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PÔR O CINEMA A PENSAR DE DENTRO: A PROGRAMAÇÃO CINEMATOGRÁFICA COMO HIPÓTESE Inês Sapeta Dias ___________________________________________________ Trabalho de Projecto Mestrado em Ciências da Comunicação MARÇO 2010

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PÔR O CINEMA A PENSAR DE DENTRO:A PROGRAMAÇÃO CINEMATOGRÁFICA

COMO HIPÓTESE

Inês Sapeta Dias

___________________________________________________

Trabalho de Projecto

Mestrado em Ciências da Comunicação

MARÇO 2010

Trabalho de Projecto apresentado para cumprimento dos requisitos necessários à

obtenção do grau de Mestre em Ciências da Comunicação realizado sob a orientação

científica de João Mário Grilo

TRABALHO DE PROJECTO

Pôr o cinema a pensar de dentro: a programação cinematográfica como hipótese

RESUMO Partindo da elaboração concreta de uma programação de cinema, este trabalho

de projecto organiza o esquema de reflexão que permitirá constituir a programação

cinematográfica como instrumento teórico, como exposição de um pensamento de

cinema, através do próprio cinema. O objecto escolhido para essa elaboração específica

(que ocupará a primeira parte deste trabalho) é a materialidade cinematográfica,

escolhido por colocar de forma radical um problema fundamental em causa na

programação: como mostrar, através da escolha e articulação de filmes, um problema

teórico e abstracto, por natureza invisível? O desenvolvimento de um plano de trabalho

a ser cumprido ao longo de estudos doutorais (na segunda parte) será a organização dos

problemas que a construção dessa programação de cinema revelou.

PALAVRAS-CHAVE programação, materialidade, imagem, cinema

WORK PROJECT

To make cinema think from within: the hypothesis of cinema programming

ABSTRACT Starting with the elaboration of a specific cinema program, this work project

organizes the scheme of thought necessary to conceive the concept of “cinema

programming”, and to develop it as a theoretical instrument. It will be seen how cinema

programming can be a cinema-thought, created from within cinema itself. The object for

this specific program (that constitutes the first section of this work) is “cinematographic

materiality”, chosen because it underlines a basic problem for the programming activity:

how can we show, by choosing and combining films, a theoretical and abstract problem,

invisible by nature? The elaboration of a work plan for doctorate studies (in the second

section) constitutes the organization of the problems revealed by that specific cinema

program.

KEYWORDS programming, material, image, cinema

ÍNDICE

Introdução............................................................................................................ 1

Parte Ia construção de uma programação de cinema.................................................... 3

I. Constituição do objecto

materialidade e imagem invisível ................................................................ 3

II. Programação

cinema pobre, cinema bruto: a materialidade do cinema ..........................25

Parte IIplano de estudos para um projecto de doutoramento ...................................... 32

I. Objectivos e resumo do plano de trabalho ............................................ 34

II. Constituição histórica do problema....................................................... 35

III. Plano de Trabalho................................................................................. 43

Conclusão .......................................................................................................... 57

Bibliografia I

leituras exploratórias para cada ponto do plano de trabalho ........................... 58

Bibliografia .................................................................................................... 70

1

INTRODUÇÃO

A inscrição no mestrado de “Comunicação e Artes” foi instigada por um

problema que, nos últimos anos, tinha vindo a crescer em volume e complexidade,

tornando-se cada vez mais difícil de pensar (pelo menos sem orientação ou companhia).

Parecia que quanto mais fundo se tentava ir, quanto mais perto se pensava estar dos seus

contornos, das suas fundações, mais ele fugia; cada ponto final provocava novos e

crescentes pontos de interrogação.

O problema continuou contudo a alimentar-se nas reflexões que incorporaram o

primeiro ano deste mestrado. E não é sem frustração, que se apresenta como trabalho

final deste mestrado, um projecto que se pretende desenvolver ao longo de estudos

doutorais.

Este trabalho de projecto é provocado por uma prática continuada de

programação cinematográfica, e pela percepção gradual de que colocar filmes lado a

lado constitui um objecto preciso, com consequências para o cinema, e para a reflexão

teórica que sobre ele se debruça. Em cada programação cinematográfica construída se

percebia com cada vez maior clareza que uma apresentação de cinema é um pensamento

de cinema, mecanismo através do qual cada filme provoca leituras no filme que o

antecede ou sucede (tal como os planos dentro de um só filme) e que actualiza um

trabalho específico encetado pelo próprio cinema. O problema foi aumentando de

proporções quando se percebeu que, para ser pensado, teriam de ser tocados os núcleos

fundamentais da teoria do cinema, até ao ponto de ser preciso voltar a pensar que

objecto é esse e que formas existem para o pensar.

Decidiu-se simular aqui o percurso que levou ao encontro com o terreno de

reflexão provocado pela programação cinematográfica. É por isso que se começa, na

primeira parte, com a construção de uma programação concreta, desde a escolha do

objecto até à articulação de filmes que o apresentam. O objecto dessa elaboração

específica é a materialidade cinematográfica, escolhido por colocar, de forma drástica,

um dos problemas fundamentais em causa na prática de programação. Programar,

articular e mostrar filmes lado a lado, exige não só encontrar e pensar um conceito, mas

também pensar como é que esse conceito pode ser exposto. E uma vez que o cinema se

dá a ver como imagem, tentar encontrar a sua materialidade torna-se, por um lado, um

desafio teórico – o que haverá no cinema para lá daquilo que pode ser visto? – e, por

2

outro, um problema concreto – como mostrar, através de uma série de filmes, aquilo que

normalmente está invisível, no cinema? A primeira parte deste trabalho será, assim, a

descrição do processo que levou à descoberta do que será a materialidade no cinema, até

à definição do seu modo de exposição. Ou, dito de outro modo, será pensar o circuito

que leva a que o cinema se mostre, circuito que se estabelece entre o seu corpo, o seu

mecanismo ou medium e a sua imagem.

A segunda parte deste trabalho parte desta construção específica e retira dela os

problemas necessários para pensar a programação cinematográfica como instrumento

teórico. O seu corpo será constituído por um plano de trabalho onde se enumeram os

pontos em que se pressente, hoje, ser necessário parar para constituir a programação

como essa hipótese, aquela onde o cinema poderá ser posto a pensar, através dos seus

próprios mecanismos, construindo uma ponte entre o trabalho do cinema e o trabalho

que acontece quando ele é posto a aparecer - o realizador talvez seja aquele que prepara

uma plataforma, feita de planos, e momentos de acção, e de corte, por onde as coisas do

mundo correm e acontecem cinematograficamente; o programador talvez seja aquele

que prepara a matriz fílmica – feita de filmes, e de uma intermitência em cada projecção

e entre projecções - para que o cinema possa acontecer por si, apresentando-se em

pensamento.

3

PARTE Ia construção de uma programação de cinema

O percurso começa com o desenho dos contornos do objecto que depois será

levado a aparecer com a articulação dos filmes, na programação final. Começa com a

documentação da reflexão que leva ao encontro e definição desse objecto, e que estará

invisível na apresentação final, aparecendo apenas como ponto, vértice visível de uma

pirâmide mais larga e subterrânea. Digamos que o que se fará em seguida é pensar alto

– única forma de documentar um trabalho que acontece quase todo na cabeça.

I. constituição do objecto: materialidade e imagem invisível

No ensaio “Montagem”, de 1938, Sergei Eisenstein faz uma distinção entre

imagem e representação para melhor explicar como se deve processar a montagem

cinematográfica, criadora de imagens.

“Suponhamos um círculo branco de diâmetro médio e de superfícielisa, cuja circunferência esteja dividida em sessenta graduaçõesequidistantes. Algarismos de um a doze inclusive situam-se após cadagrupo de cinco graduações. Fixaram-se ao centro duas placas metálicasque giram à roda das respectivas extremidades, sendo a extremidade livreem ponta: uma das placas é de dimensão igual ao raio, a outra um poucomais curta. Estando a ponta de placa maior pendurada no número doze evindo a mais pequena deter-se sucessivamente sobre os números um, dois,três, etc., até ao número doze inclusive, obteremos uma série derepresentações geométricas sucessivas, visto que as duas placas metálicasformam sucessivamente uma em relação à outra, ângulos de 30º, 60º, 90º,etc., até 360º inclusive. Mas se o círculo em questão estiver munido de ummecanismo para fazer avançar regularmente as placas metálicas, a figurageométrica que se forma à superfície reveste um sentido particular: já nãoé somente uma representação; é, agora, uma imagem do tempo.”1

A montagem é, para Eisenstein, aquilo que, através da justaposição de

representações, faz aparecer a imagem, no cinema. Quando olhamos para um círculo

munido de placas metálicas que se movem autónomas e compassadas, vemos um

relógio e nele lemos a hora. Dessa determinada hora emana a sua imagem, composta

pelo complexo de representações a ela inerentes. Eisenstein dá o exemplo das cinco

horas e de como nos remetem para o fim do dia de trabalho, a hora de ponta, o lanche; é 1 EISENSTEIN, Sergei M.. Reflexões de um cineasta (ed.José Fonseca e Costa). Arcádia, Lisboa, 1972.(pág.131-132)

4

o conjunto dessas representações, aquilo que vemos quando lemos no relógio “são cinco

horas”, que constitui a sua imagem, sendo essa que a montagem cinematográfica

constrói.

A reflexão que agora se inicia está, contudo, interessada no “círculo”. Está

interessada naquilo que no cinema está antes (ou mais abaixo) do “relógio” e do

“tempo”, ou da representação e da imagem; na sua natureza material mais funda.

Eisenstein não se dedica a pensar o “círculo”, o que lhe interessa, para chegar à

definição do “princípio de montagem” no final do texto, é o jogo entre “representação”

e “imagem”. Mas ao colocar de forma tão clara a formação dessa imagem (que aparece

una na consciência, normalmente) ajuda-nos a perceber o centro do nosso problema: a

partir de que é que se forma a imagem, no cinema? O primeiro esforço será, talvez,

separar a representação (mais abaixo que a imagem) do material a partir do qual ela é

formada. O primeiro exercício será separar aquilo que aparece uno na consciência,

normalmente.

No ensaio “Film and Reality”2, de 1933, Rudolf Arnheim, ao separar e enumerar

os elementos materiais e tecnológicos que no cinema levam ao aparecimento da

imagem, parece concentrar-se em qualquer coisa que está mais próxima desse “círculo”.

Eisenstein concentra-se na recepção do cinema – daí que fale sobretudo da sua eficácia

– e na proximidade entre a percepção da imagem cinematográfica e a percepção da

imagem em geral, na nossa vida (que é no fundo um protótipo para a formação das

imagens na arte). Ao concentrar-se no outro lado desse vector, naquilo de que emana a

imagem, Arnheim destaca, separa, o cinema da vida, e olha para aquilo que no cinema

funda um regime perceptivo próprio. O seu problema é portanto o do medium

cinematográfico (na medida em que cada medium transporta um específico regime

sensorial ou perceptivo), e o seu esforço é o de definir a sua pureza. Justifica-se esse

esforço pela data em que o ensaio foi escrito: em 1933 discutia-se ainda a possibilidade

do cinema existir enquanto arte, por na altura ser considerado mera reprodução

mecânica da realidade. Ora, a arte não é duplicação, reprodução ou descrição, mas sim

tradução, processo no qual o medium molda o aparecimento do real com base nas suas

próprias características. O método de Arnheim passou, então, exactamente por analisar

os elementos do medium fílmico e depois compará-los com aquilo que percepcionamos

2 ARNHEIM, Rudolf. Film as Art. University of Califórnia Press, Los Angeles/London. 1957.

5

na realidade, sendo na diferença entre uns e outros que apareceria a natureza artística do

cinema.

O cinema é a projecção dos objectos numa superfície plana, enquanto a

realidade é composta por coisas que têm três dimensões3; e portanto a imagem

cinematográfica é sempre produto de uma selecção (da posição da câmara e assim do

espectador em relação ao objecto; de perspectiva, portanto), e não uma reprodução da

realidade. O cinema está reduzido à tela plana, e a noção de profundidade é

consequentemente limitada (quando as pessoas se mexem, no ecrã, de trás para a frente,

isso dá uma certa sensação de profundidade, mas é só), enquanto na “realidade” os

espaços têm total profundidade (tal como as coisas têm três dimensões). No cinema de

1933 as coisas apareciam a preto e branco, e a sensação de cor e volume era dada por

uma manipulação de luz (o que se mantém no cinema a cores), enquanto na realidade a

luz bate directamente nas coisas dando origem a uma cor que dizemos ser sua. O cinema

está limitado pelo fim da tela, enquanto a visão humana não tem limite (o campo visual

é limitado; mas este, combinado com o movimento da cabeça, e dos olhos, produz um

espaço contínuo e torna a visão ilimitada, sem fronteiras); o tamanho do objecto, no

cinema, depende da proximidade da câmara em relação ao objecto, por um lado, e da

proximidade do projector em relação à tela (e à objectiva que isso implica), por outro.

No cinema, o espaço e o tempo são tratados descontinuamente, através da montagem de

troços de filme, em oposição à realidade e à vida, que é sempre a direito e onde não se

saltam pedaços de tempo. No cinema é convocado apenas o sentido da visão, do qual

advêm todas as sensações, ao contrário da realidade onde as sensações provêm duma

interligação entre todos os sentidos (por exemplo, a sensação de equilíbrio provêm tanto

da audição como da visão, e por isso é que quando há perturbações no ouvido interno

temos uma sensação de vertigem).

3 O nosso olho opera da mesma maneira. Mas se a câmara funciona como o olho (proximidade queArnheim sustenta numa nota de 1957 que precede a re-edição do texto “Film and Reality” no livro Filmas Art, baseando-a nas teorias da escola de Gestalt) então como pode ser esta tradução que ambos – olho ecâmara – operam, um processo distinto daquele que acontece na realidade? Ou seja, se a câmara é como oolho, e o olho é aquilo que nos permite aceder ao real, e não podemos aferir outro real senão aquele quevemos (com Nietzsche: só existe o que vemos do nosso “canto”), como é que esta operação distingue ocinema do que acontece na realidade? Mais à frente no seu texto Arnheim falará da ausência dos restantessentidos no cinema, e da ausência de interligação entre a visão, o tacto, etc. Mas neste ponto da suaargumentação, em que pensávamos que estava a trabalhar para a definição do medium cinematográfico, eassim para a definição da especificidade perceptiva do cinema, não fica totalmente claro em que resideessa especificidade. Que real é este que o cinema não consegue e não pode agarrar e dar, e que faz comque venham ao de cima as suas limitações e, consequentemente, a sua especificidade? E o que distingue a“realidade visual” (comum ao olho e ao cinema) da “realidade”?

6

A enumeração dos elementos que separam o cinema da realidade serve por fim a

defesa da possibilidade de o cinema ser arte, pelo que Rudolf Arnheim acaba por se

concentrar no uso artístico ou no “bom” uso destes elementos. Tal uso começa a ser

abordado no ponto em que Arnheim se refere à interrupção do continuum espácio-

temporal, pelo cinema, onde identifica regras específicas para que a descontinuidade

cinematográfica crie uma continuidade própria: dentro da cena, a continuidade temporal

não pode ser posta em causa; entre sequências, o corte e a colagem de fragmentos deve

proceder-se de maneira a eliminar o supérfluo (daí que, para o autor, se possam montar

paralelamente duas sequências distantes). “[E]ach scene in a good film must be so well

planned in the scenario that everything necessary, and only what is necessary, takes

place within the shortest space of time”4. O “bom filme” para Arnheim é aquele que usa

o seu medium conscientemente para interpretar de forma justa um objecto e criar um

realismo próprio, ser eficaz no tratamento de uma acção ou assunto. O uso artístico

passa pela criação de uma ilusão, a que ele chama “ilusão parcial”5: uma ilusão assente

num essencial, a que o cinema tem de chegar por uma articulação dos elementos que o

limitam relativamente ao real. Se o cinema não dá e não deve dar (para ser arte) a

realidade na sua totalidade e completude, então deve dar o essencial, os pormenores

fulcrais, para que crie a ilusão parcial de uma realidade total. E portanto, tudo o que

contribua para a destruição desta parcialidade atenta, para Arnheim, contra a arte

cinematográfica, e é deixado de fora. E é por isso que, na nota pessoal escrita em 1957,

o autor remarca que as alterações tecnológicas que entretanto tinham ocorrido no

cinema não alteraram as suas considerações sobre o medium da arte cinematográfica. O

som deu origem a um medium híbrido, que usa o que pode da imagem, e vive da beleza

das coisas e pensamentos, que reproduz (a arte para Arnheim, sublinhe-se, não

reproduz, traduz); a cor não é controlada e portanto não é usada, é efeito; o filme a três

dimensões (estereoscópico) continua a não poder ser realizado tecnicamente e portanto

não é ainda explorável artisticamente; e o wide screen não permite uma imagem

organizada com sentido. Aquilo que atenta contra o medium é portanto colocado num

domínio exterior. E não só; mesmo aquilo que, usando o medium cinematográfico (com

as características definidas por Arnheim), não o usa para criar uma realidade própria,

4 ARNHEIM, Op.Cit. (pág.23).5 O “cinema total” de Bazin parece ser um atentado à arte cinematográfica de Arnheim. Posto de maneiraainda mais radical: Arnheim representa aqueles que, para Bazin, alimentam uma “resistência tenaz damatéria” ao aparecimento do cinema, e os problemas que coloca são exemplo do que afasta o cinema dasua tendência natural e originária para se tornar “total”. Cf. BAZIN, André. Qu’es-ce le cinéma? (1951).Éditions du Cerf, Paris, 1985.

