a possibilidade de o adquirente se eximir às consequências da omissão clandestinizando em absoluto o seu domínio. Embora a má fé psicológica seja muito difícil de provar, era o cós que se estabelecia em matéria de impulso às inscrições. E injustamente: quem diz que a crença nos dados registais, mesmo sabendo-se que há aquisições in adversum, é menos meritória do que o desprezo pelas exigências da lei? Quanto à onerosidade da aquisição, é manifesto que não tem aqui nenhum sentido, ela que se introduziu para os terceiros de boa fé no pressuposto de que só no do ut des é que pode haver prejuízo (se a contraparte não tiver condições de restituir), coisa que não tem qualquer relevo no quadro da oponibilidade dos direitos. No fundo, um completo

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equívoco sobre o artigo 17.º, n.º 2, que não é a norma-mestra da noção de terceiros registais, mas, inversamente, uma norma tributária para efeitos de boa fé – aqueles cuja aquisição se filia na aquisição questionada e que vêem a sua posição atingida por uma ou várias causas de invalidade anteriores ao acto em que são intervenientes –, com a diferença de que aqui se trata de invalidade do registo (o que o artigo 291.º não cobria) e de a quarenta do artigo 291.º, n.º 2, não ter aqui nenhum lugar (além de a boa fé parecer existir mesmo com culpa).

Por isso é que a epopeia para-constitutiva da inteligente conservadora ISABEL MENDES, no seu afã de fundar no referido artigo 17.º uma fé pública do registo congénere da fé pública germânica – não pela elevação do registo, directamente, a condição de validade da aquisição, mas pela filiação, no artigo 17.º, n.º 2, de um conceito de «terceiro registal» que se lhe afigura incidível daquela fé pública, impondo a conversão da presunção iuris tantum do artigo 7.º, no âmbito do artigo 17.º, em presunção iuris et de iure. Só que, pergunta-se, porquê apenas na conjuntura do artigo 17.º? Qual a lógica que torna o registo incontroverso nessa situação de nulidade, e não independentemente da mesma? Acaso tem sentido deixar chegar as coisas a esse extremum e não declarar o registo indiscutível, desde que a aquisição seja onerosa, tratando-se de registo definitivo? Mas então onde fica a boa fé? Tem alguma lógica a boa fé se o registo do tradens não é nulo? E ainda uma questão mais simples: onde está isso na lei? Compreendo o entusiasmo generoso e apostólico da escritora – compreendo-o e respeito-o. Mas, se sem fé não se movem montanhas, falta provar, fora da lenda, de que se movem só com ela…

Uma última referência ao caso da anotação da Revista de Legislação

e Jurisprudência (STJ, acórdão de 3-6-1992). Se, felizmente, depois das tergiversações a que aludimos, as instâncias regressam pouco a pouco à noção tradicional – cfr., além daquele acórdão, o de 6-1-1988, o da Relação de Coimbra, 8-4-1986, e o da Relação de Lisboa, 26-6-1990 –, nota-se alguma hesitação em matéria de venda executiva, a pretexto da voluntariedade da aquisição conflituante. A dúvida poderia ter algum senso na transcrição ítalo-francesa, mas não o tem, se bem vemos, na nossa lei, que alargou as inscrições à aquisição originária e mortis causa, como se disse. De resto, mesmo lá a questão não se coloca, como a Revista de

Legislação acentuou. Entretanto, os comentadores desta Revista deixam no ar que contra este efeito central do registo não pode erguer-se uma aquisição por usucapião, o que não cremos de maneira alguma justificado. A aquisição conflituante pode ser uma aquisição por usucapião, porque não só a posse é possível – desde que haja coisa, evendentemente, visto não haver corpus de outro modo –, como, se a posse for pública e pacífica, pode chegar-se à usucapião, caso, como é sabido, em que o registo não se

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impõe (artigo 5.º, n.º 2, alínea a) CRPred.). Aliás, a concorrência entre a posse e o registo, ou presunções fundadas numa e noutro, é referida expressamente na lei (artigo 1268.º, n.º 1 C.C.). Nem se diga que a posse, havendo aquisição do direito, tinha de ser uma posse causal – e não tinha lógica uma posse causal oponível quando o direito não o seria. Mas porque não, senhores? O máximo a que a irrelevância do direito levaria era a uma posse formal, e não se ignora que a posse formal, mesmo sem título e boa fé, conduz à usucapião. De resto, não creio que a posse no caso seja formal: a posse de um direito não inscrito é uma posse causal, porque se funda num direito existente, mas nada admira que o direito não releve e a posse releve, pois a relevância dela está no facto e não no direito: ou melhor, é justamente a força do facto contra o direito. E não entender tal insubmissão é não entender o que é a posse.

Nestes termos, terceiros para efeitos de registo são os que do mesmo autor ou transmitente recebem sobre o mesmo objecto direitos total ou parcialmente conflituantes. Como se vê, a noção de MANUEL DE ANDRADE, com «conflituantes» a substituir «incompatíveis», para não excluir os casos de concurso de direitos (direitos reais de garantia, direitos reais de aquisição) reconhecidos pela lei. Uma hipoteca é compatível com uma consignação de rendimentos, mas os dois direitos são conflituantes entre si – e obrigam a uma regra de prevalência. Que, se não houver norma ad hoc, tem de ser resolvida nos termos dos artigos 5.º e 6.º do CRPred.

A lógica do mecanismo fica perfeitamente clara. Se A vende validamente a B, B não regista, e A vende, em seguida, a C e C regista, a venda a B, sendo embora venda a domino, perante C é como se não existisse. Por isso, a venda a C, sendo uma venda a non domino, funciona como uma venda a domino e, porque C regista, prevalece sobre a de B, fazendo o direito deste decair. O registo, mediante o efeito central, cobre a ilegitimidade do tradens que resulta da alienação feita a B: ou seja, que resulta de uma anterior disposição válida, ao invés da tutela da boa fé, que só permite cobrir a ilegitimidade do tradens (o vício suprível é sempre este), mas que resulta de uma anterior disposição inválida.

Isto ensino, sistematicamente, desde 1977. Pode ser que algo monte na elucidação desta polémica.

B) Da dinâmica da relação jurídica

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I – Sucessos fundamentais da vida da relAÇão jurídica:

constituição, modificação e extinção da relação jurídica

Estes sucessos projectam-se, antes de mais nada, ao nível do direito

subjectivo, como elemento primacial do núcleo da RJC. Mas há também alguns que se projectam ao nível da situação de dependência e outros ao nível da RJC in totum e das combinações de RJs.

a) No plano do direito subjectivo: Constituição e aquisição de direitos. Aquisição originária e derivada (translativa, constitutiva e restitutiva). Importância da distinção entre aquisição originária e derivada: a regra “nemo plus juris in alium transfere potest quam ipse habet”. Excepções: a tutela de terceiros em geral através do registo e a tutela de terceiros de boa fé através dos artigos 243.º e 291.º

M.A., II, p. 13 e segs. Anote-se que constituição de um direito é o

seu surto, o seu aparecimento pela primeira vez numa certa ordem jurídica, produzindo uma alteração no equilíbrio geral. O que coincide, por via de regra, com a sua entrada na esfera jurídica de certo sujeito, entrada que se designa por aquisição (o que só não sucede quando o sujeito, que é o referente do direito subjectivo, ainda não existe ou não se encontra determinado). A inversa, porém, não é verdadeira: nem toda a aquisição coenvolve constituição, nem sempre o direito que uma pessoa adquire é um direito novo, que surge ex novo, no mundo dos direitos. Quando surge ex novo, a aquisição é também constituição; mas muitas vezes (se não, estatisticamente, a maioria das vezes) o direito que alguém adquire já existia na esfera jurídica de outrem, há, não uma alteração no equilíbrio jurídico geral, mas uma alteração em esferas jurídicas particulares (uma que diminui e outra que aumenta). Com o que, todavia, não se tem uma ideia, de aquisição originária e de aquisição derivada, como se vê da exposição de M.A. É que nem toda a aquisição-constituição é aquisição originária. Aquisição originária é aquela em que surge um direito “ex novo” que não depende jurídico-geneticamente de um direito anterior: não depende senão do facto aquisitivo, do facto jurídico que o fez nascer. Aquisição derivada é aquele em que o direito que se adquire, seja novo ou não depende jurídico geneticamente de um direito anterior: além de depender do facto aquisitivo, depende desse direito quer quanto à existência (se o anterior não existe, ele também não existe: 1090.º não há aquisição), quer quanto ao conteúdo (o seu conteúdo há-de ser absorvível pelo direito anterior ou, quando muito, ser o mesmo conteúdo), quer quanto à amplitude ou área de incidência (não pode ter um objecto mais vasto do

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que o direito anterior). Se o direito coincide com o direito anterior e este existia – se o direito adquirido tem o mesmo conteúdo e a mesma amplitude – dizemos que se trata do mesmo direito, que houve uma simples translação ou circulação do direito. É a aquisição derivada translativa típica. Mas também há aquisição translativa se, além da existência, há conteúdo igual, sendo a área de incidência menor: o direito transmitiu-se parcialmente. Já quando à custa de um direito existente se forma um direito de conteúdo diverso, que nem se pode dizer uma parte do seu conteúdo, mas que o direito anterior é apto a absorver em si, fala-se de aquisição derivada constitutiva. Na verdade, o direito adquirido surge ex novo, mas é como que gerado pelo direito preexistente: por isso se lhe chama direito filial e ao outro direito progenitor. É o fenómeno comum na formação dos direitos reais limitados, que se formam sempre à custa do direito de propriedade. O direito progenitor subsiste apesar da formação do direito filial, graças à elasticidade que se reconhece no direito de propriedade e em alguns outros direitos (usufruto e superfície): o direito filial provoca apenas uma compressão no espaço que sobre o objecto ocupa o direito progenitor, dando este margem a que o direito filial possa instalar-se sobre aquele – por isso o objecto dos dois é o mesmo –, e sofrendo com isso uma neutralização de certas faculdades do seu licere homólogas das que o direito filial vem a possuir. Excepcionalmente, porém, a aquisição derivada envolve não apenas essa compressão ou contracção do direito progenitor, mas uma coisificação deste: é o que se passa na formação dos direitos sobre direitos. A aquisição derivada restitutiva é o exacto simétrico da aquisição derivada constitutiva. A extinção do direito filial provoca a descompressão ou reexpansão do direito progenitor, com a correspondente reactivação das faculdades homólogas. O direito contraído restitui-se ao status quo ante. Há aquisição originária no nascimento (direitos inatos), na criação ou invenção (direitos de autor), na filiação (direitos de pais e de filhos), no casamento (direitos dos cônjuges), na adopção (artigos 1973.º e segs.), nos factos ilícitos (artigos 483.º e segs.), na usucapião (artigos 1287.º e segs.) e na acessão (artigos 1325.º e segs.).

Sobre a importância da distinção entre aquisição originária e derivada (regra “nemo pluris juris”), acentue-se que o problema se põe hoje diferentemente de quando o considerou M.A., ou seja, antes do actual Código Civil. Já de longe se sentia a necessidade de proteger terceiros contra as consequências dessa regra, a começar pelos terceiros obrigados pela obrigação passiva universal quando os negócios que os poderiam afectar não eram suficientemente publicitados e se tratava de bens que, por constituírem grandes unidades de valor (v. infra, § 3.º, III, b)), carecem de uma mais rigorosa disciplina. O caso, em suma, da constituição ou transmissão de direitos reais sobre imóveis e, depois, também sobre automóveis, navios mercantes, aeronaves, objectos da propriedade

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industrial e da propriedade autoral, e as participações e certas acções em sociedade de comércio. Instituiu-se assim um registo das aquisições desses bens, a cargo das conservatórias do registo predial (imóveis), das conservatórias do registo automóvel, das conservatórias do registo comercial da área das capitanias e navios), dos serviços centrais da aeronáutica civil, do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, das conservatórias do registo comercial (participações e acções sociais) e da Conservatória da Propriedade Científica, Literária e Artística (obras de engenho). Esse registo, ainda quando só possa fazer-se havendo registo do causante ou transmitente (como acontece segundo o actual Código do Registo Predial, artigo 34.º) e obedeça ao chamado princípio do trato sucessivo (ibid., artigos 34.º e segs), não supõe um exame exauriente sobre a titularidade do direito e por isso não garante que o último que figura nele tem realmente esse direito: garante apenas que, se o tiver, ele é quem pode valer-se do registo. É o chamado sistema de registo declarativo, que funciona também na França, na Itália e na Espanha (ao invés do que ocorre na Alemanha, na Suíça e na Áustria, que seguem o registo constitutivo, ou seja, do registo como requisito de validade da própria aquisição). O registo não é assim requisito da aquisição do direito, condição de validade da aquisição; mas só um ónus imposto ao adquirente, sob pena de a aquisição não ser eficaz em face de terceiros (artigos 5.º do Código do Registo Predial). Exceptua-se o caso da hipoteca, que, desde 1959, é entre nós sujeita a registo constitutivo (artigos 687.º C.C. e artigo 4.º, n.º 2 do CRPredial). Terceiros, para fins de registo, são todos os que do mesmo autor ou disponente recebem direitos total ou parcialmente conflituantes sobre o mesmo objecto. É, com ligeira alteração, a noção de M.A. (só substituímos “incompatíveis” por “conflituantes” por motivos que se explicarão na disciplina de Direitos Reais), como, de resto, dos sistemas jurídicos que adoptam o mesmo tipo de registo. Noção que a alguns parecerá demasiado estreita e a outros demasiado ampla. Demasiado estreita porque não não cobre todos os obrigados pela obrigação passiva universal. Só que, como explica M.A., em face do registo declarativo e da sua área de garantia, não era possível ir mais longe. No círculo dos subadquirentes da pessoa inscrita no registo, muito bem. Para fora ou para trás desse causante ou alienante, não, pois não se averigua esgotantemente a sua titularidade. Outros dirão – e é hoje surpreendente a atitude dos nossos tribunais, incluído o STJ – que a tutela é demasiado vasta, pois só os que do referido dans causam recebem de boa fé (ignorando a anterior aquisição conflituante) e recebem a título oneroso é que deviam ser protegidos. Tese sem nenhum apoio na lei nem no direito comparado (que ao registo declarativo ou mera condição) de eficácia não oferece outra alternativa que a do registo constitutivo, que não permite as distinções que se sugerem porque o registo e condição de validade, é algo a observar por

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todo e qualquer adquirente do jus in re) e que, se procura defender os que não registam, não se vê porque não defende os que não celebram escritura pública, ou não regista a hipoteca. A única noção legítima é a que sustentamos, urgindo só advertir de que a possibilidade que o instituto do registo abre à aquisição de um direito de alguém que o não tinha só se verifica se a única falha da aquisição for essa, for a falta de legitimidade do dans causam decorrente da anterior disposição que efectuou, pois, se houver outro vício que não esse, a aquisição do terceiro já não prevalece (ou não prevalece em consequência do registo a que se precedeu). O que o registo faz e apenas isto: se A dispõe validamente em favor de B e B não regista, vindo A, que já não tem qualquer direito (ou todo aquele direito), a dispor de novo em favor de C, B não pode invocar a sua aquisição contra C, porque ante C a aquisição é ineficaz, ou seja, é como se não existisse; daí que tudo se passe como se C recebesse de quem tinha ainda direito e, se C registar antes de B, C poder opor a B a sua aquisição e o seu direito prevalece sobre o deste: e, sendo igual ou menos denso, o direito de B decai; se for mais denso, fica onerado com o direito de C. Além desta protecção de terceiros em geral através do registo (do que chamamos o efeito central do registo), sentiu-se, também desde cedo, a necessidade de proteger os terceiros de boa fé (aqui, sem de boa fé) contra a declaração de nulidade em virtude de simulação, dado o carácter retroactivo que toda a invalidação do negócio jurídico implica (veja-se, hoje, o artigo 289.º do C.C.). Sendo a simulação uma divergência intencional entre o que se quer (a vontade) e o que se diz (declaração), decorrente de um acordo (acordo simulatório: consilium fraudis) entre declarante e declaratário com o intuito de enganar terceiros (cfr. artigo 240.º), os que acreditam na declaração mentirosa (na validade do acto simulado) e adquirem direitos com base nela, precisam de uma especial protecção quando a simulação seja arguida e o negócio simulado se declare nulo (artigo 240.º, n.º 2). Em face do silêncio do Código Civil de 1867, a doutrina – e MANUEL DE ANDRADE, II, p. 206 e segs. – defendia a inoponibilidade da simulação (e logo da nulidade do acto simulado) a terceiros de boa fé, ou seja, aos terceiros que, ao adquirir, ignoravam a divergência. Terceiros a título oneroso ou a título gratuito (M.A., p. 208, n.º 2) – embora defendesse que não deveriam ser protegidos os que com isso quisessem obter vantagens inesperadas (preferentes que pretendessem preferir pelo preço declarado, inferior ao real) – e ainda que devessem saber da simulação (só o efectivo conhecimento, não a mera cognoscibilidade, excluída a boa fé) ou houvessem tido culpa na ignorância. O actual Código Civil consagrou esta doutrina no artigo 243.º, mas, além disso, entendeu dever proteger a boa fé de terceiros contra a invocação, em geral, de qualquer causa de nulidade ou anulabilidade que afecte as suas aquisições. É o que faz no artigo 291.º. Temos, hoje,

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portanto, duas normas básicas da tutela da boa fé de terceiros, em face da invalidade dos negócios jurídicos: os artigos 243.º e 291.º. Cumpre, porém, esclarecer o jogo das duas normas, coisa de que a doutrina, até agora, se tem ocupado rustemente.

Antes de tudo, há que estabelecer uma noção de terceiros para fins da tutela da boa fé. Com base na lição de outros sistemas jurídicos, em razões de bom-senso e na lógica da lei nestas excepções ao princípio do “nemo

pluris juris” (como já se viu em matéria de registo), cremos que só se visam proteger as pessoas que, por força da invalidade, vêem o seu direito em risco porque o seu causante ou autor, em virtude dela, careceria de legitimidade para o transmitir ou constituir (legitimidade do tradens). Se na sua própria aquisição há outra causa de invalidade além dessa (causa directa), o terceiro já não merece tutela. Por outra via, para que a causa de invalidade do negócio nulo ou anulável determine a ilegitimidade do tradens, urge que aquele negócio e o que tradens e terceiro realizam se insiram numa e mesma sequência ou linha de aquisições derivadas. Daqui decorre que terceiros, para fins de tutela de boa fé, são os que, integrando-se numa e mesma cadeia de transmissões, vêem a sua posição afectada por uma ou várias causas de invalidade anteriores ao acto em que foram intervenientes. O que exclui os que não adquirem direitos no seguimento do acto nulo ou anulável, como os que têm direitos de preferência contra o dans causam no acto inválido que afecta a aquisição em jogo (e que, aliás, não deixam de ser protegidos, na simulação relativa, se o acto dissimulado for válido, podendo preferir nos termos deste); bem como os que o acto inválido não afecta, como os credores comuns do adquirente ou subadquirente, porque, mesmo que hajam dado o seu crédito em atenção à consistência previsível do património do devedor, não adquirem senão um direito sobre esse património in totum e não sobre o bem específico de que a invalidação priva este (de resto, podem subrogar-se ao devedor, quanto à inoponibilidade, nos termos dos artigos 606.º e segs.). Se só os terceiros de acordo com a noção descrita são protegidos por qualquer das duas normas, o jogo de cada uma destas é, para lá disso, diferente. Para o artigo 243.º, boa fé é o desconhecimento efectivo da simulação, com ou sem culpa, no momento em que o terceiro realiza a aquisição do seu direito (artigo 243.º, n.º 2); só que, se, no momento da aquisição, já tinha sido proposta e registada a acção de simulação, a lei presume juris et jure a má fé (artigo 243.º, n.º 3 C.C.). Acresce que a inoponibilidade da acção de nulidade protege o terceiro quer a título oneroso, quer a título gratuito, e protege-o desde o momento em que adquiriu. Por fim, urge saber se o protege contra quem quer que invoque a simulação ou apenas contra os simuladores. Com efeito, antes do actual Código Civil sempre se entendeu que inoponibilidade era geral (até porque a arguição da simulação pelos simuladores só foi admitida pelo Assento de

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10-5-1950, e com restrições: cfr. M.A., 194 e segs., e a inoponibilidade a terceiros de boa se consagra desde GUILHERME MOREIA e BELEZA DOS SANTOS: ibid., p. 206, n.º 1); seria, pois, muito estranho que o novo Código, abrindo, como abriu, pelo artigo 291.º, a protecção de terceiros contra qualquer causa de invalidade arguida por qualquer interessado, restringisse inopinadamente a tutela dos terceiros no caso mais clamoroso. Nem se diga que, para a hipótese de arguição da simulação por outros interessados, resta o referido regime do artigo 291.º. É que este regime, como há-de ver-se, exclui a tutela nos casos em que só se discutem móveis simples, nas aquisições a título gratuito e quando não existe registo da aquisição, sendo, por conseguinte, muito mais restritiva do que a tutela que antes comummente se reconhecia aos terceiros no caso de actos simulados. Observe-se ainda que, se o artigo 243.º só protegesse contra a arguição pelos simuladores, se vinha conferir uma tutela do adquirente de boa fé pior do que a do regime geral da aquisição a non domino. É certo que à inoponibilidade que o artigo 892.º consagra pelo disponente, na venda de coisa alheia, acrescia aqui a inoponibilidade pelo simulado alienante, que não é quem dispõe para o adquirente e terceiro de boa fé; só que essa vantagem seria praticamente desprezível, dadas as possibilidades de conluio entre esse simulado alienante e outro interessado qualquer. E, de todo o modo, não compensaria a desvantagem da não convalidação automática do artigo 895.º e da obrigação de convalidação dos artigos 879.º e segs. Aliás, quer M.A. (208 e segs.), quer MOTA PINTO (ob. cit., 486 e segs.), ao reconhecerem a existência de conflitos entre terceiros interessados na nulidade e terceiros interessados na validade do acto simulado, reconhecem que aqueles não estão só protegidos contra os simuladores. É certo que, no conflito entre subadquirentes do simulado alienante e subadquirentes do simulado adquirente (que são para nós, como se viu, os únicos terceiros susceptíveis de protecção), M.A. se decide pela prevalência da primeira aquisição ou da aquisição primeiramente registada. Ocorre, porém, que essa solução lhe parecia imposta pelos artigos 1578.º e 1580.º do antigo Código Civil, normas que não têm correspondentes no Código em vigor, nada obstando a uma solução mais criteriosa. E essa não o é. O subadquirente do simulado alienante ou adquiriu antes da simulação ou depois. Se adquiriu antes, não precisa de tutela, visto que a sua aquisição prevalece sobre a própria aquisição simulada: prior in tempore, potior in jure; a venda simulada, além da simulação, sofre de ilegitimidade do tradens, e uma venda a non domino, pelo que o terceiro de boa fé (o subadquirente do simulado adquirente) já não beneficia da tutela do artigo 243.º, que só protege contra a simulação. Se adquiriu depois e sabia da simulação, não merece tutela: porque como que participou no consilium fraudis e não pode valer-se da própria torpetude contra os terceiros enganados, se não sabia da simulação, também não a merece, pois adquiriu

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a non domino. Um raciocínio que é mais ou menos idêntico ao que M.A. desenvolve para o conflito entre credores do simulado alienante e credores do simulado adquirente e em que, em geral, dá primazia a estes. Só que a injunção dos artigos 1578.º e 1580.º do velho Código Civil lhe pareceu, no caso de conflito entre subadquirentes, ser também aconselhável, ainda que aqueles artigos se limitassem a resolver o problema de vendas conflituantes feitas pelo mesmo vendedor e esta não fosse obviamente a hipótese. No Código vigente, menos se justificará essa solução, porque não existem, como se disse, normas idênticas e, se a doutrina do velho Código é certa para o conflito de terceiros para efeitos de registo (com alguma restrição, concernente ao relevo que nela se atribui à posse, eco do princípio “posse vale título” que o nosso Código se recusou a admitir; mas isso excede o problema que versamos), não pode transpor-se para o caso da simulação onde só por artifício se pode dizer que o dans causam é a mesma pessoa. O que se acentua, em resumo, é que a doutrina nunca restringiu a defesa do terceiro de boa fé, que acreditou no acto simulado, à arguição pelos simuladores. O facto de o artigo 243.º, n.º 1, se referir literalmente a estes, explica-se, ao que cremos, por a arguibilidade da simulação pelos simuladores ser algo muito discutido no domínio do Código de 1867, até depois do Assento de 1950 (v. M.A., 194 e segs.); ora o novo Código resolveu admiti-la de modo expresso no artigo 242.º, n.º 1, e, por isso, no seguimento psicológico desta norma, referiu-se no artigo 243.º ao caso que acabava de decidir. Nem se argumente contra isto, observando que o artigo 242.º, n.º 2, também fala da arguição pelos herdeiros legitimários, o que igualmente se discutira antes de 1966, e, todavia, o artigo 243.º não lhes faz referência. Psicologicamente, a inovação mais importante do artigo 242.º era a da invocação pelos simuladores, sendo assim compreensível que a reserva do artigo 243.º, n.º 1, a eles especialmente aludisse (de resto, a oponibilidade da simulação ao terceiro de boa fé seria nesse caso que constituiria maior escândalo). Daí que defendamos que a inoponibilidade da simulação vale, em geral, para qualquer interessado, não havendo hoje lugar para os conflitos que discutem M. A. e, na sua esteira, MOTA PINTO. Os trabalhos preparatórios (RUI DE ALARCÃO, Simulação, Lisboa, 1959), que seguem a pari e passu a doutrina de M.A., mostram que o projectista também quis regulá-los, mas a revisão definitiva excluiu essa regulamentação – e, a nosso ver, correctamente. Acontece, contudo, que o projectista, seguindo o Código Civil Italiano de 1942, reeproduzira no artigo 3.º do seu articulado apenas parte do artigo 1415.º, n.º 1, desse Código («A simulação não pode ser oposta pelos contraentes», isto é, pelos simuladores), reservando para o artigo 4.º, em que versava os conflitos, o resto de tal disposição («nem pelos subadquirentes ou credores do simulado alienante…», o que praticamente abrangia todos os possíveis interessados: sobretudo, sabido que onde se traduz «sub adquirentes», se diz no texto

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transalpino aventi causa). Ora, ao eliminar do articulado final esse artigo 4.º, a Comissão Revisora eliminou, sem querer, da letra expressa, esta alusão genérica aos outros interessados possíveis, criando o problema de que nos vimos ocupando. Sobre a inoponibilidade até pelos herdeiros legitimários, veja-se o caso referido por M.A. a p. 212, n.º 1, e em que BELEZA DOS SANTOS, de harmonia com a “Revista de Legislação e Jurisprudência”, a sustenta em vigor – tese de que M.A. não parece distanciar-se.

