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CARLOS GALDINO

ENQUANTO OUÇO BELCHIOR

E

OUTROS POEMAS DE ALUCINAÇÃO

Copyright ©2017 de Carlos Galdino

Edição Digital

Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento ou a reprodução de qualquer parte desta obra – física ou

eletrônica -, sem a autorização prévia do autor.

Biografia, Diagramação, Revisão e Capa: Paôla Carmen

Apresentação: Laudecir da Silva

Literatura Brasileira / Poemas Edição: feira livre

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“Minha alucinação é suportar o dia-a-dia, e o meu delírio é a experiência com coisas reais.”

Belchior

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Dedico essas poesias ao poeta, cantor, camarada, Belchior.

Boa leitura!

Carlos Galdino

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Sumário

1. APRESENTAÇÃO – BELCHIORANDO

2. BIOGRAFIA – Belchior

3. Grávido

4. Liquidez

5. Brisa

6. Cólica

7. Opção

8. Versos só para Dani

9. No dia que eu for prefeito

10. Manuel de Barros e Manoel Bandeira

11. Manuel contra Manoel

12. Recado sincero

13. Às vezes

14. Um grito

15. Que poema escrever agora?

16. Dentro de mim

17. Um menino

18. Canção em silêncio

19. Meio hoje

20. Preta

21. O meu poema novo

22. Os documentos

23. Chega a tarde

24. Árvore torta

25. Inventando coisas.

26. Não gosto de quem cria pássaros em gaiola

27. Meu caos

28. Tudo em mim te procura

29. Carteiro

30. O treze do largo

31. Você arde em mim

32. Confissão muito séria

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33. Definição defeituosa a meu respeito

34. Desci a Teodoro e só

35. Viaduto do chá

36. CARLOS GALDINO

37. Outros Livros do Autor

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APRESENTAÇÃO – BELCHIORANDO

É certo que a maioria do povo brasileiro de alguma forma tenha sido influenciada pelas músicas

do compositor e cantor Belchior, seja na sua própria voz e interpretação ou na de tantos outros

cantores do cenário da música popular brasileira.

De maneira muito especial, Belchior chegou ao meu coração com a música “Na hora do

almoço”, em que o poeta descreve, com o brilhantismo e a grandeza dos grandes escritores,

uma cena cotidiana: uma sala, mesa, pratos, e nestes, comida e tristeza. Aí “a gente se olha,

se toca e se cala e se desentende no instante em que fala”, arremata, sintetizando a realidade

complexa e desafiante das experiências do convívio familiar. É bem verdade que o tempo

passou e, ainda que essa prática não tenha sido uma regra generalizada e válida para todas

as famílias, nas condições de vida da sociedade contemporânea, tem sido cada vez mais

comum a ausência do encontro familiar, ao redor da mesa, na hora do almoço. Talvez “cada

um guarde mais o seu segredo, sua mão fechada...” e os encontros com as pessoas, os

familiares, estejam sendo substituídos pela relação com aparelhos eletrônicos, novas formas

de comunicação e interação. Mesmo quando há o encontro, os aparelhos parecem ser mais

importantes que o olhar, o toque, a fala.

A música “Na hora do almoço” parece um tanto triste, melancólica. Há quem diga que essas

sejam características que permeiam boa parte das músicas de Belchior. Concordo, sem que

isso seja um incômodo! Afinal, esses aspectos, em boa medida, solidificam a condição humana.

A meu ver, Belchior é como um escultor que parte da matéria bruta e aos poucos vai lapidando-

a até encontrar a forma desejável: a arte, na grandeza objetiva e simbólica que essa palavra

carrega. Não é sem razão que suas obras atravessam gerações sendo continuamente vivas,

pulsantes, e permaneça falando de forma tão significativa ao coração das pessoas.

Eu vi isso acontecer bem mais de uma vez. Em 1997, meu amigo Paulo, do Vale do Ribeira, e

todos que conosco conviviam, estudantes de Filosofia na época, fomos contagiados pelas

canções de Belchior. Estas embalavam muitos dos nossos encontros, confraternizações,

celebrações. Creio que “Pequeno mapa do tempo” tenha sido a isca através da qual aquele

meu amigo em particular tenha sido fisgado, de corpo e alma.

