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Pesquisa realizada e publicada pela ANDI (Agência de Notícias dos Direitos da Infância) em 2008.

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Notas e Observações1. O presente texto, com os resultados da pesquisa Mudanças Climáticas na Imprensa Brasileira: uma análise de

50 Jornais no período de julho de 2005 a junho de 2007, é uma versão para discussão. No próximo ano, a ANDI,

com apoio do Programa de Comunicação em Mudanças Climáticas da Embaixada Britânica no Brasil, preparará

uma edição ampliada dessas reflexões. Nesse sentido, todas as contribuições e sugestões dos leitores e leitoras

para o aprimoramento da obra são mais do que bem vindas. Mensagens podem ser enviadas para o endereço

[email protected].

2. O uso de um idioma que não discrimine e nem marque diferenças entre homens e mulheres ou meninos e meni-

nas é uma das preocupações da ANDI e da Embaixada Britânica no Brasil. Porém, não há acordo entre os lingüis-

tas sobre a maneira de como fazê-lo. Dessa forma, com o propósito de evitar a sobrecarga gráfica para marcar a

existência de ambos os sexos em língua portuguesa, optou-se por usar o masculino genérico clássico na maioria

dos casos, ficando subentendido que todas as menções em tal gênero representam homens e mulheres.

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SUMÁRIO

RESUMO EXECUTIVO 04

INTRODUÇÃO 08

ANÁLISE DOS RESULTADOS• Agendamento 19• Informação contextualizada 32• Enquadramentos 40• A mídia como watchdog 46• Questões jornalísticas 48

CONCLUSÃO 50

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 52

ANEXO I 55

ANEXO II 57

FICHA TÉCNICA 59

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RESUMO EXECUTIVO

A partir do último trimestre de 2006, as redações de 50 importantes diários brasileiros começaram a dedicar um espaço mais expressivo de suas páginas ao agendamento do debate sobre um tema que vem ganhando destaque no cenário internacional nos últimos anos: as Mudanças Climáticas. Esta é uma das conclusões apontadas pelo estudo Mudanças Climáticas na Imprensa Brasileira: uma análise de 50 jornais no período de julho de 2005 a junho de 2007, realizado pela ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância, com o apoio do Programa de Comunicação em Mudanças Climáticas da Embaixada Britânica no Brasil.

A pesquisa avaliou uma amostra de 997 editoriais, artigos, colunas, entrevistas e matérias veiculadas entre 1º de julho de 2005 e 30 de junho de 2007. Para efeitos comparativos, além dos textos relacionados ao debate sobre as Mudanças Climáticas, foi também contabilizado um segundo conjunto de textos. Este material utilizado para comparação poderia ter sido composto por qualquer tema veiculado nos mesmos dias da amostra de Mudanças Climáticas. Optou-se por avaliar os conteúdos relacionados à agenda ambiental mais extensa (excluindo-se o debate sobre as alterações climáticas). Tal escolha foi pautada pela proposta de se verificar como a cobertura ambiental evolui paralelamente àquela relacionada às alterações climáticas e vice-versa.

A partir de um extenso trabalho de sistematização dos dados coletados, foi elaborado um mapa bastante detalhado do tratamento editorial dispensado pelos jornais às alterações climáticas. Os resultados dessa radiografia da cobertura podem contribuir diretamente para avanços ainda mais pujantes na estratégia até hoje conduzida pelos veículos para cobrir o tema. Ao mesmo tempo, são relevantes para que as fontes de informação aprimorem o seu diálogo com os meios em relação a essa discussão.

Perfil geral da coberturaA análise do noticiário revela que foi a partir do último trimestre de 2006 que a abordagem so-bre as Mudanças Climáticas ganhou expressão nas páginas dos diários brasileiros. Tal tendência guarda relação com eventos marcantes nesse período – lançamento do Relatório Stern, do filme Uma Verdade Inconveniente, dos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC, na sigla em inglês) e a ocorrência de fenômenos naturais vistos como prováveis conseqüências das alterações no clima.

Nos primeiros cinco trimestres da análise, identificou-se um texto publicado pelos jornais a cada cinco dias. Essa média cresce para uma matéria a cada dois dias nos últimos três trimestres.

A presença da cobertura nos veículos de abrangência nacional (Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, O Globo e Correio Braziliense) e econômicos (Valor e Gazeta Mercantil) é mais significativa do que aquela encontrada nos jornais regionais, revelando que o tema, de maneira geral, possui um agendamento de caráter mais abrangente. Esse re-sultado demonstra a necessidade de que esse debate também passe a ser enfocado a

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partir da perspectiva local, não raro, ofertada pelos diários de capitais fora do eixo Rio-São Paulo-Brasília.

Enquanto os 44 jornais de circulação regional contribuíram, na média individual, com 1,46% dos textos veiculados no período, os quatro veículos nacionais somados aos dois de cunho econômico contribuíram, também na média individual, com 5,95% dos textos publicados – uma diferença de mais de quatro vezes.

A agenda principal• A imprensa refere-se mais à expressão “aquecimento global” (70% dos casos) do

que à idéia de Mudanças Climáticas (30%), isto é, toma a parte pelo todo.

• A cobertura sobre as alterações climáticas possui um foco geográfico internacional. Cerca de 50% das matérias que apresentam uma localidade – número que se acentua se considerarmos apenas os jornais nacionais e econômicos – trata do cenário inter-nacional ou o relaciona ao contexto brasileiro; as restantes focam exclusivamente o território nacional.

• Metade dos textos analisados revela o agendamento das principais temáticas que estão na órbita do debate mais amplo sobre as Mudanças Climáticas: efeito estufa; questões energéticas; conseqüências/impactos das mudanças/aquecimento global. Outros 22 assuntos dividem a segunda metade da cobertura, dentre eles: desmata-mento, ação coletiva internacional, agricultura, indústria, eventros climáticos extre-mos, consumo, questões tecnológicas, vulnerabilidades.

• Em geral, os veículos dão muito mais atenção à agenda da mitigação (41,7%) do que à adaptação (2,7%). As estratégias de mitigação, por sua vez, concentram-se no tema da oferta de energia (quase 50% das que falam de mitigação); já os aspectos relacio-nados às florestas, centrais no caso do Brasil, vêm bem abaixo, com 23%.

O contexto da informaçãoAs vastas implicações geradas para as sociedades pelas Mudanças Climáticas ampliaram os contextos que devem ser trazidos à baila quando o tema está em discussão. Assim, se por um lado, há um volume não desprezível de elementos gerais de contextualização – 40% mencionam estatísticas, 36% legislação, 32% dados científicos; por outro, falha-se na apresentação dos contextos específicos.

• A perspectiva ambiental é a principal forma pela qual a mídia reporta a questão (35,8%), seguida pelo enfoque econômico (19,7%) – o que, contudo, não implica, necessariamente, um aprofundamento da discussão a partir destes mesmos ângulos, conforme veremos. Enquadramentos que estão presentes no debate internacional (tecnológica, sociocultural, individual/mudança de comportamento) praticamente não fizeram parte do raio de atenção da imprensa brasileira no período.

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• Ainda que cerca de 20% dos textos tenham enquadrado a discussão sobre Mudanças Climáticas a partir de uma ótica econômica, os dados apontam para uma baixa con-textualização no que se refere a este tipo de perspectiva: 9,7% centram-se nos cus-tos, 8% sublinham oportunidades, 7% abordam benefícios econômicos, 6% trazem uma reflexão sobre os padrões de consumo das sociedades contemporâneas, 2,2% dos textos relacionam o tema com impactos no PIB e 2,3% mencionam modelos econômicos.

• Ao trabalhar a questão dos gases geradores do efeito estufa (45%), por exemplo, apenas 3,9% dos textos salientam as diferenças no volume de emissões entre os países e 0,3% atenta para as diferença no volume de emissões entre os estados bra-sileiros, questões de fundo da agenda política.

• Contextualiza-se pouco a relação das mudanças climáticas com os indivíduos ou gru-pos específicos de indivíduos (12,7%). Somente 2% dos textos salientam, por exem-plo, os impactos diferenciados que já atingem as populações de baixa renda.

• Na apresentação de causas, soluções e conseqüências, os jornais valorizam os impac-tos e oferecem menos espaço para compreender o que levou e continua levando às mudanças e quais são os caminhos para enfrentar o problema.

Desenvolvimento fora da pauta• As discussões e fatos sobre as Mudanças Climáticas podem – e devem – ser enqua-

dradas a partir de diferentes perspectivas. Em parte, foi essa a tendência que a mídia demonstrou na cobertura do tema. Contudo, deixou-se de fazer uma conexão fun-damental relacionada a essa discussão: não chegam a 15% os textos que vinculam o debate sobre as alterações climáticas à agenda mais ampla do desenvolvimento (in-dependentemente do adjetivo que lhe seja acoplado) e até mesmo do crescimento.

Espírito investigativo restrito• As políticas públicas governamentais estiveram sub-representadas na cobertura da

imprensa sobre as mudanças climáticas (24%).

• Além das iniciativas públicas terem sido abordadas de forma lateral, os dados salien-tam que elementos fundamentais (por exemplo, menção ao orçamento, à avaliação e monitoramento de políticas públicas e à responsabilidade dos governos) para se construir um noticiário que colabore efetivamente para garantir a accountability dos governos não estavam presentes nos textos investigados.

• Da mesma forma, cobrou-se pouco dos poderes públicos e discussões sobre questões or-çamentárias foram mínimas, bem como sobre a avaliação e monitoramento das políticas.

• Uma hipótese que pode explicar esse comportamento é a efetiva escassez de políticas públicas para a área no contexto brasileiro – o que, entretanto, não exime a imprensa de apontar essas eventuais lacunas. 6

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Preocupação com a diversidade de vozes• De maneira geral, os diários diversificaram as fontes ouvidas, consultando diferentes

categorias de atores (poderes públicos, especialistas, técnicos e universidades, em-presas não estatais, governos estrangeiros são os mais ouvidos), o que representa um ponto positivo da cobertura. Por outro lado, menos de 10% dos textos trazem opi-niões divergentes e um volume não desprezível (quase 30%) não explicita as fontes de informação consultadas.

• Paralelamente à baixa pluralidade de opiniões nos textos, verificou-se um volume expressivo de material opinativo na amostra analisada: 26,7% é composta por edito-rais, artigos, colunas e entrevistas.

Na trilha das oportunidadesUma preocupação certamente ronda as redações e os atores mais vinculados às Mudanças Climáticas: como fazer para que um tema que ganhou a pauta a partir de eventos tão es-pecíficos continue como foco das pautas?

Ao longo das próximas páginas, buscamos apontar as oportunidades que foram perdidas pela cobertura, mas que ainda compõem uma agenda de trabalho que pode – e deve – ser levada a cabo pela imprensa brasileira. Contribuir para qualificar esse debate é, sobretudo, uma das razões que justificam a realização da presente pesquisa.

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INTRODUÇÃO

Agir agora não é apenas uma questão de vontade política, é uma questão de responsabilidade, de compromisso, de visão, de ética e de sobrevivência,

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente

Demoramos muito para perceber que as mudanças climáticas já haviam passado do ponto em que era possível revertê-las 100%. Agora todos os países

têm a obrigação de buscar alternativas para minimizar os impactos. O Brasil precisa assumir um compromisso de longo prazo com as gerações futuras e

buscar um novo modelo de desenvolvimento que minimize as emissões de CO2.Também deve mapear as nossas vulnerabilidades para criar uma política

nacional de enfrentamento das mudanças climáticas - da mesma forma que há planos para acabar com o analfabetismo ou com a fome.

Carlos Nobre, doutor em meteorologia e coordenador-geral do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC)

Este texto analisa o tratamento editorial dispensado por 50 jornais diários brasileiros ao debate sobre as chamadas Mudanças Climáticas. O estudo abrange veículos de todos os estados do País, trazendo uma radiografia da cobertura produzida entre julho de 2005 e junho de 2007. Os resultados da pesquisa – fruto de um esforço coordenado pela ANDI, com o imprescindível apoio da Embaixada Britânica no Brasil – constituem, como veremos a seguir, subsídios relevan-tes para uma leitura mais aprofundada sobre o papel desempenhado pela grande mídia na ampla discussão que vem sendo travada, em nível mundial, acerca das alterações registradas no clima do planeta e das possíveis conseqüências desse fenômeno no futuro.

Trata-se de um debate central para as políticas de desenvolvimento das diversas nações e, não é exagerado afirmar, para toda a humanidade. Essa é, certamente, a primeira premissa a partir da qual o presente estudo foi elaborado. Isso porque não é possível pensar sob a perspectiva do desenvolvimento sem que se leve em conta o processo de degradação ambiental gerado, nos últimos séculos, a partir da expansão da economia mundial. Por outro lado, vale lembrar que esse cuidado com a sustentabilidade, tão difundido nas décadas mais recentes, traz em sua essência uma preocupação que está na raiz do trabalho desenvolvido pela ANDI desde sua fundação: construir um contexto favorável à qualidade de vida das novas gerações.

Apontadas tais considerações, surge ainda outra importante questão que também embasa a configuração do presente estudo: por que nos dedicarmos a uma análise aprofundada sobre a relação entre a atuação da mídia e o debate acerca das Mudanças Climáticas? Afinal, a constatação de que esse tema importa para a agenda da infância e da adolescência poderia justificar, por exemplo, que se priorizasse um estudo sobre as políticas com foco na garantia dos direitos das populações infanto-juvenis que vivem em áreas de alto risco (como as pequenas ilhas).

Nossa opção, entretanto, foi por dedicar esforços na compreensão de como um ator central para a democracia – a imprensa – vem atuando frente a esse importante debate. Para sustentar

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Pauta relevante para a infância e a adolescência

Desde 1996, a ANDI tem-se notabilizado pela produção de um conjunto expres-sivo – e publicamente reconhecido – de análises de mídia sobre os mais distintos temas, sobretudo aqueles relacionados ao universo imediato da infância e da ado-lescência. Os resultados desses estudos estão sistematizados em um conjunto de publicações produzidas pela Agência. Além de conteúdos sobre temas relevan-tes para as novas gerações, alguns desses produtos reúnem reflexões sobre ou-tras questões centrais para a agenda social brasileira. Desenvolvimento Humano, Responsabilidade Social Empresarial, Tecnologias Sociais e Direitos Humanos es-tão entre os assuntos abordados.

Nesse sentido, a produção deste estudo sobre a cobertura jornalística do tema Mudanças Climáticas representa uma contribuição que a ANDI busca oferecer para o aprimoramento de um debate cuja relevância para o futuro de crianças e adolescentes é evidente.

