populismo no brasil de 1945 a 1964: as interpretações da...

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Léo Posternak Populismo no Brasil de 1945 a 1964: as interpretações da Escola de Sociologia da Universidade de São Paulo, do ISEB e do pensamento econômico liberal Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada ao programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais da PUC - Rio como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais. Orientador: Prof. Ricardo Emmanuel Ismael de Carvalho Rio de Janeiro Agosto de 2008

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Léo Posternak

Populismo no Brasil de 1945 a 1964: as interpretações da Escola de Sociologia

da Universidade de São Paulo, do ISEB e do pensamento econômico liberal

Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC - Rio como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais.

Orientador: Prof. Ricardo Emmanuel Ismael de Carvalho

Rio de Janeiro Agosto de 2008

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Léo Posternak

Populismo no Brasil de 1945 a 1964: as interpretações da Escola de Sociologia

da Universidade de São Paulo, do ISEB e do pensamento econômico liberal

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof. Ricardo Emmanuel Ismael de Carvalho Orientador

Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio

Profa. Maria Celina Soares D'Araujo FGV

Prof. Eduardo de Vasconcelos Raposo Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio

Prof. Angela Maria de Randolpho Paiva Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio

Prof. Nizar Messari Coordenador Setorial do Centro de Ciências Sociais – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 22 de agosto de 2008

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador.

Léo Posternak Graduou-se em Engenharia Civil na UFRJ em 1970. Graduou-se em Ciências Sociais na PUC-Rio em 2004.

Ficha Catalográfica

Posternak, Léo

Populismo no Brasil de 1945 a 1964: as interpretações da Escola de Sociologia da Universidade de São Paulo, do ISEB e do pensamento econômico liberal / Leo Posternak ; orientador: Ricardo Emmanuel Ismael de Carvalho. – 2008.

98 f. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Sociologia e Política)–

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

Inclui referências bibliográficas. 1. Sociologia – Teses. 2. Populismo. 3. Pensamento

social brasileiro. 4. Escola de Sociologia da Universidade de São Paulo. 5. ISEB. 6. Pensamento econômico liberal. I. Carvalho, Ricardo Emmanuel Ismael de. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Sociologia e Política. III. Título.

CDD: 301

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À minha família.

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Agradecimentos Ao professor Ricardo Ismael pelo incentivo e pela orientação profissional e

amiga.

À PUC-Rio, pelo auxílio concedido, sem o qual este trabalho não poderia ter sido

realizado.

Aos colegas de turma e futuros mestres que me proporcionaram dois maravilhosos

anos de estudos e convivência fraterna.

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Resumo

Posternak, Leo; Ismael, Ricardo (Orientador). Populismo no Brasil de 1945 a 1964: as interpretações da Escola de Sociologia da Universidade de São Paulo, do ISEB e do pensamento econômico liberal. Rio de Janeiro, 2008. 98p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Sociologia e Política, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

O pensamento social brasileiro procurou, ao longo do século passado,

compreender os processos de mudança no país, especialmente na relação entre o

Estado e a sociedade. Nesse sentido, o fenômeno do populismo ganhou destaque

por conta de suas implicações no processo eleitoral, na renovação de lideranças

políticas, ou mesmo nas finanças públicas. Este trabalho procurou discutir as

interpretações sobre as manifestações populistas no período de 1945 a 1964,

oferecidas pela Escola de Sociologia da Universidade de São Paulo, pelo Instituto

Superior de Estudos Brasileiros, e por representantes do pensamento econômico

liberal. Foi possível verificar que as contribuições estudadas afirmaram a

relevância dos estudos sobre o populismo para a compreensão da política

brasileira no período de 1945 a 1964, como também ajudaram na propagação do

debate sobre o fenômeno do populismo no mundo público. Entretanto, em razão

dos pressupostos teóricos diferentes que fundamentavam suas análises, não foram

capazes de contribuir para uma definição precisa do fenômeno aqui estudado. Na

Escola de Sociologia da USP destacaram-se o conceito de “estado de

compromisso”, desenvolvido por Weffort, e a busca do entendimento da

diminuição da importância da luta de classes no período populista. Por outro lado,

os intelectuais do ISEB, que trabalharam sob influência do pensamento cepalino,

viam o populismo como uma passagem na evolução da modernização do país, e

davam ênfase à preocupação com o nacional-desenvolvimentismo. Já os

pensadores econômicos liberais se mantinham fiéis ao liberalismo econômico,

marcando suas críticas aos governos que não priorizavam o equilíbrio fiscal.

Palavras-chave Populismo; pensamento social brasileiro; Escola de Sociologia da

Universidade de São Paulo; ISEB; pensamento econômico liberal.

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Abstract

Posternak, Léo; Ismael, Ricardo. Populism in Brazil from 1945 to 1964: the interpretations made by the School of Sociology of the São Paulo University, by the ISEB, and by the liberal economic thought. Rio de Janeiro, 2008. 98p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Sociologia e Política, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

The Brazilian social thought sought, throughout the past century, to

understand the processes of change in the country, especially the relation between

the State and the society. In that sense, the phenomenon of populism gained

prominence, due to its implications in the electoral process, the renewal of

political leadership, and even in the area of public finance. This work tried to

discuss the interpretations on the populist manifestations during the period from

1945 to 1964, proposed by the School of Sociology of the University of São

Paulo, by the Superior Institute of Brazilian Studies, and by representatives of the

liberal economic thought. It was possible to verify that the studied contributions

pointed out the relevance of populism studies for better understanding Brazilian

politics during the period from 1945 to 1964, as well as helped to spread the

discussion about the phenomenon of populism in the public sphere. However, as a

consequence of the distinct fundamentals through which different theoreticians

based their analyses, they had not been able to accomplish to a precise definition

of the phenomenon. In the School of Sociology of the USP relevant concepts were

“state of commitment” developed by Weffort and the search for understanding the

decrease of the importance of class struggle during the populist period. On the

other hand, the intellectuals of the ISEB had worked under guidance of CEPAL’s

thought. They saw Populism as a phase in the evolution of the country, and

emphasized the concern with national development. The liberal economic thinkers

were loyal to economic liberalism, criticizing governments that did not give

priority to fiscal balance.

Keywords Populism; Brazilian social thought; School of Sociology of the

University of São Paulo; ISEB; liberal economic thought.

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Sumário 1. Introdução 10 1.1. Sobre as origens do fenômeno populista 10 1.2. Democratização do pós-guerra e instabilidade política 18 1.3. Mudanças na sociedade e na economia brasileira 23 1.4. A contribuição do pensamento social brasileiro para a compreensão do populismo no Brasil

25

2. Populismo e luta de classes 28 2.1. A Escola de Sociologia Paulista 28 2.2. Weffort: populismo como expressão de insatisfações 30 2.3. Ianni e a política de massas 37 2.4. Considerações finais 40 3. Populismo e nacional-desenvolvimentismo 43 3.1. As origens e o papel do Instituto Superior de Estudos Brasileiros nos anos de 1950/1960

43

3.2. O ISEB e as primeiras reflexões sobre o populismo 47 3.3. Jaguaribe: a modernização contida 49 3.4. Guerreiro Ramos: o populismo como fase 52 3.5. Candido Mendes e o assistencialismo populista 58 3.6. Considerações finais 61 4. Populismo e liberalismo econômico 64 4.1. O pensamento econômico liberal brasileiro em meados do século XX

64

4.2. Eugênio Gudin: um liberal ortodoxo 66 4.3. Octavio Gouveia de Bulhões: um liberal pragmático 71 4.4. Roberto Campos: um liberal na política 75 4.5. Considerações finais 82 5. Conclusão 86 6. Referências bibliográficas 92

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Lista de Siglas ANPUH - Associação Nacional de História

BIRD - Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento

BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

CEBRAP - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

DASP - Departamento Administrativo do Serviço Público

FGV - Fundação Getúlio Vargas.

FMI - Fundo Monetário Internacional

IBESP - Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política

IBRE - Instituto Brasileiro de Economia

ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros

PCB – Partido Comunista Brasileiro

PSD - Partido Social Democrático

PSP - Partido Social Progressista

PTB - Partido Trabalhista Brasileiro

SUDENE - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

SUMOC - Superintendência da Moeda e do Crédito

UDN - União Democrática Nacional

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

USP – Universidade de São Paulo

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1 Introdução

1.1. Sobre as origens do fenômeno populista

A ação política de inúmeros governos contemporâneos tem sido chamada

de populista. Este termo, acerca do qual estamos longe de ter um consenso nos

estudos a ele relacionados nas Ciências Sociais, vem sendo usado, tanto pela

literatura especializada quanto pela sociedade, sem que possamos claramente

conceituá-lo. Temos encontrado governos e políticos aos quais se tem chamado de

populistas em uma grande variedade espacial e histórica. Pode-se dizer que não há

uma conceituação acabada no objeto de estudo ao qual se tem denominado

populismo, pois encontramos diferentes análises no pensamento social brasileiro1,

marcadas por ocorrências históricas, interpretações, e ideologias distintas.

A expressão populismo começou a freqüentar a agenda política na Rússia

no século dezenove. Lá, em meados daquele século, viu-se emergir a tendência

narodnik (de narod, povo) nos intelectuais que acreditavam no campesinato como

a força revolucionária capaz de unir as comunidades rurais para alcançar o

socialismo. De acordo com Daniel Aarão Reis Filho em Lenin e as heranças do

populismo, o movimento populista na Rússia apresentou-se, em função de

diferentes circunstâncias, de formas distintas. No entanto, haveria certo consenso

em relação a algumas recorrências básicas que têm justificado atribuir o nome de

populista a diversas práticas e pensamentos presentes na Rússia czarista daquele

século. Os populistas abominavam o Estado czarista, e queriam “substituir a

autocracia tsarista pelo reino da liberdade, emancipar de fato os camponeses e os

oprimidos do campo e da cidade, superar as desigualdades gritantes que

1 De acordo com o Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro: “O termo ‘populismo’ é um dos mais controversos da literatura política, possuindo várias conotações. De modo geral, contudo, o termo tem sido utilizado, no Brasil e na América Latina, para designar a liderança política que procura se dirigir diretamente à população sem a mediação das instituições políticas representativas, como os partidos e os parlamentos - ou ainda contra elas - apelando a imagens difusas como as de ‘povo’, ‘oprimidos’, ‘descamisados’, etc. Em nossa história recente, líderes como Vargas, João Goulart, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, Ademar de Barros, Leonel Brizola, e outros, foram chamados de ‘populistas’” (Fundação Getúlio Vargas, 2007).

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caracterizavam a sociedade russa” (Reis Filho, 2007: 2). Propunham a instauração

de uma sociedade alternativa baseada em uma organização social tradicional dos

camponeses russos, “a comuna rural, unidade coletiva de raízes antigas, que

sobrevivera à emancipação dos servos” (Reis Filho, 2007: 2).

Dentre os intelectuais que mais fortemente influenciaram o populismo

russo destaca-se Nikolai Gavrilovich Chernyshevsky (1828-1889), escritor, crítico

literário e dirigente político. Estudou em São Petersburgo e começou sua carreira

nas letras como crítico literário do periódico extremista Sovremennik (O

contemporâneo), publicação mensal de grande influência. Foi membro destacado

do movimento de reforma russo. Chernyshevsky foi o fundador do Narodism, o

populismo russo, e lutou pela derrubada revolucionária da autocracia e pela

criação de uma sociedade socialista.

O sentido do termo populismo, quando se refere ao fenômeno russo do

século dezenove, pode ser visto como um amplo movimento de caráter

revolucionário que possuía uma vanguarda intelectual, mas carecia de uma

ideologia coerente, como define Isaiah Berlin, citado em A Russian word for a

Latin American disease por Martinez (2008):

Russian Populism is the name not of a single political party, nor of a coherent body of doctrine, but of a widespread radical movement in Russia in the middle of the nineteenth century. It was born during the great social and intellectual ferment that followed the death of Tsar Nicholas I and the defeat and humiliation of the Crimean War, grew to fame and influence during the sixties and seventies, and reached its culmination with the assassination of Tsar Alexander II, after which it swiftly declined.

No fim do século dezenove a expressão populismo estava presente na

agenda política dos Estados Unidos da América. Surgiu a partir de um movimento

que unia os fazendeiros do Sul e do Meio-Oeste em uma luta contra as

modificações introduzidas pelo forte desenvolvimento econômico trazido pelas

rodovias e pelas novas formas de comercialização que, ao diminuir o poder de

barganha relativo dos fazendeiros, trouxe como conseqüência uma deflação nos

preços dos produtos agrícolas. Conforme Rebecca Edwards, os estudos mais

recentes mostram controvérsias com relação ao chamado Movimento Populista2,

2 “Coalition of U.S. agrarian reformers in the Midwest and South in the 1890s. The movement developed from farmers' alliances formed in the 1880s in reaction to falling crop prices and poor credit facilities. The leaders organized the Populist, or People's, Party (1892), which advocated a

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visto por alguns poucos como uma revolta agrária à qual se procura dotar de

características revolucionárias (Goodwyn, 2007), mas majoritariamente pelos que

procuram analisá-lo pelos aspectos que marcaram a industrialização nos anos

1890, como a mobilidade social, as migrações e imigrações, e as mudanças

políticas. A autora chama a atenção para os argumentos que percebem a força do

populismo em estados onde era fraca a disputa partidária:

The most innovative recent work in this vein is Jeffrey Ostler's “Prairie Populism”. Ostler notes that Populism developed its strongest base in virtual one-party states, where traditional opponents (Republicans in the South, Democrats on the Plains) were weak (Edwards, 2007).

Em uma forma geral, podemos admitir que tanto o populismo norte-

americano, como o russo tiveram origem, ou pretendiam usar como base, o meio

rural, adquirindo um caráter contrário à modernização e às ações do Estado.

No caso do Brasil, alguns estudiosos afirmam que foi no início dos anos

de 1930 que o fenômeno do populismo ganhou relevância no espaço público.

Embora a ação política de lideranças políticas no pós-1945 seja vista como

responsável pelo fortalecimento do populismo no Brasil, José Murilo de Carvalho

aponta o governo do prefeito Pedro Ernesto de 1931 a 1936 no Distrito Federal,

como aquele que deu os primeiros passos daquilo que se tem chamado de

populismo. Ao procurar apoio na população pobre das favelas e ser o pioneiro na

utilização política do rádio em suas campanhas, “o prefeito tinha inaugurado o

que depois se chamou no Brasil e em outros países da América Latina, sobretudo

Argentina e Peru, de política populista” (Carvalho, 2002: 105).

Em sua análise sobre as alterações nas estruturas políticas, sociais e

econômicas no Brasil, em função do crescimento demográfico, urbano e

industrial, Michael Conniff afirma, em Urban Politics in Brazil, que à medida que

a classe trabalhadora urbana crescia, suas ações não mais podiam ser totalmente

controladas como era tradição na República Velha. Líderes populares de diversos

variety of measures to help farmers. They also demanded an increase in the circulating currency (to be achieved by the unlimited coinage of silver), a graduated income tax, government ownership of the railroads, a tariff for revenue only, and the direct election of U.S. senators. The party's presidential candidate in 1892, James B. Weaver, received more than one million votes. Many state and local Populist candidates were elected in the Midwest. In 1896 the Populists joined with the Democratic Party to support [...] the unsuccessful presidential candidacy of William Jennings Bryan. The movement declined thereafter, though some of its causes were later embraced by the Progressive Party” (Encyclopædia Britannica Online, 2007).

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matizes convenciam os operários a se unir aos sindicatos e às sociedades de ajuda

mútua, com o objetivo de melhorar seus padrões de vida. Era difícil, na década de

vinte, manter a militância, mas a difusão de associações voluntárias no seio da

classe trabalhadora era o presságio de um importante incremento da presença das

massas na vida pública. Alguns membros da elite e setores da classe média

enxergavam a necessidade de reformas e de programas para os mais necessitados.

A importância eleitoral da população urbana reflete-se no fato de que os dois

candidatos à Presidência, em 1930, prometiam reformas que eram apoiadas pelos

eleitores urbanos, como os temas relacionados ao trabalho, serviço público,

comércio, e planejamento urbano.

O novo, e considerável, eleitorado urbano influenciou a retórica dos

políticos nacionais, trazendo temas mais complexos que os de antigamente, para a

agenda política (Conniff, 1981: 174-175). Para Conniff, uma importante

característica do populismo é a sua liderança carismática, de acordo com o

conceito de Max Weber3.

A teoria weberiana acerca do Estado moderno está inserida em suas

análises das formas de racionalização. O que caracteriza o Estado moderno é o

fato de, ao contrário dos Estados antigos, que se valiam da violência de forma

brutal, ele ter se tornado indispensável à vida em sociedade, sendo a única fonte

de legitimidade. E isto acontece sem o uso constante da violência, mas através de

mecanismos de convencimento ou carismáticos. De acordo com a classificação,

hoje clássica, estabelecida por Weber, existem três “tipos ideais” de legitimidade e

dominação, cada uma das quais apresenta um nível próprio de racionalização: a

dominação tradicional, a carismática, e a racional, ou legal-burocrática. A

tradicional é a que se apóia na crença do caráter sagrado das tradições. Este

caráter seria sagrado uma vez que a ordem “sempre” se deu desta forma. Nela não

há diferenciação entre o patrimônio pessoal do chefe e o patrimônio dos outros

membros da comunidade, no caso das sociedades mais antigas, ou entre o

patrimônio do governante e o patrimônio do Estado, nas sociedades menos

antigas. A dominação carismática é aquela que se apóia na crença de que um

3 Max Weber (1864-1920) nasceu e morreu na Alemanha. É considerado um dos fundadores dos estudos modernos da Sociologia e da Administração Pública. Começou sua carreira na Universidade de Berlim, tendo mais tarde trabalhado nas Universidades de Freiburg, Heidelberg, Viena, e Munique. Exerceu importante influência na política alemã contemporânea, tendo sido conselheiro dos negociadores alemães no Tratado de Versalhes e participante da comissão que preparou a base da Constituição da República de Weimar.

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indivíduo possui alguma característica ou aptidão que o transforma em alguém

especial. Está presente na ação dos profetas. É bem provável que os indivíduos

carismáticos, vistos de perto, não sejam especialmente admiráveis. O que importa

é que eles conseguem despertar admiração, entusiasmo e, mesmo, paixão. Parece

evidente que existe uma correlação entre o surgimento de lideranças carismáticas

e instituições frágeis, bem como para a importante constatação de que o carisma

não se herda, nem se transfere. A dominação racional, ou legal-burocrática, se dá

nos Estados modernos, nos quais a legitimidade e a legalidade tendem a se

confundir, uma vez que a ordem é derivada das leis, vistas como impessoais e

universais. A racionalização é baseada em procedimentos previsíveis e

burocráticos.

A subsistência da grande maioria das relações de domínio de caráter fundamental legal repousa, na medida em que contribui para sua estabilidade a crença na legitimidade, sobre bases mistas: o hábito tradicional e o ‘prestígio’ (carisma) figuram ao lado da crença – igualmente inveterada, no final das contas – na importância da legitimidade formal. A comoção de uma dessas bases por exigências postas aos súditos de forma contrária à ditada pela tradição, por uma adversidade aniquiladora do prestígio ou por violação da correção da forma legal usual abala igualmente a crença na legitimidade (Weber, 1991: 137).

Conniff afirma que havia indícios abundantes de uma comoção por volta

da Primeira Guerra Mundial, no Brasil devido à queda da monarquia, à crise nos

sentimentos religiosos, e à incapacidade das lideranças políticas para gerenciar, de

forma adequada, o governo republicano. Nestas circunstâncias, a população

procurava por líderes diferenciados, com qualidades especiais que lhes dessem o

direito de governar, tais como integridade, coragem, moral ilibada, dedicação aos

mais pobres, patriotismo, e respeito aos valores tradicionais (Conniff, 1981: 13).

Conniff argumenta, ainda, que quando o populismo surgiu adotou

propostas reformistas que atuavam como uma ponte entre as antigas tradições que

marcavam os governos locais e os sistemas políticos do século vinte. O populismo

chegou favorecendo as eleições representativas, o intervencionismo e um sistema

social orgânico, tendo a qualidade de olhar, tanto para o tradicional, quanto para o

moderno. Os líderes populistas nem sempre estavam conscientes das fontes de sua

inspiração, mas os costumes e tradições coloniais ofereciam legitimidade e

aceitabilidade às suas propostas. Estas pareciam familiares e justas, ficando mais

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próximas de um consenso do que o conseguiram as ideologias importadas.

Além disso, para Conniff, o populismo prometia restaurar a sociedade

holística e autogovernada, que foi sendo substituída ao final do século dezenove.

Isto fazia sentido para uma sociedade na qual havia um lugar para todos os

indivíduos, indistintamente da classe à qual pertenciam. Ao contrário do

liberalismo, que parecia somente poder ser aproveitado pelos mais ricos, o

populismo clamava por um Estado intervencionista que cuidaria de todos os

indivíduos, regularia as relações econômicas, promoveria o bem-estar dos

oprimidos, e traria justiça social a todos. A força do populismo provinha do fato

de que ele reavivava costumes que ainda não haviam ficado esquecidos na

memória popular. Evidentemente, os políticos populistas não poderiam recriar, no

século vinte, as cidades coloniais; no entanto, trouxeram, evitando anacronismos,

os elementos que puderam ser adaptados à cidade grande. Combinaram uma

ordem patrimonialista com as antigas tradições da autonomia municipal. Desta

forma, o populismo prometia restauração da soberania ao povo e relações

harmoniosas com as autoridades nacionais. Conniff considera que a dificuldade

em se caracterizar ideologicamente o populismo está no fato de que ele remetia a

uma tradição claramente compreendida pela maioria das pessoas, sem necessidade

de maiores elaborações; em conseqüência, o líder populista mantinha a fé dos seus

seguidores mesmo quando suas metas falhavam, tendo em vista a promessa

implícita de restauração das tradições que se haviam perdido (Conniff, 1981: 10-

11).

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, há uma onda de

redemocratização no mundo não dominado pela União Soviética. A democracia

chega ao Brasil com a derrubada da ditadura Vargas, cercada de expectativas.

Ocorre o enfraquecimento do sistema oligárquico, tendo em vista um novo

contexto, marcado, em especial, pela democracia representativa e pelas novas

massas urbanas. As oligarquias já não mais podiam definir o sistema político em

um ambiente de expansão do eleitorado e de existência de partidos competitivos.

Passa a haver uma disputa eleitoral real, cujo resultado não pode ser antecipado,

como antes, por acordos oligárquicos. Estas mudanças eram mais sentidas nas

áreas urbanas. Nos grotões, a ação das oligarquias ainda se fazia sentir, mas sua

influência sobre os resultados finais perderam força, e a imprevisibilidade passou

a ser um fator presente nas eleições majoritárias. Neste novo contexto político,

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ganha impulso o fenômeno populista.

No Brasil, tudo indica que foi no estado de São Paulo onde a expressão

populismo surgiu com significado político. Em Adhemar de Barros e o PSP,

Regina Sampaio descreve que Adhemar de Barros4 e seus partidários usavam

expressões associadas a este termo no sentido de alcançar o eleitorado paulista,

conforme pode ser visto neste depoimento tomado pela autora:

[...] o Interventor, apoiado por eficiente serviço de propaganda passou a desenvolver um amplo trabalho de proselitismo, baseado num apelo direto e pessoal às forças populares. [...] havia apenas transmissão pelo rádio. Todas as noites, às sete horas, ele tinha uma palestra com o povo de São Paulo. [...] ele tinha aquela conversa de caboclo franco [...] falava errado até. Era uma novidade, nunca houve isso, foi daí que surgiu o termo populismo, quer dizer, nós descermos à linguagem do povo para que ele entendesse. E ele foi um pioneiro neste sentido, por isso criou esse carisma (Sampaio, 1982: 45).

Nesta ocasião, começou a surgir o mito Adhemar de Barros, que era

composto pelo administrador empreendedor, mas com um absoluto desprezo pelas

limitações de ordem financeira, ao lado do político identificado com o Estado e

responsável direto pela proteção aos humildes que não tinham acesso às estruturas

de poder: “Orienta-se para um apelo populista difuso que é capaz de sensibilizar

as massas trabalhadoras sem, contudo, ter condições de enquadrá-las

partidariamente” (Sampaio, 1982: 110).

O esforço para um melhor entendimento sobre o populismo no Brasil está

ligado, e com grande aceitação na literatura a este tema relacionada, à utilização

deste termo para o período de 1945 até 1964, ou seja, da redemocratização do pós-

guerra até o movimento militar de 1964. De acordo com Maria Celina D’Araújo:

Apesar das divergências quanto ao seu conteúdo e à sua conceituação, o populismo é aceito pela maioria dos historiadores e cientistas políticos como a principal vertente da política brasileira no período pós-1945. É consensual, também, a idéia de que esse período repete, de certa forma, alguns padrões políticos anteriores, particularmente os vigentes na década de 1930, em especial a ideologia antipartido e a variante autoritária. Ambas remetem diretamente à questão da participação política e acabam por engendrar uma combinação de problemas que acarreta uma avaliação permanente da legitimidade do próprio sistema político (D’Araújo, 1992: 25).