O artigo 291.º protege os terceiros de boa fé em condições muito distintas das do artigo 243.º. Claro que a noção de terceiros é a mesma, como tem de fazer-se a mesma advertência de que a lei só protege contra a falta de legitimidade do tradens que resulta da(s) invalidade(s) anterior(es), não contra qualquer outro vício de que sofra a aquisição do terceiro. Mas boa fé é aqui a ignorância sem culpa da(s) causa(s) de invalidade do(s) acto(s) anterior(es) (artigo 291.º, n.º 3). Além disso, a tutela do artigo 291.º é uma conjugação da tutela da boa-fé e de um efeito lateral do registo: por conseguinte, é uma tutela dos terceiros de boa-fé que tenham registado as suas aquisições. Sem registo, não há tutela. De acordo com o artigo 291.º, n.º 1, têm de se verificar cumulativamente vários requisitos sem os quais a tutela não se produz. Por ordem lógica, tem de haver um terceiro (1), de boa-fé (2), que registou a sua aquisição (3), afectado por uma invalidade (nulidade ou anulabilidade) anterior (4), tratando-se de bens imóveis ou de móveis sujeitos a registo (5), sendo onerosa a aquisição do terceiro (6) e tendo o registo dela sido anterior ao registo da acção de invalidade ou ao registo do acordo entre as partes acerca dessa invalidade (7). Sem estes 7 requisitos não há protecção. Convindo dizer quanto ao 6.º que essa onerosidade tem de entender-se mais em sentido económico do que jurídico. Assim, a constituição de uma garantia real, quando não é feita através de negócio jurídico unilateral (v.g., por testamento), é em regra, em si mesma, um acto gratuito. Todavia, economicamente, se é feita pelo devedor com vista a obter ou a garantir o crédito, é, digamos, uma contrapartida deste último e, nesse sentido, um acto oneroso. E convindo lembrar, quanto ao 4.º requisito, que a lei protege contra nulidade ou anulabilidades, mas não contra inexistências (coacção física, declaração sob nome de outrem, declarações não sérias, etc.). Por último, de acordo com o artigo 291.º, n.º 2, os direitos de terceiros não são reconhecidos (a sua aquisição não se consolida) se, nos 3 anos consecutivos ao acto nulo ou anulável que o afecta, for proposta acção de invalidez desse acto. O que tem importância quando o registo da aquisição do terceiro (requisito 3.º) se efectua antes de concluídos esses 3 anos; de contrário, esse requisito suplementar do artigo 291.º, n.º 2, é absorvido pelo 7.º requisito do artigo 291.º, n.º 1.

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Por aqui se vê como é mais apertada a tutela do artigo 291.º do que a do artigo 243.º. Se esta só se verifica no caso de simulação, protege a boa-fé com culpa, tal como as aquisições de móveis não sujeitos a registo, ainda que gratuitas, assim como, tratando-se de bens sujeitos a registo, quando esse registo não se faça. Acresce que, tratando-se de bens sujeitos a registo e mesmo que este se faça, a sua protecção não depende de tal registo – e, por isso, produz desde a aquisição – e não está sujeita a quarentena de 3 anos, como a do artigo 291.º, n.º 2.

Acrescente-se, por fim – e isto vale para os dois artigos –, que aquisição, para a cadeia de aquisições em que o terceiro se enquadra e para a própria aquisição deste, também será a aquisição ex lege que a lei condicione a uma situação aquisitiva anterior. Por ex.: a aquisição de um direito de preferência legal que depende de uma aquisição de compropriedade, ou de direito de superfície, ou de direito ao arrendamento; direito potestativo de aquisição que depende de uma aquisição de prédio encravado, ou de outro direito de domínio: direito de propriedade superficiária da aquisição do direito de superfície; direito sobre parte integrante que depende da aquisição da coisa principal; etc. O que importa é que entre a situação aquisitiva antecedente e a consequente haja um nexo de derivação. Todavia, o sucessor mortis causa, como o representante legal ou voluntário, não tem posição autónoma em face do de cujus ou representado e, por conseguinte, não é de per si terceiro.

Do exposto resulta que a tutela do artigo 243.º é a única disponível para os que, afectados por uma simulação, adquiriram direitos sobre móveis não sujeitos a registo ou, adquirindo bens sujeitos a registo, não efectuaram este, ou ignoravam com culpa a simulação, ou adquiriram a título gratuito.

Resulta ainda que a tutela do artigo 291.º é a única disponível para os que, adquirindo onerosamente bens sujeitos a registo e tendo procedido a este, nos termos do artigo 291.º, in fine, são afectados por qualquer causa de invalidade e, entre elas, a simulação, o caminho será:

O artigo 291.º, se ignoram a simulação sem culpa e em nada os afecta a quarentena de 3 anos do artigo 291.º, n.º 2 (nomeadamente, porque esse período já passou sem registo da acção de invalidade ou porque o registo da aquisição se fez para lá dos 3 anos subsequentes ao último acto inválido):

O artigo 291.º cumulativamente com o artigo 243.º, se não se verificam as condições anteriores, porque o terceiro desconheceu a simulação (mas só ela) com culpa, ou, sendo a simulação a última causa de invalidade, se o registo da aquisição se fez dentro dos 3 anos subsequentes à mesma ou, inclusive, e ainda nessa hipótese, se já foi proposta e registada, após o registo da aquisição do direito mais antes de terminarem os três anos, acção de simulação.

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É óbvio que, se na simulação relativa (artigo 241.º) há outra causa de invalidade além da simulação, mas incide não no acto simulado e sim só no acto dissimulado, não fica precludida a tutela do artigo 243.º, pois o desconhecimento da simulação torna irrelevantes os vícios do acto dissimulado, que o terceiro necessariamente ignora. Acresce que na simulação relativa o conhecimento da simulação não obsta ao recurso ao artigo 291.º, se o terceiro ignorar sem culpa os vícios do acto dissimulado e este for apto para transmitir ou constituir os direitos em questão; e, se esse acto oculto for válido e procedente, a derivação não está em causa e, portanto, não há problemas de tutela do terceiro.

A tutela de terceiros de boa-fé tem, por vezes de combinar-se com a tutela de terceiros para fins de registo. É o que ocorre sempre que, num problema de terceiros para fins de registo, o autor ou dans causam sofre do que classificamos de ilegitimidade radical, ou seja, de uma ilegitimidade anterior à primeira disposição que efectuou. É evidente que, em tal hipótese, o registo não resolve nada de per si; há que tentar, se possível, defender o causante através da tutela da boa-fé, ou, pelo menos, cada um dos seus subadquirentes. Se isso se conseguir, então é que funcionará a tutela de terceiros para efeitos de registo.

Vejamos, graficamente, os vários resultados referidos:

I APLICAÇÃO EXCLUSIVA DO ARTIGO 243.º

O objecto é um colar (1980) (1984) A →→→→→→→ B →→→→→→→ C (ignora a simulação) Venda abs. Troca simulada

O objecto é um prédio

(1980) (1984) A →→→→→→→ B →→→→→→→ C (ignora a simulação; falta

de registo) Venda abs. Troca Simulada (Escritura Pública) (Escritura Pública) (1980) (1984) A →→→→→→→ B →→→→→→→ C (ignora a simulação; com

culpa) Venda abs. Troca Simulada (Escritura Pública)

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(Escritura Pública) (1980) (1984) A →→→→→→→ B →→→→→→→ C (ignora a simulação) Venda abs. Doação Simulada (Escritura Pública) (Escritura Pública) Em qualquer dos casos, a aquisição ocorre em 1984.

II APLICAÇÃO EXCLUSIVA DO ART. 291.º

O objecto é um prédio

(1985) (1980) (1984) ∟Regista A →→→→→→→ B →→→→→→→ C (ignora o vício de forma AB sem

culpa) Venda Troca (Escrito (Escritura Particular) Pública) Aquisição em 1985 ou (1984) (1980) (1982) (1984) ∟Regista A →→→→→→→ B →→→→→→→ C→→→→→→→ D (ignora a falta de legitimidade de B

sem culpa) Comodato Venda Troca (Escritura (Escritura Pública) Pública) Aquisição em 1985 (o acto nulo é BC: 1982 + 3 anos).

III – a) APLICAÇÃO EXCLUSIVA DO ART. 291.º

O objecto é um prédio (1986) (1980) (1982) (1984) ∟Regista A →→→→→→→ B →→→→→→→ C→→→→→→→ D (ignora o víco de forma de AB e a simulação de

BC sem culpa)

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Venda Doação Venda (Escrito Particular) Absolutamente (Escritura Simulada Pública) (Escritura Pública) Aquisição em 1986.

APLICAÇÃO CUMULATIVA DO ARTIGO 243.º E 291.º

O objecto é um prédio (1986) (1980) (1982) (1984) ∟Regista A →→→→→→→ B →→→→→→→ C→→→→→→→ D (ignora o víco de forma de AB, sem culpa, mas a

simulação de BC com culpa) Venda Doação Venda (Escrito Particular) Absolutamente (Escritura Simulada Pública) (Escritura Pública) Aquisição em 1986 ou

(1984) (1980) (1982) (1984) ∟Regista A →→→→→→→ B →→→→→→→ C→→→→→→→ D (ignora o víco de forma de AB e a simulação de BC sem

culpa) Venda Doação Venda (Escrito Particular) Absolutamente (Escritura Simulada Pública) (Escritura Pública) Aquisição em 1984 ou (1983) (1980) (1982) (1983) ∟Regista

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A →→→→→→→ B →→→→→→→ C→→→→→→→ D (ignora o víco de forma de AB, e a simulação de BC sem

culpa) Venda Doação Venda (Escrito Particular) Absolutamente (Escritura Simulada Pública) (Escritura Pública) ↑ ↑ ↑(1984) ∟→→ Registo da Acção de simulação Aquisição em 1983

III – b) APLICAÇÃO DO ARTIGO 243.º

O objecto é um prédio (Relações Adulterinas com A)

↑ (1983) (1980) ↑ (1982) ∟Regista (Casado) A →→→→→→→ B →→→→→→→C (ignora a simulação do acto AB) Venda Simulada Venda (Escritura Pública) ↑ ↑ ↑ ↑ ↑ (Doação) ∟→→→→ (Escritura Pública) Aquisição em 1982 ou

APLICAÇÃO DO ARTIGO 291.º (Relações Adulterinas com A)

↑ (1984) (1980) ↑ (1982) ∟Regista (Casado) A →→→→→→→ B →→→→→→→C (conhece a simulação de AB, mas ignora sem culpa a indisponibilidade relativa da

doação dissimulada)

Venda Simulada Venda (Escritura Pública) ↑ ↑ ↑ ↑ ↑ (Doação) ∟→→→→

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(Escritura Pública) Aquisição em 1984

DESNECESSIDADE DE TUTELA

(1980) (1982)

A →→→→→→→ B →→→→→→→C (sabe da simulação de AB)

Venda Simulada Venda (Escritura Pública) ↑ ↑ ↑ ↑ ↑ (Doação) ∟→→→→ (Escritura Pública) Aquisição em 1982

III – c) COMBINAÇÃO DA TUTELA DE TERCEIROS DE BOA-FÉ COM A TUTELA

POR EFEITO CENTRAL DO REGISTO (TERCEIROS PARA EFEITOS DE REGISTO)

(1981) ∟Regista (1984)

→→→→→→→→ C → (ignora o víco de forma de AB sem culpa) ↑ Doação ↑ (Escritura Pública)

↑ (1980) ↑ (1982) ∟Regista (1983) A →→→→→→→ B →→→→→→→ D→ (ignora o vício de forma de AB sem culpa) Venda Venda (Escrito Particular) (Escritura Pública)

Aquisição por D em 1983 (o que impede a aquisição por C em 1984, mesmo que igualmente tutelado pelo artigo

291.º)

Não regista (1980) (1982) (1984) ∟Regista (1985) (1986) ∟NR A →→→→→→→ B →→→→→→C →→→→→D→→→→→→→→→→E (ignora os vícios)

Venda Abs. Simulada Doação Venda (ignora sem culpa os vícios) Constituição (Escrito Particular) (Escritura (Escritura ↓ Onerosa de usufruto

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Particular) Pública) ↓(1987) (Escrit. Pública) ↓ Venda sem reserva ↓ (Escritura Pública)

↓ F (sabe dos vícios)

∟Regista (1987)

Aquisição por F da plena propriedade, pois está protegido pela aquisição de D, como terceiro de boa-fé, em 1985 (artigo 291.º). O direito de E decai por força do efeito

central do registo.

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FICHA N.º 20 – CURSO DE SOLICITADORIA E ADMINISTRAÇÃO ANO 2013-2014

DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PERIÓDICA

1. Noção: «o direito de usar, por um ou mais períodos certos, em cada ano, para fins habitacionais, uma unidade de alojamento integrada num empreendimento turístico, mediante o pagamento de uma prestação periódica ao proprietário do empreendimento ou a quem o administre» (CARVALHO FERNANDES). Origem ou génese legislativa – Projecto de MANUEL HENRIQUE MESQUITA: «Uma nova figura real: o direito de habitação periódica», RDE, VIII, N.º 1, 1982: [49-60].

Instituto conhecido, no Reino Unido, sob o designativo “time sharing”, ou seja a divisão ou a partilha do tempo.

Espanha: contratos ou operações de habitación en tiempo compartido. O dono do empreendimento é o “proprietário”; o titular do direito real de

habitação não tem designativo e é usualmente conhecido por “titular”. Regime Jurídico: Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 de Agosto, alterado pelos

Decretos-Leis n.os 180/99, de 22 de Maio, e 22/2002, de 31 de Janeiro, e Lei n.º 60-A/2005, de 20 de Dezembro, e Decretos-Leis n.os 76-A/2006, de 29 de Março, e 116/2008, de 4 de Julho, e Declaração de Rectificação n.º 47/2008, de 25 de Agosto, Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março.

2. Objecto Vale, aqui, o que se encontra nos artigos 1.º e 4.º, do citado diploma. Verifica-se, por isso, que o objecto se reconduz às «unidades de alojamento

integradas em hotéis-apartamentos, aldeamentos turísticos e apartamentos turísticos podem constituir-se direitos reais de habitação periódica limitados a um período certo de tempo em cada ano» (artigo1.º).

O artigo 4.º determina as condições que devem ser observadas na exploração de um empreendimento sujeito ao regime de direito real de habitação periódica.

Urge atentar no que se dispões no artigo 4.º, alíneas a) a g). O que leva a doutrina – onde se insere SANTOS JUSTO e CARVALHO

FERNANDES – a concluir que o direito real de habitação periódica tem «necessariamente por objecto uma universalidade habitacional autónoma, integrada num dos empreendimentos enumerados no artigo 1.º: hotéis-apartamentos, aldeamentos turísticos e apartamentos turísticos».

Dados que aproximam do instituto da propriedade horizontal: a existência de unidades de alojamento independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para parte comum do edifício ou do empreendimento ou para a via pública.

Dados que o afastam do instituto da propriedade horizontal: o edifício pode ter apenas uma unidade habitacional, pois o elemento essencial daquele direito é o fraccionamento do tempo de utilização.

3. Duração Da duração semanal, do diploma originário de 1981, passou-se a um regime

distinto no actual artigo 3.º. Perpétuo ou temporário (não inferior a 15 anos)

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O exercício é limitado entre o mínimo de 7 dias e o máximo de 30 dias seguidos, embora nada impeça uma pessoa de adquirir vários direitos de habitação periódica, seguidos ou intercalados, mantendo cada um deles a sua autonomia.

Sublinhe-se que: (IMPORTANTE): não é o direito que é periódico, mas a habitação, visto que o direito permanece, embora late; o seu exercício efectivo (o uso de morada) é que tem uma duração temporal limitada em cada ano civil.

4. Natureza jurídica Pontos de contacto com o USUFRUTO e o DIREITO DE HABITAÇÃO,

embora não seja intuitu personae, sendo livremente transmissível, inter vivos e mortis causa. Pode revestir natureza perpétua.

PONTOS DE CONTACTO com a PROPRIEDADE HORIZONTAL: – os utentes têm poderes sobre as partes comuns do empreendimento turístico

em que as unidades se integram; – Há uma assembleia de utentes com funções específicas em que participam os

utentes PONTOS DE AFASTAMENTO DA PROPRIEDADE HORIZONTAL: – O direito de habitação periódica recai sobre coisa alheia; – Há uma parte do empreendimento sobre a qual não se podem constituir aqueles

direitos; – O empreendimento tem um proprietário com funções específicas. CONCLUSÃO (acerca da natureza jurídica): – Direito real de gozo; – Sobre coisa alheia; – De natureza perpétua ou temporária; – Facilmente negociável. 5. Constituição O Direito Real de Habitação Periódica é constituído por ESCRITURA

PÚBLICA ou DOCUMENTO PARTICULAR AUTENTICADO que é instruído com CÓPIA DA CERTIDÃO referida no n.º 3, do artigo 6.º.

FASES: 1.ª Fase – O proprietário das unidades de alojamento interessado na constituição

do Direito Real de Habitação periódica deve apresentar no Turismo de Portugal, I. P., o pedido de autorização com os elementos referidos no artigo 5.º, n.º 2;

2.ª Fase – Autorizado o projecto de constituição, o Turismo de Portugal, I.P., emite uma certidão na qual devem constar os elementos indicados no artigo 5.º, n.º 2 ;

3.ª Fase – O acto de constituição do direito real de habitação periódica terá, como parte integrante, o conteúdo desta certidão (artigo 5.º, n.º 3);

4.ª Fase – O título de constituição deve ser inscrito no registo predial – artigo 8.º, n.º 1.

6. Modificação O título de constituição do direito real de habitação periódica pode ser

modificado por escritura pública ou documento particular autenticado, havendo acordo dos titulares cuja posição seja afectada – artigo 7.º, n.º 1.

Havendo recusa «injustificada, a aprovação da modificação pode ser judicial suprida» – artigo 7.º, n.º 2.

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O Projecto deve ser devidamente instruído, no artigo 5.º, n.º 2, submetido ao Turismo de Portugal, I.P., que emitirá uma certidão – artigos 5.º e 6.º, ex vi artigo 7.º, n.º 3.

Todo este formalismo é consequência das exigências impostas ao nível da constituição do direito real de habitação periódica.

7. Transmissão A Conservatória do Registo Predial, por força do disposto no artigo 10.º, emite

um certificado predial que titula o direito e legitima a sua transmissão ou oneração. Requisitos do certificado – artigo 11.º – é utilizado na oneração ou transmissão

por acto inter vivos dos direitos reais de habitação periódica: as partes devem aí declarar esse acto, com reconhecimento presencial das assinaturas do constituinte do ónus ou do alienante; e está sujeito a registo – artigo 12.º, n.º 1.

Transmissão onerosa – exigência da indicação do valor. Transmissão mortis causa – inscrição no certificado predial – artigo 11.º, n.os 2

e 3. Certificado predial (corresponde à caderneta predial do proprietário do imóvel)

satisfaz uma DUPLA FUNÇÃO: – Documenta o direito do portador; – Facilita a sua transmissão ou oneração mais expedida, sem subordinação ao

formalismo clássico da escritura pública. Não é um direito constituído intuitu personae; visa estimular os investimentos

afectos a fins turísticos. Possibilidade de realização de contratos-promessa de transmissão de DIREITOS

REAIS DE HABITAÇÃO PERÍDOICA – devendo observar os requisitos dos artigos 17.º e 18.º.

Possibilidade de pedir a resolução no PRAZO DE 10 OU 20 DIAS ÚTEIS a partir da assinatura do contrato-promessa, respectivamente, se contiver ou não os elementos referidos no documento complementar previsto no artigo 11.º, n.º 2 – artigo 19.º, n.º 1.

8. Regime jurídico 8.1. Direitos e obrigações do utente O titular do DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PERIÓDICA goza da

faculdade (artigos 19.º e 21.º) de: DIREITOS: 1.º – Habitar a unidade de alojamento pelo período a que respeita o seu direito; 2.º – Usar as instalações e equipamentos de uso comum do empreendimento e

beneficiar dos serviços prestados pelo titular do empreendimento; 3.º – Exigir, no caso de impossibilidade de utilização da unidade de alojamento

devida a situações de força maior ou caso fortuito motivado por circunstâncias anormais e imprevisíveis, cujas consequências não poderiam ter sido evitadas, que o proprietário ou cessionário lhe faculte alojamento alternativo num empreendimento sujeito ao regime do direito real de habitação de habitação periódica, de categoria idêntica ou superior, num local próximo do empreendimento objecto do contrato;

4.º – Ceder o exercício das suas faculdades. OBRIGAÇÕES: i) Agir, no exercício do seu direito, como um bom pais de família – artigo 21.º, n.º 2.

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ii) Não utilizar a unidade de alojamento e as partes de uso comum para fins diferentes dos previstos – artigo 21.º, n.º 2.

iii) Não praticar actos proibidos pelo título constitutivo ou pelo regulamento do empreendimento – artigo 21.º, n.º 2.

iv) Comunicar, por escrito, a cedência do exercício das suas faculdades ao responsável pela gestão do empreendimento – artigo 21.º, n.º 3.

v) Pagar anualmente, ao proprietário das unidades de alojamento, a prestação pecuniária indicada no título constitutivo – artigo 22.º, n.º 1.

vi) Permitir o acesso do proprietário do empreendimento à sua unidade de alojamento para proceder á sua conservação e limpeza – artigo 24.º, n.º 1.

vii) Pagar as reparações decorrentes de deteriorações que lhe sejam imputáveis ou a quem cedeu o uso do seu direito e não resultem do seu exercício normal – artigo 27.º, n.º 2.

8.2. DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO PROPRIETÁRIOS 8.2.1. Direitos: 1.º Ceder a exploração do empreendimento a outra entidade que, todavia, deve

ser do tipo das que podem assumir a qualidade de proprietário – artigo 4.º, n.º 1, alínea g).

2.º Recebe, de cada utente, a respectiva prestação periódica pecuniária – artigo 22.º.

3.º Fazer inovações, nas unidades de alojamento, autorizadas pelos utentes em assembleia geral – artigo 28.º.

8.2.2. Obrigações: i) Não constituir outros direitos reais sobre as unidades de alojamento – artigo

2.º, n.º 1. ii) Entregar gratuitamente, a qualquer pessoa que o solicite, um documento

informativo que, de forma clara e precisa, descreva o empreendimento turístico – artigo 9.º, n.º 1.

iii) Prestar caução que garanta: iiia – A possibilidade do início do gozo do direito pelo adquirente na data

prevista no contrato – artigo 15.º, alínea a). iiib – A expurgação de hipotecas ou outros ónus oponíveis ao adquirente do

direito – artigo 15.º, alínea b). iiic – A devolução da totalidade das quantias entregues pelo adquirente por conta

da aquisição desse direito, actualizada de acordo com o índice anual dos preços do consumidor, no caso de o empreendimento turístico não abrir ao público – artigo 15.º, alínea c).

iiid – A devolução da totalidade das quantias entregues pelo adquirente, se exercer o direito à resolução do contrato nos termos do artigo 16.º, n.º 3 – artigo 15.º, alínea d).

iv) Administrar e conservar as unidades de alojamento (incluindo equipamento e recheio) e as instalações e equipamento de uso comum do empreendimento – artigo 25.º, n.º 1.

v) Manter as unidades de alojamento em estado de conservação e limpeza compatível com os fins a que se destinam e a classificação do empreendimento – artigo 26.º, n.º 1.

vi) Fazer as reparações indispensáveis ao exercício normal do direito do utente, em momento e condições que minimizem o sacrifício desse direito – artigo 27.º, n.º 1.

