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FACEF PESQUISA - v.11 - n.2 - 2008 186 RECRUT RECRUT RECRUT RECRUT RECRUTAMENTO E SELEÇÃO DO AMENTO E SELEÇÃO DO AMENTO E SELEÇÃO DO AMENTO E SELEÇÃO DO AMENTO E SELEÇÃO DO PROFISSIONAL PORT PROFISSIONAL PORT PROFISSIONAL PORT PROFISSIONAL PORT PROFISSIONAL PORTADOR DE DEFICIÊNCIA NAS ORGANIZAÇÕES: ADOR DE DEFICIÊNCIA NAS ORGANIZAÇÕES: ADOR DE DEFICIÊNCIA NAS ORGANIZAÇÕES: ADOR DE DEFICIÊNCIA NAS ORGANIZAÇÕES: ADOR DE DEFICIÊNCIA NAS ORGANIZAÇÕES: INTEGRAÇÃO OU INCLUSÃO ? INTEGRAÇÃO OU INCLUSÃO ? INTEGRAÇÃO OU INCLUSÃO ? INTEGRAÇÃO OU INCLUSÃO ? INTEGRAÇÃO OU INCLUSÃO ? Adriana Lopes FERNANDES Mestre em Administração pela PUC Minas [email protected] Sandro Márcio da SILVA Doutor em Administração pela FEA USP [email protected] Resumo O objetivo deste artigo é discutir a diferença entre os conceitos de integração e inclusão do trabalhador portador de deficiência nas organizações tendo como objeto de análise o processo de recrutamento e seleção desses profissionais. Para elucidar a discussão, utiliza-se, como exemplo, o caso de uma organização prestadora de serviços na gestão de fundos. Os dados foram coletados em documentos fornecidos pela empresa, no site e por meio de entrevistas semi-estruturadas. O caso, aqui, apresentado mostra uma organização que adota procedimentos ainda pouco estruturados e uma noção equivocada do conceito de inclusão. Apesar do cuidado e carinho pelas Pessoas Portadoras de Deficiência - PPDs - ainda se observa uma clara predominância do cumprimento das cotas de portadores como principal motivo da contratação de profissionais PPDs. Todavia, apesar de suas fragilidades, o caso oferece ricas possibilidades de reflexão sobre o processo de inclusão de PPDs nas organizações. Abstract The aim of this paper is to discuss the difference between the concepts of integration and inclusion of the disabled worker in the organizations by analyzing the recruitment and selection process of these professionals. To illustrate the discussion, the case of an organization that provides services in funds management is used. Data were collected in documents provided by the company, in the company’s website and by means of semi- structured interviews. The case presented here shows an organization that adopts procedures that are not well structured yet and an inadequate notion of the concept of inclusion. Despite the care and affection towards disabled individuals, there still is a clear predominance of the compliance to the employment quotas of disabled workers as the main reason for hiring these professionals. However, in spite of its weaknesses, the case offers rich possibilities of reflection on the process of inclusion of disabled individuals in the organizations. Palavras-chave: Inclusão – Recrutamento e Seleção – Gestão de Pessoas – PPDs. Keywords: Inclusion – Recruitment and Selection People Management – Disabled Individuals. recebido em 02/2008 - aprovado em 03/2008 RECRUITMENT AND SELECTION OF DISABLED WORKERS IN THE ORGANIZATIONS: INTEGRATION OR INCLUSION?

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INTEGRAÇÃO OU INCLUSÃO ?INTEGRAÇÃO OU INCLUSÃO ?INTEGRAÇÃO OU INCLUSÃO ?INTEGRAÇÃO OU INCLUSÃO ?INTEGRAÇÃO OU INCLUSÃO ?

Adriana Lopes FERNANDESMestre em Administração pela PUC Minas

[email protected]

Sandro Márcio da SILVADoutor em Administração pela FEA USP

[email protected]

Resumo

O objetivo deste artigo é discutir a diferença entreos conceitos de integração e inclusão do trabalhadorportador de deficiência nas organizações tendocomo objeto de análise o processo de recrutamentoe seleção desses profissionais. Para elucidar adiscussão, utiliza-se, como exemplo, o caso de umaorganização prestadora de serviços na gestão defundos. Os dados foram coletados em documentosfornecidos pela empresa, no site e por meio deentrevistas semi-estruturadas. O caso, aqui,apresentado mostra uma organização que adotaprocedimentos ainda pouco estruturados e umanoção equivocada do conceito de inclusão. Apesardo cuidado e carinho pelas Pessoas Portadoras deDeficiência - PPDs - ainda se observa uma clarapredominância do cumprimento das cotas deportadores como principal motivo da contrataçãode profissionais PPDs. Todavia, apesar de suasfragilidades, o caso oferece ricas possibilidades dereflexão sobre o processo de inclusão de PPDs nasorganizações.

Abstract

The aim of this paper is to discuss the differencebetween the concepts of integration and inclusionof the disabled worker in the organizations byanalyzing the recruitment and selection processof these professionals. To illustrate the discussion,the case of an organization that provides servicesin funds management is used. Data were collectedin documents provided by the company, in thecompany’s website and by means of semi-structured interviews. The case presented hereshows an organization that adopts procedures thatare not well structured yet and an inadequatenotion of the concept of inclusion. Despite thecare and affection towards disabled individuals,there still is a clear predominance of thecompliance to the employment quotas of disabledworkers as the main reason for hiring theseprofessionals. However, in spite of itsweaknesses, the case offers rich possibilities ofreflection on the process of inclusion of disabledindividuals in the organizations.

Palavras-chave: Inclusão – Recrutamento eSeleção – Gestão de Pessoas – PPDs.

Keywords: Inclusion – Recruitment and Selection– People Management – Disabled Individuals.

recebido em 02/2008 - aprovado em 03/2008

RECRUITMENT AND SELECTION OF DISABLED WORKERS IN THE ORGANIZATIONS:INTEGRATION OR INCLUSION?

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Adriana Lopes FERNANDESFERNANDESFERNANDESFERNANDESFERNANDESSandro Márcio da SILVASILVASILVASILVASILVA

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Introdução

A intensificação da concorrência entre empresasbrasileiras no final da década de 90, fruto da aberturade mercado, dos processos de fusão e aquisiçõesde novos negócios, entre outros, tem demandadodas empresas grandes esforços no sentido demanter, de forma sustentável, sua posição nomercado.

Um desses esforços é o de conseguir captar e reterpessoas qualificadas e capazes de inovar. SegundoHanashiro e Godoy (2004), as pessoas, também,sofreram mudanças resultantes da globalização domercado, das mudanças culturais e demográficasda sociedade.

As mudanças sofridas, tanto pelas organizaçõescomo pelas pessoas, levaram as últimas a conviver,de forma mais acentuada, com estilos de gestãodiferentes, ampliando a possibilidade de trabalharcom equipes mais heterogêneas quanto ànacionalidade, raça, hábitos e valores.

A heterogeneidade da mão-de-obra passou a serdiscutida nas empresas sob o nome de diversidade,conceito ainda pouco amadurecido pelasorganizações e com um tímido crescimento empesquisas acadêmicas, observada à luz daspublicações em periódicos e congressos emadministração.

Subbarão1 , apud Fleury (2000) explica que hádiversos aspectos a serem considerados quando sepensa no que significa diversidade: sexo, idade, graude instrução, grupo étnico, religião, origem, raça elíngua. Hanashiro e Godoy (2004) afirmam que oconceito se expandiu para uma noçãomultidimensional. Além de considerar os aspectosacima, incluiu, também, as diferenças quecaracterizam os grupos sociais.

Já Nkomo e Cox (1999) concebem a diversidadepassando o conceito do nível do indivíduo para onível grupal, como um misto de pessoas comidentidades de grupo diferentes dentro de um mesmosistema social.

Fleury (2000) define a diversidade como um “[...]mix de pessoas com identidades diferentes

interagindo no mesmo sistema social.” A autoraconsidera que, dentro desse sistema social, gruposde maioria, ou seja, aqueles cujos membroshistoricamente obtiveram vantagens em termos derecursos econômicos e de poder em relação aosoutros convivem com grupos de minoria, que forammarginalizados, desfavorecidos pela postura edecisões de sua comunidade e, recentemente, vêmconseguindo construir seu espaço.

A diversidade é decorrência do reconhecimento,cada vez maior, da democracia como fator essencialpara o aprimoramento das sociedades e da buscade novos padrões de convivência baseados emrelações socialmente mais justas. As organizações,ao reconhecerem a diversidade humana e adotaruma força de trabalho composta por negros,mulheres, homossexuais e Pessoas Portadoras deDeficiência - PPDs - estão assumindo seucompromisso ético com a sociedade.

Além de cumprir seu dever social, as organizações,ao investirem em mão-de-obra cada vez maisdiversificada, estão caminhando rumo àcompetitividade, pois o capital humano ocupa papelcentral nas estratégias organizacionais e, com odesafio de haver mais tarefas e poucas pessoascapacitadas para desempenhá-las, está o desafiodo aumento da diversidade de pessoas aplicandoseus diferentes pontos de vista na solução dosdesafios organizacionais.