4 Adhemar Pereira de Barros (1901-1969) nasceu em Piracicaba e morreu na França. Influente político paulista entre as décadas de 1930 e 1960, foi prefeito da cidade de São Paulo, interventor

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Acredito que as decisões de planejar em função de um retorno eleitoral

estejam na base daquilo que foi, mais tarde, chamado de populismo econômico.

Para Celso Lafer, o populismo era resultado do crescimento do eleitorado, o que

fez com que a política deixasse de ser um tema restrito às elites. Por intermédio do

voto, estas novas massas se faziam ouvir nas eleições e outorgavam legitimidade

ao sistema político. Referindo-se ao período de 1965 a 1964, Lafer comenta que

“as eleições presidenciais [...] revelam que em certos estados-chave, justamente os

mais desenvolvidos e urbanizados, as maiorias conseguidas pelos candidatos

populistas eram fundamentais para determinar o resultado das eleições” (Lafer,

2002: 42).

Não era surpresa, por conseguinte, o fato de os programas de governo

prometerem “uma política de democratização fundamental da sociedade através

da extensão de oportunidades de emprego” (Lafer, 2002: 62). Ao criar, ao mesmo

tempo, novas demandas e novas exigências para apoio político, o crescimento do

eleitorado teria motivado, em Juscelino Kubitschek, a decisão de planejar: “A

decisão de planejar é, portanto, uma decisão essencialmente política” (Lafer,

2002: 26).

Lamounier ressalta o impacto que mudanças sociais como a importância

do eleitorado urbano “recurso político não apenas disponível e ponderável, mas

disputado” (Lamounier, 2005: 143), teria sobre a forma de disputa dos votos, em

um cenário democrático. A incerteza com relação ao resultado do jogo eleitoral,

em função da forte melhoria na qualidade das consultas eleitorais, trazia a

necessidade de os partidos e candidatos entenderem qual era a nova “moeda” a ser

utilizada nas eleições:

Nos três níveis de governo, o processo sucessório passou de fato a depender de um “mercado político”, e não da simples troca de apoios ou do apadrinhamento num circuito oligárquico, como ocorria na República Velha. Os candidatos precisavam agora, para se eleger à presidência, aos governos estaduais e à prefeitura das principais cidades, buscar apoio nesse complexo “mercado”. Multiplica-se assim o número de líderes em busca de devoções cativas: uma floração de “populismos”, superpondo-se ao sistema de partidos em seus primórdios (Lamounier, 2005: 114).

federal e duas vezes governador de São Paulo. Concorreu à Presidência do Brasil em 1955 e em 1960, conquistando nessas duas eleições o terceiro lugar.

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1.2. Democratização do pós-guerra e instabilidade política

O período de 1945 a 1964 foi marcado pelo retorno ao estado de direito,

sobretudo a partir da promulgação da Constituição de 1946. Foram criados

partidos de alcance nacional5. No entanto, apenas três (PSD, UDN e PTB)

atuavam realmente em âmbito nacional. O PSD, Partido Social Democrático,

lançado em julho de 1945, foi organizado por Getúlio Vargas, convocando as

oligarquias estaduais, sob o comando dos interventores do Estado Novo, atingindo

uma massa eleitoral rural que ainda representava aproximadamente 70% da

população brasileira. Com forte presença da estrutura governamental, não estava

vinculado à área trabalhista e representaria o lado conservador do getulismo, com

especial importância sendo dada aos proprietários de terras, ainda controladores

de significativa parcela do eleitorado pobre das áreas rurais.

O PTB, Partido Trabalhista Brasileiro, foi fundado pela via da máquina

corporativista criada por Vargas e baseada no Ministério do Trabalho, para

arregimentar a população urbana, e era considerado um partido nacionalista. Sua

primeira convenção nacional ocorreu em setembro de 1945, com um programa

dirigido aos trabalhadores, com destaque aos organizados, e o partido foi fundado

por figuras vinculadas aos institutos de previdência e à cúpula sindical. Teria

como estratégia organizar o apoio sindical, utilizando-se do peleguismo, e

bradando as conquistas sociais alcançadas através da CLT. Também procuraria

ganhar o apoio de industriais que fizeram fortuna à sombra do Estado Novo, “que

naturalmente viam com bons olhos o figurino da industrialização autárquica,

protegida e subsidiada pelo governo” (Lamounier, 2005: 124). Seu programa dava

ênfase ao papel do Estado na economia, à manutenção e ao aumento dos direitos

trabalhistas, e ao fortalecimento da organização sindical. Esses dois partidos

“getulistas”, embora diferentes6 e potencialmente opostos, terminavam

entendendo-se, tendo em vista a atuação de Getúlio.

A UDN, União Democrática Nacional, fundada em abril de 1945,

5 As considerações feitas sobre os partidos políticos e o sistema partidário foram extraídas de Schmitt (2000). 6 “As diferenças revelam o conteúdo complexo do getulismo, que abarcava a burocracia estatal, a maior parte do empresariado industrial, setores agrários retrógrados e as lideranças sindicais” (Fausto, 2006: 148).

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representava as diversas forças de oposição a Vargas, nas áreas rurais e urbanas.

Era formada por correntes heterogêneas, incluindo membros da oligarquia que

perderam poder político em 1930, liberais conservadores, e alguns políticos da

esquerda democrática. O partido era marcado pela defesa da democracia

representativa, e por uma política econômica com traços liberais, tais como a

defesa do equilíbrio orçamentário, do combate à inflação, e da limitação dos

gastos públicos.

Com forte apoio popular no estado de São Paulo, o PSP, Partido Social

Progressista, foi veículo pessoal de Adhemar de Barros e era usado, inúmeras

vezes, como “legenda de aluguel” em diversos estados. Em termos de

representação na Câmara de Deputados, o PSP era a quarta maior legenda no

período de 1945-1962. Apesar disso, era um partido com um eleitorado muito

concentrado em São Paulo (cf. Schmitt, 2000: 18).

Com a democratização do regime, eleições legislativas e presidenciais

foram marcadas para dezembro de 1945, e as forças políticas começaram a se

organizar. O PSD e o PTB apoiaram o candidato de Vargas, o General Dutra,

enquanto a UDN apoiou o Brigadeiro Eduardo Gomes. Dutra venceu as eleições,

e os três partidos mais bem representados no Legislativo foram o PSD, a UDN e o

PTB, nesta ordem. Marcada pela eclosão da Guerra Fria, as políticas econômicas e

externas do governo Dutra inseriram-se na esfera ocidental. O Partido Comunista

Brasileiro foi colocado na ilegalidade, e a economia adotava princípios do

liberalismo econômico.

Conduzidas de acordo com a Constituição de 1946, as eleições de

outubro de 1950 deram a vitória a Getúlio Vargas, com apoio do PSP, partido de

Adhemar de Barros, “quando o populismo ademarista e getulista opta pelo retorno

do ex-presidente, através do referendo eleitoral” (D’Araújo, 1992: 23). Vargas

escolheu inicialmente uma política de conciliação entre as heterogêneas forças

políticas que o apoiaram, seguindo uma política moderada nos aspetos

econômicos e de política externa. Essa estratégia foi, no entanto, inviabilizada por

dificuldades econômicas e pelo crescimento das tensões provenientes da Guerra

Fria. As forças políticas tenderam a se polarizar, com a UDN endurecendo sua

posição direitista, e as Forças Armadas reiterando seu anticomunismo. Vargas

decidiu por apoiar-se nos sindicatos de trabalhadores e no PTB, aumentando o

salário mínimo e fortalecendo o tema do nacionalismo. Foi criada a Petrobrás,

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proposta a criação da Eletrobrás, e Vargas ameaçou colocar em prática a lei que

restringia a remessa de lucros. O então ministro do trabalho, João Goulart, estava

claramente identificado com essas posições políticas.

O impasse econômico resultante do total abandono de medidas

antiinflacionárias, e a reação dos conservadores, dos liberais e das Forças

Armadas à radicalização do governo conduziram a uma crise. Carlos Lacerda,

político e jornalista, acusou Vargas de ter negociado uma aliança antiamericana

com o Chile e a Argentina. “O aumento de 100% no salário mínimo, decretado a

1° de maio de 1954, [...] vai constituir-se na alegação final [...] para a condenação

do que seria a política demagógica do Governo em relação aos trabalhadores”

(D’Araújo, 1992: 32). Uma frustrada tentativa de assassinar Carlos Lacerda

produziu inquéritos nos quais foram revelados indícios de comportamento

corrupto dentro do governo, fazendo as tensões tornarem-se incendiárias, com as

Forças Armadas posicionando-se impacientemente. Com as exigências para sua

renúncia avolumando-se, Vargas suicidou-se em 24 de agosto de 1954.

A coexistência de duas tendências políticas, a populista e a autoritária,

era um fator que, segundo D’Araújo, enriquecia a conjuntura da época:

Muito provavelmente, a dramaticidade do final do Governo [Vargas] favorece o populismo, que prevalecerá com Juscelino Kubitschek, em detrimento da tendência autoritária, que se torna hegemônica em 1964. Ambas as tendências enfrentam a dificuldade, generalizada entre as elites, de comportar-se partidariamente. Para os populistas, o partido deve ceder à relação direta do líder com a massa e à personalização do poder; para os autoritários e conservadores os partidos são instrumentos, embora prescindíveis, para uma articulação de poder também a nível de elites, que dispensa o contato com as massas. Nos dois casos, observa-se ainda a preocupação constante em torno da formação de coalizões máximas. A obsessão de maximizar o consenso demonstra a dificuldade de se conviver com a oposição e com o dissenso. O Governo Vargas enquadra-se perfeitamente dentro desse esquema que, embora amplo e simplificado, reflete um dos principais aspectos do sistema político brasileiro pós-1945 (D’Araújo, 1992: 187).

O suicídio de Vargas deu nova vida ao getulismo e à aliança entre o PSD

e o PTB, para fins eleitorais visando às eleições de outubro de 1955. Estas foram,

em conseqüência, marcadas por uma coesão das forças getulistas em torno de seu

candidato, Juscelino Kubitschek, assim como pelas incertezas no campo

adversário. Seu adversário, o general Juarez Távora, da UDN, não tinha muitas

chances eleitorais, e alguns anti-varguistas, como Carlos Lacerda e alguns

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membros das Forças Armadas, começaram a duvidar das possibilidades de vitória

eleitoral contra os seguidores do getulismo. As eleições deram a vitória a

Juscelino e Goulart foi eleito vice-presidente7. A oposição derrotada contestou os

resultados das eleições, mas, após aproximadamente um mês de escaramuças, um

grupo militar legalista, comandado pelo general Lott, impôs o resultado eleitoral.

Talvez influenciado pelo fato de ter sido eleito com aproximadamente

35%, Juscelino adotou um comportamento conciliador, procurando acomodar os

conflitos. Deu sinais aos liberais de que aceitaria de bom grado os investimentos

externos, e anistiou os militares que tentaram se rebelar contra seu governo nos

episódios de Aragarças e Jacareacanga. Tratou de imprimir, e fazer disto sua

marca, uma mística desenvolvimentista, favorecendo, através da intervenção do

Estado, os investimentos em setores industriais básicos e em infra-estrutura. A

busca pelo consenso, no campo econômico, entre liberais e desenvolvimentistas

não era, no entanto, um caminho adequado para a condução de soluções que

pudessem curar os males crônicos de nossas dificuldades financeiras e monetárias.

Houve um “aumento da inflação e a redução da taxa de crescimento, nos

dois últimos anos de seu mandato” (Lamounier, 2005: 130). Após uma tentativa

de retorno a práticas estabilizadoras, no sentido de atender às exigências do Fundo

Monetário Internacional (FMI), Juscelino rompeu os entendimentos com os

credores internacionais, trazendo de volta a polarização política. À esquerda,

passaram a ter projeção nacional Leonel Brizola, governador do Rio Grande do

Sul e cunhado de Goulart, e Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, no

Nordeste. Esta mobilização de movimentos de esquerda radicais trouxe renovadas

preocupações à classe média urbana e aos militares. Jânio Quadros, governador do

estado de São Paulo foi eleito presidente nas eleições de outubro de 1960,

concorrendo pela oposição. Para vice-presidente foi reeleito o candidato da

situação, João Goulart.

Apoiado pela UDN, Jânio conduziu uma campanha eleitoral na qual era

enfatizada a necessidade de lutar contra a ineficiência administrativa e o

desperdício. Ambiguamente “claiming to favor liberalism and developmentalism

simultaneously, Quadros left the details of his policies vague” (Mendes, 1977: 7).

7 “A Constituição de 1946 não estatuía que a eleição de determinado candidato à presidência acarretasse a escolha automática do candidato a vice-presidente lançado pelo mesmo partido ou aliança” (Lamounier, 2005: 128). Não foi o caso nas eleições de 1955, mas seria um fator complicador no mandato seguinte, como veremos.

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Os seis meses de presidência de Quadros deixaram desconcertados tanto

seus aliados quanto seus inimigos. Após sinalizar com uma economia ortodoxa,

pediu aconselhamento aos desenvolvimentistas aos primeiros sinais de recessão.

Conduziu políticas externas que desagradaram seus aliados, reatando relações

diplomáticas com a União Soviética, favorecendo o estreitamento com países do

Terceiro Mundo, e condecorando Ernesto “Che” Guevara8. Em 25 de agosto de

1961 renunciou, em um dos menos explicados episódios da história

contemporânea brasileira. Acontece que a legislação eleitoral vigente admitia que

presidente e vice-presidente eleitos não necessariamente deveriam pertencer ao

mesmo partido. A campanha eleitoral de Jânio dirigia-se a um eleitorado

conservador, enfatizava a volta de valores como moralidade e bons costumes, e

atacava a corrupção. Goulart, por outro lado, estava vinculado às bases sindicais,

defendia idéias nacionalistas e reformas sociais. “Goulart [...] depara-se com um

eleitorado frustrado pela renúncia de Jânio e que seria obrigado a aceitar um

programa de reformas que não havia escolhido, a ser implementado por um

presidente em quem não havia votado” (Raposo, 1994: 24).

Vista como uma das mais livres eleições até então, a de 1960 foi, no

entanto, o ponto de partida para uma série de crises que levariam ao movimento

militar de 1964. O veto militar à posse do vice-presidente Goulart levou a um

acerto político no qual se implantava um parlamentarismo improvisado, que

desagradava a todos os protagonistas. Goulart conseguiu revogar este

parlamentarismo através de um plebiscito, em janeiro de 1963; apoiou-se em

ministros desenvolvimentistas, como Celso Furtado, e politicamente fortaleceu os

sindicatos, Leonel Brizola e as Ligas Camponesas. A polarização ideológica

atingiu proporções alarmantes, até o desfecho, em 31 de março de 1964.

8 Ernesto Guevara de la Serna (1928-1967), nasceu na Argentina e morreu na Bolívia. Revolucionário marxista, foi figura importante na Revolução Cubana, no governo cubano, e participou de diversos movimentos armados que tentaram, na década de 60, implantar o comunismo em diversos países da África e na Bolívia.

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1.3. Mudanças na sociedade e na economia brasileira

Mas não foi somente o aspecto político que sofreu fortes mudanças no

país após a revolução de 1930. Também pelos aspectos econômicos e sociais este

movimento trouxe um ponto de inflexão que proporcionou a redefinição das

relações entre o Estado e a sociedade. Dentre os elementos mais significativos que

influenciaram estas relações no período de 1930 a 1964, destaco: o fenômeno da

urbanização, estimulado pela ampliação do acesso aos direitos sociais para os

trabalhadores urbanos; a expansão dos direitos políticos; o fortalecimento do

corporativismo, vinculando os sindicatos ao Estado; a formação de um sistema

partidário nacional; e a emergência de uma burguesia industrial e de um

operariado, dentro do modelo nacional-desenvolvimentista de industrialização. A

ocorrência de um aumento do eleitorado em um ambiente de baixa

institucionalização pode ser vista como uma síntese dos acontecimentos que

influenciaram este período (Santos, 1993).

O período de 1930 a 1945 foi a era dos direitos sociais e da organização

sindical. Os trabalhadores urbanos foram incorporados à sociedade pelas leis

sociais, e não por sua ação sindical e por uma política independente. Faz-se

necessário, no entanto, notar que colocar os direitos sociais à frente dos políticos

não impediu a popularidade de Vargas. A ênfase nos direitos sociais encontrava

terreno fértil na cultura política da população, principalmente na dos pobres dos

centros urbanos. O populismo era um fenômeno urbano9 e refletia esse Brasil

novo que surgia, diferente do Brasil rural da Primeira República. Era um avanço

na cidadania, na medida em que trazia as massas para a política. Em contrapartida,

colocava os cidadãos em posição de dependência perante os líderes (cf. Carvalho,

2002: 87-126).

Por outro lado, o país se industrializava, sua economia se modernizava, e

o Estado se burocratizava.

A República [Velha] fora descentralizadora e oligárquica. O novo Estado fundado pela Revolução de 1930, ainda que conservasse elementos da velha aristocracia, foi um Estado antes de tudo autoritário e burocrático no seio de

9 “A parcela urbana da população (em cidades com mais de 20 mil habitantes) dobrou, de 15% para 30%, entre 1940 e 1960” (Lamounier, 2005: 114).

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uma sociedade em que o capitalismo industrial se tornara afinal dominante (Bresser-Pereira, 2001: 234).

O desenvolvimento industrial, alavancado pelo Estado através do

pensamento que ficou conhecido como desenvolvimentismo, era marcante. O

conceito de “desenvolvimentismo”, segundo Ricardo Bielschowsky em

Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo

pode ser definido como sendo uma ideologia destinada a transformar a sociedade

brasileira, caracterizada por um projeto econômico que teria como pontos

fundamentais a certeza de que a industrialização seria a via de superação do

subdesenvolvimento brasileiro e a necessidade de o Estado ser o planejador desta

industrialização (Bielschowsky, 2004: 7). Os elementos ideológicos presentes na

origem deste modelo desenvolvimentista teriam sido o ataque ao livre-cambismo,

associado à defesa do protecionismo, e o ataque ao liberalismo. Gerou-se a

consciência de que seria necessário e viável implantar no país um setor industrial

integrado, ao mesmo tempo em que se criava a crença na necessidade de instituir

mecanismos de centralização de recursos financeiros para este fim (cf.

Bielschowsky, 2004: 247-259).

Desde a década de trinta a economia brasileira vinha alcançando

crescimento significativo, tendo alcançado, nos trinta anos que se seguiram, a taxa

média de crescimento de 8% ao ano. Durante a década de cinqüenta, o

nacionalismo destacou-se na agenda política do país. Durante o segundo governo

Vargas, diversos partidos e segmentos sociais se mobilizaram pelas campanhas

para a criação da Petrobrás e da Eletrobrás. “Tornou-se comum empresários,

operários e políticos, filiados a uma gama diferenciada de partidos como o PTB, o

PSD, o PCB e a própria UDN, manifestarem sua convicção nacionalista-

desenvolvimentista” (Neves, 1997: 59). A indústria automobilística, implantada

por Kubitschek, foi a base de uma estrutura industrial existente até os dias de hoje.

Em uma época na qual o liberalismo econômico parecia sepultado em

todo o mundo, esmagado pela pujança social-democrata do Welfare State, o

desenvolvimentismo sentia-se livre para seguir o caminho do endividamento. Para

Skidmore, aqui estava a raiz dos acontecimentos que levaram ao movimento

militar de 1964: “[...] o aprofundar da crise política era o corolário inevitável do

dramático retardamento no crescimento econômico, que se tornou evidente depois

de 1962, exacerbado pelo pesado fardo das dívidas externas a curto prazo”

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(Skidmore, 1976: 18). Evidentemente, esta explicação para o movimento que

abortou nossa instável democracia é, de alguma forma, reducionista. Os conflitos

entre ideologias que marcavam a Guerra Fria haviam se entranhado na sociedade

brasileira. O aspecto apontado por Skidmore poderia ser mais bem interpretado

como um catalisador de um desfecho no qual, qualquer que fosse o vencedor, a

democracia representativa e as liberdades individuais estavam previamente

condenadas.

1.4. A contribuição do pensamento social brasileiro para a compreensão do populismo no Brasil

“Uma das singularidades da história do Brasil é que este é um país que se

pensa contínua e periodicamente” (Ianni, 2004: 41). O pensamento social

brasileiro, desde a Proclamação da República, tem dado ênfase à questão da

inserção do Brasil na modernidade. Temas como a urbanização e a

industrialização estiveram presentes nos estudos dos pensadores preocupados em

compreender quais poderiam ser as condições e possibilidades de alcançarmos

nossa modernização. O que torna fascinante e instigante o estudo destas idéias é a

variedade das interpretações e, conseqüentemente, das “receitas” para a superação

do nosso atraso. Estas interpretações e suas diretrizes são múltiplas e

freqüentemente contraditórias, apesar de podermos agrupá-las:

Um exame crítico da maioria das interpretações revela que elas se aglutinam em certas orientações, linhagens ou “famílias”. Seriam vertentes predominantes, revelando tanto os desafios que se abrem no curso da história do país como filiações dos autores, alinhando-se segundo estilos de pensamento já constituídos ou em constituição (Ianni, 2004: 43).

Algumas destas orientações, linhagens ou “famílias” do pensamento

social acerca do populismo no Brasil, no período de 1945 a 1964, podem ser

destacadas. Nos escritos de Francisco Weffort e de Octavio Ianni, da Escola de

Sociologia da USP, constata-se uma interpretação afinada com a perspectiva

marxista da divisão social em classes, tendo sido o populismo analisado pelo viés

da luta de classes. Já as análises acerca do populismo de autores como Helio

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Jaguaribe e Guerreiro Ramos, que fizeram parte do ISEB (Instituto Superior de

Estudos Brasileiros), estavam mais focadas na preocupação com o

desenvolvimento nacional. O pensamento econômico liberal de autores como

Eugênio Gudin, Octavio Gouvêa de Bulhões, e Roberto de Oliveira Campos

identifica no populismo um viés econômico que funciona como um obstáculo ao

desenvolvimento sustentado de uma sociedade. Isto aconteceria porque, para eles,

o populismo procura alocar recursos preferencialmente a grupos políticos mais

ativos, e é marcado pela ausência de preocupações para com a responsabilidade

fiscal, uma vez que o discurso do “bem do povo” justificaria estas ações.

O objetivo deste trabalho será analisar as interpretações mais relevantes

sobre o fenômeno populista no Brasil, no período de 1945 a 1964. Mais

precisamente, pretende investigar os distintos enfoques analíticos que sustentam

as interpretações sobre o populismo pós-1945 da Escola de Sociologia da

Universidade de São Paulo, do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), e

do Pensamento Econômico Liberal.

As reflexões feitas pelos intelectuais aqui selecionados sobre o

populismo têm sua força explicada por Jürgen Habermas em seu conceito de

esfera pública literária10 no sentido de que, ao interagirem também no espaço

público, fizeram com que as discussões acerca do conceito de populismo

transbordassem os limites da academia e alcançassem o mundo público. Seu

compromisso com o debate no espaço público nos permite utilizar suas reflexões e

análises no sentido de melhor compreendermos o fenômeno do populismo

hodierno. E, nas origens destas reflexões e análises, já se distingue uma das

disputas entre os intelectuais que estudaram e discutiram o conceito.

Maria Emilia Prado reconhece que “ao assumirem o papel de intelectuais

comprometidos com a Política e a esfera pública, Jaguaribe bem como todos os

integrantes do ISEB construíram uma página fundamental na história dos

intelectuais no Brasil” (Prado, 2007: 8). E podemos constatar que, em um dado

contexto histórico, as elites intelectuais demarcam o que é entendido como idéias

retoricamente consagradas como “verdades”. As diferentes interpretações

10 “O processo ao longo do qual o público constituído pelos indivíduos conscientizados se apropria da esfera pública controlada pela autoridade e a transforma numa esfera em que a crítica se exerce contra o poder do Estado realiza-se como refuncionalização da esfera pública literária, que já era dotada de um público possuidor de suas próprias instituições e plataformas de discussão. Graças à mediatização dela, esse conjunto de experiências da privacidade ligada ao público também ingressa na esfera pública política” (Habermas, 1984: 68).

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oriundas do pensamento social fizeram com que o debate sobre o populismo

ganhasse o mundo público, tornando-se de uso recorrente pelos atores políticos e

pelos eleitores em geral, embora não fosse suficiente para estabelecer uma

qualificação consensual sobre o fenômeno, tendo em vista as diferentes matrizes

teóricas que os sustentam.

No intuito de confirmar a hipótese acima descrita, estudarei, no segundo

capítulo, as interpretações sobre o populismo que se apoiaram no conceito de luta

de classes, no que se chamou de Escola Paulista de Sociologia da USP, com

ênfase nas análises de Weffort e Ianni. Podemos admitir que tenha sido a partir

dos consagrados trabalhos de Weffort, em O populismo na política brasileira, e

de Ianni, em O colapso do populismo no Brasil, que os estudos acerca do

populismo na política brasileira adquiriram a relevância que os marca até hoje. Os

referidos estudos foram influenciados pela corrente de interpretação marxista,

majoritária na Academia, à época.