Cabe ressaltar, porém, que os dados apresentados nas próximas páginas não re-presentam um fim em si mesmos. Seu objetivo último é promover, a partir do monitoramento da mídia brasileira, uma cooperação com os agentes da notícia (jornalistas e fontes de informação), possibilitando que contribuições concretas possam ser ofertadas para minimizar os efeitos das Mudanças Climáticas e, conse-qüentemente, favorecer a implementação de um modelo de desenvolvimento que leve em conta a qualidade de vida das novas gerações.

Dessa forma, o diálogo público em torno da realidade ambiental do planeta converge fortemente para o campo mais específico de atuação da ANDI: a pro-moção e a defesa dos direitos de crianças e adolescentes. E é baseada nessa convergência que a Agência buscou se somar ao esforço que vem sendo desen-volvido pela Embaixada Britânica no Brasil em relação às Mudanças Climáticas, oferecendo sua experiência técnica no monitoramento, na mobilização e na qua-lificação da imprensa.

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a necessidade de compreendermos melhor essa relação Mídia – Mudanças Climáticas, vale apontar cinco outras premissas fundamentais:

• O tema Mudanças Climáticas conforma uma questão da mais alta relevância para as so-ciedades contemporâneas.

• Exatamente por isso, precisa ser agendado de forma prioritária entre a população em ge-ral, mas, sobretudo, entre os chamados tomadores de decisão e formadores de opinião.

• Precisa ainda ser informado de maneira contextualizada.• Da mesma forma, necessita ser alvo de políticas públicas monitoradas pelos atores que

conformam o sistema de freios-e-contrapesos, peça fundamental para a boa governança e para a transparência nas sociedades democráticas.

• Por fim, ressaltamos que o jornalismo tem como funções fundamentais, exatamente: o agendar os temas prioritários para as democracias contemporâneas; o prover informação contextualizada sobre esses mesmos temas; o atuar como watchdog dos formuladores e executores de políticas públicas, colabo-

rando para elevar o nível de accountability dos mesmos.

Essas cinco afirmações constituem os pilares da presente investigação. A um só tempo, elas jogam luz sobre duas questões fundamentais: por que se faz importante um estudo sobre a cobertura jornalística acerca das Mudanças Climáticas? E o que devemos nos perguntar em relação aos textos jornalísticos analisados?

Nosso objetivo, portanto, é apresentar um mapa bastante detalhado e, provavelmente, pioneiro1 acerca do tratamento editorial oferecido pelas redações brasileiras aos assuntos relacionados às Mudanças Climáticas. Nesse sentido, cabe apontar algumas perguntas que nortearam a elabo-ração da pesquisa: a imprensa agendou o tema no período? Se sim, como? Ao prover informa-ções sobre o tema, a mídia o contextualizou? Ouviu uma diversidade de atores envolvidos com o assunto? Buscou abordar o assunto a partir de variadas perspectivas? Os diferentes veículos noticiosos desempenharam seu papel de fiscalização dos formuladores e executores de políticas públicas?

Independentemente das respostas a tais questões, seria interessante apontarmos uma hipótese que nos parece relevante. Mesmo desconhecendo os dados estatísticos que serão apresentados nas próximas seções, quaisquer leitores – ainda que leigos – convidados a tecer comentários ba-seados em seu próprio conhecimento (em uma espécie de educated guess) diriam que o tema das Mudanças Climáticas tem ocupado nos últimos meses, de forma abundante, as páginas dos jornais brasileiros. O que não fica muito evidente nesse cenário são os motivos que teriam levado esse debate a ganhar tamanha visibilidade, questão que iremos discutir na seqüência.

Por fim, antes de refletirmos propriamente sobre os resultados da pesquisa, será necessá-rio conceituar melhor os três fios condutores que definem a atuação da imprensa em uma sociedade democrática: agendamento, informação contextualizada e função de watchdog. Além de serem relevantes para se compreender o papel desempenhado pelos jornalistas, tais

1 Uma pesquisa no sistema Scielo (www.scielo.br) – a maior base de artigos acadêmicos publicados em revistas cientí!cas brasileiras – com as expressões “mudanças climáticas”, “aquecimento global” e “efeito estufa” não retornou artigos que relatem resultados de investigações relacio-nadas à cobertura da mídia brasileira sobre as Mudanças Climáticas. 10

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aspectos foram centrais na organização do expressivo volume de informações resultantes do mapeamento da cobertura.

Mudanças Climáticas sob a ótica do valor-notícia

O economista britânico Nicholas Stern, logo nas primeiras páginas do seu (agora) famoso re-latório – Stern Review – sentencia de forma decisiva: “a evidência científica é avassaladora: as mudanças climáticas apresentam riscos globais muito sérios e demandam uma resposta global urgente” (Stern, 2006:i).

Como veremos adiante, o Relatório Stern foi tornado público no mesmo momento em que a mídia impressa brasileira deu início a um aumento sem precedentes – ao menos no último biênio2 – no número de textos dedicados à cobertura dos temas relacionados às Mudanças Climáticas. A afirmação de Stern, bem como o contexto no qual ela foi produzida, nos ajuda a compreender os diversos fatores que podem ter contribuído para esse decisivo “despertar” da imprensa brasileira.

Essa recente atenção dedicada pelas empresas jornalísticas do País a esse debate não se-guiu o mesmo histórico de cobertura demonstrado pela mídia dos países desenvolvidos. Estudos internacionais (Ungar, 1992; Bell, 1994; Weingart, Engels e Pansegrau, 2000; Boykoff e Boykoff, 2004) demonstram a presença significativa, a despeito de críticas quanto ao con-teúdo, da discussão sobre Mudanças Climáticas na mídia internacional desde, pelo menos, o final dos anos 1980.

Mais do que isso, esses mesmos estudos rememoram que já na década de 1960 a Conservation Foundation organizou um importante evento sobre o tema. Na mesma década, a comissão consultiva para a ciência do presidente dos Estados Unidos alertava para as causas humanas das Mudanças Climáticas (Ungar, 1992:488). Na década de 1970, Weingart, Engels e Pansegrau (2000) relataram diversas declarações da comunidade científica alemã acerca dos problemas concretos relacionados às alterações climáticas. Em 1988, o cientista James Hansen, da NASA, deu um testemunho à comissão do Senado norte-americano – “coincidentemente” comandada pelo então senador Al Gore – afirmando que as causas das Mudanças Climáticas eram também antropogênicas (Boykoff e Boykoff, 2004: 127). Já em 1990, durante a Conferência Mundial do Clima, em Genebra, 700 cientistas conclamaram por ações imediatas dos países no tocante ao enfretamento das causas responsáveis pelas mudanças climáticas.

Como se vê, os alertas produzidos por cientistas sobre a influência das atividades humanas nas alterações climáticas, por um lado, e sobre a gravidade destas, por outro, não é algo recente na história. Novamente, levanta-se a dúvida, por que só agora a imprensa brasileira demonstrou um interesse mais sólido pelo tema?

2 Os dados que dispomos são especí!cos para o período compreendido entre julho de 2005 e junho de 2007; não obstante, em palestra realizada durante o evento Mudanças Climáticas: o Cenário Brasileiro, a COP-13 e a Cobertura da Imprensa. Um Workshop para Jornalistas, o editor de ciência Cláudio Ângelo, do jornal Folha de S. Paulo, apresentou dados que comprovam um forte crescimento (de 50 para 350) no número de textos, publicados pela Folha no período 1995-2007, que traziam a expressão “efeito estufa”. 11

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Uma breve comparação com o ano de 1988 pode contribuir para compreendermos melhor esse cenário. Naquele ano, os jornais norte-americanos, por exemplo, começaram sua escalada na co-bertura sobre as Mudanças Climáticas (Boykoff e Boykoff, 2004). Naquele período, além do já men-cionado depoimento de James Hansen para o Senado dos Estados Unidos, outros fatos também convergiram para ampliar a atenção dedicada ao tema. Um deles foi o discurso da então primeira-ministra britânica, Margareth Tatcher, pronunciado na Royal Society, em Londres, reconhecendo a relevância do debate acerca das alterações do clima. O verão de 1988 foi um dos mais quentes – até então – nos Estados Unidos e gerou enormes problemas tanto para o meio ambiente quanto para a agricultura daquele país. Tais circunstâncias levaram o vice-presidente dos EUA, George Bush (pai), candidato presidencial, a declarar, na contra-mão de toda a política do governo Reagan, que o greenhouse effect (efeito estufa, em inglês) seria combatido com um white house effect.

Retomando a análise do cenário atual, vale perguntar como o Relatório Stern e o seu contexto podem nos ajudar a explicar o interesse mais direto da mídia brasileira em relação à agenda das Mudanças Climáticas, a partir de 2006? Em parte, porque talvez, assim como em 1988, o estudo buscou reforço nas “avassaladoras evidências científicas”. Contudo, a pauta científica por si só não explica a expansão da cobertura. Na mesma época, o documentário Uma verdade inconveniente, de Al Gore, colaborou ofertando poderosas imagens – da mesma forma que no verão de 1988 – que contribuíram para deslocar a idéia abstrata das Mudanças Climáticas para fatos bastante concretos (desde o derretimento de geleiras até o furacão Katrina, passando pelas histórias de personagens reais e de ocorrências negativas).

Além disso, a voz de um economista do establishment, Nicholas Stern, transformando um proble-ma até então exclusivamente ambiental em um imbróglio econômico, foi igualmente relevante. Da mesma forma, os altos preços do petróleo e a concreta agenda das chamadas energias limpas também foram de grande valia. Por fim, a percepção de que vivemos um problema global que demanda soluções globais também colaborou para sedimentar a idéia de que não se trata de uma questão ambiental, localizada nesta ou naquela região do planeta (Goldemberg, 2000:77)3 .

As evidências científicas, as fortes imagens, a conexão da questão com a agenda do desenvolvi-mento econômico, o inevitável compartilhar de responsabilidades acabaram, portanto, por de-linear o valor-notícia4 desse debate, chamando a atenção da mídia brasileira. Adicionalmente, essas e outras razões também colaboraram para o envolvimento mais incisivo – para além, ob-viamente, de cientistas e organizações ambientalistas – de outros atores importantes: o setor privado5 e os governos de outros países, obrigados a se pronunciar sobre a questão, ainda que

3 Conforme descreve o mais recente Relatório de Desenvolvimento Humano do Pnud, “A atmosfera da Terra não distingue os gases com efeito de estufa por país de origem. Uma tonelada de gases com efeito de estufa emitida pela China tem o mesmo peso que uma tonelada de gases com efeito de estufa emitida pelos Estados Unidos – e as emissões de um país são o problema climático de outro. Além disso, nenhum país consegue vencer a batalha contra a mudança climática agindo sozinho. A ação coletiva não é uma opção mas um imperativo” (p. 5).4 Originalmente desenvolvida por dois pesquisadores noruegueses, Johan Galtung e Mari Ruge (1965), a teoria dos valores-notícia busca explicar por que alguns temas se transformam em notícia e outros não. Posto de outra forma, isso signi!ca analisar quais são os valores con-tidos em determinado acontecimento que podem levá-lo a “galgar o degrau” que o torne “digno” de ser considerado como uma notícia pelas empresas jornalísticas.5 Em 30 de novembro de 2007, 150 das mais importantes empresas do planeta divulgaram carta, por meio de anúncio pago no jornal Financial Times, reforçando, a propósito da Conferência das Partes em Bali, que: “Se as mudanças climáticas não diminuírem, os custos econômicos e geopolíticos podem ser muito severos e ter efeitos globais. Todos os países e economias serão afetados, mas serão os países mais pobres que vão sofrer mais e mais cedo. Os custos de ações para reduzir as emissões de gás carbônico para evitar os piores efeitos das mudan-ças climáticas são administráveis, especialmente se guiados por uma visão internacional comum.” Ainda que o exemplo que aqui utilizamos tenha ocorrido em data não coberta pelo período amostral analisado, entendemos que tal posicionamento é fruto de uma gestação prévia. Ou seja, tais empresas, isoladamente, já vinham, bem antes de novembro de 2007 e, portanto, dentro de nosso período de análise, ofertando sinais claros de suas preocupações com a temática. 12

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para negar a sua gravidade. Por certo, a entrada mais contundente desses setores na discussão reforça a presença do tema entre as preocupações da imprensa.

Por fim, é importante salientar que o fato de a imprensa brasileira ter despertado para o tema em tempos diferentes do histórico trilhado pela mídia internacional não nos autoriza a afirmar que os veículos dos países desenvolvidos não tenham influenciado, até mesmo decisivamente, no despertar da cobertura brasileira. O elevado percentual dos textos que focalizam o cenário internacional, o volume não desprezível de material claramente iden-tificado como sendo distribuído pelas agências de notícias e jornais estrangeiros (13,1%) e a intensificação da cobertura da mídia internacional em função dos mesmos fatos acima mencionados – para o período recente – são indícios da influência que os diários analisados podem ter recebido dos meios de comunicação de outros países.

Hoje, não resta dúvida de que as Mudanças Climáticas estão, muito em função dessas contin-gências, na pauta da mídia brasileira. Os dados que serão apresentados no presente documento buscam, portanto, esmiuçar a forma como esse debate vem sendo reportado. A partir dos resultados apontados neste texto preliminar alguns desdobramentos futuros, necessariamente, serão gerados: a pergunta que ficará é “o que se pode fazer para qualificar a cobertura nos aspectos em relação aos quais ela precisa ser aprimorada?” O presente documento não busca responder a essa indagação, ainda que alguns elementos que contribuam para esclarecer tais aspectos estejam presentes nas linhas que se seguem. Por certo, essa radiografia da cobertura ajudará jornalistas e fontes de informação a desenvolverem suas estratégias com vistas a esse salto de qualidade.

Imprensa: papel central para as democracias

Conforme apontado anteriormente, as três importantes funções da mídia noticiosa nas socie-dades democráticas – agendamento; informação contextualizada; e fiscalização das políticas públicas –constituem os fios condutores da presente pesquisa. Na prática, isso significa que buscamos organizar as centenas de dados disponíveis a partir da idéia central que subsiste por detrás de tais características do jornalismo (veja a metodologia de pesquisa na página 16). Por isso, entendemos ser relevante apresentá-las muito brevemente.

De acordo com o célebre aforismo de Bernard C. Cohen, a mídia “pode não ser bem sucedida, a maior parte do tempo, em fazer com que as pessoas pensem de determinado modo, mas ela é extremamente bem sucedida em fazer com que o público pense sobre determinados assuntos”. O pensamento resume a idéia básica acerca da capacidade da mídia de colaborar fortemente na construção ou eleição, a partir daquilo que ela veicula e/ou omite, dos temas que estarão no topo da lista de prioridades da população, em geral, e dos tomadores de decisão, em particular.