Outra lembrança agradabilíssima impregnada em minha memória se dá quando conheci outros

amigos, os irmãos Paulo e Saulo. Amavam Belchior! Ouvi-lo era parte de um ritual poético,

profano e religioso. Às tardes, em casa, normalmente, era comum encontrá-los ouvindo

Belchior enquanto tomavam algumas cervejas e beliscavam alguns petiscos. “Isso é que é

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música Laudecir..., não são essas porcarias que a gente ouve por aí”, dizia Saulo com prazer

e seguro na certeza de suas palavras, como se estivesse profetizando alguma revelação. Meu

amigo Gilson e meus irmãos Claudemir e Claudinei, também foram testemunhas dessas

palavras e que, em nossas bocas, tornaram-se espécie de oração. Um mantra que repetimos

sempre que ouvimos alguma música com Belchior. Reatualizamos o ritual e a profecia de nosso

amigo Saulo: “Isso é que é música...”

Nos saraus do Coletivo Cultural Pegando o Gancho, Belchior sempre teve espaço reservado.

Daí o fato de que, após a sua morte, fizemos um sarau para homenageá-lo. Neste dia, minha

amiga Marli Pereira, sempre a surpreender com sua sensibilidade, nos presenteou,

emocionada, com essa pérola poética, com a qual finalizo este texto: “Que Deus seja brasileiro

e que ande do seu lado; mas que você não siga nenhum mandamento, pois o que transforma

o velho no novo é nunca fazer nada que o mestre mandar; sempre desobedecer, nunca

reverenciar. Quanto a nós, que estamos reverenciando suas palavras navalhas, prometemos

rejuvenescer e nos despir do passado que é uma roupa que não nos veste mais. Amar e mudar

as coisas nos interessa mais. Nosso delírio será com experiências com coisas reais. Viver a

Divina Comédia Humana onde nada é eterno.

Ano que vem, Belchior, você poderá afirmar: Ano passado eu morri, mas esse ano eu não

morro! (Sempre é dia de ironia, no meu coração).”

Laudecir da Silva - Julho/2017

Professor e Mestre em Filosofia pela PUC SP.

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BIOGRAFIA – Belchior

Antônio Carlos Belchior, mais conhecido simplesmente como Belchior (Sobral, 26 de

outubro de 1946 – Santa Cruz do Sul, 30 de abril de 2017), filho de Dolores Gomes Fontenelle

Fernandes e Otávio Belchior Fernandes, foi um cantor e compositor brasileiro. Belchior foi um

dos primeiros cantores de MPB do nordeste brasileiro a fazer sucesso nacional, em meados

da década de 1970.

Durante sua infância, no Ceará, foi cantador de feira e poeta repentista. Estudou música coral

e piano com Acácio Halley. Seu pai tocava flauta e saxofone e sua mãe cantava no coral da

igreja. Tinha tios poetas e boêmios. Ainda criança, recebeu influência dos cantores do

rádio Ângela Maria, Cauby Peixoto e Nora Ney. Foi programador de rádio em Sobral. Em 1962,

mudou-se para Fortaleza, onde estudou Filosofia e Humanidades. Começou a estudar

Medicina, mas abandonou o curso no quarto ano, em 1971, para dedicar-se à carreira artística.

Ligou-se a um grupo de jovens compositores e músicos, como Fagner, Ednardo, Rodger

Rogério, Teti, Cirino entre outros, conhecidos como o Pessoal do Ceará.

Belchior morreu em 30 de abril de 2017, aos 70 anos, na cidade de Santa Cruz do Sul e o

governo do Ceará emitiu uma nota de pesar. A causa da morte foi um aneurisma da aorta, a

principal artéria do corpo humano. O governador do Ceará, Camilo Santana, decretou luto oficial

de três dias, providenciando o traslado do corpo, garantindo assim, o desejo do cantor de ser

enterrado no Estado do Ceará, sendo velado em Sobral, sua cidade natal, e sepultado em

Fortaleza.

