direito penas privativas de liberdade no direito penal...

15
Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 1º 439 DIREITO PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO: CRÍTICA QUANTO À EFETIVIDADE CUSTODIAL SENTENCES IN THE BRAZILIAN CRIMINAL LAW: CRITICISM OF THE EFFETIVENESS WANDERSON FELIPE DE ANDRADE RODERLEI NAGIB GOIS Resumo Este artigo trata de estudo quanto à efetividade da pena privativa de liberdade no direito penal brasileiro, mencionando aspectos relevantes sob a ótica da Lei de Execução Penal, bem como a aplicação de matérias relevantes para a singularização das penas, no crivo criminológico e social, abordando a posição de renomados autores acerca do tema e fundamentado com dados oficiais do governo. Palavras-chave: direito penal; penas privativas de liberdade; punição; ressocialização; políticas públicas; Abstract This article aims to estudy the ineffectiveness of Law on Penal Sanctions. It will focuses how the execution of penal sanctions shall aim at the reintegration of the convicted person into society and prepare him or her to conduct his or her life in a socially responsible way, without committing other criminal offence. Keywords: criminal law; custodial sentences; punishment; rehabilitation; public polices; INTRODUÇÃO Pode-se classificar como violência, a despeito da pluralidade semântica do termo, que toda atividade que, de alguma forma, cerceia a vontade de um outro indivíduo, torna-se tal ato violento àquele que a sofre, tal como argumentavam Bourdieu (2005) e Arendt (2005). Nesse sentido, a humanidade imersa em divergências ideológicas pode comprometer a harmonia social. Numa espiral ascendente de violência, um indivíduo tende a se impor ao outro. De tal modo, no convívio em sociedade, o indivíduo pode cometer atos delituosos contraditórios aos valores e princípios socialmente sancionados e impostos pelo grupo onde ele vive. Assim, com o intuito de manter a paz social, o Estado impõe limitações materiais constantes nas leis, que restringem o exercício da liberdade do indivíduo, utilizando da força imperativa da norma para interferir no cometimento de possíveis ações danosas à paz social (Miguel Reale, 2000). Assim, nasce a necessidade de garantir o cumprimento da lei, que, como instrumento abstrato, não gera obrigatoriedade intrínseca no indivíduo, podendo ele obedecer ou não. Por conta de possíveis desrespeitos à norma, o Estado materializa a coação por intermédio da sanção, que é o direito que o ente estatal tem de punir o infrator, diminuindo direitos do indivíduo em prol da coletividade, contribuindo para a persecução do bem comum (Silvio de Sávio Venosa, 2004). Dentre os vários tipos de penas aplicadas pelo Estado, destaca-se como tema deste projeto as “privativas de liberdade”, definidas como “cerceamento da liberdade do indivíduo ocasionado pelo descumprimento da norma de natureza penal” 1 , podendo ter fulcro em decisão judicial transitada em julgado ou medida meramente assecuratória, com finalidade de resguardar a integridade dos cidadãos e a própria lisura dos procedimentos processuais. Na concepção de Damásio de Jesus (2002), as penas privativas de liberdade contam com três características: retributiva; punitiva e ressociativa. A partir dessa explanação, surgem indagações quanto à efetividade da aplicação desse tipo de pena, pois pela própria terminologia utilizada, há posições antagônicas das características sobreditas, o que dificulta o atingimento da finalidade e desestabilização do sistema penal brasileiro, impedindo que o preso seja reinserido na sociedade e impactando diretamente na segurança da coletividade, uma vez que grande parte dos ex-detentos voltam a cometer crimes. O assunto certamente é complexo, uma vez que abrange não apenas o campo do Direito material e processual, mas vários outros ramos do saber, tais como Filosofia, Antropologia e Sociologia, sendo possível vislumbrar que este trabalho não será o suficiente para abarcar todo o assunto, bem como dirimir todas as explanações atinentes ao tema, ficando restrito à efetividade adotada nos caracteres da pena e sua efetiva contribuição para o indivíduo infrator, a sociedade e o próprio Estado. A base de pesquisa para realização do referido projeto será bibliográfica, voltada para doutrina e legislação, tendo como principais instrumentos de apoio normativo: Constituição Federal; Lei de Execuções Penais e Código Penal Lei 2848/40, além de entendimentos consolidados por vários doutrinadores renomados que integram a discussão do assunto, retiradas de acervo próprio e da instituição de ensino 1 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva. 2008. Ed. 15. P. 1.