7

não o usa segundo os preceitos da arte cinematográfica, é deixado de fora, também. É o

caso do filme abstracto que, nessa nota escrita em 1957, aparece como potencialidade

de uma nova arte – a arte da pintura em movimento – mas não como arte

cinematográfica. O medium cinematográfico, para Arnheim, é aquele que tem umas

determinadas e fixas características tecnológicas e que é usado de uma determinada

maneira, de modo a ser arte. A sua caracterização do medium está condicionada por esse

uso, e as regras a ele inerentes constituem o limite, a fronteira até onde a arte

cinematográfica pode ir.

“The essential norms or conventions of painting are at the same timethe limiting conditions with which a picture must comply in order to beexperienced as a picture. Modernism has found that these limits can bepushed back indefinitely before a picture stops being a picture and turnsinto an arbitrary object; but it has also found that the further back theselimits are pushed the more explicitly they have to be observed andindicated.”6

Para Clement Greenberg, o que é próprio a cada arte coincide com aquilo que é

próprio ao seu medium , e o modernismo é o movimento que, usando essas

características particulares, olha para si próprio, num gesto autocrítico. No texto de

1960 em que dá esta definição de modernismo – “Modernist Painting” - Greenberg

concentra-se exclusivamente na pintura. A pintura moderna descobriu que o mais fundo

de si está no plano irredutível da tela (os limites do quadro são partilhados com o teatro

– Greenberg não fala no cinema; a cor é partilhada com o teatro e também com a

escultura), e foi aí, nesse fundo irredutível, que trabalhou, não para o esconder (como

faziam os Velhos Mestres), mas para o trazer ao de cima. Foi assim, criticando a sua

arte de dentro, que o modernismo descobriu que os seus limites podem ser deslocados

indefinidamente, e que, ao serem deslocados, devem ser apontados – “são estes, estão

aqui”. É ao virar-se para o seu medium, levando-o a um limite de cada vez mais lato7,

que a arte trabalha a sua autonomia, como se a sua natureza mais funda fosse

6 GREENBERG, Clement. Originalmente impresso numa série de panfletos produzidos pela Voice ofAmerica, em 1960. Publicado posteriormente em diversas edições das quais se poderá destacarBATTOCK, Gregory. The New Art: a Critical Approach. E.P Duton & Co, Nova Iorque, 1965 (1ªed.),por ser o primeiro a reeditar o texto na sua versão origjnal. O artigo está disponível on-line emwww.sharecom.ca/greenberg/modernism.html (documento consultado).7 Talvez, por isto, não possamos falar em pós-modernismo: o limite é infinitamente deslocável, não hádepois disso.

8

inalcançável, e inalterável. Percebemos que se o corpo de cada arte estivesse na

tecnologia do seu medium, então essa arte morria cada vez que se avançava8.

Os limites aparecem visíveis, e a sua expansão aparece como possível, no texto

de Greenberg, enquanto fruto do trabalho artístico. Em Arnheim, por outro lado, as

alterações tecnológicas que deslocam os limites9 do medium cinematográfico são fruto

de desejos exteriores aos artistas10, e não resultado de um trabalho seu. O que origina

uma arte fechada num conjunto de elementos estanques, e onde a acção do artista

cinematográfico aparece contida pelo “bom” uso desses elementos. Aliás, o que parece

ser posto em causa pelos avanços tecnológicos não é o cinema, mas a arte

cinematográfica, isto é, o cinema feito de uma determinada maneira. Ora, o que

Clement Greenberg nos parece dizer é que a arte está noutro sítio, porque as regras

desaparecem facilmente, e a arte se mantém. Há de facto essa grande diferença entre o

cinema e a pintura: a pintura tem a sua tecnologia mais trancada que a do cinema, e

quando há avanços ou mudanças a esse nível, eles são fruto da pesquisa artística;

enquanto no cinema há jogos económicos mais latos em causa, que fazem com que

apareçam tecnologias exteriores à pesquisa do artista. Mas há ainda um campo preciso

em que o artista cinematográfico se move, e onde pode trabalhar expandindo limites,

fazendo com que a sua arte caia ainda mais fundo em si. Esse campo preciso parece ser

descrito por Arnheim, se retirarmos as paredes em que a sua descrição embate por estar

concentrada no seu “uso”. Se ficarmos com os elementos que enumera, e os libertarmos

do objectivo de criação da “ilusão parcial” de uma arte cinematográfica, com que

ficamos? Com a bidimensionalidade da tela de projecção, mesmo quando sobre ela são

projectadas imagens em três dimensões. Com a interrupção da continuidade espácio-

temporal assente não só (e por vezes não mesmo) no interior e na construção do filme,

mas no filme em si mesmo, porque termina; e assente também na projecção, momento

8 O problema da “morte da arte” colocado por Hegel, comentado nomeadamente por Arthur Danto, estánum outro nível desta discussão. Diz Danto, lendo Hegel, que a arte morre porque é inundada peloconceito. O que Greenberg parece dizer é que esse conceito, visível nomeadamente no pensamento da artepor si própria, funda a arte ainda mais profundamente em si. Não avançaremos nesta discussão. Diremosapenas que neste parágrafo não se fala da mesma arte, nem da mesma morte, porque se fala das “artes”,plural só possível depois da morte da arte tal como foi vista por Hegel.9 Mas atenção: Arnheim só fala dos limites do cinema em relação ao real. Greenberg, por outro lado, faladessas limitações, mas ao mesmo tempo preocupa-se com o que distingue a pintura das outras artes.Arnheim talvez não fale nesta distinção porque aquilo que parece distinguir o cinema das outras artes éaquilo que o aproxima do real: o movimento.10 Arnheim chega a citar o desprezo geral pela arte moderna vivido na altura em que escreveu, por não seruma arte naturalista. Para o autor, as alterações tecnológicas são fruto desse mesmo desprezo.

9

efémero em que o cinema acontece. Com a relação problemática entre imagem e som11.

Com o aparecimento da cor e da luz (comum ao preto e branco e ao filme a cores) e a

sua fixação num determinado material registador. Ficamos talvez com a “realidade” do

cinema: aquilo que o distingue da realidade das coisas, mas também aquilo que nele se

destaca da “realidade visual” do olho (e da câmara). Ficamos aparentemente com as

características do seu “círculo”, aquilo que está antes dos ponteiros começarem a mexer,

movidos por um mecanismo que os torna “relógio” e depois “tempo”. São coisas

paradas, e que por estarem paradas não constituem o medium cinematográfico, mas uma

outra coisa. Qualquer coisa que aparece quando o medium se avaria.

uma avaria no mecanismo

“Queria dizer qualquer coisa sobre essa história da qualidade técnicadas imagens. É evidente que o [Alberto] Seixas [Santos] tem de ser muitomais sensível do que eu a isso, por razões óbvias, como eu quando vejoerros de ortografia serei mais sensível do que ele, talvez.

O que acho interessante aqui é a gente poder ver coisas com máqualidade, coisas que não foram feitas com má qualidade e que estão a serreproduzidas e utilizadas com má qualidade. A má qualidade técnica dasimagens pode fazer-nos pensar na boa qualidade de imagem. Ou seja,actualmente comemos gato por lebre porque qualquer pessoa, até eu, podefazer uma imagem de boa qualidade. Ver as imagens “más” pode fazerreflectir sobre o que é importante na imagem para lá da “técnica”. (…) Atéporque a má qualidade técnica da imagem não prejudica a “leitura” etalvez até incentive a olhar para o essencial em vez de se ficar noacessório.”12

Há uma primeira imagem do cinema, ou uma imagem mais funda, ou mais

abaixo, que parece vir ao de cima de cada vez que há uma perturbação na técnica ou no

mecanismo (no medium, portanto), de cada vez que ele pára. No primeiro texto referido,

Eisenstein descreve também uma situação em que condições particulares separam

aquilo que normalmente aparece uno na consciência. O exemplo é tirado de um

romance de Tolstói: uma personagem estava tão transtornada e tão profundamente

mergulhada em si própria, nos seus pensamentos, que olha para o relógio mas só vê os

11 O que aprendemos com Arnheim, quando este defende que a arte cinematográfica é muda, é que há umproblema ao nível da relação entre imagem e som, no cinema. Quando deixamos de ter em conta acaracterização da arte cinematográfica, isto é, a caracterização de um uso preciso do mecanismocinematográfico, desaparece a incompatibilidade entre som e imagem, no cinema; ficamos apenas comum problema.12Eduarda Dionísio in SAPETA DIAS, Inês (ed.). Ler Cinema: O Nosso Caso, conversas e outros textosem volta de um certo cinema português. Videoteca Municipal de Lisboa, Lisboa, 2007. (pág.133)

10

ponteiros e o “círculo”, não consegue ver as horas. Quer aconteça no nosso corpo, quer

na técnica de um mecanismo, ver um corpo destacado da representação, e da imagem, é

fruto de uma perturbação. E essa será, das duas maneiras, uma perturbação no medium.

No texto “Image, Medium, Body: a New Approach to Iconology”13 Hans

Belting refere-se ao medium como o agente através do qual as imagens são transmitidas,

o que quer dizer que é o mecanismo através do qual as imagens são fabricadas – na

medida em que são sempre coisas que aparecem, a sua transmissão é a sua fabricação; e

o nosso corpo, na medida em que ao receber também fabrica imagens, é igualmente

medium. No domínio da imagem, fabricação equivale-se a transmissão, portanto. As

avarias de que falávamos passam-se a este nível. Mas se a imagem é a sua transmissão,

como poderemos perceber a existência de uma outra imagem, que não aquela

transmitida?

Para Hans Belting as imagens acontecem, o que corresponde a que não haja

distinção entre o seu “como” e o seu “o quê”: aparecem como são, e são aquilo que

aparece. O medium torna-se assim a própria essência da imagem (como a mensagem já

era o medium, para McLuhan), não parecendo haver imagem para além dele. A certa

altura, Belting diz: “[w]hen visual media become self-referential, they turn against their

images and steal our attention from them”14. A imagem funda-se no seu medium, mas às

vezes esse medium ganha vida própria, e destaca-se das suas imagens. Belting identifica

esse momento com a auto-referencialidade, o que faz pensar na auto-crítica do

modernismo proposta por Greenberg. Quando se põe em causa o medium e através dele

se perguntam coisas sobre a matéria em que se está a mexer, qualquer coisa de outro

nível aparece, próxima da natureza própria dessa matéria (da pintura, por exemplo).

Voltar a atenção para o mensageiro, o veículo, o contentor da imagem, insere uma

perturbação do tipo daquela identificada por Eduarda Dionísio, ou por Eisenstein,

mostra qualquer coisa que estava escondida sob uma estrutura que aparece de uma só

vez, normalmente.

Fala-se então de duas imagens. Uma que aparece fundada no meio de transporte,

mediada, e outra, mais funda, por parecer ser formada imediatamente - independente do

seu medium - quando este, por exemplo, olha para si próprio: ao chamar a atenção sobre

si, essa imagem mais funda é aquela que aparece por acaso, e no fim do nosso campo de

13 in Critical Inquiry (nº32). The University of Chicago, Chicago, 2005.14 BELTING, Hans. Op. Cit. (pág.305)

11

visão, no momento em que estamos concentrados no mecanismo; é qualquer coisa que

aparece apesar do medium.

Há uma espécie de percurso que se constrói até que as coisas cheguem aos

nossos olhos ou sentidos, e que se interrompe, iniciando um outro percurso, quando no

lugar da formação da imagem há uma perturbação. E como se relaciona isto com o

nosso “círculo”? Na medida em que normalmente a bidimensionalidade da tela, a

interrupção da continuidade espácio-temporal e a projecção, a relação problemática

entre imagem e som, o aparecimento artificial da cor e da luz e a sua fixação num

suporte material estão tapados por essa imagem que chega aos nossos olhos, esta

primeira imagem é o lugar em que estes elementos materiais se destapam. É o que

parece dizer Eduarda Dionísio: quando há uma perturbação de nível técnico, nessa

sujidade, aparece uma imagem mais funda, mais essencial, inerente à perturbação no

aparecimento de um complexo de ilusões em que se funda a imagem cinematográfica.

Deixamos de ver personagens, cores, paisagens, passamos a ver o fim da tela, as cores

estragadas pelo material que as fixa, o fim ou a interrupção, sons destacados dos

objectos que pareciam produzi-los, figuras esculpidas que já não produzem acção ou

narrativa.

primeira imagem, segunda imagem: para uma visão da invisibilidade

Para José Augusto Bragança de Miranda, a imagem é aquilo que das coisas

chega até nós, e, sendo uma maneira de aceder ao real, é também aquilo que nos separa

dele. Esse real, essa coisa que a imagem afasta, pode também ser considerado

“matéria”. O termo grego hyle foi usado primeiramente com os significados de

“bosque”, “terra”, “madeira”, uma espécie de matéria-prima a partir da qual se pode

fazer qualquer coisa. Para Platão matéria era o “ser que não é nunca e muda sempre”,

uma espécie de massa indiferenciada a partir da qual qualquer coisa era formada; e em

Aristóteles a matéria é receptáculo, matriz da realidade e não a própria realidade física,

uma espécie de plataforma para a formação e aparecimento da realidade. Perante a

matéria, a forma é aquilo que torna um objecto aquilo que é, campo da ideia ou do

conceito. De uma mesa de madeira, a madeira é a matéria; o modelo seguido, o

desenho, é a forma. A matéria é aquilo com que se faz, material (hyle), e também o

movimento ininterrupto onde se forma isso que se faz (physis); a forma é a sua estrutura

conceptual. Por sua vez, a mesa é o corpo. E o corpo é o campo da realidade específica,

12

distinta da realidade indiferenciada da matéria e da invisibilidade da forma – e, por estar

na zona de embate entre matéria e forma, o corpo é aquilo que está no centro da

discussão metafísica - uma extensão (autónoma, para as tendências filosóficas que se

concentraram na realidade exterior; relativa, quando se considera haver uma realidade

interior) visível através da sua imagem.

O corpo foge e circula num movimento ininterrupto (physis), a imagem é aquilo

que, ao separar-nos do corpo, faz com que não percamos o equilíbrio nesse movimento

vertiginoso. “A imagem é separação”15 e paragem. E, porque pára, permite-nos nomear,

possuir, definir, identificar, classificar, etc., sendo nesse mesmo campo que nos

movemos e agimos e conversamos. As imagens colam-se às coisas, e mudam-nas

tornando-as tratáveis; mas na medida em que constituem o campo onde agimos, o “real”

nesse sentido, elas não se limitam a mudar os corpos, mas completam-nos. E ao

completarem os corpos16 tornam-se coisa também, são matéria num outro estado17.

Por outro lado, ao situar-se entre a imagem e o movimento ininterrupto da

physis, ao situar-se entre a imagem e a carne, e uma vez que a imagem “é separação”, o

corpo é já imagem, também. Mas uma imagem mais funda, campo de separação e de

afastamento, sim, mas parte integrante e específica de um movimento ininterrupto. O

corpo aparece como campo de batalha e crise entre as imagens e a carne, como fronteira

entre o imaginário e o rude perecível dos tecidos. Querer pensar o corpo é virar a

atenção para isso que está sempre em diferimento entre o aparecer e aquilo que o enche:

o corpo está presente quando é afastado, através da imagem; e torna-se visível quando é

atacado na sua carne18.

“[É] a vaga sensação de que algo foi esquecido, sem saber o quê.Trata-se de uma memória de algo preciso que se esqueceu, mas quepersiste como um nome debaixo da língua. Tudo o que existe transportaem si esta sensação desagradável, que faz com que seja uma imagem dealgo pleno, agora em falta”19.

15 MIRANDA, J.A. Bragança de. Corpo e Imagem. Veja, Lisboa, 2008. (pág.8).16 Bragança de Miranda identifica a “alma” como a imagem por excelência, a este nível, que se cola a umcorpo e o sopra, fazendo-o mexer. As tentativas de tornar o corpo totalmente autopsiável, no séc.XIX, sãoum dos exemplos do desejo de controlo do corpo, e consequentemente das suas imagens, desejo queatravessa a política da sociedade ocidental.17 Diz Bragança de Miranda com Baudelaire.18 Bragança de Miranda dá o seguinte exemplo: “Nenhum dos retratos de Filipe IV feitos por Vélasquezao longo da sua carreira representa um “corpo”, mas a realeza, o corpo simbólico do Rei. Contudo, serepararmos na série que eles formam é impossível não nos darmos conta de que, de repente, algo emerge,bem frágil: a carne na sua debilidade. Eis que o “corpo” se faz presente. O envelhecimento, o melhor sinalde que o Senhor do Mundo não era senhor da sua carne”. Op. Cit. (pág.161).19 MIRANDA, J.A. Bragança de, Op. Cit. (pág. 43)

13

Emergem assim duas imagens: uma primeira, mais funda, e uma segunda, com

que podemos identificar a ilusão – faz, como acontece com a imagem cinematográfica

por exemplo, esquecer a raiz material das coisas, aparecendo como percepção de

qualquer coisa que contudo já é interpretação, por ser moldada, mediada20.