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Grávido

Ah meu amor

Eu estava grávido de você

Mas você não teve sensibilidade

De perceber

De ver

Minha barriga

Crescida

O sorriso de minha barriga

De sonho

Eu estava grávido de você

E ultrassom algum poderia revelar

O sexo da felicidade

Pois ela era múltipla, varia

Eu estava grávido

E sentia dores

Medos

Homem sente do mesmo jeito

Só expressa diferente

Muitos nem conseguem expressar

Eu estava grávido de você

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E fazia planos

E sonhava com o rostinho

A primeira roupa

Minha alma fazia pré-natal

E eu preocupado

Eu estava grávido de você

Eu estava grávido com você

Cada pessoa tem seu ritmo

Tem seu tempo….

Mas hoje

Eu sangro

A parte que já não existe

Triste

De não querer viver

Pois morri

E parti junto com o bebê

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Liquidez

Bebo tudo que tenho em casa

Agua

Sopa

Cerveja

Gasolina

Eu bebo

Detergente

Suco

Chá

Remédio é tão amargo

Tão ruim

De mim e não adoeço

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Brisa

Em Paraty eu não encontrei a "Brisa"

Não essa que sopra solta

Pelas ruas do centro histórico

Na beira da praia

Em todos os cantos

Em Paraty eu não encontrei a “Brisa”

Não essa brisa, mas outra

Onde será que ela pousa

Com seus óculos e encantos

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Cólica

Estou com cólica de mim mesmo

Amanheci com a calcinha da alma

Encharcada de sangue

E não há poesia absorvente

Que estanque.

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Opção

Queria almoçar amor

Carinho

Beijos de perder o folego

Abraços de parar o tempo

Olhares de matar a sede

Mas hoje só tem marmitex e saudade

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Versos só para Dani

Dani,

Não se dane comigo

O amor não é coisa tão urgente assim

Não entre em pane

Não bata panelas

Não chore por mim

Dani,

O amor não é coisa pré feita

Coisa que está na prateleira

Não se inflame

Não acumule sequelas

"é dia de feira"

Dani,

Quem tem pressa demais

Sai na frente, passa do ponto

E não adianta tanto avexa-me

Primaveras, são primaveras

E pronto.

Cordel de conversa

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Eu não sei andar de salto

Nunca usei sapato bom

Sou simples moça caipira

Escrever é o meu dom

Sou poeta cordelista

Porém não sou repentista

Pois não acerto o tom

Amanda eu te convido

Para você e eu juntos

Elaborar um folheto

Escolhendo o assunto

E imprimir em papel

Nossa rima de cordel

Que está rendendo muito

Eu penso numa opção

Para eu e tu falar

Eu cantava teu São Paulo

E eu cantava o Ceará

Olha o tanto de cultura

Em nossa literatura

Nós podemos abordar

São uma boa opção

Está escolhido o tema

Aí a gente desenvolve

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Se houver algum problema

São só tirá-lo da frente

Está plantada a semente

Pode crer agora chove

Eu daqui você daí

Podemos nos reunir

Para fazer verso bonito

E muito nos divertir

Eu não acho má ideia

Sem precisar de plateia

Essa rima garantir

Olha que gostei demais

Desse início Amanda

Para mim foi um prazer

Mas é você que comanda

Tenho que reconhecer

Pois o seu verso é perfeito

Sou aqui o sujeito

Com muito a aprender.

Amanda Vieira e Carlos Galdino (Em conversa)

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No dia que eu for prefeito

No dia que eu for prefeito

Mudo o nome da cidade

Tiro estatua boto flores

Proponho a felicidade

A placa indica na seta

O nome de um poeta:

Carlos Drummond de Andrade

Eis a simplicidade

Da campanha eleitoral:

Na sede da prefeitura

Vai ser dentro de um sarau

Meu vice vai ser o povo

Para construir tudo novo

Numa mudança geral

“Menos gente em hospital

Mais gente em biblioteca

Acura está no saber”

Já dizia meu vô Zeca

Pense num home sabido

Pois um home prevenido

Faz um nada virar meca

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Um dia pensei: heureca...