Infelizmente, diversificar a mão-de-obraorganizacional com PPD não é o desejo de muitasorganizações. O preconceito e a falta deconhecimento são fatores que impedem as empresasde caminhar a favor de um ambiente maishumanizado e democrático.

Além dos fatores citados, autores como Carreira(1997) afirmam que as organizações são entidadesque visam ao lucro e, não, entidades filantrópicasou de assistência social e não têm por finalidadecriar programas para readaptação da PPD. Alémda afirmação do autor, Bittencourt e Carrieri (2005),citando Levitt (1958), salientam que as empresasdeveriam deixar o Estado realizar o seu papel – deacolher a PPD – e cuidar do seu lucro.

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Na contramão desses discursos, Grayson e Hodges(2002) afirmam que, nas últimas décadas, esseconceito vem mudando. A empresa passou a servista como um ator social, que deve ter uma atuaçãoética e respeitosa com relação a todos os gruposcom os quais interage e, não apenas, cumprir afinalidade de gerar lucros para os acionistas. Nessesentido, a empresa deve desenvolver o seu papelna inclusão da pessoa portadora de deficiência, nãocomo uma organização filantrópica, mas assumindoa postura de uma organização que se preocupa como ambiente em que está inserida e com o futuro daprópria organização.

O trabalho pretende, contrabalanceando os doispontos de vista, visa entender como tem se dado oprocesso de recrutamento e seleção das pessoasportadoras de deficiência, focando as mudanças naspráticas organizacionais necessárias à inclusãodessas pessoas. Para isso, estudou-se o caso daempresa ALFA, utilizando-se entrevistas semi-estruturadas como forma de coleta de dados, alémde documentos e informações presentes no site daempresa.

Para apresentar a pesquisa realizada, o artigo estáorganizado em seis partes, além da presenteintrodução. As segunda, terceira e quarta partesapresentam a revisão da literatura. A metodologiautilizada está descrita na quinta parte. A sexta contémas revelações do campo, seguida da análise e,finalmente, são apresentadas, na última parte, asconsiderações finais e sugestões para futurasagendas de pesquisa.

1 A pessoa portadora de deficiência

A nomenclatura Pessoa Portadora de Deficiência éadotada pela Coordenadoria Nacional para Integraçãoda Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE -(órgão da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos,do Ministério da Justiça), sendo a terminologia utilizadaem documentos e artigos dos órgãos oficiais e, poresse motivo, é adotada neste trabalho.

A Convenção 159 da Organização Internacionaldo Trabalho – OIT-, de 1983, define pessoa com

deficiência como aquela “[...] cujas possibilidadesde obter e conservar um emprego adequado ede progredir no mesmo fiquem substancialmentereduzidas devido a uma deficiência de caráterfísico ou mental devidamente comprovada.”(BRASIL, 1991a). Esse conceito abrange umconjunto amplo de características, podendo asdeficiências ser físicas, sensoriais (da visão ouaudição), ou intelectuais. Podem ser de nascençaou terem surgido em outra época da vida, emfunção de doença ou acidente. Apresentam umimpacto brando na capacidade de trabalho e deinteração com o meio físico e social ouconseqüências maiores, que requerem apoio eassistência proporcionais.

O Decreto n. 3.298, de 1999, com as alteraçõesprevistas pelo Decreto n. 5.296, de 02 dedezembro 2004, estabeleceu as diversas categoriasem que a pessoa portadora de deficiência seenquadra, sendo elas:

1. Deficiência Física (DF): alteraçãocompleta ou parcial de um ou maissegmentos do corpo humano, acarretandoo comprometimento de função física;

2. Deficiência Auditiva (DA): perdabilateral, parcial ou total das possibilidadesauditivas sonoras;

3. Deficiência Visual (DV): perda parcial outotal da visão;

4. Deficiência Mental (DM): funcionamentointelectual significativamente inferior à média,com manifestação antes dos dezoito anos elimitações associadas a duas ou mais áreasde habilidades adaptativas;

5. Deficiência Múltipla (DMu): associaçãode duas ou mais deficiências.

Estimativas da Organização Mundial de Saúde(OMS) calculam em cerca de 610 milhões o númerode pessoas com deficiência no mundo, das quais386 milhões fazem parte da populaçãoeconomicamente ativa. Avalia-se que 80% do totalvivam em países em desenvolvimento (INSTITUTOETHOS, 2002). Lima (2001) advoga que, em

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países em desenvolvimento, o número de deficientesé maior devido à falta de informação e acesso aosistema de saúde e aos conflitos armados, como éo caso da África, onde existem muitos mutiladospor causa das minas. A autora destaca, também, osacidentes de trânsito e a violência armada no meiourbano como causas da deficiência.

No Brasil, segundo Censo realizado em 2000 edivulgado em 2002 pelo Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE, 2000), existem 24,5milhões de brasileiros portadores de algum tipo dedeficiência. Para essa definição, utilizou-se aClassificação Internacional de Funcionalidade,Incapacidade e Saúde – CIF -, que, segundoNambu (2003), tem por objetivo geral proporcionaruma linguagem unificada e padronizada como umsistema de descrição da saúde e de estadosrelacionados à saúde.

Utilizando como referência essa definição, apesquisa do IBGE (2000) informa que 14% dapopulação brasileira apresenta alguma deficiênciafísica, mental, ou dificuldade para enxergar, ouvirou locomover-se. Tal proporção é demasiadamentesuperior a dos levantamentos anteriores que nãochegavam a 2% da população. Segundo Neri eSoares (2004), essa mudança não se deve aoaumento de PPD na população, mas à formadiferente de coletar os dados – que incluiu comoPPD qualquer pessoa que reportou ter grande oualguma dificuldade de ouvir, enxergar ou caminhar– e ao envelhecimento da população brasileira –visto que o Brasil de hoje está mais velho do que ode uma década atrás.

Com relação ao trabalho, a OIT estima que aspessoas com deficiência representam 8% dapopulação economicamente ativa no planeta(INSTITUTO ETHOS, 2002). No Brasil, novemilhões de pessoas com deficiência estão emidade de trabalhar, mas somente um milhão(11,1%) exerce alguma atividade remunerada e200 mil (2,2%) são empregados com registro emCarteira de Trabalho.

É perceptível o crescimento da presença de pessoasportadoras de deficiência nas ruas e nos espaços

públicos. Graças ao maior número de equipamentosurbanos acessíveis, avanços tecnológicos e maioracesso à educação, o acesso ao trabalho tambémestá sendo ampliado. Afinal, grande parte dessaspessoas tem limitações que podem ser superadasem um ambiente adequado.

Segundo dados do Ministério do Trabalho eEmprego (BRASIL, 2008), 19,7 mil pessoas comalgum tipo de deficiência foram contratadas emempresas em todo o País no ano de 2007. Número12% superior ao que foi registrado no mesmoperíodo de 2006.

Contudo, essa demanda não se deve apenas àcapacidade para o trabalho das PPDs ou àconscientização das empresas em promover aigualdade de chances para que todos possamdesenvolver seus potenciais. A demanda tambémse deve à obrigatoriedade imposta pela Lei n. 8.213de 1991 (BRASIL, 1991b), conhecida como Leide Cotas, que estabeleceu para empresas privadascom mais de cem funcionários a reserva de vagas,sob pena de multa, sendo:

- de 100 a 200 empregados, 2%;

- de 201 a 500 empregados, 3%;

- de 501 a 1.000, 4%, e

- acima de 1.000 funcionários, 5%. (BRASIL,1991b)

A citada legislação somente passou a ter eficáciaem 1999 com a criação do Decreto n. 3.298(BRASIL, 1999), que a regulamentou.

Segundo Gugel et al. (2001), após apromulgação das citadas legislações, com aconsciência social e com a ação fiscalizadora doMinistério Público do Trabalho – MPT -determinada pela Portaria n. 1.199 de 2003 doMinistério do Trabalho e Emprego, ampliou-se onúmero de empresas dentro da legalidade,mantendo o número de vagas destinadas apessoas com deficiência previsto na lei.

No entanto, os direitos definidos em lei não sãosuficientes. Gugel et al. (2001) apontam como umadas ações fiscalizadoras do MPT a expedição de

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RECRUTAMENTO E SELEÇÃO DO PROFISSIONAL PORTADOR DE DEFICIÊNCIA NAS ORGANIZAÇÕES: INTEGRAÇÃO OU INCLUSÃO?

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ofícios às empresas, requisitando informações(inciso IV, do art. 8º da Lei Complementar n. 75/93) sobre o número atual de empregados edocumentação comprobatória do cumprimento dareserva legal. Após a análise dos documentos, sãoinstaurados inquéritos civis contra as empresas quenão mantêm o número legal de vagas reservadas.

Segundo Rodrigues (2007), as multas pelo nãocumprimento da lei variam entre R$ 1.156,83 a R$1.388,19, no caso das empresas que têm entre 100e 200 empregados e, para aquelas com mais de1.000 empregados, o valor está entre R$ 1.619,00a R$ 1.735,24 por funcionário portador dedeficiência que deveria estar trabalhando naempresa, sendo o valor máximo R$ 115.683,40.