Merleau-Ponty dedica-se a pensar a relação entre visível e invisível, e estes

termos parecem coincidir com o que aqui chamamos de primeira e segunda imagem. Há

contudo um problema que emerge quando se começa a querer tratar o invisível

ontologicamente: sendo que há, em Merleau-Ponty, um primado da visão, como

conceber o invisível? O que será a visibilidade do invisível (que nos interessa aqui

também porque o objectivo final desta reflexão é pôr exactamente este invisível à

mostra)?

Para Merleau-Ponty, no princípio a experiência é um enorme turbilhão de

sensações, turbilhão que precede a fixação de uma percepção que aparece à distância,

ou seja, como vimos com Bragança de Miranda, numa imagem. As primeiras imagens,

neste sentido, são mesmo esse turbilhão, variantes, e as segundas são constantes,

organizadoras. Para o autor parece existir uma imagem primitiva, selvagem (própria

talvez da infância), e uma imagem adulta, controlável e controladora. Sendo o artista

alguém que regressa com insistência a essa primeira imagem, e a mistura com imagens

actuais, recordações dessas primeiras emoções (que, por serem um olhar para trás, são já

organização), a experiência estética aparece também nessa mistura. Daí que Merleau-

Ponty diga que a experiência estética é uma certa visibilidade do invisível – e por isso

mesmo torna-se campo fulcral para compreender o aparecimento do invisível.

Mas sendo a “experiência” sempre uma certa relação entre os sentidos e a

consciência, José Gil21 pergunta se esta “visibilidade do invisível” será mesmo uma

experiência: como é que o invisível chega aos sentidos e à consciência sem se tornar

visível? Como se manifesta e se torna perceptível? Se “[a] presença é o visível; o

invisível nunca gozará senão de uma presença degradada”22. Esta degradação, espaço da

invisibilidade, é o que nos interessa aqui. E o problema da presença é ao mesmo tempo

o problema da percepção, porque ao tornarem-se presentes as coisas tornam-se

20 Esta distinção faz-nos voltar à caverna de Platão: a ilusão é tudo o que temos; são as imagens com quemexemos, e com que falamos. Serão as primeiras imagens as que pertencem ao mundo “inteligível”?21 Estamos a seguir a leitura que este autor faz da invisibilidade de Merleau-Ponty em GIL, José. AImagem-Nua e as Pequenas Percepções. Relógio D’Água, Lisboa, 1996.22 GIL, José. Op. Cit. (pág.26).

14

percepcionáveis, e como as imagens são coisas que acontecem, relembramos, ao mesmo

tempo que se formam, aparecem, e assim só são percepcionáveis. Como se forma então

esta primeira imagem? Como acontece, como se percepciona?

O nosso corpo é essencial para perceber o problema. Ver é mover-se, diz José

Gil: vejo porque me movo, e esse movimento funda aquilo que vejo. Não há visão sem

aquele que vê, e essa relação – entre visão e aquele que vê – introduz um ponto cego nas

coisas vistas – que assim se desdobram num não-visto. O visível sou eu, também. E eu

termino. Tudo o que se vê é visto porque provoca um eco no nosso corpo – e esse eco

não é o visto, mas o sopro que nos leva a ver – e, na medida em que “ver é mover-se”,

cada visão, cada actualização, supõe um outro conjunto de movimentos possível, no

qual acontece o movimento actual. O invisível emerge aí mesmo, onde eu termino

(preciso do meu fim para ver), e nesse conjunto de movimentos que não acontece.

Digamos que o invisível é o movimento do qual emerge aquilo que pára e aparece. São

partes integrantes de uma mesma percepção: é no intervalo entre o que toca e o que é

tocado, entre a minha voz ouvida e a minha voz articulada, entre o que vejo e o que é

visto, que está o invisível, o “zero” que permite a colagem entre um e outro, entre o meu

corpo e aquilo que ele toca e a que adere (nascendo em si um eco disso). “Compreende-

se que o invisível se escave na “junta” das coisas”23, e nunca se torne nada,

permanecendo invisível. Não é o negativo do visível (como parece sublinhar Merleau-

Ponty, preocupado com a sua ontologia) mas aquilo que, ao estar ‘entre’, permite ver.

Pouco a pouco o invisível vai aparecendo como “pequena percepção”. Esse pequeno

espaço onde tocante e tocado não se sobrepõem, não coincidem. Uma pequena

percepção que nasce da perturbação, como tem sido dito aqui, da avaria do mecanismo;

uma ausência tornada palpável. Qualquer coisa que desapareceu e está como “um nome

debaixo da língua”. Qualquer coisa que só aparece para desaparecer logo a seguir.

Aquilo que torna a nossa vida uma “constelação de ausências” (sendo que o que nos

chega à consciência é a presença).

Mas ‘ver’ esse movimento original, que se constitui como base da percepção

cujo terreno é o “entre”, é ainda um problema. Ao movimento chama Henri Bergson

‘realidade’24. Em La pensée et le mouvant, dedica-se a pensar o problema da

visibilidade do movimento, e a tarefa da filosofia perante esse problema: como poderá o

23 GIL, José. Op. Cit. (pág.39).24 É realidade, ou matéria: movimento ininterrupto onde só temos pé através das imagens que inseremparagens.

15

filósofo, cuja função é completar a percepção com o conceito25, dar a ver o movimento?

Como poderemos ver mais, se o nosso limite é o limite dos nossos olhos? Bergson diz-

nos que a este nível, o artista poderá ensinar qualquer coisa de muito específico ao

filósofo: o artista vê mais porque olha desligado de um “para quê”, retira o utilitarismo

aos seus sentidos, porque vê desinteressado. A imagem mais funda aparece quando não

vemos para nada (ensina-nos a arte, tal como é vista por Bergson). O espaço de

degradação a que se refere José Gil é este, também - espaço de uma percepção inútil,

sem telos26 - e o mesmo está em causa nas “avarias” do medium: tal como no nosso

corpo, é quando o mecanismo não serve para nada (não cria uma ilusão – uma segunda

imagem formada na mesma medida em que aquilo que a forma é ocultado), que nos é

permitido ver essa imagem invisível. É como se fosse a paragem,27 aquilo que nos

permite ver o movimento.

o trabalho cinematográfico

Na apresentação do daguerreótipo na Royal Society em Londres, em 1839,

Daguerre anunciava que o seu invento permitiria observar “como os objectos naturais se

desenham a si mesmos sem a ajuda do lápis”. Na primeira exibição pública de cinema,

em 1895, os espectadores fugiram da sala com medo de serem atropelados pelo

comboio.

A representação cinematográfica convoca uma história da imagem pontuada por

uma sucessão de invenções fundadas no desejo de ilusão. História essa que talvez tenha

o seu princípio na perspectiva renascentista, na base da qual está a ideia de que existe

um bom sítio para olhar as coisas, e a prática de construção de uma imagem como

criação de uma ilusão da realidade. A representação aparece, a partir daqui, como um

filtro imperceptível que se coloca entre a mão e a realidade (e depois entre o olho e a

25 Completar e não substituir, como sublinhará, criticando a tendência da Filosofia Ocidental.26 Para além do problema da percepção, há também o problema da fixação: como fixar esta imagemprimeira? Como fixar o movimento? Ao longo dos tempos o homem foi-se tornando sedentário,substituindo a circulação e as tendas (que se montam e desmontam) pela pedra, que fixa as coisas e afastaa vertigem da morte, do desaparecimento. Talvez a resposta esteja numa pedra plástica - plasticidadeamplamente analisada por Bragança de Miranda na obra que aqui citámos. Uma forma plástica que aomesmo tempo que recebe forma, a dá, num estado sempre provisório e flutuante.27 Bergson dá o exemplo da aproximação da morte: em tais momentos, a nossa visão é de tal formaesvaziada de utilidade que o tempo de uma vida inteira aparece como presente interminável e incessanteaos nossos olhos. É o limite final do nosso corpo que nos mostra um movimento escondido. Tal como erao apontar o limite por parte do modernismo tal como foi visto por Greenberg que permitia expandir oslimites do trabalho artístico.

16

imagem), esbatendo as fronteiras entre uma e outra. Fronteira colocada ainda mais

drasticamente em crise quando, séculos mais tarde, a fotografia é acompanhada (desde

logo na sua primeira apresentação) pelo mito do automatismo - a ideia de que a mão

desaparece mesmo, ficando só a máquina, e de que a realidade se desenha a si própria

quimicamente. Se juntarmos a esta, a ilusão do movimento, criada no momento da

projecção cinematográfica pela junção, a uma determinada velocidade, de fragmentos

pictóricos inertes, a representação, no cinema, torna-se um lugar problemático, lugar de

cruzamento e radicalização das ilusões que foram sendo constituídas ao longo da

história da arte pictórica ocidental, e que existem para fazer esquecer – a tela, a parede,

os pigmentos, etc.

Talvez pelo lugar que o cinema veio ocupar nesta história, os primeiros teóricos

do cinema (Arnheim, Eisenstein, para relembrar os nomes aqui citados), entre

aproximadamente 1916 e 1930, procuram exactamente definir o cinema através do

estabelecimento de uma distinção entre a representação cinematográfica e a realidade.

São teorias essencialmente formalistas, concentradas em fechar o cinema sobre si, em

encontrar os seus mecanismos inerentes, o seu “específico” (noção de Epstein), e em

descrevê-lo como uma arte, criadora de uma vida própria e descobridora de um mundo

novo. Com a invenção do cinema falado28, mais ou menos de 1930 até 1950, o cinema é

considerado definitivamente uma arte, e os teóricos deixam de se ocupar com a sua

definição e caracterização, e passam a analisar maioritariamente o seu “uso”, ou os seus

alcances. É a época, por um lado, da politique des auteurs, o germinar da ideia da

camera-sytlo (Astruc), e de uma consequente substituição da preocupação com um

“específico”, pela preocupação com um “essencial”: o esforço é, já não descobrir o que

é próprio ao cinema, mas sim perceber como aparece, e depois os alcances e as

consequências disso mesmo; já não a preocupação em definir o cinema todo, mas

percebê-lo através das suas manifestações (o essencial como uma “ideia precisa de

cinema”29). Na mesma altura, as teorias do realismo tornam-se dominantes. Estas

descrevem o cinema como uma arte da natureza e a sua representação como

transparente. André Bazin, por esta altura, defende a famosa “lei estética” da

“montagem interdita”, acreditando e prescrevendo que o cinema deve captar, registar a

28 E utiliza-se esta expressão, e não “cinema sonoro” por se considerar aqui que é aquela que melhor seopõe à de “cinema mudo”, e para fazer justiça às exibições, de facto sonoras, que animaram o cinemaantes de 1930.29 GRILO, João Mário. As Lições do Cinema: manual de Filmologia. Edições Colibri/FCSH-UNL,Lisboa, 2007. (pág.139) “Essencial” foi uma noção empregue pela primeira vez por Rivette num textoque escreve sobre Otto Preminger: RIVETTE, Jacques. “L’éssentiel” in Cahiers du cinéma (nº29), 1954.

17

ambiguidade fundadora das coisas. Já nos anos de 1960 a 1970, talvez pelas condições

históricas de convulsão, estes conceitos que apareciam seguros nas teorias clássicas, são

postos em causa (o que põe em causa a própria base dessas teorias); falamos de noções

como “realidade”, “ilusão”, “registo”, “autor”. Nesta altura, a ideia de uma

representação transparente dá lugar à ideia de opacidade; a funcionalidade do

dispositivo cinematográfico é substituída pela resistência; à ideia de completude (o

cinema como sendo capaz de dar uma ilustração orgânica do mundo) substitui-se a ideia

de dispersão (o cinema como complexo de problemas que se colocam entre si e esse

mundo, e que impedem que seja ilustração)30.

Num texto de 1970, Jean-Louis Baudry31 sistematiza aquela que acaba por ser a

tendência das teorias que se concentram na representação cinematográfica na altura, a

suspeita. Ao enraizar o aparelho cinematográfico numa história que cruza a ciência, os

aparelhos ópticos, a representação, Baudry pergunta se a ciência, na base dos aparelhos

ópticos (da camera obscura ao cinematógrafo), e a ideia de neutralidade que a ela é

inerente não fará com que, por um lado, não se questione o que é visto; e por outro,

mesmo quando se questiona, se as perguntas que se fazem ao visto não estarão

condicionadas por uma “ideologia”32.

Neste texto, o autor começa por fazer corresponder o surgimento da perspectiva

artificialis renascentista com o fim da concepção geocêntrica (Galileu), encontrando aí

um paradoxo fundador da história da imagem ocidental na sua relação com a ideologia:

o geocentrismo significa o afastamento do homem do centro do universo; a perspectiva

coloca-o de novo aí, através da ilusão de profundidade de que o nosso olho é centro

organizador. Essa ilusão é o início de um processo de ocultação das operações que

formam a imagem: a ilusão de que o nosso olho é aquele que organiza o espaço

pictórico visto, esconde a construção de um “bom” 33 sítio de onde olhar, inerente à

perspectiva. Esse poder de organizar uma imagem é ditado, imposto, pela maneira como

30 Na mesma altura, e talvez por consequência, o cinema deixa de ser alvo de uma teoria unívoca,centralizadora, passa a ser objecto de diferentes disciplinas – semiótica/semiologia, psicanálise, etc. – quese concentram, cada uma, nos seus problemas específicos.31 “Ideological effects of the Basic cinematographic apparatus” – lemos a versão inglesa do textopublicada em MAST, Gerald; COHEN, Marshall (ed). Film Theory and Criticism – IntroductoryReadings. Oxford University Press, Oxford, 1985.32 Baudry dá o exemplo da profundidade de campo: quando dizemos que ela é reduzida, não estará estaconsideração baseada numa ideia de realidade em que a profundidade de campo é ilimitada? De onde vemessa noção de realidade?33 Relembramos que é o esforço na definição de um “bom” cinema que afasta Arnheim da reflexão emtorno da especificidade do medium: apesar de se aproximar de uma definição material do cinema, é aconcentração no uso dessa raiz material que o afasta de uma definição ampla e abrangente ou completa domedium cinematográfico.

18

essa imagem está elaborada (e parece surgir para compensar a perda de poder na

organização do mundo) e, portanto, dificilmente é um poder. Ao homem, ao “sujeito”

que vê, é ditado o seu sítio; e este torna-se assim conduzido na sua missão organizadora,

o que no fundo significa que está a organizar qualquer coisa já organizada. Baudry faz

por fim corresponder a própria “impressão de realidade” do cinema (aquela que faz com

que os espectadores saiam assustados da sala) com esse lugar inactivo, reservado ao

sujeito na representação depois da perspectiva. O cinema reproduz as duas condições

complementares (enumeradas por Lacan) que permitem ao sujeito constituir-se como

“imaginativo” – fraca mobilidade, predominância da função visual. Ao fazê-lo, constitui

dois níveis de identificação entre sujeito e imagem: um existe entre aquele que vê e

aquilo que é visto, ou seja, exactamente entre sujeito e imagem onde esta, por ter um

sentido que é independente do sujeito que a percebe, se reconstrói de cada vez que

alguém a vê (a identificação, a este nível, é esse movimento de reconstrução que

acontece porque alguém recebe a imagem; a identificação não é uma relação que se

estabelece entre sujeito e objecto representado); o segundo nível de identificação

estabelece-se entre o sujeito e a maneira como vê o cinema, na medida em que o cinema

o obriga a ver numa situação com condições específicas (a sala escura, a cadeira).

Baudry conclui que, de facto, o espectador de cinema se identifica menos com o

espectáculo do que com aquilo que o produz, com aquilo que faz com que veja esse

espectáculo de uma certa maneira. Sendo daí que advém, “provavelmente”, a impressão

de realidade do cinema.

Ao contrário das teorias anteriores, que primeiro tentaram descrever o objecto

‘cinema’, e depois tentaram perceber os alcances daquilo que esse cinema produz,

Baudry parece sugerir uma concentração no como produz. Para isso dirige a sua atenção

para aquilo que estava oculto, e intocado, nos questionamentos anteriores: as bases

tecnológicas que preparam os produtos (para aquilo que está escondido, normalmente),

descrevendo o cinema como um trabalho específico, que acontece entre a realidade e a

câmara e depois entre a inscrição e a projecção, e que se funda num processo de

transformação, fundamentalmente escondido para criar uma ilusão, a que está inerente

um efeito ideológico, e que depende de uma inércia do espectador.

A exposição do mecanismo é aquilo que poderá retirar o sujeito da sua

tranquilidade, ao perturbar o processo pelo qual as imagens se formam no cinema. Se a

impressão de realidade reproduzida pelo cinema depende, como vimos, do sujeito

(Baudry diz mesmo que esta realidade é do sujeito), e da sua identificação com as

19

condições de visão (mais do que com o visto), a exposição daquilo que se esconde para

a criação dessa ilusão põe em causa a impressão de realidade, e portanto a ilusão. De

repente o filme é visto a trabalhar, a ser produzido. Aliás, já em 1969 Jean-Louis

Comolli e Jean Narboni, no editorial dos Cahiers du Cinéma nº216, se questionavam

sobre este problema, e apresentavam a mesma conclusão - com um tom contudo mais

prescritivo e activista. O filme é visto como produto, manufacturado no seio de um

determinado sistema de relações económicas e num determinado sistema ideológico,

perante o qual a única resistência possível seria a exposição dos seus mecanismos e

materiais de fabricação.