Com a rápida expansão das possíveis áreas de interferência do Estado – em muito relacionada com o reconhecimento de diferentes ordens de direitos aos cidadãos e às gerações futuras – foi se tornando cada vez mais urgente a necessidade de priorizar apenas algumas das demandas que são cotidianamente colocadas na esfera pública.

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Estamos, portanto, assumindo que a mídia tem um poder central nas democracias contemporâ-neas: definir a agenda pública. A hipótese (do agenda-setting)6 que está por detrás disso salienta:

[...] em conseqüência da ação dos jornais, da televisão e dos outros meios de infor-mação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou descura, realça ou negligencia elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas têm tendência para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que os mass media incluem o excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público tende a atribuir àquilo que esse conteúdo inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos mass media aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas.7

Os pesquisadores noruegueses Galtung e Ruge (1965:64) também salientam essa capacidade da mídia, ao reforçar que “a regularidade, a intensidade e a perseverança da mídia noticiosa fará deles [temas quaisquer retratados por ela], em qualquer caso, competidores de primeira hora para a posição número um como formadores da imagem do cenário internacional”.

Vale ressaltar que investigadores que se ocuparam especificamente da cobertura jornalísti-ca sobre Mudanças Climáticas igualmente ressaltaram o poder de agendamento da mídia. Boykoff e Boykoff (2004:125) afirmam que as “pessoas retiram sua informação sobre ques-tões científicas, basicamente da mídia”. Em outro estudo, Stamm, Clark e Eblacas (2000) descobriram que os jornais, para moradores da área metropolitana de Washington, eram as principais fontes de informação sobre o aquecimento global. Por sua vez, Trumbo e Shanahan (2000:202) lembram que o público confere mais ou menos importância ao tema do aqueci-mento global de acordo com a cobertura.

Mesmo os mais desconfiados analistas do alcance proposto pelas teorias do agendamento hão de concordar que, dado que uma eleição de prioridades será necessária e que um critério ou mais de escolha deverá ser utilizado, a focalização mais intensa da mídia em determinados te-mas colaborará para a inclusão ou retirada de um assunto da pauta da sociedade.8

O volume de informações sobre determinado tema, aparentemente, garante o seu agenda-mento. Isto é, uma expressiva quantidade de notícias sobre Mudanças Climáticas, de acordo com a teoria do agendamento, terá como resultado uma maior preocupação dos eleitores e, logo, dos decisores em relação à questão.

Contextualização e enquadramentoPor outro lado, um jornalismo de qualidade não pode ter por função apenas introduzir o tema na agenda. É preciso que a informação transmitida seja adequadamente contextualizada. Grifamos “adequadamente” para realçar que não há aqui nenhuma motivação ideológica, o advérbio apenas indica que é papel da imprensa prover aos leitores o maior volume de elementos pos-síveis para que o tema seja amplamente compreendido, inclusive no que se refere à absorção

6 Sobre estudos que buscam comprovar os impactos da mídia na agenda pública cf. Protess et. al. (1987), Iyengar (1990); para críticas à teoria do agendamento, cf. Soroka (1999; 2002)7 Shaw (1979), apud Wolf (1999:144). Para uma discussão mais ampla sobre a teoria do agendamento, cf. McCombs e Shaw (1990).8 Para algumas condições que interferem na forma do agendamento, cf. Soroka (2002). 14

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de posturas antagônicas. Em outras palavras, é preciso medir os atributos da agenda, ou seja, o “como” a questão está posta pela mídia noticiosa.

Outra forma de analisar “como a agenda está colocada” é atentar para o útil conceito de enqua-dramento. Um mesmo tema pode ser “enquadrado” pelas redações de diferenciadas maneiras. Pode-se ler a questão das Mudanças Climáticas pelo viés ambiental, mas também por uma ótica econômica ou política e, até mesmo, de saúde pública.

Para Kweon (2000: 166-7), “um enquadramento conecta idéias dentro de uma notícia de tal modo que sugere uma interpretação particular de um assunto”. Nesse sentido, continua o autor, “uma importante função do enquadramento é definir um problema ou solução. Que aspectos do tema são mais importantes e como eles são apresentados?”

Distintas fases no desenvolvimento de uma política ou tema público demandam o conhecimento de diferentes níveis de informação (estatísticas, legislações, posições de atores diversos, boas prática, etc). A mídia é um potencial investigador e fornecedor dessas informa-ções, inclusive conferindo voz a fontes alternativas e contestadoras de dados oficiais.

Cão de guardaPor fim, toda política pública, em regimes democráticos, supõe que os atores por ela res-ponsáveis demonstrem algum grau de accountability, isto é, de transparência e resposta junto ao eleitorado. Entretanto, essa característica é tão mais crível quanto mais externos ao processo forem as organizações responsáveis pela fiscalização das variadas políticas em formulação e execução.

A imprensa, desde as discussões travadas pelos Federalistas para a constituição da democra-cia norte-americana, é entendida como uma das principais instituições de controle social dos governos eleitos. Isso representa, em termos práticos, o acompanhamento, não apenas do lançamento oficial de projetos, mas de sua continuidade, da sua execução em acordo com os padrões legais e éticos estabelecidos e de seus resultados. Esse tipo de atuação é – ou deveria ser –, portanto, tarefa a ser conduzida cotidianamente pelos profissionais da notícia.

15

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Metodologia de Pesquisa

A presente pesquisa teve como meta central traçar o perfil quantitativo, as principais tendências e as prováveis implicações qualitativas da cobertura sobre Mudanças Climáticas realizada por 50 jornais impressos brasileiros. Para tanto, lançamos mão de um método de avaliação da produção jornalística conhecido como “análise de conteúdo” (cf. tb. McCombs e Shanahan, 2000: 34).

A aplicação deste tipo de metodologia permite avaliar as tendências quantitativas dos objetos de análise. Diferentemente dos modelos de estudo sobre o discurso, a análise de conteúdo não busca identificar subjetividades, intencionalidades e potencialidades possivelmente presentes nos recursos lingüísticos empregados. A questão aqui, vale ressaltar, não é apontar se um ou outro método é ou não pertinente, mas apenas ressaltar que eles se prestam a objetivos diferentes.

De acordo com Hansen et. al (1998, p. 123), o método da análise de conteúdo:

[...] segue um conjunto claro de passos, o que é uma de sua características mais atrativas, ainda que também vulnerável a abusos. Fundamentalmente, aqueles que optam pela análise de conteúdo para o estudo da mídia devem reconhecer que tal método não é nada mais que um conjunto de diretrizes sobre como analisar e quantificar o conteúdo midiático de forma sistemática e confiável.

Nesse sentido, este estudo se orientou a partir das seguintes etapas: • Definição das listas de palavras-chave utilizadas (realizada com o auxílio de um

grupo de consultores). • Definição das amostras pesquisadas.• Definição de um instrumento para análise das matérias (com apoio dos

consultores). • Treinamento dos profissionais responsáveis pela classificação dos textos.• Classificação dos textos jornalísticos segundo o instrumento elaborado.• Checagem aleatória, para avaliação, da produção dos classificadores.• Inserção no banco de dados.• Produção dos resultados agregados.• Análise dos resultados.

AmostragemPara realização desta pesquisa foram selecionados eletronicamente textos jornalísticos (editoriais, colunas, artigos de opinião e notícias) com mais de 500 caracteres que contivessem pelo menos uma das 10 palavras-chave referentes a questões ambientais de maneira geral ou pelo menos uma das 79 palavras-chave

16

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diretamente relacionadas ao amplo guarda-chuva das Mudanças Climáticas (veja a lista de palavras-chave no Anexo I).

Como já foi ressaltado, o principal objeto de análise no presente estudo é a cobertura da mídia noticiosa impressa sobre as Mudanças Climáticas. Sem embargo, para efeitos comparativos, inclusive no que tange a estabelecer proporções quantitativas da cobertura sobre o tema enfocado, verificou-se a necessidade de analisar um segundo conjunto de textos.

Este segundo conjunto poderia ter sido composto por qualquer tema veiculado nos mesmos dias da amostra de Mudanças Climáticas. Propositalmente, optou-se em avaliar os conteúdos relacionados à agenda ambiental mais extensa (excluindo-se o debate sobre as alterações climáticas). Tal escolha foi pautada pela proposta de se verificar como a cobertura ambiental evolui paralelamente àquela relacionada às alterações climáticas e vice-versa.

Dessa forma, foram construídos dois instrumentos de análise: um, mais simples, para a contabilização dos textos sobre questões ambientais mais amplas e outro, mais complexo, com 141 questões, às quais todos os textos foram submetidos.

Para a construção das amostras, três definições foram fundamentais: 1. O método de clipagem (eletrônico).2. Os jornais pesquisados (sempre que possível, os dois principais de cada estado,

mais os jornais econômicos). 3. O método de seleção aleatória dos dias pesquisados (Mês Composto).

Mês CompostoExistem diferentes métodos de amostragem passíveis de serem utilizados para uma pesquisa envolvendo o conteúdo noticioso de veículos de comunicação. Dentre os mais comumente utilizados, estão aqueles que fazem uma composição de um número pré-definido de dias ao longo de todo o período disponível. Tal metodologia é denominada Mês Composto e consiste no sorteio de 31 dias ao longo de um ano pesquisado.

Esse tipo de método de seleção de amostras parte do pressuposto de que a cobertura dos distintos veículos apresenta características gerais semelhantes ao longo dos dias da semana. Ou seja, se observarmos um número infinito de segundas, terças, quartas, quintas, sextas, sábados e domingos, verificaremos que os perfis quantitativos da cobertura dentro de cada um desses dias – levando-se em conta as características gerais – é muito parecido.

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Evidentemente que este raciocínio não é válido para as coberturas que só podem ser entendidas em uma seqüência temporal específica: por exemplo, se o objetivo é estudar o tratamento editorial acerca de uma campanha de vacinação, não é possível utilizarmos uma amostra sorteada aleatoriamente, é necessário que os dias específicos e adjacentes à campanha façam parte do universo analisado. Da mesma forma, se o intuito é verificar como foi a cobertura do lançamento de um determinado Relatório do IPCC, é fundamental que sejam escolhidos os dias que se remetem ao período da divulgação.

Entretanto, se a intenção é analisar a cobertura de saúde como um todo ou a cobertura acerca de Mudanças Climáticas em geral, não há necessidade de se acompanhar um período seqüencial ou determinado de dias. Se há a impossibilidade operacional de se avaliar o universo total de matérias (dado o volume de textos publicados), a melhor alternativa é a análise de uma seleção aleatória, porém, representativa de dias ao longo do período estudado. Uma avaliação seqüencial e não aleatória (por exemplo, de uma semana corrida dentro de determinado mês) poderia conferir, dentro da cobertura geral, um peso desproporcional a determinado tema que só tenha tido repercussão ao longo daquela semana.

Nesse sentido, como nosso objetivo era auferir as características gerais da abordagem dispensada pela mídia noticiosa ao tema das Mudanças Climáticas, o sistema de amostragem escolhido foi o do Mês Composto. Para cada um dos 12 meses foco de nosso estudo (julho de 2005 a junho de 2006 e julho de 2006 a junho de 2007) foram sorteados 31 dias. As datas sorteadas foram representativas dos dias da semana (ou seja, um número equivalente de segundas, terças, quartas, quintas, sextas, sábados e domindos) e dos meses do ano (meses com 31 dias, possuem mais presença na amostra). Assim, foram aleatoriamente escolhidos 62 dias, nos quais foi realizada a busca pelos textos dos jornais enfocados pela pesquisa que continham pelo menos uma das palavras-chave inicialmente definidas.

O universo analisadoObservados todos esses procedimentos, foram analisados 997 textos localizados sob o extenso guarda-chuva das Mudanças Climáticas e 2.811 textos referentes à cobertura geral sobre meio ambiente. Os textos foram obtidos a partir da busca eletrônica realizada em 50 jornais brasileiros (veja lista de jornais e a distribuição percentual de matérias sobre mudanças climáticas para cada um deles no Anexo II).

Todos os textos identificados foram classificados por um grupo de analistas previamente treinados na metodologia. Posteriormente, um conjunto aleatório dessas matérias passou pela revisão de analistas não envolvidos na primeira fase de classificação. Por fim, os questionários foram submetidos à análise de inconsistências do programa estatístico utilizado.

18

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ANÁLISE DOS RESULTADOS

AGENDAMENTO

O primeiro parâmetro a ser observado quando estamos interessados em avaliar o papel de “agendadores” dos meios de comunicação em relação a um tema é a quantidade de textos vei-culados em um determinado período. Para isso, é necessário estabelecer alguma medida que indique o espaço concedido a um debate específico.

Como se pode deduzir, um volume X ou Y de texto pode nos oferecer pouca ou nenhuma informação sobre a nossa pergunta de fundo: a mídia agenda a questão de maneira mais ou me-nos consistente? No entanto, algumas comparações, ainda que não resolvam definitivamente a dúvida, certamente colaboram para esboçar uma resposta.

Meio ambiente e Mudanças Climáticas: sobe-e-desce da coberturaO Gráfico 1 traz a distribuição das duas coberturas (meio ambiente em geral e Mudanças Climáticas) durante os oito trimestres que compõem o período analisado. Os dados apontam para a estabilidade da cobertura referente às Mudanças Climáticas entre os 1º e 5º trimestres, com um leve salto no 2º (período imediatamente posterior ao furacão Katrina). Entretanto, a partir do 6º trimestre, a cobertura sobre Mudanças Climáticas registra uma escalada expressi-va, que se mantém até o final do período analisado.

Esse salto no volume de matérias – e a manutenção de sua freqüência – parece ancorar-se, no entanto, em fatos muito específicos ocorridos no período. Em outubro de 2006, por exem-plo, foi lançado o Relatório Stern. No mês seguinte, estréia no Brasil o filme-denúncia Uma Verdade Inconveniente, protagonizado pelo ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore. Em fevereiro de 2007, a película é agraciada com o Oscar e um novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) é tornado público. Nos meses de abril e maio, outros levantamentos sobre o tema são apresentados.