A poesia vai mudar

A vida da nossa gente

Pois a arte de educar

São um trabalho eterno

Feito o amor materno

Para a cidade prosperar

Uma coisa que vou mudar

É a escola “quadrada”

Que por ela aluno passa

Sem aprender quase nada

Paulo Freire já dizia

Espaço sem harmonia

A mente fica trancada

A aula vai ser dada

Na sombra do jatobá

Em meio a natureza

Onde sempre a paz está

Mudanças na saúde

Educação e atitude

Até as ruas “vai muda”

A tal rua do paxá

Vai ser rua do arco-íris

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A duque de Caxias

Vai ser rua dos felizes

Vou tirar os marechais

E também as generais

Que causaram cicatrizes

Mudarei as diretrizes:

Ao invés de muitos carros

Espaço para a bicicleta

Os terrenos bizarros

Vão virar belas praças

Com mil cores e graças

Igual Manuel de barros

As bitucas de cigarros

Vão dar lugar a sementes

Vou mudar nome de praças

Serão todos diferentes

Para combinar com as ruas

Minhas lutas e as tuas

Em prol de vidas carentes

Seremos bem coerentes

Caso eu venha me eleger

Tendo o povo como vice

Nada eu irei temer

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Vamos fazer transformação

Pois uma real nação

Só avança com saber

Tudo que eu prometer

Será cumprido de fato

E caso eu esqueça algo

Entrego meu mandato

Torno o povo prefeito

Para fazer direito

A moldura do retrato

Carlos Galdino e Jefferson Messias

Page 23: Enquanto Ouço Belchior e Outros Poemas de Alucinação · ... Belchior é como um escultor que parte da matéria bruta e aos poucos vai ... profano e religioso. Às tardes, em casa,

Manuel de Barros e Manoel Bandeira

Manuel contra Manoel

Vou pegar uma peleja

Com o amigo Messias

Para falar da beleza

Dos mestres das fantasias...

Quem vai sair na carreira,

Manoel de barro ‘ou bandeira;

Dois gênios das poesias!

Caro Galdino, vou dizer

A vida dum escritor.

Ninguém se iguala ele;

Um poeta de valor.

Ele foi inspiração,

Literato e tradutor!

Manoel de Barros, amigo

Agora vou defender

Navegador do silêncio

Onde a infância faz nascer

Esticador de horizontes;

Leveza do amanhecer.

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Bandeira é nordestino;

Daí vem a primazia...

É poeta-revolução

Da moderna poesia.

Seu poema “os sapos”

É o cerne da ironia!

Idioleto Manuela

A língua dos bocós

De quem olha para o chão

Essa desnatação de nós

Com olhos do coração

Pintando de brilho a voz

Solidão é alimento

Do mais lírico poeta...

A mágoa e a melancolia

Uma à outra completa.

A saudade doce e só

É abstrata e concreta!

Fazedor de desenho

Da paisagem verbal.

Os poemas-gorjeios

Do menino do pantanal

São ‘memórias inventadas’

No voo das passaradas

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E nas pedras do quintal.

“Cinza das horas”, de fato,

Mostra a sina ‘Poética’

- Com ar de ‘Libertinagem’ -

(Com zelo e dialética) ...

Com ‘Cartas de meu avô’

A rima livre da métrica!

Mas esses dois ‘Manuais’

São frutos da pureza

Que toda poesia tem

No leito de sua nobreza.

Um Barros outro Bandeira

Dois geniais de primeira

Resumidos em grandeza!

Carlos Galdino e Jefferson Messias

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Recado sincero

Não coloque em minhas mãos sua felicidade, ou a possibilidade dela.

Não coloque em minhas costas o peso de ter que te fazer feliz.

Não atribua a mim tal responsabilidade.