Estes anos são aqueles que mais fervorosamente se dedicam a pensar a

representação cinematográfica, a isolá-la como objecto, pensando os processos pelos

quais acontece, revelando aquilo que estava por questionar por ser considerado

automático ou imediato (constituía a base a partir da qual trabalhavam as teorias

cinematográficas dos anos anteriores). Uma reflexão recuperada depois por volta dos

anos 80, quando se começa a pensar o vídeo, e as consequências que traz para a

concepção da representação cinematográfica.

o vídeo: forma plástica e movimento

A tecnologia está entre corpo e imagem sendo aquilo que possibilita o controlo

sobre ambos. Para Bragança de Miranda, apesar de a tecnologia continuar a colar-se ao

corpo fazendo sair dele as suas imagens, hoje trabalha na transparência, levando esse

corpo ao seu limite, o que faz com que, por um lado, se substitua à sua carne – acontece

por exemplo com o computador que se cola ao nosso corpo através de uma série de

gadgets, alguns dos quais se imiscuem de forma tão profunda que formam um outro

corpo, com outra carne - e, por outro lado, liberte as imagens para um outro corpo

qualquer. As imagens tornam-se coisas que vagueiam. E levam assim ao extremo aquilo

que estava já disponível com o aparecimento da fotografia, do gramofone, do cinema no

início do século XIX: as imagens separam-se dos corpos, e ficam disponíveis para se

colarem a um outro corpo qualquer. Mas enquanto aí, na altura dessas invenções, as

imagens se soltavam, apenas, e os corpos ficavam disponíveis; agora, com a tecnologia

digital, as imagens que se soltaram colam-se de facto a esses corpos deixados

disponíveis.

20

No caso do cinema, o vídeo opera este movimento de libertação das imagens,

disponibilização da carne, e depois de remistura das imagens soltas num outro corpo.

Compreende-se assim que o vídeo tenha introduzido um carácter de esboço no cinema,

e tenha inaugurado um novo quase-género cinematográfico, os ensaios34. A este nível, o

que Histoire(s) du cinéma35 faz é libertar a imagem do cinema do seu corpo, e

remisturá-la num novo corpo sempre provisório, que se desfaz a cada andamento da

moviola, a cada batida na máquina de escrever.

Separar a imagem do medium – como parece acontecer de cada vez que se tenta

desfazer essa simbiose “factual” por um exercício analítico de concentração num ou

noutro elemento, como foi descrito por Belting – significa desincorporar essa imagem e

reincorporá-la logo outra vez. O corpo digital, contudo, é também ele provisório, e

pronto a ser desfeito e refeito uma e outra vez36. Apesar de Belting considerar uma

armadilha aplicar a distinção entre media analógicos (aqueles que são análogos ao

mundo que reproduzem) e media digitais (aqueles que se libertam da mimesis) à

imagem, diz ao mesmo tempo que, quando se olha para o medium tentando destacá-lo,

se esquece a imagem. Como vimos, o que esse exercício de atenção faz é provocar uma

outra imagem. Ora, os media digitais, ao estarem libertos da mimesis, e provocarem

uma consequente atenção em si, parecem fazer nascer essa outra imagem.

O vídeo pode ser, então, para nada37. Permite um jogo onde, ao concentrar-se

nos limites do medium, os alarga, os estende, sem produzir nada mais do que isso

34 O programador Ricardo Matos Cabo demonstra uma preocupação com este problema, na programaçãoque desenhou em 2005, para a Culturgest, “Designmatography” incluída na Experimenta Design domesmo ano que tinha como tema “O meio é a matéria”; e numa programação de 2008, também naCulturgest, “Histórias do Cinema por si próprio”. O programador vê no cinema uma propensão para estese pensar a si próprio através dos seus meios, presente em potência desde a sua invenção. Este é um dosmovimentos que o vídeo vai fazer explodir, com as suas imagens vagueantes, acrescentando um carácterde esboço a essa propensão meta-crítica do cinema: já não se trata só de remisturar imagens noutro corpo,é deixar esse outro corpo disponível também, provisório, incontrolado.35 Série de Jean-Luc Godard realizada entre 1988 e 1998.36 Paulo Rocha, que recentemente tem vindo a experimentar o vídeo, diz que o que o atrai no medium é oseu carácter selvagem, que faz coisas para lá da mão (debate do PANORAMA –2ª Mostra doDocumentário Português; Fevereiro 2008, Cinema São Jorge).37 A concepção do vídeo que se tem vindo a defender aqui, ignora todo o discurso economicista queamplamente tem ocupado as discussões em torno da nova tecnologia. Essas discussões falam de novosprodutos, e de como o digital veio revolucionar o consumo do cinema, através nomeadamente datelevisão e do DVD (por exemplo nos artigos “Digital Cinema: A False Revolution” ou “The emergenceof filmic artifacts” – e esta visão economicista é observada principalmente na reflexão norte americana.Há, por outro lado, o exemplo dos franceses, nomeadamente com Alain Bergala que, numa análise dotrabalho de Godard, se concentra nas consequências do vídeo dizendo que este arranca a sua imagem àmorte do cinema (em Nul mieux que Gordard). Todos se concentram na análise de uma revolução,contudo, e não no que a nova tecnologia faz ao corpo do cinema, este que continua e se mantém). Essediscurso economicista (principalmente, então, o americano) tende a concentrar-se na “qualidade técnicada imagem” (que é cada vez mais facilmente correcta), mas ignora esta imagem mais funda que temos

21

mesmo. Um jogo em que não serve para imitar, para criar ilusoriamente um mundo

análogo ao nosso38, mas simplesmente para atacar o medium fazendo-o parar, separando

assim a formação da imagem do seu “círculo”. E criando uma forma sempre em

diferimento. Plástica. Maleável.

Para Carl Einstein39 a arte não imita, cria visões; e estas visões não estão

estanques, mas em acto – um quadro não fixa uma visão, mas sim dá a ver na mesma

medida em que vê. O “espaço cúbico” é, segundo o autor, um espaço total que se inclui

a si e aquilo que o rodeia, dando origem a uma experiência simultânea e não

sucessiva40. É qualquer coisa que chega toda de uma só vez. A obra de arte que Einstein

defende – e chega a ir para a Guerra Civil espanhola para que Picasso possa continuar a

pintar o Guernica; defende-a com o próprio corpo – é aquela que não imita, mas cria o

seu corpo, entrando no movimento do real sem o fixar, mas perpetuando-o

infinitamente. Esta perpetuação faz parte de uma certa atitude em relação ao real, uma

que em vez de o querer controlar fixando-o, vê no movimento a única forma de fazer a

vida perdurar41. É uma atitude própria do primitivo – e por isso o espaço cúbico não

aparece para Einstein apenas no cubismo, mas também nas esculturas africanas

primitivas - um primitivo que fala da possibilidade de um regresso não do que estava

antes, mas de um regresso ao inferior, pela irrupção de forças que estão mais abaixo,

reprimidas pela tecnologia moderna.

vindo aqui a procurar, onde o vídeo parece ter consequências de outra natureza, ampliando e nãorevolucionando um movimento que estava já inscrito no cinema desde a sua invenção.38 Mesmo os efeitos especiais criam um outro corpo. E se tivermos em conta essa tónica, e não acapacidade realista que concedem à imagem cinematográfica, percebemos que o que criam, maisradicalmente, é outro mundo. Mais uma vez: um outro corpo, com outras imagens, uma outra carne, queaparecem pela libertação da mimesis, por um lado, e pelos contentores disponibilizados que essalibertação cria, e a que se vão colar, sempre provisoriamente.39 Poeta, escritor, historiador e crítico de arte, nasceu em 1885 e escreveu intensamente até morrer, em1940, nomeadamente na revista Documents (especialmente no seu primeiro ano de edição, 1929).Dedicou-se sobretudo a pensar sobre arte africana e primitiva, criando ligações com o cubismo analítico.E escreveu uma História da Arte do Século XX antes do final do primeiro quarto de século.40 É por isso própria à “Era das Imagens” que Hans Belting opõe à “Era da Arte”, aquela que veio destruiro carácter simultâneo das velhas imagens. Com Lutero, as imagens passaram de objecto a complementoda palavra, operando a divisão entre espírito e matéria, entre mundo e sujeito (e só a mentalidade arcaicasustém a esperança de uma harmonia entre os dois pólos). O primitivismo parece permitir uma irrupçãodesta imagem que anula lutas metafísicas, e junta tudo numa só experiência, destituindo os dualismos danova “Era da Arte”. BELTING, Hans. Likeness and Presence: A History of the Image before the Era ofArt. The University of Chicago Press, Chicago, 1994.41 É também neste sentido que Henri Bergson critica a prática filosófica ocidental, que tende a querersubstituir o seu conceito à percepção, em vez de se concentrar em completá-la, fazendo daí nascer teoriascomo pedras a que se opõem as precedentes e as seguintes. A visão do movimento, para Bergson, é odespedimento desta luta. Ver o movimento só é possível vendo-o em movimento, na sua “durabilidadeoriginal”.

22

O digital parece ser também espaço deste regresso, por permitir a libertação de

forças incontroláveis, deixadas à solta, à espera de um corpo qualquer. Há uma

maleabilidade no digital que acompanha esta visão da arte de Einstein. O vídeo parece

ser a produção de disponibilidade, produção de produção (que por isso mesmo permite

voltar a pensar na representação cinematográfica nos termos de Baudry).

a arte povera como visão do movimento em movimento

A Arte Povera apareceu com o desejo de contrariar a lógica consumista da

produção contemporânea. Lutou contra a ideia de produto acabado, resistiu ao discurso

intelectual e sistemático, atacou a ilusão, propondo a apresentação em vez da

representação. Essa espécie de movimento apareceu quando as novas tecnologias se

estavam a tornar a tónica da criação artística, propondo que o centro da arte fosse, não

essas tecnologias, mas o gesto artístico que as punha a funcionar. A arte podia fazer-se a

partir de qualquer coisa, de qualquer maneira. E é por tudo isto que servirá aqui de

exemplo, também.

Foi um pequeno movimento artístico que habitou a Itália durante mais ou menos

10 anos (de 1960 a 1970). Foi vivido por um circunscrito número de artistas, e o seu

cariz local e limitado levou a que nunca desse um salto internacional (e por isso o seu

nome ficou por traduzir). Mas esse seu carácter estrangeiro – é uma arte “povera” e não

“poor” ou “pauvre” ou “pobre” – e o nunca se ter tornado um “-ismo” - um

minimalismo, um conceptualismo, um abstraccionismo, etc. – funcionou como

libertação, levando à disseminação do termo (“Povera”) por um conjunto alargado de

práticas, desenvolvidas por artistas das mais diferentes geografias, dos mais dispersos

tempos. O manter-se pequena foi talvez o que levou ao seu alargamento, por se

desprender de grupos e nomes, e não se fixar num único movimento, de fronteiras

estanques.

Isto significa que se tornou qualquer coisa difícil de definir. Durante a sua vida

mais forte e clara (os tais 10 anos, de 1960 a 1970), sucederam-se vários esforços no

sentido da internacionalização, através nomeadamente de tentativas de tradução (ou

versão) do nome. Estas não encontraram uma denominação que definisse toda a Arte

Povera (e por isso não resistiram), mas vale a pena enumerar os nomes que daí

apareceram porque descrevem características específicas e assim ajudam, todos juntos, a

definir esta espécie de movimento, e a perceber o que produziu. A Arte Povera era

23

“anti-form” (houve uma exposição com este nome na John Gibson Gallery, em Nova

Iorque, por exemplo), por dirigir um ataque preciso às formas e aos materiais, e por

resistir a tornar-se forma, produto definido e fechado (tal como o próprio movimento da

Arte Povera resistiu a tornar-se um produto consumível e fechado); era uma arte micro-

emotiva, pelo alto envolvimento pessoal e emocional, pela sua mistura com o próprio

corpo do artista, que é inclusive usado como material, às vezes; uma arte possível pela

entrada de objectos antes não considerados artísticos; mas também uma arte impossível

(expressão de Rosalind Krauss) porque transfere o centro do resultado para o processo:

é uma arte, assim, por cumprir; uma “concept art” pelo uso de materiais mundanos; ou

uma “earth art” por se misturar com o mundo e deixar-se afectar pelos elementos

naturais, tal como a terra.

Destas acepções salta uma ideia, que de facto se torna a característica mais forte

da Arte Povera: para resistir à lógica consumista que começava a alcançar a arte (e a

crítica dirige-se especialmente à Pop Art), há um conjunto de artistas que propõe que a

sua produção artística nunca deixe de ser produção. Isto é, construíam e apresentavam

objectos (muitas vezes estranhos ao mundo da arte) para que estes tivessem uma vida

própria para lá do gesto que os tinha originado (ou pelo menos que os tinha colocado no

campo da arte). Um exemplo que agrega todas as características enumeradas: Penone

coloca um monte de batatas dentro de uma galeria (Patate, 1977) – é um ataque às

formas pela introdução no espaço galerístico de um objecto estranho a esse espaço, e

pela introdução de uma coisa perecível (as batatas continuam a decompor-se mesmo

estando expostas; a arte não interrompe a sua vida própria), e mundana, que aponta para

o nosso quotidiano, e muito especialmente para qualquer coisa de básico desse

quotidiano.

A Arte Povera sugeria a tautologia como primeiro instrumento de ataque ao real.

O que queria produzir era, não uma representação ou um duplo do real, mas um real

próprio, com vida também ela própria. Luciano Fabro, numa série de trabalhos a que

deu o subtítulo de “tautologia”, sugere a redescoberta dos lugares comuns, por exemplo

o “canto” como junção de parede e chão. E para isso não imitava o “canto” do real,

criava um “canto” real, e apresentava-o. Outro exemplo: em 1969, Alighiero Boetti

colocou uma estrutura de quadrados sobre um fundo branco, quase opaco, na parede de

uma galeria. Nada se via para lá dessa parede semi-transparente, nada era reflectido, e a

mão do artista desfazia-se nessa proposta de nada mostrar (chamou-lhe: niente da

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vedere, niente da nascondere). É o contrário da pintura como janela para o mundo. O

corrosivamente oposto à ilusão pictural.

O que há de pobre na Arte Povera é então o seu gesto, e não propriamente os

materiais, apesar de muitos o considerarem assim (uma série de artistas, preocupados

com estarem a ser conotados com o uso de materiais pobres, convenceram um curador a

não colocar Arte Povera no nome da exposição, mas a chamar-lhe “processos de

pensamento visualizado”42). É uma postura de não ter nada, de partir de um zero que

torna qualquer coisa passível de ser transportada para o campo da arte, um interesse

pelo comum, pelos objectos ou acções do quotidiano, aparentemente sem interesse, sem

qualquer dimensão espectacular. Uma procura pelo mais fundo, mais básico, mais

primário dos objectos e do mundo, uma procura pelo material mais bruto, agindo ou não

sobre aquilo que usa – o gesto tanto pode ser o de rasgar, partir, magoar os materiais (há

um catálogo de uma exposição de Arte Povera na Tate, em Londres, em que na

contracapa aparece uma citação de Yeats: “Nothing can be unique and complete if it has

not been ripped”); como pode ser o gesto de colocar coisas comuns (como batatas) em

exposição, para que se olhe para elas.

Tapiès coloca terra nas suas telas para depois escavar. Acumula para esburacar.

As casas que Gordon Matta-Clark esculpe ou esburaca acabam sempre por cair, sendo

essa propensão para o cair que propicia e provoca o corte, também.

A Arte Povera é então habitada pela precariedade dos seus objectos, que vivem

no momento em que são compostos e expostos, e que assim não existem como objectos

imutáveis. Estão em constante e real recomposição. Não se trata só de introduzir novos

objectos na galeria (embora eles apareçam), mas de os colocar para que se retirem.

Abrir buracos sobre eles e com eles. A precariedade dos objectos é aquilo que interessa

à Arte Povera (e não os objectos), o que interessa é o tratamento de uma experiência

condensada num gesto que é atravessado por movimentos que perpetua (não fixa). E é

por isto que está tão conforme o espaço total da arte tal como foi vista Einstein, e que

aqui já foi descrito, ou conforme aquilo que este autor define como “tectónica

alucinatória”43. A superfície de um quadro cubista é atravessada, perfurada por coisas

reais que, ao mesmo tempo que se acumulam, abrem fendas. São cicatrizes: acumulação

42 O curador era Cristophe Ammann, e a exposição aconteceu em Luzern, em 1969.43 Os homens procuram fixar a vida através da pedra; a tectónica de Einstein, por outro lado, é nãopetrificada. O que ele descreve são formas tectónicas, colectivas, atravessadas, contudo, por uma visãoinconsciente, individual. E a expressão “alucinação tectónica” expressa o caminho que junta estes doispólos - alucinação como experiência interior, tectónico como experiência espacial - num só gesto.

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de carne que assinala o corte. É como se se deixasse exposta na superfície da tela a

arquitectura, o esqueleto das figuras em composição. Uma superfície perfurada por

“ácidos”. Nos quadros cubistas acumula-se para abrir espaços, na Arte Povera faz-se o

mesmo, ao deixar que as coisas se transformem para lá do gesto que as fez aparecer na

arte – abrem espaços que correspondem à sua vida própria, para lá do gesto que as

colocou ‘ali’. Trata-se portanto de uma construção que se põe a mexer, para dar a ver a

estrutura que a sustém. É uma pedra plástica. Ou um corpo à procura de imagem, e vice-

versa.