No terceiro capítulo analisarei interpretações do populismo que divergem

da teoria marxista, efetuadas por alguns dos mais marcantes intelectuais do ISEB,

com ênfase no nacional-desenvolvimentismo, quase um arcabouço ideológico

através do qual se pretenderia controlar as massas urbanas. O populismo não era

visto como um fenômeno de importância, que pudesse encobrir a urgência de se

industrializar o Brasil, tornando-o uma potência competitiva e moderna.

No quarto capítulo estudarei as interpretações de defensores do

liberalismo econômico como Gudin, Bulhões, e Campos que, entre outros,

elegeram como inimigo principal o projeto nacional-desenvolvimentista, oposto

aos ideais liberais de livre alocação de recursos pelo mercado, e que fazem a

crítica ao populismo analisando o prejuízo que as práticas dele decorrentes trazem

para o crescimento econômico. A busca da responsabilidade fiscal era enfatizada

por aqueles que criticaram as promessas fiscalmente irresponsáveis feitas à classe

trabalhadora, na disputa dos votos necessários à tomada e à manutenção do poder

em uma democracia representativa.

Finalmente, o quinto capítulo trará uma visão dos principais pontos

discutidos sobre o fenômeno do populismo, estudados nos capítulos anteriores, e

as conclusões daí extraídas.

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2 Populismo e luta de classes

2.1. A Escola de Sociologia Paulista

Neste capítulo, analisarei o pensamento de dois expoentes da Escola de

Sociologia da USP, Francisco Weffort e Octavio Ianni, em suas análises sobre o

populismo no período de 1945 a 1964. Será dada ênfase às idéias discutidas em O

populismo na política brasileira (Weffort, 2003), publicado em 1978, e O colapso

do populismo no Brasil (Ianni, 1975), publicado em 1968.

Os sociólogos de São Paulo eram um produto, por excelência, da

universidade, e reivindicavam para si o caráter puramente acadêmico ou

científico. A interpretação paulista adotou uma perspectiva cosmopolita e

enfatizou o conflito das classes, rejeitando a possibilidade de acordos nacionais

(Bresser-Pereira, 2005: 205-207). É sobejamente conhecida a relevância que teve

a Escola de Sociologia Paulista, não somente por razões históricas, uma vez que

foi na USP que se realizaram as primeiras tratativas no sentido da

institucionalização desta disciplina como profissão acadêmica no Brasil, como

pela considerável quantidade e qualidade de pesquisas e publicações nesta área de

estudo.

Um elemento que considero de fundamental importância para o melhor

entendimento das preocupações acadêmicas dos intelectuais da Escola de

Sociologia Paulista é o fato de eles estarem situados no epicentro da

industrialização e das conseqüentes mudanças sociais no país. Isto influenciaria

fortemente o foco de suas análises:

Depois de uma fase de estudos centrada na escravidão, passariam a se colocar, quase naturalmente, como seu principal objetivo compreender a industrialização e a mudança social, especialmente em São Paulo. Portanto, esses intelectuais eram expressivos de um ponto de vista em sintonia com a intensa industrialização e urbanização da capital paulista, o que fica evidente na definição de seus objetos de estudo e nos focos analíticos privilegiados nas investigações científicas, a partir do início da década de 1960. (Lahuerta, 2005: 165).

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Os nomes de Florestan Fernandes, Francisco Weffort e Octavio Ianni são

referências obrigatórias quando se remete à Escola de Sociologia da USP.

Florestan Fernandes1, cuja influência intelectual sobre Weffort e Ianni é notória, e

fiel à orientação ideológica que marcou a Escola de Sociologia da USP, em

entrevista concedida à Folha de São Paulo em 1977, continuava acreditando na

visão da luta de classes. Embora não tenha adotado o termo “populista”, admitia a

existência de um grau de manipulação das massas populares por demagogos que

nada mais seriam do que líderes conservadores como Getúlio, Jango, Jânio,

Juscelino e Adhemar:

Resultava uma espécie de tentativa de barganha política, algumas concessões em troca do apoio de massa. Até o momento em que a pressão popular pareceu ameaçar as classes conservadoras, quando se alterou o comportamento e se suprimiu o demagogo e sua função. [...] Realmente, a demagogia aqui sempre foi um instrumental para a dominação burguesa e para o comportamento conservador de outro lado, as massas nunca conseguiram condições de formar suas próprias lideranças e meios de ação. Mesmo o PTB nunca deixou de ser um partido de manipulação das massas populares por políticos de classes média e alta (Fernandes, 2007).

Sendo esta Escola fortemente marcada, no período 1945-1964, pelo

pensamento marxista, é lícito argumentar que o sucesso político de Adhemar de

Barros e Jânio Quadros junto ao eleitorado de um estado cada vez mais

industrializado como São Paulo, trazia preocupações intelectuais aos estudiosos

cujo marco teórico estava fundamentado na divisão da sociedade em classes

sociais. Bolívar Lamounier considera que os termos “populismo” e “liderança

carismática” eram função dos referenciais teóricos sob os quais fossem estudados.

Assim sendo, para os autores marxistas, o populismo seria uma forma de liderança

que se utilizaria da demagogia para fazer com que os interesses de classe não

pudessem ser enxergados (cf. Lamounier, 2005).

É, portanto, importante ressaltar a forte influência que tinha, na época, a

perspectiva marxista na produção da Escola de Sociologia Paulista e em boa parte

1 Florestan Fernandes (1920–1995) nasceu e morreu em São Paulo. Formou-se em Ciências Sociais, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências. Cursou a pós-graduação em Sociologia e Antropologia na Escola Livre de Sociologia e Política, em São Paulo. Mestre em Ciências Sociais pela Escola Livre de Sociologia e Política (1947). Doutor em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da USP (1951). Sua obra A revolução burguesa no Brasil é considerada um clássico das Ciências Sociais no Brasil.

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das Ciências Sociais no Brasil, pois isto se reflete nas análises que Weffort e Ianni

fizeram do fenômeno do populismo no período de 1945 a 1964. Eles adotaram

prioritariamente a perspectiva marxista nessas análises.

2.2. Weffort: populismo como expressão de insatisfações

A influência do pensamento marxista2, na análise que Weffort3 faz do

populismo no Brasil no período de 1945 a 1964 é básica. Destacarei dois

conceitos marxistas que perpassam as análises de Weffort. Um deles é o conceito

que ficou conhecido como bonapartismo. Em O 18 Brumário de Luís Bonaparte

(Marx, 1987), procura explicar as razões de “não-classe” que levaram os

camponeses franceses a apoiar Luís Bonaparte:

Na medida em que milhões de famílias camponesas vivem em condições econômicas que as separam umas das outras, e opõem o seu modo de vida, os seus interesses e sua cultura aos das outras classes da sociedade, estes milhões constituem uma classe. Mas na medida em que existe entre os pequenos camponeses apenas uma ligação local e em que a similitude de seus interesses não cria entre eles comunidade alguma, ligação nacional alguma, nem organização política, nessa exata medida não constituem uma classe. São, conseqüentemente, incapazes de fazer valer seu interesse de classe em seu próprio nome, quer através de um Parlamento, quer através de uma convenção. Não podem representar-se, têm que ser representados. Seu representante tem, ao mesmo tempo, que aparecer como seu senhor, como autoridade sobre eles, como um poder governamental ilimitado que os protege das demais classes e que do alto lhes manda o sol e a chuva. A influência política dos pequenos camponeses, portanto, encontra sua expressão final no fato de que o Poder Executivo submete ao seu domínio a sociedade (Marx, 1987: 75).

O conceito de bonapartismo questiona a idéia de que haveria uma

correspondência direta entre as classes e o Estado. Teria surgido para tentar

2 Karl Marx (1818-1883) nasceu na Alemanha e morreu na Inglaterra. Foi um estudioso e ativista político que tratou de diversos temas políticos e sociais e tornou-se conhecido por suas análises históricas e seus estudos sobre o capitalismo. 3 Professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, Francisco Correa Weffort nasceu em 1937 em Quatá, São Paulo. Foi pesquisador do Instituto Latino-Americano para Economia Social e Planejamento da CEPAL em Santiago, Chile e pesquisador do CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). Na primeira metade da década de 1990 atuou no Woodrow Wilson Center, Washington, D.C. e no Hellen Kellogg Institute. Ministro da Cultura de 1995 a 2002.

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explicar governos nos quais o Estado arbitrava entre diferentes classes

proprietárias, apoiando-se em setores não proprietários. Napoleão III teria se

apoiado no campesinato para isolar o proletariado. Segundo Weffort, o populismo

é um fenômeno político de massas, típico das regiões atingidas pela intensificação

do processo de urbanização, pautado por uma relação específica entre os

indivíduos e o poder político; esse poder é exercido através de um líder tutelador.

Weffort afirma que essa dominação é “como uma expressão política de interesses

determinados de classe” (Weffort, 2003: 25). E numa clara referência ao conceito

de bonapartismo, afirma que “O populismo [...] é sempre uma forma popular de

exaltação de uma pessoa na qual esta aparece como a imagem desejada para o

Estado. [...] A massa volta-se para o Estado e espera dele ‘o sol ou a chuva’”

(Weffort, 2003: 38).

Um segundo conceito do pensamento marxista a ser ressaltado é o de

alienação4, ou ausência de consciência. Weffort argumenta que a ausência de uma

consciência de classe marcava o comportamento político das classes populares

urbanas durante o período populista: “Seu caráter de massas está condicionado

diretamente à heterogeneidade de sua composição, que tanto obscurece uma

possível consciência de seus interesses comuns como classe, quanto cria

possibilidades de mobilidade intraclasse” (Weffort, 2003: 176). Marx pregava que

o capitalismo seria sucedido pelo comunismo, uma sociedade sem classes que

surgiria após um período de transição no qual o Estado seria governado por uma

ditadura do proletariado. O postulado no qual se baseia o marxismo é o

materialismo histórico. Trata-se da aplicação, à história, de uma filosofia geral da

natureza e do homem: o materialismo dialético. O método de investigação e

produção de conhecimento chamado de dialética hegeliana propunha que a

história se daria por posição, oposição, e situação nova, chamadas tese, antítese, e

síntese, sempre em constante mudança. Hegel, porém, chegara a um idealismo

extremado, no qual o mundo real era a conseqüência e a realização da Idéia, pura

e absoluta, existente desde sempre. Os hegelianos de esquerda reagem e propõem

a concepção materialista. Nesta, o mundo material era a única realidade. Todos os

seres fantásticos, religiosos, seriam o reflexo do seu próprio ser. A consciência e o

pensamento do homem eram produtos apenas do homem, ser material, e de um

4 Para uma melhor compreensão do conceito marxista de alienação ver: Marx, K; Engels, F. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

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órgão em particular: o cérebro. O materialismo histórico revira a dialética

hegeliana, pois não podendo a Idéia, um simples reflexo, ser o móvel da História,

este motor encontra-se no mundo material. Marx e Engels afirmam que o

indivíduo tem que ser visto nas suas condições materiais de existência. A estrutura

econômica é a base real, a infra-estrutura sobre a qual se constrói toda uma

superestrutura jurídica, política, intelectual, ideológica. Cada modo de produção

determinaria, obrigatoriamente, uma estrutura social, com sua correspondente

divisão em classes.

Daí derivariam as organizações políticas, jurídicas, valores, idéias:

epifenômenos da infra-estrutura que lhes deu origem. Da mesma forma como o

Estado é o Estado da classe dominante, as idéias da classe dominante seriam as

idéias dominantes em cada época. As idéias dominantes pareceriam ter validade

para toda a sociedade, inclusive para as classes oprimidas. Criar-se-ia a ilusão de

que as diversas etapas da vida social resultam de idéias abstratas como, por

exemplo, a honra (na sociedade aristocrática), e a liberdade e a igualdade (na

sociedade burguesa). A partir desta “ilusão” passa-se a discutir o conceito de

alienação. O conceito de alienação pode ser abordado através de uma subdivisão

em dois enfoques: o econômico e o político. No econômico argumentar-se-ia que,

no capitalismo, o trabalho fabril é não-respeitoso, não-criativo; o proletário é um

apêndice da máquina, e seu salário despenca na medida em que a tecnologia e a

pressão demográfica fazem dele uma mercadoria facilmente substituível. É um

elemento passivo do processo; não concebe a criação e está alheio ao produto do

seu trabalho. No enfoque político (ou ideológico), a alienação se dá no momento

em que, por não ter consciência de classe, o proletário aceita que o seu destino

imutável seja o de vender sua força de trabalho. É justamente a partir desta

condição de explorado na produção capitalista que a consciência de classe poderia

ser formada. Na sinergia do ambiente da fábrica o operário poderia, em conjunto

com seus companheiros, refletir sobre sua condição de explorado. A natureza

alienante do seu trabalho e a densificação da massa proletária contribuiriam para

isto. A partir desta consciência de classe, e da ação política resultante da vivência

em organizações políticas combatentes, o proletariado faria a revolução que, ao

coletivizar os meios de produção, acabaria com as classes e, conseqüentemente,

com a exploração e a alienação.

O livro O populismo na política brasileira contém três artigos que se

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tornaram referência para o estudo do populismo no Brasil, no período de 1945 a

1964. O primeiro artigo, Política de massas, é de setembro de 1963, “quando o

populismo brasileiro era o poder vigente ou, pelo menos, aparentava sê-lo”

(Weffort, 2003: 9). O segundo artigo, Estado e massas no Brasil, é de 1964, e o

terceiro, O populismo na política brasileira, foi publicado em 1967.

Pela primeira vez as massas urbanas surgem com liberdade no cenário

político brasileiro. A partir da redemocratização, a “democracia defronta-se –

apenas começa a instaurar-se no pós-guerra – com a tarefa trágica de toda

democracia burguesa: a incorporação das massas populares ao processo político”

(Weffort, 2003: 15) e as massas passam a exercer crescente pressão sobre a

estrutura do Estado. O autor considera que quando as massas populares urbanas

aparecem na história do Brasil, elas se tornam “a única fonte de legitimidade

possível ao novo Estado brasileiro” (Weffort, 2003: 54). Da observação dos

fenômenos eleitorais protagonizados por Vargas, Adhemar de Barros e Jânio

Quadros, Weffort constata que:

Com efeito, desde 1945, qualquer político que pretendia conquistar funções executivas com um mínimo de autonomia em relação aos grupos de interesse localizados no sistema partidário, deveria, embora de maneira parcial e mistificadora, prestar contas às massas eleitorais (Weffort, 2003: 20).

O populismo já se manifestava no fim da ditadura Vargas. A primeira

forma que tomou uma manifestação populista de massas teria sido o queremismo,

“designação derivada do slogan (‘nós queremos Getúlio’) do movimento de

opinião organizado por Vargas ao fim da ditadura” (Weffort, 2003: 47).

Weffort chama a atenção para o papel desempenhado pela pequena

burguesia quando esta se devota a um líder populista. O populismo seria uma

traição às massas porque, apesar de ter bases operárias, mantinha os limites da

pequena burguesia. Ao manter-se dentro destes limites de ação

[...] o populismo é, essencialmente, uma política de transição que conduz inevitavelmente, por meio do desenvolvimento capitalista, ao esmagamento da pequena burguesia pelos grandes capitais. [...]. Na impotência histórica da pequena burguesia está a raiz da demagogia populista (Weffort, 2003: 35).

A tensão entre populismo e nacionalismo, naquele período, está presente

nos escritos de Weffort. Na sua crítica ao nacionalismo reformista, Weffort afirma

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que este “foi pouco mais que uma forma pequeno-burguesa de consagração do

Estado” (Weffort, 2003: 45). Acusa, também, os nacionalistas de não serem

capazes de entender o populismo, recusando-lhe um sentido ideológico, “o que

significa considerá-lo um fenômeno pré-político ou para-político” (Weffort, 2003:

25). Além do mais, tal como os populistas, os nacionalistas também teriam

prejudicado a formação da consciência de classe dos operários e são, por Weffort,

responsabilizados pela derrota ante o movimento militar de 1964:

Não há dúvidas de que o nacionalismo obscureceu gravemente o sentido de classe da emergência política das massas, a formação do proletariado no bojo do desenvolvimento capitalista. E pagou por isto, como as próprias massas populares, com a fragorosa derrota de abril de 1964 (Weffort, 2003: 41).

O autor considera importante realçar as diferenças entre populismo e

coronelismo5. No coronelismo, as relações entre o senhor rural e seus empregados

e dependentes estão limitadas ao domínio social e econômico do senhor rural,

diferentemente do que ocorre no populismo:

No ‘coronelismo’ as relações são quase políticas: a dependência eleitoral da base é apenas uma dimensão de sua dependência social em geral; no populismo, a relação política é freqüentemente a única. Enfim, o ‘coronelismo’ expressa um compromisso entre o poder público e o privado do grande proprietário de terra; já o populismo é, essencialmente, a exaltação do poder público, é o próprio Estado colocando-se por meio do líder em contato direto com os indivíduos reunidos na massa (Weffort, 2003: 28).

As aspirações das classes dominantes, para Weffort, não poderiam ser

alcançadas no Brasil de 1945 a 1964 sem que fossem, também, atendidas algumas

aspirações básicas das classes populares como “emprego, aumento de consumo e

direito de participação nos assuntos do Estado” (Weffort, 2003: 85).

Podemos reconhecer nas interpretações de Weffort a percepção de um

vácuo de poder oriundo da deterioração da dominação oligárquica ocorrida na

década de trinta, o que ele chamou de crise de hegemonia. Para Weffort, a

participação política das classes populares está relacionada “com as condições em

que se instala o novo regime e com a incapacidade manifestada pelas classes

médias e pelos setores industriais em substituir a oligarquia nas funções do

5 Weffort está usando o conceito de coronelismo desenvolvido por Victor Nunes Leal em Coronelismo, enxada e voto (Leal, 1975).

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Estado” (Weffort, 2003: 72). Dessa forma, “o chefe de Estado passará a atuar

como árbitro dentro de uma situação de compromisso [...] e a representação das

massas nesse jogo estará controlada pelo próprio chefe de Estado” (Weffort, 2003:

78 e 79).

Faz-se necessário atentar à ênfase que Weffort dá à necessidade de se

relativizar tanto a noção de manipulação, quanto a de passividade popular,

enraizadas no senso comum, e associadas ao populismo. Weffort considera que a

imagem mais adequada para que sejam mais bem compreendidas as relações entre

as massas urbanas e os grupos representados no Estado é a de uma tácita aliança

entre partes de diferentes classes sociais.

Ele foi um modo determinado e concreto de manipulação das classes populares, mas foi também um modo de expressão de suas insatisfações. Representou, ao mesmo tempo, uma forma de estruturação do poder para os grupos dominantes e a principal forma de expressão política da emergência popular no processo de desenvolvimento industrial e urbano. Foi um dos mecanismos pelo qual os grupos dominantes exerciam seu domínio, mas foi também uma das maneiras pelo qual esse domínio encontrava-se potencialmente ameaçado (Weffort, 2003: 71).

Mas a idéia de manipulação está presente nos escritos de Weffort quando

se refere ao período da ditadura Vargas. Este criara uma estrutura sindical que ele

iria controlar nas próximas décadas, pela via de uma legislação trabalhista para as

massas urbanas. Ao firmar seu prestígio junto a estas massas:

Getulio estabelece o poder do Estado como instituição, e este começa a ser uma categoria decisiva na sociedade brasileira. Relativamente independente desta, com mecanismos de manipulação passa a impor-se como instituição, inclusive aos grupos economicamente dominantes (Weffort, 2003: 55).

A dependência de diferentes grupos em relação ao Estado é uma figura

recorrente e básica nos argumentos de Weffort. Com a crise das oligarquias, cria-

se um quadro no qual diversos agentes políticos e econômicos que disputam a

hegemonia do poder não consigam alcançá-la.

Todos os grupos, inclusive as massas populares mobilizadas, participam direta ou indiretamente do poder: não obstante, como nenhum deles possui a hegemonia, todos o vêem [ao Estado] como uma entidade superior, do qual esperam solução para todos os problemas. [...] Nessas condições, em que nenhum dos grupos dominantes é capaz de oferecer as bases para uma política

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de reformas, as massas populares aparecem novamente como a única força capaz de dar sustentação a esta política e ao próprio Estado (Weffort, 2003: 62).

O conceito de “crise de hegemonia” é também desenvolvido por Weffort

em Partidos, sindicatos e democracia (Weffort, s. d.). Neste livro, ele realça a

importância das influências econômicas, políticas e ideológicas durante o período

da redemocratização, chamando a atenção para as condições que foram herdadas

das estruturas anteriores:

Haveria que considerar em primeiro lugar os efeitos políticos das transformações econômicas que resultando em grande medida de mudanças a nível do sistema econômico internacional, deveriam alcançar na passagem para a segunda metade dos anos 50 seu ponto de inflexão decisivo, assumindo uma importância fundamental na conjuntura política e ideológica vivida pelo país durante a segunda metade do segundo governo Vargas; nos planos político e ideológico, por sua vez, haveria que considerar que a percepção e o comportamento das forças políticas em face das novas tendências econômicas, estiveram decisivamente afetados por heranças do passado, estruturas políticas e concepções ideológicas formadas no longo período de “crise de hegemonia” que marca a história do país desde os anos 20 e 30, ou seja desde as primeiras e fundas fissuras havidas no Estado liberal-oligárquico e no esquema hegemônico das velhas classes agrárias (Weffort, s. d.: 78).

O equilíbrio instável daí decorrente e, primordialmente, a incapacidade

de qualquer dos grupos assumirem a representatividade da classe dominante, teria

sido uma das características mais marcantes do período da redemocratização.

Nestas circunstâncias, as massas populares conquistam uma relevância ímpar.

Estaria na fragilidade e ineficiência dos grupos dominantes de assumir, como

classe, o poder e as responsabilidades do Estado, a eficácia das lideranças

populistas:

Incapazes de legitimar por si próprias a dominação que exercem necessitarão recorrer a intermediários – primeiro Vargas, depois, os líderes populistas da etapa democrática – que estabeleçam alianças com os setores urbanos das classes dominadas (Weffort, 2003: 79).

As massas populares, no entanto, somente poderiam servir de base para a

legitimidade do Estado “quando ainda permanece possível o compromisso entre

os grupos dominantes” (Weffort, 2003: 63). Mas, a importância política das

massas seria função “da existência de uma transação entre os grupos dominantes,

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e esta transação agora se encontrava em crise” (Weffort, 2003: 87). E o equilíbrio

proporcionado por este compromisso, para Weffort, teria se rompido no processo

que culminou com a derrubada do governo Goulart:

O grande compromisso social em que se apoiava o regime se viu, assim, condenado por todas as forças que o compunha. Condenado pela direita e pelas classes médias que se aterrorizavam ante a pressão popular crescente; pelos grandes proprietários assustados com o debate sobre a reforma agrária e com a mobilização das massas rurais pela burguesia industrial, temerosa também da pressão popular e já vinculada por alguns de seus setores mais importantes aos interesses estrangeiros. E, apesar das intenções de alguns de seus líderes, encontrava-se condenado também pela fragilidade do populismo, que se mostrava incapaz não só de manter o equilíbrio de todas essas forças, como também de exercer um controle efetivo sobre o processo de ascensão das massas (Weffort, 2003: 88).

O autor não acreditava que, a partir daí, as condições para que fosse

exercida a pressão popular sobre o governo pudessem permanecer: “Com efeito, o

novo poder instaurado pelos militares parece marcar o fim do mito de um Estado

democrático de todo o povo e, deste modo, assinala um ponto de inflexão na

história política brasileira” (Weffort, 2003: 65).

2.3. Ianni e a política de massas

Para Ianni6, durante o período de 1914 a 1964 foram criadas as condições

institucionais, políticas e culturais para uma sociedade industrializada e de

predominância urbana: “entre 1930 e 1964 verifica-se a criação de um vigoroso

setor industrial no Brasil. Nessa época, o Estado se torna o centro nacional mais

importante das decisões sobre a política econômica” (Ianni, 1975: 27). A partir de

1945 “as massas começaram a participar em algumas decisões políticas e na

formulação dos alvos do progresso nacional” (Ianni, 1975: 53). Argumenta que o

modelo de desenvolvimento e organização da economia, ao qual chama de

getuliano, apoiava-se na substituição de importações. Para isto, fazia-se necessário 6 Octavio Ianni (1926-2004) nasceu em Itu e morreu em São Paulo. Graduou-se na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP) em Ciências Sociais, onde fez também o mestrado e doutorado. Foi um dos fundadores do CEBRAP. Teve seus direitos políticos cassados pelo AI-5 em 1969. Voltou a lecionar no Brasil em 1977.

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atender ao setor agrário que, na fase inicial do processo, continuaria a prover as

divisas a serem usadas em investimentos que demandassem importações.