A análise da curva da cobertura sobre meio ambiente é igualmente interessante. Exceto para o 5º trimestre (período em que houve operações do Ibama e da Polícia Federal para apreen-são de madeira ilegal), o espaço destinado à temática parece ser paulatinamente substituído por aquele dedicado às Mudanças Climáticas. Como os jornais, provavelmente, não amplia-ram seus cadernos e/ou seu número diário de páginas, tal constatação é bastante razoável e indica uma prioridade estabelecida pelas publicações. Assim, os dados nos levam a crer que à medida que era ampliada a atenção destinada às alterações no clima, questões como ambien-te urbano, biodiversidade, extrativismo, educação ambiental, fauna e recursos pesqueiros foram perdendo espaço.

1919

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

20

As apostas dos diferentes jornaisDiversas pesquisas realizadas pela ANDI acerca da cobertura das mais diversas políticas públi-cas atestam comportamentos diferenciados entre os jornais regionais, os jornais de referência (abrangência nacional) – Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo e Correio Braziliense – e os jornais de cunho econômico (Valor e Gazeta Mercantil).

Algumas dessas investigações – especialmente as realizadas mais recentemente – têm cons-tatado um crescente interesse (agendamento) da mídia regional pelos temas analisados pela Agência. Em 1999, 42% dos textos sobre educação eram gerados pelos grandes jornais; já em 2004, apenas 14,1% dos conteúdos sobre o assunto partiram dos diários nacionais.

No caso do presente estudo, essa tendência é verificada para a cobertura mais ampla sobre meio ambiente (na qual os jornais regionais respondem por 80% do conteúdo analisado), mas não apresenta a mesma intensidade em relação às Mudanças Climáticas. Quanto a este assunto, os jornais de âmbito nacional e os de enfoque econômico (6 veículos) respondem por quase 40% da cobertura, enquanto os regionais (44 veículos) produzem 60% do material.

Os números globais da pesquisa – 997 textos sobre Mudanças Climáticas – permitem inferir que a produção do conjunto de jornais no período foi de um texto jornalístico (editorial, co-luna, artigo, entrevista ou notícia) a cada três dias. Ao analisarmos os três últimos trimestres, no entanto, a produção cresce para um texto a cada dois dias. Já ao focarmos a avaliação nos jornais de referência, a freqüência registrada é de 1,5 textos a cada dia.

Distribuição por trimestres

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

500

1 2 3 4 5 6 7 8

Trimestres (07/2005 a 06/2007)

Núm

ero

de te

xtos

Meio-

ambiente

Mudanças

Climáticas

Gráfico 1

20

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

21

Densidade dos textos Uma outra forma de analisar a distribuição da cobertura produzida pelos jornais ao longo do período analisado é aquela que remete não apenas para o volume de textos, mas também para sua “densidade”. Para isso, verificou-se em cada uma das matérias se sua menção a al-gum dos temas vinculados às Mudanças Climáticas era “mínima” (1 linha do texto); “mínima-média” (1 parágrafo); “média” (1 retranca) ou “alta” (todo o texto).

Os dados demonstram que textos mais ou menos densos – ou seja, parte ou totalmente dedicados, em termos de espaço, à cobertura de Mudanças Climáticas, independentemente da qualidade – seguem a mesma lógica trimestral apresentada acima. Isto é, nos primeiros três meses temos um volume semelhante de textos nas quatro categorias analisadas. Já nos últimos trimestres, verifica-se um descolamento positivo das categorias “média” e “alta”. No entanto, as três categorias de jornais (regionais, de referência e econômicos), na média, não apresentam diferenças substanciais quanto ao que estamos rotulando por densidade, com um leve ganho na categoria “alta” para os jornais econômicos.

Distribuição da cobertura pelo tipo de jornais

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

Mudanças Climáticas Meio-ambiente

Amostras

% d

e te

xtos

Jornais Regionais

Jornais de Abrangência

Nacional

Jornais Econômicos

Gráfico 2

21

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

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Diferenças regionaisA distribuição da cobertura pela região original de cada um dos jornais consiste em uma verten-te analítica relevante, especialmente quando analisamos o contexto de um país com as dimen-sões territoriais do Brasil. A Amazônia9 (Norte) e o Semi-Árido (Nordeste), por exemplo, são as regiões brasileiras que serão mais afetadas pelos impactos das mudanças climáticas.

Apesar disso, os jornais de tais regiões – especialmente os do Norte – dedicam menor atenção às alterações climáticas do que os da Região Sudeste, especialmente quando comparamos com a cobertura sobre meio ambiente em geral, via de regra mais equilibrada.

Isso não quer dizer, entretanto, que a Amazônia receba pouca atenção por parte da impren-sa escrita. A região aparece em 8% de todos os textos jornalísticos pesquisados, para além das menções conjuntas com outras áreas, das menções a estados e municípios específicos e das menções à Região Norte. Ou seja, os jornais de referência e econômicos (editados em Brasília, Rio e São Paulo) dedicam-se com maior intensidade a debater a questão das Mudanças Climáticas com foco nessa região do que propriamente os veículos ali sediados.

9 Para informações especí!cas, cf. Artaxo (2006).

Dimensão da cobertura por trimestres

0

20

40

60

80

100

120

1 2 3 4 5 6 7 8

Trimestres (07/2005 a 06/2007)

Núm

ero

de te

xtos

Mínima

Mínima-Média

Média

Alta

Gráfico 3

22

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

23

Jornais nacionais, agenda internacionalOs veículos que tendem a influenciar mais decisivamente o debate político nacional (os de re-ferência e os econômicos) apresentam uma agenda mais internacionalizada10 – seja totalmente dedicada à cobertura de fatos que se passam na arena internacional, seja fazendo alguma vin-culação com o Brasil – do que os jornais regionais. Nestes, a maior parcela da cobertura sobre Mudanças Climáticas (53,5%) é dedicada ao território nacional, enquanto nos veículos de cir-culação nacional o peso dos conteúdos com foco no contexto internacional é bastante superior ao majoritariamente centrado na realidade brasileira.

Vale ressaltar, portanto, a relevância dos jornais regionais no agendamento da questão. Historicamente, esses veículos tendem a trazer para a realidade local questões que em outros diários tendem a assumir uma roupagem mais ampla – por sinal, diga-se de passagem, não há nada de errado nisso.

10 Como esta é uma análise de conteúdo e não de construção da notícia, não temos dados su!cientes para explicar porque isto ocorre, entretanto, o fato de que a pesquisa cienti!ca, as políticas públicas e a agenda geral ao redor do assunto estão mais consolidadas nos países desenvolvidos con!gura uma hipótese explicativa bastante plausível acerca das razões que levam a imprensa diária de abrangência nacional a apresentar tal concentração de textos no cenário internacional.

Tipos de Jornais Localidade mencionada no texto

No Brasil Fora do Brasil Ambos NFPI**

Jornais Regionais 53,5% 22,5% 22,9% 1,2%

Jornais de Abrangência

Nacional

36,8% 31,6% 29,5% 2,1%

Jornais Econômicos 32,7% 30,8% 36,5% -

Total 46,8% 25,8% 26,3% 1,3%

Tabela 1 – Tipos de jornais e localidade mencionada no texto

* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

** Não foi possível identificar

Distribuição da cobertura pela região do jornal

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

Mudanças Climáticas Meio-ambiente

Amostras

% d

e te

xtos

S

SE

NE

N

CO

Gráfico 4

23

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

24

Concentração temáticaAinda que com nuances importantes entre os diferentes jornais pesquisados, fica evidente a partir da análise dos resultados quantitativos que a mídia impressa brasileira agenda de forma significativa temas vinculados ao extenso guarda-chuva das Mudanças Climáticas.

À medida que avançamos na análise dos dados, faz-se cada vez mais necessário, no entanto, um olhar acerca de como esse agendamento se dá. Um primeiro elemento relevante consiste em identificar – a partir dos inúmeros subtemas que podem compor a cobertura ampla sobre as alterações climáticas – quais acabaram por ser prioritariamente agendados pela mídia.

A Tabela 2 indica que três temas (Efeito estufa, Energia e Conseqüências/impactos das mudan-ças ou aquecimento) somam cerca de 50% do material pesquisado, sendo a metade restante distribuída entre outras 20 questões também relevantes. Assuntos como a ação coletiva inter-nacional, a agricultura, o desenvolvimento, as causas do aquecimento e a adaptação ganham pouco ou nenhum destaque como temáticas centrais – ainda que possam aparecer lateralmen-te, como veremos adiante.

Se, por um lado, tais resultados denotam uma visão limitada da imprensa nacional sobre a complexidade da agenda em questão, por outro, preocupações quanto a uma suposta superex-posição do tema podem ser dirimidas por uma constatação que salta aos olhos na Tabela 2: há muitas pautas ainda por explorar.

Um dado adicional – e que ajuda a construir a hipótese de que a mídia ainda pode se aprofundar mais na cobertura sobre o tema – é a constatação de que os jornais, em geral, tomam a parte pelo todo. Ou seja, conforme salienta o Gráfico 5, apresenta-se mais a expressão “aquecimento global” (um tipo de Mudança Climática) do que a expressão “Mudança Climática” (que inclui o aquecimento, mas também outros tipos de alterações no clima).

Principal tema guarda-chuva abordado pelo texto

29,4

70,6

mudanças climáticas

aquecimento global

Gráfico 5

24

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

25

Tema

Efeito estufa 21,6%

Energia 15,8%

Conseqüências/impactos da mudança/aquecimento 10%

Mitigação 7,2%

Aquecimento global em geral 6,8%

Legislação 4,3%

Desmatamento 4%

Mudança climática em geral 3,6%

Ação coletiva internacional 3,1%

Pesquisas científicas 2,7%

Agricultura 1,9%

Desenvolvimento 1,5%

Camada de ozônio 1,4%

Indústria 1,4%

Eventos climáticos extremos/ catástrofes 1,3%

Consumo 1,2%

Desertificação 1,2%

Serviços 1,2%

Vítimas do aquecimento global/mudança climática 1,1%

Fenômenos naturais 0,9%

Causas da mudança/aquecimento 0,8%

Questões tecnológicas 0,8%

Vulnerabilidades 0,8%

Adaptação 0,7%

Migração/ deslocamento humano 0,4%

Outros 4,1%

Total 100%

Tabela 2 – Foco Central

* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

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Mitigação e Adaptação: dois pesos, duas medidasComo vimos, a adaptação é praticamente ignorada como temática central dos textos analisados (0,7%). O desempenho pífio se repete quando avaliamos os conteúdos em que essa questão é mencionada de forma mais lateral: 2,7% dos textos fazem alguma menção ao assunto.

Novamente, aqui se encontra uma limitação da cobertura pesquisada. Por outro lado, no en-tanto, indica uma oportunidade para possíveis enfoques que podem ser dispensados à questão em períodos futuros. A relevância desse debate fica evidente, por exemplo, em relatórios como o de Stern e do Pnud:

As políticas de adaptação são cruciais para lidar com os inevitáveis impactos das mudanças climáticas, mas têm sido subenfatizadas em muitos países. A adaptação é a única resposta disponível para os impactos que irão ocorrer ao longo das próxi-mas décadas, antes que as medidas de mitigação tenham efeito. (Stern, 2006:xxi)

Devemos, também, pensar nas prioridades de adaptação. Durante muito tempo, a adaptação às alterações climáticas tem sido tratada como uma questão periférica, em vez de parte nuclear do programa internacional para a redução da pobreza. A mi-tigação é um imperativo porque irá definir perspectivas com vista a evitar alterações climáticas perigosas no futuro. Mas os pobres não podem ser deixados ao abandono com os seus próprios recursos enquanto os países ricos protegem os seus cidadãos com fortalezas “à prova de clima”. A justiça social e o respeito pelos direitos humanos requerem um compromisso internacional para a adaptação. (Pnud, 2007:6)

A mitigação, por sua vez, contou com uma preocupação mais volumosa da mídia impressa brasileira no período analisado. Ainda que tenha sido abordada de maneira central por 7,2% dos textos, o assunto acabou ocupando espaço, mesmo que lateral, em 41,7% dos editorais, artigos, colunas, entrevistas e notícias analisados. Por certo, parte dessa presença está vincula-da à atenção que se tem dispensado ao tema – fruto de sua inerente importância, inclusive nos fóruns internacionais. Assim aponta o relatório do Pnud:

Embora se almeje uma adaptação, temos que começar a reduzir as emis-sões e a dar novos passos rumo à sua mitigação, para que as alterações climá-ticas irreversíveis, e que já estão em curso, não sejam agravadas nas próximas décadas. Se a mitigação não tiver início de imediato, e se não for levada com seriedade, os custos de adaptação daqui a 20 ou 30 anos serão proibitivos para os países mais pobres. (Pnud, 2006:6)

Essa relativa presença de discussões sobre mitigação foi, no entanto, influenciada pelo debate re-alizado no Brasil em torno da oferta de energia. Etanol, biocombustíveis, biodiesel e similares re-ceberam uma atenção constante dos jornais no período analisado – certamente impulsionada pela visibilidade que o tema vem ganhando no âmbito do governo federal. Neste ponto, é importante ressaltar que apenas analisamos os textos veiculados, no período amostral, que guardavam relação direta entre essas fontes de energia e o tema das Mudanças Climáticas. Isto é, menções exclusivas à

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

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construção de usinas e à política de exportação de etanol, por exemplo, não foram contabilizadas. Nesse sentido, das tecnologias e práticas de mitigação apontadas pelo relatório do IPCC (2007:16-17), a oferta de energia corresponde a quase 50% dos textos que abordam ações mitigadoras na mídia impressa brasileira. Com quase metade das menções aparece o tema das florestas e uso do solo – mesmo esse item sendo responsável por 75% das emissões de dióxido de carbono no Brasil. Com menor presença, são mencionadas as iniciativas na área de transportes, indústrias, resíduos, agricultura e edificações (veja Tabela 3).

Tecnologias/práticas

Oferta de energia 48,6%

Florestas e uso do solo 23,1%

Transporte 9,4%

Indústria 6,5%

Resíduos 6,5%

Agricultura 3,1%

Edificações 0,5%

Outros 2,4%

Total 100%

Tabela 3 – Tecnologias e práticas de mitigação

* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

** 41,7% trazem tecnologias e práticas de mitigação

Uma última análise sobre os conteúdos que tratam especificamente da questão da mitigação pode ser relevante. Em 66% desses textos, os diários analisados trouxeram os responsáveis pelas estratégias mitigadoras.

Setor privado, governo brasileiro e governos estrangeiros, nesta ordem e com pequenas va-riações percentuais entre si, aparecem como os principais autores das estratégias de mitiga-ção. Não obstante, quando focalizamos tecnologias ou práticas específicas – oferta de energia, transporte, etc. – encontramos diferenças não desprezíveis entre esses atores. Assim, o go-verno brasileiro aparece como o principal responsável pelas estratégias relacionadas ao uso do solo (33,8%), enquanto os governos estrangeiros têm a liderança no tocante à oferta de energia (28,6%) e o setor privado nas tecnologias e práticas relacionadas à agricultura (71,4%) e à indústria (47,1%).