Upload: nguyentram

Post on 09-Dec-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 1º 439

DIREITO PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO: CRÍTICA QUANTO À EFETIVIDADE CUSTODIAL SENTENCES IN THE BRAZILIAN CRIMINAL LAW: CRITICISM OF THE EFFETIVENESS 

WANDERSON FELIPE DE ANDRADE RODERLEI NAGIB GOIS

Resumo Este artigo trata de estudo quanto à efetividade da pena privativa de liberdade no direito penal brasileiro, mencionando aspectos relevantes sob a ótica da Lei de Execução Penal, bem como a aplicação de matérias relevantes para a singularização das penas, no crivo criminológico e social, abordando a posição de renomados autores acerca do tema e fundamentado com dados oficiais do governo. Palavras-chave: direito penal; penas privativas de liberdade; punição; ressocialização; políticas públicas; Abstract This article aims to estudy the ineffectiveness of Law on Penal Sanctions. It will focuses how the execution of penal sanctions shall aim at the reintegration of the convicted person into society and prepare him or her to conduct his or her life in a socially responsible way, without committing other criminal offence. Keywords: criminal law; custodial sentences; punishment; rehabilitation; public polices; INTRODUÇÃO

Pode-se classificar como violência, a despeito da pluralidade semântica do termo, que toda atividade que, de alguma forma, cerceia a vontade de um outro indivíduo, torna-se tal ato violento àquele que a sofre, tal como argumentavam Bourdieu (2005) e Arendt (2005).

Nesse sentido, a humanidade imersa em divergências ideológicas pode comprometer a harmonia social. Numa espiral ascendente de violência, um indivíduo tende a se impor ao outro. De tal modo, no convívio em sociedade, o indivíduo pode cometer atos delituosos contraditórios aos valores e princípios socialmente sancionados e impostos pelo grupo onde ele vive. Assim, com o intuito de manter a paz social, o Estado impõe limitações materiais constantes nas leis, que restringem o exercício da liberdade do indivíduo, utilizando da força imperativa da norma para interferir no cometimento de possíveis ações danosas à paz social (Miguel Reale, 2000).

Assim, nasce a necessidade de garantir o cumprimento da lei, que, como instrumento abstrato, não gera obrigatoriedade intrínseca no indivíduo, podendo ele obedecer ou não. Por conta de possíveis desrespeitos à norma, o Estado materializa a coação por intermédio da sanção, que é o direito que o ente estatal tem de punir o infrator, diminuindo direitos do indivíduo em prol da coletividade, contribuindo para a persecução do bem comum (Silvio de Sávio Venosa, 2004).

Dentre os vários tipos de penas aplicadas pelo Estado, destaca-se como tema deste projeto as “privativas de liberdade”, definidas como “cerceamento da liberdade do indivíduo ocasionado pelo descumprimento da norma de

natureza penal”1, podendo ter fulcro em decisão judicial transitada em julgado ou medida meramente assecuratória, com finalidade de resguardar a integridade dos cidadãos e a própria lisura dos procedimentos processuais.

Na concepção de Damásio de Jesus (2002), as penas privativas de liberdade contam com três características: retributiva; punitiva e ressociativa. A partir dessa explanação, surgem indagações quanto à efetividade da aplicação desse tipo de pena, pois pela própria terminologia utilizada, há posições antagônicas das características sobreditas, o que dificulta o atingimento da finalidade e desestabilização do sistema penal brasileiro, impedindo que o preso seja reinserido na sociedade e impactando diretamente na segurança da coletividade, uma vez que grande parte dos ex-detentos voltam a cometer crimes.