Para algumas empresas, a criação da Lei de Cotascombinada com a fiscalização do MPT tornou-seum problema. Rodrigues (2007) aponta que, no Riode Janeiro, das 60 empresas que se candidataramà obtenção do Selo Balanço Social Ibase/Betinho20072 , 60% foram descartadas por não atenderemo requisito legal que fixa cotas para a contrataçãode PPD.

Dados do Instituto Ester Assumpção – IEA (2006) –mostram que empresas de médio e grande portes,autuadas pelo citado órgão, solicitam assessoria nacontratação de profissionais com deficiência por nãoconhecerem a capacidade de trabalho de uma PPD enão saberem como recrutar e selecionar essas pessoas.

A Pessoa Portadora de Deficiência passou a servista, por algumas empresas, como um objeto queprecisa ser adquirido com rapidez, mesmo que,muitas vezes, a empresa não tenha as competênciasnecessárias para realizar, com o devido cuidado, asua inclusão. A contratação de deficientes tornou-se uma das obrigações perante o Estado, tantoquanto o pagamento de impostos.

Alguns aspectos, tais como: a ausência dequalificação adequada das Pessoas Portadoras deDeficiência, a inexistência de conhecimento sobre acapacidade de trabalho, a falta de comprometimentoda alta administração, as dificuldades de

acessibilidade3 e de adequação das condições detrabalho e o preconceito, também, se tornaram umempecilho. Segundo o estudo realizado por Carreira(1997), muitas empresas deixam de contratar essaspessoas pelo fato de elas não serem habilitadas4

para o trabalho no mercado. Segundo Garçon(2007), metade do um milhão de vagas criadas coma lei permanecem desocupadas por falta decandidatos qualificados.

Outro fato, que também dificulta a contrataçãodessas pessoas, é a garantia de 1 (um) salário mínimode benefício mensal previsto no parágrafo V, doartigo 2º da Lei n. 8.742/93 (BRASIL, 1993).

V - a garantia de 1 (um) salário mínimo debenefício mensal à pessoa portadora de deficiênciae ao idoso que comprovem não possuir meiosde prover a própria manutenção ou de tê-laprovida por sua família. (BRASIL, 1993).

Tal condicionamento legal desestimula, segundoo IEA (2006), o deficiente a trabalhar, pois, apósser contratado por uma empresa, o deficienteperde o benefício e, caso seja demitido, a PPDnão consegue reaver o benefício, ficandodesamparada. Fonseca (2001) aponta que essaforma de assistencialismo acaba por tolher ouretirar o direito de cidadania plena, comoconstituir família e exercitar suas vocações,inibindo o desejo e mesmo a necessidade deentrar no mercado de trabalho.

Por outro lado, algumas empresas se conscientizaramde que há, além da motivação ética e da determinaçãolegal, outros motivos relevantes para adotar umapolítica inclusiva em relação à PPD. O Instituto Ethos(2002) destaca ganhos de imagem, ganhos noambiente de trabalho (reforço do espírito de equipe,ambiente mais humanizado), oportunidade de obterganhos de produtividade com um bom climaorganizacional e a possibilidade de novasoportunidades de negócios gerados por atendimentoa demandas específicas de universos diferentes.

Algumas das vantagens propostas pelo citadoInstituto foram ratificadas por Carvalho-Freitas e

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Marques (2007) que, ao pesquisarem 18 empresasnacionais, que divulgam seu balanço social noInstituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas– IBASE –, verificaram que 90% dos respondentestêm uma percepção positiva dos benefícios dacontratação para a imagem e o clima organizacionalda empresa. Além disso, constataram que 94% dosrespondentes concordaram que o desempenho dasPPDs é similar ao das demais pessoas.

É importante salientar que o simples ato de contrataruma Pessoa Portadora de Deficiência não significadesenvolver uma política inclusiva na organização.Adotar uma política inclusiva é fazer além doesperado, é derrubar barreiras e construir umambiente mais humanizado. Para que se possacompreender amplamente o sentido da inclusão, otópico seguinte irá apresentar e discutir o tema que,posteriormente, será utilizado para análise ediscussão dos resultados.

2 Inclusão ou integração: o que as empresastêm feito?

A inserção da Pessoa Portadora de Deficiênciaem um determinado ambiente, ou determinadaempresa, não significa que ela esteja sendoincluída. A inclusão “[...] é o processo de ummovimento dinâmico e permanente que reconhecea diversidade humana e tem como fundamento aigualdade na participação e na construção doespaço social, compreendida como direito”(KAUCHAKJE, 2000, p. 204). SegundoSassaki (2003), o movimento de inclusão socialcomeçou na segunda metade dos anos 80 nospaíses mais desenvolvidos, com o surgimento daluta pelos direitos das pessoas portadoras dedeficiência e tomou impulso na década de 90,também em países em desenvolvimento, com oobjetivo de construir uma sociedade realmentepara todas as pessoas.

A inclusão social pode ser definida, ainda, como

“[...] o processo pelo qual a sociedade seadapta para poder incluir, em seus sistemas

sociais gerais, pessoas com deficiência e,simultaneamente, estas se preparam paraassumir seus papeis na sociedade. A inclusãosocial constitui, então, um processo bilateralno qual as pessoas, ainda excluídas, e asociedade buscam em parceria equacionarproblemas, decidir sobre soluções e efetivar aequiparação de oportunidades para todos”(SASSAKI, 2003, p.41).

Werneck (1997) completa o pensamento do autorquando afirma que, consciente da diversidadehumana, a sociedade inclusiva estaria estruturadapara atender as necessidades de cada cidadão.Jovens e adultos com deficiência, pessoas idosas egestantes seriam naturalmente incorporados àsociedade, trabalhariam juntas, com papéisdiferenciados, dividindo igual responsabilidade pormudanças desejadas para atingir um bem comum.Entende-se que o processo de inclusão é para todos.A sociedade inclusiva tem compromisso com asminorias e, não apenas, com a PPD.

No mercado de trabalho, a inclusão de PPD, focodeste trabalho, é muito mais que contratar umdeficiente. Implica questionar padrõespreestabelecidos geradores de exclusão e semodificar. Está fortemente relacionado a uma novaforma de se organizar para atender asnecessidades de seus membros, principalmentedo portador de deficiência.

Algumas empresas acreditam, erroneamente, sereminclusivas pelo simples fato de contratar uma PPD.Na realidade, tal ato é denominado integração.Segundo Sassaki (2003), integrar consiste noesforço de inserir na sociedade pessoas comdeficiência que alcançaram um nível de competênciacompatível com os padrões sociais vigentes.

Ao comparar, tem-se que a inclusão seria “[...] umamodificação da sociedade como pré-requisito paraque a pessoa com deficiência possa buscar seudesenvolvimento e exercer a cidadania,[diferentemente da integração que significa]inserção da pessoa deficiente preparada paraconviver na sociedade” (SASSAKI, 2003, p.43).

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RECRUTAMENTO E SELEÇÃO DO PROFISSIONAL PORTADOR DE DEFICIÊNCIA NAS ORGANIZAÇÕES: INTEGRAÇÃO OU INCLUSÃO?

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SOCIEDADE/ ESTRUTURA

ORGANIZACIONAL

INDIVÍDUO

I NCLUIR

I NTEGRAR

Segundo Guimarães (2001), na integração, aadaptação é sempre pontual e não exige umamudança estrutural, trazendo toda carga para a PPD,que passa a ter de se adaptar a uma situação nãomuito bem planejada.

Ao entender os conceitos expostos acima, pode-se perceber que incluir não é simplesmente estarfisicamente presente, ou compartilhar do mesmolocal de uma PPD ou, ainda, tolerar a presençadessas pessoas no local de trabalho. A inclusão nãopermite que somente a PPD se esforce paraingressar na sociedade, mas que as demais pessoasse dediquem para que esse ingresso aconteça,removendo barreiras arquitetônicas e,principalmente, psicológicas.

Mata (2004) destaca que, para a criação de umasociedade inclusiva, seria importante, sobretudo,uma educação voltada para o esclarecimento dadiferença – tanto nas escolas quanto nas empresas– e um preparo do profissional com a qual a PPDirá trabalhar, pois, a partir desse processo educativo,as diferenças serão minimizadas por fazerem partedo espaço social.

É importante destacar que a inclusão é um processogradualmente implementado, não sendo possível suaassimilação instantaneamente, tanto pela sociedadecomo pelas empresas. Entretanto, os benefíciosocasionados pela sua incorporação e aceitação vêmpara todos os membros.

Quando as organizações negam o conceito deinclusão, não acreditando que a Pessoa Portadorade Deficiência possa, de alguma forma, contribuir parao crescimento da organização, elas não se empenhamem compreender as possíveis diferenças notratamento dessas pessoas no processo derecrutamento e seleção. Pretende-se discutir osdiferentes pontos de vista sobre esse processo comobase para a análise dos resultados no tópico seguinte.

3 O Processo de recrutamento e seleção e apessoa portadora de deficiência

As organizações estão sendo levadas a reverpreceitos construídos em um contexto anterior. Talação se deve às pressões externas (competiçãointensificada, exigência do consumidor, expectativados acionistas) e internas (conflitos de poder,introdução da tecnologia da informação, melhoriada formação geral do funcionário) por elas sofridas.A área de Recursos Humanos – RH – é uma dasque tem sofrido com as referidas pressões.