Sou irresponsável nesse sentido, e coisas valiosas escapam feito areia de minhas mãos.

Primeiro estou buscando me fazer feliz, sem me atribuir responsabilidades ou pesos,

simplesmente fazendo as coisas que gosto, coisas simples, sem títulos, sem cargos, sem

marcas, sem status.

Agora estou muito ocupado vendo o nascer do sol, ouvindo o silencio, observando as

estrelas, sentindo o cheiro do café que eu mesmo faço, lembrando de um abraço.

Agora estou mesmo muito ocupado, desculpe! Não se culpe não me culpe...

Não me ocupo com enfados de sentimentos, estou muito ocupado com minha

desocupação de sorrir, fazer sorrir, sentir, olhar e ver. Até mais ou até menos, nós

veremos...

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Às vezes

As vezes meu silencio, sou só eu em meu quarto

Comigo mesmo e só,

As vezes meu silencio é uma corda

As vezes meu silencio é um nó

As vezes meu silencio me acorda

As vezes meu silencio me acode

As vezes meu silencio me sacode

As vazes meu silencio é pior...

As vezes meu silencio é uma carta

As vezes meu silencio é um livro

As vezes meu silencio é um olhar

As vezes meu silencio é um aviso

As vezes meu silencio é só palavra

As vezes meu silencio é um prédio

As vezes meu silencio é uma bomba

As vezes meu silencio é só tédio

As vezes meu silencio é um leão, uma cobra

As vezes meu silencio é uma formiga

Uma amizade comigo

Uma intriga

Um trago

Um treco

Uma transa

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Um trânsito

Um ego

As vezes meu silencio é tudo isso

As vezes meu silencio é nada disso

As vezes meu silencio é explosão.

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Um grito

As vezes meu silencio é só um grito

As vezes meu silencio é um grão

As vezes meu silencio é um trem inteiro

As vezes meu silencio é um vagão

As vezes meu silencio é só vazio

As vezes meu silencio é estação

As vezes meu silencio é um rio

As vezes meu silencio é oração

As vezes meu silencio... semáforo!

As vezes meu silencio é decisão

As meu silencio é um sozinho

As vezes meu silencio, nação

As vezes meu silencio é só a porta

As vezes meu silencio é parte

As vezes meu silencio é uma horta

As vezes meu silencio é arte

As vezes meu silencio é tudo vivo

As vezes meu silencio, um amém

As vezes meu silencio, todos sabem

As vezes meu silencio é além.

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Que poema escrever agora?

Que poema escrever agora

Agora que todas as palavras

Fugiram e os dicionários não sabem

O que quero dizer

Que poema escrever agora

Agora que a ortografia me cerca

E eu não sei, nem quero saber

Para que servem as regras, vírgulas, pontos

Ora digam-me

Que poema escrever agora

Agora que todas as mulheres se foram

Deixaram-me e continuam

Em seu devido lugar

Dentro de mim

Que poema escrever agora

Agora que morei em tantas casas

Que nem lembro o endereço

Ou a cor da parede

Que poema escrever agora

Agora que meus amigos de infância

Cresceram, mudaram-se e mudaram

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Já nem sei onde moram

Que poema escrever agora

Que não sei o que é o amor

Se amo e talvez não saiba

Ou talvez nunca tenha amado

Que poema escrever agora

Agora que as horas passaram

Os anos passaram e não encontrei

A única mulher que talvez

Eu amasse e pudesse me amar

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Dentro de mim

E dentro de mim

Tudo continua,

Dentro de mim essa guerra

E quem tem razão?

Dentro de mim,

Tudo continua,

Dentro de mim essa dor

Qual é o remédio?

Dentro de mim

Essa noite,

O sol que se foi

A madrugada, e amanhã

Como será o dia,

Dentro de mim?

Dentro de mim

Tudo continua,

O que sei e o que

Não quero saber,

Como apagar?

Como reviver?