II. programação:cinema pobre, cinema bruto: a materialidade do cinema

Quando se retira a ilusão, o cinema torna-se pobre, os seus materiais aparecem,

rudes e brutos, à superfície. E nessa pobreza, nessa brutalidade, o cinema aparece numa

crueza normalmente tapada pela sua imagem. Mostrar a materialidade do cinema é

procurar o instante em que o cinema olha para si próprio, ou se deixa ver na sua carne, é

observar a formação de uma imagem própria, independente e selvagem, que continua. É

a vida que escapa ao foque da câmara de Il vangelo secondo Matteo, são os fotogramas

do homem que corre, num arrastamento para a morte, em La Jettée, coisas que

aparecem quando o meio cinematográfico falha e fica à vista. O negro bruto de Branca

de Neve, os planos fixos que assinalam a incompletude de Pasazerka, os cortes mais

rápidos que a mão nas montagens de Vertov, as massas que nos chegam inteiras como

sensações nas sobreposições de Bruce Baillie, ou a película como material em

destruição e desaparecimento em Spiral Jetty e na guerra de 79 Primaveras. Coisas que

não se dizem, que se apontam, e todas juntas, silenciosas, talvez deixem ver por

instantes, à velocidade de uma luz intermitente, o que será isso de materialidade, no

cinema. São aquelas imagens que aparecem por acaso, num cinema em ferida. Qualquer

coisa que dá a ver o momento do cinema, onde o projector se torna também moviola,

oferecendo um corpo que ao mesmo tempo que se forma, se dá a ver, e se desfaz.

programação

79 primaveras | Santiago Alvarez | 35mm, 20’Le mystère Picasso | Henri Georges Clouzot | 35mm, 80’Histoire(s) du Cinèma (4B: “Les signes parmi nous”) | Jean-Luc Godard | vídeo, 27’

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Em 79 Primaveras, Santiago Alvarez mexe e articula corpos de imagens velhas

ordenados de forma a seguir as “Primaveras” da vida de Ho Chi Min. Mas essas

imagens em que mexe são tocadas de forma tal que deixam, por vezes, e por instantes,

de ser imagens para passarem a ser corpos estragados e magoados, que nos falam não só

de uma guerra, mas são material em guerra, também eles. Seja através de uma mão que

estraga a película – material que fixa as cores no cinema, e que passamos a ver, em vez

dessas cores que fixa e que normalmente são a única coisa que vemos - seja através de

trabalhos internos – de zooms e reenquadramentos – onde deixamos de ver olhos, para

passarmos a ver pontos, o que Santiago Alvarez traz ao de cima é a materialidade do

cinema. E essa materialidade dificulta e atrasa o aparecimento da imagem, no exacto

movimento que aqui nos ocupa.

Em Le Mystère Picasso, Clouzot cria um mecanismo improvável de visão, ao

colocar a câmara debaixo da pintura que Picasso está a construir. Vemos-lhe a cara. E

do outro lado vemos os traços que vai fazendo e desfazendo, numa vertiginosa acção

desconstrutora que, nesse movimento, vai criando coisas novas e sempre provisórias -

um olho passa a peixe, que passa a galo, etc. Vemos como na pintura de Picasso cada

traço pode ser uma multiplicidade de coisas. E o cinema aparece também aí, nesse

rodopio incessante de linhas que nunca se fixam, não se fixando também. Torna-se

coisa, como no filme anterior.

Neste episódio das suas Histoire(s) du cinèma, Jean-Luc Godard finaliza a sua

história íntima do cinema, uma história do tamanho do seu corpo, que a remistura e a

apresenta – a história, para Jean-Luc Godard, não pode ser senão a sua, lugar

materialista de solidão. Este episódio 4B constitui o fim de um percurso mais pequeno

que parece ser construído com os episódios “B” das suas histórias, onde se pergunta

sobre a imagem e os materiais do cinema, e sobre os lugares obscuros e carnais onde o

cinema acontece apesar de tudo (1B); um cinema que pensa com as mãos (e com uma

“camera-stylo”), necessário porque é capaz de libertar as palavras que ficam presas na

garganta, desenterrando assim a verdade, coisa misteriosa trazida ao de cima num gesto

misterioso também (2B); cinema da redenção do real, nomeadamente através de uma

Nova Vaga que filmou o que não podia ver – “cegamente e de memória” (3B). É um

episódio que fala do invisível. E que através dele problematiza o aparecimento da

imagem do cinema e a sua relação com a história. A imagem aparece nas palavras e nas

batidas da máquina de Godard sempre dobrada por um vazio, a que faz apelo. O que

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vemos vem sempre acompanhado por outra coisa, que não se pode ver, mas de que

precisamos, para ver. É o ponto final numa materialidade que se torna cada vez mais

clarificada pelo percurso desta primeira sessão.

Nuit et Brouillard | Alain Resnais | 35mm, 32’Pasazerka | Andrzej Munk | 35mm, 61’

Nuit et Brouillard e Pasazerka parecem responder, e atacar, o vazio para que

remete Godard no fecho da sessão anterior, ao perceber que olhar de frente esse vazio é

deixá-lo assim. São a impossibilidade de olhar para um passado demasiado brutal em

imagens coloridas de um presente quieto e abandonado. E em frames parados que

assinalam o ponto a que o cinema não chegou, fazendo-o ao mesmo tempo viver aí. De

ambos, emerge um vazio, silencioso, quieto, assustador. Um vazio que aparece cheio de

coisas transportadas por uma imagem mais funda, que ambos os filmes trabalham,

através de uma invisibilidade justa que se torna aqui palpável, tocável. Complementam-

se aí.

La Jettée | Chris Marker | 35mm, 28’Branca de Neve | João César Monteiro | 35mm, 75’

La Jettée pára o movimento da imagem, fazendo aparecer os momentos de corte.

O filme usa as características do seu mecanismo para o pensar no exacto momento e na

mesma medida em que o pára. E assim, jogando com a ideia de uma imagem

cinematográfica parada, cria um movimento interno, mais geral que cada um desses

fotogramas quietos. Faz-nos assim ver que o movimento do cinema está noutro sítio (e a

esse nível faz todo o sentido que a paragem das imagens seja operada para contar a

aproximação de uma morte, paragem absoluta). É assinalando o limite que Chris Marker

nos faz ver mais.

E o mesmo acontece em Branca de Neve, onde o movimento do cinema é parado

por um negro, que é negro de luto, também. Num gesto político, que pode servir para

pensar a política do cinema em Portugal, e a dificuldade tanto de o trabalhar como de o

ver, este filme põe-nos a ouvir. E o que aparece nesse sussurro é uma imagem funda,

nascida no momento em que o mecanismo de ilusão cinematográfica é abruptamente

destruído.

28

Passamos de um cinema que decide assumir que não consegue ver para um

cinema que pára, então, e aí põe a mexer.

Les Hautes Solitudes | Phillipe Garrel | 35mm, 80’

Num debate da 2ª edição da Mostra do Documentário Português (Panorama),

Margarida Gil, falando do seu trabalho na montagem, fala de um ser original e primeiro

que existe no material filmado, e que depois é cortado e rarefeito para ser devolvido no

final da montagem. Em Les Hautes Solitudes, Phillipe Garrel fica com e protege esse

ser primordial e silencioso. De cada vez que é projectado, o filme ganha um corpo novo,

inerente à sua emanação, sublinhando assim duas características do material

cinematográfico que trabalha: a sua existência efémera, presa ao momento em que é

projectado, em intermitência; e o embate, que é deixado em bruto, com o movimento

das coisas que passam em frente ao mecanismo do cinema e que este fixa e recria.

Retirando do processo esta “recriação”, ficamos com essa imagem original, que aparece

antes do trabalho, e que assinala um trabalho mais fundo: esse que traz para dentro do

filme uma torrente, uma massa de vida, ininterrupta e vertiginosa. A imagem deste filme

é essa mesma, e Garrell parece não ter medo da vertigem.

21 – 87 | Arthur Lipsett | 16mm, 10’One P.M. | D.A. Pennebacker | 35mm, 90’

Da sessão anterior para esta, um raccord feito pelos fragmentos deixados à

mostra, como se antes da pintura estivesse o desenho e fosse esse que aqui pudesse ser

visto. Uma ligação feita pelo esboço. Mas ao qual é acrescentado um som, deixado

descarnado, também ele. Nestes dois filmes os planos aparecem como rushes, com sons

precários e fugidios, em desfasamento. Já não se trata aqui de uma brutalidade muda,

mas de uma brutalidade dessincrona.

O primeiro filme é feito de imagens e sons de arquivo, de origens distintas,

remisturados num outro corpo, aquele que chega até nós. One P.M. é um filme que era

para ser um outro filme, e que é deixado nesse sítio onde falhou. Fala-nos de um cinema

de que cada filme é feito por milhares doutros possíveis – e são esses possíveis que

fazem o filme que vemos –, decidindo mostrar um desses outros filmes, normalmente

tapados por aquele que aparece.

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O material em bruto, mais uma vez, mas agora com um som também ele bruto,

que, ao aparecer num outro plano, distinto do da imagem, parece tratar esse problema

que é juntar uma voz a uma cara (problema fundamental do “cinema falado”).

I Paisan | Giuseppe Morandi | 16mm, video | 128’

Ao visitar e revisitar espaços de sempre, Morandi conta-nos as histórias e as

caras daqueles que conhece e que vê. É um filme que vê na mesma medida em que dá a

ver. E a relação entre som e imagem joga um papel fulcral nessa simultaneidade. Os

sons são de um tempo e de um espaço que não aqueles das imagens, e todos juntos

falam de um tempo e espaço próprio. Ao mesmo tempo o vídeo, no final do filme,

material de revisitação, de ver outra vez, não fixa o que antes aparecia desconexo e

dessincrono. Amplia e silencia a circulação dessas coisas, como se elas pudessem ser

vistas uma e outra vez, em tempos sempre desfasados e outros.

13 most beautiful women | Andy Warhol | 16mm, 30’L’arrivé d’un train en gare de La Ciotat | Louis Lumière | 35mm, 1’Tung | Bruce Baillie | 16mm, 5’Entuziasm: Simfoniya Dombassa | Dziga Vertov | 35mm, 67’

Há no cinema um tempo que chega todo de uma só vez. Nas caras de Warhol,

nos olhos fixos na câmara e em nós. Na chegada do comboio, primeira imagem, que por

ser de uma só vez, e assim tão drástica, se confundiu com um real também ele

insuportável. Em Tung, retrato íntimo e silencioso de imagens sobrepostas que, nessa

colagem, criam um tempo só seu, do seu corpo, em simultâneo. Em Entuziasm de

Vertov, a alegria da confluência e do ritmo, que parece querer fazer um corpo mais

rápido que a mão.

Dos fragmentos deixados tal como foram encontrados, passamos a fragmentos

trabalhados de tal forma que recuperam esse tempo, e a sua multiplicidade interna, do

encontro. O percurso é feito da brutalidade da torrente (Warhol e Lumiére) à

sobreposição de imagens numa só, numa espécie de palimpsesto que deixa ver as

marcas das coisas que nele foram sendo gravadas (Baille, Vertov). O retrato é, no fim e

em todos, a história de uma vida íntima. E é essa vida que, apesar de estar por vezes

demasiado próxima da nossa, nos fala de uma vida própria ao cinema, que lhe pertence.

O que parecemos tocar, em todos estes filmes, é nessa vida, feita numa materialidade

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onde o plano único e a sobreposição trabalham para a mesma coisa, para um mesmo fim

provisório e flutuante.

Wavelenght | Michael Snow | 16mm, 45’Spiral Jetty | Robert Smithson | 16mm, 40’Film in which appear sprocket holes, edge lettering, dirt particles | George Landow |16mm, 5’

Passamos para um outro tipo de massa temporal que aparece quando o cinema se

pergunta sobre o seu fim. Em Wavelenght, Michael Snow faz um interminável e

permanente zoom de um plano geral para um plano cada vez mais particular – até ser

absolutamente particular, quando se sustém numa imagem fixa, uma fotografia. Ao

constituir-se num só plano, o filme pergunta sobre o sítio onde se passa a tal interrupção

espácio-temporal que caracteriza o cinema. Trata-se aqui um fluxo contínuo, mas não

do nível daquele que foi constituído na sessão anterior. Aqui as coisas chegam

ininterruptas, mas cortadas por um outro tempo que não o seu, e sim o tempo próprio do

cinema, do corte, e da mão que o produz.

A fotografia final no filme de Michael Snow faz um raccord com a fotografia de

um dos planos finais do filme de Robert Smithson, e ambas nos falam de uma

interrupção abrupta do movimento ilusório do cinema (tal como já acontecia em La

Jettée, mas aqui já não através da paragem do frame, mas sim do objecto-fotografia). A

isso junta-se, neste segundo filme, um discurso sobre a efemeridade do próprio material

fílmico: porque Spiral Jetty é também uma escultura de Robert Smithson, algures no

Utah, num sítio recôndito que inclusive esteve literalmente inalcançável e invisível,

coberto pela “água, sais, minerais” que ao mesmo tempo compõem a enorme espiral. Se

aparentemente o filme Spiral Jetty é uma documentação da obra de arte, qualquer coisa

que serve para a tornar presente e visitável, a dificuldade de aceder ao filme (por vezes

tido como tão desaparecido quanto a obra), bem como o material, em degradação, em

que foi feito, falam-nos de um tempo da obra como do cinema que existe para

desaparecer.

No fim, um filme, que, seguindo o movimento construído pelos anteriores, leva

ainda mais longe esse tempo de um contínuo em desaparecimento. Um tempo que se vai

rarefazendo até não ser mais que partículas e lixo na passagem assinalada de um

fotograma de película.

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Il vangelo secondo Matteo | Pier Paolo Pasolini | 35mm, 137’

A vida mais rápida que o foque da câmara. O sem sombra impossível. As caras

tão rugosas quanto as montanhas da paisagem. Qualquer coisa que foge e escapa e que

no entanto está lá, quando o cinema se rompe. Uma vida que lhe escapa, e que no

entanto ele dá, nas suas margens, nos intervalos. O desfocado e a rapidez dos corpos

leva ao aparecimento de qualquer coisa que estava escondida pela narrativa, pela

representação.

Il Vangelo escondo Matteo foi uma vez projectado no corpo de Pasolini por

Mauri, um artista que trabalhou dentro das fronteiras frágeis da Arte Povera. E se esse

uso revela uma visão perspicaz de uma existência precária, essa existência está desde o

princípio no filme de Pasolini. Uma obra pobre, e bruta, em si e sozinha, ponto final que

aglomera e explode com todos os movimentos vistos ao longo deste programa. Uma

obra que deixa à mostra a fragilidade da sua carne, e dá por instantes uma imagem tão

funda quanto insuportável. Um invisível tornado coisa.

32

PARTE IIplano de estudos para um projecto de doutoramento

“Toutes ces histoires qui sont maintenant à moi, comment les dire?Montrer, peut-être.”

in Jean Luc Godard. Histoire(s) du cinema(episódio 2B. “Fatale Beauté”)

O que acabou de ser experimentado, com a primeira parte deste projecto? A

procura de um corpo, de uma imagem essencial no cinema, encontrou espaço de

expressão em filmes que poderiam pôr esse corpo a aparecer por trabalharem a sua

própria materialidade; e encontrou esse espaço também no conjunto desses filmes, numa

programação que, pelo seu percurso, e uma vez em funcionamento, poderia fazer

aparecer um só corpo composto por todos aqueles transportados por cada filme. O

programa, que está sempre organizado em volta de pequenos núcleos que explodem e

desaparecem – com a projecção -, tornar-se-ia ele próprio veículo de um corpo feito

desses bocados, feito do seu todo (e não da sua soma), que de projecção em projecção

apareceria em diferimento.

Assim, esta programação propôs filmes que questionam, põem em causa,

parando, avariando o mecanismo cinematográfico. Dentro de cada sessão, construiu-se

um percurso procurando que cada junção pudesse trabalhar por si, num entre filmes

invisível que fizesse aparecer mais qualquer coisa no visível de cada filme. Finalmente,

num terceiro nível, tentou-se construir um percurso por sessões, que no seu conjunto

pudessem criar uma imagem total de um corpo. A programação, lugar de

simultaneidade dessas três imagens – do filme, da combinação de filmes, da

combinação da combinação de filmes -, é uma proposta. Por um lado, de percepção de

um cinema preciso (assente na apresentação de um conceito, motor que conduz a

selecção e conjugação de filmes, e que é teórico: é a proposta de uma teoria ou de um

argumento); por outro lado, a proposta de leitura de um conjunto de filmes a partir

dessa perspectiva concreta e definida, feita numa sucessão onde cada filme alteraria a

visão do seguinte, e do antecedente.

Esse caminho é feito de filmes, conjugados sob uma mesma ideia de cinema. A

pergunta torna-se quase inevitável: porquê estes filmes e não outros?

33

Para Walter Benjamin, a história é a salvação de um passado por alguém hoje,

no presente. Não é senão do tamanho do corpo de quem a faz, estando esse corpo

sempre em questão, também, em qualquer construção histórica. Histoire(s) du Cinema é

disso exemplo: juntando fragmentos de filmes por si vistos, Godard articula uma

história do cinema à medida dos seus olhos, e das suas mãos, que misturam. É a história

daquele cinema, e é sua (a voz que sussurra uma narrativa feita de saltos, e articulações

não cronológicas, sublinha isso mesmo). Da mesma forma, a programação não poderá

ser constituída senão com base nos materiais oferecidos pelos filmes vistos, tornando-se

ela própria uma espécie de construção histórica; e por outro lado não poderá senão

constituir uma hipótese de percurso entre outras, infinitas e disponíveis. O programa

torna-se assim uma espécie de manifestação cinéfila, de exposição de uma relação

íntima e única, individual, com as imagens cinematográfica.