O conceito marxista de luta de classes é uma importante referência na

crítica que Ianni faz da atuação das esquerdas no Brasil no período considerado,

notadamente com relação ao Partido Comunista:

A partir de 1945, no entanto, o reformismo predomina, como orientação política interna. Em plano internacional, a primazia cabe à luta contra o imperialismo norte-americano, cujo ponto de apoio interno é considerado o latifúndio. Assim, a luta pelas reformas de base é encarada como caminho mais eficaz para atingir simultaneamente os interesses dos latifundiários, setores da burguesia comercial e os imperialistas. Para desenvolver esta campanha, o PC favorece e estabelece a aliança entre operários, setores da classe média, estudantes universitários, intelectuais, políticos populistas, militares e, principalmente, setores da burguesia nacional. Essa interpretação do desenvolvimentismo nacionalista supunha que os interesses de setores ponderáveis da burguesia industrial pelo mercado interno a colocava em antagonismo com os grupos latifundiários, importador e imperialista. Assim, a frente única, acertada entre esquerda e burguesia, poderia conduzir a luta pelo progresso econômico, a democratização crescente e as conquistas da classe operária (Ianni, 1975: 93).

Ianni interpreta que, na prática, a esquerda adotou a política de

substituição de importações como uma etapa do processo de revolução no Brasil.

Grave erro, pois a esquerda, ao “adotar e emaranhar-se na política de massas [...]

não pode transformar a política de massas em luta de classes” (Ianni, 1975: 93).

A política de massas, o dirigismo estatal, e uma política externa

independente eram os elementos fundamentais de um padrão político e econômico

consubstanciado na democracia populista no pós-1945. Em Ianni, a política das

massas é um elemento crucial no processo de industrialização. Chama a atenção

para o que denomina de “núcleo ideológico da política de massas” (Ianni, 1975:

56): o nacional-desenvolvimentismo, com uma crescente participação do Estado

na economia, exigência e conseqüência de um programa de nacionalização de

decisões.

O fenômeno populista estaria ancorado no binômio industrialização-

urbanização. A migração interna seria outro elemento importante para a

compreensão da estrutura do populismo. O horizonte cultural daquele migrante

que ia para as cidades e para os centros industriais ainda estava marcado por

valores e padrões do mundo rural:

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Em particular, o universo social e cultural do trabalhador agrícola (sitiante, parceiro, colono, camarada, agregado, peão, volante, etc.) está delimitado pelo misticismo, a violência e o conformismo, como soluções tradicionais. Este horizonte cultural modifica-se na cidade, na indústria, mas de modo lento, parcial e contraditório (Ianni, 1975: 57).

Sob o ponto de vista da discussão acerca do nacional-

desenvolvimentismo, as interpretações de Ianni são importantes pelo fato de que

este debate estava na agenda política e econômica no período que tem sido

repetidamente chamado de democracia populista no Brasil. Ianni considera que, a

partir da década de trinta, foram quatro os modelos de desenvolvimento presentes

na sociedade brasileira: o primeiro é o modelo exportador, que implica hegemonia

dos setores agrícolas tradicionais, tendo como contrapartida a importação de

produtos industrializados para atender ao mercado interno; depois, temos o

modelo de substituição de importações, objetivando “encontrar uma combinação

positiva e dinâmica com o setor agrário, encadeando as exigências de divisas com

as exigências de investimentos destinados a atender ao mercado interno” (Ianni,

1975: 54); o terceiro seria um modelo que “implica na internacionalização

crescente do setor industrial, ao lado do caráter fundamentalmente

internacionalista do setor agrário tradicional” (Ianni, 1975: 54); finalmente, o

quarto modelo desenvolvimentista seria o socialista.

Pela importância que o modelo de desenvolvimento apoiado na

substituição de importações teve no crescimento da nossa economia, destaco a

afirmação de Ianni de que “os elementos fundamentais desse padrão político-

econômico estão consubstanciados na democracia populista desenvolvida depois

de 1945” (Ianni, 1975: 54). Por estar baseado na transferência de divisas do setor

agro-exportador para investimentos destinados a atender ao mercado interno, o

modelo referido rompia com os até então paradigmas de relações entre o Estado e

as forças agrícolas internas. O Estado “com base na política de massas e no

dirigismo estatal, estabelece gradações nas rupturas estruturais indispensáveis à

sua execução. Fundamenta a política externa independente e implica numa

doutrina do Brasil como potência autônoma” (Ianni, 1975: 54).

Para Ianni, o período político que se inicia em 1930 já pode ser entendido

como inserido em um contexto populista. A sua forma foi se alterando em função

das circunstâncias nacionais e internacionais. A queda de Vargas, em 1945, na

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onda de redemocratização do mundo capitalista, abriu espaço para o

pluripartidarismo, mas não foi o fim das políticas populistas. Mais que isto, elas

foram usadas como forma de legitimar a dominação: a política de massas,

diferentemente da política de partidos, “é o fundamento da democracia populista,

que se organizou paulatinamente nas décadas que antecederam a mudança

repentina ocorrida a partir do Golpe de Estado de 1º de abril de 1964” (Ianni,

1975: 9). Após enfatizar as modernizações nas estruturas sociais, políticas e

econômicas em curso, Ianni, em suas conclusões, afirma que o populismo “está

relacionado tanto com o consumo em massa como com o aparecimento da cultura

de massa. Em poucas palavras, o populismo brasileiro é a forma política

assumida pela sociedade de massas no país” (Ianni, 1975: 207).

2.4. Considerações finais

Podemos inferir que a questão do populismo é fundamental para o

entendimento do período de 1945 a 1964 no Brasil. A redemocratização, a

industrialização e a urbanização que transformaram as estruturas no país

trouxeram um eleitor ansioso pelo discurso que os líderes populistas souberam

desenvolver.

A sociologia marxista enxergava a modernização e a urbanização como

avanços em relação ao Brasil tradicional, onde os conflitos teriam sido

acomodados através da conciliação. Os conflitos seriam desejáveis, para trazer

novas sínteses. Na visão de Weffort, existe, mesmo no populismo mais ligado à

esquerda, um prejuízo fundamental à classe trabalhadora, por colocar a agenda

nacionalista como primordial. No Brasil de 1930 a 1945, teríamos uma política

híbrida, conseqüência do estágio inicial da nossa modernização. O populismo

corresponderia a uma fase em que se constatava um vácuo político: “a

peculiaridade do populismo vem de que ele surge como uma forma de dominação

nas condições de “vazio político”, em que nenhuma classe tem a hegemonia e

exatamente porque nenhuma classe se afigura capaz de assumi-la” (Weffort,

2003: 178).

A política de alianças entre classes é contundentemente atacada pelos

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autores, sendo vista como uma das principais causas que levaram à derrota das

esquerdas em 1964. Tanto Weffort: “o novo poder instaurado pelos militares

parece marcar o fim do mito de um Estado democrático de todo o povo” (Weffort,

2003: 65); “a política nacionalista expiou de várias formas o pecado original da

ideologia” (Weffort, 2003: 42), quanto Ianni: “enquanto a esquerda permanecia ao

nível da consciência e atuação de massas, nos moldes estabelecidos na democracia

populista, ficava-se ao nível das reificações” (Ianni, 1975: 114), atribuem às

políticas populistas e nacionalistas forte responsabilidade no golpe militar, pois

elas teriam que partir para a luta de classes ou cair.

A ascensão e a queda da democracia representativa no Brasil, no período

de 1945 a 1964, sofreram influências externas e internas. No aspecto externo,

tivemos, politicamente, a onda democratizante que alcançou a maioria dos países

não “socialistas”, no pós-guerra e a subseqüente eclosão da Guerra Fria, que traria

sua radicalização para a nossa agenda política. Economicamente, vivia-se, nos

países industrializados, a época de ouro do Welfare State, e sua ideologia

planejadora legitimava os defensores do desenvolvimentismo. Internamente,

tivemos o efeito de um aumento significativo da participação eleitoral,

conseqüência da urbanização e da burocratização do Estado, concomitantemente

com instituições tão frágeis que uma das marcas do período é a instabilidade

política.

As interpretações de Francisco Weffort e Octavio Ianni apontam, no

populismo, para uma atração da classe trabalhadora que não passa pelo plano

ideológico, mas, sim, pela política social. No processo de urbanização e

industrialização pelo qual passava o Brasil, formavam-se atores sociais

qualitativamente diferentes daqueles da Primeira República. Neste novo mundo

urbano, o controle político era precário. Quem controlaria essas massas

emergentes? O modelo corporativo fortalecia o Estado através da criação dos

sindicatos, da possibilidade de intervenção nos sindicatos, e da atuação da Justiça

do Trabalho. A classe trabalhadora teria sido encorajada a postergar a busca dos

seus interesses mais amplos e se satisfazer com o que seriam, no ponto de vista

dos revolucionários, conquistas menores.

Seus trabalhos apontam para uma perplexidade com o fenômeno do

populismo, tendo em vista o referencial teórico que ligava industrialização à

revolução. Suas interpretações, baseadas nas teorias de Karl Marx, tratam-no

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como um obstáculo à conscientização da classe trabalhadora, fortalecendo sua

alienação. De acordo com o pensamento marxista predominante à época, na

Academia, o progresso decorrente da industrialização criaria entre nós o

capitalismo moderno, trazendo, em seu bojo, uma massa de proletários

explorados. O populismo, com forte apelo a um desenvolvimentismo que incluía

as diferentes classes sociais, ao criar obstáculos à conscientização da classe

proletária, trabalharia no sentido de prejudicar o progresso da revolução.

Por outro lado, suas análises têm, entre outras, a virtude de ter chamado a

atenção para as imensas transformações que aconteciam, principalmente nos

planos social e político. Estas rápidas transformações teriam impedido que o

proletariado pudesse amadurecer a consciência de classe que o levaria à criação de

organizações partidárias e sindicais “autênticas”, representativas de seus

interesses. Estaria, portanto, sujeito a uma relação personalista e demagógica

quando se relacionava com lideranças populistas. Os sindicatos, seus órgãos de

organização e representação básicos, encontrar-se-iam submetidos à tutela do

Estado.

Ao procurar entender como a classe operária teria aberto mão da

revolução em favor da reforma, a idéia de política de massas permitiu todo um

desenvolvimento intelectual que influencia a agenda política brasileira até os dias

de hoje. O fenômeno do populismo passou a ser explorado em outras análises,

indicando que seu estudo foi, aos poucos, sendo legitimado no debate acadêmico,

mesmo quando problematizado a partir de referenciais teóricos diferentes dos

adotados pela a Escola de Sociologia da USP, na década de 1960.

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3 Populismo e nacional-desenvolvimentismo

3.1. As origens e o papel do Instituto Superior de Estudos Brasileiros nos anos de 1950/1960

Neste capítulo serão estudadas as interpretações do fenômeno do

populismo feitas por intelectuais que participaram das instituições que elegeram o

nacional-desenvolvimentismo como o modelo de modernização do país. Os

encontros do que ficou conhecido como grupo de Itatiaia tiveram início em agosto

de 1952, no Parque Nacional de Itatiaia, em local cedido pelo Ministério da

Agricultura, quando começou a reunir-se um grupo de intelectuais em cuja agenda

constava “o esclarecimento de problemas relacionados com a interpretação

econômica, sociológica, política e cultural de nossa época, [...] e com o estudo

histórico e sistemático do Brasil” (Schwartzman, 1981: 3). Este grupo seria a

semente do Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (IBESP) e do

subseqüente Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). O IBESP e o ISEB

reuniram parte da intelectualidade brasileira e se tornaram referência para

qualquer genealogia da análise política no Brasil.

Em 1953, o IBESP começa a publicar os Cadernos do Nosso Tempo,

totalizando cinco volumes. Colaboraram nos Cadernos: Alberto Guerreiro Ramos,

Candido Mendes de Almeida, Carlos Luís Andrade, Ewaldo Correia Lima, Fábio

Breves, Heitor Lima Rocha, Hélio Jaguaribe, Hermes Lima, Ignácio Rangel, João

Paulo de Almeida Magalhães, José Ribeiro de Lira, Jorge Abelardo Ramos,

Moacir Félix de Oliveira e Oscar Lorenzo Fernandes (Schwartzman, 1981: 3).

Esta publicação seria considerada o berço da ideologia nacional-

desenvolvimentista, que cresceria no decorrer da década, sendo o IBESP o núcleo

básico para a organização do ISEB. Inicialmente, a motivação dos debates era a

discussão teórica por estudiosos que tinham afinidades intelectuais e a vontade de

impulsionar um pensamento genuinamente brasileiro.

As idéias do ISEB estavam afinadas, no plano econômico, com o

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pensamento da CEPAL1 e, em especial, com as de Celso Furtado2 que, embora

não tenha feito parte formal do ISEB, estava próximo das idéias daquele grupo.

Esta proximidade é claramente evidenciada quando se destaca que um importante

livro de Celso Furtado, A operação nordeste (Furtado, 1959), é fruto de uma

exposição seguida de debates por ele realizada no curso de “Introdução aos

problemas do Brasil”, destinado aos oficiais das Forças Armadas, em 13 de junho

de 1959, no auditório do ISEB, na Rua das Palmeiras, 55, Rio de Janeiro. A

afinidade dos pensamentos de Furtado com os da CEPAL são destacadas nas

análises de Bielschowsky:

O que Furtado, Prebisch e os cepalinos estavam tentando mostrar era que as estruturas produtivas socioeconômicas eram tais que, para conseguir crescer e se desenvolver, você precisava de um tipo de política econômica diferente daquela aplicada nos países centrais. Eles se dedicaram a analisar as realidades latino-americanas sob esse prisma. Essencialmente, tem dois elementos que são centrais, o primeiro é a idéia da heterogeneidade, a baixa diversificação da estrutura produtiva. A mensagem central é industrializar, mas naquelas condições não era fácil. Dava problemas de balanço de pagamentos, de inflação. O segundo ponto central, que vem da teoria do Prebisch e que Furtado vai absorver completamente, é a idéia da heterogeneidade tecnológica, no seguinte sentido: alguns segmentos – toda a cadeia exportadora – têm alta produtividade, e existe uma parcela muito grande da população que trabalha a baixos níveis de produtividade. Isso resulta em pouco excedente, pouca poupança para investir, e problemas para satisfazer a demanda rapidamente crescente no processo de industrialização, porque a capacidade de investir era baixa. O corolário disso tudo é o Estado. Como corolário é preciso planejar o processo de industrialização nessas condições (Bielschowsky, 2008).

Bresser-Pereira nota a presença de uma forte sinergia entre os

pensamentos da CEPAL e do ISEB. Embora sublinhando que as idéias do ISEB

não eram radicais no plano político, uma vez que consideravam que “a formação

1 A CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) foi criada em 1948 pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas com o objetivo de incentivar a cooperação econômica entre os seus membros. Esta organização reunia importantes nomes do pensamento desenvolvimentista latino-americano. Postulava que a industrialização, planejada pelo Estado, era o principal caminho para superação do subdesenvolvimento dos países da América Latina. Seu mais destacado intelectual foi Raúl Prebisch (1901-1986). 2 Celso Furtado (1920-2004) foi um influente economista brasileiro e um dos mais destacados intelectuais do país ao longo do século XX. Doutor em Economia pela Universidade de Paris foi Diretor do BNDE e superintendente da SUDENE no governo Juscelino Kubitschek, Ministro do Planejamento do governo Goulart e Ministro da Cultura do governo Sarney. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1997. Suas idéias sobre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento estimularam a adoção de políticas públicas federais voltadas para estimular o processo de industrialização, a correção das desigualdades regionais, e a regulação do conflito distributivo (Ismael, 2008).

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do Estado nacional se fazia, necessariamente, por intermédio de uma aliança

dialética ou contraditória, mas sem dúvida alguma de uma aliança entre capital e

trabalho” (Bresser-Pereira, 2004: 52), explica:

A perspectiva política do ISEB, centrada na idéia de revolução nacional, e a perspectiva econômica da CEPAL, fundada na crítica da teoria econômica neoclássica, somavam forças, forneciam uma base sólida, no início da década de 50, para que um poderoso e inovador grupo de intelectuais pensasse o Brasil e a America Latina (Bresser-Pereira, 2004: 52).

O ISEB, constituído pelo governo de Juscelino Kubitschek, tinha como

uma de suas razões atender “a reivindicação de alguns setores da vida nacional –

interessados que estão ‘no incentivo e promoção do desenvolvimento nacional’”

(Toledo, 1997: 204). Na ocasião de sua criação, seu diretor executivo era Roland

Corbisier. O Conselho Curador era formado por Anísio Teixeira, Ernesto Luiz de

Oliveira Júnior, Hélio Burgos Cabal, Hélio Jaguaribe, José Augusto de Macedo

Soares, Nelson Werneck Sodré, Roberto de Oliveira Campos e Roland Corbisier.

Os departamentos ficaram sob a responsabilidade de Álvaro Vieira Pinto

(Filosofia), Candido Mendes (História), Alberto Guerreiro Ramos (Sociologia),

Hélio Jaguaribe (Ciência Política) e Evaldo Correa Lima (Economia) (cf. Toledo,

1997: 204-205).

Thomas Skidmore chama a atenção para as opiniões e as características

do grupo que modelou o pensamento do ISEB, nos seus primórdios. Eles

pertenciam, em sua maioria, a uma geração com cerca de 30 anos de idade,

pertencendo a uma elite administrativa e intelectual. A classe média urbana que

emergia estava ávida pelos empregos que um projeto desenvolvimentista

alavancado pelo Estado certamente lhe traria.

A classe média sentia uma atração instintiva pelas doutrinas do nacionalismo econômico, especialmente os membros da classe média que se identificavam com a industrialização e a modernização e que sentiam que o Brasil precisava estabelecer controle sobre a direção da sua própria economia. Seus membros preencheriam os postos administrativos e técnicos que o desenvolvimento econômico exigia e criava. (Skidmore, 1976: 143).

Por outro lado, a classe operária urbana era um receptáculo previsível ao

discurso nacionalista, como ficou comprovado na campanha pela criação da

Petrobrás. “De fato, a linguagem do nacionalismo econômico parecia-lhes mais

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fácil de entender do que a idéia do conflito interno de classes” (Skidmore, 1976:

143). Para Skidmore, o nacional-desenvolvimentismo foi fundamental na

perseguição de um consenso popular:

O nacionalismo econômico, portanto, poderia ser muito útil como meio de edificar um consenso popular. O nacionalismo era um sentimento que podia unir brasileiros de diversas classes e setores, dar-lhes um senso de comunidade. Como argumentavam os apologistas intelectuais do nacionalismo desenvolvimentista, a identificação com a nação em um esforço comum poderia ajudar a superar as tensões de classe produzidas por uma sociedade em desenvolvimento (Skidmore, 1976: 143).

Os intelectuais do ISEB entendiam o desenvolvimento, em sua forma

mais abrangente, como reformas estruturais profundas e, mais especificamente,

como um processo de industrialização através do qual o crescimento da renda per

capita seria auto-sustentável. Durante o processo de institucionalização do

mercado interno, haveria uma associação entre a burguesia nacional, a burocracia

estatal, e os trabalhadores, sendo o interesse nacional o objetivo comum. Para

Caio Navarro de Toledo, em ISEB: fábrica de ideologias, o nacional-

desenvolvimentismo teve seu apogeu, como produção intelectual, no ISEB. Os

intelectuais do ISEB acreditavam que:

[...] na realização do desenvolvimento nacional, a aliança de classes se faria não apenas ao nível político: como afirmavam, a unidade seria alcançada também no plano ideológico. Assumia-se, assim, que no processo de desenvolvimento (industrial) [...] a luta de classes e, por conseguinte, a luta ideológica, não se constituíam em realidade efetivas ao nível do capitalismo dependente (Toledo, 1997: 197).

Maria Sylvia de Carvalho Franco, na apresentação do livro de Toledo

acima citado, identifica a importância da pesquisa por este realizado e que enfoca

o pensamento brasileiro. Ela destaca que a pesquisa sobre o pensamento brasileiro

faz parte de uma “preocupação mais ampla de estudo e crítica das principais

correntes teóricas modernas” (Carvalho Franco, 1997: 23).

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3.2. O ISEB e as primeiras reflexões sobre o populismo

No artigo Que é o ademarismo (Que é o ademarismo, 1981: 23-30)

publicado no primeiro semestre de 1954, e cuja autoria não pode ser claramente

estabelecida, os intelectuais do IBESP ressaltam a relevância do estudo do

populismo, por enxergarem a possibilidade de sucesso da candidatura de Adhemar

de Barros nas eleições presidenciais de 1955. Na procura do entendimento de o

que seria o ademarismo, afirma-se contundentemente: “O ademarismo é um

populismo” (Que é o ademarismo, 1981: 25). Esta seria a classificação que melhor

lhe conviria e que, segundo o artigo, já vinha sendo utilizada na linguagem

corrente inúmeras vezes. Chamava a atenção, no entanto, para o fato de que o

populismo ainda não havia sido conceituado, nas condições brasileiras. É esta

conceituação que, claramente, será tentada a seguir. O artigo analisa líderes

populistas em diversos momentos da História, desde o helenismo, passando pelo

Império Romano, e chegando ao fascismo contemporâneo. Chama a atenção para

as características populistas de alguns setores da política norte-americana no pós-

guerra:

O populismo não se formou no âmbito do proletariado sindicalizado nem teve por instrumento o Partido Democrático, que, desde Roosevelt, veio caminhando para a esquerda e se impregnando de uma ideologia socializante. Muito ao contrário, foi o Partido Republicano que se tornou o porta-voz das aspirações psico e sócio-instintivas das massas americanas e foi um senador republicano, o Sr. McCarthy, que logrou conquistar a liderança do populismo ianque, tendo como bandeira o anticomunismo e o anti-socialismo. (Que é o ademarismo, 1981: 28).

Identifica-se uma influência marxista na confusão que se tem feito entre

movimentos de base popular e os movimentos de esquerda. O artigo argumenta

que, uma vez que para estes existe o pressuposto de que posições reacionárias só

podem ser assumidas por integrantes das classes dominantes, surge uma tendência

a interpretar que quaisquer manifestações políticas apoiadas em extensa base

popular tenham valores progressistas e inovadores. O populismo, entretanto, seria

uma manifestação de massas, e não de classe:

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[...] os movimentos de massa se realizam como expressão confusa e primária de aspirações instintivas da massa, permanecendo dentro do âmbito de condicionamento da classe dominante e das relações de espoliação. A massa não é uma classe, nem uma aliança de classes, nem, mesmo, um conjunto de classes. [...] As massas, por isso mesmo, são originária e basicamente um fenômeno proletário, uma conseqüência da proletarização (Que é o ademarismo, 1981: 25).

A política de massas, uma das características do populismo, poderia ser

vista como decorrente da moderna divisão do trabalho, com sua proletarização e

urbanização, mas sem que os trabalhadores tivessem alcançado, nem consciência,

nem sentimento de classe. Isto, porém, não seria suficiente para o surgimento do

populismo. Far-se-ia necessário, também, que a classe dirigente tivesse perdido

sua representatividade. Por meio deste processo, a classe dirigente, transformada

em classe dominante, “perde, igualmente, seu poder criador e sua exemplaridade,

deixando de criar os valores e os estilos de vida informadores da conduta média

da comunidade” (Que é o ademarismo, 1981: 26). Estas condições históricas e

sociais ainda não bastavam. Além destas condições mais gerais, seria preciso uma

terceira condição, “que é o aparecimento do líder populista, do homem carregado

de um especial apelo às massas, apto a mobilizá-las politicamente para a

conquista do poder” (Que é o ademarismo, 1981: 27).

O apelo que exerce o líder populista sobre as massas representa o equivalente, nas sociedades que já experimentaram a massificação superestruturária, do apelo carismático, nas sociedades onde ainda não se mecanizaram nem rigidificaram as relações de sociabilidade. Esse carisma de massas, que cabe denominar de “populidade”, consiste, essencialmente, numa capacidade de mobilizar os homens-massa – quer pertençam aos estratos proletarizados da sociedade, nos quais se originou a massificação, quer aos estratos superiores. (Que é o ademarismo, 1981: 27).

Fica clara a separação entre as práticas políticas do ademarismo e a do

clientelismo, ainda que aquele se aproveite de algumas práticas características

deste:

A falta de originalidade ideológica do ademarismo e o fato de que emprega processos que, aparentemente, não diferem dos velhos métodos da política de clientela (utilização do coronelismo, nos meios rurais, arregimentação de eleitores a troco do emprego e fatores diversos, etc.) induzem muitos a julgar que o ademarismo é apenas um pessedismo mais ativo, que procura acrescentar, ao seu eleitorado rural, um eleitorado urbano conquistado à custa dos usuais processos demagógicos (Que é o ademarismo, 1981: 23).

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O artigo demarca as condições histórico-sociais que fizeram com que o

Brasil estivesse propício ao surgimento de movimentos populistas. Por um lado,

houve um processo de massificação que não teria sido acompanhado de uma

criação de consciência e de organização classista por parte do seu proletariado.

Aqui, a urbanização teria acontecido antes da industrialização, a qual, por ter se

realizado abruptamente (como conseqüência do começo da guerra, em 1939),

formou um contingente operário oriundo do meio rural agrário. De outro lado, é

ressaltada a decadência da antiga classe dominante ligada ao campo, e não

substituída por uma burguesia industrial, mas por uma burguesia mercantil, de

finalidades especulativas. “E assim se completaram as condições propiciadoras da

formação de um movimento populista no Brasil, que apenas aguardava o

aparecimento de um líder de massas [...]. Tal líder apareceu na pessoa do Sr.