Page 33: Enquanto Ouço Belchior e Outros Poemas de Alucinação · ... Belchior é como um escultor que parte da matéria bruta e aos poucos vai ... profano e religioso. Às tardes, em casa,

Dentro de mim

Esse mistério,

Essa verdade,

Essa mentira,

Esse amor,

Essa ira.

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Um menino

Existe um menino

Pois é acreditem

Existe um menino

Por trás deste homem

Amargo triste

Menino de sorriso largo

Que não sabe o que é a tristeza

Que acorda cedo para brincar

Com os raios de sol

Qual uma planta

Em sua viçosa pureza

Existe um menino

Sem traumas sem medos

Que joga bolinhas de gude

Toma banhos de açude

Brinca de esconde-esconde

Menino

Alicerce desse homem cansado

Menino que sai de manha

Para comer gogoia

Page 35: Enquanto Ouço Belchior e Outros Poemas de Alucinação · ... Belchior é como um escultor que parte da matéria bruta e aos poucos vai ... profano e religioso. Às tardes, em casa,

E beber orvalho

Menino que não envelhece

Apesar do tempo passado.

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Canção em silêncio

Vou fazer uma canção

Leve, que fale dos silêncios,

De quando quis te falar

E foi tudo em vão

Vou fazer uma canção

Que fale por onde andei

E as ruas sem nome

Que aprendi,

Vou fazer uma canção

Sem datas, sem dias

Mas com sons de tardes

E noites nuas

Vou fazer uma canção

Sem refrão barato

Sem coro, para que possa

Ser ouvida no silêncio de um livro

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Meio hoje

Hoje estou meio assim

Meio sem mim

Meio sem tudo

Meio mudo

Meio tudo

Meio nada

Hoje estou em casa

Na estrada

Meio hoje

Meio ontem

Eu estou meio

Cheio de tanto

Tudo

Tanto nada

Eu meio

Estou ligado

Desligado

E meio

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Meio amanha

Meio nunca mais

Meio ainda que vazio

Meio mar

Mesmo rio

Meio seco

Mesmo inundado

Meio o mesmo

Mesmo mudado

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Preta

É preta a saudade é branca

É branca a saudade é preta

A saudade tem cor?

A saudade tem a cor dos teus olhos

Dos teus cabelos

A saudade tem cheiro

Tem a tua pele

A saudade tem cor?

Saudade se revele

Se rebele

Saudade rebelião.

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O meu poema novo

O meu poema novo não tem novidade

A minha idade

Não é nunca a mesma

O que é bom passa a gente quase nem vê

Que é ruim tem passos de lesma

O meu poema novo

Quem dera fosse mesmo um poema

E falasse de amor

E de flores

O meu poema novo

É assim: já velho

Breve

Nasce morrendo sem

Ainda sem ser lido

O meu poema novo?

Ora!

Não leiam

A novidade está nas páginas dos jornais

Quem sabe?

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Em meu poema novo

Não cabe!

Não cabe!

Tanto coração partido

E tanta gente na rua

A mulher nua

A dama e seu luxuoso vestido

Não cabem os classificados

Nem os desclassificados

Não cabem horóscopos

Nem a queda do helicóptero

Não cabe o sorteio da sena

(Nunca vi quem tenha ganhado)

Não cabe a cena da novela

Nem a vela para o defunto

Nem tudo junto

Nem separado

O meu poema novo é assim: rasgado

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Os documentos

Ora! Para que servem os documentos?

Não dizem nada sobre mim,

Não rezam meus medos

Nem meus segredos dizem de mim

Ah! Os documentos

Não sabem nada de minha alma

Nem de meu grito calado

Em horas e noites desesperadas

Nos números dos meus documentos

Não consta quantas vezes

Me perdi, ou me encontrei

Esqueçam os meus documentos

Verdade mesmo, só em rascunhos

Que ousei derramar em papéis

Esse sim, dizem mais: Sobre mim.

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Chega a tarde

E chega a tarde

Com cara de quem chegou

Para partir,

De quem já tem que ir

E chega a tarde

Com seu sol mergulhado

Por trás das coisas

Escondendo-se

E chega a tarde

E é muito mais tarde

Dentro de mim.