Wood e Picarelli Filho (2004) afirmam que, àmedida que as condições mudam, quer seja de umaorganização para outra, quer seja de um tempo paraoutro, as empresas precisam, também, modificar asformas pelas quais procuram justamente atrair, retere desenvolver seu pessoal. Ulrich (2004) destacaque a obtenção e retenção de talentos são as armasno campo de batalha competitiva.

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As atividades de recrutamento e seleção de pessoaleram, até pouco tempo, tarefas de responsabilidadeexclusiva do RH. Segundo Straliotto (2003), cabiaa essa área buscar no mercado de trabalho osprofissionais mais adequados para as vagas emaberto na empresa. Apesar de simples a um primeiroolhar, os processos de recrutamento eprincipalmente de seleção revelam-se atividadesbastante complexas.

Franco (2002) afirma que o processo derecrutamento e seleção passou a ser estratégicodentro das empresas, deixando de ser uma funçãoexclusiva da área de RH, para abranger as principaisáreas interessadas. Essa mudança ocorreu devidoao fato de que as pessoas têm sido crescentementereconhecidas como diferenciadas e dinâmicas fontesde competitividade dentro das organizações e, paraconseguir atraí-las, é necessário entender que, aocontrário do que sempre aconteceu, elas não estãomais na dependência das decisões empresariais.Estão, no mínimo, no mesmo plano.

No processo de recrutamento e seleção de umaPPD, há uma divergência de opiniões entre um grupode autores, a exemplo de Carreira (1997), quedefendem o pressuposto de que o processo deveser igual ao de uma pessoa considerada normal, eoutro grupo, aqui representados por Nambu (2003)e o de Responsabilidade Social Empresarial (2002),que defendem que deve haver uma adaptação tantono processo como na organização, atendendo,assim, o paradigma da inclusão.

O primeiro passo, quando uma empresa desejarecrutar e selecionar pessoas – principalmentequando essas pessoas são portadores de deficiência–, é analisar e prever alguns fatores como quantaspessoas devem ser contratadas, quais habilidadesnecessárias, como e quando devem ser recrutadas,decidir a natureza das vagas e as qualificaçõesnecessárias para preenchê-las. Esse planejamentodo emprego ajudará a identificar o número e o tipode trabalhadores que serão necessários.

Segundo Carreira (1997), um dos autores quedefendem um processo único, além da analise eprevisão de fatores citados, para que se possa

contratar uma PPD, é necessário considerar osistema de saúde, de educação, de transporte etecnológico, pois são fatores que interferem commaior ou menor intensidade na colocação dessaspessoas no mercado e que não são responsabilidadeexclusiva da empresa.

Mattos1 , apud Garçon (2007), reafirma opensamento de Carreira (1997) ao dizer que nãobasta incluir o deficiente, como exige a legislação.Essas pessoas precisam de educação, capacitação,transporte, infra-estrutura para circular eatendimento médico especializado, o que não é tarefaúnica da empresa privada, mas, também,responsabilidade do governo.

Carreira (1997) aponta ainda que, assim como emqualquer outro processo de R&S, a descriçãoespecifica do cargo pode influenciar a contrataçãode uma pessoa. Na visão do autor, se o recrutadornão conhecer o perfil do cargo nem a formaçãoprofissional do candidato portador de deficiência,poderá cometer erros na admissão desseprofissional, alocando-o em funções que o tornemincapaz de realizar o trabalho.

Um outro fator que influencia o processo de R&Sda PPD e que deve ser discutido antes que ele seinicie, é a estrutura física da empresa. Segundo aNorma Brasileira 9050 (ABNT, 2004), para quehaja inclusão, é necessária a adaptação do local detrabalho, permitindo a acessibilidade e confortodessas pessoas.

A adaptação do local de trabalho não deve sersomente da estrutura física da empresa. A empresadeve sensibilizar seus funcionários, procurandoestabelecer uma integração por meio de conversasem grupo, palestras e depoimentos de pessoas quetrabalham com portadores de deficiência e da própriaPPD. Essa atitude irá estimular o respeito à diferença,esclarecer as dúvidas quanto ao tratamento da PPDe ajudar no processo de inclusão.

Após adaptar a empresa aos novos funcionários, énecessário discutir o processo de recrutamento eseleção em si. Segundo Carreira (1997), um dosproblemas no recrutamento da PPD é a dificuldade

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de encontrar essas pessoas habilitadas no mercadode trabalho. Comparando a dificuldade de acharuma pessoa não-deficiênte para um determinadocargo e uma PPD para o mesmo cargo, a última éimensamente maior. Isso ocorre porque osempresários e, principalmente, os administradoresde RH não sabem onde e nem como encontrá-las.

Rodrigues (2007) afirma que os departamentos de RHnão estão preparados para a questão e, além da faltade preparo, há também a questão do preconceito, ouseja, a idéia de que o portador de deficiência nãoconseguirá realizar as tarefas a ele delegadas.

Silva2 , apud Garçon (2007), acredita que uma boaforma de contornar as dificuldades que envolvem orecrutamento e seleção de PPDs é contratardeficientes para trabalhar nos programas dediversidade e recrutamento de deficientes, poisquem vive o problema sabe onde buscarprofissionais e as dificuldades que serão enfrentadas.

Para que um processo de recrutamento seja eficaz,Araújo (2006) destaca que o recrutamento deveser um processo de comunicação bilateral.Considera-se que os candidatos desejaminformações precisas sobre como será trabalhar naempresa e, por outro lado, a empresa precisa saberque tipo de empregado será o candidato, caso sejacontratado. No caso da PPD, a comunicaçãobilateral é extremamente importante, pois é por meiodela que o portador de deficiência se sentirá seguropara aceitar as funções a ele oferecidas.

Carreira (1997) afirma que, apesar de haver ummaior número de fatores que influenciam acontratação de uma PPD, o processo derecrutamento deve ser o mesmo adotado para aspessoas não-portadoras de deficiência, pois aeficiência do processo vai depender da seleção deveículos adequados de comunicação para divulgaçãopor parte das empresas. Segundo o autor, não éobrigação da empresa procurar as PPDs pararecrutar, mas, sim, as PPDs procurarem a empresaque está oferecendo a vaga à semelhança daspessoas não-portadoras de deficiência.

O ponto de vista de Carreira (1997) é legítimo, masinsuficiente para desenvolver a atuação socialmente

responsável das empresas, pois, se ela reconhece anecessidade de um espaço de trabalho cada vezmais inclusivo, passa a ser obrigação a adoção deprocedimentos e apoios especiais para aconcretização do ato. Além disso, algumas dastécnicas utilizadas para recrutar pessoas normais,como anúncios em jornais, podem ser ineficazes nocaso da PPD. Ao contrário do que pensa Carreira(1997) sobre o processo de recrutamento, o númerode deficientes que entra em contato com asempresas é mínimo (IEA, 2006).

Segundo o Instituto Ethos (2002), uma das técnicasde recrutamento muito utilizada por empresas quedesejam contratar Pessoas Portadoras deDeficiência é a terceirização do serviço. Algumasorganizações e entidades fornecem consultoriaauxiliando e orientando as empresas no processode recrutamento e seleção. Na maioria dos casos,essas entidades são o primeiro ponto de contatodessas pessoas com o mercado de trabalho.

Além disso, Nambu (2003) ressalta que asorganizações que desejam recrutar uma PPD, porsi próprias, têm que buscá-las em instituições comoSistema Nacional de Emprego – SINE –,Organizações não Governamentais – ONGs –, sites,agências de emprego e núcleos regionais deinformações sobre deficiência do Sistema Nacionalde Informações sobre Deficiência.

No processo de seleção de uma Pessoa Portadorade Deficiência, assim como em um processo deseleção de uma pessoa normal, é necessária umaanálise satisfatória dos cargos para os quais aempresa pretende contratar, pois é por meio delaque se fará possível a alocação correta da PPD.Carreira (1997) afirma que, com o conhecimentodo cargo/função, o administrador de RH poderiaincluir, no perfil de cada cargo da empresa em queatua, uma descrição de função que permitisse aatuação da PPD ressaltando aqueles cargos queimpõem restrições ao trabalho de determinadasdeficiências.

Um bom exemplo dessa técnica é o de Ford (1926)que, após estudar as diversas funções que havia emsua fábrica, segundo a espécie de máquina e do

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trabalho, classificou 9.882 espécies distintas deoperações. Por meio desse estudo, Ford conseguiuadaptar em sua fábrica 9.563 homens em condiçõesfísicas abaixo do normal, entre mutilados, cegos,surdos-mudos, epiléticos.

“Os trabalhos mais fáceis foram por sua vezclassificados, a fim de verificarmos quaisexigiam o uso completo das faculdades;comprovou-se que 670 podiam ser feitos porhomens privados das duas pernas; 2.637 porhomens de uma só perna; em 2 prescindiam-se os dois braços; em 715 casos, de um braço;e em 10 casos, a operação podia ser feita porcegos. Das 7.882 espécies de trabalho,portanto, embora algumas exigissem forçacorporal, 4.034 não exigiam o uso completodas faculdades físicas. Isto quer dizer que umaindústria aperfeiçoada pode proporcionartrabalho, normalmente remunerado, ao grandenúmero de criaturas de validez abaixo damédia” (FORD, 1926, p. 103;104).