27

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

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Tecnologias e práticas de mitigação / atores responsáveis

Atores

mencionados

como

responsáveis

Oferta

de

energia

Trans-

porte

Edifi-cações

Indús-

tria

Agricul-

tura

Florestas

e uso do

solo

Resí-

duosOutros Total

Governo

brasileiro20,6% 22,2% - - 14,3% 33,8% 21,1% 28,6% 22,7%

Legislativo 1,6% - - - - 4,4% - - 1,8%

Governos

estrangeiros28,6% 11,1% - 17,6% - 13,2% 5,3% 28,6% 19,8%

Organismos

internacionais7,9% 3,7% 50,0% 5,9% - 4,4% 5,3% 14,3% 6,6%

Setor

Privado21,4% 14,8% 50,0% 47,1% 71,4% 17,6% 36,8% 14,3% 23,8%

Sociedade civil

organizada- 7,4% - - - 8,8% - 14,3% 3,3%

Sociedade

em geral1,6% 3,7% - - - 4,4% 5,3% - 2,6%

Famílias 0,8% - - - - - - - 0,4%

Indivíduos 1,6% 3,7% - 17,6% 14,3% 5,9% 10,5% - 4,8%

Outros 2,4% - - - - - - - 1,1%

NFPI 13,5% 33,3% - 11,8% - 7,4% 15,8% - 13,2%

Tabela 4 – Principais responsáveis pelas estratégias de mitigação

* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

** 41,7% do total de textos abordam tecnologias e práticas de mitigação;

*** 66% dos textos que abordam tecnologias e práticas de mitigação apontam responsáveis.

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

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Mudanças Climáticas: assumir as evidências e aprofundar as explicações

As evidências científicas avassaladoras às quais faz referência os relatórios do IPCC – e muitos outros – não permitem que os interlocutores mais variados sobre o tema, incluindo a imprensa, coloquem em dúvida a existência das Mudanças Climáticas, suas causas e muitos dos seus efeitos. É esse princípio que justifica, por exemplo, o comportamento da mídia impressa em não colocar em questão a eficácia da campanha de vacinação contra a Poliomielite.

Nesse sentido, constitui-se elemento fundamental compreender se a cobertura da mídia im-pressa brasileira já está de tal forma convencida da existência das alterações climáticas – e das políticas públicas que devem ser adotadas, assim como das variadas causas do problema –, que basta abordar o tema, sem maiores explicações. Tal comportamento deixa a entender que as Mudanças Climáticas são tratadas como se fossem uma pauta em si mesma, um assunto que se encerra com o seu próprio enunciado.

Da mesma forma que não é bom jornalismo apenas dizer que mais uma campanha contra a pólio vai ocorrer – ainda que não seja necessário colocar em dúvida sua pertinência –, não é bom jornalismo apenas propagar, instrumentalmente, a existência das Mudanças Climáticas e a urgência em resolvê-las. As campanhas precisam ser questionadas quanto à sua amplitude, quanto ao método, quanto ao custo, quanto a estarem ou não atingindo as populações mais distantes do País e quanto a aproveitar o momento para socializar junto à população outros esclarecimentos sobre saúde pública. Agendar, portanto, as alterações climáticas – e seus prin-cipais temas correlatos – é uma forma limitada de conduzir, jornalisticamente, a construção da pauta. Mas, isso ocorre?

Conforme revelam os indicadores apontados pela presente pesquisa, somente 1,1% dos tex-tos analisados apresenta um conceito de Mudanças Climáticas. É preciso destacar, no entanto, que a complexidade da temática não permite supor que os mais variados interlocutores de um texto jornalístico (inclusive os tomadores de decisão e os formadores de opinião) estão fami-liarizados com o seu significado.

Em 17,11% dos casos – percentual bem mais significativo – as redações se preocuparam em apresentar evidências da ocorrência das Mudanças Climáticas. Comparados com os 1,1% acima, temos um enorme diferencial. Porém, não estamos diante de um questionamento válido (deve ser assim?) quando constatamos que em mais de 80% dos textos simplesmente se assume a exis-tência do problema, sem serem apresentadas as informações que dão sustentação à afirmação.

O cenário melhora razoavelmente quando verificamos a preocupação dos veículos em sublinhar a gravidade da questão: 23,6% dos textos trazem essa abordagem. Cerca de 27% do material analisado busca deixar clara a necessidade de redução dos gases geradores do efeito estufa.

Cabe a indagação: sendo esses os números médios, muitos veículos não estariam deixando de assumir as Mudanças Climáticas como um dado concreto e, portanto, uma questão que dispen-saria um nível mais aprofundado de detalhamento?

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Riscos, incertezas e probabilidadesUm dos riscos envolvidos nessa lógica da cobertura é que o debate se constitua em uma bandeira de luta e não em um tema a ser abordado com todos os rigores demandados pelo jornalismo. Por outro lado, a falta de profundidade e contextualização pode criar o chamado “bode expiatório”, ou seja, aos olhos dos leitores, todos os problemas ambientais passariam a estar conectados às Mudanças Climáticas: chuvas de granizo, enchentes, seca, etc. E o que é pior: ao transformar as alterações climáticas em um problema circular – gi-rando em torno de si mesmo – podemos perder de vista que, de fato, as modificações são conseqüências de problemas que podem e devem ser trabalhados a partir da construção de políticas públicas específicas, alterações no estilo de vida, entre outros.

O que explicaria, portanto, esse tipo de cobertura? Certamente, muitos são os fatores que podem ser apontados. Um dos aspectos freqüentemente levantados pela literatura é que a ciência trabalha com probabilidades, enquanto a mídia com certezas. Logo, enquanto no campo científico se produz um discurso de possibilidades – dentro de margens de erros e acertos –, no âmbito da imprensa se produzem afirmações (Weingart, Engels e Pansegrau, 2000:273). A hipótese é compreensível. Entretanto, não está livre de uma análise mais aten-ta. A percepção de que a mídia tende a trabalhar com certezas não estaria vinculada a uma idéia de jornalismo científico fortemente focado nas chamadas ciências duras?

Vale lembrar que na cobertura dos processos eleitorais, o jornalismo não se arrisca em dizer quem vai ganhar ou perder, se limitando a reproduzir as incertezas levantadas pe-las pesquisas eleitorais. Da mesma forma, ao entrevistar um criminologista que avalia as chances de uma determinada política pública reduzir os índices de violência, o repórter também busca pautar a abordagem dentro das limitações do modelo criado. É assim quan-do se especula sobre o corte na taxa de juros, sobre o que vai acontecer com o PIB, entre outros temas.

Em outras palavras, podemos dizer que é sim possível fazer jornalismo valendo-se de inter-valos de interpretação. Se há certezas quanto a alguns pontos, excelente, vamos apresen-tá-las. Porém, se há dúvidas, é necessário discuti-las. As probabilidades, deste modo, não impedem nem o trabalho dos jornalistas, nem dos formuladores de políticas públicas, como lembra o Pnud:

O fato de não conhecermos as probabilidades de tais perdas [decorrentes das Mudanças Climáticas], ou quando terão lugar, não é um argumento válido para não tornarmos medidas de precaução. Sabemos que o perigo existe. Sabemos que os danos causados pela emissão dos gases com efeito de estufa serão irreversíveis por muito tempo. Sabemos que os danos aumentarão por cada dia em que não atuarmos. (Pnud, 2008: V)

Opiniões divergentesPartindo do pressuposto de que as mudanças climáticas, suas causas, seus principais efeitos e várias das soluções de mitigação e adaptação estão identificados de maneira definitiva – e, logo,

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passível de pouca ou nenhuma divergência –, entendemos ser importante salientar como o princípio básico do jornalismo – ouvir e apurar opiniões diversas e antagônicas – pode e deve ser respeitado.

Apesar da relevância de se promover uma ampla discussão, a partir de diferentes enfoques, chama a atenção o fato de que apenas 9,5% dos textos apresentam opiniões divergentes – mesmo 39% tendo trazido mais de uma fonte. Sobre esse aspecto é preciso tecer algumas res-salvas importantes. Primeiro, há uma polêmica gerada por posicionamentos críticos à evidência científica em relação à existência das Mudanças Climáticas e suas conseqüências, bem de suas causas antropogênicas.

O debate não é simplista. De um lado, utiliza-se a argumentação – nem sempre válida para todos os perfis de noticiário – de que é princípio fundamental do jornalismo a apresentação de um tratamento editorial equilibrado entre diferentes opiniões. De outro, pesquisadores como Boykoff e Boykoff (2004:126) recordam que a tese da cobertura equilibrada – mesma quanti-dade de linhas para um lado e para o outro – embute uma armadilha: é muito mais fácil explicar o status quo do que as alterações no discurso corrente.

O debate pode estar fora de foco, por ambas as partes, quando levamos em conta os seguintes aspectos:

• Apresentar opiniões divergentes não significa avalizá-las e muito menos descontextualizá-las. Por exemplo, se são dez os artigos científicos contra a existência de causas antropo-gênicas e 1.000 defendendo sua existência, é preciso alertar o leitor.

• A apresentação dessas opiniões, sempre que necessário, requer a discussão das creden-ciais dos interlocutores. Por exemplo, quem financia as pesquisas conduzidas.

• Ainda que haja questões para as quais há bastante consenso entre a comunidade científi-ca, há outras para as quais existe muita divergência, seja entre pesquisadores, seja entre os tomadores de decisão. O convívio democrático implica registrar tais discordâncias.

É digno de nota que, dentre as poucas matérias que trazem opiniões divergentes (9,5%), essas oposições dizem respeito a pontos sobre os quais, de fato, pode haver conflito: as soluções a serem implementadas (44,2%) e a real dimensão das Mudanças Climáticas (28,4%).

Também no caso das informações científicas começa a existir uma preocupação quanto à questão: 30% dos textos mencionam algum tipo de informação científica/técnica. Porém, menos de 8% desse material traz as fontes de financiamento das pesquisas. Vale lembrar que, recentemente, a The Union of Concerned Scientists (2007) publicou extenso relatório demonstrando as estratégias da empresa ExxonMobil para gerar incertezas sobre o debate acerca das Mudanças Climáticas.

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INFORMAÇÃO CONTEXTUALIZADA

Avaliar se uma determinada cobertura oferece o contexto “ideal” para o mais abrangente en-tendimento possível de uma dada temática é tarefa de difícil execução. Por outro lado, não nos parece impossível indicar elementos que, uma vez presentes na cobertura, apontam para a inegável oferta de um maior volume de informações ao público atingido. Em princípio, apre-sentaremos duas categorizações já utilizadas em outras pesquisas realizadas pela ANDI, que analisam, respectivamente, a dimensão e o tipo de abordagem do tema.

Em questões muito amplas e dotadas de um número potencialmente elevado de interfaces com outras temáticas – caso das Mudanças Climáticas – é comum que a busca de textos por meio de palavras-chave acabe por incluir na amostra conteúdos que não estejam focados ne-cessariamente no tema em questão. Assim, é usual a presença de editorais, artigos, colunas, entrevistas e notícias que discutem centralmente outros assuntos e que, em algum momento da argumentação, incluem a reflexão que nos interessa mais de perto.

Quando tratamos de temas ainda não totalmente consolidados na cobertura, é importante medir, inclusive, essas menções laterais. É inegável, vale o registro, que tais referências acabam por incluir na amostra textos com menos contexto sobre o foco central da investigação.

Para contornar esse desafio, foi criada a tipologia já comentada acima que identifica os textos nos quais a menção às alterações no clima está em apenas uma linha, um parágrafo, uma retran-ca ou em toda o conteúdo analisado. De acordo com esse método, dois terços da cobertura (64,5%) dedicaram uma atenção considerável ou central às Mudanças Climáticas.

Mais do que identificar o espaço dedicado ao tema, é importante compreender qual o grau de contextualização alcançado pelo texto. Nesse sentido, a cobertura foi dividida em cinco níveis, sendo três relacionados a partir de uma perspectiva menos opinativa (factual ou prati-camente sem contexto; contextual simples, com poucas informações adicionais; e contextual explicativa, que são os textos que oferecem um conjunto abrangente de informações). Dois outros níveis buscam identificar a contextualização a partir da relação com os conteúdos de opinião (avaliativo e propositivo).

Na análise geral, é possível identificar que o material que traz uma abordagem contextual explicativa ainda aparece com um percentual pequeno (7,8%), sendo a cobertura dominada pelos textos com um menor volume de informações sobre a questão em pauta. Entretanto, comparativamente a outras análises de ANDI, há um expressivo conjunto de textos com uma perspectiva avaliativa, o que, como veremos, é decorrente do elevado percentual de textos opinativos na amostra (editoriais, artigos, colunas, entrevistas).

Elementos de contextoHá, complementarmente, um conjunto de parâmetros cuja presença aponta para uma maior contextualização do tema centralmente abordado pelo autor do texto.

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Dimensão

Mínima 13,4%

Mínima-Média 22,1%

Média 31,8%

Alta 32,7%

Total 100%

Tabela 5 – Dimensão da Cobertura

* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

Abrangência / Nível de abordagem

Fatual 17,0%

Contextual 56,1%

Contextual explicativo 7,8%

Avaliativo 19,0%

Propositivo 0,2%

Total 100%

Tabela 6 – Abrangência/Nível de Abordagem do Assunto

* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

Dos conteúdos analisados, 40% mencionam dados e estatísticas – um número razoavelmente elevado, porém revelador do percentual da cobertura que ainda pode se aprofundar na temática. Desses, 34,6% compararam, de alguma forma, os percentuais ou números apresentados. É inte-ressante notar que não há concentração em uma fonte estatística particular. Ou seja, as informa-ções acabaram compondo a pauta a partir de variados pólos produtores de conhecimento.

No que se refere à menção a aspectos como legislação, documentos e relatórios, ocorre algo semelhante: o volume de textos que os trazem são da ordem de 36% e, dentre esses, 38,7% aprofundam a abordagem, sublinhando características específicas desses marcos legais e outros tipos de documentação. Aqui, entretanto, encontramos um tipo de concentração que merece atenção: as menções estão focadas nos diplomas legais e documentos internacionais.