Ademar de Barros” (Que é o ademarismo, 1981: 29).

3.3. Jaguaribe: a modernização contida

A maioria dos intelectuais do ISEB clamava que a questão do

desenvolvimento nacional era do interesse de toda a Nação, e não apenas dos

grupos dominantes do cenário político-social. Tendo passado por momentos de

dissensões e reformulações internas, as posições destes intelectuais em relação às

ações políticas e econômicas eram diversas. Um marcante episódio de tensão foi

por ocasião do lançamento do livro O nacionalismo na atualidade brasileira, de

Hélio Jaguaribe3, no qual o autor defendia teses que eram “consideradas

‘espúrias’ pelo movimento nacionalista” (Toledo, 1997: 207). Neste livro,

Jaguaribe fazia fortes críticas ao nacionalismo brasileiro, afirmando tratar-se de

3 Hélio Jaguaribe (1923-) formou-se em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro em 1946. Em 1983 recebeu o grau de Doutor Honoris Causa da Universidade de Johanes Gutenberg, em Mainz, Alemanha, e em 1992 na Universidade Federal da Paraíba. Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras em 2005. Foi figura relevante no ISEB, tendo, inclusive, participado decisivamente para que o Instituto, em seus primeiros momentos, pudesse sobreviver, financeiramente, através da injeção de recursos pessoais, conforme mencionado por Maria Emília Prado, em sua apresentação pessoal (Prado, 2007) no XXIV Simpósio Nacional de História da Associação Nacional de História – ANPUH, realizado na Unisinos, em São Leopoldo, em julho de 2007.

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“uma ideologia vaga, sem formulação teórica e carregada de contradições”

(Jaguaribe, 1958: 12), de insuficiente caracterização, reunindo “correntes de

extrema direita, ligadas, no passado, aos movimentos de propensão fascista, e

correntes de extrema esquerda, como o Partido Comunista” (Jaguaribe, 1958: 12).

Bresser-Pereira explica a reação dentro do ISEB:

Jaguaribe reconhece que os investimentos estrangeiros se estavam dirigindo para a indústria. Ao fazer esta afirmação, de fato, ele contrariava uma tese comum à esquerda e aos nacionalistas brasileiros e latino-americanos, representados pelo próprio ISEB, pela CEPAL no Chile e pelo Partido Comunista então na ilegalidade no Brasil, segundo a qual o “capital estrangeiro”, associado ao setor primário-exportador, seria o principal obstáculo político à industrialização brasileira. [...] Seus companheiros, entretanto, não quiseram reconhecer o fato histórico novo, que exigia uma nova formulação teórica (Bresser-Pereira, 2004: 51).

Skidmore comenta que os nacionalistas radicais, de dentro do ISEB,

viam a abertura para o capital estrangeiro como excessivamente pragmática. Esta

queda-de-braço trouxe, como conseqüência, um racha no Instituto, que levou às

renúncias, em fins de 1958 e princípios de 1959, de Jaguaribe, de Candido

Mendes e de Guerreiro Ramos (que tinha sido o diretor do Departamento de

Sociologia). “O ISEB, a partir de então, passou a refletir as opiniões de

nacionalistas radicais como Nelson Werneck Sodré, Roland Corbisier (que

continuou como diretor-executivo) e Álvaro Vieira Pinto” (Skidmore, 1976: 462).

Conforme Maria Emilia Prado, a obra de Jaguaribe acima citada teria

sido um ponto de inflexão nos debates intelectuais dentro do ISEB. Prado enfatiza

a contribuição de Jaguaribe na quebra da quase unanimidade das interpretações

hegemônicas na intelectualidade ligada, à época, ao desenvolvimentismo, e que

rejeitava a possibilidade de aceitarmos o capital estrangeiro como parceiro na

busca do desenvolvimento do Brasil:

Ao não fazer a defesa de que o capital internacional devia ser totalmente rejeitado como parceiro no desenvolvimento da industrialização no Brasil, Jaguaribe produziu uma leitura diversa dos caminhos do desenvolvimentismo no Brasil. Para ele o processo de industrialização brasileira não precisava ser efetivado de modo dependente do capital internacional, mas não precisava repeli-lo em nome de um nacionalismo exacerbado (Prado, 2007: 7).

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Jaguaribe apresentou uma interessante análise crítica sobre o fenômeno

populista na América Latina em geral, e no Brasil, em particular. Em seu livro

Problemas do desenvolvimento latino-americano – estudos de política, publicado

em 1967, afirma que “tudo faz crer que o método populista de proporcionar um

processo de desenvolvimento político, pelo menos nas condições existentes na

América Latina, é inoperante” (Jaguaribe, 1967: 167). Na interpretação de

Jaguaribe, o populismo representaria uma relação direta entre as massas e um

líder, em uma aliança que forneceria ao líder o apoio das massas, em seu objetivo

de conquista de poder político. O líder necessitaria ser carismático o suficiente

para fazer as massas acreditarem que suas (do povo) expectativas de ascensão

social seriam atingidas, caso ele alcançasse o poder. Além disso, seria típico do

populismo que as relações entre o líder e as massas fossem diretas, sem

intermediações de qualquer espécie, apoiadas na esperança de que, quanto mais

rapidamente fosse entregue ao líder a maior quantidade de poder, mais

beneficiadas as massas seriam.

Uma razão pela qual o populismo teria sido um caminho recorrente no

desenvolvimento político latino-americano estaria no fato de que houve, na

América Latina, uma contenção na modernização das massas, que somente no

século vinte veriam difundidos as idéias, os valores, e o comportamento

modernos, em função da carência da educação das massas em nosso continente.

Isto teria levado a uma conscientização explosiva “de sua condição de miséria,

bem como de sua possibilidade de mudar tal estado de coisas através de meios

políticos, e investiram suas expectativas [...] no expediente mais direto, ou seja, o

líder carismático” (Jaguaribe, 1967: 168). No caso brasileiro, Jaguaribe aponta

como uma das causas do fracasso do populismo a incapacidade de os movimentos

populistas conquistarem maiorias suficientemente amplas. Não teriam sido

capazes de incorporar, majoritariamente, a classe média, tampouco a maioria do

eleitorado. Por outro lado

[...] não tiveram tempo nem disposição para mobilizar os camponeses. Quando esta mobilização foi tardiamente começada, como aconteceu com a tentativa de Goulart, no Brasil, o populismo já estava condenado e podia, em conseqüência, ser esmagado pelos militares antes de conseguir quaisquer resultados importantes (Jaguaribe, 1967: 169).

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3.4. Guerreiro Ramos: o populismo como fase

Guerreiro Ramos4 foi um dos intelectuais mais influentes do ISEB e

também o diretor do seu Departamento de Sociologia até a sua saída, em

dezembro de 1958. No livro A crise do poder no Brasil, publicado em 1961,

desenvolve cinco formas, ou fases, de políticas no intuito de analisar a evolução

da política brasileira, em um momento em que o autor já constata que “a tomada

de consciência de que o povo é a novidade radical do Brasil na presente época

constitui requisito imprescindível, do ponto-de-vista teórico e prático” (Ramos,

1961: 46). Chama a atenção para o fato de que, apesar de estas fases da política

possuírem uma tendência a surgir sucessivamente, podem, eventualmente,

apresentar-se simultaneamente.

A primeira política seria a política de clã, dominante no Brasil colonial,

com seus pequenos grupos de população, com alto grau de isolamento e de auto-

suficiência. “O clã é unidade social cujos integrantes acham-se fortemente ligados

por laços de parentesco, em suas várias formas, e de dependência residencial, e

não têm consciência de nenhum instituto de direito público” (Ramos, 1961: 49).

Ali, a autoridade do senhor territorial é avassaladora, não se separando o poder

privado do poder público. Ramos denomina a segunda política de política de

oligarquia. Diferentemente da política de clã, cujos limites não vão além dos

limites das terras do senhor, a política de oligarquia aparece quando o Estado se

organiza nas ordens municipais, provinciais e nacionais. Os antigos clãs teriam se

organizados em grupos maiores, as oligarquias, com o objetivo de disputar o

poder. Muito embora a política de oligarquia reconhecesse juridicamente o poder

público, usava-o como coisa privada. “As oligarquias exercem o poder em

obediência a critérios familísticos ou de compadrismos. Daí não tolerarem nos

serviços do Estado senão os seus apaniguados” (Ramos, 1961: 49). No entanto, a

diversificação econômica, o crescimento demográfico e, principalmente, a

urbanização, são elementos que irão enfraquecer as oligarquias:

4 Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982) foi uma figura de grande relevo da Ciência Social no Brasil. Foi professor da Universidade do Sul da Califórnia e Professor Visitante da Universidade de Santa Catarina. Foi deputado federal pelo Rio de Janeiro, de 1963 a 1964, quando teve seu mandato cassado. Para mais informaçoes sobre sua vida e obra, ver Abranches (2006).

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À diferença dos trabalhadores do campo que asseguram largamente sua subsistência do consumo direto da produção natural, os trabalhadores urbanos vivem da remuneração de suas atividades. Para os primeiros, têm grande força coesiva os vínculos de localidade. [...] O teor social da existência dos trabalhadores urbanos é mais rico do que o da vida camponesa, eleva a sua consciência. Gradativamente compreendem que o atendimento de suas reivindicações depende da escala em que possam influenciar os governantes. O Estado começa a se lhes mostrar menos como botim de oligarcas e seus protegidos do que como órgão a serviço de categorias sociais. [...] Vêem no chefe político um homem identificado com os seus problemas e não pessoa a quem deva fidelidade e obediência (Ramos, 1961: 54).

Quando começa a “surgir ‘espírito público esclarecido’ e ‘a opinião que

se faz respeitar’” (Ramos, 1961: 55) estarão criadas as condições para o

surgimento da política populista, a terceira fase de política sugerida por Ramos. O

populismo seria um avanço quando comparado à política de clã e à política de

oligarquia, pois apelaria apenas para uma discreta solidariedade social, e não para

o parentesco em suas diversas formas:

O vínculo que liga os liderados aos chefes é a confiança pessoal e não a fidelidade clânica. O líder populista é sempre um homem que fez algo pelas categorias sociais de seus adeptos e que, por isso, as sensibiliza politicamente. Na política populista não há ainda exigência ideológica, há expectativa de que o líder no Poder assegure benefícios diretos ou indiretos aos que o elegeram (Ramos, 1961: 55).

Mesmo reconhecendo que já havia sinais de populismo na República

Velha, Ramos considera que a política populista só passa a ser dominante depois

do fim do Estado Novo. Isto, porque a independência dos eleitores comparada ao

sistema eleitoral no período oligárquico e o sucesso eleitoral de líderes populistas

somente são possíveis dentro de um quadro eleitoral com um mínimo de

respeitabilidade às leis.

Anteriormente, controlados os pleitos pelos governantes e seus correligionários, era difícil ou quase impossível o êxito eleitoral de líderes populistas, moldados à distância dos quadros oligárquicos. A vigência da política populista pressupõe um mínimo de probidade nas eleições que, notadamente no âmbito federal, só tivemos a partir de 1945 (Ramos, 1961: 56).

Neste ponto, Ramos antecipa uma discussão que estará presente nas

análises sobre o populismo realizadas pela Escola de Sociologia da USP, ao

constatar que as primeiras gerações operárias em áreas industriais e urbanas não

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estariam ainda aptas a manifestar uma consciência de classe, característica das

gerações de trabalhadores que foram se sucedendo em uma tradição de luta de

classes:

O populismo é uma ideologia pequeno-burguesa que polariza a massa obreira nos períodos iniciais da industrialização, em que as diferentes classes ainda não se configuraram e apenas despontam, de maneira rudimentar. Em tais condições, a debilidade relativa do incipiente sistema produtivo não permite que as categorias dos trabalhadores tomem parte nas lutas políticas em obediência a programas próprios ou diferenciados (Ramos; 1961: 56).

Os contingentes que haviam recentemente chegado das áreas rurais ainda

não dominariam a linguagem ideológica e, portanto, não poderiam influenciar

seus líderes neste aspecto. Ramos indica quais seriam, para ele, alguns modelos de

líderes populistas: Getúlio Vargas, João Goulart, Adhemar de Barros, Jânio

Quadros e Tenório Cavalcanti5.

A quarta fase, a política de grupos de pressão, seria contemporânea de

uma época na qual já há uma abrangente organização de classes sociais em

partidos, e uma adiantada estrutura econômica. Já não mais seria possível que os

governos fossem exercidos de forma pessoal ou através de apenas simbólicos

entraves institucionais. Estes grupos de pressão seriam a forma de atuação de

demanda de diferentes círculos, atuando junto às autoridades dos poderes

Executivo, Legislativo e Judiciário:

Na prática se reconhece em tese a legitimidade dos grupos de pressão, quando nos conselhos de órgãos públicos vem sendo admitida a participação regular de representantes de categorias sociais, seja de patrões ou empregados, seja de produtores ou consumidores. Agricultores, comerciantes, industriais têm voz hoje no Brasil em muitas repartições do Governo e ultimamente essa praxe está sendo estendida a assalariados (Ramos, 1961: 58).

Está presente na análise de Ramos a influência do corporativismo. É

oportuno lembrar que Leôncio Martins Rodrigues, em Partidos e sindicatos:

escritos de sociologia política, aponta para o fato de que havia, desde a década de

5 Natalício Tenório Cavalcanti de Albuquerque (1906-1987) nasceu em Palmeira dos Índios, Alagoas. Tinha sua base eleitoral em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Tenório possuía um estilo político agressivo, muitas vezes violento. Como deputado estadual, providenciou diversas melhorias para a população local, buscando, também, instalar os milhares de migrantes nordestinos que vinham para o Rio de Janeiro em busca de condições melhores de vida. Suas obras políticas renderam-lhe muitos aliados e eleitores pelas favelas de Caxias, apoio que o levaria a ser eleito deputado federal.

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30, tendências ideológicas que faziam com que diversas forças políticas

emergentes, desde os integralistas até os comunistas, vissem o corporativismo, o

autoritarismo, e o nacionalismo como componentes de uma “ideologia de Estado”

(cf. Rodrigues, 1990: 52). O sindicalismo corporativo seria, por ocasião dos

conflitos gerados pela política nacional-populista, um dos principais instrumentos

do governo na mobilização dos trabalhadores em favor das reformas de base (cf.

Rodrigues, 1990: 66). Esta dependência é bastante confortável, até os dias de hoje,

para os estamentos protegidos pela nossa legislação sindical. Rodrigues considera

que esta dependência perdurou, o que mostra a força com que as legislações

introduzidas por Vargas penetraram em nossa sociedade: “As facções mais

radicais do movimento sindical, que anteriormente se mostravam bastante críticas

à estrutura sindical corporativa, perderam muito do fervor crítico ao conquistarem

direções e posições no sindicalismo oficial” (Rodrigues, 1990: 71).

Ramos chama a atenção, no entanto, que “os grupos de pressão têm de

ser realisticamente considerados como dispositivos inevitáveis nas sociedades

industriais não-unificadas, do ponto-de-vista ideológico, pela ditadura de uma

classe” (Ramos, 1961: 59). Estão citados como importantes grupos de pressão: as

Associações Comerciais, a Sociedade Rural Brasileira, o Clero, o Clube Militar, a

Associação de Servidores Civis da União, Sindicatos, Federações, Confederações,

entre outros.

Tendo em vista a larga faixa de grupos lembrada por Ramos, creio que

cabe, aqui, um retorno ao texto de Rodrigues, no intuito de aprofundar a discussão

acerca da caracterização dos grupos de pressão. Rodrigues considera que se deve

fazer uma distinção entre os grupos de pressão do tipo corporativista e os do tipo

pluralista, e nos sugere as características de cada um. No corporativismo, as

características principais seriam: a limitação da quantidade de unidades

constitutivas; a obrigatoriedade de filiação; o reconhecimento pelo Estado, que

concede o monopólio da representação; e o controle, formal ou não, da seleção de

lideranças. Já no pluralismo: não há um número determinado de categorias de

unidades constituintes do grupo; é irrelevante a autorização ou reconhecimento

por parte do Estado; não possuem o monopólio da representação; e não existe o

controle, pelo Estado, sobre a forma como são definidas suas lideranças (cf.

Rodrigues, 1990: 56).

Guerreiro Ramos lembra que onde as atividades produtivas não são bem

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diferenciadas, não há a ocorrência de formação de grupos ou classes sociais,

“distintos em sua psicologia” (Ramos, 1961: 60). Quando isto ocorre, passa a

haver a exigência de uma política ideológica, a quinta fase de política de Ramos:

O eleitorado brasileiro já possui os atributos subjetivos que, em toda parte, constituem o lastro da política ideológica. Está “cissiparizado” em grandes agrupamentos, cada qual tendendo a participar das lutas políticas em função do conjunto de seus interesses. A ideologia é precisamente justificação de interesses. Cada agrupamento é compelido a procurar influenciar o aparelho estatal e mesmo a controlá-lo, proclamando a racionalidade de suas pretensões, a vantagem coletiva do prevalecimento de seu ideário no exercício do poder (Ramos, 1961: 62).

Por ocasião da publicação do livro citado, Ramos considerava que o

Brasil e o povo brasileiro já estavam historicamente maduros e constituídos, e que

a política ideológica seria a principal demanda do povo brasileiro, à época. Então,

sua maior preocupação seria a crise de representação evidenciada com as eleições

de 3 de outubro de 1960, na qual foram eleitos Jânio Quadros, para Presidente, e

João Goulart, para Vice-Presidente. Os políticos e os partidos não estariam

conscientes do:

[...] aspecto magno da questão nos dias correntes – o da representatividade. O atual problema partidário não será adequadamente equacionado, enquanto não se relacioná-lo com a mudança de conteúdo da sociedade brasileira, expressa no elevado nível de discernimento que atingiram recentemente as massas no Brasil (Ramos, 1961: 89).

Segundo o autor, poderia ser detectado um avanço na psicologia coletiva

ao se examinar a evolução do trabalhismo desde sua fundação: “Tudo indica o

encerramento do trabalhismo como corrente beneficiária do carisma pessoal de

Getúlio Vargas” (Ramos, 1961: 89). Aqui, ele estaria considerando, uma vez

observadas as fases políticas anteriormente conceituadas, que o trabalhismo seria

uma forma mais avançada de política do que a política populista. No entanto,

considera que o trabalhismo “está longe de ser movimento adulto” (Ramos, 1961:

90).

Apesar de entender que o PTB mereceria ser o partido representativo dos

trabalhadores brasileiros, Ramos lhe atribui alguns defeitos, “doenças infantis”,

que denomina de varguismo, janguismo, peleguismo e expertismo. Varguismo

seria o culto a Getúlio Vargas, que nos seus dois governos, de 1930 a 1945, e de

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1951 a 1954 teria, segundo Ramos, levado o país a transformações de conteúdo

progressista. No entanto:

O varguismo não se consubstanciou numa doutrina, é um resíduo emocional, precipitado de impressões, crença popular na bondade intrínseca de Vargas, como governante, e daqueles que o seguem. Nestas condições, à medida que passa o tempo, vai perdendo os efeitos eleitorais e as duas últimas eleições gerais ilustram a quase extinção de sua eficácia (Ramos, 1961: 91).

O janguismo seria a herança política do varguismo. Apoiava-se no fato

de que significativas camadas populares viam João Goulart como um continuador

da obra varguista. Por apresentar-se “na liderança das reivindicações por aumento

de salários, pronunciando-se com freqüência ao lado de causas populares, o Sr.

João Goulart ganhou prestígio incontestável no meio dos trabalhadores” (Ramos,

1961: 92). No entanto, Goulart não teria renovado seus meios de ação política,

manipulando as cúpulas partidárias e sindicais sem partir para a organização de

trabalhos de base junto aos trabalhadores. Já o peleguismo é considerado, por

Ramos, como um subproduto do varguismo. Para ele, não podemos nos

surpreender por termos criado um sindicalismo qualitativamente inferior quando

os métodos de trabalho partidário contemporâneos a ele são o varguismo e o

janguismo:

O pelego é um burocrata sindical que mantém posições ambivalentes entre o Governo e os trabalhadores. Sua habilidade consiste em realizar um jogo de conciliações que permita atender esporadicamente às reivindicações dos trabalhadores, quando as dificuldades destes atingem o limite da tolerância, sem prejuízo da segurança ocasional do Governo (Ramos, 1961: 92).

O termo expertismo é utilizado por Ramos como um anglicismo derivado

de expert, perito, conhecedor. Refletiria uma tendência que teria decorrido da

necessidade “de dar expressão ideológico-sistemática ao trabalhismo” (Ramos,

1961: 93).

Em Nacionalismo e democracia no pensamento de Guerreiro Ramos,

Aparecida Maria Abranches destaca que o nacionalismo deve ser visto como uma

interpretação sobre a vida política no Brasil na década de 1950, “na qual se supõe

encontrar ingredientes capazes de apontar para um devir possível” (Abranches,

2006: 102). E, no que pode ser visto como uma compreensão para o fato de os

nacionalistas não priorizarem a questão do populismo frente ao

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desenvolvimentismo, este sim, o objetivo nacional para estes intelectuais e para

quem o populismo poderia ser um elemento a mais na luta para a consecução de

seus objetivos naquela fase, comenta: “o nacionalismo político desaparece diluído

naquela que seria a única forma manifestamente moderna de política até 1964, isto

é, aquela em que seria possível detectar uma percepção pública na ação política

das lideranças: o populismo” (Abranches, 2006: 103).

3.5. Candido Mendes e o assistencialismo populista

Em Beyond populism6, dez anos após o movimento militar de 64, e

aproximadamente quinze anos após sua saída do ISEB, Candido Mendes de

Almeida7 defende que a vida política brasileira do pós-guerra é marcada por três

elementos essenciais. Inicialmente, teria surgido uma polarização persistente entre

os seguidores de Vargas e seus opositores. O longo primeiro governo de Vargas,

presidente de 1930 a 1937 e, em seguida, chefe do Estado Novo de 1937 a 1945,

influenciou profundamente a cena política:

The events of the past thirty years may, in fact, be analyzed as different stages in the confrontation between his heirs and his detractors. From this point of view, the “revolution” of 1964 can be interpreted as the final victory of the anti-Vargas forces after twenty years of partial domination by the populist alliance (Mendes, 1977: 1).

O segundo elemento é que a inflação e a crescente dívida externa

destruíram os esforços no sentido de se dar continuidade a políticas de longo

prazo, que pudessem passar de um governo para os seguintes. As tentativas no

sentido de se debelar a inflação baseadas em políticas ortodoxas de austeridade

encontraram forte resistência social e, aos primeiros sinais de recessão, deram

lugar a políticas destinadas a aumentar o crescimento econômico. Isto fez com que

6 Originalmente publicado em 1974 sob o título: Despues del populismo, impugnación social y desarollo en America Latina. 7 Candido Mendes de Almeida (1928-) foi membro fundador do IBESP e do ISEB, chefiou, de 1956 a fins de 1960, o Departamento de História Política. Exerceu atividades de Direção e Consultoria em entidades governamentais e de economia mista. Chefe da Assessoria Técnica da Presidência da República no Governo Jânio Quadros (1961). Exerceu um mandato de deputado federal do Rio de Janeiro pelo PSDB.

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houvesse um relaxamento no controle de crédito, nas medidas destinadas a conter

os gastos públicos, e na pressão por aumentos salariais. A dívida externa passou a

ser um elemento político complicador: “The external debt, which has increased

constantly because of the great need for external assistance, has also exacerbated

the ‘national question’ among the more or less convinced partisans of

nationalism” (Mendes, 1977: 1).

A terceira característica seria a presença ativa das Forças Armadas,

prontas para intervir sempre que os procedimentos “legais” fossem obstaculizados

ou parecessem ameaçados: “Virtually no presidential succession was

accomplished ‘constitutionally’ during this period and the Brazilian constitutional

framework is extremely fragile” (Mendes, 1977: 1).

Por trás desta marca na nossa vida política encontraríamos alguma

capacidade de adaptação na sociedade brasileira do pós-guerra. Tendo

amadurecido em sua situação neocolonial derivada de seu status de nação

independente, o Brasil experimentou as dificuldades de uma sociedade que se

modernizava e industrializava, e estas modificações se refletiriam no jogo

político. Segundo Mendes, de uma forma esquemática, a chegada de Getúlio

Vargas ao poder em 1930, marcou o fim da República Velha. Antes, a vida

política era protagonizada por uma pequena elite nos estados de uma forma

altamente descentralizada; as importantes influências políticas eram exercidas

pelos grandes proprietários de terras e pelas grandes empresas exportadoras.

Agora, a vida política começava a ser aberta a novas classes sociais. O eleitorado,

ainda que com a exclusão dos analfabetos, incorporou um número crescente de

empregados e operários nas cidades. A política varguista anterior à guerra,

claramente reconhecia estas mudanças sociais:

Vargas’s prewar policy, which was interventionist in the economic field (it supported private enterprise and public investment) and on the social front (the labor code), clearly acknowledge these social changes. The new political orientation can be seen in the strong push toward democracy in postwar Brazil. Populism relied on the alliance of two parties: the Social Democratic Party, which encompassed those traditional social classes who were no longer threatened by social transformation, and the Brazilian Worker’s Party, which sought to represent the new forces of urban labor. In the opposite camp, the National Democratic Union regrouped the capitalist enemies of populism and recruited into its ranks numerous conservative groups who were the inheritors of the Old Republic (Mendes, 1977: 2).