A atitude de Ford, há 80 anos, demonstra que asempresas não utilizam o potencial das pessoasintegralmente, mas parte dele. Sendo assim, ter umaclassificação satisfatória dos cargos/funções daempresa ajudaria a incluir PPDs. Um outro pontoque pode ser observado e de fundamentalimportância no processo, é o apoio e o desejo daalta administração em contratar PPD.

Sobre as técnicas de seleção, Carreira (1997) afirmaque, assim como em uma entrevista com uma pessoanormal, a entrevista com a PPD deve focar o queela tem a oferecer para a empresa. O entrevistadornão deve destacar a deficiência e nem as dificuldadesque possa ter em razão dela, mas, sim, a capacidadepara o trabalho que a Pessoa Portadora deDeficiência tem para oferecer.

Para o autor, a pessoa com deficiência deve seapresentar como uma PPD com capacidade para otrabalho em virtude de um treinamento especializado,respeitadas as limitações físicas, visuais, auditivas,mentais ou múltiplas, com isso passando umamensagem ao entrevistador de que pode realizar umtrabalho no nível da pessoa não-portadora dedeficiência, desde que respeitadas as suas limitações.

Na contramão desse discurso, Nambu (2003)acredita que o processo deve acontecer de formasimilar ao realizado com pessoas não deficientes,mas não igual. O IEA (2006) completa a visão daautora, ao sinalizar que o processo não deveacontecer em espaços exclusivos ou segregados.

Nambu (2003) destaca que o bom senso é aferramenta principal para agir, adequadamente, naescolha e aplicação de testes como o testepsicológico. A autora explica que, para pessoascom paralisia cerebral que apresentam dificuldadesno controle dos movimentos, a utilização de testesde personalidade que avaliam o traço gráfico docandidato não será o mais indicado. No caso docandidato surdo, é muito importante a forma comose apresentam as instruções para a realização deum teste. Para deficientes visuais, a entrevista seráo instrumento mais adequado ou o TestePsicodiagnóstico Miocinético – PMK 3 - queapresenta adaptação para deficientes visuais.

Em entrevistas de seleção, dinâmicas e formuláriospara preenchimento, Nambu (2003) afirma que émuito importante que a empresa ressalte ascompetências, habilidades e atitudes do candidatoe não o discrimine por ser um deficiente. Deve-seabordar, sim, a questão da deficiência, mas comnaturalidade, de modo a esclarecer as possíveisdificuldades no desempenho da função e ajudar naadaptação da pessoa no ambiente de trabalho.

Após discorrer sobre o processo de recrutamentoe seleção e suas possíveis adaptações para ainclusão no mercado de trabalho da PessoaPortadora de Deficiência, faz-se necessário seremesclarecidos os procedimentos utilizados nestapesquisa.

3.1 Procedimentos metodológicos

A pesquisa teve por objetivo discutir a forma comoa organização percebe a PPD, privilegiando a análisedo processo de Recrutamento e Seleção, focandoas mudanças nas práticas organizacionaisnecessárias à incorporação dessas pessoas.

Para a realização do estudo, optou-se por uma

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pesquisa qualitativa exploratória utilizada quando hápoucos estudos e conceitos sobre determinadoassunto e quando não há métodos de coleta dedados previamente definidos. Essa abordagem nãoprioriza o número de pessoas pesquisadas, mas asdiferentes representações sobre o assunto. Dentrodo tipo de pesquisa exploratória, utilizou-se o estudode caso que, segundo Eisenhardt (1989), é umaestratégia de pesquisa que enfoca a compreensãode dinâmicas presentes dentro de um quadrosimples, podendo ser usado para satisfazer váriasmetas tais como fornecer descrição, teoria de testeou gerar teorias.

O estudo foi realizado na empresa Alfa, assimdenominada para assegurar o anonimato, quepassou pelo processo de recrutamento e seleçãoda Pessoa Portadora de Deficiência, sendo, duranteo processo, assessorada pelo Programa Mercadode Trabalho Inclusivo – PROMETI –, da PrefeituraMunicipal de Belo Horizonte. A organizaçãopesquisada foi escolhida de forma intencional e combase na aceitação em participar da pesquisa.

Como estratégia de coleta de dados, foramrealizadas entrevistas semi-estruturadas com seterespondentes, sendo: (A) dois deficientescontratados; (B) um Gerente/Diretor de RH; (C)um responsável pelo Recrutamento e Seleção daPPD/ Gerente Imediato e (D) dois colegas detrabalho do portador de deficiência, ou seja, atoresorganizacionais que participaram do processo derecrutamento e seleção ou foram por ele afetados.

Nas entrevistas, foram levados em consideração osseguintes tópicos:

- sentido e objetivo do processo de recrutamentoe seleção da PPD;

- preparação, adaptação e mudanças necessárias;

- processo de recrutamento e seleção;

- impactos da contratação;

- avaliação do processo de recrutamento e seleção.

As entrevistas tiveram níveis diferenciados deaprofundamento, em função do maior ou menor

envolvimento direto do entrevistado na questão doR&S da Pessoa Portadora de Deficiência.

Para complementar as informações obtidas nasentrevistas, utilizaram-se documentos fornecidos pelaempresa e site institucional, o que possibilitou analisaro fenômeno de uma perspectiva comparativa,identificando pontos em comum e divergentes.

O método escolhido para tratamento dos dados foia análise do discurso, que tem a intenção não só deapreender a mensagem, como também explorar oseu sentido e seus significados.

A empresa escolhida é uma entidade sem finslucrativos, que se dedica à instituição e manutençãode planos privados de previdência complementar,à promoção do bem-estar social de seusparticipantes e à concessão de benefíciosprevidenciais aos seus participantes e gruposfamiliares vinculados às patrocinadoras.

A empresa Alfa tem 25 anos de mercado e contaem seu quadro de pessoal com aproximadamente130 pessoas, dentre elas, dois portadores dedeficiência mental, que trabalham na empresa háquatro anos, desde o início do projeto decontratação de Pessoas Portadoras de Deficiência.

A empresa considera como valor essencial ocomportamento ético e o respeito no trato dasrelações. Esses devem constituir ponto de honra doambiente interno da empresa e padrão para orelacionamento com o seu público externo.

Em seu Código de Conduta e Ética, a empresa propõerespeitar o ser humano e suas característicasindividuais; desenvolver, no ambiente de trabalho, umrelacionamento de qualidade entre todos osintegrantes do quadro funcional; manter uma condutade total imparcialidade nos relacionamentos com asua equipe de trabalho e veta qualquer tipo dehumilhação, perseguição ou assédio moral, entendidocomo ato de desqualificar repetidamente, por meiode palavras, gestos ou atitudes, a auto-estima, asegurança ou a imagem de qualquer integrante doquadro funcional em função do vínculo hierárquico.

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3.2 Apresentação dos dados coletados

No que diz respeito ao sentido e objetivo doprocesso de recrutamento e seleção da PPD, aempresa declarou contratar pessoas portadoras dedeficiência desde 2003, única e exclusivamente pelasexigências da Lei de Cotas (Lei n. 8.213/91) e suaregulamentação pelo Decreto n. 3.298/99, queconcedeu ao Ministério Público do Trabalho odireito de fiscalizar e multar empresas que nãocumprem a lei.

A diretora da área de RH declarou que, no início, aempresa tentou realizar o processo por si mesma,mas não conseguiu, pois ela não detinhaconhecimento suficiente sobre essa mão-de-obra,as pessoas que trabalhavam na empresa nãoestavam acostumadas ao diferente e osprofissionais da área de RH não estavam preparadospara recrutar e selecionar essas pessoas. Essasquestões levaram a empresa a solicitar uma ajudaespecializada. A empresa decidiu procurar órgãosespecializados como a Coordenadoria de Apoio eAssistência à Pessoa Deficiente – CAADE. OCAADE encaminhou a empresa ao ProgramaMercado de Trabalho Inclusivo – PROMETI – daPrefeitura Municipal de Belo Horizonte, programaespecializado em assessorar as empresas nacontratação de pessoas portadoras de deficiência.Os dois portadores de deficiência confirmaram ocontato com a empresa por meio do PROMETI.

Segundo a responsável pelo processo derecrutamento e seleção da PPD, a decisão decontratar portadores de deficiência da categoriamental partiu da própria empresa. Primeiramente,devido à experiência prévia de alguns funcionáriosque lidavam com esse tipo de deficiência dentro decasa e já sabiam como tratá-los. Segundo, pelapouca oportunidade que os mesmos têm nomercado de trabalho. E, por último, pela facilidadee comodidade, já que a empresa não necessitariade adaptações em sua estrutura física.

Os dois deficientes contratados trabalhamrealizando serviços operacionais como carregargarrafas de café e papéis de um setor ao outro em

25 setores, passar fax, realizar serviços dereprografia e outros referentes à área administrativa.Segundo a responsável pelo recrutamento e seleçãoda PPD, a colocação dos portadores de deficiêncianessa atividade se deu devido ao baixo grau deescolaridade e pelo fato de a deficiência ser mental.