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Árvore torta

No meio da rua

Ou é avenida?

No meio

Enfrente a porta

Aquela arvore era perfeita

Estou triste

Puseram a arvore morta

Ela resiste

Hoje é uma porta

Ninguém entra

Nem sai

Se não por ela

João Pessoa 2009

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Inventando coisas

Seguimos inventando coisas

Que nos consomem

Que tomam nosso tempo,

E não nos deixa tempo

...para o amor

Para o pensar livre

Para o fim da tarde

Seguimos inventando dores

Amores

Mares

Ares

E áreas

Seguimos inventado os prazeres

Os dizeres

E os silêncios

Seguimos inventando, inventando...

Máquinas e mundos

Mas pelo lado de dentro

O homem não muda.

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Não gosto de quem cria pássaros em gaiola

Quando eu era criança no sítio campo do gavião zona rural de frei Miguelinho cidade do

agreste de Pernambuco onde fui criado, via os vizinhos criarem pássaros presos em

gaiolas, via os vizinhos se exibirem com “seus” pássaros como se eles fossem troféus,

coisas, objetos sem querer próprio, sem vida, sem direitos.

Na inocência de criança e guiado pelo costume do que via certa vez, pedi para minha vó:

- mãe eu quero criar um passarinho! E a velha Judite do alto de sua sabedoria disse não!

E eu teimoso insisti! - eu quero mãe eles cantam tão bonito! E aí ela me deu uma lição

que carrego a vida inteira:

Meu filho, eles cantam de tristeza, cantam de saudade, saudade dos seus companheiros,

saudade de voar livre, imagine um seu azul, lindo desse; ele não pode voar…

A velha sabia bem do que falava, durante anos de sua infância, foi interna de um convento

onde foi privada de sua liberdade.

A partir desse ensinamento minha vó passou a ter problemas com seus vizinhos, pois

passei a escondido quebrar as gaiolas dos vizinhos e soltar as aves, e cheguei a sonhar

em escrever um livro cujo título seria “advogado dos pássaros” o livro não saiu do sonho,

mas uma certeza eu tenho, não crio pássaros em gaiola e não gosto de quem cria.

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Meu caos

Entra e rasga tudo

Parte e pira meu mundo

Quebra e corta profundo

...você é meu caos

Sem hora

Sem tempo

Sem dia

Sem roupa

Com muita roupa

Só de touca

Você é meu caos

Minha loucura e sanidade

Minha idade avançada

Meu nada de experiência alguma

Você me desarruma

E me deixa sem rumo

No seu rumo

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Tudo em mim te procura

Agora eu vou

Vou pela rua

Meus olhos a procura dos teus

Meu sorriso

... que só se abre em flor por ti

Procura...

Agora eu vou

Eu não sei bem para onde

Mas sei que vou

Coisas do amor

Não sei se tem tem cura

Tudo em mim te procura

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Carteiro

Carteiro, carteiro

Que notícias trazes

Cartas de amor

Para a alegria dos rapazes

Para quem ausente

Se encontra da sua terra natal

Um cartão postal

Para quem a muito não via

Fotografias

Para mim carteiro

Dizes ligeiro

Para acabar com meu drama

Trazes ao menos um telegrama

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O treze do largo

O treze do largo

Do largo que é treze

Treze!

Azar ou sorte?

Vida ou morte?

Treze!

Apenas um número?

Vinte menos setes

Cinco mais oitos

Superstição

Ilusão

O que há?

A quem compete explicar?

Tanta gente...

Gente!

Em um só lugar

Tanta coisa para vender

E comprar

Novo nordeste de casas do Norte

Nordestinos em busca de trabalho

Sonhos e sorte

Plantas, raízes de mandacaru

(Até pensei está em caruaru)

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Sorte de quem?

Azar de quem?

Aquele é treze!

A placa indica:

Aqui é treze

E largo

São fáceis de se perder

Ou se encontrar.