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O Protocolo de Quioto conta com 17,3% das menções e o Relatório do IPCC com 7,7%. Vale salientar que, quando olhamos para os marcos legais nacionais, a Constituição Federal aparece em 0,4% dos textos e a Legislação Ambiental do País em 0,2%. Estes dados reforçam a idéia já exposta de que a mídia nacional centrou sua cobertura em aspectos consolidados – no cenário internacional – do debate sobre as Mudanças Climáticas. De fato, nossa Constituição e nossa legislação ambiental trazem pouca ou nenhuma especificidade sobre o tema. Tal característica não seria, por si só, uma questão de interesse jornalístico?

Outros três parâmetros podem ajudar na caracterização da cobertura como mais ou menos con-textualizada: enquanto 31,4% dos textos trazem fontes científicas/pesquisas, apenas 4% explicam as terminologias científicas utilizadas e 3,2% apresentam referências bibliográficas. Com isso, limita-se a capacidade de compreensão de parte do público e não se contribui para que uma outra parcela, potencialmente interessada, acesse conteúdos nos quais poderiam se aprofundar na temática.

Partes do contextoA inclusão – ou supressão – de determinados atores também pode indicar o nível de contextu-alização dos conteúdos publicados pelas redações. Diferentes personagens não só apresentam perspectivas ideológicas e interesses diversos, como, não raro, são portadores de conhecimen-tos complementares sobre uma mesma questão.

A análise da presença (ou ausência)11 de um conjunto bastante diversificado de atores na co-bertura sobre Mudanças Climáticas ainda aponta a necessidade de ampliar o rol de perspectivas trabalhadas pelos meios de comunicação, além de revelar algumas surpresas.

O Poder Executivo brasileiro, como já ocorre em outras pesquisas conduzidas pela ANDI, aparece à frente na lista de atores mais mencionados. Não obstante, é seguido de perto pelos governos de outros países, o que reforça a já mencionada internacionalização do noticiário.

Dentre os Ministérios com potencial de produção de reflexões, políticas e discursos sobre a questão, há uma presença não desprezível – mas também não avassaladora – do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e uma quase ausência das demais pastas. A presença de outros poderes ainda não se dá de maneira significativa. A exceção é o Poder Legislativo que, a despeito das diferentes ações que conduziu e tem conduzido sobre o tema, recebe um volume de menções um pouco inferior ao do MMA.

No caso do Setor Privado, há uma surpresa na análise desse aspecto, especialmente na compa-ração com pesquisas sobre políticas públicas já conduzidas pela ANDI. Atores ligados ao seg-mento empresarial aparecem à frente de Universidades e Instituições de Pesquisa, Organizações Internacionais e, inclusive, das Organizações da Sociedade Civil12. No caso desse último grupo, a presença nos textos foi, comparativamente a outros estudos coordenadas pela ANDI, uma das menos expressivas.

11 Esta é uma medida que contabiliza a presença ou ausência destes atores nos textos a partir de quaisquer ângulos, isto é, o fato de estarem presentes pode signi!car simplesmente uma menção ao ator ou que o mesmo tenha sido ouvido como fonte primária da notícia.12 Vale ressaltar que quando analisamos especi!camente o papel destes atores enquanto fontes primárias temos resultados diferentes. Veja tabela 16 à página 49. 34

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Atores Presentes

Poder executivo (sem menção a órgãos específicos) 43,4%

Ministério do Meio Ambiente 10,2%

Ministério da Agricultura 2,3%

Ministério das Minas e Energia 2,1%

Ministério do Planejamento 1,2%

Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio 0,9%

Ministério da Fazenda 0,7%

Ministério do Desenvolvimento Agrário 0,4%

Agências Reguladoras 1,2%

Poder Judiciário 1,4%

Ministério Público 1,2%

Legislativo 10,1%

Governos estrangeiros 41,4%

Organizações Internacionais 28,2%

Setor Privado 34,1%

Fundações/Institutos Empresariais 8,2%

Universidades, Instituições de Pesquisa, Comunidade Científica 32,5%

Organizações da Sociedade Civil 22,3%

Tabela 7 – Atores presentes nos textos

*Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

** A questão permitia mais de uma marcação, logo os resultados podem somar mais de 100%

*** Nos casos em que não havia menção exclusiva a um dos outros órgãos do Poder Executivo mencionados na

tabela.

**** O Ministério dos Transportes foi pesquisado, mas não recebeu nenhuma menção no período analisado.

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Contextos específicosA investigação avaliou um conjunto bastante significativo de questões específicas fortemente vinculadas à agenda das Mudanças Climáticas, aspecto que pode apontar para uma maior con-textualização da discussão.

Adicionalmente, seria possível focar a atenção sobre um expressivo volume de dados acerca dessas questões – possibilitando a realização de uma ampla gama de sub-pesquisas. A proposta é que essa análise seja realizada em etapas posteriores do projeto.

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Uma das particularidades avaliadas foi a menção aos gases geradores do efeito estufa. Em 45% dos textos, há citação a um ou mais gases. Os “gases em geral” e o dióxido de carbono são os mais mencionados e os aerossóis praticamente não fazem parte da cobertura.

Dos textos que mencionam gases, um pouco menos da metade (47,8%) aponta as fontes de emissão. Os principais atores mencionadas pela literatura aparecem na cobertura da imprensa: atividade industrial, combustíveis, queimadas, desmatamentos e meios de transporte.

Por outro lado, temas de alta relevância para o contexto das disputas no cenário internacional e mesmo nacional acabaram passando ao largo da cobertura. Cerca de 4% dos textos salientam as diferenças no volume de emissões entre os países e 0,3% atenta para as diferenças no volume de emissões entre os estados brasileiros. Um percentual mais expressivo, no entanto, sublinha a existência de obrigações ou metas de redução (10,8% daquelas que mencionam gases).

Fontes de energiaNão é somente para os textos que trouxeram a temática da mitigação, conforme já men-cionado anteriormente, que a cobertura concentrou esforços não desprezíveis na discussão envolvendo questões energéticas: 43% de todos os textos da amostra trazem algum tipo de informação nesse sentido. Dentre esses conteúdos, há uma forte concentração nos combustí-veis fósseis (70%). Além disso, discussões relacionadas ao etanol (26%) e aos biocombustíveis (22%) também aparecem com algum destaque.

No que se refere à apresentação de estratégias para a redução do uso de combustíveis fósseis, vale ressaltar que as redações se preocuparam em colocar em debate um conjunto razoavel-mente amplo de possibilidades. Os resultados da pesquisa revelam uma distribuição equili-brada – com exceção do tema “substituição do carbono por outros combustíveis” – entre as diferentes estratégias quando, inicialmente, considerava-se a hipótese de que o comércio de emissões/mercado de carbono apareceria com mais destaque. De certa forma, o debate foi influenciado pelas discussões envolvendo o etanol e os biocombustíveis.

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Tabela 8 – Estratégias para a redução de combustíveis fósseis

Estratégias abordadas

Substituição do carbono por outros combustíveis 30,3%

Comércio de emissões/ mercado de carbono 16,3%

Desenvolvimento de tecnologias limpas 12,6%

Estratégias gerais para a redução da demanda 9%

Desenvolvimento de tecnologias com baixo consumo de carbono 4,7%

Substituição do carvão e petróleo por gás natural 4,7%

Aumento da eficiência no consumo de carbono/ combustíveis fósseis

3,3%

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* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

** A questão permitia mais de uma marcação, logo os resultados podem somar mais de 100%

A ótica de cidadãos e cidadãsNeste item talvez resida uma das maiores surpresas da cobertura: a baixa presença de grupos populacionais específicos. De modo geral, a imprensa brasileira dedica pouca atenção a indi-víduos e grupos determinados (12,7%). (veja tabela 9)

Essa não é uma questão de menor envergadura, visto que os organismos internacionais e espe-cialistas têm ressaltado que as populações pobres serão as que mais sofrerão os impactos das alterações no clima (2,3% dos textos ressaltam este ponto). Segundo aponta o Pnud:

Os primeiros sinais de alerta são já perceptíveis. Hoje, testemunhamos em primeira-mão o que pode ser o início do maior retrocesso em desenvolvim-ento humano durante o nosso período de vida. Nos países em vias de desen-volvimento, entre as populações mais pobres do mundo, milhões de pes-soas são já obrigadas a lidar com os impactos das alterações climáticas. (Pnud, 2007:1)

As alterações climáticas exigem neste momento uma ação urgente para lidar com uma ameaça a dois grupos de eleitores com fraca voz política: os pobres do mundo e as gerações futuras. (Idem, 2)

Cerca de 262 milhões de pessoas foram anualmente afetadas por desastres climáti-cos entre 2000 e 2004, mais de 98% nos países em vias de desenvolvimento. (Idem, p. 8)

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Transporte alternativo/ coletivo 3,3%

Repensar modelo atual de produção e consumo 3,0%

Alteração no preço do carbono/ combustíveis fósseis 2,3%

Limites obrigatórios para emissão de carbono 2,3%

Mecanismo de Desenvolvimento Limpo 2%

Taxação/ impostos elevados para combustíveis fosseis 1,3%

Outros 1%

NFPI 24,3%

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Foco na economiaPor fim, não poderíamos deixar de analisar parâmetros que podem confirmar – ou negar – a existência de uma cobertura preocupada em apontar as características econômicas da discussão acerca das Mudanças Climáticas.

Conforme veremos em detalhes abaixo, na discussão sobre enquadramentos, não são poucos os textos que trazem como principal ângulo da reflexão sobre Mudanças Climáticas a perspectiva econômica (cerca de 20%). Sem embargo, afirmar que o tema está relacionado principalmente com o debate econômico não é o mesmo que oferecer aos leitores elementos que concretamente esclareçam e contextualizem esta relação.

Os dados apontam para uma baixa contextualização no que se refere a esse item específico: 9,7% centram-se nos custos; 8% sublinham oportunidades; 7% abordam benefícios econômi-

Públicos

População urbana 17,3%

População litorânea 9,4%

População rural 7,9%

População de países em desenvolvimento 6,3%

População ribeirinha 6,3%

Povos das florestas 3,9%

População em áreas atingidas pela seca 3,1%

População de cidades baixas 1,6%

População de periferias urbanas 0,8%

Povos indígenas 0,8%

Outros 6,3%

Há públicos mencionados, porém sem um recorte claro 36,2%

Tabela 9 – Públicos mencionados

* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

** 12,7% do total de textos mencionam a população de alguma forma

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cos; 6% trazem uma reflexão sobre os padrões de consumo das sociedades contemporâneas; 2,2% dos textos relacionam o tema com impactos no PIB; e 2,3% mencionam modelos econômicos. Este é um debate fortemente introduzido pelo Relatório Stern e que se colo-ca como mais um caminho para a diversificação da cobertura da imprensa brasileira sobre a questão. Segundo Stern (2006:i e ii):

A mitigação – tomada de medidas fortes para reduzir emissões – deve ser vista como um investimento, um custo ao qual se incorre agora nas próximas décadas para evitar os riscos de conseqüências muitos severas no futuro. Se estes investimentos forem feitos sabiamente, os custos serão gerenciáveis, e haverá um amplo espectro de oportunidades para o crescimento e desenvolvi-mento ao longo do caminho.

A partir de todas estas perspectivas, a evidência coletada pelo Estudo leva a uma conclusão simples: os benefícios de uma ação forte e rápida consider-avelmente compensarão os custos. A evidência mostra que ignorar as mu-danças climáticas irá, eventualmente, prejudicar o crescimento econômico (p. ii)

Ainda no campo da contextualização econômica, é importante salientar que os textos omitem um debate da maior relevância: aquele que identifica os interesses em jogo. Do total de textos analisados, 8% trazem essa discussão.

É importante salientar a centralidade dessa questão, especialmente em coberturas compostas por elementos complexos como é esta, inclusive do ponto de vista científico. Tomadores de decisão, formadores de opinião e, especialmente, cidadãos necessitam compreender de que lado estão as forças que organizam o jogo político e social quando um tema como este está na agenda.

Recentemente, pesquisa divulgada pelo semanário britânico The Economist afirma que enquanto 53% dos democratas entendem que o principal problema ambiental do planeta são as Mudanças Climáticas, apenas 9% dos republicanos fazem a mesma avaliação. Vale destacar que esta é uma detecção – e, ao mesmo tempo, um resultado – dos interesses envolvidos nessa disputa. Logo, omiti-los contribui, em muito, para reduzir a capacidade de compreensão da temática.

Viola (2002:29-30) também apresenta que o desejo de manutenção dos padrões de consumo por parte das populações de países desenvolvidos e os conflitos de interesses entre os países fazem parte do rol de informações necessárias para o entendimento do debate sobre o aqueci-mento global. Mais uma vez, está em jogo a relevância dos interesses envolvidos.

Por fim, parece muito aquém do possível o percentual de textos que tecem interrelações com o debate mais amplo da globalização (2,3%); o número é pouco expressivo especialmente por estarmos diante de um regime internacional de tamanha complexidade (Viola, 2002:26).

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ENQUADRAMENTOS

Tal como ocorre com a função midiática de informar de maneira contextualizada o seu público, o enquadramento dado a um determinado assunto também contribui para que seu agendamento caminhe em uma ou outra direção.

Para efeitos de comparação, tomemos como exemplo a cobertura de violência. Um mes-mo fato – o assassinato de um jovem, por exemplo – pode ser abordado a partir de uma perspectiva estritamente individual (aquele caso e seus contornos mais próximos) ou a partir de um enquadramento de políticas de segurança pública (por que tantos jovens morrem assassinados no Brasil? Em que pontos falham as políticas?).

Nesse sentido, esse eixo de análise buscará identificar a partir de quais ângulos foi repor-tado, no período pesquisado, o debate sobre as Mudanças Climáticas.

Desenvolvimento em segundo planoA Tabela 10 talvez apresente uma das principais revelações do estudo realizado pela ANDI com o apoio da Embaixada Britânica no Brasil. Os dados analisados demonstram que a imprensa brasileira costuma discutir as Mudanças Climáticas e seus temas correlatos sem relacioná-los com a agenda mais ampla do desenvolvimento e do crescimento – em quais-quer de suas vertentes. Do total de textos analisados, cerca de 13% buscaram traçar esse paralelo.

O Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), trata exatamente dessas correlações. Ainda que te-nha sido publicado em um período posterior ao analisado pela presente pesquisa, o documento traz um conjunto de informações altamente relevantes que já poderiam ter sido levantadas pela imprensa. Vamos aos pontos salientados pelo Pnud:

A longo prazo, as alterações climáticas são uma ameaça massiva ao desenvolvi-mento humano e, em alguns lugares, já minam os esforços da comunidade inter-nacional para reduzir a pobreza extrema. (Pnud, 2007:V)

Este progresso em desenvolvimento é, cada vez mais, interrompido pelas al-terações climáticas. Por isso, devemos encarar a luta contra a pobreza e a luta contra os efeitos das alterações climáticas como um conjunto de esforços interrelacionados, que mutuamente se acentuam, pelo que o sucesso deve ser alcançado em ambas as frentes. (Idem, VI)

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Tabela 10 - Foco desenvolvimento

Estratégia de desenvolvimento mencionada

Desenvolvimento Sustentável 9,1%

Crescimento Econômico 2,6%

Desenvolvimento Econômico 1,2%

Desenvolvimento Humano 0,1%

Desenvolvimento Social 0,1%

Não menciona estratégia de desenvolvimento 86,9%

Total 100%

* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

Cerca de 13% dos textos apresentam alguma reflexão sobre o modelo de desenvolvimento. Em 2,2% é sublinhado um debate relacionado à idéia de progresso – ainda que 6% chamem a atenção para os padrões de consumo da sociedade atual. Por fim, somente 0,5% do ma-terial destaca as Metas Milênio e 0,2% faz referência ao IDH. Nesse sentido, vale ressaltar algumas questões destacadas pelo Relatório de Desenvolvimento Humano:

Calculamos neste relatório que, se todos os povos do mundo emitissem gases com efeito de estufa ao mesmo nível de alguns países industrializados, precisaríamos de nove planetas. (Pnud, 2007: 3)

Uma das lições mais difíceis que as alterações climáticas nos ensinam é que o modelo económico subjacente ao actual crescimento, e o consumo imoral nos países desenvolvidos que lhe é inerente, é ecologicamente insustentável. (Idem,16)

O combate às alterações climáticas exige que coloquemos imperativos ecológicos no coração da economia. Esse processo tem que começar no mundo desenvolvido – e tem que começar hoje. (Idem, 16)

Ao abdicar – ou ao perder o foco – de um debate sobre Mudanças Climáticas que pu-xasse o fio do novelo pela ponta do desenvolvimento, a imprensa acabou por perder a oportunidade de deslocar a discussão de seu lugar-comum e conectá-la a um conjunto de elementos mais amplos. Essa atuação talvez fosse mais adequada para parte dos atores potencialmente interessados e capazes de operá-la politicamente.

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Foco institucionalOutro aspecto avaliado diz respeito à perspectiva institucional dos textos jornalísticos. A proposta desse item de análise é averiguar se o tema está sendo abordado, central-mente, a partir das responsabilidades inerentes às grandes instituições que conformam as democracias contemporâneas.

Nesse sentido, um texto sobre alterações climáticas enquadrado a partir do ângulo institucional do Poder Executivo, por exemplo, deveria estar vinculado a uma discussão sobre políticas públicas governamentais – fundamental para o aprofundamento do debate.

Na análise desse aspecto, os resultados do presente estudo ficaram, comparativamente, atrás de outras 13 pesquisas coordenadas pela ANDI, em um total de 17 já realizadas.

Em 20% do material sobre Mudanças Climáticas analisado, não foi possível sequer identificar o enquadramento institucional existente. Muito provavelmente, por se tratarem de matérias que abordam o assunto a partir de uma perspectiva temática e institucional – focada no meio ambiente, por exemplo.

Aqui certamente reside outro caminho a ser trilhado pela cobertura: abordar o tema a partir dos arranjos institucionais existentes nas sociedades pode colaborar, em muito, para que a discussão saia do abstrato e passe a ser considerada a partir da ótica da formulação e execução de políticas públicas.

Chama a atenção nesse contexto o fato dos organismos multilaterais não terem recebido atenção mais expressiva por parte das redações – somente 6,4% do material traz esse enquadramento. A perspec-tiva institucional predominante na cobertura é dividida entre go-vernos (24,2%), instituições de ensino e pesquisa (14,4%), setor privado (12,5%) e o enfoque in-tersetorial (11,8%). Nesse ponto, encontra-se mais uma possibilida-de de avanço, dado que sem uma força multilateral mais coesa, os acordos que precisam ser tecidos demorarão mais a se concretizar. É o que afirma o relatório do Pnud:

Tabela 11 – Enquadramento do foco central

Perspectiva institucional

Poder Executivo 24,2%

Instituições de ensino e pesquisa 14,4%

Setor Privado 12,5%

Intersetorial 11,8%

Organismos Internacionais 6,4%

Organizações da Sociedade Civil 5,2%

Poder Legislativo 3,9%

Movimento social 1,9%

Poder Judiciário 0,3%

Não há enquadramento institucional 19,3%

Total 100%

* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

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O problema mais profundo é que falta ao mundo uma estrutura multilateral cla-ra, credível e duradoura que estabeleça um percurso que evite as alterações climá-ticas – um percurso que abarque a divisão entre os ciclos políticos e os ciclos de carbono. Quando terminar o prazo, em 2012, do atual compromisso definido no Protocolo de Quioto, a comunidade internacional terá oportunidade de materializar essa estrutura. Será necessária uma liderança corajosa para aproveitar essa oportu-nidade. Não a aproveitar irá deixar o mundo no caminho das alterações climáticas. (Pnud, 2007:5)

Dentre os 24,2% dos textos que conferem um enquadramento governamental à questão, cabe ressaltar que há, surpreendentemente, uma predominância das políticas desenvolvi-das por governos estrangeiros (cerca de 45%). As ações relacionadas ao governo federal brasileiro respondem por 28% do material pesquisado, seguida à distância pela atuação dos poderes executivos estaduais e municipais. O que se infere, portanto, é que a impren-sa escrita do País trata as Mudanças Climáticas mais como uma agenda externa do que doméstica, e prioritariamente federal do que local – ao contrário do que acontece, por exemplo, nos Estados Unidos, onde os estados têm mais força e, de fato, desempenham políticas para o setor.

Tabela 12 – Nível governamental mencionado no enfoque principal

Nível de Governo

Governos estrangeiros 44,8%

União (Governo Federal) 27,8%

Estados (Governos Estaduais) ou Distrito Federal (GDF) 11,6%

Parceria/Regime de colaboração entre governos nacionais 6,2%

Municípios (Administrações Municipais) 5,0%

Parceria / Regime de Colaboração União/Estados 1,7%

Parceria / Regime de Colaboração União/Municípios 0,8%

Parceria / Regime de Colaboração Estados/Municípios 0,4%

Parceria/ Regime de Colaboração nos três níveis 0,4%

Não está explícito/não foi possível identificar 1,2%

Total 100%

* 24,2% dos textos tinham um enquadramento de poderes executivos

**Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

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A perspectiva temáticaA análise dos enquadramentos temáticos dispensados aos focos centrais dos textos jor-nalísticos analisados também aponta para um conjunto relevante de observações. Ainda que o enquadramento ambiental tenha predominado (exceto para os jornais econômicos), como era de se esperar, a perspectiva econômica/financeira também recebeu um expres-sivo destaque, tendo sido a segunda mais presente no conteúdo pesquisado – alavancada, principalmente, pelos jornais econômicos, pelos debates sobre energia e por colunistas das áreas que deram destaque ao tema. O terceiro enquadramento mais comum foi aquele relacionado à perspectiva política e só então aparece a abordagem de cunho científico, re-sultado que certamente contradiz a idéia de que esse é um debate restrito aos especialistas no assunto.

Tais resultados demonstram que a mídia vem, em parte, diversificando as formas de abordar o debate sobre as alterações climáticas – ainda que o enquadramento sob o prisma econômico, ainda seja, como vimos, superficial. Além disso, perspectivas comumente presentes no debate internacional (tecnológica, sociocultural, individual/mudança de comportamento) praticamente não fizeram parte do raio de atenção da mídia imprensa brasileira.

Tabela 13 – Enquadramentos temáticos por tipo de veículos

Enquadramentos temáticos Amostra Total

Amostra Jornais

Nacionais

Amostra Jornais

Econômicos

Amostra Jornais

Regionais

Ambiental 35,8% 31,9% 27,6% 38,8%

Econômica / financeira 19,7% 21% 35,4% 16,1%

Política 14% 18,8% 12,6% 12,6%

Científica 9,1% 10,9% 3,9% 9,5%

Agrícola 5,6% 3,9% 10,2% 5,3%

Sociocultural 4% 3,1% 0,8% 5%

Tecnológica 2,2% 1,7% 3,9% 2%

Individual ou comunitária (mudança de comportamento) 2,1% 1,7% - 2,7%

Saúde pública 1,7% 2,2% 0,8% 1,7%

Educacional 1,7% 1,3% - 2,2%

Jurídica 0,5% 0,4% 2,4% 0,2%

NFPI 3,5% 3,1% 2,4% 3,9%

Total 100% 100% 100% 100%

*Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas 44

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

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Causas, conseqüências e soluçõesComo sabemos, a apresentação de causas, soluções e conseqüências constitui um dos ele-mentos mais importantes na construção de uma perspectiva diferenciada para a cobertura de um determinado tema. Segundo os estudos do professor Shanto Iyengar, da Universidade de Stanford, apresentar causas e soluções significa, acima de tudo, apontar os responsáveis pelas questões em pauta. Esclarecimentos sobre as causas da ocorrência de um fenômeno ou pro-blema necessariamente trarão os envolvidos (a natureza, a humanidade ou, mais importante, atores específicos) nesta equação. Raciocínio semelhante se aplica às soluções.

Há uma tendência na cobertura jornalística sobre as Mudanças Climáticas – detectada inclusive por estudos internacionais (Stamm, Clark e Eblacas, 1997; Bell, 1994) – de salientar as conseqü-ências, geralmente negativas desse fenômeno, focalizando-se menos suas causas e soluções.

Na análise do tratamento editorial dispensado pela imprensa brasileira às alterações no clima, as causas foram apresentadas em 30,4% dos textos. Vale ressaltar que essas responsabilidades não são, necessariamente, apontadas para as Mudanças Climáticas, mas também para os temas correlatos analisados: efeito estufa, falha nas negociações internacionais, etc.

Dentre os textos que apresentam causas, predomina o enfoque nos aspectos naturais (46,5%) e em seguida aponta-se a atividade humana – reconhecendo-se como maiores responsáveis pelo problema os governos estrangeiros (14,2%), a sociedade em geral (9,6%), o governo brasileiro (7,3%) e o setor privado (7,3%).

Cobertura propositivaAs soluções aparecem em um volume um pouco mais expressivo de editoriais, artigos, colunas, entrevistas e notícias: 39,1%. Há um grande volume de textos (51,5%) que não trazem um debate sobre soluções, apesar de terem focalizado causas para os problemas discutidos. Conseqüentemente, também é alto (62%) o número de matérias que abordam soluções para questões acerca das quais não se apresentaram as causas.

Esse descompasso na abordagem do tema contribui para um outro desajuste: ao apresen-tar as soluções, a mídia aponta como principais responsáveis pela implementação dessas potenciais estratégias atores que não foram, na mesma proporção, identificados como envolvidos na produção dos problemas em pauta.

Assim, enquanto o Setor Privado é visto como responsável pelas causas discutidas em 7,3% dos tex-tos, é considerado parte das soluções em 20,3% – o que, de certa forma, cria uma imagem positiva destes atores, que acabam sendo vistos menos como culpados do que como possíveis colaboradores na solução do problema. O governo brasileiro (21%) e os governos estrangeiros (21%) dividem as primeiras posições entre os principais responsáveis por tentar equacionar as questões discutidas.

Por fim, as conseqüências são abordadas em 49,5% dos textos analisados. Dentro des-se universo de textos, houve uma expressiva concentração nas conseqüências ambientais (71%), seguidas pelas econômicas.

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

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Tabela 14 – Conseqüências

Áreas a que se referem as consequências mencioandas

Ambiental 70,9%

Econômica (e.g. Agrícola) 17,0%

Saúde Pública 6,1%

Segurança 1,8%

Sociocultural 2,8%

NFPI 1,4%

Total 100%

* 49,5% dos textos apresentam conseqüências

** Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

A MÍDIA COMO WATCHDOG

Para além da ausência de uma discussão mais ampla sobre os modelos de desenvolvimen-to, outro resultado preocupante deve ser destacado: a baixa presença de um tratamento editorial consistente no que se refere ao acompanhamento aprofundado e investigativo das políticas públicas.

Embora o governo brasileiro e os estrangeiros apareçam freqüentemente, é bastante re-duzido o percentual de textos que os cobram pela implementação de políticas específicas para a área (3% e 4,4% respectivamente). Como ilustração da idéia de cobrança dos governantes, o economista Jeffrey Sachs, da Universidade de Columbia, nos oferece, na edição de dezembro da revista Scientific American Brasil, um caso interessante de como se pode, com contundência, cobrar as instâncias governamentais nas discussões referentes às Mudanças Climáticas.

A corte [dos Estados Unidos] derrubou firmemente todas as defesas da agência [Ambiental dos Estados Unidos] para sua inação: notou que ela é obrigada a regular qualquer poluente deletério emitido por veículos motorizados; que o dióxido de car-bono claramente se encaixa nesta categoria; que Massachusetts decidira processar porque a mudança climática já estava erodindo parte de sua costa, e que o estado era vulnerável a perdas costais consideravelmente maiores neste século se a mudança climática não for mitigada. Além disso, enfatizou que mitigar as emissões de veículos nos Estados Unidos teria um efeito significativo no ritmo da mudança climática. Por todas essas razões, a Corte decidiu que a Agência era obrigada a agir.

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

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Investigando as ações públicas?A despeito de uma postura mais geral de cobrança por parte dos meios de comunicação, ou-tros indicadores avaliados pelo presente estudo permitem apresentar um quadro relativamen-te detalhado de como as iniciativas governamentais foram cobertas pela imprensa brasileira.

É importante ressaltar que 24% dos textos discutiram alguma política pública governa-mental (do Brasil ou de outros países). Desses, 9,1% abordam questões orçamentárias, 3,3% apresentam elementos de avaliação e monitoramento das políticas públicas e 3,7% trazem indicadores de resultados vinculados às ações mencionadas.

Por fim, cabe lembrar que mesmo 2006 tendo sido um ano de eleições nacionais no Brasil, apenas 4% dos textos publicados naquele ano estabeleciam interrelações entre as altera-ções climáticas e as propostas dos candidatos.

Outros atoresNão podemos deixar de reconhecer que não são apenas os governos que devem ser es-crutinizados pela imprensa. Todos atores que podem interferir na esfera pública por meio de suas “políticas” também podem e devem ser alvo de cobranças.