Quanto à preparação, adaptação e mudançasnecessárias, surgiram as primeiras contradições nasrespostas dos entrevistados. De acordo com adiretora de RH, não foram necessárias adaptaçõesna estrutura física da empresa como reformas debanheiros, corredores, rampas e outros, mas foramrealizadas palestras para o esclarecimento dedúvidas quanto ao tratamento, à convivência e paraesclarecer os aspectos legais e, principalmente, paraacalmar as pessoas. A responsável pelo processode recrutamento e seleção confirmou a necessidadede realização de palestras educativas antes que osdeficientes fossem contratados, pois o clima estavatenso, os funcionários não entendiam a decisão daempresa de contratar pessoas portadoras dedeficiência, havia o medo pelo fato de não saberemcomo lidar, mas também havia a vontade deconhecer e interagir.

O interessante foi que os dois colegas de trabalhodos portadores de deficiência, com mais de quatroanos de empresa, não se lembravam de palestrassobre o assunto, nem de nenhum comunicado sobrea contratação de pessoas portadoras de deficiência.

Em relação às características necessárias parapreencher o cargo, segundo a responsável peloprocesso de recrutamento e seleção, foramelaboradas para pessoas portadoras de deficiência,ou seja, quando a empresa decidiu contratar umaPPD, ela não considerou as vagas em aberto naempresa, criou cargos específicos para deficientesde acordo com as competências que eles tinham.

Ao indagar se a pessoa que seria o gerente imediatodos deficientes participou do processo derecrutamento e seleção, a responsável peloprocesso respondeu que sim, que ela era a gerenteimediata dos deficientes, que eles trabalhavamdiretamente com ela, na área de RH, na mesma sala,dividindo o mesmo espaço, apesar de realizarem

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atividades operacionais, características da área deServiços Gerais da empresa.

No tópico Processo de Recrutamento e Seleçãoda empresa ALFA, faz-se necessário esclarecer que,quando se trata de pessoas normais, o processode recrutamento e seleção é todo realizadoexternamente. Somente no caso de cargos de altonível a seleção é realizada pela empresa por meiode uma entrevista técnica.

No caso dos dois portadores de deficiênciacontratados, a diretora de RH e a responsável peloprocesso de recrutamento e seleção afirmaram queo recrutamento foi todo realizado pelo PROMETI,sem a menor intervenção da empresa. A únicaexigência foi que os encaminhados deveriam serdeficientes da categoria mental, para os quais oscargos foram descritos.

Em um primeiro momento, o PROMETI analisou afunção que a empresa estava oferecendo, ascondições do local de trabalho e as tarefas a seremexercidas, ou seja, o PROMETI fez um diagnósticofuncional do local de trabalho. Posteriormente,selecionou, em seu banco de dados, dez candidatosque se encaixariam no perfil desejado para acontratação e os enviou para a empresa.

A empresa ALFA recebeu os dez portadores dedeficiência mental e, somente a partir daí, iniciousua participação no processo de recrutamento eseleção. O primeiro passo foi entrar em contatocom as famílias dos deficientes para conhecer aestrutura familiar, saber qual a relação do deficienteem casa e por que a família desejava que odeficiente trabalhasse.

Após entender as questões citadas, a empresainiciou seu processo de seleção convocando a PPDpara uma entrevista e, no caso em questão, tambéma família. A entrevista foi feita, principalmente, paraesclarecer pontos sobre a deficiência como, porexemplo, como foi o desenvolvimento do deficientena infância e adolescência, o nível dedesenvolvimento e maturidade em que o deficientese encontra, se o deficiente seria capaz de conviverem um ambiente sem a família, se ele seria capaz de

andar sozinho pela cidade e a questão daescolaridade entre outros.

Após as entrevistas, foram realizados alguns testes,não muito comuns em uma seleção, como jogo damemória, leitura (para testar a dicção) e redação(para ver se eles conseguiam interpretar o que estavasendo pedido). Esses testes não tiveram a intensãode medir o Quociente de Inteligência – QI - dosportadores de deficiência; foram escolhidos pelo fatode a função a ser exercida exigir que elesmemorizem siglas, ramais e nomes dentre outros.

A responsável pelo recrutamento e seleção declarouque os dois portadores de deficiência que a empresatem hoje se destacaram entre todos os outros, poishavia deficientes que não conseguiam nem falardireito, não tinham atitudes maduras e as famílias ostratavam como bebês.

O processo de recrutamento e seleção dosportadores de deficiência foi realizado por umpsicólogo e dois auxiliares estudantes de psicologia,sendo esses os mesmos profissionais que realizamo processo em pessoas consideradas normais,quando é realizado na empresa.

Os portadores de deficiência não puderam confirmaras informações sobre o processo de recrutamentoe seleção, por não se lembrarem ou não estaremaptos a responder as perguntas em função dodistúrbio mental. Quando foram indagados sobrecomo foi o processo de seleção, não se lembravam.Só se recordavam de uma entrevista com eles ecom a família. Em relação ao sentimento de inibiçãoou desrespeito durante o processo, se houvedificuldades no acesso à empresa, como foramrecebidos e se tinham preferências por alguma área,não conseguiram responder de forma crítica. Os doisdeficientes se sentiam demasiadamente amados efelizes por estarem trabalhando.

A inserção dos portadores de deficiente naorganização se deu da seguinte forma: no primeiromês, os dois foram apresentados a todas as áreasda empresa, e a família permaneceu dentro daempresa até que os dois tivessem segurança paralá permanecer sozinhos e a empresa tivesse

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segurança para geri-los sozinha. O PROMETItambém foi contatado algumas vezes,principalmente quando surgiam algumasdificuldades em relação ao tratamento dessaspessoas. Posteriormente, os portadores dedeficiência tiveram que se posicionar comoqualquer outro funcionário da empresa, assumindoseus deveres e obrigações. Mas a famíliapermanece como aliada da empresa e, sempre quehá algum problema com eles, a empresa entra emcontato, primeiramente, com os familiares.

Em relação aos impactos da contratação dasPPD, a diretora de RH afirmou que não houverejeição dos funcionários em relação aosportadores de deficiência, mas vontade deconhecer os novos integrantes e com eles conviver.Entretanto, ao longo da entrevista, pôde-seperceber no discurso da dirigente que, infelizmente,algumas pessoas preferiram não se envolver e nemtrabalhar com as PPDs, ou seja, não houve rejeiçãoexplicita, mas também não houve aceitação porparte de alguns funcionários.

Quando indagados sobre a convivência com asPPDs, os colegas de trabalho expressaram muitocarinho, e um deles disse ver os dois como filhos efazer tudo que pode para ajudá-los. Os portadoresde deficiência confirmaram essa relação de afeto,carinho e respeito com os colegas de trabalho.Pôde-se perceber, na fala dos dois portadores dedeficiência, que eles se sentem muito amados naempresa. Um deles chegou a chorar durante aentrevista ao falar do carinho e consideração queos funcionários da empresa têm com ele.

A diretora de RH sinalizou que houve uma mudançasignificativa no ambiente de trabalho após acontratação das PPDs. Todos estão mais alegres eprestativos. Segundo a diretora, os meninos sãomuito alegres, ingênuos e comprometidos e passamisso para as pessoas que trabalham com eles.Conhecem a todos dentro da empresa e sãoconvidados para todos os eventos e até o presidenteda empresa os visita. Eles ligam para o presidente,conversam com ele e marcam horário para seremrecebidos. Esse aspecto foi confirmado pelos

colegas de trabalho dos portadores de deficiênciaque consideraram que, após a entrada dos meninosna empresa, as pessoas ficaram mais tolerantes ealegres, pois os dois descontraem o ambiente.

Dentre os impactos da contratação da PPD para aempresa, um outro aspecto analisado buscouesclarecer se a função exercida pelo portador dedeficiência havia mudado com o tempo. A diretorade RH afirmou que a função de um deles havia semodificado, mas pelo fato de o portador dedeficiência não conseguir realizar a atividade. Esseponto foi confirmado pelo portador de deficiência.Segundo ele, quando entrou para a empresa, tinhaque levar garrafas de café de um andar para o outro,mas não conseguia devido a um problema motor.Ele se desequilibrava e as garrafas caíam. Ele disseque se sentia mal por não conseguir e, então, solicitouque à gerente deixasse de exercer aquela função.Essa passagem ilustra como a empresa mudou asatribuições do cargo, adaptando-as àscompetências do indivíduo.

Quanto à avaliação do processo de recrutamentoe seleção, a maior dificuldade no processo foi afalta de conhecimento de onde encontrar a PPDdecorrente da falta de informação e preparo dosprofissionais da área de RH para lidar com a questãoda inclusão. Segundo a responsável pelo processode recrutamento e seleção, não existia, na épocada contratação, essa quantidade de empresasespecializadas que se tem hoje. O assunto começoua ser mais divulgado, as pessoas estão maisinteressadas e, hoje, a própria empresa ALFA estáajudando outras empresas nessa tarefa.