O assunto certamente é complexo, uma vez que abrange não apenas o campo do Direito material e processual, mas vários outros ramos do saber, tais como Filosofia, Antropologia e Sociologia, sendo possível vislumbrar que este trabalho não será o suficiente para abarcar todo o assunto, bem como dirimir todas as explanações atinentes ao tema, ficando restrito à efetividade adotada nos caracteres da pena e sua efetiva contribuição para o indivíduo infrator, a sociedade e o próprio Estado.

A base de pesquisa para realização do referido projeto será bibliográfica, voltada para doutrina e legislação, tendo como principais instrumentos de apoio normativo: Constituição Federal; Lei de Execuções Penais e Código Penal – Lei 2848/40, além de entendimentos consolidados por vários doutrinadores renomados que integram a discussão do assunto, retiradas de acervo próprio e da instituição de ensino

1 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva. 2008. Ed. 15. P. 1.

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 1º 440

Faculdades Integradas Promove de Brasília – Icesp Promove.

O presente artigo será abordado em nove seções, seguindo o seguinte trâmite: Aspectos Gerais das Penas no Brasil; Jus Puniendi versus Direitos Individuais; Princípio Norteadores da Execução Penal; As Penas Privativas de Liberdade sob a Ótica da Lei de Execução Penal; A Eficácia do Modelo Penal Atual no Brasil; Reincidência versus Ressocialização: o Perfil do Apenado no Brasil; A Criminologia como Ferramenta Diagnóstica da Prevenção; Instituições Formadoras: reconstruir ou coagir? e A Punição Eterna das Ruas.

No primeiro capítulo, será feita uma abordagem geral sobre o tema, definindo a natureza das penas, as teorias aceitas no sistema penal brasileiro, explicando cada uma dessas teorias utilizadas.

No segundo capítulo, será abordado o jus puniendi, que é o dever do Estado de agir em caso de transgressão da norma, levando-se em consideração os direitos e garantias individuais. Nesse capítulo, será observado a antítese: dever de punir versus garantias individuais.

No terceiro capítulo, discutir-se-á os princípios norteadores da execução penal, principiologia que, em tese, limitam o jus puniendi do Estado e, consequentemente, a aplicação das sanções possíveis.

No quarto, serão mencionados aspectos gerais da Lei de Execução Penal (LEP), abordando, principalmente, a sua finalidade ressocializadora e não meramente punitiva, bem como algumas garantias asseguradas pelo fiel cumprimento da norma.

No quinto capítulo, apresentar-se-á a ineficácia do atual sistema penal, comprovada por intermédio de pesquisas realizadas pelo Departamento Penitenciário Nacional, que demonstram o déficit carcerário e, consequentemente, a ineficiência em face das propostas educacionais inseridas na LEP.

No sexto capítulo, abordar-se-á o perfil do apenado bem como o índice de reincidência dos ex-apenados. Para tal, utilizar-se-á o relatório produzido pelo IPEA, em cooperação técnica com o Conselho Nacional de Justiça, sobre a reincidência criminal no Brasil. Esse trabalho pioneiro visava a apresentação de um exame completo dessa situação, baseando-se nos dados coletados em sete estados do país.

No sétimo capítulo, será demonstrada a importância da análise criminológica sobre o apenado, de forma individualizada, uma vez que os motivos e circunstâncias do crime são personalíssimas e não acontecem com um padrão genérico para todos os criminosos.

No oitavo capítulo, destacar-se-á a importância da socialização primária e secundária por meio das instituições formadoras do indivíduo. Como instrumento de prevenção e

ressocialização, a inter-relação entre essas instituições demonstram que se não houver uma ação conjunta e coordenada do Estado com essas entidades, dificilmente a finalidade da pena será alcançada, bem como não haverá reinserção social.