Via largo treze

Terminal bandeira via largo treze

Terminal varginha via largo treze

Jd Ângela

capelinha

e outras linhas

dos sonhos

trabalhos

filhos

feiras

festas

bilhete único afinal!

via largo treze

de terminal a terminal.

Santo Amaro

Amaro!

olha o largo!

Amaro!

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o largo Amaro!

o largo

Amaros amargos, andam pelas ruas

e são tantos

brancos

pretos

Marias

Joaquins

Severinos

E outros tantos

De todos os cantos

Cabrobó

Cabaceiras

Jequié

Frei Miguelinho

Surubim

Via largo

Todos os dias a cidade é atravessada.

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Você arde em mim

Boa

Tarde

Arde em mim

O que sinto

Por ti

Boa tarde

Arde em mim

O que não sentes

Por mim...

Boa tarde

Arde em mim

Arde em mim

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Confissão muito séria

Confissão muito séria

A respeito de meus sentimentos:

Há muito tempo te engano,

Eu não gosto de você...

Eu te amo!...

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Definição defeituosa a meu respeito

Sou geminiano, cheio de defeitos e qualidades, não gosto de cozinhar, improviso de vez

enquanto, escovo os dentes enquanto tomo banho. Não gosto de salsicha nem carne

moída, asa de frango passe longe de mim.

Bebo cerveja e pouca água, adoro café.

Nunca fui a um estádio assistir um jogo, torço para um time que nunca ganhou.

Como rápido, não gosto de comida quente, tenho preguiça de ler longas historias, não

tenho carro, tenho mania de guardar papeis e livros. Sou tímido, porém comunicativo.

Quando gosto vou até o fim, quando não gosto se afaste de mim.

Gosto de escrever e fotografar.

Não gosto do frio, nem de suco de melancia.

Sou péssimo em matemática, não sei lidar com dinheiro, nem dinheiro gosta de mim.

Tenho paixão por crianças, não sei se ronco, nunca me ouvi nem me falaram, dizem que

beijo bem.

Ouço a voz do brasil, não vou a missa faz tempo, não falo inglês, só a língua do amor,

tenho sotaque pernambucano do sertão. Sou feio, mas me acho gostoso.

Não sou filiado a partido político, nem por isso fico encima do muro, não vou a igreja, mas

acredito em Deus.

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Desci a Teodoro e só

Desci a Teodoro

No largo da batata

Não vi batatas,

...não vi feira,

Não vi ninguém,

Não vi nada,

Um largo deserto,

Vazio, sem cor,

Só uma estação de metrô

Fechada.

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Viaduto do chá

No viaduto

Vi adultos

Vi adultos

Vi assaltos

Ouvi assuntos

... gente separada

Gente junto

Via

De mão dupla

Que ia

Que vinha

Vi gente querendo sair

Vi gente querendo ficar

Gente a sorrir

Gente querendo pular

No viaduto do chá

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CARLOS GALDINO

Nascido em São Paulo, no ano de 1978, foi levado já no ano

seguinte a morar com sua avó, Judite, em Frei Miguelinho, no

estado de Pernambuco. Em 1986, por influência de sua avó,

começa a escrever suas primeiras poesias.

Filho do agreste pernambucano foi moldado no sertão por toda

sua infância e pré-adolescência. Em 1994, após a morte de sua

avó, retornou em definitivo à São Paulo e passou a dividir seu

tempo entre a formação técnica de profissionais no varejo, a

escrita de poemas e a participação no cenário literário e cultural da cidade.

Como poeta, participou de dezesseis coletâneas de poesias e já se apresentou em grande

parte dos saraus da cidade de São Paulo, além daqueles que produziu como SENAC, SESC,

Memorial da América Latina, dentre outros. Na rádio divulga a poesia e a música independente.

Também integrou a Comitiva de Saraus que representou o Brasil na Feira Internacional do Livro

de Buenos Aires e também ministra oficinas de cultura popular e cordel.

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Outros livros do autor

Achados & Perdidos Poesias

De Tudo Que Não Foi Dito

É Amô ou é Besteira

Amor é Sapato que Escorrega

Contatos

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