As cinematecas nascem da tomada de consciência da existência de uma arte

cinematográfica, e da importância dos seus materiais. Com elas surgiu praticamente em

simultâneo (mas não pacificamente) a missão de dar a ver esse material que se estava a

encontrar e a guardar. Num certo sentido, a programação vai ganhando um valor de

espectáculo e de preparação de um produto para o consumo (não só nas cinematecas,

mas sempre que se programam filmes fora do seu circuito comercial), sendo disso

exemplo a programação de filmes raros (programados pelo seu valor de novidade), a

construção de um programa a pretexto de um “tema” (“os comboios nos filmes”, por

exemplo, ciclo levado a cabo pela Cinemateca Portuguesa no ano 2000), a celebração de

um aniversário (de um cineasta, de um actor) como motor para a apresentação de

determinados filmes. “Queimem-se os filmes, são mercadoria”, cita Godard nas suas

Histoire(s)…, ao que acrescenta: “a arte é esse incêndio, nasce com aquilo que queima”.

Vimos como nos anos 60 (nomeadamente através de um editorial dos Cahiers do

Cinema) se defendia um cinema que expusesse os seus próprios mecanismos criadores

(única maneira de travar a ideologia); e, na mesma época, a Arte Povera defendia que a

procura dos corpos estava na destruição dos produtos, no magoar dos materiais para que

não dessem mais nada para além de si próprios. A esta programação subjaz o desejo de

levar a exposição do trabalho cinematográfico até ao fim, ao momento da sua

apresentação. E com ela se pretende lançar a base de uma discussão em que se propõe

pensar a programação como uma construção em processo, e como instrumento teórico

capaz de pensar/mostrar o cinema de dentro.

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Construir um programa pode ser, assim, pensar, sempre, sobre este corpo que se

tentou abordar aqui directamente, na primeira parte deste projecto, e pode nunca ser

mais do que isso mesmo: a constituição de uma imagem funda e provisória trazida ao de

cima por uma certa e volátil arrumação de filmes. E talvez esse seja o gesto que poderá

integrar-se nesse tal incêndio, no campo onde os produtos se queimam, para que a

imagem da arte lhes tome o lugar.

Procurou-se provocar encontros, embates, mesmo quezílias, entre filmes para

dessa violência fazer aparecer uma brutalidade - a brutalidade de um cinema. E ao

constituir como centro desse trabalho o encontro, e não cada filme isolado, despediu-se

por um lado a “novidade” como valor intrínseco a uma programação (terreno dos

produtos), e procurou-se libertar a imagem de um corpo específico a que pudesse estar

presa (gesto próximo àquele que o digital opera entre o corpo e a sua imagem).

A programação foi olhada como instrumento de pensamento, e como forma de

pensar o movimento próprio ao cinema, sem o parar. Como se o que houvesse a fazer

perante ele fosse nada mais que apontar, encontrando as estratégias que fazem com que

possa aparecer. E é essa constituição da programação como instrumento preciso, de um

trabalho também preciso de pensamento do cinema, que funda o objecto do trabalho que

se segue, planificação de um projecto a ser desenvolvido ao longo de estudos doutorais.

I. Objectivos e resumo do plano de trabalho

O primeiro objectivo será constituir a noção de programa cinematográfico como

possível lugar de um meta-cinema, simultaneamente de pensamento de um cinema-

pensamento e de elaboração de um discurso que exponha esse pensamento. Para tal, irão

problematizar-se as relações entre o cinema e o pensamento, questionando como se

poderá pensá-lo sem parar o seu movimento próprio. O cinema será apresentado e

discutido enquanto mundo total e completo, capaz de gerar uma vida própria. E o

programa de cinema será pensado como instrumento capaz de falar sobre sem sair,

como gesto de articulação de fragmentos fílmicos que poderá compor e pensar a ideia

de uma totalidade cinematográfica. Será pensado como o dedo que aponta,

constituindo-se a partir de uma ideia de linguagem cinematográfica, e com base na

caracterização da capacidade auto-reflexiva do cinema - tal como a meta-linguagem

permite falar sobre a linguagem por se situar num segundo nível, também a hipótese

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“meta-cinema”, fundada no programa cinematográfico, poderá ser a possibilidade de o

cinema falar sobre si. Finalmente, serão pensadas hipóteses para as aplicações práticas

deste instrumento, concretamente na constituição de um outro arquivo e museu de

cinema, pensadas a partir do desejo warburgiano de constituição de uma história da arte

sem recurso à palavra.

Tal como o cinema trata a vida ao criar um movimento sobre outro movimento

(Epstein), a vontade será aqui a de tratar o cinema criando um movimento (o do

programa) sobre outro movimento (o do cinema). O plano de trabalho está estruturado,

não para justificar esta hipótese, mas para a fazer sair de uma análise da técnica, da

estética e das estratégias pensantes que o cinema inaugurou.

II. Constituição histórica do problema

Quando, numa entrevista, perguntaram a Lotte Eisner se encontrava diferenças

entre o aparecimento do cinema em França e nos Estados Unidos, ela responde: “You

see, in America Edison put [cinema] into a box for one person to see and Lumière had

the idea of projecting”44

A primeira projecção pública de cinema aconteceu no Salon Indien du Grand

Café, a 28 de Dezembro de 1895, em Paris. Mas ainda não se poderá falar, aqui, de

programação cinematográfica, se a pensarmos (como temos vindo a fazer) enquanto

exibição sistemática de mais do que um filme. Talvez se possa começar a falar de

programa de cinema, sim, quando, em 1900, algumas modificações nos projectores

permitiram juntar vários filmes numa só projecção (colavam-se os filmes que tratavam

um mesmo assunto); mas é quando o cinema se constitui definitivamente como arte, no

crepúsculo do mudo, num ambiente melancólico de consciência histórica perante os

materiais perdidos, que a programação começa a ser pensada. É nas cinematecas que ela

se torna discurso.

Desde a primeira exibição pública de cinema, em 1895, até 1915, foram

destruídos cerca de 80% dos materiais fílmicos (com a guerra a destruição chega a

rondar os 90 a 95%), por diversas razões práticas, mas essencialmente porque o cinema

era produzido para criar um espectáculo cuja vida, quando se esgotava, tornava

obsoletos os materiais projectados. Vendia-se película a quilo, no tempo do mudo (é

44 EISNER, Lotte H.; WILLIAMS, David D. “Films in Paris” in Cinema Journal (vol.14 – nº3),University of Texas Press, Austin, 1975. (pág.68)

36

famosa a história do arruinado Méliès, obrigado a vender as suas latas, que valem aquilo

que pesam). Ao longo dos anos ’10, esporadicamente, nos anos 20’ com mais

intensidade, sucedem-se artigos que reflectem sobre a importância da preservação de

materiais cinematográficos, maioritariamente, contudo, para fins utilitários -

pedagógicos ou documentais (o filme era guardado como prova ou testemunho de um

acontecimento). Léon Moussinac é talvez um dos primeiros a mostrar-se preocupado

com o desaparecimento de filmes não-documentais, o primeiro a defender a salvaguarda

das obras de uma arte – para que não se perca La Fête Espagnole de Germaine Dulac,

ou Silence de Louis Delluc, obras que refere explicitamente em Panoramique du

cinéma, escrito em 192945. Para resolver o problema, Moussinac sugere, não

propriamente uma biblioteca do filme, como exigiam as vozes que se fizeram ouvir nos

anos anteriores, mas a abertura de salas de exibição especializadas; a ideia de que

salvaguardar os filmes passava por mostrá-los começa talvez aqui.

Em Estocolmo, em 1933, é criada a primeira cinemateca (Svenska

Filmsamfundet), a primeira instituição vocacionada para a salvaguarda do filme como

obra, manifestação de uma arte. Segue-se Berlim, em 1934, cinemateca criada pelo

ministro da informação e propaganda do Reich, Josef Goebbels. E em Nova Iorque, em

1935, nasce uma colecção dinamizada por Iris Barry no Moma, dirigido então por

Alfred Barr Junior. É a primeira colecção verdadeiramente animada: Iris Barry é a

primeira a exibir publicamente os materiais da cinemateca, e é alguém que terá

influenciado muito intensamente Henri Langlois nas exposições e programações que

desenvolveu na Cinemateca Francesa, fundada em 1936 a partir de um cineclube, “Le

Cercle du Cinema” fundado por Langlois e por Georges Franju.

Henri Langlois defendeu uma cinemateca aberta (que opõe claramente à

cinemateca nazi, que considera fechada46) cuja tónica estava na transmissão (ou mesmo

criação) de uma cultura cinematográfica baseada na visão dos filmes. Funda o gesto que

preside à cinemateca numa necessidade de fazer renascer e viver o “legado de Delluc”47,

numa abertura das portas do arquivo, na criação de uma colecção. O seu desejo era fazer

falar os filmes, para que aí passasse a história toda do cinema. 45 MOUSSINAC, Léon. Panoramique du cinema. Au Sans Pareil, Paris, 1929.46 LANGLOIS, Henri. “Pour un musée vivant du cinema” in Trois cents and de cinema: écrits(compilação de Jean Narboni). Cahiers du Cinèma/Cinémathèque Française, Paris, 1986.47 Delluc, realizador e crítico, é representante do movimento do cinema independente francês dos anos 20que, para Langlois, preserva a cultura cinematográfica no seu estado “puro”. Para João Mário Grilo ele émesmo o criador da ideia de uma crítica cinematográfica. É sua a noção de “fotogenia”, que transmite aideia de concordância entre imagem e matéria. Todas estas ideias, que Delluc incorpora, parecem estarem questão na definição de cinemateca para Langlois, e parecem justificar esta enigmática expressão.

37

Para Langlois, o museu do cinema e a cinemateca são uma só casa. A exposição

inaugural do museu do cinema, que abre apenas em 1972, em Paris (e para nele entrar

era preciso descer ao escuro nível do subsolo) demonstra-o: num só espaço expositivo,

Langlois constrói um percurso cronológico pela história do cinema, que começa nas

maquinarias do pré-cinema e mistura aparelhos, documentos escritos, argumentos,

fotografias, posters, programas originais, recriações de pedaços de cenário (por exemplo

de Das Cabinett des Dr. Caligari (Robert Wiene, 1920) ou de Les Enfants du Paradis

(Marcel Carné, 1945)), e filmes ou cenas de filmes projectados nas paredes (The Kiss de

Edison (1896), no mudo, uma cena de Hallelujah! de King Vidor (1929) a inaugurar o

período falado, e L’Anne Derniere a Marienbad (Alain Resnais, 1961), por fim).

Descendo a um piso ainda mais afastado da superfície, poderia depois ver-se uma

projecção em sala.

Entre 1938 e 1939 é fundada a Federação Internacional dos Arquivos do Filme

(FIAF), formada originalmente pelos arquivos de Nova Iorque, Londres (a National

Film Library, fundada em 1935, hoje British Film Institute), Berlim, Paris, hoje com

mais de 151 associados (incluindo a Cinemateca Portuguesa, fundada em 1948 e

constituída como Museu do Cinema em 1997). Criada para facilitar a cooperação entre

os vários arquivos do mundo, bem como a troca e circulação de materiais, torna-se

igualmente plataforma de discussão para as políticas em jogo no trabalho de arquivo,

preservação e exposição do material cinematográfico. Desde logo se estabelece uma

oposição clara entre Henri Langlois e Ernst Lindgren (Londres), este último sobretudo

preocupado com a preservação, que considera a prioridade absoluta, defendendo que é

para esse trabalho que devem ser canalizados os seus recursos financeiros. Lindgren é o

primeiro a distinguir cópias de conservação (intocáveis) e cópias de projecção,

constituindo uma barreira opaca entre as duas actividades. Esta visão está nos antípodas

da de Henri Langlois, defensor da prioridade da exibição, que considera um primeiro

passo para uma estratégia posterior de conservação: na impossibilidade financeira de

proceder às duas acções, primeiro é preciso projectar, programar, criar o tal “museu

vivo do cinema”. E é aqui que parece ecoar a diferença entre a visão anglo-saxónica e a

visão francesa esboçada por Lotte Eisner na entrevista que começámos por citar: é a

diferença entre proteger o cinema, colocando-o dentro de uma caixa, e arriscar, abrindo-

o, expondo-o.

38

Para Raymond Borde, fundador da Cinemateca de Toulouse, e autor de uma

história das cinematecas48, onde reflecte criticamente e pormenorizadamente os passos

que levaram à sua criação, e os problemas actuais na sua actividade, considera que

Henri Langlois é o representante primordial de uma perspectiva subjectivista na

concepção e gestão das cinematecas, em luta permanente com a perspectiva objectivista.

Estas são as duas perspectivas que marcam as primeiras discussões nos encontros da

FIAF. A perspectiva subjectivista é aquela que domina as primeiras cinematecas:

consideram que é na visão das obras que está a sua preservação49, e que a projecção é

prioritária; são instituições muito assentes numa pessoa, e na sua memória, são

colecções sem dados sistemáticos ou registo (dizia-se que Henri Langlois sabia

exactamente que filmes faziam parte da colecção da cinemateca, mas nunca os

inventariou por escrito - para não interromper a visão dos filmes, dizia). Com a

passagem para o regime objectivista, que acabou por prevalecer sobretudo a partir dos

anos 60, a conservação ocupa o lugar da exibição, nas prioridades, a colecção passa a

património e a história é constituída com base na salvaguarda de materiais nos arquivos:

a afectividade presa em cada lata de película é substituída pela coerência objectiva da

sua catalogação.

Do período pré-1960 da actividade da FIAF seria talvez de referir ainda duas

experiências que acabaram por falhar, mas parecem constituir parte do terreno em que

este trabalho se funda.

A primeira teve lugar brevemente nos anos 50, quando as cinematecas decidiram

experimentar manipular directamente os seus materiais, produzindo montagens com

base em excertos de filmes (montados para servir um tema, ou documentar uma

personagem importante, ou um acontecimento50). Depois de algumas produções, e

passados alguns anos, a experiência é abandonada.

A segunda iniciativa a realçar é a vontade de criar um departamento mundial

para a pesquisa histórica do cinema. O projecto exigia que cada uma das cinematecas do

mundo fizesse um trabalho crítico sobre as suas obras, e que os historiadores fossem

48 BORDE, Raymond. Les Cinémathèques. Editions L’Age d’Homme, Lausanne, 1983.49 Em Roma, no Centro Sperimentale, em 1937 havia uma importante colecção de filmes clássicos,utilizados no ensino de cinema que o Centro desenvolvia. Os filmes serviram para várias experiências dosalunos, e foram vistos e revistos com tal intensidade que acabaram por se degradar. Os alunos dessageração foram aqueles que mais tarde constituíram o neo-realismo italiano, continuando a usar as cópias.Os alemães recuperaram-nas a partir de 1943.50 Será interessante observar que estas histórias (a da constituição de arquivos cinematográficos, primeiro,a da manipulação de materiais arquivados, depois) começam sempre com um desejo documental que nãopoderá ser destacado da problemática ontológica da imagem fotográfica em movimento

39

associados aos arquivos. O departamento é mesmo criado em 1952 (B.R.I.H.C.). Henri

Langlois ainda propõe a utilização de micro-filmes na constituição desta história

mundial, e Lotte Eisner sugere a reunião de todas as publicações de cinema feitas

durante o período mudo, mas depois o projecto perde força. Com a saída de Henri

Langlois da FIAF, em 1959, o projecto é definitivamente posto de lado.

Henri Langlois parece ser a figura central nesta história, naquilo que queremos

aqui dar a ver para sustentar a genealogia de uma ideia de programação

cinematográfica. Por um lado, foi o primeiro a pensar as condições de uma exposição e

de um museu do cinema, bem como as suas consequências para o conhecimento

histórico da arte cinematográfica – que, para ele, estava assente no contacto directo e

próximo, quase físico51, com as obras. Por outro lado, Langlois esteve na origem do

projecto de constituição de uma história do cinema mundial, que se aproxima

eloquentemente da sua visão sobre a programação cinematográfica: da mesma forma

que queria fazer falar os filmes, manifestações individuais, e mostrá-los em sequências

num só programa e, nesses momentos de cinema, fazer passar o cinema todo (e

Dominique Païni chega a aproximar Langlois de Eisenstein, nas montagens de filmes

que constituíam os seus programas), também o gesto de criar uma história de cinema

mundial baseada na visão que cada cinemateca faria do cinema do seu arquivo parece

apontar para a criação de um movimento total, centrado num pequeno e individual

percurso.

Perante isto poderemos talvez perguntar se aquilo a que Borde chama o “regime

subjectivista”, não poderá representar, pelo contrário, uma abertura das fronteiras locais

do cinema, e a criação de uma visão de um cinema total, com base na montagem

caleidoscópica de visões subjectivas e individuais52. O programa cinematográfico como

instrumento de análise, teorização, criação histórica, e discursiva do cinema, parece

propor isso mesmo: que há um cinema todo que se mantém e é formado pelos infinitos

percursos possíveis num conjunto mais ou menos determinado de filmes. Assim, o que

se propõe aqui, por um lado, é que se volte a pensar a acção de Henri Langlois, e o seu

pensamento em volta da construção de um museu do cinema, e se encontre no seu gesto

51 Faz parte do desenho de um Museu do Cinema, para Langlois, o “sentar-se e ficar a ver” que o cinemaexige, e que instaura, obrigatoriamente, um regime expositivo muito específico.52 Borde centra a sua crítica ao “regime subjectivista” no desprezo pela conservação dos filmes queencontra sobretudo na visão de Langlois. Não entraremos nessa discussão, que envolve essencialmentequestões económicas, políticas. Não entraremos na discussão sobre a prioridade da projecção no trabalhode um arquivo, mas na sua análise para compreensão da programação como gesto teórico.