O nono e último capítulo, abordará a dificuldade de reinserir o apenado à sociedade, uma vez que os objetivos propostos na própria LEP não foram alcançados e que a própria sociedade não aceita que um apenado possa ser pessoa de direitos e obrigações, marginalizando eternamente o indivíduo, não o aceitando de volta ao ciclo de vivência social.

Com isso, espera-se dirimir as indagações inerentes ao alcance da função social da Lei de Execução Penal, demonstrando se o instrumento coercitivo imposto pelo Estado vem sendo efetivo quanto à sua aplicabilidade e consequente atingimento dos resultados propostos. Aspectos gerais das penas no Brasil

Segundo Bonavides (1993), o Estado é formado basicamente por três elementos: soberania, povo e território. Dentre os três elementos formadores, destaca-se a importância do povo na composição basilar deste ente, uma vez que sem a sua existência não há território e, consequentemente, soberania.

O objetivo central do Estado é garantir medidas mínimas para que todos possam alcançar o bem comum. Este último, por sua vez, é oriundo do conjunto de fatores consuetudinários que compõem a própria razão de ser do ente estatal, internalizado entre os indivíduos que o compõem. Assim defende Miguel Reale: O Estado é uma realidade cultural, isto é, uma realidade constituída historicamente em virtude da própria natureza social do homem, mas isto não implica, de forma alguma, a negação de que se deva também levar em conta a contribuição que consciente e voluntariamente o homem tem trazido à organização da ordem estatal.2

Para que possa atingir sua finalidade, dois pontos são fundamentais: coadunar sociedade e paz social (Alessandro Baratta, 2008). O homem por si só é um animal social, necessitando do convívio em coletividade para humanizar-se. Contudo, para que a paz social seja atingida, faz-se necessária a criação de normas, que regulem e implementem um conjunto valorativo e ético a todos.

Assim nasce o direito, podendo ser definido como conjunto de regras que visam a regular o convívio em sociedade. Por sua vez, para efetivar o seu alcance, necessita de mecanismos que garantam o cumprimento das normas em caso de violação pelos indivíduos, uma vez que se trata de matéria abstrata, gerando obrigatoriedade meramente intrínseca (Paulo Nader, 2009).

2 REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. São Paulo: Saraiva. 2000. Ed. 5. P. 9.

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 1º 441

Embora os valores morais influenciem diretamente no nível de infração normativa, é de se observar que o Estado tem um importante papel em assegurar que seja minimamente respeitado o direito de determinada localidade. Para isso, o ente estatal é dotado do jus puniendi, que, segundo Damásio de Jesus (2002), é o poder/dever de punir o infrator em caso de transgressão da norma.

A fim de garantir essa prerrogativa, o Estado dispõe de dois mecanismos distintos, mas que agem concomitantemente: a coação e a sanção. Na visão de Silvio de Salvo Venosa: Coação é meio instrumental e não deve ser entendida como pertencente à norma, pois não é sentida permanentemente, assim, infere-se que é temporária, apenas a fim de obrigar o indivíduo a cumprir a sanção imposta, que, por sua vez, é o instrumento constrangedor que atua de modo direto ou indireto, é a própria obrigatoriedade da norma, uma vez que, em caso de transgressão, há uma punição, sendo, a pena, a mais severa sanção3.

Ainda, seguindo o entendimento do autor, o Estado garante o cumprimento da norma e assegura a paz social por meio de medidas negativas que impõem obrigatoriedade ao indivíduo. Àqueles que transgridirem as normas positivadas, aplica-se a sanção que, no caso do direito penal, pode ser de três espécies: privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa. É de extrema importância mencionar que há a possibilidade de aplicação de dois tipos de sanção concomitantemente.

Embora a própria natureza da norma seja punitiva, não há interesse do ente estatal em manter indivíduos isolados do convívio social. Nascem, dessa forma, a ressocialização e a reintegração social, que são os objetivos centrais das penas privativas de liberdade no Brasil, havendo menção desses valores no art. 1º da Lei de Execução Penal (Alessandro Baratta, 2008).