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vii) Fazer as obras que constituam inovações nas unidades de alojamento, com o consentimento dos titulares a prestar em assembleia geral – artigo 28.º.

viii) Pagar as contribuições, taxas, impostos e quaisquer outros encargos anuais que incidam sobre a propriedade – artigo 29.º.

ix) Afectar à constituição de um fundo de reserva uma percentagem não inferior a 4% do valor total das prestações periódicas pagas pelos utentes – artigo 30.º, n.º 1.

x) Prestar caução de boa administração e conservação do empreendimento a favor dos utentes – 31.º, n.º 1.

xi) Prestar anualmente contas da utilização das prestações periódicas pagas pelos utentes e das dotações do fundo de reserva e elaborar relatório de gestão – artigo 32.º, n.º 1.

xii) Elaborar um programa de administração e conservação, para o ano seguinte, da parte sujeita ao regime de direito real de habitação periódica – artigo 33.º, n.º1.

9. Assembleia de utentes Reunião em assembleia geral – artigo 34.º – para: i) Eleger o presidente; ii) Pronunciar-se sobre o relatório de gestão e contas; iii) Apreciar o programa de administração e conservação do empreendimento; iv) Eleger o revisor oficial de contas; v) Aprovar a alteração da prestação periódica; vi) Deliberar sobre outros assuntos de interesse dos utentes – artigo 34.º, n.º 2. vii) Destituição da administração do empreendimento – artigos 36.º e 37.º. 10. Extinção Causas comuns: perda, impossibilidade de exercício, renúncia e caducidade (se

temporário). Pela resolução – prazo de 10 dias úteis a contar da celebração – artigo 16.º, n.º

1. A declaração de resolução deve ser comunicada ao vendedor em carta registada

e com aviso de recepção e enviada até ao termo daquele prazo – artigo 16.º, n.º 2. Aumento do prazo para 3 meses, a contar do momento da assinatura do contrato,

se não contiver os elementos referidos no documento complementar previsto no artigo 11.º, n.º 2 – artigo 16.º, n.º 3.

Após resolução contratual, o vendedor deve restituir ao adquirente as quantias recebidas até à data da sua resolução – artigo 16.º, n.º 7.

Renúncia abdicativa: declaração unilateral feita no certificado predial, devendo a assinatura ser presencialmente reconhecida – artigo 42.º, n.º 1.

Notificação ao proprietário do empreendimento e ao Turismo I.P. e registadas nos termos do artigo 42.º, n.º 2.

Produção de efeitos: passados seis meses após notificações – artigo 42.º, n.º 3. Regime que beneficia o proprietário ao permitir-lhe nova alienação do direito

renunciado. Renúncia não afasta o direito de resolução cujo regime é mais favorável ao

adquirente e tem a vantagem de não suportar quaisquer encargos por causa da resolução, devendo notar-se que, resolvido o contrato, tem direito à restituição, pelo alienante, das quantias recebidas até à data da resolução.

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INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS COMPLEMENTARES DOUTRINA DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PERIÓDICA – ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil – Reais, 5.ª edição, revista e ampliada, Coimbra

Editora, Coimbra, 1993: [513-521] – BASTO, J. G. Xavier de/XAVIER, António Lobo, «O IVA e os títulos do Direito de Habitação

Periódica», Fisco, Ano 4, n.º 45, Julho de 1992: [3-13]. – BERNARDES, Luís/Moutinho, José Lobo, «Estudo sobre o direito real de habitação

periódica», Direito e Justiça, Volume VII, 1993: [407-416] – COSTA, Mário Júlio de Almeida, Noções de Direito Civil, Livraria Almedina, Coimbra, 3.ª

edição, 1991: [452-458]. – FERREIRA, Rogério Manuel R. C. Fernandes, Time-Sharing, Aspectos Fiscais, Escher,

Lisboa, 1991 – Gonçalves, Augusto da Penha, Curso de Direitos Reais, Universidade Lusíada, Lisboa, 1993:

[411-420]. – LIMA, Pires de/VARELA, João de Matos Antunes, Código Civil – Anotado, Volume III,

(Anotação ao Decreto-Lei n.º 355/81, de 31 de Dezembro), 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1987: [554 – 580]

– LOUSA, Maria dos Prazeres, «Aspectos Fiscais do Direito Real de Habitação Periódica», Fisco, Ano 1, n.º 11, Setembro de 1989: [6-9].

– MENDES, Isabel Pereira, Direito Real de Habitação Periódica, Regime, Registo, Contrato-Promessa, Conjuntos Imobiliários, Propriedade Horizontal, Loteamentos Urbanos, Legislação e Formulário, Livraria Almedina, Coimbra,1993.

– MESQUITA, Maria Margarida Cordeiro, «O Direito Real de Habitação Periódica e os novos Códigos Tributários: Enquadramento do seu titular», Fisco, Ano 1, n.º 11, Setembro de 198: [3-5].

– MESQUITA, Manuel Henrique, «Uma nova figura real: o direito de habitação periódica», Revista de Direito e Economia, Ano VIII, n.º 1, Janeiro/Junho, 1982: [39-69].

– MOUTINHO, José Lobo/BERNARDES, Luís, «Estudo sobre o direito real de habitação periódica», Direito e Justiça, Volume VII, 1993: [407-416].

– SILVA, Fernando Castro, «Direito Real de Habitação Periódica, Contributo para o esclarecimento de alguns aspectos contabilísticos e fiscais», Fisco, Ano 2, n.º 27, Janeiro de 1991: [7-17].

– VARELA, João de Matos Antunes/ LIMA, Pires de, Código Civil – Anotado, Volume III, (Anotação ao Decreto-Lei n.º 355/81, de 31 de Dezembro), 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1987: [554 – 580]

– VEIGA, António Luís, «Direitos de Habitação Periódica», Revista da Banca, n.º 10, Abril/Junho, 1989: [91-102].

– VIDAL, A. Lúcio, O Direito Real de Habitação Periódica, Coimbra, Livraria Almedina, 1984 – XAVIER, António Lobo/BASTO, J. G. Xavier de, «O IVA e os títulos do Direito de Habitação

Periódica», Fisco, Ano 4, n.º 45, Julho de 1992: [3-13].

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ANEXO – LEGISLAÇÃO EM VIGOR (2013)

37. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PERIÓDICA (“TIME SHARING”)

37.1. AUTORIZAÇÃO AO GOVERNO PARA ALTERAR O REGIME CONTRA-ORDENACIONAL APLICÁVEL ÀS VIOLAÇÕES DAS NORMAS LEGAIS SOBRE O DIREITO DE HABITAÇÃO PERIÓDICA E DIREITOS ANÁLOGOS – LEI N.º 18/93, DE 14 DE JUNHO

Lei n.º 18/93, de 14 de Junho – Autorização ao Governo para alterar o regime contra-ordenacional aplicável às

violações das normas legais sobre o direito de habitação periódica e direitos análogos1 A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164.º, alínea e), 168.º, n.º 1, alíneas b), d) e i), e

169.º. n.º 3, da Constituição, o seguinte: Artigo 1.º Fica o Governo autorizado a: a) Estabelecer o regime contra-ordenacional aplicável à violação das normas que regem o direito real de

habitação periódica e os direitos análogos que possibilitam a utilização de empreendimentos turísticos por períodos determinados em cada ano;

b) Manter isenta do imposto municipal de sisa a transmissão do direito real de habitação periódica. Art. 2.º No uso da autorização conferida pela alínea a) do artigo anterior, poderá o Governo: a) Estabelecer contra-ordenações, puníveis com coima cujo montante máximo se poderá elevar a 20 000

000$, visando sancionar: I) A exploração de empreendimentos no regime do direito real de habitação periódica ou de direitos

análogos sem observância das exigências legais; II) A comercialização ou transmissão de direitos reais de habitação periódica ou de direitos análogos em

violação do disposto na lei; III) A não prestação das cauções legalmente exigidas; IV) A realização de publicidade ou promoção dos direitos reais de habitação periódica ou de direitos

análogos em infracção ao estabelecido na lei; V) O incumprimento de normas de direito transitório relativas à adaptação ao novo regime dos direitos reais

ou obrigacionais de habitação periódica constituídos; b) Determinar a publicação obrigatória da punição da contra-ordenação, a expensas do infractor; c) Estabelecer a responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores ou directores das sociedades

proprietárias ou concessionárias da exploração de empreendimentos sobre cujas unidades de alojamento estejam constituídos direitos reais de habitação periódica ou direitos análogos, pelo pagamento das coimas aplicadas àquelas sociedades;

d) Estabelecer que, se um facto violar simultaneamente o disposto no Código de Publicidade, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de Outubro, e normas especiais relativas à publicidade de direitos reais de habitação periódica ou direitos análogos, será sempre punido pela violação destas últimas.

Art. 3.º A autorização legislativa concedida pela presente lei tem a duração de 120 dias. Aprovada em 5 de maio de 1993. O Presidente da Assembleia da República, António Moreira Barbosa de Melo. Promulgada em 26 de Maio de 1993. Publique-se. O Presidente da República, MÁRIO SOARES. Referendada em 31 de Maio de 1993. O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.

37.2. REGIME JURÍDICO DA HABITAÇÃO PERIÓDICA (“TIME SHARING”) – Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 de Agosto, alterado pelos Decretos-Leis n.os 180/99, de 22 de Maio, e 22/2002, de 31 de Janeiro, e Lei n.º 60-A/2005, de 20 de Dezembro, e Decretos-Leis n.os 76-A/2006, de 29 de Março, e 116/2008, de 4 de Julho, e Declaração de Rectificação n.º 47/2008, de 25 de Agosto, Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março

Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 de Agosto2 O direito real de habitação periódica, instituído pelo Decreto-Lei n.º 355/81, de 31 de Dezembro, tem vindo

a revelar-se um instrumento jurídico adequado à dinamização do mercado de unidades de alojamento para férias por curtos períodos de tempo.

1 Diário da República, I.ª Série-A, N.º 137, de 14 de Junho de 2008: [3162]. 2 Diário da República, I.ª Série-A, N.º 182, de 5 de Agosto de 1993: [4194-4204].

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A experiência acumulada e a necessidade de enquadrar aquele direito no âmbito da actividade turística estiveram na origem do Decreto-Lei n.º 130/89, de 18 de Abril, diploma que, assim, procurou adaptar o instituto às exigências entretanto sentidas.

Apesar do relativamente curto lapso de tempo volvido, considera-se oportuno proceder à revisão deste diploma, por duas razões fundamentais. De um lado, por opções de política do turismo que aconselham a adopção de medidas destinadas a melhorar a qualidade e o funcionamento dos empreendimentos turísticos no regime do direito real de habitação periódica. Depois, porque se entendeu ser conveniente reforçar o grau de protecção dos adquirentes de direitos reais de habitação periódica, atendendo a que os respectivos contratos exigem, na maior parte das vezes, uma tutela particular da parte mais fraca. Acrescente-se que as ditas razões, amplamente debatidas a nível comunitário, vieram a suscitar a apresentação de uma proposta de directiva neste domínio.

Deste modo, e para referir alguns dos aspectos mais salientes do novo diploma, estabelece-se agora que só 60% das unidades de alojamento do empreendimento podem ser exploradas em regime do direito real de habitação periódica, com o fim de melhor garantir os padrões de qualidade exigíveis em empreendimentos turísticos deste tipo.

Consagrou-se também a exigência da unicidade na titularidade do empreendimento – completada pela regra da indivisibilidade jurídica deste – e a unicidade da administração, num esforço para assegurar a eficácia do seu funcionamento.

No campo da protecção do adquirente consumidor várias são as medidas adoptadas. Procurou-se antes do mais proporcionar-lhe uma informação atempada e pormenorizada sobre o direito real de habitação periódica a adquirir, estabelecendo-se a obrigatoriedade de o alienante pôr à disposição daquele um documento, complementar do contrato, com indicações exaustivas.

Por outro lado, e de acordo com tendências sentidas também noutros sectores, confere-se agora ao consumidor um direito de resolução do contrato de aquisição ou do contrato-promessa de aquisição, sem sofrer qualquer penalização, durante um prazo de 14 dias, tendo em vista alcançar decisões aquisitivas menos sugestionadas por técnicas agressivas de promoção e comercialização.

Além disso, entendeu-se conveniente defender o adquirente ou o promitente-adquirente contra determinados riscos típicos desses contratos, consagrando-se a obrigatoriedade de o alienante ou o promitente-alienante constituírem garantias suficientes a favor daqueles.

Diferente destas garantias prestadas pelo alienante em favor de cada adquirente é a caução de boa administração, caução que o proprietário do empreendimento ou o cessionário da exploração devem constituir em benefício do conjunto dos titulares de direitos reais de habitação periódica, por forma a proteger as suas expectativas de manutenção da qualidade das unidades de alojamento e dos serviços prestados pelo empreendimento.

Como corolário da protecção dos adquirentes-consumidores, e na senda do que vem sendo proposto em outros domínios da actividade económica, procede-se a uma adequada tipificação dos ilícitos contra-ordenacionais e, do mesmo passo, actualizam-se os montantes das coimas aplicáveis.

Constituiu também preocupação da reforma da regulamentação do direito de habitação periódica aperfeiçoar ou completar alguns mecanismos e regras introduzidas já pela legislação anterior.

Assim, por exemplo, institucionalizou-se uma assembleia geral de titulares de direitos reais de habitação periódica, com competências específicas, a fim de lhes atribuir uma adequada, e desejável, participação na vida do empreendimento, participação essa que, contudo, em nada contende com a administração deste pelo proprietário ou cessionário da exploração. Procurou-se também melhorar o regime da substituição da entidade administradora do empreendimento e aperfeiçoar a sua articulação com a nomeação judicial do administrador, para permitir uma resposta mais adequada a situações limite de incumprimento da obrigação de administração a cargo do proprietário ou do cessionário da exploração.

Estabeleceu-se finalmente um regime básico para todos os direitos que, embora não tendo a natureza de direito real, preenchem um fim análogo ao do direito real de habitação periódica, consagrando-se, assim, um conjunto de regras destinado a assegurar um mínimo de protecção aos que adquiram tais direitos.

O novo diploma apresenta-se no final como largamente inovador. Nem por isso, todavia, deixou de atender à especificidade da tradição jurídica portuguesa neste domínio, representando por isso também uma evolução da nossa experiência particular desde a criação, em 1981, do direito real de habitação periódica com as características que o cunharam. Espera-se que o novo regime constitua um instrumento útil para a correcta dinamização e credibilidade desta actividade e para quantos nela apostam.

Assim: No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 18/93, de 14 de Junho, e nos termos das alíneas a)

e b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte: CAPÍTULO I – Do direito real de habitação periódica SECÇÃO I – Disposições gerais Artigo 1.º (Direito real de habitação periódica) Sobre as unidades de alojamento integradas em hotéis-apartamentos, aldeamentos turísticos e apartamentos

turísticos podem constituir-se direitos reais de habitação periódica limitados a um período certo de tempo de cada ano.

(Redacção introduzida pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio) Artigo 2.º (Outros direitos reais)

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1 – O proprietário das unidades de alojamento sujeitas ao regime de direitos reais de habitação periódica

não pode constituir outros direitos reais sobre as mesmas. 2 – O disposto no número anterior não impede que, quando necessário, a constituição do direito real de

habitação periódica seja precedida da sujeição do edifício, grupo de edifícios ou conjunto imobiliário ao regime da propriedade horizontal.

(Redacção introduzida pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio) Artigo 3.º (Duração) 1 – O direito real de habitação periódica é, na falta de indicação em contrário, perpétuo, podendo ser-lhe

fixado um limite de duração não inferior a um ano a contar: a) Da data da sua constituição; ou b) Da data da respectiva abertura ao público, quando o empreendimento estiver ainda em construção. 2 – O direito real de habitação periódica é limitado a um período de tempo determinado ou determinável em

cada ano. 3 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, os períodos de tempo devem ter todos a mesma duração. 4 – O último período de tempo de cada ano pode terminar no ano civil subsequente ao do seu início. 5 – O proprietário das unidades de alojamento previstas no artigo 1.º deve reservar, para reparações,

conservação, limpeza e outros fins comuns ao empreendimento, um período de tempo de sete dias seguidos por ano para cada unidade de alojamento.

(Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; artigo 12.º, do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho; e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio)

Artigo 4.º (Condições de exploração do empreendimento no regime de direito real de habitação

periódica) 1 – A exploração de um empreendimento sujeito ao regime do direito real de habitação periódica requer

que: a) As unidades de alojamento, além de serem independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída

própria para uma parte comum do empreendimento ou para a via pública; b) Sobre pelo menos 30% das unidades de alojamento afectas à exploração turística, não sejam constituídos

direitos reais de habitação periódica ou direitos de habitação turística, mantendo-se a exploração turística integrada da totalidade do empreendimento;

c) O empreendimento turístico onde se situem as unidades de alojamento sujeitas ao regime de direitos reais de habitação periódica deve abranger a totalidade de um ou mais imóveis, excepto no caso dos hotéis-apartamentos e dos apartamentos turísticos, em que apenas têm de ocupar a maioria das unidades de alojamento de um ou mais edifícios, no mínimo de 10, que formem um conjunto urbanístico coerente;

d) As unidades de alojamento dos hotéis-apartamentos e dos apartamentos turísticos devem ser contíguas e funcionalmente independentes;

e) As unidades de alojamento referidas na alínea c) devem ter um único proprietário e, quando o prédio estiver submetido ao regime da propriedade horizontal, o respectivo título constitutivo deve garantir a utilização das instalações e equipamentos de uso comum por parte dos titulares de direitos reais de habitação periódica;

f) O proprietário das unidades de alojamento referidas na alínea c) pode ser um estabelecimento individual de responsabilidade limitada, uma cooperativa ou uma sociedade comercial;

f) (Revogada pelo artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março); g) Quando exista cessão de exploração do empreendimento turístico, haja um único cessionário que

preencha os requisitos previstos na alínea anterior. 2 – A percentagem prevista na alínea b) do número anterior pode ser alterada por decisão dos membros do

Governo responsáveis pelas áreas do ordenamento do território e do turismo, sob proposta do presidente do conselho directivo do Turismo de Portugal, I. P., quando, cumulativamente, estiverem reunidos os seguintes requisitos:

a) As entidades exploradoras garantirem contratualmente a manutenção da exploração turística de todas as unidades de alojamento afectas a essa exploração, das instalações e equipamentos de uso comum e das instalações e equipamentos de exploração turística durante o período de duração dos respectivos contratos;

b) A construção dos empreendimentos turísticos onde forem constituídos direitos reais de habitação periódica contribuir de forma decisiva para o desenvolvimento e modernização do sector na região em que se localizam, através do aumento da competitividade e do reordenamento e diversificação da oferta e, nas regiões menos desenvolvidas turisticamente, através da criação de oferta turística viável que permita potenciar o desenvolvimento económico regional;

c) A construção dos empreendimentos turísticos onde forem constituídos direitos reais de habitação periódica produzir um impacte significativo, ao nível regional, na criação de emprego ou na requalificação do sector;

d) Os empreendimentos turísticos onde forem constituídos direitos reais de habitação periódica tiverem uma classificação de cinco estrelas.

3 – As entidades referidas nas alíneas f) e g) do n.º 1 devem ter uma situação líquida correspondente a 25% do activo total líquido.

4 – Se a execução do empreendimento estiver prevista por fases, o disposto na alínea b) do n.º 1 aplica-se a cada uma das fases.

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5 – As unidades de alojamento dos empreendimentos turísticos previstos no artigo 1.º não se consideram retiradas da exploração de serviços de alojamento turístico pelo facto de se encontrarem sujeitas ao regime do direito real de habitação periódica.

(Redacção introduzida pelo artigo 4.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1, alínea a) [revoga a alínea f), do n.º 1, do artigo 4.º], Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 22/2002, de 31 de Janeiro; artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio)

SECÇÃO II – Constituição Artigo 5.º (Declaração de comunicação prévia) 1 – A constituição de direitos reais de habitação periódica está sujeita a comunicação prévia com prazo,

conforme definida pela alínea a) do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de Julho, ao Turismo de Portugal, I. P.

2 – O proprietário das unidades de alojamento a submeter ao regime de direitos reais de habitação periódica deve apresentar, por via informática, ao Turismo de Portugal, I. P., nos termos previstos no artigo 62.º, a declaração de comunicação prévia com prazo acompanhada dos seguintes elementos:

a) A identificação do ou dos proprietários do empreendimento turístico; b) A identificação do proprietário das unidades de alojamento sujeitas ao regime de direitos reais de

habitação periódica; c) A identificação do empreendimento, com menção do número da descrição do prédio ou prédios no

registo predial e indicação da sua localização; d) Classificação provisória atribuída ao empreendimento turístico, se este ainda não estiver em

funcionamento, ou a classificação definitiva, se já tiverem decorrido dois meses sobre a sua abertura ao público; e) O título de constituição da propriedade horizontal que garanta a utilização das instalações e

equipamentos de uso comum por parte dos titulares de direitos reais de habitação periódica, nos termos previstos na alínea e) do n.º 1 do artigo anterior;

f) No caso de o empreendimento se encontrar ainda em construção, a licença de construção emitida pela câmara municipal competente;

g) A indicação dos ónus ou encargos existentes; h) A data prevista para a abertura ao público do empreendimento; i) A descrição e designação das unidades de alojamento sobre as quais se pretende constituir direitos reais

de habitação periódica, com observância, quanto à primeira, do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 83.º do Código do Registo Predial;

j) O número de unidades de alojamento referidas na alínea anterior e a percentagem que representam do total do empreendimento turístico;

l) A enumeração das instalações e equipamentos de uso comum e de exploração turística, bem como dos equipamentos de animação, desportivos e de recreio do empreendimento;

m) O número total dos direitos reais de habitação periódica a constituir e o limite de duração dos mesmos; n) O valor relativo de cada direito real de habitação periódica, de acordo com uma unidade padrão; o) O critério de fixação e actualização da prestação periódica devida pelos titulares e a percentagem desta

que se destina a remunerar a gestão; p) O início e o termo de cada período de tempo dos direitos; q) Os poderes dos respectivos titulares, designadamente sobre as partes do empreendimento que sejam de

uso comum; r) Os deveres dos titulares, designadamente os relacionados com o exercício do seu direito, e com o tempo,

o lugar e a forma de pagamento da prestação periódica; s) Os poderes e deveres do proprietário do empreendimento, nomeadamente em matéria de equipamento e

mobiliário das unidades de alojamento e a sua substituição, de reparações ordinárias e extraordinárias, de conservação e limpeza e os demais serviços disponibilizados;

t) A capacidade máxima de cada uma das unidades de alojamento. 3 – Se for detectada a falta ou desconformidade de algum dos elementos ou documentos referidos no

número anterior, o Turismo de Portugal, I. P., dispõe de um prazo de 10 dias a contar da apresentação da comunicação prévia para solicitar ao proprietário que, no prazo de 10 dias, envie os elementos ou documentos em falta, ficando suspenso o prazo a que se refere o n.º 5 até que o processo se encontre devidamente instruído.

4 – O processo só se encontra devidamente instruído na data da recepção do último dos elementos em falta. 5 – Caso o Turismo de Portugal, I. P., não se pronuncie no prazo de 30 dias a contar da apresentação da

comunicação prévia, o proprietário das unidades pode promover a constituição dos direitos reais de habitação periódica nos termos e nas condições constantes da declaração de comunicação prévia.

(Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; artigo 12.º, do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho; e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio)

Artigo 6.º (Constituição do direito real de habitação periódica) 1 – Salvo o disposto em lei especial, o direito real de habitação periódica é constituído por escritura pública

ou por documento particular autenticado.

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2 – O acto de constituição de direito real de habitação periódica é instruído com cópia da certidão referida no n.º 3 do artigo anterior, devendo nele ser mencionado que o conteúdo daquela certidão faz parte integrante do título.

(Redacção introduzida pelo artigo 12.º, do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho; e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio)

Artigo 7.º (Modificação do título de constituição do direito real de habitação periódica) 1 – Salvo o disposto em lei especial, o título de constituição do direito real de habitação periódica pode ser

modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo dos titulares de direitos reais de habitação periódica cuja posição seja afectada.

2 – A aprovação da modificação pode ser judicialmente suprida, em caso de recusa injustificada. 3 – À modificação do título de constituição do direito real de habitação periódica é aplicável, com as

necessárias adaptações, o disposto nos artigos anteriores. (Redacção introduzida pelo artigo 12.º, do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho; e artigo 1.º, do

Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio) Artigo 8.º (Registo) 1 – O título de constituição do direito real de habitação periódica está sujeito a inscrição no registo predial. 2 – Só pode ser objecto de direito real de habitação periódica o edifício, grupo de edifícios ou conjunto

imobiliário objecto de uma única descrição no registo predial. 3 – Se a execução do empreendimento turístico tiver sido prevista por fases, o registo de constituição dos

direitos reais de habitação periódica respeitantes a cada fase será feito por averbamento à respectiva descrição. (Redacção introduzida pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio) Artigo 9.º (Formulário normalizado de informação pré-contratual) 1 – Antes de o consumidor ficar vinculado pelo contrato ou por contrato-promessa, o proprietário ou o

vendedor de direitos reais de habitação periódica deve entregar de forma gratuita, em papel ou através de suporte duradouro facilmente acessível ao consumidor, informações exactas que, de uma forma clara, precisa e compreensível, descrevam o empreendimento turístico, bem como os direitos e as obrigações decorrentes do contrato.