40

e na sua reflexão um instrumento preciso: a programação cinematográfica, que Langlois

não chegou a pensar directamente – pensou, sim, o regime de exposição; e a

apresentação de filmes em sucessão; é Païni, a partir de Langlois, quem utiliza e analisa

mais directamente esse instrumento – mas que prevê a produção de pensamentos de

cinema assente em cada um desses percursos possíveis por entre os materiais

cinematográficos, e em todos eles juntos.

A experiência “bits and pieces”, que tem sido levada a cabo nomeadamente em

Viena53, e em Portugal, no ANIM (Arquivo Nacional das Imagens em Movimento),

parece recuperar hoje a experiência desenvolvida nos anos 50 pelas cinematecas, ao

propor a montagem de pedaços de filmes numa articulação contemporânea. O projecto

reflecte um desejo de colocar novamente em movimento imagens perdidas e

incompletas, colocá-las em diálogo com outros pedaços, numa proposta baseada no

fragmento, na ruína. Esse projecto, hoje já não com uma perspectiva utilitária (como nos

anos 50), mas numa perspectiva estética, baseada numa visão dos materiais fílmicos, na

imagem, parece finalmente fechar a história que foi contada até aqui. Parece agregar as

pontas soltas, e lançar o pensamento sobre a programação cinematográfica tal como é

levado a cabo hoje. Pensar essa revisitação dos materiais arquivados, fazê-los reviver, é

fazer aquilo que Langlois previu para o seu museu. É ver no conservador um

investigador e, no programador, um investigador e um conservador, também. A

programação cinematográfica parece propor essa aproximação do arquivo ao museu e a

re-constituição de uma colecção, e de um museu vivo para o cinema.

Actualmente, é Dominique Païni quem desenvolve o pensamento mais

concertado, e insistente, em volta da programação cinematográfica, sendo herdeiro

confessado do legado de Henri Langlois. Para Païni, o problema da programação de

obras cinematográficas coloca-se sobretudo ao nível da exposição do seu tempo: como

comparar objectos cujo material é o tempo, uma durée? Com a exposição que organiza

a partir da obra de Hitchcock (que constitui uma das iniciativas basilares do projecto

Palais Tokyo54), Païni considera ter ensaiado uma resolução do problema: ao considerar

o fotograma e a sequência como unidades mínimas de exposição, coloca lado a lado,

53 Parte deste trabalho pôde ser vista na Culturgest, em 2008, numa programação de Ricardo Matos Cabo.54 PAÏNI, Dominique; GUIHEUX, Alain; et.al. Un projet de muséographie cinématographique pour lePalais Tokyo (obra não editada).

41

numa mesma sala, ecrãs onde vários excertos podem ser vistos e comparados

simultaneamente.

Mas se o tempo é o material próprio dos filmes, de cada um dos filmes, que se

apresentam como todos temporais, com uma durée única e própria, como dar conta

dessa durée numa exposição de fragmentos mais pequenos que o próprio filme? Païni

descreve a criação de um tempo próprio à exposição, construído com base nos

princípios de montagem. Cria um tempo de comparação, e utiliza a montagem para

fazer realçar a heterogeneidade das obras, de modo a constituir, com pedaços dessas

obras, uma análise crítica da estética e história do cinema, trazendo ao de cima a

agitação interior a cada imagem cinematográfica. Exalta, em diversos ensaios, o

trabalho de Jean-Luc Godard em Histoire(s) du cinèma, que considera ser uma

programação55 pela gestão específica de fragmentos fílmicos, e pela introdução de

espaços comparativos nos interstícios entre imagens, através da montagem. Defende as

“histórias” de Godard como modelo para um museu de cinema.

Mas não será o carácter de obra fechada (de Histoire(s) du cinéma) oposto à

ideia de um museu de cinema, baseado na projecção como momento efémero de

cinema? E não será contrário à criação de uma história, de um arquivo, colecção e

museu do cinema que acompanhe o movimento proposto pelo próprio cinema? Na

introdução de Le Temps Exposé Païni coloca a construção de uma “ideia de cinema”, tal

como foi proposta por Deleuze, do lado daqueles que fazem cinema. Mas não poderá ser

esta “ideia de cinema” levada até ao momento da sua exposição?

Aby Warburg servirá aqui para pensar o museu e a história como lugar aberto,

oposto àquele criado por Godard – e servirá para defender que as Histoire(s) são uma

obra, não uma ideia de museu. O interesse recente e crescente pelo pensamento

warburgiano, nomeadamente por Phillipe-Alain Michaud, programador de cinema no

Centro Georges Pompidou, tem igualmente lugar na constituição desta pequena história

para o problema que queremos colocar no plano de trabalho que se seguirá.

Warburg quis criar uma história da arte sem recurso à palavra, ideia que teve a

sua concretização máxima (ainda que por terminar – mas poderia ser terminada?) em

Mnemosyne: conjunto de painéis pretos onde colocava provisoriamente fotografias –

reproduções de obras de arte, pormenores, imagens publicitárias, fotografias do seu

55 Em Le Temps Exposé: le cinema et la salle au musée, Cahiers du Cinema, Paris, 2002.

42

arquivo pessoal – de modo a criar e observar relações e ecos entre essas várias imagens,

e entre os próprios painéis (cuja numeração era também provisória). Ao mesmo tempo,

criou uma biblioteca com uma organização muito específica, baseada numa ideia de

“boa vizinhança” entre as obras, que convidava cada pesquisador a organizar o seu

próprio percurso e, no limite, a sua própria biblioteca. O arquivo, o museu, eram

qualquer coisa para ele em movimento, imparáveis, perante os quais restava

acompanhar, apontando esporadicamente (é isso que fazem as suas articulações de

imagens nos painéis pretos). O cinema e particularmente a montagem são elementos

recorrentes para os autores que encetam uma compreensão do pensamento de Warburg,

e é essa também a perspectiva de Michaud em Aby Warburg et l’image en mouvement.

Contudo, se a criação do movimento é qualquer coisa interna à constituição de

um filme, no cinema, é qualquer coisa que ultrapassa o painel, em Warburg. E isso

torna-se visível no ponto preciso em que as Histoire(s) du cinema se afastam das

histórias de Warburg. Godard conta a história do cinema através da montagem e da

acção sobre fragmentos retirados de filmes; aproxima elementos à partida dispersos no

tempo, nas práticas, nas disciplinas (monta imagens de épicos como de filmes

pornográficos), como Warburg fazia com as imagens nos seus painéis. Contudo, o ‘s’

dentro do parêntesis do título de Godard não chega para destituir o carácter de objecto

fechado que o seu filme tem, e que assim o distingue do acto warburguiano, sempre

provisório. Gordard fixa numa forma fixa aquilo que vê em movimento. Warburg, pelo

contrário, acompanha, abrindo.

A proposta será aqui, então, não só encontrar a raiz cinematográfica no

pensamento de Warburg, como tem sido efectivamente ensaiado por diversos teóricos,

mas encontrar consequências desse pensamento para a reflexão cinematográfica. A

proposta será virar os termos da questão ao contrário.

43

III. Plano de Trabalho

A. ENSAIOS PARA UM META-CINEMA

1. Cinema-Pensamento

Análise da relação entre cinema e pensamento através da leitura de Henri

Bergson (particularmente a articulação que o autor estabelece entre vida – movimento –

pensamento) e da leitura que Gilles Deleuze faz do mesmo autor, e das consequências

que daí retira para a definição de uma imagem-movimento, pensante. Tentativa de

resposta a um problema: como pensar o pensamento?

a) Bergson e o movimento: pensar sem cessar o incessante

Leitura de La pensée et le Mouvant (ensaios escritos entre 1859 e 1941),

L’évolution Créatrice (1907) e de Matière et Memoire. Essai sur la relation du corps a

l’esprit (1939). No ensaio “Perception du changement” (1911), Henri Bergson compila

as bases para uma reflexão sobre o movimento, que considera fundador da realidade,

mas invisível. Reflecte não só sobre as condições e os contornos desse problema, mas

também sobre as dificuldades que coloca e tem colocado aos filósofos, parecendo

acabar por defender uma filosofia plástica, que não recorresse à forma fixa para explicar

e ver qualquer coisa que não pára. Nesse texto, parece assim juntar num mesmo

problema o objecto e a forma de o pensar.

Será aqui que se centrará esta primeira reflexão: perceber primeiro como

poderemos ver o movimento (sem o parar) e depois como poderemos pensá-lo, sem

recorrer a uma forma fixa (que outra filosofia propõe Bergson?). Serão feitas outras

leituras56 que permitam perceber a possibilidade desta forma plástica, pensante.

b) Deleuze: “um pensamento novo”

i) Bergson lido por Deleuze

ii) uma quase-causalidade expressiva, na vida como no cinema: devir e sentido

iii) imagem-movimento: uma imagem pensante

56 A bibliografia a consultar nos estudos doutorais, distribuída pelos pontos articulados neste plano detrabalho, será apresentada como “Bibliografia I” no final deste trabalho de projecto.

44

c) …que formas para pensar o cinema-pensamento?

Três paragens para a caracterização do cinema como “pensamento novo”, tal

como foi visto por Deleuze. O cinema como forma de pensar o impensável, e como

pensamento, em si. Deleuze parece levar ao extremo a ideia, de Bergson, de que a visão

está nas coisas, aplicando-a criticamente ao cinema e descrevendo aí uma nova vida,

independente, autónoma, aberta mas total. Serão lidas as suas teses em Différence et

Repétition e Logique du Sens para perceber os contornos mais largos daquilo que o

filósofo viu no cinema.

O encontro entre Deleuze e Bergson provocará uma reflexão em volta das

formas (“plásticas”) passíveis de pensar o cinema-pensamento sem o fixar. Será a

introdução do problema que ocupará a primeira parte destes estudos, a procura de um

discurso capaz de problematizar o cinema de dentro.

2. Cinema e imanência

a) …sentido, encadeamento, montagem: a parte e o todo

i) cinema primitivo: uma imagem-movimento em potência

ii) cinema clássico: um todo que está dentro

iii) cinema moderno: a lógica do interstício

a.1) cinema como organismo: o falso raccord

Continuação da leitura de Deleuze. Articulação da imagem-movimento com o

lugar da parte e do todo no filme. Análise das alterações desse lugar, e das

consequências ao nível da ontologia da imagem-movimento, no cinema primitivo

(caracterização dessa imagem que chega numa torrente), no cinema clássico (visitação

das teorias de montagem das escolas americana (com Griffith), francesa (Epstein) e

russa (Eisenstein)), no cinema moderno (a montagem segundo Godard). Percorridas

essas três paragens, tentar-se-á caracterizar o cinema enquanto organismo, todo aberto e

em devir, nomeadamente através da noção de “falso raccord”

b) específico cinematográfico e formalismo: um mundo imanente

45

Análise e articulação de duas das primeiras teorias do cinema, ainda

preocupadas com a definição de um objecto novo.

Por um lado Epstein, representante aqui da escola francesa, que definia o cinema

como a criação de um movimento sobre outro, com a aptidão para descobrir um mundo

novo, e não só reproduzir o existente. É Deleuze quem cita Epstein quando este

descreve o “baile cinematográfico” como aquele que transforma todos os dançarinos

num só, numa tendência para criar um corpo próprio, abstracto, móvel, específico.

Serão pensadas as consequências do “específico cinematográfico” para o lugar do todo e

das partes, no cinema.

Por outro lado, para os russos o cinema é discurso (com Eisenstein, Pudovkin,

Kuleshov e mesmo Vertov – e veremos as distâncias mas também as proximidades entre

ver a construção e o trabalho do cinema atrás da câmara, para os três primeiros, e à

frente, para o último). Com base na teoria formalista russa, pensaremos a independência

(de um referente) e imanência do sentido ao discurso. Problematizaremos as condições

desse fechamento perante o todo aberto deleuziano.

3. Cinema e linguagem

Através da escolha do que fica do enquadramento, do tempo que vai desde que

se liga a câmara até que se desliga na tomada de vistas, do tempo que vai desde o início

de um plano até ao seu fim, na montagem e da escolha que preside à junção de dois

planos, o filme oferece um sentido. A ideia de que a construção de um sentido é o

centro nevrálgico e visível do filme está na base das teorias que defendem o cinema

como linguagem. Neste ponto, pretendemos analisar de que forma os teóricos da

linguagem observaram a actualização do cinema no filme: irão desenhar-se aqui os

contornos de um abstracto cinema e a sua manifestação num concreto, o filme.

a) as teorias do cinema como linguagem e da linguagem no cinema

Cronologia das teorias que relacionam o cinema e a linguagem. Os anos 50,

quando ainda prevalecia a teoria ontológica, e os ensaios sobre a problemática

defendiam o cinema enquanto linguagem. Será lido, por exemplo, Della Volpe,

enquanto pensador da racionalidade cinematográfica, e o lugar que a forma tem aí. Nos

46

anos 60 a semiologia vê a linguagem como um dos aspectos do cinema, mas não aquilo

que o define (leitura própria à desmultiplicação teórica da época, onde uma série de

disciplinas procuram definir as várias facetas do cinema; oposta à teoria clássica,

ontológica). Desenho da distinção entre língua e linguagem, tal como foi colocada por

Christian Metz. Finalmente, perante os anos 70/80, com a 2ª semiologia a olhar para o

processo e não para o sistema, concentrada no texto a tomar corpo, e não no texto em si,

voltaremos a ler Metz (que passa a olhar não só a arquitectura do texto, mas também as

dinâmicas que lhe deram origem) e iremos ler Ropars (o texto como constituído por

conflitos estruturais, não redutíveis a uma síntese, e por definição activos e abertos).

b) textualidade e texto: enunciação e enunciado fílmico

Pretende-se pensar a questão da autonomia do texto e o plano da discursividade

em relação ao estatuto das manifestações textuais únicas e voláteis; e alargar ao cinema

as consequências dessa reflexão. Para tal irão ler-se textos de Roland Barthes (será

observada, através da leitura deste autor, a passagem do estruturalismo ao pós-

estruturalismo), de Michel Foucault e de Jacques Derrida, que contribuíram para a

construção de uma matriz abstracta de que o texto é manifestação, evento único, fugaz.

Estas leituras serão depois articuladas com as teorias da linguagem cinematográfica

próprias da 2ª semiologia, para perceber que relações se estabelecem entre enunciação e

cinema, e entre texto e filme. Irão perceber-se assim os contornos de uma outra

imanência (já não a dos formalistas) e caminhos possíveis para uma construção

discursiva a partir de dentro.

c) o enunciável deleuziano

Para Deleuze, o cinema restitui o real nos seus três níveis: o todo (eterno devir),

movimento absoluto e relativo (dos objectos entre si e dos objectos em relação ao todo),

os objectos singulares (determinações actualizadas da realidade). Fá-lo através de três

das suas imagens: imagem-tempo (exprime a inextrincável unidade do actual e virtual, a

durée pura), imagem-movimento (exprime a distância entre actual e virtual, e os

percursos que constituem essa distância) e imagem-instantânea (opera no campo do

actual e exprime o objecto singular). Há uma realidade própria ao ecrã, não copiada. O

cinema não é para Deleuze língua, nem linguagem, é uma matéria a-significante, a-

47

sintáctica, não formada linguisticamente. Não é enunciação, nem enunciado, é um

“enunciável”.

d) cinema e filme

i) um valor cinema

ii) factos fílmicos e factos cinematográficos

iii) cinema/ filme, todo/parte

estudo de caso: a camera-stylo e o género hollywoodiano

Será então pensada a problemática em causa no binómio cinema-filme, a partir

da discussão que envolve a linguagem cinematográfica. Tentar-se-á estabelecer um

valor cinema (ao nível da “literariedade” formalista), atravessado por uma

multiplicidade de movimentos abstractos, de que o filme é actualização. Será lido Pier

Paolo Pasolini, concretamente na oposição que estabelece entre cinema e filme (do lado

da oposição língua e palavra), e a sua descrição da cine-língua (e observaremos os ecos

desta proposta no “enunciável” deleuziano, e vice-versa). Num segundo momento, será

analisada a oposição entre factos cinematográficos e factos fílmicos, tal como foi

colocada por Gilbert Cohen-Seat no momento inaugural da filmologia, disciplina que,

exactamente tratando um todo, um universal, procura, através de instrumentos

específicos, estudar cada um dos objectos particulares que compõem esse todo. O

objectivo é, através destas leituras, introduzir um outro limite para as noções de todo e

parte tal como foram descritas por Deleuze. Esse problema será abordado directamente

num terceiro momento: poderá o cinema ser o todo de que o filme é parte? Serão

contrapostas as noções de “específico” e “essencial” cinematográfico, e, por fim,

analisados os casos da camera-stylo e do género de Hollywood, lado a lado, no sentido

de desenhar os contornos de um mundo cinematográfico de que é possível não sair, e de

que o filme é peça.