Em relação aos custos adicionais no processo derecrutamento e seleção de PPD, a diretora de RH ea responsável pelo processo de recrutamento eseleção afirmaram que não há nenhum dispêndio amais quando comparado ao processo de uma pessoanormal. Não foi necessário reestruturar a organizaçãofisicamente e o PROMETI não cobrou pelos serviçosprestados. O único gasto a mais foi de tempo, poisos profissionais da área não tinham conhecimentosuficiente sobre o assunto e tiveram que pesquisar eestudar como seria realizado o processo.

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Um outro aspecto relacionado ao processo decontratação de uma PPD foi determinar se o critérioque prevalece como solução na resolução deproblemas seria a questão social (tentar ajudar aPPD) ou a eficiência da empresa. A resposta dadiretora de RH foi conflitante. Ela afirmou queprevalece a eficiência da empresa, mas que não sedescarta a questão social. Segundo ela, a empresasempre tenta ajudar a PPD, entra em contato com afamília, encaminha para tratamentos e nunca pensaem mandá-los embora. O fato de não pensar emmandá-los embora não significa que a empresa estejapensando na questão social, mas, sim, na dificuldadede conseguir outras PPD, com a habilidade que osdois têm, no mercado de trabalho, e pelo fato de queas pessoas já se acostumaram com os dois portadoresde deficiência e fica difícil demiti-los.

Quanto às expectativas em relação à PPD, os doiscolegas de trabalho se mostraram surpresos com acapacidade demonstrada pelos portadores dedeficiência. Eles estavam além do esperado. Umdos colegas chegou a dizer que não sabia que elesconseguiam trabalhar e que eram tão inteligentes ecapazes. A responsável pelo processo derecrutamento e seleção/gerente imediata dosportadores de deficiência também se mostrousatisfeita com o desempenho deles. Em nenhummomento, entretanto, foi mencionado o desejo decontratar mais PPDs para a empresa.

4 Análise dos resultados

A empresa ALFA, ao declarar que somentecontratou pessoas portadoras de deficiência devidoàs exigências da Lei de Cotas, permite abrir oquestionamento sobre os reais motivos que levam àcontratação da PPD, sendo o principal aobrigatoriedade da lei.

No primeiro momento, ficou claro que não houve odesejo de promover a igualdade de oportunidadespara que todos desenvolvessem seu potencial, comoé proposto pelo governo e pelo princípio da sociedadeinclusiva (SASSAKI, 2003). A empresa buscou,única e exclusivamente, resolver seu problema.

A empresa estava sendo pressionada pelo MinistérioPúblico do Trabalho e precisava, com urgência,adquirir profissionais com algum tipo de deficiência.Para isso, contratou uma entidade especializada noassunto e solicitou a ela que recrutasse deficientesda categoria mental. Ao observar os motivos daescolha por portadores de deficiência dessacategoria, pôde-se confirmar o desejo de somentesolucionar um problema.

No entanto, a assessoria do PROMETI ocorreunão somente para realizar o processo derecrutamento, mas para preparar a empresa parareceber os novos funcionários, possibilitando acompreensão da contratação como uma ação quesuperasse as imposições meramente legais.

Tal fato levou a empresa a um segundo momento,quando houve o entendimento dos princípios dainclusão, principalmente por parte da área de RH,ficando mais fácil lidar com a pessoa portadora dedeficiência e reconhecê-la como uma pessoa capaz.O processo de inclusão foi iniciado e começou, aospoucos, a ser absorvido pelos membros da empresa(SASSAKI, 2003; MATA, 2004; WERNEK, 1997).

Nessa fase, o apoio do presidente da empresa foide fundamental importância para que os funcionáriosse envolvessem no processo, pois, ao construir umapolítica inclusiva e traçar uma estratégia empresariallevando em conta esses valores, fez com que aspessoas aceitassem o processo com mais facilidade.

A primeira atitude em prol do processo inclusivo foipreparar psicologicamente a empresa para oprocesso de recrutamento e seleção, já quefisicamente não seriam necessárias mudanças. Esseato foi um elemento facilitador para orelacionamento, diminuindo o impacto e adiscriminação. Entretanto, houve uma contradiçãoentre o discurso da diretora de RH e o dosfuncionários, o que colocou em dúvida a formacomo se deu a implementação da política deinclusão na empresa. A não confirmação dosfuncionários pode estar sinalizando que a estratégiade implementação não foi tão bem elaborada e, poresse motivo, a empresa ainda conta com pessoasque preferem não se envolver com os deficientes.

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Um segundo ponto analisado para inserção da PPDde forma inclusiva na empresa diz respeito àdescrição do cargo e elaboração das funções, fatorconsiderado de grande importância no processo derecrutamento e seleção (CARREIRA, 1997), noqual foram obtidos entendimentos diferenciados.

Se se levar em consideração o paradigma da inclusãodiscutido por Sassaki (2003), a empresa questionouseus padrões preestabelecidos e se modificou paraatender as necessidades das PPDs que viriam a fazerparte de seu quadro funcional. A empresa criou cargosespecíficos, adequando as competências do portadorde deficiência às competências necessárias aocumprimento da função.

Se se pensar por outro lado, o não aproveitamentodas vagas existentes na empresa para a contrataçãode uma PPD, preferindo criar cargos específicos paraelas, poderia ser percebida como uma forma dediscriminação, preconceito, falta de confiança noserviço prestado por essas pessoas, ou seja, significariaque a empresa não acredita que o deficiente será capazde exercer uma determinada função, não crê que umapessoa com deficiência tenha as competênciasnecessárias pelo simples fato de ser deficiente.

Portanto, adequar o cargo às competências dofuncionário é uma atitude bastante inclusiva, quedeveria ser praticada pelas empresas não só comPPD, mas com os demais funcionários,principalmente, quando o cargo criado é um estágiopara que pessoa aprenda uma função e assimile acultura organizacional. Esse tipo de atitude leva àhumanização da empresa. As pessoas são ouvidas,entendidas e estimuladas. A capacidade de agir ede aprender está em destaque e gerir e aplicar ascompetências de cada indivíduo é o que sustentaráa competitividade organizacional.

Em contrapartida, se o cargo criado é um fim em simesmo e o deficiente não tem possibilidade decrescimento dentro da empresa, pode-se considerarque a empresa está tendo uma atitude segregativa,ou seja, a empresa coloca o deficiente em umaredoma e impede que ele interaja de formaconstrutiva com o restante da empresa e que elecresça profissionalmente.

Quando se fala do processo de recrutamento emsi, o questionamento é em relação a ele ter sidototalmente realizado pelo PROMETI. Essa atitudeda empresa confirma a proposição de que asempresas ainda não estão preparadas para questãoda inclusão (CARREIRA, 1997; RODRIGUES,2007), e que é imensamente mais difícil encontrarpessoas portadoras de deficiência que se enquadremao perfil desejado (CARREIRA, 1997) do queencontrar pessoas normais para o mesmo cargo.Ocorre que o mercado de trabalho está cada vezmais exigente, e preencher as vagas com pessoasnormais já é difícil, com o déficit de qualificaçãodos deficientes, essa dificuldade aumenta.

Na etapa da seleção, o fato de a empresa utilizar-se de testes e entrevistas diferenciadas nãocaracteriza uma forma de segregação. A empresasomente realiza a seleção de cargos de nível alto,sendo o processo realizado externamente. Sendoassim, não se pode dizer que o processo de seleçãoseja diferente do de uma pessoa não deficiente. Oque se observou foi uma flexibilização e adaptaçãodo processo para que o deficiente pudesse sercontratado em uma função que ele tivesse condiçõesde desempenhar, ou seja, quando o processo deseleção consegue, por meio de seus testes, avaliarse o deficiente tem as competências necessáriaspara desenvolver uma determinada função, mesmoque esse teste seja diferente dos testesconvencionais, esse processo será inclusivo.

Um outro fator que demonstra que a empresa tempráticas inclusivas é a utilização dos mesmosprofissionais no processo de seleção das pessoasportadoras de deficiência e das pessoas não deficientes.

Quanto à adaptação dos profissionais portadoresde deficiência na empresa, o fato de os doiscontratados serem da categoria mental, tornou oprocesso mais complexo do que seria comdeficientes de outras categorias como a física e/ousensorial. Com esse tipo de deficiente, a família setorna imprescindível para que o processo obtenhaêxito. É ela que mostrará ao deficiente que oambiente é seguro e, de certa forma, ensinará aempresa como tratá-los.

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Entendeu-se que, apesar de a família não estar maisna empresa, ela ainda está em estágio de adaptação,pois os deficientes foram cadastrados comomembros do RH mesmo tendo funçõescaracterísticas da área de Serviços Gerais. Tal fatodemonstra que a empresa ainda não aprendeu alidar com os deficientes e que colocá-los no RH éuma forma de protegê-los dos olharesdiscriminatórios e, ao mesmo tempo, uma forma devigiá-los pelo medo que outras áreas não dêem contade geri-los.