2 – As informações mencionadas no número anterior constam de formulário normalizado de informação pré-contratual e incluem designada e obrigatoriamente os seguintes elementos:

a) A identidade, o domicílio e a indicação exacta da qualidade jurídica do vendedor no momento da celebração do contrato, bem como a identidade e o domicílio do proprietário das unidades de alojamento sujeitas ao regime de direito real de habitação periódica;

b) A identificação do empreendimento turístico, com menção do número da descrição do prédio ou prédios no registo predial e indicação da sua localização, com referência ao tipo e à classificação do mesmo e código de acesso à certidão permanente do registo predial;

c) A natureza exacta e especificação do conteúdo do direito objecto do contrato; d) A indicação exacta do período durante o qual o direito pode ser exercido, incluindo a data a partir do

qual pode ser exercido; e) Quando o bem imóvel se encontre em construção, a indicação do prazo limite para a conclusão do imóvel

com indicação da data em que o mesmo está disponível para utilização, incluindo as instalações e equipamentos de uso comum;

f) O preço a pagar pela aquisição do direito real de habitação periódica, incluindo descrição exacta dos custos adicionais obrigatórios decorrentes do contrato;

g) A descrição dos encargos periódicos, contribuições especiais ou taxas eventualmente existentes, bem como os critérios de fixação e actualização dos mesmos;

h) A descrição dos serviços colocados à disposição do titular de direitos reais de habitação periódica, com descrição dos fornecimentos incluídos no preço da unidade de alojamento e os fornecimentos não incluídos no preço que devem ser pagos pelo adquirente;

i) A descrição das instalações e equipamentos de uso comum e de exploração turística dos empreendimentos a que o titular de direitos reais de habitação periódica tem direito, com clara especificação daqueles que não se encontram incluídos no preço, impondo pagamento acrescido;

j) A indicação dos montantes a pagar por serviços colocados à disposição do consumidor não incluídos no preço da aquisição do direito;

l) A informação relativa à existência de sistemas de troca com indicação dos respectivos custos; m) A existência de códigos de conduta aplicáveis com indicação do local onde os mesmos podem ser

consultados; n) As informações sobre o modo e os prazos do exercício do direito de resolução do contrato, com a

indicação da pessoa a quem deve ser comunicada essa resolução; o) A informação relativa à proibição de quaisquer pagamentos antecipados antes de decorrido o prazo de

resolução; p) A informação de que o contrato pode, nos termos do direito internacional privado e em caso de litígio,

ser regido por lei diferente da do Estado membro onde o consumidor reside ou tem o seu domicílio habitual.

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3 – O formulário normalizado de informação pré-contratual deve conter ainda informação detalhada sobre: a) Os direitos adquiridos, com especificação das condições do seu exercício e clara indicação de eventuais

restrições à possibilidade de ocupação do alojamento; b) Os bens, com descrição exacta e pormenorizada do imóvel ou imóveis, incluindo a sua localização e

descrição dos móveis e utensílios que constituem a unidade de alojamento; c) O número da licença de construção e o nome e endereço completo das autoridades competentes e as

garantias relativas à conclusão do imóvel e, quando isso não acontecer, as formas de reembolso dos pagamentos já efectuados, bem como as modalidades de pagamento dessas garantias caso se trate de imóvel em construção;

d) A forma de resolução do contrato e respectivos efeitos na esfera do titular, incluindo especificação dos custos a repercutir no titular e consequências em caso de contratos acessórios, incluindo contratos de crédito associados;

e) Os procedimentos relacionados com a manutenção e reparação no imóvel, incluindo a indicação da forma de exploração e ou administração do empreendimento turístico e os mecanismos existentes com vista à participação do adquirente na tomada de decisões no âmbito da administração do empreendimento;

f) A possibilidade ou impossibilidade de revenda do direito ou direitos adquiridos; g) A indicação da língua ou línguas utilizadas entre o titular do direito e o proprietário ou administrador do

empreendimento no âmbito do contrato, incluindo as questões relacionadas com a indicação dos custos, com o tratamento dos pedidos de informação ou apresentação de reclamações;

h) A indicação da possibilidade ou impossibilidade de recurso a mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos.

4 – As alterações às informações previstas no número anterior devem ser comunicadas ao adquirente antes da celebração do contrato, devendo nesse caso o contrato fazer referência expressa a essas alterações.

5 – As alterações previstas no número anterior apenas podem resultar de circunstâncias alheias à vontade do vendedor, salvo acordo expresso das partes.

6 – As informações a que se referem os n.ºs 2 e 3 devem ser redigidas na língua ou numa das línguas do Estado membro de residência ou da nacionalidade do consumidor à escolha deste, desde que se trate de uma das línguas oficiais da Comunidade.

7 – O modelo de formulário normalizado de informação pré -contratual é aprovado por despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pelas áreas do turismo, defesa do consumidor e justiça.

(Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio)

SECÇÃO III – Do certificado predial Artigo 10.º (Certificado predial) 1 – Relativamente a cada direito real de habitação periódica é emitido pela conservatória do registo predial

competente um certificado predial que titule o direito e legitime a transmissão ou oneração deste, que é entregue ao titular do direito real registado juntamente com o código de acesso à certidão permanente do registo predial.

2 – O certificado predial só pode ser emitido a favor do proprietário das unidades de alojamento sujeitas ao regime de direitos reais de habitação periódica e depois de efectuado o registo definitivo do título de constituição do direito real de habitação periódica.

3 – Só pode ser emitida uma segunda via do certificado predial em caso de destruição ou extravio, alegado em requerimento do titular.

4 – A emissão da segunda via do certificado predial só pode ter lugar depois de decorridos 30 dias sobre a data do respectivo pedido e é sempre anotada à descrição.

(Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio)

Artigo 11.º (Requisitos) 1 – Do certificado predial devem constar: a) A data em que foi realizado o acto de constituição do direito real de habitação periódica; b) Os elementos do título de constituição do direito real de habitação periódica referidos nas alíneas a) a c)

do n.º 2 do artigo 5.º; c) A identificação do titular do direito; d) A identificação da unidade de alojamento e o tipo e classificação do empreendimento turístico; e) A capacidade máxima da unidade de alojamento; f) A indicação exacta do período durante o qual o direito objecto do contrato pode ser exercido e a duração

do regime instituído; g) A indicação dos ónus ou encargos existentes. 2 – O certificado predial deve mencionar a seguir aos elementos previstos no número anterior a existência

de um documento complementar que contenha os seguintes elementos: a) A menção das informações previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 9.º que deve ter total correspondência com o

formulário normalizado de informação; b) (Revogada pelo artigo 6.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março); c) O valor relativo do direito, de acordo com o disposto na alínea n) do n.º 2 do artigo 5.º;

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d) A indicação de que a aquisição do direito real de habitação periódica não acarreta quaisquer despesas, encargos ou obrigações para além dos estipulados no contrato;

e) (Revogada pelo artigo 6.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março); f) (Revogada pelo artigo 6.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março); g) (Revogada pelo artigo 6.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março); h) (Revogada pelo artigo 6.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março); i) A declaração do proprietário do empreendimento turístico que ateste que este foi ou será construído de

acordo com o regime jurídico da instalação e do funcionamento dos empreendimentos turísticos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho, e que obedece aos requisitos das instalações, classificação e funcionamento previstos nos regulamentos a que se refere o n.º 3 do artigo 1.º daquele diploma;

j) A identificação da entidade responsável pela exploração e administração do empreendimento; l) (Revogada pelo artigo 6.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março); m) A indicação das garantias prestadas para cumprir o disposto nos artigos 15.º e 31.º. 3 – Os elementos previstos no número anterior fazem parte integrante do contrato e completam os

elementos previstos no n.º 1, devendo o adquirente declarar por escrito ter recebido aquele documento e compreendido o seu teor.

4 – O certificado predial e o documento complementar devem estar redigidos de forma clara e precisa, com caracteres facilmente legíveis, em português, devendo ser entregue pelo vendedor ao adquirente uma tradução, na língua ou numa das línguas do Estado membro de residência ou da nacionalidade do consumidor à escolha deste, desde que se trate de uma das línguas oficiais da Comunidade, acompanhada de uma tradução do contrato na língua do Estado em que se situe o imóvel.

5 – No espaço do certificado predial imediatamente anterior ao destinado a assinaturas deve constar: a) A menção relativa à existência do direito de resolução sem necessidade de indicação do motivo e sem

quaisquer encargos, no prazo de 14 dias seguidos a contar da data da entrega do certificado predial; b) A menção sobre a proibição de quaisquer pagamentos antecipados directa ou indirectamente relacionados com o negócio jurídico a celebrar. 6 – No espaço previsto no número anterior, o adquirente deve ainda declarar ter recebido a tradução do

certificado e do documento complementar, que constitui parte integrante do contrato para todos os efeitos legais. 7 – O certificado predial deve incluir o formulário de resolução do contrato. 8 – O modelo do certificado predial e o formulário de resolução do contrato são aprovados pelo despacho

conjunto a que se refere o n.º 7 do artigo 9.º. (Redacção introduzida pelos artigos 2.º e 6.º, n.º 1, alínea b) [revogou as alíneas b), e) a h) e l) do n.º 2 do

artigo 11.º], do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; artigo 12.º, do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho; artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 22/2002, de 31 de Janeiro; e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio)

SECÇÃO IV – Da transmissão e oneração de direitos reais de habitação periódica Artigo 12.º (Oneração e transmissão de direitos reais de habitação periódica) 1 – A oneração ou a transmissão por acto entre vivos de direitos reais de habitação periódica faz-se

mediante declaração das partes no certificado predial, com reconhecimento presencial das assinaturas do constituinte do ónus ou do alienante, respectivamente, e está sujeita a registo nos termos gerais.

2 – Se a transmissão for a título oneroso, deve ser indicado o valor. 3 – A transmissão por morte está sujeita a inscrição no certificado predial, devendo a assinatura do sucessor

ser reconhecida presencialmente, após exibição ao notário de documento comprovativo da respectiva qualidade. 4 – A transmissão de direitos reais de habitação periódica implica a cessão dos direitos e obrigações do

respectivo titular em face do proprietário do empreendimento ou do cessionário da exploração, sem necessidade de concordância deste, considerando-se não escritas quaisquer cláusulas em contrário.

(Redacção introduzida pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio) Artigo 13.º (Documento complementar) 1 – Nas transmissões de direitos reais de habitação periódica o vendedor deve entregar ao adquirente o

documento complementar bem como o formulário de resolução do contrato previsto no artigo 11.º. 2 – Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 9.º, sempre que haja alguma alteração ao conteúdo do

documento complementar ou se verifique a perda ou extravio dele, pode o titular do direito real de habitação periódica exigir do proprietário das unidades de alojamento objecto desse direito um novo documento.

3 – A violação do disposto no n.º 1 gera a nulidade do negócio jurídico celebrado, depois de ultrapassados os prazos previstos no n.º 3 do artigo 16.º.

4 – Recai sobre o vendedor o ónus de provar o cumprimento da obrigação prevista no n.º 1. (Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; e artigo 1.º, do

Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio) Artigo 13.º-A (Dever especial de informação)

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1 – Antes da assinatura do contrato, o vendedor está obrigado a informar o adquirente de que dispõe de um prazo de 14 dias seguidos para resolver o contrato e que se encontra vedado o pagamento de quaisquer quantias.

2 – Incumbe ao vendedor a prova do cumprimento da obrigação prevista no número anterior. (Aditado pelo artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março) Artigo 14.º (Sinal ou antecipação do pagamento) 1 – Antes do termo do prazo para o exercício do direito de resolução previsto no n.º 1 do artigo 16.º é

proibido efectuar pagamentos seja a que título for ou receber qualquer quantia como forma de pagamento, ou com qualquer outro objectivo directa ou indirectamente relacionado com o negócio jurídico a celebrar.

2 – São igualmente proibidos os pagamentos de qualquer quantia a título de sinal, de garantia ou de reserva ou a prestação de qualquer outra contrapartida antes do termo do prazo a que se refere o número anterior.

(Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio)

Artigo 15.º (Caução) 1 – O proprietário das unidades de alojamento sujeitas ao regime de direitos reais de habitação periódica ou

o cessionário da exploração devem prestar caução que garanta: a) A possibilidade do início do gozo do direito pelo adquirente na data prevista no contrato; b) A expurgação de hipotecas ou outros ónus oponíveis ao adquirente do direito; c) A devolução da totalidade das quantias entregues pelo adquirente por conta da aquisição desse direito,

actualizada de acordo com o índice anual dos preços do consumidor, no caso de o empreendimento turístico não abrir ao público;

d) A devolução da totalidade das quantias entregues pelo adquirente até ao termo do prazo previsto nos n.º 3 e 4 do artigo seguinte.

2 – A caução é prestada a favor do adquirente por seguro, garantia bancária, depósito bancário, títulos de dívida pública ou qualquer outra forma de garantia admitida no direito interno dos Estados-Membros da União Europeia, e o seu valor mínimo é equivalente ao que houver sido entregue por aquele.

3 – Nas transmissões subsequentes de direitos reais de habitação periódica, transfere-se para o adquirente a caução que garante o cumprimento das obrigações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 e ainda, no caso da alínea c) do n.º 1, se o empreendimento turístico ainda não estiver aberto ao público.

(Redacção introduzida pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 22/2002, de 31 de Janeiro; e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio)

Artigo 16.º (Direito de resolução) 1 – O adquirente do direito real de habitação periódica tem o direito de resolver o contrato de aquisição sem

indicar o motivo e sem quaisquer encargos, no prazo de 14 dias seguidos a contar: a) Da data da celebração do contrato de transmissão do direito real de habitação periódica; b) Da data em que lhe é entregue o contrato de transmissão do direito real de habitação periódica ou da data

da entrega do formulário de resolução consoante a que for posterior, e caso esta data seja também posterior à data prevista na alínea anterior.

2 – A declaração de resolução deve ser comunicada ao vendedor em papel ou noutro suporte duradouro, enviada até ao termo do prazo previsto no número anterior.

3 – O direito de resolução a que se refere o n.º 1 caduca: a) No prazo de um ano e 14 dias seguidos a contar da data mencionada no n.º 1 se o vendedor não

preencher e fornecer ao adquirente o formulário de resolução do contrato; b) No prazo de 94 dias seguidos a contar do momento da assinatura por ambas as partes do contrato, se o

mesmo não contiver os elementos referidos no documento complementar previsto no n.º 2 do artigo 11.º. 4 – Se, nos prazos previstos no número anterior, o vendedor fornecer os elementos em falta, o adquirente

passa a dispor, a contar desse momento, da possibilidade de resolver o contrato nos termos previstos no n.º 1. 5 – Se, associado ao contrato de aquisição do direito real de habitação periódica, for celebrado um contrato

de adesão a sistemas de troca, o prazo para resolução é o mesmo para ambos os contratos, contado nos termos dos números anteriores.

6 – Se o preço do bem imóvel, sujeito ao regime de direitos reais de habitação periódica, for total ou parcialmente coberto por um crédito concedido pelo vendedor, ou por terceiro com base num acordo entre este e o vendedor, e o adquirente exercer o direito de resolução previsto nos números anteriores, o contrato de crédito é resolvido, sem direito a indemnização ou pagamento de quaisquer encargos.

7 – Resolvido o contrato, o vendedor deve restituir ao adquirente todas as quantias recebidas até à data da resolução do mesmo.

8 – Resolvido o contrato de aquisição de direito real de habitação periódica todos os contratos acessórios a este são automaticamente resolvidos sem direito a indemnização ou pagamento de quaisquer encargos.

9 – Por contrato acessório entende-se um contrato por força do qual o consumidor adquire serviços relacionados com um contrato de utilização periódica de bens ou com um contrato de aquisição de um produto de férias de longa duração, sendo esses serviços prestados por um profissional ou por um terceiro com base num acordo entre este último e o profissional.

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(Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 22/2002, de 31 de Janeiro; e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio)

Artigo 17.º (Contratos-promessa de transmissão de direitos reais de habitação periódica) 1 – Os contratos-promessa de transmissão de direitos reais de habitação periódica vinculam ambas as partes

e devem ser reduzidos a escrito. 2 – O vendedor deve entregar ao adquirente uma tradução do contrato-promessa de transmissão de direitos

reais de habitação periódica, na ou numa das línguas do Estado membro de residência do adquirente ou na ou numa das línguas do Estado membro de que este é nacional, à escolha do adquirente, desde que se trate de uma das línguas oficiais da Comunidade, acompanhada de uma tradução do contrato na língua do Estado em que se situe o imóvel.

3 – A informação de que o adquirente pode resolver o contrato, sem indicar o motivo e sem quaisquer encargos, no prazo de 14 dias seguidos a contar da data da celebração desse contrato, deve constar do contrato-promessa de transmissão de direitos reais de habitação periódica e estar situada imediatamente antes do campo destinado às assinaturas.

4 – (Revogado pelo artigo 6.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março). 5 – É nula a convenção que faça depender a celebração do contrato prometido da alienação de direitos reais

de habitação periódica sobre as restantes unidades de alojamento. (Redacção introduzida pelos artigos 2.º e 6.º, n.º 1, alínea c) [revogou o n.º 4, do artigo 17.º], do Decreto-

Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 22/2002, de 31 de Janeiro; e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio)

Artigo 18.º (Requisitos dos contratos-promessa de transmissão de direitos reais de habitação

periódica) 1 – Os contratos-promessa de alienação de direitos reais de habitação periódica em que o promitente-

vendedor intervenha no exercício do comércio devem conter os seguintes elementos: a) A identidade e o domicílio do proprietário das unidades de alojamento sujeitas ao regime dos direitos

reais de habitação periódica, com indicação exacta da qualidade jurídica do vendedor no momento da celebração do contrato;

b) A identificação do promitente-adquirente; c) Os elementos constantes das alíneas c) a h), o) e q) a t) do n.º 2 do artigo 5.º; d) Os elementos constantes das alíneas a) e c) a f) do n.º 1 do artigo 11.º; e) Indicação expressa, aposta imediatamente antes da assinatura das partes, de que o promitente-adquirente

do direito real de habitação periódica pode resolver o contrato, sem indicar o motivo e sem quaisquer encargos, no prazo de 14 dias seguidos a contar da data de assinatura deste, enviada até ao termo daquele prazo.

2 – É obrigatória a entrega ao promitente-adquirente do documento complementar previsto no n.º 2 do artigo 11.º e no artigo 13.º, observando -se, com as devidas adaptações, o disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo 11.º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 13.º.

(Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio)

Artigo 19.º (Direito de resolução e caução) 1 – Nos contratos-promessa o promitente-adquirente goza do direito de resolução após a sua assinatura, nos

termos do disposto no artigo 16.º, contando-se o respectivo prazo da data de assinatura do contrato-promessa. 2 – Se na pendência do prazo previsto no número anterior for realizado o acto de constituição do direito real

de habitação periódica, o prazo para o adquirente do direito real de habitação periódica resolver o respectivo contrato de aquisição, previsto no n.º 1 do artigo 16.º, conta-se a partir da data da assinatura do contrato-promessa.

3 – O promitente-vendedor, quando seja proprietário do empreendimento ou cessionário da sua exploração, deve prestar caução nos contratos-promessa que garanta:

a) A possibilidade do início do gozo do direito pelo adquirente na data prevista no contrato-promessa; b) A expurgação de hipotecas ou outros ónus oponíveis ao adquirente do direito; c) A devolução da totalidade das quantias entregues pelo adquirente por conta da aquisição desse direito,

actualizada de acordo com o índice anual dos preços do consumidor, no caso de o empreendimento turístico não abrir ao público;

d) A devolução da totalidade das quantias entregues pelo adquirente até ao termo do prazo previsto nos n.ºs

3 a 5 do artigo 16.º. 4 – É aplicável à caução a que se refere o número anterior o disposto no n.º 2 do artigo 15.º, observando-se

ainda, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 3 do mesmo preceito. (Redacção introduzida pelo artigo 12.º, do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho; e artigo 1.º, do

Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio) Artigo 20.º (Irrenunciabilidade e nulidade) 1 – Os direitos conferidos nesta secção ao adquirente e ao promitente-adquirente do direito real de

habitação periódica são irrenunciáveis, sendo nula toda a convenção que, de alguma forma, os exclua ou limite.

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2 – É igualmente nula a convenção que, de alguma forma, exclua ou limite as responsabilidades conferidas nesta secção ao vendedor.

(Redacção introduzida pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio) SECÇÃO V – Direitos e deveres dos titulares de direitos reais de habitação periódica Artigo 21.º (Conteúdo e exercício do direito real de habitação periódica) 1 – O titular do direito real de habitação periódica tem as seguintes faculdades: a) Habitar a unidade de alojamento pelo período a que respeita o seu direito; b) Usar as instalações e equipamentos de uso comum do empreendimento e beneficiar dos serviços

prestados pelo titular do empreendimento; c) Exigir, em caso de impossibilidade de utilização da unidade de alojamento objecto do contrato devido a

situações de força maior ou caso fortuito motivado por circunstâncias anormais e imprevisíveis alheias àquele que as invoca, cujas consequências não poderiam ter sido evitadas apesar de todas as diligências feitas, que o proprietário ou o cessionário lhe faculte alojamento alternativo num empreendimento sujeito ao regime de direitos reais de habitação periódica, de categoria idêntica ou superior, num local próximo do empreendimento objecto do contrato;

d) Ceder o exercício das faculdades referidas nas alíneas anteriores. 2 – No exercício do seu direito, o titular deve agir como o faria um bom pai de família, estando-lhe

especialmente vedadas a utilização da unidade de alojamento e das partes do empreendimento de uso comum para fins diversos daqueles a que se destinam e a prática de actos proibidos pelo título constitutivo ou pelas normas reguladoras do funcionamento do empreendimento.

3 – A cedência a que se refere a alínea d) do n.º 1 deve ser comunicada por escrito à entidade responsável pela gestão do empreendimento até ao início do período de exercício do direito, sob pena de opor a tal cedência.

(Redacção introduzida pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio) Artigo 22.º (Prestação periódica) 1 – O titular do direito real de habitação periódica é obrigado a pagar anualmente ao proprietário das

unidades de alojamento sujeitas ao regime dos direitos reais de habitação periódica a prestação pecuniária indicada no título de constituição.

2 – A prestação periódica destina-se exclusivamente a compensar o proprietário das unidades de alojamento sujeitas ao regime dos direitos reais de habitação periódica das despesas com os serviços de utilização e exploração turística a que as mesmas estão sujeitas, contribuições e impostos e quaisquer outras previstas no título de constituição e a remunerá-lo pela sua gestão, não podendo ser-lhe dada diferente utilização.

3 – O valor da prestação periódica pode variar consoante a época do ano a que se reporta o direito real de habitação periódica, mas deve ser proporcional à fruição do empreendimento pelo titular do direito.

4 – A percentagem da prestação periódica destinada a remunerar a gestão não pode ultrapassar 20% do valor total.

(Redacção introduzida pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio) Artigo 23.º (Falta de pagamento da prestação periódica ou de indemnização) 1 – O crédito por prestações ou indemnizações devidas pelo titular do direito real de habitação periódica e

respectivos juros moratórios goza do privilégio creditório imobiliário sobre este direito, graduável após os mencionados nos artigos 746.º e 748.º do Código Civil e os previstos em legislação especial em vigor nesta data.

2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, é atribuída força executiva, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d) do artigo 46.º do Código de Processo Civil, no que se refere às prestações ou indemnizações em dívida pelo titular de direito real de habitação periódica e respectivos juros moratórios:

a) Ao contrato de transmissão do direito real de habitação periódica; b) À certidão do registo predial; c) À acta da assembleia a que se refere o artigo seguinte; d) À acta da assembleia geral de titulares que tiver deliberado, por maioria dos votos dos presentes, o valor

da prestação periódica devida por cada titular. 3 – Na falta de pagamento da prestação periódica até dois meses antes do início do período de exercício do

correspondente direito, o proprietário das unidades de alojamento sujeitas ao regime do direito real de habitação periódica pode opor-se a esse exercício.

4 – No caso previsto no número anterior, o proprietário pode afectar a unidade de alojamento à exploração turística durante o período correspondente a esse direito, caso em que se considera integralmente liquidada a prestação periódica devida nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

(Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio)

Artigo 24.º (Alteração da prestação periódica) 1 – Independentemente do critério de fixação da prestação periódica estabelecido no título de constituição,

aquela pode ser alterada, por proposta da entidade encarregada da auditoria das contas do empreendimento inserida

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no respectivo parecer, sempre que se revele excessiva ou insuficiente relativamente às despesas e à retribuição a que se destina e desde que a alteração seja aprovada por maioria dos votos dos titulares presentes em assembleia convocada para o efeito.

2 – À alteração da prestação periódica aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 7.º. (Redacção introduzida pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio)

SECÇÃO VI – Da administração e conservação do empreendimento Artigo 25.º (Princípios gerais) 1 – A administração e conservação das unidades de alojamento objecto do direito real de habitação

periódica, do seu equipamento e recheio e das instalações e equipamento de uso comum do empreendimento incumbem ao respectivo proprietário.