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Candido Mendes pontua que as mudanças estruturais precipitadas pelas

condições que surgiram após 1945 tornaram possível o começo de mudanças

sociais sem que fossem testados os mecanismos de pressão por parte de grupos de

interesse e classes sociais: “Populism benefited from strategies of resource

allocation and from development policy which replaced bargaining mechanisms

with general economic advances in society” (Mendes, 1977: 21).

Para Mendes, o populismo procurou substituir o dinâmico processo de

demandas sociais e pressões coletivas pelo uso dos mecanismos de Estado na

decisão de alocação de recursos: “The fact that the working class had obtained

favorable social legislation without recourse to a general strike clearly points to

the weakening [...] of the reciprocity and bargaining which are the bases of the

democratic model” (Mendes, 1977: 21).

O populismo teria, então, se beneficiado da possibilidade de certos

grupos de pressão influenciarem as decisões de Estado de alocação de recursos e

subsídios. Talvez em busca da explicação para o fato de que a utilização destas

políticas traduzia-se em perda de produtividade, Mendes afirma:

It goes without saying that the benefits received by certain groups and classes in this arbitrary redistribution of resources did not correlate with their actual pressure of bargain power. Only state control of the rate of social change could create equilibrium between the upper and lower social levels in the community. The administration became a prisoner of its own manipulations, through the underutilization of state power and through the reversal of dependency relations within a patronage society. It is important to underline that populism’s utilization of statutory regulation had a decisive effect on social mobility within the country (Mendes, 1977: 21).

Mendes considera que a utilização, de forma populista, das

regulamentações institucionais introduzidas após 1930, teve um efeito decisivo

para a mobilização social. Delas surgiram os mecanismos de assistência através

dos quais o Estado comandava o processo de mudanças no Brasil,

independentemente da força relativa dos grupos em disputa. Como exemplos

destas ações, Mendes cita a instituição do salário mínimo, que se tornou

necessário em função da expansão do mercado interno e do setor industrial, e a

manipulação das taxas de câmbio, com o objetivo de beneficiar a crescente

burguesia nacional. De ações com este viés teria surgido um Estado onipresente,

cuja relação com a sociedade era ambígua:

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This ambiguity allows the state to avoid the confrontation which would be truly tested whether the democratic system had indeed been institutionalized. [...], conflict between workers and management never really revealed the forces involved and never really came to grips with the power relationships which had been so radically altered from those pertaining in Brazilian society prior to the fifties (Mendes, 1977: 21-22).

Acredito que, nos comentários de Mendes com relação à utilização de

subsídios e à alocação política de recursos por parte do Estado, já está presente a

preocupação com a necessidade de se obter votos em uma democracia

representativa. Esta preocupação também está nos fundamentos da avaliação dos

liberais econômicos, como veremos em breve.

3.6. Considerações finais

A influência do pensamento cepalino foi marcante sobre os intelectuais

isebianos. A idéia de uma vanguarda racional comandando o processo de

desenvolvimento latino-americano encontrou um solo fértil no Brasil, onde as

idéias socialistas revolucionárias não eram capazes de seduzir parte importante do

eleitorado, apesar de os comunistas (oficialmente na ilegalidade) usarem legendas

de outros partidos “progressistas” para disputar eleições. A noção de

planejamento era vitoriosa naqueles anos, e a possibilidade de mudanças

estruturais de amplo alcance, via ação do Estado, era sedutora, eleitoralmente.

Para os intelectuais estudados neste capítulo, o populismo seria um

fenômeno, produto de uma nova situação proveniente da massificação resultante

de uma urbanização ainda fracamente industrializada, que se daria sem a

articulação de consciência de classe, e da decadência da velha classe dominante de

latifundiários sem a substituição por uma burguesia industrial progressista. A

presença de um líder carismático serviria de catalisador, dadas as outras

condições. A preocupação com as eleições estaduais de outubro de 1954, nas

quais se ia “tornando cada vez mais nítida a superioridade do ademarismo sobre

as demais facções políticas que pretendem disputar o governo de São Paulo” (Que

é o ademarismo, 1981: 23), levou à publicação, no primeiro semestre daquele ano,

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do artigo Que é o ademarismo, no qual as características acima foram analisadas.

As condições conjunturais da época somaram-se às estruturais acima

citadas no sentido de que o populismo tivesse um ambiente no qual pudesse se

fortalecer. A inflação e a instabilidade política seriam algumas delas. Mas, aqui,

volta a pergunta: qual seria a causa e qual seria a conseqüência? Acredito que a

explicação mais atraente seria aquela que visse um crescimento paralelo das

demandas populistas e do aumento da inflação e da instabilidade.

Quarenta anos se passaram desde que Jaguaribe nos chamou a atenção

para o fato de que, preocupados em conquistar sua clientela, apresentando-se

como lideranças capazes de alcançar melhores condições de vida para a população

em curto prazo, os líderes populistas desenvolveram um estilo de comunicação

direcionado à satisfação imediata dos desejos das massas. Poderíamos interpretar

que uma das características mais fortes do populismo seria esta promessa de

consecução dos desejos das massas, e para isto seria necessária a ausência de

intermediações como uma garantia de se evitarem negociações proteladoras.

Não era, no entanto, o populismo a questão prioritária para aqueles

intelectuais que pensavam no desenvolvimento do Brasil. Ele deveria ser visto

como uma fase, ou um estágio, dentro de um processo que, otimistas, enxergavam

ser o desenvolvimentismo modernizador. No entanto, os estudos e as referências

feitas pelos autores aqui estudados sobre o fenômeno do populismo no período do

pós-guerra até o movimento militar de 1964, estão repletos de reflexões que nos

ajudam a compreender seu surgimento e sua influência sobre os acontecimentos

da época. Seus argumentos na defesa de se fazerem as reformas necessárias à

nossa modernização levava a que o populismo fosse visto com um olhar

condescendente, uma “fase”, ou um elemento a mais a ser utilizado na luta pelo

alcance de seus objetivos.

Uma importante diferença dos intelectuais do ISEB em relação à Escola

de Sociologia da USP estava na sua recusa em aceitar que o caminho para a

modernização do Brasil passasse, obrigatoriamente, pela revolução:

O ISEB, reproduzindo o padrão de preocupações e as prioridades dos anos 50 no Brasil, não estava particularmente preocupado com a questão da democracia. Seus membros não adotavam a tese marxista de que a “a democracia burguesa seria meramente formal”, mas estavam claramente mais interessados no desenvolvimento do que na democracia. [...] No plano político, a análise mais interessante dos intelectuais do ISEB em relação à questão da

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democracia estava em sua abordagem do populismo político, do tipo praticado por Vargas, com a democracia. Eles afirmavam que o populismo político podia não ser uma forma ideal de comportamento político, mas era a primeira manifestação da democracia, na medida em que abria espaço para que o povo pela primeira vez se manifestasse politicamente (Bresser-Pereira, 2004:74-75).

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4 Populismo e liberalismo econômico

4.1. O pensamento econômico liberal brasileiro em meados do século XX

Este capítulo analisará as contribuições da vertente liberal do pensamento

econômico brasileiro para a compreensão do fenômeno do populismo no período

de 1945 a 1964 de três brasileiros que se destacaram por suas idéias afinadas com

as do liberalismo. São eles: Eugênio Gudin Filho, Octavio Gouvêa de Bulhões e

Roberto de Oliveira Campos.

Pela atuação e influência que tiveram, tanto no campo acadêmico quanto

na vida pública, considero-os representativos da visão do pensamento econômico

liberal sobre o fenômeno populista. Aqui serão estudados, prioritariamente, os

textos por eles produzidos que tratam do período estudado neste trabalho, de 1945

a 1964, e no início do regime militar, tendo em vista que foi neste período que

mais fortemente ficou marcada, na visão destes pensadores, a influência do

populismo econômico sobre a sociedade brasileira.

Bielschowsky os lista entre os pensadores representantes do

neoliberalismo e à direita do desenvolvimentismo (Bielschowsky, 2004: 7),

enquanto Barreiros reconhece seu papel de liderança daquilo que chama de elite

intelectual reformista moderno-burguesa, classificando-os como “a tríade de

intelectuais-sênior, bastiões mantenedores da coerência dos princípios

fundamentais identificadores da elite” (Barreiros, 2006: 164). Embora a

perspectiva economicista destes pensadores fosse claramente hegemônica, quando

vista de uma forma mais ampla (cf. Bresser-Pereira, 1984), havia algumas

diferenças entre eles, dependendo de sua maior ou menor aproximação com temas

tais como o liberalismo econômico clássico, sua propensão a aceitar o

envolvimento do Estado, e suas análises sobre a inflação. Apesar do fato de

admitirem um limitado envolvimento do Estado no processo de desenvolvimento,

suas teorias e práticas procuraram marcar a importância de uma visão ortodoxa e

liberal da economia, tanto como ciência, quanto na execução de políticas públicas.

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A existência de um pensamento econômico brasileiro é enfatizada por

Mantega e Rego: “[...] para o bem ou para o mal, os pensadores e gestores da

economia ganharam, nos últimos 40 anos, um enorme espaço político e têm

participado das decisões mais importantes da República brasileira” (Mantega e

Rego, 1999: 28). E este pensamento econômico brasileiro pode e deve ser inscrito

no campo de reflexão das Ciências Sociais. Afinal, a teoria econômica não é uma

ciência exata, que faria do futuro uma fatalidade histórica. Ela também é

resultante “da ação prática dos grupos sociais e dos indivíduos, que se movem e

intervêm dentro da latitude que as circunstâncias lhes oferecem” (Mantega e

Rego, 1999: 29).

A crise internacional e as transformações econômicas, políticas e sociais

que se seguiram aos anos 30 do século XX enfraqueceram a tradição da ideologia

econômica brasileira liberal. Em conseqüência, a ideologia liberal teve de passar,

no Brasil, por transformações que viabilizassem sua ação frente à nova realidade.

Os economistas liberais preocupavam-se, primordialmente, em defender o sistema

de mercado, e dois aspectos caracterizaram sua posição: eram partidários da

redução da intervenção do Estado na economia brasileira e manifestavam-se a

favor de políticas de equilíbrio monetário e financeiro. O principal núcleo de

militância intelectual dos economistas liberais foi a Fundação Getúlio Vargas

(FGV). Pouco depois de sua criação, em 1944, Eugênio Gudin e Octavio Gouvêa

de Bulhões formaram uma divisão de pesquisas econômicas que, em 1950,

ganhou o nome de Instituto Brasileiro de Economia (IBRE). Em 1952, a equipe

passou a dirigir a revista Conjuntura Econômica, da FGV.

Daniel de Pinho Barreiros, em sua tese de doutoramento, enfatiza a

produção de intelectuais que se rebelavam contra as diversas manifestações de

populismo econômico no Brasil:

Pouco espaço para dúvida havia entre as elites intelectuais moderno-burguesas quando o assunto referia-se à necessária ruptura com o projeto desenvolvimentista, juntamente com seu “corolário”, o “populismo latino-americano”. A adesão ao movimento civil-militar de 1964, [...] evidenciava o entendimento de que dentro dos marcos do desenvolvimentismo, a obtenção do “bem maior”, prevista como orientação geral dos princípios fundamentais da elite, jamais seria possível. Com a mesma atenção mantiveram em observação a administração econômica após-1964, certos de que a luta contra o populismo e contra o projeto desenvolvimentista dependia de constante vigilância que pudesse impedir sobrevivências ou recaídas (Barreiros, 2006: 280-281).

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Gudin é considerado o mentor, tanto de Bulhões, como de Campos. Estes

pensadores preocupavam-se com a inflação, os déficits orçamentários, e as

distorções e subsídios que prejudicavam a formação de preços e a alocação mais

eficiente dos recursos produtivos. Eduardo Raposo, em sua tese de doutorado,

chama a atenção para a importância que teve, no Brasil, o relacionamento pessoal

das elites burocráticas, relacionamento este capaz de compensar a fragilidade do

nosso sistema institucional. Raposo mostra que a antiga Faculdade de Ciências

Econômicas e Administrativas da Universidade do Brasil (onde lecionaram

Gudin, Campos e Bulhões) e o Núcleo de Economia, liderado por Gudin e que se

formou nos anos 40 na Fundação Getúlio Vargas, também no Rio de Janeiro,

serviram de base para a sinergia que existiu nos quadros que colaboraram nas

políticas econômicas do governo Castelo Branco (Raposo, 1997: 109). O ideário

liberal que lhes servia de postulado redundava em propostas econômicas que

visavam, primordialmente, à estabilidade monetária. A preocupação com a

inflação era imensa, e ela era vista como causa principal dos déficits externos.

4.2. Eugênio Gudin: um liberal ortodoxo

Eugênio Gudin Filho nasceu em 1886, e morreu em 1986, no Rio de

Janeiro1. Formou-se em Engenharia, em 1905, pela Escola Politécnica do Rio de

Janeiro. Passou a interessar-se por economia na década de 20 e, entre 1924 e

1926, publicou seus primeiros artigos sobre matéria econômica no O Jornal, do

Rio de Janeiro, do qual também foi diretor. A partir da década de 30, passou a

integrar importantes órgãos técnicos e consultivos de coordenação econômica

criados pelo governo federal. Participou da fundação, em 1938, da Faculdade de

Ciências Econômicas e Administrativas, posteriormente (1945) incorporada à

Universidade do Brasil, instituição na qual exerceria o magistério até aposentar-

se, em 1957.

Seu pioneirismo no ensino superior de economia no Brasil foi

reconhecido ao ser designado pelo ministro da Educação do primeiro governo

1 Para informações adicionais sobre a vida de Gudin ver Bielschowsky (2001) e Barreiros (2006).

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Vargas, Gustavo Capanema, a redigir, em 1944, o projeto de lei que

institucionalizava o referido curso no país. Na década de 40, nos debates travados

no interior dos órgãos técnicos do governo federal, Gudin apresentava-se como

um crítico das medidas econômicas protecionistas. Adepto do monetarismo

ortodoxo, para Gudin os problemas da economia brasileira deveriam ser

enfrentados por um rígido controle da inflação, baseado na redução de

investimentos públicos e na restrição ao crédito. Em 1944, foi escolhido delegado

brasileiro à Conferência Monetária Internacional, realizada em Bretton Woods,

que decidiu pela criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco

Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD). Entre 1951 e

1955, representou o governo brasileiro junto ao FMI e ao BIRD (Barreiros, 2006).

Primeiro ministro da Fazenda do governo Café Filho, entre agosto de

1954 e abril de 1955, Eugênio Gudin herdou uma difícil situação econômica,

agravada pelo decreto de Vargas, de maio de 1954, concedendo um aumento de

100% no salário mínimo. Gudin comprometia-se com um plano de estabilização e

com o corte dos déficits do governo, vistos como os principais responsáveis pela

inflação. Sua capacitação era reconhecida internacionalmente: “a escolha de

Gudin, questões políticas internas à parte, relacionava-se ao seu prestígio junto à

comunidade financeira internacional” (Saretta, 2008a). Já em setembro, Gudin

viajou para Washington para o encontro anual do Banco Mundial e do FMI, no

qual pretendia informar sobre o programa de combate à inflação que iria lançar. A

reação das esquerdas logo se fez sentir: “Os críticos ‘nacionalistas’ no Brasil

aproveitaram a sua viagem para atacar Gudin, pela sua missão de ‘pedinte’,

dizendo que sua política monetarista ortodoxa resultaria em estagnação

econômica” (Skidmore, 1976: 199).

As ações de Gudin mais significativas na sua tentativa de controle

monetário foram a de reduzir consideravelmente as reservas monetárias, ao

aumentar o saldo de caixa mínimo exigido aos bancos comerciais, assim como a

obrigatoriedade do recolhimento da metade de todos os novos depósitos na

Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), o órgão monetário nacional.

As restrições tiveram conseqüências rápidas e duras: em novembro de 1954, o

Banco do Brasil foi chamado a fazer adiantamentos a diversos bancos, no sentido

de aplacar o pânico que se criou após o fechamento de dois bancos em São Paulo.

No início de 1955, Café Filho cedeu a pressões no sentido de fazer mudanças na

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política de restrição creditícia. Em abril de 1955, antevendo que os compromissos

políticos de Café Filho trariam danos irreparáveis ao seu programa

antiinflacionário, Gudin demitiu-se (Skidmore, 1976).

Era fundamental, para Gudin, a necessidade de se manter a

previsibilidade do valor da moeda. Uma moeda corroída pela inflação, rejeitada

pelos agentes econômicos, deformaria os investimentos, inviabilizando o

planejamento das empresas e prejudicando o desenvolvimento econômico:

Era indispensável cuidar da moeda, para que ela constituísse um instrumento de troca que não prejudicasse em vez de facilitar as transações, tanto do Comércio e da Indústria, como do consumidor. Porque uma moeda que muda a toda hora de valor de modo imprevisível, que no fim de uma semana já vale menos do que valia quando recebida, sobre a qual não se pode orçar coisa alguma por prazo superior a meses ou mesmo a semanas, que favorece uns e prejudica ouros, em vez de ser neutra, que dá lugar a injustiças sociais, que deforma os investimentos, que distorce e prejudica o desenvolvimento econômico, é profundamente prejudicial ao país (Gudin, 1965: 15).

A busca da estabilidade deveria ser feita com o maior rigor possível, mas

sem utilizar-se da deflação, por seu impacto negativo sobre o nível de emprego, a

produção e a arrecadação: “O que importa é o restabelecimento do equilíbrio.

Assim, os dirigentes da economia de um país, que decidem pôr termo aos males

causados pela inflação, devem limitar-se a fazer cessar essa inflação, e nunca a

proceder a uma deflação” (Gudin, 1965: 17).

Fiel às suas idéias, marcadas pela defesa incondicional do liberalismo

econômico, bem como em suas críticas à utilização exacerbada da política fiscal

no sentido arrecadatório e às teorias econômicas keynesianistas que legitimavam

os déficits públicos, Gudin cita Milton Friedman2 ainda ao tempo em que as

2 Milton Friedman (1912-2006) nasceu e morreu nos Estados Unidos. Filho de imigrantes, iniciou sua carreira na Universidade de Columbia. Em 1946 foi para a Universidade de Chicago, ocupando o cargo de professor de Economia. Foi agraciado com o Prêmio Nobel de Economia em 1976. Por meio de uma combinação entre os valores monetaristas e os ideais clássicos do liberalismo iria produzir trabalhos marcados pela luta em favor de um governo avesso ao intervencionismo na economia e pela firme defesa das liberdades individuais. Em Capitalismo e liberdade, publicado em 1962, expôs os principais argumentos e propostas: a reafirmação da liberdade individual como o valor fundamental de qualquer sociedade; a necessidade de um consenso na definição de quais são valores mínimos comuns a esta sociedade, com a conseqüente limitação do uso da democracia; a necessidade de limitar as funções que deveriam ser do domínio dos governos; o uso de controles monetários e fiscais como sustentáculos do funcionamento de uma sociedade livre; a defesa da descentralização; e a utilização de políticas visando à proteção temporária, como o imposto de renda negativo. Ponto importante para o enfoque monetarista dos liberais contemporâneos é a preferência pela ação sobre a microeconomia ao invés de ações na macroeconomia, ou seja, a rejeição da política fiscal em favor de uma administração fiscal

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teorias de John Maynard Keynes3 eram politicamente incontestadas:

Contra o uso e abuso da política fiscal tem-se insurgido ultimamente o eminente professor Milton Friedman, declarando que ‘de todas as ferramentas à disposição do Governo, a mais importante e de mais rápida ação é, de muito, a arma monetária, inteligentemente utilizada, a tempo e a hora’ e que os Keynesianos têm confiado demais nas medidas fiscais e subestimado a influência da política monetária. Sua previsão de que nos Estados Unidos a sobrecarga de 10% no Imposto de Renda seria ineficaz, sem o complemento do descongestionamento monetário, prova ser verdadeira. Conquanto as idéias de Friedman sejam consideradas por demais radicais pela maioria dos grandes economistas americanos, suas idéias sobre a política monetária têm tido indiscutível repercussão (Gudin, 1974: 258).

O círculo vicioso das seguidas emissões de papel-moeda foi denunciado

por Gudin, ao analisar o governo Kubitschek (1956-1961). Durante este governo,

o Congresso Nacional autorizou aquelas emissões como forma de financiar o

déficit público, o que era visto por Gudin como um ato irresponsável por parte do

Estado e gerador de pressão inflacionária, por vir acompanhado de mais despesas

do governo: “Enquanto o Congresso Nacional puder votar despesas sem indicar as

fontes de receita correspondente, não poderá haver equilíbrio nas contas

financeiras da União” (Gudin, 1965: 53).

Ao emitir dinheiro com o objetivo de cobrir suas despesas, o governo

estaria desvirtuando as qualidades básicas de uma economia de mercado, entre as

quais, a da livre concorrência. Nenhum outro setor estaria em condição de

concorrer com o poder de um governo que assim agisse. Acontece que, assim

procedendo, o governo incentivava a pressão por aumento de salários, lucros e

(monetary rule). Friedman assegura que medidas fiscais tais como mudanças na política de impostos ou aumento dos gastos governamentais têm pouca influência nas flutuações dos ciclos de negócios. Um constante e moderado incremento da oferta de dinheiro oferece a melhor expectativa para se assegurar um cenário futuro com crescimento econômico constante e baixa inflação. A expansão monetária deve ser fortemente controlada, impedindo que o governo possa decidir sobre créditos, subsídios ou investimentos, e agindo na prevenção dos seus efeitos inflacionários. 3 John Maynard Keynes (1883-1946) nasceu e morreu na Inglaterra. Foi um dos mais importantes economistas do século XX. Fortemente influenciado pela crise de 1929, iria defender a intervenção do Estado na economia, principalmente nos momentos de crise. Suas reflexões, explicitadas principalmente no livro publicado em 1936, Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, teriam forte impacto no pós-Segunda Guerra. Apesar de apoiar a economia orientada ao mercado, identificava, no entanto, falhas na “mão invisível” que poderiam ser corrigidas pontualmente pela ação do governo. Suas principais preocupações eram o desemprego e distribuição da riqueza: “Os principais defeitos da sociedade econômica em que vivemos são a sua incapacidade para proporcionar o pleno emprego e a sua arbitrária e desigual distribuição da riqueza e das rendas” (Keynes, 1983: 253). O seu intervencionismo tinha como principais características: estimular o investimento na produção; reduzir os juros, diminuindo o interesse pelas aplicações financeiras; e redistribuir renda via forte taxação de lucros.

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juros, o que tenderia a reequilibrar o processo em outro patamar de preços. Esta

prática utilizada continuadamente levaria a uma inflação crescente:

Quando o governo emite papel-moeda, para fazer isso ou aquilo, é claro que o simples fato da criação do dinheiro não importa na realização das obras e sim em uma tentativa de realizar. Resta saber se a tentativa é ou não coroada de êxito. O artifício consiste em criar dinheiro para com ele arrancar do público os materiais e a mão-de-obra necessários às obras governamentais. Com os bolsos cheios de dinheiro, passa o governo a por eles oferecer preços e salários mais altos, de modo a arrancá-los das mãos do público que não pode pagar os mesmos preços. Tal é o mecanismo da inflação produtiva, que – no dizer de seus adeptos – transfere bens e serviços do consumo do público para os investimentos que darão a grandeza do Brasil! (Gudin, 1965: 32).

O dinheiro ficava mais disponível, pois, além das emissões feitas pelo

governo, estávamos diante de uma “flexível” política salarial. No intuito de

alcançar ganhos políticos imediatos, os governos com orientação populista lançam

mão de aumentos salariais acima da produtividade do trabalho, melhorando o

bem-estar dos trabalhadores no curto prazo, sem levar em consideração as

conseqüências de longo prazo de tais políticas. Esta lógica populista produz

distorções, pois o excesso de demanda provocado por estas políticas salariais não

tem uma contrapartida no aumento da capacidade produtiva. O aumento artificial

dos salários reais provoca fortes desequilíbrios, que prejudicam a situação dos

trabalhadores em termos de ganhos reais e emprego4. Esta disponibilidade da base

monetária era o diferencial que catalisava a espiral inflacionária, pois:

A alta dos preços é devida, muito principalmente, ao incremento da procura, decorrente das emissões e dos enormes aumentos de vencimentos e salários. O negociante de hoje não é mais ganancioso do que o de 30 anos atrás, quando os preços eram estáveis. A diferença é que, naquele tempo, as tentativas de elevação dos preços eram frustradas, porque o consumidor se recusava a pagá-los por não ter o dinheiro. Hoje os preços sobem porque o dinheiro foi suprido pelo jato das emissões e dos aumentos de salários (Gudin, 1965: 20) 5.