Esse é, no entanto, um aspecto pouco observado na produção do noticiário. Organizações Multilaterais (0,2%), Organizações da Sociedade Civil (0,2%) e Setor Privado (0,9%) são raramente cobrados nas matérias publicadas. A respeito dessa questão, o Pnud faz a se-guinte análise:

Na elaboração de boas políticas, é necessário levar em consideração o peri-go de uma cobrança excessiva nos controles burocráticos. Embora a lideran-ça governamental seja essencial à correção da enorme exterioridade que as alterações climáticas representam, há que colocar mercados e preços em fun-cionamento, para que as decisões setoriais privadas possam levar, mais natu-ralmente, a decisões ótimas de investimento e de produção. O carbono e ou-tros gases equivalentes têm de ter um preço para que o seu uso reflita o seu verdadeiro custo social. Esta deve ser a essência da política da mitigação. (Pnud, 2007:Vii)

No que se refere ao Setor Privado, outras questões devem ser sublinhadas. Apenas 1,2% dos textos aponta metas para a área e 2,2% trabalham a questão da Responsabilidade Social Empresarial – conceito que vem sendo utilizado pelas empresas para parte de sua política para o tema. Um único texto apresenta um indicador de res-ponsabilidade social empresarial e nenhum menciona o Pacto Global das Nações Unidas, compromisso mundial que agrega uma forte discussão sobre o papel das empresas frente ao contexto sócio-ambiental.

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

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QUESTÕES JORNALÍSTICAS

Não resta dúvida de que todas as reflexões tecidas anteriormente possuem implicações jornalísticas. No entanto, há alguns parâmetros analisados pela presente investigação que, independentemente da temática, são fortemente conectados a pesquisas sobre coberturas conduzidas pela imprensa.

Um primeiro aspecto que cabe ressaltar é que estamos diante de um material com um ele-vado índice de textos opinativos (editoriais, colunas, artigos e entrevistas). A despeito da relevância desses conteúdos, é principalmente por meio da reportagem que poderão ser suplantadas muitas das falhas de contexto e de ausência de uma postura mais investigativa na cobertura das políticas públicas.

Tabela 15 – Tipo de texto jornalístico

Tipo de texto

Matérias 73,3%

Artigos assinados 14,2%

Colunas ou notas de colunas assinadas 6,3%

Editoriais 3,3%

Entrevistas 2,8%

Total 100%

* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

Fontes ouvidasHá um volume expressivo de textos (28,5%) que não citam ou identificam as fontes con-sultadas. Por outro lado, conforme já salientamos, também encontra-se um percentual não desprezível de conteúdos que trazem mais de uma fonte (38,9%), ainda que sejam poucos aqueles que apresentem opiniões divergentes (9,5%).

Dentre os que explicitam os atores ouvidos, um resultado positivo chama a atenção. De maneira geral, não há uma concentração expressiva em uma ou duas fontes. Ou seja, na análise das fontes primárias constata-se que os jornais buscaram uma certa diversidade de referências. Mesmo assim, cabe ressaltar que, se forem somadas a presença dos poderes públicos brasileiros (22,9%) com a dos governos estrangeiros (15%), a voz oficial está presente em quase 40% dos textos.

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

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Tabela 16 – Principal fonte ouvida pela matéria

Fonte agregada

Poderes públicos 22,9%

Especialistas, técnicos e universidades 22,9%

Empresas não estatais 16,4%

Governos estrangeiros 15%

Organizações da Sociedade Civil 11%

Organismos Internacionais 6,5%

Crianças e adolescentes 1%

Líderes Comunitários 0,8%

Empresas estatais 0,6%

Sindicados e federações de trabalhadores 0,4%

Outros 2,2%

Total 100%

* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

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CONCLUSÃO

Os resultados do presente estudo apontam claramente para um crescimento expressivo da cobertura sobre Mudanças Climáticas a partir do último trimestre de 2006, especialmente nos jornais nacionais e de cunho econômico.

Uma das grandes questões que se colocam está relacionada à capacidade da mídia de manter esse volume mais amplo de cobertura, caso elementos semelhantes aos fatores específicos que alavancaram o crescimento registrado em 2006 não voltem a ocorrer. É sobretudo essa a hipótese considerada pelo presente texto de conclusão. Nesse sentido, vale citar as reflexões dos pesquisadores noruegueses Johan Galtung e Mari Ruge:

[...] uma vez que algo atingiu as manchetes e foi definido como “notícia”, ele con-tinuará a ser definido como notícia por algum tempo mesmo se a sua amplitude for drasticamente reduzida. (Galtung e Ruge, 1965:13)

O canal foi aberto e permanece parcialmente aberto para justificar sua abertura em primeiro lugar, parcialmente por conta da inércia no sistema e parcialmente porque o que era inesperado agora se torna familiar. (Idem, 67)

O economista norte-americano Anthony Downs avalia que há cinco estágios para o que ele chama de “ciclo de atenção a temáticas”:

1. O estágio pré-tema, que ocorre quando o problema existe, mas não recebeu muita atenção pública, mesmo que alguns especialistas e grupos de interesse já tenham so-ado o alarme.

2. A descoberta alarmada e o entusiasmo eufórico, que trata do período em que os males de um determinado problema chega ao público.

3. A percepção do custo para que progressos (soluções) significativos sejam alcançados.

4. O gradual declínio no interesse pelo tema, que está vinculado à percepção das difi-culdades para saná-lo.

5. O estágio pós-problema, quando o assunto entra em uma espécie de limbo.

Essa referência à forma como três importantes estudiosos da mídia pensam a permanência de temas no noticiário nos permitem inferir sobre em que fase a imprensa brasileira se encontra na cobertura de Mudanças Climáticas. Certamente, o tema já foi definido como notícia e os canais foram abertos, o que indica que passamos das fases 1 e 2 do modelo de Downs. Nesse caso, fica a pergunta: o que vem daqui para frente?

Conforme salientamos ao longo deste documento, as limitações reveladas pela cobertura podem ser transformadas em fortalezas, na medida em que sejam levadas em conta como fatores para qualificação do debate sobre as Mudanças Climáticas. Nesse sentido, parece que enfrentar esses desafios revelados pela análise pode agregar avanços qualitativos no

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

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tratamento editorial dispensado ao tema, além de ser um caminho para a continuidade de seu agendamento na sociedade.

Em síntese, podemos apontar alguns desses desafios que, na nossa visão, estão colocados para os veículos e profissionais da imprensa:

• É preciso internalizar a pauta, ou seja, trazer a discussão do cenário interna-cional para o contexto doméstico e, no âmbito do Brasil, abordar as diferentes realidades regionais. Nesse sentido, um conjunto de pesquisas específicas sobre a realidade brasileira que serão divulgadas ao longo de 2008 serão, certamente, ele-mentos relevantes também para o debate jornalístico.

• Há a necessidade de ampliar os horizontes da cobertura sobre Mudanças Climáticas, vinculando-a a um debate mais transversal sobre as estratégias de desenvolvimento que queremos, inclusive elevando a presença de outros enquadramentos para além do ambiental.

• As políticas públicas para a área estão sub-cobertas pela mídia. A imprensa precisa exercer mais e melhor o seu papel de watchdog.

Enfim, para voltar a expressão de Galtung e Ruge, o canal foi aberto, falta explorar mais atentamente as imensas possibilidades da pauta.

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

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Mudanças Climáticas na imprensa brasileira

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Questões ambientais amplas

1. Ambiental* (variações ambienta-lismo, ambientalista, etc.);

2. Biodiversidade; 3. “Desenvolvimento Sustentável”; 4. Ecologia;5. Ecossistema; 6. “Futuro da terra”; 7. “Futuro do planeta terra”; 8. “Meio ambiente”;9. “Sócio-ambiental”; 10. “Sustentabilidade;

Questões gerais sobre mudanças climáticas

11. “Aquecimento Global”;12. “Cenários Climáticos”;13. “Clima Global”;14. “Efeito Estufa”;15. “Equilíbrio Climático”; 16. “Fenômeno Climático”; 17. “Modelo Climático”; 18. “Mudança Climática”; 19. “Política Verde”; 20. “Sistema Climático”;

Geração/Efeitos Mudanças Climáticas

21. “Camada de Ozônio”;22. “Carbono Fóssil”;23. “Carbono Intensivo”;24. CFC; 25. CO2; 26. “Combustíveis Fósseis”27. Desertificação;28. Desmatamento;

ANEXO I – PALAVRAS-CHAVE

29. “Dióxido de Carbono”; 30. “Emissões de Carbono”;31. Emissões fósseis”;32. “Eventos climáticos extremos”;33. HCFCs;34. “Hexafluoreto de Enxofre”; 35. Hidrofluorcarbonetos; 36. Metano; 37. “Oxido Nitroso”; 38. Perfluorcarbonetos; 39. Queimada;40. Savanização;

Mudanças climáticas e política nacional/ internacional

41. Biblioclima; 42. “Climate Action Network”; 43. “Conferência das Partes”44. COP;45. “Cúpula da Terra”; 46. “Eco 92”; 47. FBMC; 48. “Inventário de Carbono”; 49. “Inventário de Emissões”; 50. IPCC; 51. MDL; 52. “Mecanismo de Desenvolvimento Limpo”; 53. Mitigação;54. “Observatório do Clima”; 55. “Pós-2012”56. “Pós-Kyoto”57. Proinfa;58. “Protocolo de Kyoto”; 59. “Protocolo de Quioto”; 60. “Prototype Carbon Fund”; 61. “Rio 92”;62. UNEP;

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63. UNFCCC; 64. “World Conservation

Monitoring Center”;

Mudanças climáticas e economia

65. Biomassa; 66. “Carbono Neutro”; 67. “Créditos de Carbono”; 68. “Descarbonização da

Matriz Energética”;69. “Economia de Baixo Carbono”; 70. “Eficiência energética”71. “Emissões per capita”;72. “Energia Eólica”; 73. “Energia Limpa”;

74. “Energia Solar”;75. “Energia Verde”; 76. “Energias renováveis”;77. “Estabilização de emissões”; 78. Florestamento; 79. “Intensidade de Carbono”; 80. “Matriz Energética Limpa”;81. “Mercado de Carbono”; 82. “Queima de Carvão”; 83. “Redução compensada”;84. “Redução de emissões”; 85. Reflorestamento; 86. “Seqüestro de Carbono”; 87. “Tecnologia Limpa”; 88. “Tecnologia Verde”;89. “Zoneamento Ecológico

Econômico”.

Mudanças climáticas na imprensa brasileira:

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Jornal

O Estado de S. Paulo - São Paulo 8,3%

Gazeta Mercantil - São Paulo 6,7%

Valor Econômico - São Paulo 6%

Folha de S. Paulo - São Paulo 5,9%

O Globo - Rio de Janeiro 5,8%

Estado de Minas - Minas Gerais 4,4%

Jornal do Brasil - Rio de Janeiro 3,9%

Diário do Nordeste - Ceará 3,8%

O Popular - Goiás 3,1%

Correio Braziliense - Distrito Federal 2,9%

Gazeta do Povo - Paraná 2,9%

Jornal do Commercio - Pernambuco 2,8%

A Tarde - Bahia 2,7%

Correio do Povo - Rio Grande do Sul 2,5%

O Povo - Ceará 2,4%

Diário de Pernambuco - Pernambuco 2,3%

Zero Hora - Rio Grande do Sul 2,3%

Diário da Manhã - Goiás 2,2%

Hoje em Dia - Minas Gerais 2,2%

Diário Catarinense - Santa Catarina 1,9%

Jornal de Brasília - Distrito Federal 1,8%

O Liberal - Pará 1,8%

A Gazeta - Espírito Santo 1,7%

Correio da Paraíba - Paraíba 1,7%

Jornal da Tarde - São Paulo 1,6%

Diário do Amazonas - Amazonas 1,5%

Correio do Estado - Mato Grosso do Sul 1,5%

A Crítica - Manaus - Amazonas 1,3%

Correio da Bahia - Bahia 1,3%

ANEXO II – PROPORÇÃO DE TEXTOS

DA AMOSTRA POR JORNAL PESQUISADO

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Page 58: Pesquisa Jornalismo e Mudanças Climáticas - ANDI

O Estado do Maranhão - Maranhão 1,3%

A Gazeta - Mato Grosso 1,1%

Diário do Pará - Pará 1,1%

Tribuna do Norte - Natal - Rio Grande do Norte 1,1%

Meio Norte - Piauí 1%

Diário de Cuiabá - Mato Grosso 0,9%

A Notícia - Santa Catarina 0,6%

O Rio Branco - Acre 0,5%

Folha de Londrina - Paraná 0,5%

Diário do Amapá - Amapá 0,4%

Jornal do Tocantins - Tocantins 0,4%

Gazeta de Alagoas - Alagoas 0,3%

Diário de Natal - Rio Grande do Norte 0,3%

Folha de Boa Vista - Roraima 0,3%

Tribuna de Alagoas - Alagoas 0,2%

O Norte - Paraíba 0,2%

A Gazeta - Acre 0,1%

O Dia - Rio de Janeiro 0,1%

O Estadão do Norte - Rondônia 0,1%

Total 100%

* Apenas para a amostra de Mudanças Climáticas

Mudanças climáticas na imprensa brasileira:

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Page 59: Pesquisa Jornalismo e Mudanças Climáticas - ANDI

ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância

Presidente: Oscar Vilhena VieiraVice-presidente: Geraldinho VieiraSecretário Executivo: Veet Vivarta Secretária Executiva Adjunta: Ely Harasawa

Mudanças Climáticas na Impresa Brasileira

RealizaçãoANDI

ApoioPrograma de Comunicação em Mudanças Climáticas da Embaixada Britânica no Brasil

Coordenador de pesquisa e textoGuilherme Canela

Supervisão editorialVeet Vivarta

EdiçãoAdriano GuerraAssistente: Marília Mundim

ProduçãoTainá Frota

Coordenador de coleta e sistematização de dados Fábio Senne

Consultores Temáticos: Eduardo Viola (UnB), Paulo Artaxo (USP), Paulo Moutinho (IPAM)

FICHA TÉCNICA

Triagem do Material Clipado Ana Néca Fábio Senne

Assistentes de Pesquisa Carolina da Cruz Martins Danielle Oliveira Valverde Juliana Maria de Almeida Barros Kátia Cristine Campos Sens Marina de Sá Barreto da Cunha Max Milliano Melo

Processamento de dados Wilson Rizzo

Digitação Diana Barbosa Márcia Barbosa

DiagramaçãoDiogo MoraesJean Matos

Brasília, dezembro de 2007

SDS - Ed. Boulevard Center, Bl. A, sl. 10170. 91-900 – Brasília, DFTelefone: (61) 2102 -6508 Fax: (61) 2102 -6550E-mail: [email protected]

Site: www.andi.org.br

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