2 – O proprietário pode ceder a exploração do empreendimento, transferindo-se para o cessionário os poderes e deveres a ela ligados, sem prejuízo da responsabilidade subsidiária do proprietário, perante os titulares dos direitos reais de habitação periódica, pela boa administração e conservação do empreendimento.

3 – A cessão de exploração deve ser notificada à Turismo de Portugal, I.P. e aos titulares dos direitos reais de habitação periódica, sob pena de ineficácia.

(Redacção introduzida pelo artigo 4.º, n.º 1, Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março) Artigo 26.º (Conservação e limpeza das unidades de alojamento) 1 – As unidades de alojamento objecto do direito real de habitação periódica, bem como os respectivos

equipamento e mobiliário, devem ser mantidos pela entidade responsável em estado de conservação e limpeza compatível com os fins a que se destinam e com a classificação do empreendimento.

2 – Sem prejuízo do normal exercício do seu direito, o titular deve permitir o acesso à respectiva unidade de alojamento para o cumprimento das obrigações previstas no número anterior.

Artigo 27.º (Reparações) 1 – As reparações indispensáveis ao exercício normal do direito que não possam ser efectuadas sem o

sacrifício temporário daquele direito devem realizar-se em momento e condições que minimizem esse sacrifício, sem prejuízo do direito de indemnização dos titulares.

2 – As reparações decorrentes de deteriorações imputáveis ao titular do direito ou àquele a quem ele ceder o uso que não resultem do exercício normal desse direito são igualmente efectuadas pela entidade responsável pela exploração do empreendimento, a expensas do titular.

Artigo 28.º (Inovações) O proprietário das unidades de alojamento sujeitas ao regime de direitos reais de habitação periódica só

pode realizar obras que constituam inovações nas unidades de alojamento, ainda que por sua conta, com o consentimento dos titulares, a prestar em assembleia geral.

(Redacção introduzida pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio) Artigo 29.º (Encargos) Os titulares de direitos reais de habitação periódica não podem ser responsabilizados pelo pagamento das

contribuições, taxas, impostos e quaisquer outros encargos anuais que incidam sobre a propriedade nem pelo cumprimento das respectivas obrigações acessórias.

Artigo 30.º (Fundo de reserva) 1 – Uma percentagem não inferior a 4% do valor da prestação periódica paga pelos titulares dos direitos

reais de habitação periódica deve ser afectada à constituição de um fundo de reserva destinado exclusivamente à realização de obras de reparação e conservação das instalações e equipamentos de uso comum e das respectivas unidades de alojamento, seu mobiliário e equipamento.

2 – Devem reverter ainda para o fundo previsto no número anterior os saldos das prestações periódicas que constem das contas anuais do empreendimento.

3 – As quantias que integram o fundo de reserva devem ser depositadas em conta bancária própria. 4 – A entidade proprietária ou exploradora do empreendimento deve apresentar à Turismo de Portugal, I. P.

documento comprovativo de que o fundo de reserva se encontra constituído. (Redacção introduzida pelo artigo 4.º, n.º 1, Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; e artigo 1.º, do

Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio) Artigo 31.º (Caução de boa administração)

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1 – O proprietário das unidades de alojamento sujeitas ao regime dos direitos reais de habitação periódica ou, tendo havido cessão da exploração, o cessionário devem prestar caução de boa administração e conservação do empreendimento a favor dos titulares de direitos reais de habitação periódica.

2 – A caução pode ser prestada por seguro, garantia bancária, depósito bancário ou títulos de dívida pública, ou qualquer outra forma de garantia admitida no direito interno dos Estados membros da União Europeia, devendo o respectivo título ser depositado no Turismo de Portugal, I. P., sem prejuízo do reconhecimento de garantia equivalente nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º e do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de Julho.

3 – O montante mínimo da garantia corresponde ao valor anual do conjunto das prestações periódicas a cargo de todos os titulares dos direitos transmitidos.

4 – A garantia só pode ser accionada por deliberação dos titulares dos direitos, desde que essa deliberação tenha sido tomada pela maioria dos votos correspondentes aos direitos transmitidos.

5 – A garantia deve ser actualizada sempre que o seja a prestação periódica. (Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; e artigo 1.º, do

Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio) Artigo 32.º (Prestação de contas) 1 – A entidade responsável pela administração do empreendimento deve organizar anualmente as contas

respeitantes à utilização das prestações periódicas pagas pelos titulares dos direitos e das dotações do fundo de reserva, elaborar um relatório de gestão e submeter ambos à apreciação da empresa de auditoria ou do revisor oficial de contas a eleger nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 34.º.

2 – O relatório de gestão e as contas a que se refere o número anterior serão enviados a cada titular de direitos, juntamente com a convocatória da assembleia geral ordinária, acompanhados do parecer da auditoria.

3 – Os titulares dos direitos reais de habitação periódica ou os seus representantes têm o direito de consultar os elementos justificativos das contas e do relatório de gestão apresentados na assembleia geral.

4 – Não tendo havido a eleição prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 34.º, deve a entidade responsável pelo funcionamento do empreendimento solicitar à Câmara dos Revisores Oficiais de Contas a designação de um revisor, o qual exercerá as suas funções enquanto não for substituído por empresa ou revisor eleitos pela assembleia geral.

Artigo 33.º (Programa de administração) 1 – A entidade responsável pela administração do empreendimento deve elaborar um programa de

administração e conservação da parte sujeita ao regime de direito real de habitação periódica para o ano seguinte. 2 – O programa deve ser enviado a cada titular de direitos reais de habitação periódica conjuntamente com

a convocatória da assembleia geral ordinária. Artigo 34.º (Assembleia geral de titulares de direitos reais) 1 – A assembleia geral de titulares de direitos reais de habitação periódica integra todos os titulares

daqueles direitos. 2 – Compete à assembleia geral: a) Eleger o presidente de entre os seus membros, sendo o proprietário do empreendimento inelegível para o

cargo; b) Pronunciar-se sobre o relatório de gestão e as contas respeitantes à utilização das prestações periódicas e

das dotações do fundo de reserva; c) Apreciar o programa de administração e conservação do empreendimento no regime de direito real de

habitação periódica para o ano seguinte; d) Eleger o revisor oficial de contas ou a empresa de auditoria que apreciará o relatório de gestão e as

contas do empreendimento; e) Aprovar a alteração da prestação periódica nos termos do artigo 24.º; f) Deliberar sobre qualquer assunto do interesse dos titulares de direitos reais de habitação periódica. 3 – A assembleia geral é convocada pela entidade responsável pela administração do empreendimento,

salvo o disposto no n.º 5. 4 – A assembleia geral deve ser convocada por carta registada, ou por envio de e-mail com recibo de leitura

para o endereço electrónico do titular do direito e publicação da convocatória no sítio da empresa na internet, pelo menos 30 dias antes da data prevista para a reunião, no 1.º trimestre de cada ano, para os efeitos, pelo menos, das matérias referidas nas alíneas b) a d) e f) do n.º 2.

5 – A assembleia geral deve ser convocada pelo presidente sob proposta de titulares de direitos reais de habitação periódica que representem 5% dos votos correspondentes aos direitos transmitidos.

6 – A assembleia geral delibera qualquer que seja o número de titulares de direitos presentes ou representados, salvo o disposto no número seguinte.

7 – A assembleia geral convocada nos termos do n.º 5 requer, para efeitos de deliberação em primeira convocatória, a presença de titulares de direitos que representem, pelo menos, um terço dos votos correspondentes aos direitos reais de habitação periódica constituídos.

8 – O presidente da assembleia geral é eleito por dois anos renováveis. (Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março)

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Artigo 35.º (Participação na assembleia) 1 – Os titulares de direitos reais de habitação periódica podem deliberar em assembleia geral e voar por

escrito. 2 – Ninguém poderá representar mais de um décimo dos votos correspondentes aos direitos constituídos,

salvo se forem detidos por um único titular. 3 – O proprietário do empreendimento, mesmo quando não seja titular de direitos reais de habitação

periódica, ou, tendo havido cessão de exploração, o cessionário devem comparecer na assembleia geral, a fim de prestar as informações solicitadas.

4 – Cada titular de um direito real de habitação periódica tem o número de votos correspondentes ao valor do direito, nos termos estabelecidos no título constitutivo.

5 – O proprietário do empreendimento que seja titular de direitos reais de habitação periódica não dispõe dos votos correspondentes às unidades de alojamento cuja construção não esteja terminada.

6 – O proprietário do empreendimento ou o cessionário da exploração não podem ser representantes dos titulares dos direitos reais de habitação periódica nem votar a alteração da prestação periódica a que se refere a alínea e) do n.º 2 do artigo anterior.

7 – As deliberações são tomadas por maioria simples, salvo disposto no n.º 1 do artigo 37.º. SECÇÃO VII – Destituição e substituição na administração do empreendimento Artigo 36.º (Destituição da administração do empreendimento) 1 – Se o proprietário do empreendimento ou o cessionário da exploração deixaram de cumprir a obrigação

de administração ou houver cumprimento negligente da mesma, podem os titulares deliberar a sua destituição da administração do empreendimento, sem prejuízo da responsabilidade daqueles.

2 – Considera-se haver incumprimento da obrigação de administrar designadamente nos seguintes casos: a) Se não for convocada a assembleia geral de titulares nos termos previstos no n.º 4 do artigo 34.º; b) Se a assembleia de titulares não aprovar o relatório de gestão do exercício anterior; c) Se a entidade responsável pela administração do empreendimento não organizar nem apresentar os

documentos referidos nos artigos 32.º e 33.º; d) Se o proprietário do empreendimento ou o cessionário da exploração não comparecerem na assembleia

geral de titulares; e) Se não for constituído o fundo de reserva previsto no artigo 30.º; f) Se não for constituída ou se caducar a garantia prevista no artigo 31.º; g) Se o empreendimento for desclassificado. Artigo 37.º (Processo) 1 – O processo de destituição inicia-se em assembleia geral especialmente convocada para o efeito,

devendo a deliberação ser tomada por maioria de dois terços dos votos correspondentes aos direitos reais de habitação periódica transmitidos, e só produzindo efeitos depois de decisão do tribunal arbitral, a constituir nos termos dos números seguintes, ou nomeação judicial prevista no artigo 40.º.

2 – O tribunal arbitral é composto por três árbitros, sendo um designado pelos titulares dos direitos reais de habitação periódica, outro pelo proprietário e pelo cessionário e pelo cessionário da exploração, se o houver, e o terceiro pelos árbitros assim designados.

3 – O tribunal arbitral deve, quando tal se justificar, fixar um prazo à entidade administradora para cumprimento das obrigações em falta.

4 – Decorrido o prazo referido no número anterior, se a entidade em causa não tiver cumprido as obrigações impostas pelo tribunal arbitral, este deliberará, de imediato, a destituição daquela e a consequente substituição por uma outra que administrará todo o empreendimento3.

Artigo 38.º (Efeitos da substituição) Destituído da administração o proprietário do empreendimento ou o cessionário da exploração, o

pagamento das prestações periódicas deixa de lhes ser devido e será realizado à nova entidade administradora. Artigo 39.º (Direitos e deveres da entidade administradora nomeada) 1 – Compete à entidade administradora nomeada exercer todos os direitos e cumprir todos os deveres

inerentes à administração conservação do empreendimento, sendo-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras estabelecidas na secção VI.

2 – A administração deve exercer-se também no que respeita aos direitos reais de habitação periódica alienados posteriormente pelo proprietário.

3 Corrigiu-se, ao nível do n.º 2, o manifesto lapso ortográfico “pela proprietária” por “pelo proprietário” constante da

versão original.

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Artigo 40.º (Nomeação judicial de administrador) 1 – Tomada a deliberação prevista no n.º 1 do artigo 36.º, se, decorrido o prazo de 60 dias, não se encontrar

constituído o tribunal arbitral referido no artigo 37.º, podem os titulares dos direitos reais de habitação periódica requerer ao tribunal da comarca da situação dos bens a nomeação de um administrador judicial.

2 – A acção para nomeação do administrador judicial deve ser proposta contra o proprietário do empreendimento e o cessionário da exploração, se existir, seguindo-se, com as necessárias adaptações, o processo previsto para a nomeação de administrador na propriedade horizontal.

3 – É aplicável ao administrador judicial, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 38.º e 39.º. Artigo 41.º (Cessação do regime de substituição na administração do empreendimento O regime de substituição na administração do empreendimento cessa mediante deliberação por maioria dos

votos correspondentes aos direitos reais de habitação periódica transmitidos, retomando o proprietário ou o cessionário da exploração do empreendimento as funções respectivas logo que preste a caução prevista no artigo 31.º.

SECÇÃO VIII – Da renúncia ao direito real de habitação periódica Artigo 42.º (Renúncia) 1 – O titular do direito real de habitação periódica pode extingui-lo mediante declaração de renúncia no

certificado predial, com reconhecimento presencial da assinatura. 2 – A declaração de renúncia carece de ser notificada ao proprietário do empreendimento e à Turismo de

Portugal, I. P., devendo ainda ser registada nos termos gerais. 3 – A declaração a que se refere o número anterior produz efeitos seis meses após as notificações nele

previstas4. (Redacção introduzida pelo artigo 4.º, n.º 1, Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março) SECÇÃO IX – Publicidade, comercialização e forma de referência Artigo 43.º (Publicidade e comercialização) 1 – Toda a publicidade ou promoção respeitante à venda ou comercialização de direitos reais de habitação

periódica deve identificar de modo inequívoco a forma e o local onde é possível obter o formulário normalizado de informação pré-contratual a que se refere o artigo 9.º.

2 – A publicidade respeitante à venda ou comercialização de direitos reais de habitação periódica não pode apresentar a aquisição desses direitos como forma de investimento financeiro.

3 – Os direitos reais de habitação periódica não podem ser publicitados ou promovidos sem que tenham sido sujeitos ao processo de comunicação prévia com prazo, nos termos previstos no artigo 5.º.

4 – Caso um contrato de utilização periódica de bens, de aquisição de um produto de férias de longa duração, de revenda ou de troca seja proposto pessoalmente a um consumidor numa promoção ou num evento de vendas, o profissional deve mencionar claramente no convite a finalidade comercial e a natureza do evento.

5 – A actividade de promoção e comercialização dos direitos reais de habitação periódica só pode desenvolver-se em instalações do proprietário, do cessionário da exploração do empreendimento turístico ou ainda do mediador.

6 – O disposto no presente artigo é aplicável à publicidade veiculada com o objectivo de promover a troca ou revenda dos direitos previsto no presente diploma.

(Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio)

Artigo 44.º (Proibição de utilização de certos termos) Na publicidade ou promoção dos direitos reais de habitação periódica, bem como nos contratos e

documentos a estes respeitantes, não podem usar-se, em relação aos titulares desses direitos, a palavra «proprietário» ou quaisquer outras expressões susceptíveis de criar nos adquirentes desses direitos a ideia de que serão comproprietários do empreendimento.

CAPÍTULO II – Dos direitos de habitação turística Artigo 45.º (Regime dos direitos de habitação turística) 1 – Ficam sujeitos às disposições do presente capítulo: a) Os direitos de habitação em empreendimentos turísticos por períodos de tempo limitados em cada ano e

que não constituam direitos reais de habitação periódica;

4 Corrigiu-se o manifesto lapso ortográfico “priprietário” por “proprietário” constante da versão original.

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b) Os contratos pelos quais, directa ou indirectamente, mediante um pagamento antecipado completado ou não por prestações periódicas, se prometa ou se transmitam direitos de habitação turística.

2 – Os direitos de habitação turística a que se refere o número anterior incluem, nomeadamente, os direitos obrigacionais constituídos ao abrigo de:

a) Contratos de utilização periódica de bens, entendendo-se estes como os contratos de duração superior a um ano, mediante os quais o consumidor adquire, a título oneroso, o direito de utilizar um ou mais alojamentos, por mais do que um período de ocupação, que não configure um direito real de habitação periódica;

b) Contratos de aquisição de produtos de férias de longa duração, entendendo-se estes como os contratos de duração superior a um ano, mediante os quais o consumidor adquire, a título oneroso, o direito a beneficiar de descontos ou outras vantagens a nível de alojamento, por si só ou em combinação com serviços de viagens ou outros, nomeadamente contratos referentes a cartões e clubes de férias, cartões turísticos ou outros de natureza semelhante.

3 – Não estão sujeitos às disposições do presente capítulo, designadamente: a) As reservas múltiplas de alojamento; b) Os contratos comuns de arrendamento; c) Os sistemas de fidelidade comuns que proporcionam descontos em alojamento em empreendimentos

turísticos. (Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; e artigo 1.º, do

Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio) Artigo 46.º (Requisitos) 1 – Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os direitos de habitação turística só podem constituir-

se desde que os empreendimentos se encontrem em funcionamento e se verifiquem, com as necessárias adaptações, as condições previstas no artigo 4.º, estando a exploração nesse regime sujeita a comunicação prévia ao Turismo de Portugal, I. P.

2 – O disposto no número anterior não prejudica a instalação dos empreendimentos por fases. 3 – Excepcionalmente, por decisão dos membros do Governo responsáveis pelas áreas do ordenamento do

território e do turismo, sob proposta do presidente do conselho directivo do Turismo de Portugal, I. P., podem constituir-se direitos de habitação turística sobre empreendimentos turísticos e casas e empreendimentos de turismo no espaço rural ainda em construção quando, cumulativamente, estiverem reunidos os seguintes requisitos:

a) As entidades exploradoras garantirem contratualmente a manutenção da exploração turística de todas as unidades de alojamento afectas a essa exploração, das instalações e equipamentos de uso comum e das instalações e equipamentos de exploração turística durante o período de duração dos respectivos contratos;

b) A construção dos empreendimentos turísticos onde forem constituídos direitos de habitação turística contribuírem de forma decisiva para o desenvolvimento e modernização do sector na região em que se localizam, através do aumento da competitividade e do reordenamento e diversificação da oferta e, nas regiões menos desenvolvidas turisticamente, através da criação de oferta turística viável que permita potenciar o desenvolvimento económico regional;

c) A construção dos empreendimentos turísticos onde forem constituídos direitos de habitação turística produzir um impacte significativo, ao nível regional, na criação de emprego ou na requalificação do sector;

d) Os empreendimentos turísticos onde forem constituídos direitos de habitação turística tiverem uma classificação de 5 estrelas;

e) For prestada uma caução nos termos e para os efeitos previstos no artigo 15.º. 4 – Quando uma mesma entidade ou grupo empresarial for simultaneamente proprietário e explorador de

um hotel da mesma categoria ou de categoria superior ao empreendimento turístico onde se integram as unidades de alojamento sujeitas ao regime dos direitos de habitação turística e os dois empreendimentos se integrem no mesmo conjunto urbanístico, os quartos do hotel podem ser contabilizados para o efeito da percentagem prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º, aplicável aos direitos de habitação turística, por força do disposto no n.º 1.

5 – A comunicação prévia deve ser enviada, por via informática, ao Turismo de Portugal, I. P., nos termos previstos no artigo 62.º, e instruída com os seguintes elementos:

a) Documento que contenha, com as necessárias adaptações, os elementos previstos no n.º 2 do artigo 5.º; b) Cópia da licença de utilização turística do empreendimento turístico; c) Se o requerente não for o proprietário do empreendimento turístico, documento que o legitime a

constituir direitos de habitação turística. 6 – As unidades de alojamento dos empreendimentos previstos no n.º 1 do artigo anterior não se consideram

retiradas da exploração de serviços de alojamento turístico pelo facto de se encontrarem sujeitas ao regime do direito de habitação turística.

7 – Ao processo de comunicação prévia da exploração no regime de direito de habitação turística aplica-se o disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo 5.º, com as devidas adaptações.

(Redacção introduzida pelos artigos 2.º e 4.º, n.º 1, Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 22/2002, de 31 de Janeiro; e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio)

Artigo 47.º (Duração) Os direitos de habitação turística são, na falta de indicação em contrário, perpétuos, podendo ser fixado um

limite de duração não inferior a um ano, a contar da data da sua constituição ou da data da abertura ao público do empreendimento turístico quando o empreendimento estiver ainda em construção.

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(Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 22/2002, de 31 de Janeiro; e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio)

Artigo 47.º-A (Formulário normalizado de informação pré-contratual) 1 – Em tempo útil, antes de o consumidor ficar vinculado pelo contrato ou proposta, o proprietário ou o

vendedor de direitos de habitação turística deve entregar de forma gratuita, em papel ou através de suporte duradouro facilmente acessível ao consumidor, informações exactas que, de uma forma clara, precisa e compreensível, descrevam o empreendimento turístico, bem como os direitos e obrigações decorrentes do contrato.

2 – As informações mencionadas no número anterior constam de formulário normalizado de informação pré-contratual e incluem designada e obrigatoriamente os seguintes elementos:

a) A identidade, o domicílio, a indicação exacta da qualidade jurídica do vendedor no momento da celebração do contrato, bem como a identidade e o domicílio do proprietário das unidades de alojamento;

b) A identificação do empreendimento turístico, com menção do número da descrição do prédio ou prédios no registo predial e indicação da sua localização, com referência ao tipo e classificação do mesmo;

c) A natureza exacta e especificação do conteúdo do direito objecto do contrato; d) A indicação exacta do período durante o qual o direito pode ser exercido, incluindo a data a partir da qual

pode ser exercido; e) O preço a pagar pela aquisição do direito ou direitos, incluindo descrição exacta dos custos adicionais

obrigatórios decorrentes do contrato; f) A descrição dos encargos periódicos, incluindo calendarização dos mesmos, contribuições especiais ou

taxas locais eventualmente existentes decorrentes do exercício do direito, bem como os critérios de fixação e actualização dos mesmos;

g) A descrição dos serviços colocados à disposição do titular do direito ou direitos, com distinção dos custos incluídos e não incluídos no preço a pagar;

h) A existência de códigos de conduta aplicáveis com indicação do local onde os mesmos podem ser consultados;

i) As informações sobre o modo e os prazos do exercício do direito de resolução do contrato, com a indicação da pessoa a quem deve ser comunicada a resolução;

j) A informação relativa à proibição de quaisquer pagamentos antecipados antes de decorrido o prazo de resolução;

l) A informação de que o contrato pode, nos termos do direito internacional privado e em caso de litígio, ser regido por lei diferente da do Estado membro onde o consumidor reside ou tem o seu domicílio habitual.

3 – O formulário normalizado de informação pré-contratual deve conter ainda informação detalhada sobre: a) Os direitos adquiridos, com especificação clara e adequada das condições do seu exercício, com

descrição exacta e pormenorizada do imóvel ou imóveis, incluindo a sua localização e descrição dos móveis e utensílios que constituem a unidade de alojamento;

b) As restrições eventualmente existentes quanto à possibilidade de o consumidor utilizar os direitos; c) A forma de resolução do contrato e respectivos efeitos na esfera do titular, incluindo especificação dos

custos a repercutir no titular e consequências em caso de contratos acessórios, incluindo contratos de crédito associados;

d) A indicação da língua ou línguas utilizadas entre o titular do direito e o proprietário ou administrador do empreendimento no âmbito do contrato, incluindo as questões relacionadas com a indicação dos custos, com o tratamento dos pedidos de informação ou apresentação de reclamações;

e) A indicação da possibilidade ou impossibilidade de recurso a mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos.

4 – As alterações às informações previstas no número anterior devem ser comunicadas ao adquirente antes da celebração do contrato, devendo nesse caso o contrato fazer referência expressa a essas alterações.

5 – As informações previstas no n.º 3 não podem ser alteradas, salvo acordo expresso das partes em contrário ou, se as alterações resultarem de circunstâncias inusitadas, imprevisíveis e independentes da vontade do profissional, e as suas consequências não pudessem ter sido evitadas mesmo com toda a diligência devida.

6 – As informações a que se referem os n.os 2 e 3 devem ser redigidas na língua ou numa das línguas do Estado membro de residência ou da nacionalidade do consumidor à escolha deste desde que se trate de uma das línguas oficiais da Comunidade.

7 – O modelo de documento informativo normalizado é aprovado pelo despacho conjunto a que se refere o n.º 7 do artigo 9.º.

(Aditado pelo artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março) Artigo 48.º (Contrato de transmissão de direitos de habitação turística) 1 – O contrato de transmissão de direitos de habitação turística é celebrado por escrito e deve ser entregue

pelo vendedor ao adquirente em papel ou através de suporte duradouro. 2 – O vendedor deve entregar ao adquirente um contrato de transmissão de direitos de habitação turística

redigido na língua do Estado em que se situe o imóvel e uma tradução do contrato, à escolha do adquirente: a) Na ou numa das línguas do Estado membro de residência do adquirente; ou b) Na ou numa das línguas do Estado membro de que este é nacional, desde que se trate de uma das línguas

oficiais da Comunidade.

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3 – Na área do contrato ou contrato -promessa de transmissão de direitos de habitação turística imediatamente anterior à destinada a assinaturas deve constar:

a) A menção relativa ao exercício do direito de resolução, sem necessidade de indicação do motivo e sem quaisquer encargos, no prazo de 14 dias seguidos a contar da data da celebração do contrato ou do contrato-promessa ou da entrega do mesmo;

b) A menção sobre a proibição de quaisquer pagamentos antecipados directa ou indirectamente relacionados com o negócio jurídico a celebrar.