4 Esta intervenção do Estado na fixação de salários sem levar em conta os valores de mercado é vista, pelos liberais contemporâneos, como uma agressão à livre formação de preços, e o salário seria um destes preços. Para eles, o mercado é uma ordem que se dá em função da interação entre os indivíduos que dele participam, ações estas que estão apoiadas no seu entendimento sobre a realidade que os cerca. Como esta realidade não pode ser totalmente captada e varia de indivíduo para indivíduo, o conhecimento tem falhas e as ações nele baseadas levam a erros e conseqüências nem previstas nem desejadas. Defrontados com os erros e as conseqüências não intencionais da ação humana, os indivíduos atualizam o seu conhecimento, através de um processo de aprendizado que, uma vez mais, vai depender da forma de ver a realidade de cada um. No mercado existe o sistema de lucros e perdas, um mecanismo impessoal que tende a alocar os recursos disponíveis da forma mais lucrativa. Este sistema de preços maximiza a eficiência na produção. 5 Artigo publicado em O Globo em 03 de abril de 1961.

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Gudin foi uma voz combatente contra o populismo salarial, visto como

um excesso demagógico que, em vez de procurar atender aos princípios de

eficiência e utilidade, satisfazia necessidades políticas imediatistas. Para ele, a

fixação dos salários-mínimos, a partir de 1954, em níveis consideravelmente mais

altos do que os da capacidade de produção do país, trazia como conseqüência uma

elevação dos preços e do custo de vida. Estes aumentos de preços e custos

levavam, inevitavelmente, à anulação de quaisquer vantagens imaginadas pelos

supostos beneficiários:

Na Revista Brasileira de Economia de dezembro passado e em vários artigos tenho-me referido à diferença entre ‘inflação de demanda’ (demand pull) e ‘inflação de custos’ (cost push) oriunda esta da ‘inflação de salários’. O que adianta esforçar-se o Ministro da Fazenda por conter a expansão do crédito bancário e por atingir o equilíbrio orçamentário, se o Ministro do Trabalho, em uma desbragada, estéril e ilusória política de aumentos insustentáveis de salários, eleva os mínimos e os demais, muito acima do que permite a melhoria da produtividade, empurrando conseqüentemente os custos e, portanto, os preços para cima? (Gudin, 1965: 56-57) 6.

4.3. Octavio Gouveia de Bulhões: um liberal pragmático

Octavio Gouveia de Bulhões nasceu em 1906 e morreu em 1990, no Rio

de Janeiro7. Fez parte de grupo de intelectuais que deu início aos modernos

estudos da economia brasileira. Bacharel em Direito, foi atraído para os estudos

de economia pelo contato com o livro de Adam Smith8, Uma investigação sobre a

natureza e causas da riqueza das nações, que o influenciaria ao longo de sua

carreira. Na década de 30, a convite de Luiz Simões Lopes, presidente do DASP

(Departamento Administrativo do Serviço Público), órgão criado por Getúlio

6 Artigo publicado em O Globo, em 12 de dezembro de 1960. 7 Para mais informações relativas à vida de Octavio Gouveia de Bulhões, ver Saretta (2008b) e Bulhões (1990).

8 Adam Smith (1723-1790) nasceu e morreu na Escócia. O pensamento e as idéias existentes no livro acima citado estudaram, de forma sistemática, o desenvolvimento do comércio e da indústria na Europa, ao mesmo tempo em que atacava as doutrinas mercantilistas. Nele também está contida a interpretação de Smith sobre como a concorrência e o interesse próprio, usados de forma racional, podem conduzir ao bem-estar comum. Sua obra é um dos mais importantes trabalhos intelectuais em defesa do livre comércio e do capitalismo.

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Vargas, foi aos Estados Unidos, onde estabeleceu contatos com importantes

professores norte-americanos de economia, dentre os quais se destacam Harry

Dexter White (1892-1948), que, posteriormente, representou os Estados Unidos

no FMI, de 1946 a 1948, como diretor executivo, e Jacob Viner (1892-1971),

professor de Economia da Universidade de Princeton, que foi um crítico das

posições da CEPAL em relação ao desenvolvimento econômico da América

Latina (Bulhões, 1990: 21). Esta vivência, associada às leituras que fez,

principalmente da obra do economista sueco Knut Wicksell9, marcaria boa parte

de suas idéias sobre Economia e de seus escritos mais importantes (Saretta,

2008b: 111). Na sua trajetória profissional, como funcionário do Ministério da

Fazenda notabilizou-se pela ação em favor da criação de aparelhos regulatórios na

área monetária, com destaque para a Sumoc, que serviria de base para a posterior

criação do Banco Central do Brasil. Acredito que esta sua dedicação à criação de

órgãos regulatórios deve ser vista como coerente com sua visão liberal de

priorizar a administração fiscal, com ênfase para as ações destinadas a agir sobre a

microeconomia, e que privilegiassem o bom funcionamento do mercado.

Vale lembrar que em dois momentos importantes da vida econômica brasileira Bulhões agiu a favor da criação do Banco Central. Em 1945, criou a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) que, embora não tivesse exatamente o mesmo papel de um banco central, desempenhou uma função importante na administração pública nacional. Mais tarde, em 1964, a SUMOC se revelaria a base para a criação do Banco Central, também por inspiração de Bulhões (Saretta, 2008b: 114).

Tanto como professor universitário de Economia, quanto como ministro

da Fazenda (no governo Castelo Branco, de abril de 1964 a março de 1967), os

trabalhos publicados por Bulhões têm como eixo central a preocupação com as

questões monetárias e com a inflação brasileira (Saretta, 2008b: 112). Deixando

explicitada sua certeza de pensador liberal com relação à inexistência de atalhos

para o desenvolvimento, Bulhões faz uma apaixonada defesa dos ideais do

liberalismo clássico, citando as características que deveriam ter os países que

procuram progredir:

9 Knut Wicksell (1851-1926) nasceu e morreu na Suécia. Conforme destacado pelo próprio Bulhões: “Foi Knut Wicksell, um extraordinário economista da Suécia, não suficientemente conhecido nos países em desenvolvimento, que deu ênfase à mudança de escala de produção como característica do investimento e assinalou o acréscimo de produtividade como fonte do lucro” (Bulhões, 1969: 35).

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Os países que progridem são aqueles cuja população se dedica ao trabalho árduo e inteligente. Árduo porque não esmorece ante a presença de obstáculos, inteligente porque é capaz de remover obstáculos. Trabalho inteligente é o que resulta de estudos, pesquisas, experiência, meditação. As improvisações levam ao desperdício. Tornam inútil o esforço despendido. Mas o bom aproveitamento do trabalho, através da contribuição científica, não dispensa a pertinácia no produzir e no acumular. Os países que progridem são os que elevam a renda nacional por meio de repetidos e crescentes investimentos (Bulhões, 1969: 25).

A importância que é dada à transferência de recursos do consumo para o

investimento procura salientar o papel básico do financiamento deste investimento

pela via da poupança. Bulhões destaca que estes investimentos destinam-se ao

aumento da capacidade de produzir bens e, como conseqüência, ao aumento da

renda dos indivíduos (Bulhões, 1969: 37). A forte presença do Estado na

economia de um país é vista por Bulhões como um obstáculo intransponível à

livre formação de preços pelo mercado. Nos países em desenvolvimento, mesmo

onde deveria atuar, o Estado atuaria de forma oposta ao desejável:

Todos nós sabemos que o Estado, nos países subdesenvolvidos, intervém consideravelmente no domínio econômico e precipuamente na formação dos preços de mercado. [Nos países desenvolvidos] os governos se empenham em impedir que os monopólios deturpem a relatividade dos preços dos bens e serviços. E, acima de tudo, se esforçam para manter a estabilidade do valor da moeda, condição básica para a expressividade econômica do sistema de preços. [...] Nos países subdesenvolvidos, o mercado de preços não tem liberdade de funcionamento e funciona mal, exatamente porque o Estado intervém desastradamente no domínio econômico e sobretudo porque as autoridades ainda não se capacitaram do precípuo dever de preservação do valor da moeda. Ao contrário, estão inclinados a admitir que a preocupação com o valor da moeda é contrária ao progresso (Bulhões, 1960: 111-112).

Era, no entanto, pragmático com relação à importância que o Estado

poderia ter no sentido de alavancar o desenvolvimento em certas circunstâncias,

mormente em ambientes de desaceleração econômica. “A intervenção do Estado

como empreendedor tem razão de ser quando se está passando por uma fase

depressiva, por uma fase de difícil remuneração dos empreendimentos” (Bulhões,

1990: 31-32).

A conseqüência inevitável para uma economia em que não houvesse

estabilidade monetária seria uma baixíssima taxa de poupança, uma vez que os

agentes econômicos procurariam se livrar da moeda desvalorizada. Para Bulhões,

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em assim agindo, os agora improváveis investidores na produção passariam a

alocar seus recursos de maneira conflitante com o interesse geral. Isto porque o

ambiente desfavorável, por incerto, das aplicações em longo prazo, leva à

aplicação dos recursos em empreendimentos que proporcionem resultados

imediatos. Este imediatismo torna-se prioritário em vista das circunstâncias

desfavoráveis aos planejamentos econômicos e financeiros de longo prazo.

Haveria, também, outra distorção na alocação dos recursos: aquela que resultaria

numa opção exagerada para bens de raiz que proporcionem garantia patrimonial.

Esta conseqüente insuficiente formação de poupança traria a redução dos

investimentos, com seus conhecidos efeitos nefastos para o crescimento

econômico:

Com a intensificação da desvalorização monetária, procura-se acumular bens, tornando mais acentuado o conflito entre o interesse individual e o interesse social. Produtores e consumidores adquirem bens de raiz e bens duráveis com o fim de se precaverem contra a queda do valor da moeda. A preferência que se observa em favor do consumo sobre a poupança é extraordinária. Não se trata de aumentar as compras por uma propensão ao consumo, como se costuma dizer, trata-se, simplesmente, de defesa contra a queda do valor da moeda (Bulhões, 1960: 74).

A importância da formação de poupança é salientada por Bulhões.

Defendendo a meritocracia, explica que em qualquer sistema econômico, salários

superiores são, normalmente, destinados aos indivíduos com capacidade acima da

média. Quando um indivíduo recebe um salário superior ao comumente recebido,

ele passa a dispor de um poder de compra maior. Caso ele aplicasse todo o seu

excedente em consumo, provavelmente haveria um desperdício de recursos,

principalmente se estivermos diante de um quadro de excesso de demanda. Para

que se possa assegurar um desenvolvimento harmônico da economia, far-se-ia

necessária a aplicação de parte do excedente salarial no financiamento de

investimentos. Acontece que, para que seja atraente a alternativa de poupar, há

que se remunerar a poupança e salvaguardá-la dos perigos inflacionários. Ao

afirmar que o ambiente inflacionário alimenta a especulação, tirando o foco da

eficiência administrativa e inviabilizando a poupança que permitiria a acumulação

de capital necessária ao crescimento econômico brasileiro, Bulhões chama a

atenção para as ações populistas:

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Mas não será com atitudes demagógicas que chegaremos a resultados satisfatórios. Se enveredarmos pelo caminho da violência, acabaremos combatendo o consumo, sem acelerar os investimentos; condenaremos a especulação, sem destacarmos a eficiência; extirparemos o joio e o trigo, sem cuidar de separá-los. Evitemos generalizar o que, na verdade, constitui exceção. É freqüente entre escritores brilhantes exagerar um defeito parcial e transformá-lo em acontecimento global. O campo econômico é fértil a tais generalizações porque os cientistas não acompanham a economia, uma vez que não lhes seduz a imprecisão de seus fenômenos. O grande público, menos exigente na perfeição dos fatos, também não acompanha a economia porque seus fenômenos não são explicáveis com a singeleza das parábolas evangélicas. É, portanto, um campo propício à deturpação, capaz de iludir os cientistas, enganar o público e açular os demagogos (Bulhões, 1969: 52).

Fica claramente marcada a oposição que Bulhões quer enfatizar entre o

pensamento liberal, em que os beneficios do crescimento econômico somente

podem ser alcançados a longo prazo e com labuta incessante, e o pensamento dos

populistas, com seu discurso voltado à realização das satisfações populares a curto

prazo. Aqui ele estaria explicitando suas preocupações com a dificuldade de se

convencer a maioria da população sobre a necessidade da aceitação do

pensamento liberal.

4.4. Roberto Campos: um liberal na política

Roberto de Oliveira Campos10 nasceu em Cuiabá, em 1917, e morreu no

Rio de Janeiro em 2001. Ingressou no serviço diplomático em 1939. Participou,

com Eugênio Gudin, da Conferência de Bretton Woods, em 1944, quando foram

criados o Banco Mundial e o FMI. Obteve o grau de Master of Arts na

Universidade George Washington, em 1947. Trabalhou no segundo governo

Vargas e no governo Kubitschek, quando teve participação importante no Plano

de Metas. Exerceu os cargos de Embaixador do Brasil em Washington no governo

João Goulart, e em Londres, no governo Geisel. Apoiou o movimento de 1964 e

foi nomeado ministro do Planejamento no governo Castelo Branco. Foi o primeiro

Diretor Econômico do atual Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e

Social, BNDES, no qual também exerceu os cargos de Presidente e

Superintendente. Foi senador por Mato Grosso de 1983 a 1991, e deputado federal

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pelo Rio de Janeiro de 1991 a 1999 (Perez, 1999).

Durante o início de sua carreira, Roberto Campos defendeu uma

moderada intervenção estatal na economia, desde que ligada ao desenvolvimento

e em conjunto com o setor privado e sem preconceitos contra o capital

estrangeiro. Com a aceleração do gigantismo estatal e da burocratização no Brasil

durante os subseqüentes governos militares, muito especialmente no governo

Geisel, assumiu a posição de liberal econômico ortodoxo e passou a defender que

um país só pode ter liberdade política com liberdade econômica.

Convenceu-se de que o estatismo é trágico e empobrecedor quando foi

embaixador em Londres, nas décadas de 1970 e 1980 e testemunhou o programa

de privatização da economia inglesa, empreendido por Margaret Thatcher11. Ex-

keynesiano, na década de 70 foi influenciado pelas idéias do economista austríaco

Friedrich August von Hayek12, a quem conheceu em Londres. Conforme nos

conta Campos, seu contato com Hayek marcou-o profundamente, fazendo-o

chegar à conclusão de que os governos teriam três tarefas essenciais a cumprir. A

primeira, seria a de controlar a inflação, porque esta, ao não ter sido votada, era

antidemocrática, além de especialmente cruel com os mais pobres. A segunda

tarefa dos governos seria a de promover a universalização da educação básica. Por

último, aos governos caberia a proteção aos desvalidos, no intuito de garantir a

coesão social (Campos, 2008).

Em maio de 1978, quando embaixador em Londres, recebi a visita do professor Eugênio Gudin. Homenageei-o com um jantar, para o qual convidei lorde Robbins, o tutor de várias gerações da London School of Economics, e o grande liberal austríaco Friedrich Hayek. Este presenteou-me com seu livro autografado “New Studies in Philosophy, Politics, Economics and the History of Ideas”, que acabara de sair do prelo. E chamou-me atenção para o Capítulo

10 Para mais informações relativas à vida de Roberto de Oliveira Campos ver Perez, 1999. 11 Margareth Thatcher (1925-) foi Primeira-Ministra da Inglaterra, de 1979 a 1990. 12 Friedrich August von Hayek (1889-1992) nasceu na Áustria e morreu na Alemanha. Recebeu o prêmio Nobel em Economia em 1974. Seu livro O caminho da servidão, lançado em 1944, é considerado o manifesto que lança o movimento neoliberal. Neste livro, Hayek empreende uma pregação em favor da individualidade e de um mercado livre e processador de preços, e contra qualquer tipo de planejamento central, seja do tipo socialista, seja do tipo keynesiano. Sendo um cético, não admite a possibilidade de qualquer grupo de homens estar habilitado a dirigir os destinos de uma sociedade. Os erros seriam menores, ou pelo menos imparciais, em uma sociedade não planejada ou centralizada. Entre os discursos de Hayek em O caminho da servidão (1944), por um lado, e A constituição da liberdade (1960) e Direito, legislação e liberdade: uma nova formulação dos princípios liberais de justiça e economia política (em três volumes, lançados na década de 70), por outro, há uma mudança de alvo. Se, no primeiro livro seu ataque está centrado no planejamento centralizado e no marxismo, nos outros dois é o Estado de bem-estar social o maior inimigo da liberdade.

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5, que começa com uma confissão: há dez anos, se preocupava ele, infrutiferamente, em entender o sentido da expressão “justiça social”. Desde então, se passaram mais de três lustros, Hayek faleceu e sou eu que continuo perplexo ante o terrível encantamento dessa expressão, hoje obrigatória em nosso discurso político. O princípio basilar do liberalismo (e também do capitalismo) é que a primeira propriedade do homem é o seu corpo, com as suas faculdades. É seu primeiro direito o exercício dessas faculdades até o ponto em que não prejudique o direito de terceiros (Campos, 2008).

A questão da desigualdade foi analisada por Campos a partir da

expressão “justiça social”, discutida, naquele livro por Hayek. Campos afirmava

que esta expressão é desprovida de sentido. A ausência de critérios claros para que

se faça a distribuição desta justiça, bem como para a definição de quem a

distribuiria, faria com que, em uma sociedade de homens livres, todos se

julgassem injustiçados.

Dois problemas surgem: destrói-se a liberdade e diminui-se a eficiência global, pois esta vem precisamente do esforço de cada um de desenvolver ao máximo suas faculdades. [...] Donde concluir Hayek que a noção de justiça social deve ser substituída pelo conceito de “normas justas de conduta”. As regras do jogo é que devem ser justas; o resultado será sempre diferente, dependendo das faculdades e do esforço de cada um. Se “justiça social” significa igualizar os resultados, é uma mágica besta, um simples “atavismo” do discurso político, como dizia Hayek. Se o significado é igualizar as condições, o objetivo é também frustrante, porque as famílias são diferentes; e, a não ser que se queira destruir a organização familiar [...], os indivíduos crescerão em condições desiguais. A única tarefa realista para os governos é procurar melhorar as “oportunidades”, ou antes, remover obstáculos para que os indivíduos exerçam ao máximo as faculdades que Deus lhes deu. (Campos, 2008).

A dificuldade em conciliar o aumento do desenvolvimento, o combate à

inflação, e uma mais equitativa distribuição da renda, é vista por Campos como

um grande óbice: “eis a cava angústia e o áspero desafio da questão salarial”

(Campos, 1969: 200). Enxergava nos países subdesenvolvidos dois enfoques que

se salientam no trato da questão salarial: o populista, e o que chamou, à época, de

tecnocrático. Este procuraria utilizar as receitas do liberalismo, mas teria

dificuldades de se implementar de forma ortodoxa: “Lutando contra a inércia de

uma longa tradição populista, o enfoque tecnocrático teve limitada aplicação no

Brasil, a partir de meados de 1964” (Campos, 1969: 202). Campos lembra que a

solução liberal para acabar com a pobreza está na criação de riqueza: no processo

de criação de riqueza haveria uma melhora no nível de vida. Para os liberais, há

dois tipos de pobreza, e, para cada um, as soluções têm que ser diferentes. Há a

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pobreza dos desvalidos que, pelos mais diversos motivos, não estão em condição

de entrar no mercado de trabalho. O liberal reconhece que para estes deve ser

encontrada, por cada sociedade, uma rede de proteção abaixo da qual ninguém

seja permitido cair, sendo, portanto, uma obrigação do Estado, que para este fim

poderia legitimamente tributar, cuidando apenas de não desestimular os incentivos

à produção, pela conseqüente dilapidação da base tributária. Um exemplo desta

proteção é a renda mínima, sugerida por Friedman. Outro tipo de pobreza é a

conjuntural: apesar de capaz de trabalhar, o indivíduo não consegue trabalho e se

torna pobre. O liberal considera que para resolver este problema faz-se necessário

criar mecanismos que favoreçam ao investimento, que criará empregos. Está se

referindo a um ambiente de liberdade para investimentos e movimentação de

capitais (Campos, 1994).

Foi o pensamento de Gudin, no entanto, que mais fortemente influenciou

Campos: “Gudin foi talvez a maior influência em minha formação profissional”

(Biderman, Cozac e Rego, 1997: 37). Nesta entrevista, Campos comenta que

Gudin ia na contramão das teses hegemônicas da época, sendo um ferrenho crítico

dos monopólios estatais, do relaxamento em relação à estabilidade monetária e

intransigente defensor da idéia clássica liberal de que o Estado deveria atuar

basicamente nas funções de segurança, justiça, educação e saúde (cf. Biderman,

Cozac e Rego, 1997: 37).

Mas, é contra o enfoque populista que Campos vai argumentar. Ele seria

mais distributivo do que produtivo, pois, ao pregar excessivos reajustamentos dos

salários, que excederiam de forma desproporcional os aumentos de produção e

produtividade, estaria alimentando a inflação. Mais ainda, seria demagógico, por

legislar benefícios sociais incompatíveis com a capacidade da economia em

mantê-los:

É supérfluo repetir que o populismo, não só não conseguiu melhorar o padrão de vida operário, – pois que a espiral de preços anulou as altas salariais – como diminuiu as oportunidades de emprego, pela estagnação econômica. O desenvolvimentismo é sem dúvida parte de verbiagem populista; mas apenas da verbiagem... porque o distributivismo ingênuo e precoce do populismo salarial reduz a capacidade de investimento da economia e, portanto, sua taxa de desenvolvimento (Campos, 1969: 200-201).

As possíveis conseqüências econômicas negativas das eleições em

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democracias representativas com fortes desigualdades não poderiam ser

esquecidas. Esta preocupação estava presente em Campos. Ele enxergava

dificuldades em se montar políticas fiscais rígidas em ambientes democráticos13.

A necessidade de se legitimar, pelo voto popular, políticas públicas e ações fiscais

que evitassem a inflação, dificilmente consegue vencer as atraentes promessas

populistas:

Mas existe, sim, uma causticante questão política: é se os processos eleitorais normais de democracia representativa são compatíveis com as tarefas de aceleração do desenvolvimento, e, sobretudo, do controle da inflação. A tarefa do desenvolvimento exige a acumulação de capital e, portanto, a contenção do consumo. A desinflação é coisa ainda mais séria, pois pode exigir uma temporária redução do consumo real. Nenhuma dessas coisas provoca entusiasmo eleitoral (Campos, 1967: 82).

Acredito que Campos enxergava um componente cultural na atração

exercida, sobre nossa sociedade, pelo populismo salarial, ao qual chama de

“enquistamento de ilusões” (Campos, 1969: 202). Através de um processo de

alheamento à realidade e às evidencias de tentativas passadas, o assalariado

esperaria, em cada novo reajuste, que, por algum milagre, não se repetisse a

experiência anterior de rápida perda do valor aquisitivo do salário pela alta de

preços. Concomitantemente, o político via no populismo salarial uma solução

duplamente agradável, pois se dispensava da impopularidade de tributar, ou de

exigir produtividade no trabalho, e dividia fartamente gordas fatias de um bolo 13 Esta preocupação foi alvo de análise por parte de um dos mais influentes pensadores do liberalismo contemporâneo. James McGill Buchanan (1919-) nasceu nos Estados Unidos e recebeu o prêmio Nobel de Economia de 1986. Seus trabalhos chamaram a atenção para a importância de se levar em consideração a forma pela qual o interesse pessoal dos políticos afeta as decisões de política econômica dos governos. A teoria da Escolha Pública (Public Choice theory), da qual Buchanan é um dos mais conhecidos estudiosos, utiliza as ferramentas usadas nos estudos modernos de Economia para analisar problemas e questões que, originalmente, estavam apenas no âmbito da Ciência Política. Buchanan argumenta que para compreender as políticas governamentais deve-se olhar para as estruturas que regulam as decisões políticas. Um interessante exemplo prático do pensamento da teoria da Escolha Pública seria a explicação da construção de um orçamento deficitário. Buchanan considera que a Escolha Pública está apoiada no senso comum, e este diz que um político é bastante parecido com cada um de nós. Um político que almeja conseguir, ou manter, um cargo, tem responsabilidades, como de fato deve ter, com o seu eleitorado. Ele deseja ir às suas bases e dizer-lhes que ele diminuiu os impostos que eles pagam, ou que lhes trouxe benefícios. Coloquemos isto na política econômica e encontramos a natural tendência que um político tem para criar déficits. Para Buchanan, a revolução econômica keynesiana deu aos políticos a desculpa que eles precisavam para os déficits. E com isso vieram as licenças para déficits e irresponsabilidade fiscal: “Why didn't we have deficits before? You see, the Keynesian economic revolution gave the politicians an excuse for deficits. You give politicians half an excuse; they play out this natural proclivity” (Buchanan, 2007). Para um melhor entendimento

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imaginário. Este comportamento social se traduzia em políticas que Campos

condenava e se sentia impotente para impedir, mesmo participando do governo:

Nos vários níveis de Governo, a um empreiteiro “populista” que faz obras e não paga contas, sucede com intervalo variável, segundo a tolerância social à desordem financeira, um contador fiscalista e macambúzio, a quem cabe arrochar o cinto. [...] Vamos ao movimento pendular entre empreiteiros populistas e contadores fiscalistas. O mais preclaro exemplo dos últimos tempos foi o do empreiteiro Kubitschek, indiscutivelmente uma pilha de simpatia humana. Lançou-se em obras além do que previa o “programa de metas”, o qual, aliás, pressupunha, pelo menos na concepção de seus autores – o Dr. Lucas Lopes e este humilde escriba – a execução paralela de um programa de disciplina monetária e de reforma cambial. Entretanto, só o programa de investimento tinha “sex appeal”. Quanto ao resto, foi relegado ao “sábio e salutar esquecimento” (Campos, 1967: 71).