4. o lugar da teoria e o discurso sobre

a) a imanência e o discurso de dentro

i) história da impossibilidade crítica

ii) Barthes e a reescrita

48

A história da crítica será aqui desenhada a partir dos horizontes onde ela não

consegue chegar. Desde o intrinsecamente comunicável de Kant, e do resto estético, à

impossibilidade de descrever ou explicar a arte pelos parâmetros da comunicação de

Adorno, a História da crítica será aqui percorrida com paragens nos seus silêncios. Esse

percurso irá preparar a apresentação do conceito de “reescrita” barthesiano, conceito

basilar da sua Nouvelle Critique. Discurso crítico feito de dentro, e com os instrumentos

próprios do objecto criticado, esta teoria permitirá perceber como poderá o programa

cinematográfico constituir um discurso de dentro – e o primeiro esforço para isso será o

de retirar a noção de reescrita do universo literário, e de a tornar mais geral e abstracto

(apto a ser aplicado ao cinema).

b) apontar como gesto teórico: o jogo de linguagem

i) a morte da arte

Partindo do postulado “o cinema mostra, não significa” de Metz, do cinema

como realidade, de Deleuze, e da escrita da realidade de Pasolini, irão aqui articular-se

as teorias da linguagem cinematográfica já lidas com a noção de “jogos de linguagem”

de Wittgenstein, perguntando: perante o cinema, será que há mais a fazer senão

apontar?

Num segundo momento, será comentada, em articulação com Wittgenstein, a

teoria da Morte da Arte (de Hegel), e a leitura que dela faz Danto: será que falar sobre

uma arte que se tornou pensamento, ou sobre uma arte que se aproximou da linguagem

(que resultou no fim da sua progressão, para Danto) não será cair na impossibilidade de

“falar sobre” indicada por Wittgenstein?

Finalmente será lida a introdução de Russel ao Tratactus de Wittgenstein, e será

definida, a partir daí, a noção de metalinguagem.

c)…. para um meta-cinema

Desenho dos contornos de um meta-cinema, e inclusão do programa

cinematográfico dentro desses contornos. Convocando Wittgenstein, serão relembradas

as capacidades pensantes do cinema e a operação, relacionada com o pensar, pela qual

cria um movimento sobre outro movimento (o da realidade). Será então descrita a

possibilidade de o cinema falar sobre si a partir dos seus instrumentos (tal como faz a

49

linguagem pela metalinguagem). Tentar-se-á classificar os níveis do cinema que

poderão confirmar a hipótese de um meta-cinema, com base na classificação de Russel.

B. O PROGRAMA CINEMATOGRÁFICO

Definição e caracterização do programa cinematográfico com base nas suas duas

dimensões, que emergem directamente do interior da prática e experiência

cinematográfica: o momento do cinema (a projecção, o efémero, o “instável” da vida

cinematográfica) e a sequenciação (a montagem como lógica de apresentação e

discurso). Aby Warburg ocupará um momento particular desta caracterização, por

representar um caso paradigmático, que lança as bases para a reflexão em torno da

operatividade do conceito “programa cinematográfico”.

1. momento cinematográfico

a) movimento e efémero: a projecção

i) momento cinematográfico e situação cinematográfica

ii) acção ou material: o cinema e as artes efémeras

iii) o mecanismo e a ideologia: o programa como arma

Caracterização da vida cinematográfica (e sua instabilidade, tal como foi

descrita por Epstein). Actualização da reflexão em torno do lugar do filme no todo

cinematográfico, e descrição das condições de apresentação do cinema: onde e como se

torna visível, quando só acedemos ao filme, ponto visível de um mundo maior?

Oposição entre “momento” e “situação” cinematográfica tal como foi descrita pela

filmologia (afastamento da questão da recepção e das suas condições, concentração no

mecanismo de projecção cinematográfica e consequências deste mecanismo para o

cinema enquanto “ser”). Reflexão em torno do cinema, posto em relação com as artes

efémeras: poderá o cinema ser aproximado às artes performativas, ou há um gesto que

precede e provoca o cinema fazendo com que o efémero esteja no material? Visitação

das teorias que defendem a exposição do mecanismo cinematográfico como forma de

combater a ideologia (serão lidas as propostas de Jean-Louis Baudry), e apresentação do

programa cinematográfico como seu possível instrumento.

50

b) Carl Einstein e o espaço cúbico: visão = imagem / projector = moviola

Carl Einstein, na História que escreveu sobre a arte do século XX (antes do final

do primeiro quarto do século), nos textos que publicou na revista Documents e nas

reflexões que foi desenvolvendo em torno do espaço cúbico e da sua relação com a arte

primitiva (ideias que nunca sistematizou, decisão coerente com a arte que defendia),

apresentou o gesto artístico autêntico como aquele que, ao mesmo tempo que via,

mostrava. A imagem é aqui visão em acto, e a obra opera não um congelamento dessa

visão, mas uma perpetuação do movimento que lhe é próprio. Veremos como as suas

propostas obrigam a uma actualização da teoria bergsoniana, e como o cinema poderá

servir essa visão em acto: tal como um quadro cubista (particularmente do cubismo

analítico) não congelava aquilo que via, e era um complexo de visões em acto, numa

experiência simultânea e não sucessiva, também o cinema, fundado no seu momento, dá

a ver na mesma medida em que vê, faz-se e refaz-se perpetuamente numa visão em acto.

Como se o projector fosse uma moviola: ao mesmo tempo que mistura, mostra e desfaz.

2. sequenciação

a) montagem e efémero: série e destituição de série

Articulação do momento do cinema com a ideia de montagem. Pequena história

das teorias da montagem, e procura de um denominador comum: o que se procura e o

que se produz na sequenciação de dois fragmentos fílmicos? Aproximação dessa

produção com aquela que é operada na projecção. Descrição de uma outra instabilidade

cinematográfica.

b) montagem na problemática cinema/filme: imagem-movimento?

Aplicação do conceito de montagem na relação entre todo cinematográfico e

parte fílmica. Da mesma forma que a imagem-movimento nasce de um “entre” só

produzido pela montagem (o que faz com que a imagem-movimento esteja apenas em

potência no cinema primitivo), haverá um outro horizonte para a imagem-movimento

quando se pensa a articulação do cinema e do filme, e se aplicam os princípios da

montagem à exposição do cinema?

51

c) o problema do tempo na gestão dos fragmentos fílmicos

Finalmente, será pensado o lugar do tempo na exposição cinematográfica. Que

lugar haverá para a imagem-tempo, tal como foi definida por Deleuze, na operação de

montagem de filmes, operada pelo programa cinematográfico? Serão tidas em conta as

experiência de Dominique Païni, nomeadamente no seu projecto de Museu de Cinema

para o Palais Tokyo. Païni trata o problema da exposição do tempo cinematográfico,

chamando programação ao encontro em simultâneo de fotogramas e sequências, através

de um cenário expositivo específico, baseado no ecrã. Mas não será o tempo qualquer

coisa de próprio ao todo fílmico? Como expor esse tempo na sua inteireza? E como

construir um tempo cinematográfico (volátil e aberto) com base na projecção dos

tempos fílmicos (precisos e fechados)?

B.1 O CASO WARBURG: cinema como discurso, discurso como cinema

Attribuition du mouvement: pour attribuer du mouvement à une figure qui ne se

meut pas, il est nécessaire de réveiller une suite d’images qui s’enchainent les unes aux

autres – pas une image isolée –, perte de la contemplation calme57.

Aby Warburg, historiador de arte, tinha a ambição de fazer uma história de arte

sem palavras, só com recurso a imagens. Mnemosyne, a sua última obra, que deixou por

terminar, é o objecto último desse desejo. Mapa de memória, dispositivo de transporte

de encadeamentos de imagem, onde as imagens eram colocadas sem ter em conta uma

cronologia, mas seguindo a forma que permanece (e para esta encontrou uma espécie de

fórmula, pathosformel), um eco, uma reverberação, criando, com a sua colocação nos

painéis, uma vida em movimento: Warburg chamava-lhe uma “iconologia dos

intervalos”; tratava o ‘entre’, não as figuras. E os intervalos pretos que apareciam entre

as imagens a preto e branco (que representavam, antes de mais, a passagem do tempo;

não linear, mas tempo) tornavam-se objecto, também.

Warburg não viu a imagem como campo de um saber fechado. Viu que a

história talvez não possa ser senão a remistura de um corpo. E, por isso mesmo, a sua

57 Aby Warburg citado em DIDI-HUBERMAN, Georges. L’Image Survivante: Histoire de L’Art etTemps des Fantômes selon Aby Warburg. Éditions de Minuit, Paris, 2002. (pág.484)

52

biblioteca estava organizada, não segundo as leis de arrumação bibliográfica usuais

(alfabéticas, ou temáticas), mas por aquilo que denominou a “lei da boa vizinhança”

(“Gesetz der guten Nachbarkeit”): os livros formavam uma sequência que dependia da

leitura, da pesquisa específica de quem os procurava, e estavam sempre a mudar de

sítio.

Warburg mergulhou, ele mesmo, no abismo em movimento que encontrou, na

vertigem do arquivo quer fosse em imagens - no atlas Mnemosyne - quer fosse em

textos - na sua biblioteca. O arquivo, o museu, eram qualquer coisa para ele em

movimento, perante o que restava acompanhar, apontando esporadicamente. O cinema e

particularmente a montagem são elementos recorrentes para os autores que encetam

uma compreensão do pensamento de Warburg. O que se pretende aqui, contudo, é, não

encontrar o cinema na visão de Warburg, mas trazer Warburg para o cinema, pensando

assim, agora, não o cinema como discurso, mas o discurso como cinema.

Daqui se fará aparecer a definição final de programa cinematográfico, e lançar a

reflexão final em torno de um outro arquivo e outro museu para a imagem em

movimento (da imagem-movimento?).

1. A História e a imagem segundo Aby Warburg

a) a visão do tamanho de um corpo

i) relações com o materialismo histórico

ii) memória e arquivo: “Gesetz der guten Nachbarkeit”

b) Mnemosyne, para uma história da imagem

i) reverberações e persistências

ii) pathosformel e imagem-movimento

iii) raccord, intervalo e montagem

estudo de caso: o todo e a parte em Histoire(s) du Cinema e Mnemosyne

2. O cinema visto a partir de Aby Warburg: o programa cinematográfico como

instrumento e paradigma

53

C. ARQUIVO E MUSEU DO CINEMA: problematização e hipótese de um

outro modelo

1. As cinemateca: entre o arquivo e o museu

a) percurso histórico: da origem à contemporaneidade

b) a missão das cinematecas: conservar ou mostrar?

i) a hipótese Langlois

ii) concepções contemporâneas

As cinematecas apareceram como casas do cinema, preocupadas

simultaneamente em proteger o património cinematográfico e em dar a ver esse

património. Essa relação – entre conservar e mostrar – não é contudo pacífica, e

contrapõem-se duas visões, que podem ser personificadas em Henri Langlois (para

quem conservar é mostrar) e em Ernest Lindgren (que estabelece uma barreira opaca

entre a missão de conservação e programação). A reflexão em torno da relação e co-

existência do arquivo e do museu cinematográficos começará então por desenhar a

história destas casas, num primeiro momento, e a história da definição das suas missões,

num segundo momento.

2. Gesto arquivístico, interrogação museológica

Desenho de uma aproximação entre o gesto manual do arquivo e o gesto teórico

do museu, com base em leituras estratégicas.

a) a matriz histórica e o arquivo como discurso

i) a priori histórico e constituição do arquivo, segundo Foucault

ii) o problema do ‘fragmento fílmico’

iii) expansão das paredes do arquivo: a biblioteca infinita

Serão pensadas as interligações entre a matriz discursiva e a matriz histórica

(recorrendo sobretudo ao arquivo foucaultiano, mas também encontrando as pontes e as

discussões que este estabelece), bem como o lugar e carácter do fragmento fílmico nessa

54

matriz, aqui concretamente para a definição de um arquivo cinematográfico. Tentar-se-á

por fim alargar ao infinito a noção de arquivo, confundi-lo com o de mundo (ou

“universo”), e perceber que gesto arquivístico é possível então.

b) arquivo e colecção

i) o pormenor para Aby Warburg e a citação para Walter Benjamin

Walter Benjamin tinha o desejo de construir uma obra só com base na

apresentação e montagem de palavras de outros. Obra (Passagenwerk) que deixou por

terminar, tal como Warburg deixou Mnemosyne. Essa obra é descrita por Filomena

Molder em Semear na Neve como uma colecção, noção que nos ajudará aqui a

relembrar o lugar do autor como passador, e colocá-la no campo preciso do arquivo e do

gesto possível aí. Ao dizer “não tenho nada a dizer, só a mostrar”, Benjamin actualiza

aqui por um lado a reflexão que levou à definição de um “meta-cinema” e, por outro, a

relação indexical com a imagem já estabelecida por Warburg. A comparação do estatuto

do pormenor nos painéis de Mnemosyne e da citação em Passagenwerk ajudará a lançar

a definição do trabalho possível para o arquivo cinematográfico, e sua ligação com a

interrogação museológica.

c) O museu e a libertação da imagem

i) da Modernidade ao espectáculo

ii) Museu Imaginário e o fim da ilusão

Construção de uma história do museu, desde a sua ligação umbilical com a

Modernidade, à sua contemporaneidade espectacular. Análise da noção de “Museu

Imaginário” de André Malraux, breve desenho do rasto da “aura” da obra a partir dessa

noção, e estabelecimento, com base em Malraux, do museu como lugar de interrogação

e articulação de obras, dependente do fim da ilusão (a pintura que deixa de ser do

retratado para passar a ser de quem retrata).

d) A raiz não analógica do cinema

i) história da representação cinematográfica em articulação com a história da sua

exposição: a imagem digital como paradigma

55

quando as imagens têm vida própria para além da memória, o imaginário

confunde-se com o arquivo58.

Desenho da história da representação cinematográfica através daquilo que nela

prepara a compreensão da ontologia da imagem digital. Relações entre imagem e corpo,

entre ideologia e uso. Far-se-á o desenvolvimento e aprofundamento da arqueologia da

imagem cinematográfica tal como foi abordada (muito brevemente) na primeira parte

deste projecto, desde um ponto de vista agora muito preciso: o advento e as

consequências trazidas pela imagem digital para a visão e compreensão do cinema.

Perante o desenho desta história, e seu paralelismo com a própria história da exposição

do cinema, tentar-se-á levar as condições da imagem digital para o plano do arquivo e

do museu cinematográficos, na respectiva relação que estabelecem com a memória. É

neste ponto que mais claramente se aproxima o programa cinematográfico e a reflexão

produzida na primeira parte deste projecto, onde se esboçou um questionamento em

torno da matéria do cinema, e da sua relação com a exposição. Que relação se

estabelece entre o corpo e a imagem do cinema, entre a sua materialidade e a sua

expressão? E como deixar essa relação à superfície, como problematizá-la e mostrá-la,

senão através de uma programação cinematográfica conceptualmente precisa? O desejo,

aqui, é o de levar a condição ‘pensamento’ do cinema até ao fim, ao momento da sua

apresentação.

3. Um outro arquivo, um outro museu do cinema: o programa como instrumento

estudo de caso: para o arquivo e museu do cinema português

A conclusão deste projecto será a apresentação de uma proposta para um outro

arquivo/museu do cinema. Será o desenho de um arquivo mais próximo do museu, onde

os gestos se cruzam, tornando-se em simultâneo, e nos dois pólos, gestos intelectuais de

articulação e choque entre imagens fílmicas. Será o desenho de uma outra casa para o

cinema, fundada num movimento incontrolável que acompanhe o próprio incessante

cinema. E será talvez o lugar de construção e exposição de uma imagem-movimento

mais lata, aplicada ao cinema todo, e formada pela montagem de filmes, já não de

planos, entre os quais vão nascendo, a cada apresentação, novos e voláteis interstícios.

58 MIRANDA, J.A. Bragança de. Corpo e Imagem. Veja, Lisboa, 2008. (pág.129)

56

Finalmente, será pensada uma aplicação deste outro modelo ao arquivo e museu do

cinema português. Que consequências poderá ter a noção de programa cinematográfico

na sua exibição? Que outros percursos e leituras poderá provocar, e que vida se reserva

aí para o cinema português?

57

CONCLUSÃO

Será que a programação se pode constituir como instrumento teórico apto a

originar uma outra maneira de pensar o cinema? Se o cinema é um “pensamento novo”

que formas existem para a teoria que se dedique a pensá-lo? Se o “entre” imagens e a

articulação em movimento de fragmentos inertes são dois elementos fundamentais para

pôr o cinema a pensar, se o cinema pensa pela articulação, o toque e contágio entre

imagens, será que esse trabalho pode ser levado para lá dos filmes? E que lugar será

esse que existe para lá e independente dos filmes? Haverá cinema, aí? Como se constitui

a imagem cinematográfica e até que ponto ela é qualquer coisa que acontece na

projecção? Que relação estabelece o cinema com as “artes efémeras” e que lugar ocupa

o material perante a sua instabilidade? Se para resistir o cinema se poderá mostrar

enquanto trabalho, na sua carne, na exposição daquilo que o constitui, poderá a

programação cinematográfica acompanhar essa resistência? Será que a programação usa

os mesmos instrumentos do cinema, e será que por isso esses trabalhos se podem

aproximar? Será que o que nela está em causa é encontrar o sítio justo para olhar o

cinema e fazer com que ele aconteça? Se o cinema é pensamento, se a programação

actualiza alguns dos gestos mais essenciais do trabalho do cinema, será pensamento,

também? Será que o cinema pode ser posto a pensar de dentro?

58

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