4 – No espaço previsto no número anterior, o adquirente deve ainda declarar ter recebido a tradução do contrato, que constitui parte integrante do mesmo para todos os efeitos legais.

5 – Os contratos a que se refere o n.º 1, ou os respectivos contratos-promessa, devem mencionar, quando o vendedor ou o promitente-vendedor intervenham no exercício do comércio, sob pena de anulabilidade:

a) Os elementos a que se referem as alíneas c), d), g) e p) a t) do n.º 2 do artigo 5.º; b) Os elementos a que se referem as alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 11.º, com as necessárias adaptações; c) A indicação das garantias prestadas para cumprir o disposto no artigo 52.º; d) A indicação explícita de que o direito a que se refere o contrato não constitui um direito real; e) (Revogada pelo artigo 6.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março); f) Se o vendedor não for o proprietário das casas ou empreendimentos previstos no artigo 45.º ou alguém

que actue devidamente mandatado para o representar nos termos previstos no número seguinte, deve ainda juntar a autorização prevista nos números seguintes;

g) A menção das informações previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 47.º-A, que deve ter total correspondência com o formulário normalizado de informação.

6 – A comercialização de direitos de habitação turística por quem não seja proprietário dos empreendimentos turísticos previstos no artigo 45.º, ou por quem actue devidamente mandatado para o efeito por mediação, agenciamento, cessão ou outras formas afins, depende de comunicação prévia ao Turismo de Portugal, I. P.

7 – A comunicação prévia referida no número anterior depende da observância pelos requerentes dos seguintes requisitos:

a) (Revogada pelo artigo 6.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março); b) Garantir o gozo pleno dos direitos de habitação turística objecto do contrato de transmissão durante o seu

período de duração; c) Comprovação da sua idoneidade comercial. 8 – Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, não são consideradas comercialmente idóneas

as pessoas relativamente às quais se verifique: a) A proibição legal do exercício do comércio; b) A inibição do exercício do comércio por ter sido declarada a sua falência ou insolvência enquanto não

for levantada a inibição e decretada a sua reabilitação; c) Terem sido titulares, gerentes ou administradores de um estabelecimento individual de responsabilidade

limitada, de uma cooperativa ou de uma sociedade comercial, punida com três ou mais coimas, desde que lhe tenha sido aplicada a sanção de interdição do exercício da actividade.

9 – Para efeitos do disposto no n.º 6, e sem prejuízo do disposto na alínea d) do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de Julho, o vendedor deve apresentar no Turismo de Portugal, I. P., uma comunicação prévia acompanhada dos seguintes elementos:

a) Certidão do acto constitutivo do estabelecimento individual de responsabilidade limitada, da cooperativa ou da sociedade comercial, ou cópia de documento de identificação, se for pessoa singular sem aquele estabelecimento constituído;

b) Certidão do registo comercial definitivo do estabelecimento individual de responsabilidade limitada, da cooperativa ou da sociedade comercial, se for pessoa colectiva ou singular com aquele estabelecimento constituído;

c) Certidão que ateste que a empresa não é devedora ao Estado de quaisquer contribuições, impostos ou outras importâncias ou que o pagamento das mesmas está formalmente assegurado;

d) Certidão que ateste que a empresa tem a situação regularizada com a segurança social; e) Cópia dos contratos celebrados entre o vendedor e o ou os proprietários das unidades de alojamento

sujeitas ao regime dos direitos de habitação turística, que garantam o gozo pleno dos direitos objecto do contrato ou contrato-promessa de transmissão desses direitos, pelo período de duração neles previstos.

10 – Quando os elementos a que se referem as alíneas a) a d) do número anterior se encontrem disponíveis na Internet, a respectiva apresentação pode ser substituída pela indicação dos endereços electrónicos onde aquela informação pode ser consultada e respectivos códigos de acesso e, se for caso disso, pela entrega de declaração a autorizar essa consulta.

11 – O processo de comunicação prévia obedece ao disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo 5.º, com as devidas adaptações.

(Redacção introduzida pelos artigos 2.º e 6.º, n.º 1, alínea d) [revogou a alínea e) do n.º 5 e a alínea a) do n.º 7 do artigo 48.º], do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; artigo 18.º, do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março; artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 22/2002, de 31 de Janeiro; e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio)

Artigo 49.º (Direito de resolução)

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1 – Nos contratos de aquisição de direitos de habitação turística ou nos respectivos contratos-promessa, o adquirente ou o promitente-adquirente tem a faculdade de resolver o contrato, sem indicar o motivo e sem quaisquer encargos, no prazo de 14 dias seguidos e nos termos do n.º 2 do artigo 16.º

2 – É aplicável ao direito de resolução dos contratos de aquisição de direitos de habitação turística ou dos respectivos contratos-promessa, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 3 a 9 do artigo 16.º.

(Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio)

Artigo 50.º (Administração e conservação) 1 – A administração e conservação das unidades de alojamento e das instalações e serviços de uso comum

do empreendimento competem ao proprietário ou ao cessionário da exploração, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 25.º a 30.º.

2 – No 1.º trimestre de cada ano será convocada pela entidade responsável pela administração do empreendimento uma assembleia geral dos titulares dos direitos de habitação turística com vista à prestação de informações e à deliberação sobre qualquer assunto do interesse daqueles titulares.

3 – É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto na alínea b) do n.º 2 e nos n.ºs 4 e 6 do artigo 34.º e nos artigos 36.º a 41.º.

(Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março) Artigo 50.º-A (Pagamento escalonado) 1 – Nos contratos de aquisição de direitos de habitação turística a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo

45.º o pagamento do preço pelo titular ao proprietário ou ao cessionário da exploração do empreendimento é feito de acordo com um calendário de pagamentos escalonados.

2 – Os pagamentos, incluindo eventuais quotas de membros, são divididos em prestações anuais, todas do mesmo valor.

3 – É proibido qualquer pagamento do preço que não esteja de acordo com o calendário de pagamentos escalonados.

4 – O vendedor deve enviar um pedido de pagamento por escrito, em papel ou noutro suporte duradouro, pelo menos 14 dias seguidos antes da data de vencimento de cada prestação.

5 – A partir do pagamento da segunda prestação, o titular tem o direito de resolver o contrato sem sofrer qualquer sanção, desde que informe o profissional no prazo de 14 dias seguidos a contar da recepção do pedido de pagamento de cada prestação.

6 – A partir da segunda anuidade, o vendedor e o titular podem acordar na sua actualização de acordo com o índice médio de preços ao consumidor no continente, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.

7 – O exercício do direito a que se refere o n.º 5 não prejudica a aplicação das regras gerais do direito em matéria de cumprimento e incumprimento das obrigações.

(Aditado pelo artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março) Artigo 51.º (Prestação periódica) 1 – O contrato de aquisição de direito de habitação turística pode estabelecer uma prestação periódica a

pagar pelo titular ao proprietário ou ao cessionário da exploração do empreendimento. 2 – O valor da prestação periódica pode ser actualizado nos termos previstos no contrato. 3 – Não pode convencionar-se o pagamento antecipado das prestações periódicas respeitantes a anos

subsequentes. 4 – É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 23.º. (Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março) Artigo 52.º (Cauções) 1 – O proprietário das unidades de alojamento sujeitas ao regime de direitos de habitação turística, ou o

vendedor, nos casos previstos na alínea f) do n.º 3 do artigo 48.º, deve prestar a favor do adquirente ou do promitente-adquirente de direitos de habitação turística caução pelo montante das quantias recebidas por este a qualquer título, para os efeitos e nos termos do artigo 15.º.

2 – O proprietário das unidades de alojamento sujeitas ao regime de direitos de habitação turística ou, tendo havido cessão de exploração, o cessionário devem ainda prestar caução de boa administração, a favor dos titulares de direitos de habitação turística, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 31.º, com as necessárias adaptações.

3 – Se na casa ou empreendimento existirem titulares de direitos não obrigados ao pagamento de prestações periódicas, a caução de boa administração deve ser fixada anualmente pela entidade encarregada da auditoria das contas, em valor não inferior ao montante de despesas previsto para cada exercício.

4 – A caução prevista nos números anteriores só pode ser accionada por deliberação da maioria dos titulares dos direitos de habitação turística constituídos.

(Redacção introduzida pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio) Artigo 53.º (Extensão do regime)

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1 – Aos direitos de habitação turística é aplicado, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos

13.º-A, 14.º, 20.º, 43.º e 44.º 2 – Aos contratos de troca, bem como aos contratos de revenda dos direitos previstos no presente diploma

aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no presente diploma, em especial o previsto nos artigos 9.º, 13.º, 13.º -A, 14.º, 16.º e 47.º-A.

3 – Sem prejuízo do mencionado no número anterior, aos contratos de revenda é aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de Agosto, que regula o exercício das actividades de mediação imobiliária e de angariação imobiliária em tudo o que não contrarie o presente diploma.

4 – Os formulários normalizados de informação pré-contratual respectivos são aprovados pelo despacho conjunto a que se refere o n.º 7 do artigo 9.º.

5 – Por contrato de troca entende-se o contrato por força do qual o consumidor adere, a título oneroso, a um sistema de troca que lhe permite ter acesso a um alojamento de pernoita ou a outros serviços, em troca de conceder a terceiros acesso temporário aos benefícios inerentes aos direitos decorrentes do seu contrato de utilização periódica de bens.

6 – Por contrato de revenda entende-se o contrato por força do qual o profissional, a título oneroso, presta assistência ao consumidor na venda ou na compra de um produto de utilização periódica de bens ou de um produto de férias de longa duração.

(Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio)

Artigo 53.º-A (Direitos de habitação turística em bens móveis) 1 – As normas sobre comercialização, venda e revenda de produtos, publicidade e informações obrigatórias

ao consumidor, previstas no presente capítulo, são aplicáveis, com as necessárias adaptações, aos contratos de duração superior a um ano, através dos quais se concedam direitos de habitação em alojamentos de pernoita inseridos em bens móveis.

2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, a exploração de direitos de habitação turística em bens móveis é prestada livremente, não estando sujeita a comunicação prévia nem se aplicando as regras relativas à caução e ao fundo de reserva.

(Aditado pelo artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março) CAPÍTULO III – Das infracções e sua sanção Artigo 54.º (Contra-ordenações) 1 – Constituem contra-ordenações puníveis com coima de € 9975,94 a € 99 759,40: a) A comercialização de direito real de habitação periódica não validamente constituído; b) A infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 4.º; c) A infracção ao disposto no n.º 2 do artigo 12.º, no artigo 14.º e no n.º 1 do artigo 17.º; d) A não prestação das cauções previstas no artigo 15.º e no n.º 3 do artigo 19.º; e) A não devolução atempada das quantias entregues pelo adquirente ou promitente-adquirente de direitos

reais de habitação periódica ou de direitos de habitação turística, em caso do exercício do direito de resolução dos respectivos contratos;

f) A violação dos direitos garantidos pelo disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 21.º; g) O incumprimento do disposto no artigo 30.º; h) A não prestação da caução prevista no artigo 31.º; i) A realização de publicidade ou promoção do direito real de habitação periódica ou de direito de habitação

turística em infracção ao disposto nos artigos 43.º e 44.º; j) A comercialização de direitos de habitação turística em infracção ao disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 46.º; l) A infracção do disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 48.º; m) A não prestação das cauções previstas no artigo 52.º; n) O incumprimento do disposto no n.º 5 do artigo 60.º. 2 – Constituem contra-ordenações puníveis com coima de € 4987,98 a € 49 879,79: a) A infracção ao disposto no n.º 3 do artigo 4.º; b) A infracção ao disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 9.º; c) A infracção ao disposto no n.º 2 do artigo 11.º; d) O incumprimento das obrigações previstas nos n.ºs 3 a 6 do artigo 11.º, no artigo 13.º e no n.º 2 do artigo

18.º; e) A falta de conservação e limpeza das unidades de alojamento objecto do direito, em infracção ao

disposto no artigo 26.º; f) O incumprimento do disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 32.º, no artigo 33.º e nos n.ºs 1 e 4 do artigo 34.º; g) A infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 48.º, quando o vendedor tenha intervindo no exercício do

comércio; h) A infracção ao disposto no n.º 2 do artigo 48.º; i) A violação dos direitos garantidos pelos n.ºs 1, 7 e 8 do artigo 16.º e pelo artigo 49.º; j) A infracção ao disposto no n.º 2 do artigo 50.º;

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l) A infracção ao disposto nos n.ºs 1 a 4 do artigo 50.º-A. 3 – A negligência e a tentativa são puníveis. (Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; artigo 1.º, do Decreto-

Lei n.º 22/2002, de 31 de Janeiro; e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio) Artigo 55.º (Sanções acessórias) 1 – Conjuntamente com as coimas previstas, podem ser aplicadas, de acordo com a natureza, a gravidade ou

a frequência das contra-ordenações, as seguintes sanções acessórias, nos termos da lei geral: a) Apreensão de todo o material utilizado, no caso da alínea i) do n.º 1 do artigo anterior; b) Interdição, por dois anos, do exercício da actividade, salvo no caso da alínea d) do n.º 2 do artigo

anterior. 2 – Da aplicação de qualquer sanção será sempre dada publicidade, a expensas do infractor, mediante: a) A afixação de cópia da decisão, pelo período de 30 dias, no próprio empreendimento, em lugar e por

forma bem visível; b) A sua publicação em jornal de difusão nacional, regional ou local, de acordo com o lugar, a importância

e os efeitos da infracção. (Redacção introduzida pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio) Artigo 56.º (Concurso de contra-ordenações) Se um facto violar simultaneamente o disposto no Código da Publicidade, aprovado pelo Decreto-Lei n.º

330/90, de 23 de Outubro, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 74/93, de 10 de Março, e pelo Decreto-Lei n.º 275/98, de 9 de Setembro, e artigos 43.º e 44.º do presente diploma, deve ser punido pela violação destes.

(Redacção introduzida pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio) Artigo 57.º (Responsabilidade) Os titulares, gerentes e administradores ou directores do estabelecimento individual de responsabilidade

limitada, da cooperativa ou da sociedade comercial, proprietárias ou cessionárias, são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das coimas aplicadas àquelas.

(Redacção introduzida pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio) Artigo 58.º (Competência) 1 – Compete à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica a organização e instrução dos processos

relativos às contra-ordenações previstas no presente diploma. 2 – É da competência da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade a

aplicação das coimas e sanções acessórias previstas no presente diploma. (Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março) Artigo 59.º (Destino das coimas) O produto das coimas reverte em: a) 60 % para os cofres do Estado; b) 30 % para a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica; c) 10 % para a Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade. (Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março) CAPÍTULO IV – Disposições finais e transitórias Artigo 60.º (Aplicação no tempo e no espaço) 1 – O presente diploma aplica-se aos direitos reais de habitação periódica constituídos, ficando ressalvados

os efeitos já produzidos pelos factos que este se destina a regular. 2 – Aos direitos reais de habitação periódica que tenham sido objecto de contratos-promessa de transmissão

e não se encontrem constituídos ao tempo da entrada em vigor do presente diploma aplicam-se, quanto à escritura pública, ao registo e à emissão de certificados prediais, as disposições dos artigos 4.º, 5.º e 7.º a 9.º do Decreto-Lei n.º 130/89, de 18 de Abril.

3 – Nas transmissões de direitos reais de habitação periódica titulados por certificados prediais emitidos ou a emitir ao abrigo do Decreto-Lei n.º 130/89, de 18 de Abril, em que, nos termos do presente diploma, caiba ao adquirente a faculdade de resolver o contrato, deve este declarar por escrito, no momento da transmissão, que tomou conhecimento daquela faculdade.

4 – O título de constituição dos direitos reais de habitação periódica deve ser modificado, no prazo de um ano, sempre que o mesmo não se conforme, no tocante ao conteúdo dos direitos, com o que se dispõe no presente diploma.

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5 – O proprietário ou cessionário da exploração do empreendimento turístico deve reforçar, no prazo de um ano, a caução de boa administração, até ao montante mínimo previsto no artigo 31.º.

6 – O presente diploma aplica-se aos direitos obrigacionais de habitação turística constituídos ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 130/89, de 18 de Abril, salvo o disposto no n.º 1 do artigo 47.º.

7 – Sempre que a lei aplicável ao contrato seja a lei de um Estado membro da União Europeia é considerada como não escrita toda e qualquer cláusula contratual através da qual o consumidor renuncie aos direitos previstos no presente diploma.

8 – Se a lei aplicável for a lei de um país terceiro ao da União Europeia, o consumidor não pode ser privado da protecção conferida pelo disposto neste decreto-lei quando:

a) O bem imóvel se encontre situado no território de um Estado membro; b) Nos restantes casos, o vendedor exercer a sua actividade de comércio no território de um Estado membro

ou dirigir por qualquer meio essa actividade para o território de um Estado membro. (Redacção introduzida pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março; artigo 1.º, do Decreto-

Lei n.º 22/2002, de 31 de Janeiro; e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio) Artigo 60.º-A (Informação ao consumidor e resolução extrajudicial de litígios) 1 – As entidades responsáveis pela aplicação do presente diploma devem promover acções destinadas a

informar os consumidores sobre os direitos que para eles resultam da sua aplicação. 2 – As entidades a que se refere o número anterior devem promover o recurso aos mecanismos de resolução

extrajudicial de conflitos para a resolução de litígios entre profissionais e consumidores, na acepção da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, resultantes da aplicação do presente diploma.

3 – As entidades referidas no n.º 1 devem incentivar os profissionais e os titulares de códigos de conduta a informarem os consumidores sobre a existência destes códigos.

(Aditado pelo artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março) Artigo 61.º (Isenção de IMT) A transmissão do direito real de habitação periódica é isenta do imposto municipal sobre as transmissões

onerosas de imóveis (IMT). (Redacção introduzida pelo artigo 4.º, n.º 2, Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março) Artigo 61.º-A (Tramitação desmaterializada) A tramitação dos procedimentos de comunicação prévia previstos nos artigos 5.º,46.º e 48.º é realizada por

via informática através de formulário disponível no balcão único electrónico a que se refere o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de Julho, acessível através do Portal da Empresa, do Portal do Cidadão e do sítio da Internet do Turismo de Portugal, I. P..

(Aditado pelo artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março)

Artigo 61.º-B (Cooperação administrativa) As autoridades competentes nos termos do presente decreto-lei participam na cooperação administrativa

através do Sistema de Informação do Mercado Interno (IMI) no âmbito dos procedimentos relativos a exploradores deste tipo de estabelecimentos com actividade noutro Estado membro, incluindo no âmbito da fiscalização e aplicação de sanções, nos termos do capítulo VI do Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de Julho.

(Aditado pelo artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março) Artigo 62.º (Norma revogatória) Sem prejuízo do disposto no artigo 60.º, é revogado o Decreto-Lei n.º 130/89, de 18 de Abril. Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 24 de Junho de 1993. – Aníbal António Cavaco Silva –

Jorge Braga de Macedo – Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio – Fernando Manuel Barbosa Faria de Oliveira – Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.

Promulgado em 28 de Julho de 1993. Publique-se. O Presidente da República, MÁRIO SOARES. Referendado em 29 de Julho de 1993. O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.

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FICHA N.º 21-A (POSSE – ELEMENTOS COMPLEMENTARES DE ESTUDO)

LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO – A POSSE (Direitos Reais,

4.ª Edição, Livraria Almedina, Coimbra, 2013, p. 99-159 SECÇÃO I – GENERALIDADES A definição de posse constante no artigo 1251.º, do C.C., leva MENEZES

LEITÃO a entendê-la como a «situação em que ocorre o exercício o exercício fáctico de poderes sobre as coisas, o qual é objecto de protecção pelo Direito, independentemente da averiguação efectiva titularidade do direito sobre essa coisa. Através da posse da posse tutela-se, no fundo, a exteriorização do direito, independentemente da averiguação sobre a sua titularidade».

Razões da protecção i) Defesa da paz pública; ii) Continuidade do exercício das posições jurídicas. O exercício dos poderes de facto legitima: i) manutenção ou restituição coisa, independentemente da discussão sobre a

efectiva titularidade do direito. Como sublinha MENEZES LEITÃO, é essa constatação de «a coisa ser

protegida, independentemente da titularidade do direito sobre ela, [que] leva a que se distinga entre posse formal, quando o exercício fáctico de poderes sobre a coisa não é acompanhada da titularidade do direito, e posse causal, em que esse exercício se encontra a ser realizado pelo titular do direito».

SECÇÃO II – O FUNDAMENTO DA PROTEÇCÃO POSSESSÓRIA 1. TEORIAS Segundo JHERING haveria: Teorias relativas – «aquelas que buscam o fundamento da protecção

possessória, não na posse em si, mas antes em circunstâncias, objectivos ou proposições jurídicas exteriores a ela, considerando que a posse serve para defender outros institutos que, sem ela não poderiam ser plenamente exercidos».

Teorias absolutas – aquelas em que o «fundamento da protecção possessória é encontrado no próprio instituto a posse».

ELENCO DE TEORIAS RELATIVAS SEGUNDO JHERING: 1 – Proibição de violência, porque: a) A turbação da posse é um delito contra o possuidor SAVIGNY); b) Contra a ordem pública (RUDORFF); 2 – Princípio jurídico segundo o qual ninguém pode ultrapassar juridicamente

outrem sem apresentar um fundamento prevalecente para o seu direito (THIBAUT); 3 – Preferência pela ilibação, segundo a qual, a menos que seja apresentada

contraprova em sentido contrário, a posição do possuidor deve ser protegida (RÖDER); 4 – Defesa da propriedade, porque: a) Constitui uma propriedade provável (tese clássica);

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b) Corresponde a uma propriedade inicial (GANS); c) Existe interesse necessário num complemento da tutela da propriedade

(JHERING). ELENCO DE TEORIAS ABSOLUTAS SEGUNDO JHERING: a) A vontade do possuidor na sua incorporação fáctica (GANS, PUCHTA,

BRUNS); b) A preservação do controlo fáctico da coisa, atento o valor económico

representado pelo mesmo (STAHL). Posição adoptada por MENEZES LEITÃO: «As teorias que fundamentam a posse na propriedade têm hoje que ser

rejeitadas, uma vez que a posse extravasa do âmbito da propriedade, sendo hoje a sua tutela concedida inclusivamente no âmbito dos direitos pessoais de gozo. A defesa da paz pública é um elemento importante na justificação da tutela possessória, mas não parece ser o elemento decisivo, uma vez que está em causa antes de tudo uma protecção dada ao possuidor na conservação da sua situação.

A razão da protecção possessória resulta assim da circunstância de o controlo fáctico sobre a coisa exercido no próprio interesse constituir um valor económico, que deve ser disciplinado e protegido como tal».

SECÇÃO III – POSSE E DETENÇÃO 1. Posse vs detenção No Direito Romando terá surgido – segundo MENEZES LEITÃO –, ao lado da

possessio civilis, a possessio naturalis que viria, posteriormente, a ser crismada de detenção e em que se verificaria um exercício efectivo de poderes sobre a coisa, mas em que por algum motivo não se poderia atribuir a quem exerce esses poderes os efeitos da posse. Uma coisa é a posse e outra distinta é a detenção.

2. Teoria subjectivista de posse de SAVIGNY e teoria objectivista de

JHERING Para SAVIGNY – afigura-se «essencial à posse a detenção, ou seja, a

possibilidade física de exercer controlo sobre uma coisa, com exclusão de todos os outros, o que, por exemplo, o navegador tem em relação ao seu barco, mas já não em relação à água sobre a qual ele se encontra. Só que a detenção não seria um conceito jurídico, já que se limitaria ao exercício fáctico de poderes sobre uma coisa (corpus), sendo assim uma situação de facto, embora relacionada com o exercício do direito correspondente, que atribui juridicamente esses poderes. Assim, para se obter a posse, exigir-se-ia para além da detenção um elemento psicológico, o animus, cuja caracterização transforma a detenção em posse. Efectivamente, o animus possidendi corresponde á intenção de actuar como proprietário (animus domini), o qual seria essencial à posse».

Para JHERING (Der Besitzwille) «a vontade não é relevante para distinguir a posse da detenção, pelo que o elemento distintivo entre as duas não poderia ser o animus. Efectivamente, a vontade é sempre necessárias em ambas as situações, uma vez que sem vontade existe apenas a justaposição material da coisa a uma pessoa, a qual não tem qualquer significado jurídico, como no exemplo de alguém colocar um objecto na mão de uma pessoa que se encontra a dormir. Fundamental para a possé e antes a existência de um interesse que a lei disciplinar, podendo essa relação possessória ser

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vida como a constatação de um interesses de uma pessoa sobre a coisa. Por esse motivo, a vontade nem sequer teria utilidade para estabelecer a distinção entre posse da coisa em nome alheio ou em nome próprio, havendo antes que averiguar se o detentor da coisa actua no seu interesse próprio ou antes no interesse alheio. Para JHERING, o que é essencial à posse é a relação material com a coisa, acompanhada de querer manter essa relação, pelo que em princípio a detenção conduz sempre à posse, uma vez que esta se basta com a existência de um poder físico sobre a coisa voluntariamente mantido e exercido, que se traduz em termos positivos no exercício de poderes sobre a coisa, e em termos negativos, na exclusão dos outros em relação a ela. Por esse motivo tanto na detenção como na posse existiriam sempre corpus e animus, uma vez que estes são elementos essenciais de qualquer relação com a coisa, do que esta exige sempre a materialização de uma vontade pelo que o animus não poderia existir sem o corpus, nem o corpus sem o animus».