Em relação aos impactos da contratação das PPDs,fica claro que o processo de inclusão ainda está noinício na empresa ALFA. A indiferença e rejeiçãode alguns funcionários e os motivos que levaram acontratar deficientes da categoria mental, como anão reestruturação física da empresa, demonstramque a organização ainda está em processo deassimilação do que é ser uma empresa inclusiva. Asadaptações realizadas ainda são pontuais e nãohouve uma mudança significativa nas políticas deRH da empresa. Os colegas de trabalho dosportadores de deficiência ainda os tratam comocoitados e, não, como pessoas capazes de cumpriruma função. Em contrapartida, a diretora de RHafirma que já é possível observar uma mudançasignificativa, para melhor, no ambiente de trabalhoapós a contratação das PPDs, confirmando opressuposto de que uma empresa boa paratrabalhadores com deficiência será boa para todosos trabalhadores (INSTITUTO ETHOS, 2002).

Quanto à avaliação do processo de recrutamento eseleção, foram considerados três pontos. Primeiro,a empresa entendeu ser sua maior dificuldade a faltade conhecimento de onde encontrar a PPD, ou seja,apesar dos diversos problemas considerados nestetrabalho (CARREIRA, 1997; IEA, 2006;GARÇON, 2007) como o preconceito, a falta dePPD qualificada, a garantia de um salário dentreoutros, acredita-se que a falta de informação aindaé um grande empecilho para as organizações.

Segundo, a empresa considerou não haver custosadicionais no processo de recrutamento e seleçãoda PPD, o que pode ser explicado pela categoria

da deficiência ser mental e pelo fato de a empresaagir pontualmente. E o último diz respeito aosproblemas advindos da contratação de uma PPD.A empresa afirmou prevalecer a sua eficiência, masficou claro que há uma preocupação com odeficiente, não tão pela questão social, mas peladificuldade de encontrar PPD com o perfil desejadopela empresa no mercado. Essa questão pode serconsiderada polêmica, pois, se não existisse aobrigação prevista em lei, provavelmente essaempresa não se preocuparia com o deficiente e nemem mantê-lo na organização. Simplesmente odemitiria e não contrataria outro.

Por fim, observou-se que, apesar de a empresacumprir a Lei das Cotas, contratando exatamenteos 2% previstos no Decreto n. 8.213, e declararque hoje ajuda outras empresas na contratação dePPD, ela não tem a pretensão de contratar outrosportadores de deficiência, ou seja, ainda nãoconseguiu incorporar às políticas organizacionais aquestão da inclusão, de forma a concebê-la comoum valor institucional.

5 Conclusão

Faz-se necessário ressaltar a importância daelaboração deste estudo já que pesquisas científicascom essa temática encontram-se, ainda, em faseincipiente, principalmente na literatura brasileira, oque pode ser notado pela escassez de publicaçõesem periódicos e congressos em administração.

Para realizar algumas considerações, é necessárioretomar algumas questões como o objetivo destetrabalho que foi discutir como a empresa realiza oprocesso de recrutamento e seleção da PPD parainclusão no mercado de trabalho. A pesquisapermitiu constatar que não há um modelo paracontratar PPD e que o ponto principal é não serestringir a ações pontuais de correção paraadaptação do processo.

É provável que, em muitos casos, a empresa tenhaque criar cargos específicos da mesma forma queadapta sua estrutura física e administrativa. Adiferença entre a mera integração e a desejável

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inclusão passa pelas mudanças de mentalidade comimpactos na cultura organizacional e nos sistemas eprocessos administrativos de forma que qualquerindivíduo possa manifestar e desenvolver suascompetências, motivo principal da vida humana.Constatou-se, também, que a empresa emquestão apresentou um discurso inclusivodurante todo o percurso – apesar de, em algunsmomentos, cair em contradição – mas ficou claraa dificuldade da empresa em reajustar seuspadrões e se tornar efetivamente inclusiva. Oque se pode considerar é que a ALFA é inclusivaem alguns processos como a flexibilização daseleção ou em algumas áreas como a de RH,mas dificilmente será inclusiva em sua totalidade,pois há fatores que estão fora do seu domínio,como a rejeição por parte de alguns funcionários.A empresa pode incentivar seus funcionários aconviver com os deficientes, mas não podeobrigá-los a aceitá-los. Dificilmente seráencontrada uma empresa que os inclua deacordo com o paradigma da inclusão propostopor Sassaki (2003). O que se observa é o inícioda transição entre o processo de integração parao de inclusão.Outro ponto importante a ser discutido é a utilizaçãode entrevistas semi-estruturadas como forma decoleta de dados. Constatou-se que os portadoresde deficiência mental contratados pela empresa,durante as entrevistas, não foram capazes deresponder grande parte das perguntas por falta dediscernimento e incapacidade de interpretar eentender o que estava sendo questionado. Sendoassim, alguns pontos da pesquisa não puderam seresclarecidos.Por fim, apesar das contribuições da pesquisa, nãose pode deixar de registrar que, durante essepercurso, o aprofundamento sobre a questão dainclusão e a aproximação com campo de pesquisalevaram a novos questionamentos sobre o tema.

O primeiro é o papel do governo nesse processo. Aopropor uma sociedade inclusiva, em que todas aspessoas tenham a oportunidade de participar, o própriogoverno não consegue cumprir a sua parte. Há falhasna educação, na saúde, nos meios de transporte, nas

ruas e calçadas entre outros, que dificultam e atéimpedem a participação da PPD no sistema.

Ao criar a Lei de Cotas, que obriga as organizaçõesa contratarem pessoas portadoras de deficiência,pode-se pensar que o governo está estimulando asempresas a terem uma atitude inclusiva, assumindoseu papel de ator social, de uma empresa que sepreocupa com a sociedade e, não somente, em gerarlucros. Essa nova postura prevê que as organizaçõesse modifiquem fisicamente, revejam seus conceitosem relação a cargos/funções, criem programas dereadaptação e se ajustem à realidade da PPDapoiando quanto ao transporte, educação e saúde.

Contudo, será que o governo, ao propor esse tipode política, não está transferindo suaresponsabilidade de amparar essas pessoas paraas empresas? Será que o governo tem o direito decobrar das empresas uma atitude inclusiva, se opróprio governo não consegue se adaptar à políticade inclusão que propôs? Será que, ao invés de multaras empresas por não contratarem PPD, o governonão deveria incentivar, propondo benefícios àsempresas que a incluem?

Um outro fato a ser questionado é a garantia de1 (um) salário mínimo de benefício mensal.Pode-se perceber que a maneira como a lei foielaborada permite que a PPD se acomode aoinvés de incentivá-la a lutar pela independênciae pela autonomia. O fato de o benefício sercortado a partir do momento em que odeficiente começa a trabalhar faz com que odeficiente desista de tentar, ou seja, desista deuma vida independente, de ter autonomia econtinuar a ser tratado como um incapaz,reforçando, assim, a massa dos excluídos.

Um último ponto a ser considerado é em relação àevolução do pensamento administrativo. Sabe-seque, para que haja mudança, é necessário que hajaconflito, impacto que faça com que a engrenagemse movimente. Sabe-se, também, que essemovimento não é rápido, mas, sim, lento evagarosamente assimilado pelas organizações. Seráque a criação da Lei de Cotas não é o primeiropasso para que haja uma movimentação das

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organizações em prol da inclusão social? Será que,admitindo uma forma mais inclusiva de administrar,as organizações não estão caminhando para umaforma de gestão que valorize, na prática, os sereshumanos e suas competências?

Encerra-se este artigo sabendo-se que ainda restamuito a ser discutido, não só no âmbito das práticasorganizacionais que levem em consideração as PPDsno processo de inclusão, como também na formacomo o governo, por meio de leis, lida com esseprocesso e em relação a ele se posiciona.

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metodologia e dos critérios propostos. Ele demonstraque a empresa já deu o primeiro passo para tornar-se uma verdadeira empresa-cidadã, comprometidacom a qualidade de vida dos funcionários, dacomunidade e do meio ambiente.3 “Acessibilidade: possibilidade e condição de alcancepara utilização, com segurança e autonomia, dosespaços, mobiliários e equipamentos urbanos, dasinstalações e equipamentos esportivos, dasedificações, dos transportes e dos sistemas e meiosde comunicação, por pessoa portadora de deficiênciaou com mobilidade reduzida.” (BRASIL, 1999).4“Pessoa Portadora de Deficiência habilitada é aquelaque concluiu curso de educação profissional de nívelbásico, técnico ou tecnológico, ou curso superior, comcertificado ou diploma expedido por instituição públicaou privada, legalmente credenciada pelo Ministérioda Educação ou órgão equivalente, ou aquela comcertificado de conclusão de processo de habilitaçãoou reabilitação profissional fornecido pelo institutoNacional do Seguro Social – INSS. Considera-se,também, pessoa portadora de deficiência habilitadaaquela que, não tendo se submetido a processo dehabilitação ou reabilitação, esteja capacitada para oexercício da função” (BRASIL, 1999).5 Eliana Pinheiro Belfort Mattos, coordenadora doComitê de Responsabilidade Social da Fiesp.6 Tereza Cristina da Silva, contratada da NOVARTISpara trabalhar no programa de inclusão da companhia.7 PMK é um teste de personalidade muito expressivonas técnicas de seleção criado pelo Dr. Emílio MiraY López, com o intuito de selecionar pilotos durantea Guerra Civil Espanhola. Ele possibilita conhecer osdiferentes aspectos de personalidade dos indivíduos(ROJAS BOCCALANDRO, 1964).