Assim sendo, o desenvolvimentismo populista encontraria o beneplácito

dos agentes econômicos: “O que há de perturbador em tudo isso é a popularidade

do empreiteiro alegre, e a total indiferença do povo pela fadiga honesta do

contador. A irresponsabilidade assume colorido de heroísmo. A decência fiscal é

prova de mesquinhez” (Campos, 1967: 74). Campos enxergava o perigo do

retorno das ações de viés populista anteriores ao movimento militar. Elas estariam

fortemente introjetadas na sociedade brasileira e fazia-se necessário estar atento a

este fenômeno. As preocupações abaixo explicitadas enfatizam a força dos

argumentos eleitorais de cunho populista existentes mesmo dentro de um regime

autoritário:

Vejo mobilizarem-se pressões – a que os novos governantes saberão sem dúvida resistir – em favor da volta ao palco de antigos fantasmas. A ressurreição do assistencialismo, traduzido no congelamento de tarifas e preços, e no regime de subvenções, que disfarçam porém não eliminam o custo real dos serviços, e atenuam os encargos do presente à custa da criação de escassez futura. A ressurreição do distributivismo precoce, que promete reajustamentos salariais além do permitido pelo crescimento da produção e da produtividade, sancionando o nível anterior de inflação ao invés de reduzi-lo, ou que busca fórmulas mágicas de expandir crédito sem a formação de poupança (Campos, 1967: 296) 14.

O planejamento centralizado era vitorioso nos anos 50, tanto na

acerca do conceito de Escolha Pública e dos argumentos de Buchanan contra o keynesianismo, ver Buchanan, J. M.; Tullock, G. (1971) e Buchanan, J. M. (1993). 14 Discurso proferido no Hotel Copacabana Palace, Rio de Janeiro, em 17 de abril de 1967, por ocasião da comemoração de seu qüinquagésimo aniversário.

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Academia, quanto nas políticas públicas. Contra ele, os liberais se posicionaram

enfaticamente. Segundo sua lógica, todos planejamos, e o fazemos baseados em

nosso próprio conhecimento das condições que nos cercam. No entanto,

argumentam, existem muito mais informações úteis e disponíveis no

conhecimento disperso na sociedade do que jamais poderia ser coletada por uma

agência de planejamento centralizada15. Apesar de, durante a década de 50,

Campos ter feito parte dos pensadores que viam na industrialização acelerada por

um Estado planejador um meio para a superação da pobreza e do

subdesenvolvimento, já em 1961 apontava para dúvidas quanto à eficácia do

modelo desenvolvimentista. Ao mesmo tempo em que criticava a CEPAL,

“sempre movida (coitada!) pela preocupação construtiva de dar cobertura teórica

às imprudências dos Governos da região” (Campos, 1964: 89), atacava os que

acreditavam que o desenvolvimento poderia ser conseguido sem maiores

preocupações com a inflação:

Ora, se alguma lição é lícito tirar das estatísticas, é precisamente que a inflação brasileira não tem sido “desenvolvimentista”. Pois nos últimos 12 anos, à medida que se acelerava a taxa de inflação, diminuía o ritmo de formação de capital fixo, o qual, não sendo único, é o mais decisivo elemento de desenvolvimento (Campos, 1964: 90) 16.

E, em 1994, fazia uma confissão aberta de seu arrependimento por

admitir uma economia centralmente planejada durante parte de sua vida, por

ocasião do evento 1964 – 30 Anos Depois, realizado em março de 1994, na

15 A estrutura das atividades humanas pode, segundo Hayek, ser considerada de duas maneiras distintas, as quais levarão a conclusões diametralmente opostas, quando se encara a questão da possibilidade ou não de serem alteradas intencionalmente. A perspectiva construtivista afirma que as instituições humanas só servirão aos propósitos humanos caso tenham sido criadas intencionalmente para este fim. A outra perspectiva é a de que a ordenação da sociedade não se deveu a instituições e práticas inventadas ou criadas para este fim, mas que, ao contrário, resultou de um processo no qual, práticas a princípio adotadas por outras razões ou mesmo por acaso, foram preservadas por terem permitido ao grupo em que surgiram sobressair-se em relação aos demais. Em oposição ao racionalismo construtivista, por ele rejeitado, Hayek sugere a expressão racionalismo evolucionista. “A propriedade característica do racionalismo construtivista é, antes, a de não aceitar a abstração – a de não reconhecer que os conceitos abstratos são um meio de fazer face à complexidade do concreto, que a nossa mente não é capaz de dominar por inteiro. O racionalismo evolucionista reconhece as abstrações como o meio indispensável à mente para enfrentar uma realidade que ela é incapaz de compreender por completo” (Hayek, 1985 I: 29 e 30). Com esta denominação (a de racionalismo evolucionista) acredito que Hayek poderia estar delineando uma postura que permitisse combinar a noção de uma modificação racional das instituições com a possibilidade de expô-las a um ambiente no qual elas poderiam ser desafiadas por instituições alternativas, que poderiam lhes ser qualitativamente superiores. 16 Artigo publicado no Correio da Manhã em 01 de junho de 1961.

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Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro:

Nessa época eu era acometido de ímpetos juvenis de planejamento. Superestimava enormemente a capacidade da tecnocracia de intuir o futuro e guiar a sociedade. [...] Foi então que surgiu uma grande controvérsia entre dois grandes amigos, eu e o professor Eugenio Gudin. Ele tinha horror à palavra planejamento. [...] Hoje, acho que ele estava perfeitamente certo (Campos, 1994: 57).

4.5. Considerações finais

Gudin, Bulhões e Campos foram não somente estudiosos da Economia,

mas também extremamente atuantes na vida pública. Alguns de seus artigos e

trabalhos são peças de argumentação política, e refletem a conjuntura da época.

Sua preocupação com o populismo estava centrada nos males que viam no

populismo econômico, e este era um problema, no seu entender, nos anos de

democracia do pós-guerra.

Haveria, naquela ocasião, no Brasil, condições para que o populismo

econômico florescesse. Em primeiro lugar, as vozes que ousavam combater o

keynesianismo eram débeis. A pujança do Welfare State no Ocidente

industrializado, e do planejamento centralizado na União Soviética e seus

satélites, facilitavam a aceitação dos discursos de políticos que propunham ações

desenvolvimentistas, através de promessas eleitorais sem preocupações

orçamentárias, e que resultavam em um continuado endividamento. Era a época

de ouro do planejamento e as empresas estatais, atuando em “segmentos

estratégicos”, ganhavam vida e força. Ademais, eleições se ganham com votos, e

os eleitores em países com profundas desigualdades sociais, como o Brasil não se

deixavam seduzir por programas ligados à responsabilidade fiscal quando

confrontados com aqueles que lhe prometiam empregos e redistribuição de renda.

Estava evidente, para os pensadores estudados neste capítulo, que o

projeto desenvolvimentista havia se tornado um óbice que precisava ser

eliminado. Barreiros afirma que, para eles:

Não haveria condições para resolução do impasse econômico criado pelos

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governos “populistas” se preservados os marcos do Projeto Desenvolvimentista. Em linhas gerais, somente a ruptura com a estratégia de crescimento praticada desde 1930 permitiria um recomeço em bases “racionais” e “eficientes” (Barreiros, 2008: 6).

As idéias econômicas da CEPAL eram o alvo principal das críticas dos

nossos liberais econômicos. Para os intelectuais cepalinos, o desenvolvimento dos

países então subdesenvolvidos só seria possível se decorresse de planejamento e

de estratégia, sendo o Estado o principal agente. Na América Latina não haveria

condições de se aguardar que o desenvolvimento viesse através do jogo do

mercado. Conforme afirmava Prebisch:

A América Latina tem que acelerar seu ritmo de desenvolvimento econômico e redistribuir renda em favor das massas populares. O cumprimento deste objetivo não poderá dilatar-se indefinidamente; nem caberia esperar que o desenvolvimento econômico se apresentaria e logo sobreviria, como conseqüência natural, o desenvolvimento social. Ambos devem cumprir-se de modo compassado. Para consegui-lo, é mister agir racional e deliberadamente sobre as forças do desenvolvimento, e este não poderá ser o resultado do jogo espontâneo dessas forças, como sucedeu na evolução capitalista dos países adiantados (Prebisch, 1964: 20).

A oposição entre monetaristas e desenvolvimentistas pode ser vista como

uma das mais importantes do período estudado. Embora não concordassem

completamente, durante algum tempo, com a ênfase na negação ao planejamento e

à ação motora do Estado (como vimos, Campos acreditou, por algum tempo nas

possibilidades de êxito de um planejamento com viés tecnocrático), nossos

liberais combatiam o desenvolvimentismo cepalino, o qual, na então conjuntura,

tinha forte apelo político.

O distributivismo e a indisciplina fiscal estão nos fundamentos do

populismo econômico. Este crê que podem ser alcançados, com relativa

facilidade, o desenvolvimento econômico e a distribuição de renda por intermédio

do aumento dos investimentos, dos gastos sociais do Estado, e dos salários. De

acordo com os pensadores aqui estudados, as conseqüências serão o déficit

público, a crise fiscal e a inflação. Eles condenaram a irresponsabilidade com que

o gasto dos governos foi tratado pelos regimes ditos populistas, bem como

denunciaram a intromissão de critérios políticos na definição destes gastos. À luz

destes pensamentos, podemos entender o populismo econômico como uma

política que dá ênfase ao crescimento econômico e à redistribuição de renda, ao

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mesmo tempo em que ignora (ou não se preocupa com) a inflação, o déficit

orçamentário e a reação dos agentes econômicos às políticas não direcionadas ao

mercado. Assim sendo, a questão do populismo é fundamental para entender a

economia do setor público (como também as do setor privado, uma vez que

alteravam as expectativas e traziam insegurança aos investidores) no período

considerado.

Gudin, Bulhões e Campos viam, com clareza, a dificuldade de se

conquistar “corações e mentes” da nossa desigual sociedade para um discurso que

prometia trabalho árduo e recompensas em longo prazo, em oposição a um em

que tudo se resolveria após a próxima eleição. Afinal, existiam condições que, ao

invés de diminuir a força do populismo, trabalhavam no sentido da sua expansão.

Uma delas era o constante crescimento das massas urbanas, trazendo para as

cidades um formidável contingente de indivíduos aptos a votar e sedentos por

melhores condições de vida. A tradicional extrema desigualdade da nossa

sociedade seria um catalisador que favoreceria o fenômeno.

Esta constatação empírica fez com que, tanto Campos como Gudin, por

vezes, demonstrassem impaciência para a necessidade de ter que se percorrer um

longo caminho pela via democrática em um país com tamanhas desigualdades. E

viam as eleições diretas para a Presidência da República como um complicador

para a implantação das políticas públicas que julgavam necessárias. Gudin diz:

Se temos uma pessoa enferma delegamos a um médico o tratamento; se queremos fazer uma estrada ou uma ponte chamamos um engenheiro; se queremos organizar o ensino recorremos a um grupo dos maiores mestres. Entretanto, quando se trata da tarefa, muito mais delicada, de escolher um homem com os extraordinários predicados necessários à difícil missão de Presidente da República, julgamos que ela pode ser entregue ao homem da rua, que em sua maioria é, por culpa nossa e de nossos antepassados, lamentavelmente despreparado. Despreparado para escolher, como para resistir às pressões da demagogia, da corrupção e da emoção (Gudin, 1969: 72).

Campos também se declarou a favor das eleições indiretas:

O grau maior de mobilização popular para as campanhas presidenciais talvez date da chamada “campanha civilista”, de Rui Barbosa contra Hermes da Fonseca. Desde então, as eleições diretas passaram a ser fatores de excitação personalista, de barganhas impeditivas da coerência de comando, de formação de lideranças ressentidas, que não sabem utilizar a vitória e não consentem em aceitar a derrota (Campos, 1967: 96).

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Não vejo, nestas declarações, um apoio à ditadura. São, no entanto,

lamentos com relação à dificuldade de se conseguir, em uma sociedade com

nossas desigualdades, no período considerado, apoio a candidatos que

prometessem apenas trabalho árduo.

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5 Conclusão

O pensamento social brasileiro preocupou-se com o fenômeno do

populismo no período de 1945 a 1964, procurando compreender os processos de

mudança no país, especialmente na relação entre o Estado e a sociedade. Dentre as

várias interpretações sobre este fenômeno, acredito ser possível apontar três

principais. Este trabalho procurou discutir as que trataram das manifestações

populistas no período de 1945 a 1964, oferecidas pela Escola de Sociologia da

Universidade de São Paulo, pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros, e por

representantes do pensamento econômico liberal.

Uma das causas da emergência do populismo no Brasil foi entendida por

Weffort e Ianni, dois expoentes da Escola de Sociologia da USP, como

conseqüência da crise da dominação oligárquica. Nos regimes oligárquicos, a

burguesia, aliada aos produtores agrícolas, detinha o controle do poder e das

instituições políticas. Sob o impacto de duas guerras mundiais e da crise de 1929,

as oligarquias voltadas à exportação se enfraqueceram. Por sua parte, os novos

grupos sociais, que então surgiam no ambiente urbano, passaram a reivindicar

uma participação política ampliada. A urbanização e a industrialização, nos anos

1930, criaram a possibilidade de mobilidade social para as classes populares e

médias, que não enxergavam as suas reivindicações em termos de luta de classe.

O populismo teria nascido da aliança entre as classes populares e a burguesia

nacional, uma vez que o enfraquecimento das oligarquias criou um vazio político

no qual nenhuma classe conseguia ser hegemonicamente dominante, nem capaz

de ocupar isoladamente o poder. O populismo teria vindo preencher este vazio,

apoiando-se nas novas condições sócio-políticas, e forjando uma coalizão

temporária, em que a idéia de “povo” criava uma ilusão de solidariedade.

Esta combinação de forças heterogêneas no poder constituía o “estado de

compromisso”, base do regime populista: uma vez que nenhum dos grupos

participantes do poder detinha a hegemonia, todos dependiam do Estado, e a ele

dirigiam as mais contraditórias reivindicações. A aliança tácita que está na base do

populismo se apóia sobre um processo de identificação entre o líder, o Estado e as

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massas. O líder, ou chefe, configura-se não somente como o protetor, mas também

como o porta-voz e intérprete das aspirações populares. Daí resulta a relativa

utilidade dos partidos políticos e a despolitização dos sindicatos. Ligado

diretamente ao povo, o líder populista encarna a soberania do Estado e é o árbitro

dos conflitos entre classes.

Diante da urbanização e da industrialização que ocorriam no Brasil,

surgiam atores sociais diferentes dos da Primeira República. Nas interpretações de

Francisco Weffort e Octavio Ianni, a atração da classe trabalhadora passaria, no

populismo, não pelo plano ideológico, mas pela política social. A sociologia

marxista, fundamental nas análises feitas na Escola de Sociologia da USP,

considerava que a modernização e a urbanização trariam avanços para a

revolução. A proletarização de grande parte da população incrementaria as

contradições entre o capital e o trabalho. Os conflitos seriam desejáveis, por trazer

novas sínteses. O populismo, ao criar obstáculos à conscientização da classe

proletária, trabalharia no sentido de prejudicar o progresso da revolução. A

política de alianças entre classes foi atacada pelos autores, sendo vista como uma

das principais causas que levaram à derrota das esquerdas, em 1964. A idéia de

política de massas e a busca do entendimento de o que teria levado a classe

operária a abrir mão da revolução em favor da reforma, permitiram um

desenvolvimento intelectual que até hoje repercute na Academia e na agenda

política brasileira.

Deve ser destacado que foi no industrializado Estado de São Paulo que

surgiram dois líderes populistas importantes, Jânio Quadros e Adhemar de Barros,

ao mesmo tempo em que foi lá que ocorreu forte crescimento populacional no

século XX, impulsionado por altos índices de migração interna e de imigrações.

Weffort destaca esta relação, ao ressaltar que estas migrações e a expansão dos

meios de comunicação catalisaram o populismo, uma vez que “colocam amplos

setores da população do país em situação de disponibilidade política” (Weffort,

2003: 158).

Nos estudos de Jaguaribe, Guerreiro Ramos e Candido Mendes,

importantes figuras do ISEB, embora o populismo político não fosse visto como

um procedimento enriquecedor da democracia, o fenômeno não era o alvo maior

de suas preocupações. O foco destes intelectuais estava no desenvolvimento, em

um ambiente reformista que, através da industrialização, traria o crescimento da

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nossa economia. Embora considerassem que o populismo político não fosse a

forma mais avançada de comportamento político, era uma manifestação da

democracia, uma vez que abria espaço para que o povo se manifestasse

politicamente. Sua principal diferença em relação à Escola de Sociologia da USP

estava na crença (por parte destes intelectuais do ISEB) em que o caminho do

nacional-desenvolvimentismo, em especial a aliança entre o Estado e a burguesia

industrial, iria trazer modernização econômica, seguida de transformações sociais.

Jaguaribe destacou que a necessidade de se conquistar votos apresentando-se

como lideranças capazes de alcançar, em curto prazo, melhores condições de vida

para a população, fez com que os líderes populistas desenvolvessem um estilo de

comunicação direcionado à satisfação imediata dos desejos das massas.

Considero oportuno chamar a atenção para o fato de que o ISEB estava

geograficamente situado na cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, com

ligações institucionais e de vizinhança com o Estado. O fato de seus intelectuais

aceitarem a possibilidade de alianças entre as classes econômicas estava,

possivelmente, ligado à necessidade de equacionar o problema de alcançar o

desenvolvimento em um ambiente democrático, com eleições livres.

Foi fundamental a influência do pensamento cepalino sobre o ISEB. A

idéia de uma vanguarda racional comandando o processo de desenvolvimento

latino-americano encontrou solo fértil no Brasil. A noção de planejamento era

vitoriosa naqueles anos, e a possibilidade de mudanças estruturais de amplo

alcance via ação do Estado era sedutora, eleitoralmente.

As preocupações de Gudin, Bulhões e Campos, intelectuais que

expressaram as preocupações do liberalismo econômico com o populismo,

estavam centradas nas mazelas que viam no populismo econômico. No período de

1945 a 1964, no Brasil, o pensamento keynesianista era dominante. A força das

idéias do Welfare State facilitava a aceitação dos discursos de políticos que

propunham ações desenvolvimentistas, através de promessas eleitorais sem

preocupações orçamentárias. Era, em quase todo o mundo, a época de ouro do

planejamento, e, aqui, as empresas estatais floresciam. Além disso, programas

ligados à responsabilidade fiscal não tinham apelo eleitoral em um país com

profundas desigualdades sociais, como o Brasil. Os liberais viam com clareza a

dificuldade de se conquistar eleitores, na nossa desigual sociedade, para um

discurso que prometia trabalho árduo e recompensas em longo prazo, em oposição

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a um em que tudo se resolveria após a próxima eleição.

Para os pensadores liberais, o ideário do projeto desenvolvimentista,

apoiado nas idéias econômicas da CEPAL, havia se tornado um obstáculo que

precisava ser eliminado. A oposição entre monetaristas e desenvolvimentistas

pode ser vista como uma das mais importantes do período estudado. Eles

condenaram a irresponsabilidade com que os gastos dos governos foram tratados,

bem como a utilização de critérios políticos na alocação destes gastos. O

populismo econômico pode ser entendido como uma política que dá prioridade ao

crescimento econômico e à redistribuição de renda, ao mesmo tempo em que

ignora (ou não se preocupa com) a inflação, o déficit orçamentário, e a reação dos

agentes econômicos às políticas não direcionadas ao mercado.

Do ponto de vista ideológico, podemos identificar diferenças entre as três

interpretações. Os intelectuais da USP, naquele momento, estavam preocupados

com o fortalecimento da classe operária urbana, ator político fundamental para

produzir profundas mudanças no capitalismo, via luta de classes. No

entendimento dos intelectuais do ISEB aqui analisados, encontramos uma visão

reformista com afinidades com a perspectiva do reformismo social, na busca de

um desenvolvimento nacional sem rupturas. A visão liberal econômica, que dá

ênfase às vantagens da economia de mercado, está na análise que considera o

populismo econômico um entrave ao crescimento econômico das sociedades.

Podemos dizer que as interpretações do pensamento social brasileiro aqui

estudadas, ajudaram a propagação do debate sobre o fenômeno do populismo no

mundo público. No entanto, em razão dos pressupostos teóricos diferentes que

fundamentavam suas análises, não foram capazes de contribuir para uma definição

precisa do fenômeno. Como vimos, na Escola de Sociologia da USP teve

relevância o conceito de “estado de compromisso” desenvolvido por Weffort, e

que buscava entender a diminuição da importância da luta de classes no período

populista. Dentre as três interpretações, foi nesta que o conceito weberiano de

carisma obteve maior destaque. Por outro lado, os intelectuais do ISEB, que

trabalharam sob influência do pensamento cepalino, viam o populismo como uma

passagem na evolução para a modernização do país, e davam ênfase à

preocupação com o nacional-desenvolvimentismo. Já os pensadores econômicos

liberais se mantinham fiéis ao liberalismo econômico, marcando suas críticas aos

governos que não priorizavam o equilíbrio fiscal.

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Duas questões quanto ao populismo são recorrentes nos estudos das

Ciências Sociais e da historiografia brasileira. Primeiramente, temos a pergunta de

quando teria surgido o fenômeno do populismo no Brasil. Apesar do fato de que,

tanto Conniff, como José Murilo de Carvalho fazerem referência ao populismo no

governo Pereira Passos, as interpretações aqui estudadas trataram do populismo

no período 1945-1964. Nas três perspectivas analíticas aqui discutidas, o

fenômeno ganhou visibilidade e vitalidade neste período.

Em segundo lugar, discute-se a importância da questão do populismo

para o entendimento do período de 1945 a 1964. Ela é fundamental para que

possamos entender essa etapa da política brasileira, de acordo com o que podemos

deduzir das análises realizadas nas interpretações vistas aqui. Segundo os

representantes do pensamento econômico liberal estudados, não poderemos

entender a economia do setor público sem observar a influência dos políticos

populistas. Mesmo a economia privada também teve, certamente, suas tomadas de

decisão influenciadas pelos líderes populistas que traziam um discurso político

intimidador à lógica do mercado. Por outro lado, a relação entre o Estado e a

sociedade ficou marcada por fenômenos como manipulação, cooptação ou do

“estado de compromisso”, conforme elaborou Weffort. Podemos dizer que o

discurso populista traz resultados, do ponto de vista eleitoral, quando atua sobre

uma massa popular de uma sociedade com profundas desigualdades sociais, bem

como confere legitimidade aos governantes populistas, até o momento em que

suas ações econômicas produzem os esperados efeitos negativos (inflação, crise

cambial, endividamento, entre outros).

De acordo com as interpretações estudadas, algumas condições presentes

na época, no Brasil, agiram no sentido de favorecer o fortalecimento do fenômeno

do populismo. A emergência das massas populares no processo eleitoral; o

conflito distributivo e a desigualdade de renda no mercado de trabalho; e

instituições políticas ainda em formação, trazendo instabilidade política e

insegurança em relação à normalidade democrática, podem ser destacadas.

Weffort deu ênfase à crise de hegemonia de poder que teria advindo do

enfraquecimento das oligarquias e da ausência de uma classe que pudesse exercer

o poder por si própria. Como conseqüência, abriu-se espaço para que líderes

populistas, em uma relação direta com as massas, alcançassem legitimidade

eleitoral, diminuindo a importância dos partidos políticos e da luta de classes no

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cenário político. Guerreiro Ramos, apesar de entender que já havia sinais de

populismo na República Velha, afirmou que a política populista só passou a ser

dominante depois do fim do Estado Novo, uma vez que a independência dos

eleitores, comparada ao sistema eleitoral no período oligárquico, criou as

condições para o sucesso eleitoral dos líderes populistas. O populismo seria uma

fase na evolução política brasileira, posterior à fase da oligarquia e anterior à da

política baseada nos grupos de pressão. Gudin marcou suas críticas ao populismo

econômico pela luta contra o desequilíbrio fiscal e contra os aumentos salariais

sem base em aumentos de produtividade, que seriam responsáveis por uma

catastrófica inflação de demanda sem correspondência com uma capacidade de

aumento de produção, em prazos compatíveis.

Apesar de suas divergências, os três grupos aqui estudados tinham um

aspecto em comum: a marca do intelectual. Atuando na esfera acadêmica e na

esfera pública, todos eles procuraram entender a realidade brasileira para intervir

sobre ela. Escreveram para ser lidos, objetivando participar do debate público e

disputar a definição da agenda pública.

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