Legenda: X – é a posse; Y – é a detenção C – é o corpus A – é o animus

N – a disposição legal que exclui certas relações possessórias da protecção interdital.

Numa equação albébrica: Na doutrina de SAVIGNY x = a + α + c y = a + c Na doutrina de JHERING: X = a + c Y 0 a + c – n CONCEPÇÃO SUBJECTIVA DE SAVIGNY – para a ocorrência de posse,

exigir-se-ia, além do corpus – controlo fáctico sobre a coisa – um animus, que corresponderia a uma intenção específica do possuidor, o qual teria que consistir na intenção de agir como proprietário (animus dominis). A detenção corresponderia a um corpus desacompanhado de animus, enquanto na posse ocorreriam as suas situações.

CONCEPÇÃO OBJECTIVA DE JHERING – tanto na posse como na detenção ocorreria a verificação do corpus e animus, distinguindo-se uma da outra pelo facto de na detenção ocorrer uma disposição legal que descaracteriza a situação como posse, retirando os interditos ao possuidor.

Solução da lei portuguesa Inspiração na tese subjectivista de SAVIGNY. Artigo 1253.º, alíneas a) e c), do

CC. MENEZES LEITÃO defende a tese objectivista: «Em primeiro lugar, parece-nos hoje indubitável a formulação objectivista da lei

portuguesa. Efectivamente, o artigo 1251.º não define a posse como uma detenção a que tem que acrescer o animus, não partindo assim da detenção para chegar à posse, como exige a teoria subjectivista. Antes pelo contrário, a posse é genericamente atribuída em todos os casos em que alguém actua por forma correspondente ao exercício de um

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direito real, e (…) igualmente em certos direitos pessoais de gozo, independentemente da intenção do possuidor. A detenção é vista como uma posse legalmente descaracterizada, dado que haverá posse sempre que alguém não se encontre em alguma das situações em que a lei recuse a tutela possessória, nomeadamente o artigo 1253.º.

Neste sentido, a alínea a) do artigo 1253.º não pode ser encarada como uma formulação subjectivista, na medida em que a sua referência à intenção não serve para converter toda a detenção em posse, sendo antes um dos casos legais da qualificação de uma situação aparentemente possessória como mera detenção. As explicações utilizadas para esta norma não têm sido porém suficientes. A ideia de OLIVEIRA ASCENSÃO de que se exigiria uma intenção declarada esbarra com a irrelevância da protestatio facta

contraria. Mas a formulação de MENEZES CORDEIRO é também insuficiente, dado que o art. 1253.º, alínea a) não pode ser interpretado como mera referência a outros casos legais em que a lei nega a tutela possessória, dado que tal implicaria converter o preceito numa mera norma remissiva, sem conteúdo útil.

Uma interpretação possível é a de que esta norma pretendeu abranger os actos facultativos. Esta expressão tem sido entendida com os seguintes significados:

a) Exercício pelo proprietário de um poder incluído no seu direito, que poderia igualmente integrar um direito sobre coisa alheia;

b) Exercício de poderes sobre bens do domínio público; c) Não exercício pelo proprietário de faculdades que a este assistem,

beneficiando-se assim indirectamente outrem, mas não podendo este, por não ter posse, adquirir por usucapião servidões negativas;

d) O acto facultativo corresponderia ao acto de mera tolerância, podendo distinguir-se deste por envolver uma permissão expressa, enquanto que no acto de mera tolerância a permissão seria tácita.

Qualquer destas situações não parece, porém, corresponder ao disposto no artigo

1253.º, alínea a). Na primeira situação, a questão coloca-se, não em termos possessórios, mas antes em termos de conflito entre titulares de direitos reais, sendo objecto de tratamento em outras disposições (cfr. artigo 1406.º, n.º 2). Quando à segunda situação, esta é especificamente regulada no artigo 1267.º, n.º 1, alínea b). Relativamente à terceira situação, não é naturalmente posse o não exercício por outrem de poderes correspondentes ao seu direito, uma vez que tal não se adequa à definição de posse do art. 1251.º. Finalmente, a última hipótese cabe perfeitamente no art.º 1253.º, alínea b), pelo que não se justifica que a ela façamos corresponder à alínea a).

Só assim uma explicação adequada para o art.º 1253.º, alínea a): ele corresponde a situações em que há exercício de poderes de facto sobre a coisa, mas os mesmos correspondem ao conteúdo de um direito ao qual a lei não reconhece a tutela possessória. Assim, por exemplo, a lei reconhece a tutela possessória ao credor pignoratício, locatário e comodatário, mas não a reconhece ao hóspede no contrato de hospedagem, nem ao titular do direito real de habitação periódica [artigo 21.º, n.º 1, alínea c), do DL 275/93…). Será então a estas situações que se refere o art. 1253.º, alínea a).

Já o artigo 1253.º, alínea b) refere-se aos actos de mera tolerância. Esta disposição deve ser interpretada em termos amplos, em ordem a poder extravasar da simples relação de simpatia e obsequiosidade entre vizinhos, abrangendo todos os casos em que o exercício de poderes sobre a coisa resulta de uma autorização expressa ou tácita, emanada do proprietário, sem que No entanto essa autorização vise conceder algum direito ao detentor.

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Finalmente, o artigo 1253.º c) refere-se aos representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, a todos os que possuem em nome de outrem. Nestas alíneas abrangem-se as situações dos titulares de direitos reais menores ou de direitos pessoais de gozo, que possuem, simultaneamente com a posse em nome próprio do seu próprio direito, a posse em nome alheio do direito de propriedade. Para além disso, estará aqui em causa o exercício da posse por em representação doutrem (cfr. art. 1252.º, n.º 2), como o que é exercido por procuradores ou mandatários com representação do possuidor, devendo ainda a disposição ser extensiva aos seus auxiliares com contemplatio domini. Já os mandatários sem representação não poderão ser considerados como detentores, uma vez que são possuidores em nome próprio».

SECÇÃO IV – ÂMBITO DA POSSE 1. Coisas sobre as coisas de pode exercer a posse. A posse incide sobre coisas corpóreas – arrigo 1302.º CC.; universalidade de

facto e de direito – incluído o estabelecimento comercial. Exclusão: bens intelectuais; quotas em sociedades; bens públicos; coisas fora do

comércio, etc.. 2. Direitos abrangidos pela tutela possessória Direitos reais de gozo; certos direitos reais de garantia. Excluem: a hipoteca e privilégios creditórios. 3. Concurso de posses Sobreposições de posses – sempre que a mesma coisa seja possuída nos termos

de direitos com âmbito distinto. Comunhão de posses ou composse – ocorre se a coisa for possuída por vários

titulares com base num direito ou num acordo comum (artigos 1286.º, 1403.º e seguintes, 669.º, n.º 2).

Conflito de posses – sempre que existam duas posses em conflito sobre a mesma coisa [artigos 1267.º, n.º 1, alínea d), 1278.º, n.os 1, 2 e 3].

SECÇÃO V – CLASSIFICAÇÃO D POSSE 1. Posse causal e posse formal Posse causal – é aquela que é acompanhada da titularidade do direito. Posse formal – é aquela em que a titularidade do direito não se verifica. 2. Posse civil (possessio civilis) e posse interdictal (possessio ad interdicta) Posse civil – permitiria atribuir todos os efeitos possessórios, incluindo a

usucapião (direitos reais de gozo). Posse interdictal – significaria apenas a atribuição das acções possessórias e,

eventualmente, de alguns outros efeitos da posse, mas nunca da usucapião (direitos regrais de garantia ou direitos pessoais de gozo).

3. Posse efectiva e não efectiva Posse efectiva – é aquela em que existe um controlo material sobre a coisa.

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Posse não efectiva – é aquela em que a situação possessória resulta apenas da lei. Nalguns casos o legislador mantém a situação possessória embora já se tenha perdido o controlo material sobre a coisa (artigos 1278.º, n.º 1, e 1282.º, do CC.).

4. Posse titulada e não titulada Posse titulada – é aquela que se funda num modo legítimo de adquirir,

independentemente do direito do transmitente ou da validade substancial do negócio jurídico (artigo 1259.º, n,º 1).

Posse não titulada – é aquela que não derivou desse modo legítimo de adquirir. 5. Posse de boa fé e posse de má fé Posse de boa fé – é aquela em que o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que

lesava o direito de outrem (artigo 1260.º, n. 1). Posse de má fé – aquela em que não se verificava essa ignorância, no momento

de aquisição da posse. 6. Posse violenta e posse pacífica Posse violenta – é aquela em que para adquiri-la o possuidor usou de coacção

física ou de coacção moral – artigo 1261.º,n.º 2. Posse pacífica – é aquela que foi adquirida sem violência (1261.º, n.º 1). Violência pode ser exercida contra coisas ou pessoas. Violência permite mobilizar o procedimento cautelar de restituição provisória da

posse – artigos 1279.º e 393.º, do CPC 1961). Posse violenta não pode ser registada – artigo 1295.º, n.º 2 – e não permite a

contagem do prazo para a usucapião – artigos 1297.º, e 1300.º, n.º 1, do CC.~ 7. Posse pública e posse oculta

Posse pública – é a que se exerce de forma a ser conhecida de todos os interessados (artigo 1262.º) Posse oculta – é aquela em que esse conhecimento não seja possível. SECÇÃO VI – VICISSITUDES DA POSSE 1. Constituição da posse

Ver o que dispõe o artigo 1263.º. 2. Apossamento Apossamento – prática em relação à coisa, de actos materiais, por forma

repetida, e com publicidade [artigo 1263.º, alínea a)]. Têm de ser praticados actos materiais em relação à coisa, correspondendo

consequentemente a um aproveitamento directo da mesma (uti, frui, consumere). 3. Tradição material ou simbólica Tradição é composta por: Elemento negativo – corresponde à cedência da coisa pelo anterior possuidor; Elemento positivo – correspondente à sua apreensão pelo novo, o qual denuncia

a aquisição de poderes sobre o objecto da posse.

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Tradição material – há uma entrega e recebimentos físicos da coisa. Imóveis: deslocação e entrada no imóvel. Móvel: transporte das coisas e entrega no domicílio do adquirente e colocadas sob sua vigilância e guarda.

Tradição simbólica – a transmissão dá-se por meio de um acordo entre as partes nesse sentido, dispensando-se o contacto material do adquirente com a coisa. Acordo específico relativamente à transmissão da própria posse.

Modalidades (traditio longa manu, traditio ficta e traditio brevi manu): Traditio longa manu (ou “oculis et affectu”) – as partes, à distância, procedem

à entrega da coisa por simples acordo sem contacto com ela. Exemplo: indicação de terreno a partir de uma torre; apontar para um cavalo.

Traditio ficta – as partes procedem à entrega da coisa através de um objecto que a simboliza, como a entrega dos seus documentos (traditio chartae) ou das chaves das mesmas (traditio per clavium).

Traditio brevi manu – as partes acordam transformar a situação de detenção em posse, como na hipótese de quem já é detentor da coisa celebrasse com o antigo possuidor um contrato destinado a transmitir-lhe a posse.

4. Constituto possessório Noção – consiste na passagem do possuidor a mero detentor, continuando a ter a

coisa consigo, enquanto que a posse se transmite para outrem. Requisitos: a) A celebração de um contrato transmissivo de um direito real que confira a

posse da coisa; b) Que o transmitente do direito real seja possuidor; c) A existência de uma causa jurídica para a detenção da coisa. a) A celebração de um contrato transmissivo de um direito real que confira

a posse da coisa – a existência de um contrato transmissivo de um direito real que confira a posse da coisa. Efectivamente, neste caso a aquisição da posse resulta de um contrato de transmissão de um direito à posse

b) Que o transmitente do direito real seja possuidor – o transmitente do direito real seja possuidor – Efectivamente, o constituto possessório pressupõe a existência de posse no alienante pelo que, se ele não for possuidor, não se poderá verificar a constituição da posse no adquirente, ainda que o alienante seja o efectivo titular do direito transmitido.

c) A existência de uma causa jurídica para a detenção da coisa – exige que as partes estipulem uma causa jurídica para a detenção, que leve a que o alienante possa passar a ser considerado como possuidor em nome alheio. Efectivamente, a posse não se transmite por mero consenso das partes, ao contrário do que sucede genericamente com os direitos reais (artigo 408.º), sendo a forma comum de transmissão a tradição material ou simbólica da coisa [artigo 1263.º, alínea b)]. Por outro lado, devido à configuração objectiva da posse, o alienante do direito real deve ser considerado possuidor enquanto não entregar a coisa, apenas passando a detentor se as partes assim configurarem a situação.

5. Inversão do título de posse Noção artigo 1265.º - consiste na passagem de uma situação de detenção (posse

em nome alheio), a uma situação de verdadeira posse. Em relação ao possuidor primitivo, a inversão do título da posse traduz-se num esbulho da coisa.

Duas formas ou modalidades:

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1.º A oposição (“contraditio”) do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía

2.º A verificação de um acto de terceiro capaz de transmitir a posse. 1.ª situação – o detentor pratica actos que contradizem a situação de estar a

possuir em nome alheio, opondo-se assim à posse daquele em cujo nome possuía. Tal basta para adquirir ele mesmo a posse, cabendo ao anterior possuidor reagir contra o esbulho da sua posse. A inversão do título da posse terá que resultar de actos que indiciem inequivocamente que o detentor quer doravante passar a possuir em nome próprio, não se podendo inferir essa inversão de simples omissões.

2.ª situação – verifica-se um acto de terceiro capaz de transferir a posse, o que leva a que o detentor adquira um título distinto para a sua situação possessória, diferente daquele pelo qual possuía em nome alheio.

Requisitos da inversão: a) terá que provir de terceiro; b) representar uma causa jurídica suficiente para uma transferência da posse; c) traduzir exteriormente uma nova posse do detentor. 3. Manutenção da posse MENEZES LEITÃO entende que a referência legal à possibilidade de

continuação do exercício do direito no sentido de que basta assegurar um certo controlo sobre a coisa para conservar a posse sobre ela.

Quem deixa uma coisa numa floresta perda a posse por abandono, constituindo o acto de a ir buscar de voluta uma repetição do apossamento.

4. Modificação da posse Verifica-se sempre que ocorrer alteração das características da mesma. De boa a má fé. 5. Sucessão na posse A posse pode ser objecto de sucessão nos termos do artigo 2024.º. 6. Acessão na posse Trata-se de junção da posse do anterior titular. A junção da posse só se pode dar nos limites da posse com menor âmbito. Artigo

1256.º, n.º 2. 7. Perda da posse

A posse perde-se, nos termos do artigo 1267.º, nas seguintes situações: a) Abandono; b) Perda ou destruição material da coisa ou esta ser colocada fora do comércio; c) Cedência; d) Posse de outrem, mesmo contra a vontade do anterior titular, se a nova posse

houver durado mais de um ano. 7.1. Abandono Trata-se de situação inversa do apossamento, já que o possuidor abdica da sua

posse sobre a coisa, sendo-lhe lícito fazê-lo em virtude da admissibilidade genérica da renúncia aos direitos privados. O abandono não deve ser confundido com a renúncia

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dado que implica um acto material por virtude do qual o corpus deixa de existir, além de um animus contrário à manutenção da posse, sem o que se verificará uma mera inacção, a qual não chega para se considerar perdida a posse.

7.2. Perda ou destruição da coisa ou sua colocação fora do comércio A perda ou destruição da coisa consiste igualmente numa situação de perda da

posse, uma vez que neste caso deixa de existir o controlo material sobre a coisa. 7.3. A cedência Se o novo possuidor recebe a posse do anterior, este vem a perdê-la. A cedência

pode resultar quer de tradição material ou simbólica da coisa [artigo 1263.º, b)], quer de constituto possessório [artigo 1263.º, alínea c)].

7.4. A posse de outrem por mais de um ano Artigo 1267.º, n.º 2 – a posse de outrem por mais de um ano, contando-se a nova

posse desde o início, se foi tomada publicamente, ou desde que é conhecida do esbulhado, se foi tomada ocultamente. Se foi tomada por violência, só se conta a partir da cessação desta. Durante o ano após o início d nova posse, haverá uma sobreposição de posses sobre a coisa, pois o novo possuidor já tem a posse e o anterior só a perderá ao fim de um ano.

SECÇÃO VII – EFEITOS DA POSSE 1. Generalidades A posse pode atribuir ao seu titular os seguintes direitos: a) Atribuição de uma presunção da titularidade do direito; b) Direito aos frutos percebidos da coisa, no caso de a posse ser de boa fé; c) Direito ao pagamento dos encargos da coisa, em caso de não atribuição dos

frutos; d) Direito ao reembolso de benfeitorias realizadas na coisa; e) Direito de indemnização em caso de turbação ou esbulho; f) Aquisição da propriedade, após a sua manutenção por certo lapso de tempo

(usucapião) Outros deveres ao possuidor: a) Responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa; b) Responsabilidade pelos frutos que um proprietário diligente teria obtido, em

caso de posse de má fé; c) Obrigação de pagamento dos encargos da coisa, em caso de atribuição dos

frutos. Vide, p. 144-148 SECÇÃO VIII – Defesa da posse 1. Meios de defesa da posse: a) Acção de prevenção – artigo 1276.º, CC. b) Acção de manutenção – artigo 1278.º, CC. c) Acção de restituição – artigo 1278.º, CC. d) Procedimento cautelar de restituição provisória no caso de esbulho violento –

artigo 1279.º, do CC.

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e) Embargos de terceiro – artigo 1285.º, CC. f) Acção directa – artigos 1277.º e 336.º, C.C: 2. Legitimidade activa para as acções possessórias Quem detenha a posse da coisa nos termos de um direito real (artigo 1251.º),

incluindo os direitos reais de garantia susceptíveis de posse [artigos 670.º, alínea a) e 758.º)] ou nos termos de um direito pessoal de gozo que beneficie dessa tutela (artigos 1037.º, n.º 2, 1125.º, n.º 2, 1133.º, n.º 2, e 1188.º, n.º 2).

SECÇÃO IX – NATUREZA DA POSSE 1. Teses em confronto A – A tese que vê a posse como um mero facto (WINDSCHEID) – a posse

reconduz-se a um mero facto, o qual, embora produza consequências jurídicas, não é em si uma posição jurídica, pois a protecção do possuidor não resulta de ele ter um direito, mas antes de ser vedado aos outros o recurso à força. Por esse emotivo, a posse não seria direito, mas antes um mero facto, não fazendo sentido incluir no âmbito da posse as consequências jurídicas da mesma. No entanto, dado que estabelece uma relação jurídica com a coisa, a mais directa e simples relação possível, a posse deve ser incluída no sistema dos Direitos reais.

B – A tese que vê a posse simultaneamente como um facto e um direito (SAVIGNY) – A posse apresenta-se apenas como um facto, uma vez que é independente de todas as regras estabelecidas para a aquisição e perda de direitos. Efectivamente, a posse pode ser adquirida pela força e ser transmitida por negócio a que faltem os requisitos legais. Por outro lado, nunca ocorre uma verdadeira sucessão na posse, na medida em que a posse do novo possuidor é sempre uma posse nova, independente daquele que anteriormente possuiu. Por estes motivos, a posse seria um mero facto. No entanto, a evolução da posse teria permitido que a mesma fosse sendo objecto de negócios jurídicos, sendo atribuída em situações em que não há apreensão material da coisa, caso em que a mesma teria que ser configurada como um direito, sendo simultaneamente facto e direito. Mas para a configuração da posse como direito não seria relevante o facto de a mesma poder conduzir à usucapião, uma vez que aí a posse seria apenas um elemento de um processo de aquisição da propriedade. A configuração da posse como um direito resultaria por isso apenas da concessão dos interditos, em caso de turbação ou esbulho.

A posse é um direito – MANUEL RODRIGUES, CARVALHO FERNANDES. A posse é um direito subjectivo sem natureza real – OLIVEIRA ASCENSÃO

e MENEZES CORDEIRO (1.º momento, Direitos Reais). A posse não é um direito real de gozo mas antes um “DIREITO DE GOZO

DIFERENCIADO” – MENEZES CORDEIRO (2.º momento) (Posse, p. 163-164). Posição de MENEZES LEITÃO: «Entendemos dever acompanhar esta última concepção configurando a posse

como um direito de gozo sem natureza real. Efectivamente, o artigo 1281.º, n.º 2, demonstra a ausência de inerência na posse, uma vez que a acção de restituição não pode ser instaurada contra terceiro de boa fé. Por outro lado, ao contrário do que sucede nos direitos reais a tutela possessória não resulta da atribuição prévia de um direito sobre a coisa, surgindo a posteriori em virtude da situação de facto criada, que é o que determina a atribuição dos interditos. Não podemos dizer consequentemente que existe na posse uma permissão normativa de aproveitamento de uma coisa corpórea, uma vez

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que apenas existe apenas uma tutela provisória da continuação do aproveitamento da coisa, que já vinha sendo realizado pelo titular. Por esse motivo, a posse não pode ser qualificada como um direito real».

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FICHA N.º 21 – B – A POSSE – COMPLEMENTAR

ANTÓNIO SANTOS JUSTO, Direitos Reais, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2012: [149-218].

TÍTULO I – POSSE CAPÍTULO I – CARACTERIZAÇÃO 1. Noção Definição legal – artigo 1251.º, do CC. 2. Função A posse cumpre duas funções: 1.º Protecção do possuidor enquanto não houver certeza sobre o verdadeiro

titular do direito real a cujo exercício corresponde, concedendo-lhe a necessária tutela; 2.º Constitui um caminho de acesso a esse direito real. Objectivos ou finalidades desempenhadas pelo instituto da posse: i) Assegurar a paz jurídica quando há dúvidas sobre o direito; ii) Serve valores de organização e de continuidade da coisa possuída na esfera de

domínio em que se encontra; iii) Valor de conhecimento, porque é normalmente um sintoma de que se tem um

direito sobre as coisas. ORLANDO DE CARVALHO – instituto da posse tem duas funções

fundamentais: 1.º Assegurar a tutela à posse; 2.º Permitir que, através dela, se atinja um domínio jurídico autêntico. 3. Estrutura 3.1. Doutrina subjectivista (WINDSCHEID e SAVIGNY) A posse é integrada por dois elementos: CORPUS (elemento material) – que consiste no domínio de facto sobre a coisa,

ou seja, no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela ou na possibilidade física desse exercício;

ANIMUS POSSIDENDI (elemento psicológico) – que consiste na intenção de exercer sobre a coisa o direito correspondente àquele domínio de facto.

3.2. Doutrina objectivista (IHERING) Não suprime inteiramente o elemento intencional porque reconhece que sem

vontade não há posse. Simplesmente considera que este elemento está implicitamente contido no poder de facto que se exerce sobre a coisa possuída. Neste sentido, se o facto revelar objectivamente que alguém possui para outrem, não haverá posse, mas mera detenção: teremos um detentor subordinado, não um possuidor.

3.3. Posição do Código Civil Divisão da doutrina portuguesa: uns, a doutrina subjectivista; outros, a doutrina

objectivista.

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Posição de OLIVEIRA ASCENSÃO e MENEZES CORDEIRO, CARVALHO FERNANDES – tese objectivista

Posição de PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, MOTA PINTO, HENRIQUE MESQUITA, PENHA GONÇALVES, COSTA E SILVA e ORLANDO DE CARVALHO e B. SILVA RODRIGUES – tese subjectivista.

MENEZES CORDEIRO (recentemente) – um sistema misto ou melhor sobreposto.

4. Objecto. Conteúdo Limitação da posse ao exercício aparente do direito de propriedade ou de outros

direitos reais que incidam sobre coisas corpóreas. Argumentos em favor da limitação da posse às coisas corpóreas: i) A protecção das situações em que as relações do titular com a coisa afastam a

possibilidade de existirem outras situações por parte de outros indivíduos; ii) O regime da protecção da propriedade intelectual mostra que o legislador

afastou os regimes da tutela da posse e da transmissão com base na usucapião; iii) A aplicação o régie da posse aos direitos de autor ou à propriedade industrial

atingiria profundamente o regime fixado nesses diplomas: os constantes casos de colisão recomendariam que o legislador se ocupasse desses problemas nos diplomas especiais, nos termos do artigo 1303.º, n.º 1.

Direitos reais de garantia – alguns admitiriam e outros não a posse. Exclusão relativamente a bens públicos. Direitos reais de aquisição a posse está igualmente excluída, por se tratar de

direitos que se extinguem com o seu exercício e, portanto, não podem originar situações de exercício duradouro que a posse pressupõe.

5. Composse Noção – quando a posse de uma coisa tem vários titulares. Trata-se de uma posse com dois ou mais titulares. 6. Natureza jurídica Facto ou direito? MANUEL RODRIGUES identifica duas grandes doutrinas sobre a natureza da

posse: a) A posse como um FACTO: «a própria natureza da posse é contrária à ideia

do direito», porque «não há direito que não seja moral, que não seja justo» e a «a posse é, muitas vezes, o efeito do dolo, da violência, da injustiça».

b) A posse como um DIREITO: um direito subjectivo, porque «há um poder, um interesse e uma garantia jurídica».

POSIÇÃO DE MANUEL RODRIGUES: a posse é um DIREITO REAL: «é

um poder directo e imediato sobre as coisas e o seu titular tem a faculdade de exigir de todos os indivíduos uma abstenção que lhe permite exercer os elementos constitutivos do direito que exterioriza».

Aderem a esta tese – MOTA PINTO, HENRIQUE MESQUITA e CARVALHO FERNANDES.

MOTA PINTO – «a posse não é mero facto» por que «o seu regime revela ser um verdadeiro direito (…) real (embora) provisório». É um direito real, porque a posse

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«confere um poder sobre uma coisa em face de todos os outros». Todavia, «é um direito real provisório porque a sua protecção só se mantém, ou melhor, cessa, não havendo anteriormente usucapião, perante a acção de reivindicação».

HENRIQUE MESQUITA distingue dois planos – o FÍSICO (ou NATURALÍSTICO) e o JURÍDICO.

PLANO FÍSICO – «a posse é um facto”. Simplesmente, «este facto é recebido pelo direito que lhe atribui diversos efeitos, independentemente de qualquer indagação sobre a existência, na titularidade do possuidor, do direito real correspondente aos poderes por este exercidos sobre certa coisa».

NO PLANO JURÍDICO – Daí que «a posse figura na esfera jurídica do possuidor como um valor patrimonial autónomo» que é negociável, transmissível por via hereditária, susceptível de inscrição no registo predial e «pode ser defendida contra actos de turbação ou esbulho mesmo que provenham do titular do direito real possuído». Para HENRIQUE MESQUITA teríamos um direito subjectivos de natureza real (dada a sua eficácia erga omnes), mas em que existe ALGO DE ESPECÍFICO: «A posse tem características diferentes das que normalmente reveste o facto jurídico: enquanto em relação a qualquer outro direito subjectivo, o facto que lhe dá origem apenas tem que existir no momento do surgimento do direito (tem apenas uma função genética), no direito de posse, diversamente, o facto acompanha indissoluvelmente o direito, em tais termos que este se extinguirá logo que o facto deixe de subsistir». Daí que conclua, referindo: «o direito do possuidor tem apenas de específico a sua natureza provisória: a protecção que a lei confere à posse cessará se, antes do decurso do prazo da usucapião (quando este seja possível), o titular do direito vier reivindicar triunfantemente a coisa».

POSIÇÃO DE CARVALHO FERNANDES – sublinha que «a posse não pode deixar de ser configurada como uma realidade jurídica (cuja) qualificação como direito subjectivo representa a solução adequada», visto que «há um poder», ou seja, «meios de agir atribuídos a certa pessoa em vista da realização de interesses particulares lícitos e mediante a afectação de um bem que, neste caso concreto, é uma coisa». Trata-se de um «direito real (que) pertence à categoria dos direitos de gozo».

POSIÇÃO DE OLIVEIRA ASCENSÃO e MENEZES CORDEIRO: Para OLIVEIRA ASCENSÃO – a posse era, na vigência do Código de

SEABRA, um verdadeiro direito real: a acção de restituição da posse podia ser intentada «não só contra o esbulhador, como contra qualquer terceiro para quem o esbulhador houvesse transferido a coisa por qualquer título». Todavia, no actual Código Civil de 1966 esta acção «só pode ser exercida contra o esbulhador e herdeiros, e ainda contra quem estiver na posse da coisa e tiver conhecimento do esbulho. Nesse sentido, a posse «perdeu a natureza de direito real». Actualmente, a «defesa da posse funda-se em razões relativas: o possuidor só se pode dirigir contra sujeitos em relação aos quais se verifique um vínculo particular». Esclarecendo o seu entendimento, refere que «há uma razão relativa: ou porque esbulhou, ou porque teve conhecimento do esbulho, ficou constituído naquela situação mais desfavorável». Daí que, não sendo a posse oponível erga omnes, trata-se um «direito relativo».

Para MENEZES CORDEIRO – «a posse pode ser um facto ou pode ser um direito, conforme o modo por que seja tomada. Enquanto controlo material duma coisa, ao qual o Direito associa múltiplos efeitos jurídicos, a posse é um facto jurídico». Porém, porque «entre os efeitos produzidos conta-se – ou pode contar-se – uma permissão de aproveitamento duma coisa e determinadas defesas», refere que «tudo isto é verificado numa situação jurídica chamada posse, a qual surge como um direito subjectivo». Finalmente, roga-se se a posse será um direito real «quando seja tomada

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como direito subjectivo» e responde que não é um «verdadeiro direito real de gozo» mas, «quando muito, um direito de gozo diferenciado».

Posição de ORLANDO DE CARVALHO – a posse é uma situação de facto juridicamente relevante – «é meramente uma situação de facto juridicamente relevante, mas é um direito». E prossegue: «a posse só não é um direito, como, em certa medida, é um antidireito, algo que é a negação do direito». Todavia, «ao mesmo tempo que é um antidireito (constitui) como que a sombra do direito e uma espécie de gérmen fecundante do mesmo direito».

POSIÇÃO DE SANTOS JUSTO: «Que dizer destas doutrinas? A posse é um poder que se exerce directa e

imediatamente sobre uma coisa corpórea certa e determinada; produz efeitos jurídicos, satisfazendo o interesse do possuidor, e é tutelada pelo ordenamento jurídico, embora enquanto o possuidor não for convencido na questão da titularidade do direito a que a sua posse corresponde. Por isso, e sem afastar a verdade que existe em qualquer das teorias, parece-nos mais acertada a doutrina que considera a posse um direito real de gozo, embora provisório.

CAPÍTULO II – CLASSIFICAÇÃO 1. Posse titulada e posse não titulada Posse titulada – é aquela que se funda em «qualquer modo legítimo de adquirir,

independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico».

Trata-se duma posse que tem a sua causa num negócio abstractamente idóneo para transferir a propriedade ou outro direito real de fruição. Dispensa-se o direito do transmitente (aquisição a non domino) e não é afastada por vício de fundo que não exclua o animus de a adquirir: vg. dolo, erro obstáculo, coacção moral, etc.

Se houver coacção física ou absoluta – não há posse titulada. Se houver vícios formais (nulidade por vício de forma) a posse não é titulada. Posse não titulada ou mera posse – que não se funda em qualquer modo

legítimo de adquirir. Mera posse – a propósito da usucapião de imóveis – artigo 1295.º e 1296.º. Posse não titulada – dispondo que se presume de má fé – artigo 1260.º, n.º 2. 2. Posse de boa fé e posse de má fé Posse de boa fé – é aquela cujo «possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o

direito de outrem» - artigo 1260.º, n.º 1 (a titulada). Posse de má fé – é aquela cujo possuidor conhece, quando a adquire, que lesa o

direito de outrem (a adquirida por violência, ainda que titulada; não titulada). 3. Posse pacífica e posse violenta Posse pacífica – é a que foi adquirida sem violência – artigo 1261.º, n.º 1. Posse violenta – «a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou da coacção

física, ou da coacção moral nos termos do artigo 255.º». 4. Posse pública e posse oculta Posse pública – é a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos

interessados. Toda a posse de cujo exercício se teria apercebido uma pessoa de diligência normal, colocada na situação do titular do direito.

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Posse oculta – é a que estes não podem conhecer. Não basta, para que a posse seja oculta, a simples intenção ou propósito de ocultar; é necessário que os actos possessórios sejam praticados em termos que possibilitem o seu conhecimento pelos interessados. Consequências: os prazos para a usucapião só começam a contar a partir do dia em que se torna pública; o registo da posse só pode ser feito fazendo-se prova da sua publicidade (artigos 1297.º, 1300.º, n.º 1, e 1295.º n.º 2).

4. Posse precária ou detenção Detentores ou possuidores precários – o que se refere no artigo 1253.º. Possuidor precário ou detentor – situação de quem, tendo embora o corpus da

posse, não exerce o poder de facto com o animus de exercer o direito real que lhe corresponde.

5. Outras modalidades de posse 5.1. Posse causal – é a posse em que o possuidor é simultaneamente titular do

direito real a cujo exercício a posse corresponde. Não se trata de uma posse autónoma: é, pelo contrário, um reflexo ou projecção de um direito real. O proprietário-possuidor, face às dificuldades da prova da propriedade, invoca a sua posse e não o seu direito de propriedade. A posse desmembra-se deste direito real, surgindo como posse formal ou autêntica.

5.2. Posse formal – é a posse autêntica, autónoma, ou seja, aquela em que o possuidor não tem, ou não invoca, a qualidade de titular de um direito real a que corresponda. É protegida pelo direito como um bem no presente e um bem para o futuro.

5.3. A posse efectiva – é a posse que implica um controlo material sobre a coisa (posse actual – artigo 1278.º, n.º 3).

5.4. A posse não efectiva – é a posse que se conserva por via puramente jurídica, sem controlo corpóreo (Ex: posse do esbulhado durante o ano subsequente ao esbulho – artigo 1283.º).

5.5. A posse imediata – é a posse que se exerce imediatamente, sem mediador. 5.6. A posse mediata – é a posse que se exerce através de outrem (comodatário,

depositário e locatário). CAPÍTULO III – EFEITOS 1. Efeito probatório A posse confere, por força do artigo 1268.º, n. 1, a presunção de titularidade do

direito a cujo exercício corresponde. 2. Frutos 2.1. Se o possuidor estiver de boa fé – pertencem-lhe os frutos naturais

colhidos até ao dia em que a boa fé cessar, ou seja, em que souber que está a lesar, com a sua posse, o direito de outrem. Pertencem-lhe igualmente os frutos civis correspondentes ao período – artigo 1270.º, n.º 1. PIRES DE LIMA/A. VARELA justificam a solução referindo que «Agindo o possuidor de boa fé na convicção de que é titular de um direito sobre a coisa, não seria justo que a lei o obrigasse a restituir os frutos percebidos (ou o respectivo valor), pois contava com eles e ordenou nessa base a sua vida».

Todavia, se a boa fé cessar quando os frutos ainda se encontram pendentes, estes pertencem ao titular do direito sobre a coisa frutífera, embora seja obrigado a

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indemnizar o possuidor das despesas de cultura não superiores ao valor dos frutos que vierem a ser colhidos. Orientação ao tradicional: aquisição ex iure corporis e não ex

iure seminis do direito germânico. Se, antes da colheita e de cessar a boa fé, o possuidor tiver alienado os frutos, a

alienação subsiste. No entanto, o produto da colheita pertence ao titular do direito, deduzida a indemnização das despesas de produção ao possuidor.

No caso de colheita prematura de frutos, o possuidor de boa fé deve restituí-los, se ainda os não consumiu; mas tem direito a ser indemnizado das despesas de cultura, desde que não sejam superiores ao valor dos frutos.

2.2. Se o possuidor estiver de má fé – deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse e responde, também, pelo valor dos frutos que um proprietário diligente poderia ter obtido (arrigo 1271.º). Deve, no entanto, ser ressarcido das despesas de cultura não superiores ao valor dos frutos (215.º, n.º 1), pois a má fé, se não pode deixar de penalizar o possuidor, também não deve ser fonte de locupletamento do proprietário à custa alheia: v.g., não deixaria de fazer as mesmas despesas se estivesse na posse da coisa.

3. Perda ou deterioração da coisa O possuidor de boa fé é responsável por perda ou deterioração da coisa se tiver

procedido com culpa. O possuidor de má fé responde mesmo que tenha actuado sem culpa. Porém, tal

solução deve ser afastada se provar que a perda ou deterioração se teriam igualmente verificado se a coisa se encontrasse em poder do titular do direito: trata-se da doutrina consagrada em relação ao devedor em mora (807.º, n.º 2), havendo bom fundamento para defender a sua aplicação ao possuidor de má fé: a posse de má fé é um facto ilícito que constitui em mora o possuidor quanto à obrigação de restituir a coisa ao seu titular, independentemente de interpelação.

Cabe ao possuidor o ónus de tal prova (artigo 807.º, n.º 2). 4. Benfeitorias Saber se o possuidor deve ser indemnizado ou se pode levantar as benfeitorias

feitas na coisa possuída. 4.1. Benfeitorias necessárias – o possuidor de boa ou má fé tem direito a ser

indemnizado (artigo 1273.º, n.º 1). Evita-se o locupletamento injusto do titular do direito real sobre a coisa benfeitorizada porque, sendo indispensáveis à subsistência da coisa, eram despesas que o titular do direito teria de fazer. O crédito da indemnização pode ser compensado com a responsabilidade do possuidor por deteriorações.

4.2. Benfeitorias voluptuárias – o possuidor de boa fé pode levantá-las se não causar detrimento da coisa; de contrário, nem as poderá levantar nem terá direito a qualquer indemnização (1275.º, n.º 1). Por sua vez, o possuidor de má fé nem as pode levantar (mesmo sem causar detrimento) nem tem direito a indemnização (artigo 1275.º, n.º 2).

5. Usucapião A posse e o tempo. A posse – deve ser pública e pacífica; O tempo – depende do carácter móvel ou imóvel da coisa possuída, bem como

de outras características. Ser de boa ou má fé; titulada ou não titulada; e estar ou não inscrita no registo.

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Podem ser adquiridos por usucapião – os direitos reais de gozo, exceptuando-se as servidões não aparentes e o direito de uso e habitação.

Aplicação à usucapião das regras da prescrição (interrupção, suspensão e recusa de conhecimento oficioso pelo julgador – artigo 1292.º)

Substituição da expressão “prescrição positiva ou aquisitiva” por essoutro de “usucapião”.

Capacidade para usucapir: aproveita a todos os que podem adquirir – artigo 1289.º, n.º 1. Os incapazes podem adquirir por usucapião quer directamente por si, quer por intermédio de quem legalmente os represente.

Os detentores ou possuidores precários não podem adquirir por usucapião para si, salvo se o título se achar invertido – artigo 1290.º.

Prazos de usucapião para as coisas imóveis: I – Existência de título de aquisição e registo (artigo 1294.º): a posse deve

durar dez e quinze anos contados a partir da data do registo, respectivamente se o possuidor estiver de boa ou de má fé;

II – Inexistência do título de aquisição, mas registo da mera posse (artigo 1295.º): os prazos são de cinco e dez anos, contados da data do registo, respectivamente se o possuidor estiver de boa ou de má fé;

III – Inexistência de registo (do título de aquisição e também da mera posse) (artigo 1296.º): os prazos são de quinze e vinte anos, contados desde o início da posse, respectivamente se o possuidor estiver de boa ou de má fé.

Bens do domínio privado do Estado (lei n.º 54, de 16 de Julho de 1923; e

1304.º) – a usucapião só se cumpre quando tiver decorrido o prazo fixado na lei civil acrescido de metade.

Posse obtida por violência ou ocultamente (artigo 1297.º) – os prazos de usucapião só começam a contar quando a violência cessa ou a posse se torna pública: consagra-se o princípio de que a violência ou a posse tomada ocultamente impede a usucapião.

Prazos de usucapião de coisas móveis: I – Móveis registáveis (artigo 1298.º): a) Há título de adquisição e registo: os prazos são de dois e quatro anos,

contados desde o início da posse, respectivamente se o possuidor estiver de boa ou de má fé;

b) Não há registo: o prazo é de dez anos, independentemente da boa ou má fé do possuidor e da existência de título.

II – Móveis não registáveis (artigo 1299.º): a) Há título de aquisição: o prazo é de três anos desde o início da posse, se o

possuidor estiver de boa fé; b) Independentemente da existência de título de adquisição e da boa fé do

possuidor: o prazo é de 6 anos, contados desde o início da posse. CAPÍTULO IV – AQUISIÇÃO SECÇÃO I – AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA

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1. Prática reiterada Prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao

exercício do direito [artigo 1263.º, alínea a)]. a) Prática reiterada – não basta a prática de um único acto, embora os actos

possam ser diferentes. No entanto, é possível que um só acto baste para evidenciar a posse;

b) Publicidade – os actos materiais devem ser susceptíveis de conhecimento pelos interessados; por isso, não merecem protecção os actos possessórios clandestinos:

c) Actos materiais – só têm interesse os actos que incidam directa e materialmente sobre a coisa, ou seja, actos que traduzam o corpus;

d) Correspondência com o exercício do direito. No entanto, adverte-se que a qualificação do direito correspondente à posse nem sempre se faz com facilidade, porque há muitos actos materiais que se integram no exercício de direitos reais diferentes. Por isso, é necessário recorrer ao título (se houver) ou ao animus possidendi.

2. Inversão do título Artigo 1265.º - a inversão do título «pode dar-se por oposição do detentor do

direito contra aquele em cujo nome possuía» ou «por acto de terceiro capaz de transferir a posse» (artigo 1265.º).

Trata-se de conversão duma situação de posse precária numa verdadeira posse, de forma que aquilo que se detinha a título de animus detinendi passa a deter-se a título de animus possidendi.

A inversão do título pode ocorrer por dois meios: 1 – Oposição do detentor contra aquele em nome de quem possuía: o caso mais

corrente é o de o arrendatário que, em certo momento, se recusa a pagar a renda, afirmando que o prédio lhe pertence. Exige-se que a intenção do detentor de actuar como titular do direito seja comunicada (por via judicial ou extrajudicial) à pessoa em nome de quem possuía; e, ainda, que esta oposição não seja repelida.

2 – Por acto de terceiro capaz de transferir a posse: sucede, v.g. se o arrendatário comprar o prédio a um terceiro. A compra e venda inverte o título precário de arrendatário, sendo igualmente necessário que este passe a comportar-se como possuidor.

SECÇÃO II – AQUISIÇÃO DERIVADA 1. Tradição material e tradição simbólica Tradição material [artigo 1263.º, alínea b)] - «há uma actividade exterior que

se traduz nos actos de entregar e receber» Tradição simbólica – «na tradição simbólica simbólica, tudo se passa a nível da

comunicação humana, sem directa interferência no controlo material da coisa». Tradição romana – casos de tradição simbólica: 1 – Traditio longa manu – a coisa é materialmente entregue, mas é posta à

disposição do adquirente através da sua indicação à distância. 2 – Traditio brevi manu – realiza a conversão da detenção em posse por acordo

entre o detentor e o possuidor. Esta traditio tem a grande vantagem de, encontrando-se alguém na posição de detentor de coisa que pertence a outrem, não ser necessário que volte às mãos deste para depois a entregar àquele.

3 – Traditio ficta – consiste na entrega de um símbolo ou realização de um acto que simboliza a coisa cuja posse se transfere.

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2. Constituto possessório O constituto possessório é uma forma de aquisição da posse solo consensu, ou

seja, sem necessidade de acto (material ou simbólico) de entrega da coisa. A posse é atribuída sem a detenção.

O Código Civil identifica duas espécies: a) O titular do direito real e possuidor transmite o seu direito a outrem e reserva,

para si, a detenção: a causa possessionis do alienante torna-se causa detentionis. b) O possuidor transfere o seu direito a outra pessoa, mantendo-se o seu

detentor: v.g., o proprietário-possuidor vende a coisa depositada e pretende-se que o depósito continue; ou um prédio arrendado é vendido, mantendo-se o arrendamento.

3. Sucessão mortis causa Artigo 1255.º, C.C.: «por morte do possuidor, a posse continua nos seus

sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa».

A posse continua nos sucessores independentemente da apreensão material, considera-se que a lei ficciona não só o corpus, mas também o animus, vencendo, assim, um hiato na posse: há uma sucessão na posse sem interrupção.

Esta solução é um efeito da noção de sucessão, daí se retirando, segundo SANTOS JUSTO, várias consequências:

i) A posse continua nos herdeiros, ii) O sucessor não precisa de praticar qualquer acto material de apreensão ou de

utilização da coisa, podendo até ignorar que a posse existe; iii) A posse continua com os caracteres (de boa ou má fé; titulada ou não

titulada; pacífica ou violenta); iv) A continuação da posse não é prejudicada pelo facto de o sucessor não ter

tido, de facto, a posse da coisa durante o período entre a abertura da sucessão e a aceitação herança.

A questão do legatário – sucede na posse? PIRES DE LIMA/A. VARELA

referem que «não há nenhuma limitação a fazer no domínio da sucessão mortis causa»: a «posse continua sempre no chamado à sucessão dos bens», seja herdeiro ou legatário.

MENEZES CORDEIRO entende que diferentemente da herança em que, aceitando-a, o herdeiro «terá de fatalmente arcar com direitos e deveres» não podendo «aceitar a sucessão e recusar a posse que lhe for legada. E «quando aceite a posse, poderá ter, ou não, a boa ou má fé da posse em causa, ao passo que, perante o herdeiro, a posse se mantém, de boa ou de má fé, consoante a qualidade que assumisse na esfera jurídica do seu antecessor». Por isso, não se poderá falar de sucessão na posse por parte do legatário.

4. Acessão Acessão da posse – é a faculdade de, para efeitos designadamente de usucapião,

o possuidor juntar à sua a posse do seu antecessor. Se a posse deste for de natureza diferente da posse do sucessor, a acessão só ocorrerá dentro dos limites daquela que tiver menor âmbito; por isso, o possuidor na qualidade de usufrutuário pode somar à sua posse a anterior do proprietário; e, tratando-se de poderes de posses de boa e de má fé, a posse considerada deve ser a de má fé, por ter menor âmbito.

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DIVERGÊNCIA DOUTRINAL: será necessário que se verifique um verdadeiro acto translativo da posse, formalmente válido?

AFIRMATIVAMENTE (MANUEL RODRIGUES, PIRES DE LIMA e A. VARELA) – a junção ou acessão de posses está sujeita a certas regras:

i) é facultativa; ii) as duas posses devem ser contínuas e homogéneas; iii) Dever haver um vínculo jurídico entre o novo e o antigo possuidor, vínculo

este que pode revestir várias modalidades: pode ser um negócio jurídico (venda, troca, dação em pagamento), mas pode ser uma expropriação, uma execução, etc.,

MENEZES CORDEIRO – A afirmação de MANUEL RODRIGUES «choca

pela falta de fundamentação e não tem qualquer paralelo em doutrinas estrangeiras que sejam do nosso conhecimento». E considera que «a transmissão da posse deve ser válida», mas «não é preciso qualquer contrato válido: basta a tradição ou o cosntituto»; se «o Código Civil vigente admite a usucapião baseada em posse não titulada e de má fé, nestes casos nunca poderia haver acessão na posse (…). Seria um espantoso retrocesso histórico (que) não se pode ter por admitido».

SANTOS JUSTOS: «o direito romano considerou a acessio possessionis com grande rigor, exigindo que o anterior e o actual possuidor realizassem um negócio jurídico real. Identifica-se com a doutrina de MANUEL RODRIGUES.

CAPÍTULO V – CONSERVAÇÃO 1. Conservação Artigo 1257.º, n.º 1: «a posse mantém-se enquanto durar a actuação

correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar». E, ainda, n.º 2, «presume-se que a posse continua em nome de quem a começou».

Para a conservação da posse – refere MANUEL RODRIGUES – «não é necessária a mesma energia que para a aquisição, que é um acto de conquista».

DIFICULDADE: a posse, que corresponde ao exercício de direitos reais que se extinguem por não uso decorrido certo prazo, mantém-se mesmo depois de tais direitos se extinguirem? Se se mantiver, observa-se que poderá suceder que o titular de um destes direitos reais que se extinguiu por não uso goza ainda da faculdade de o defender pela posse.

CAPÍTULO VI – TUTELA SECÇÃO I – INTRODUÇÃO SECÇÃO II – AUTOTUTELA 1. Acção directa Noção (artigo 336.º) – é o recurso à força para evitar a inutilização prática de

um direito, no caso de ser impossível recorrer aos meios coercivos normais. Pode consistir na apropriação, destruição ou deterioração duma coisa, na eliminação da resistência irregularmente oposta ao exercício do direito ou noutro caso análogo. E o agente não pode exceder o necessário para evitar o prejuízo nem sacrificar interesses superiores aos que visa realizar.

2. Legítima defesa

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Artigo 337.º. Agressão ilícita – contra a pessoa ou seu património; Actualidade da agressão; Proporcionalidade da acção defensoris. SECÇÃO III – ACÇÕES POSSESSÓRIAS 1. Acção de prevenção Artigo 1276.º 2. Acção de manutenção – Artigo 1278.º 3. Acção de restituição – Artigo 1278.º7 4. Acção de restituição havendo esbulho violento – Artigo 1279.º CC e 393.º CPC 1961. 5. Embargos de terceiro – Artigo 1285.º, do CC:; e artigos 351.º a 359.º, do CPC 1961. 6. Defesa da composse – Artigo 1286.º. 7. Efeitos – Artigo 1284.º, n.º 1. CAPÍTULO VII – PERDA 1. Abandono – Artigo 1267.º, n.º 1, alínea a). 2. Perda ou destruição da coisa – Artigo 1267.º, n.º 1, alínea b). 3. Cedência – Artigo 1267.º, n.º 1, alínea c). 4. Posse de outrem por mais de um ano – Artigo 1267.º, n.º 1, alínea d).