O objetivo central deste trabalho é demonstrar se a Lei 7.210/84, denominada Lei de Execuções Penais – LEP, tem aplicabilidade efetiva e se as penas privativas de liberdade têm alcançado a sua finalidade. Para responder a esses quesitos, faz-se necessário abordar as teorias que originaram a implantação do processo de ressocialização no sistema penal brasileiro. Teorias das penas no direito penal

Segundo entendimento de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (2007), o direito penal é o ramo do direito que protege apenas os bens jurídicos fundamentais para a vida em sociedade. Etimologicamente é a própria razão de existir das penas privativas de liberdade. Sob esse prisma, discute-se a natureza das penas

3 VENOSA, Silvio de Savio. Introdução ao Estudo do Direito – primeiras linhas. São Paulo: Atlas. 2004. P. 113.

quanto aos seus objetivos, destacando-se suas três características principais: preventiva, retributiva e assecuratória.

Dentre as teorias que visam a explicar a natureza da pena existentes no direito brasileiro, destacam-se três, consoante ensinamentos de Fernando Vernice dos Santos (2009), em sua dissertação de Mestrado: Teoria Absoluta: defende que a pena tem natureza meramente retributiva, ou seja, decorre tão somente da repação do mal proporcionado pela conduta do agente ao Estado e à vítima; Teoria relativa ou da prevenção: oposta à retribuição, denota que o correto é garantir mecanismos preventivos que impeçam o cometimento de novos crimes pelo infrator; Teoria mista: é a mesclagem das duas teorias anteriormene abordadas, defendendo que a pena tem natureza retributiva e assecuratória. O Brasil adota a teoria mista, uma vez que tanto a Constituição Federal quanto a LEP devem assegurar os instrumentos de retribuição, prevenção e ressocialização do indivíduo. O autor ainda cita que, na ressocialização, que é vinculada diretamente à prevenção, destacam-se outras duas teorias que norteiam a forma de agir do Estado, a saber: Teoria Máxima: apresenta a ideia de intervenção estatal dentro da própria liberdade do indivíduo, influenciando diretamente no crivo ideológico. Em suma, visa obrigar o indivíduo a agir segundo os padrões valorativos da sociedade em que está vinculado, havendo ressocialização apenas se esses padrões forem aceitos. Por quebrar a dignidade da pessoa humana e a autonomia de vontade, tal teoria não é aceita no direito brasileiro. Teoria Mínima: essa teoria é adepta da mínima intervenção estatal na autonomia de vontade do indivíduo, respeitando o direio de escolha na prática de atos, mas agindo o suficiente para que o apenado não torne a cometer crimes. Essa é a teoria utilizada amplamente no direito brasileiro, embora sofra duras críticas, uma vez que não é possível aplicar a teoria mínima sem a cominação de sanções em caso de descumprimento de medidas educativas, contendo, consequentemente, traços da teoria máxima. Nesse sentido, destaca-se o art. 39 da LEP: Art. 39. Constituem deveres do condenado: I - comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença; II - obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se; III - urbanidade e respeito no trato com os demais condenados; IV - conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina; V - execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas;

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 1º 442

VI - submissão à sanção disciplinar imposta; VII - indenização à vítima ou aos seus sucessores; VIII - indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho; IX - higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento; X - conservação dos objetos de uso pessoal. Parágrafo único. Aplica-se ao preso provisório, no que couber, o disposto neste artigo.4

Neste sentido, há necessidade de uma política de reintegração do indivíduo à sociedade, basicamente como forma de prevenção ao cometimento de novos delitos e, conseqüentemente, reinserção como cidadão, garantindo a ele todas as prerrogativas inerentes ao Estado Democrático de Direito, na persecução de seus objetivos para alcance do bem comum (Miguel Realle, 2005). Jus puniendi versus Direitos Individuais

A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer Direitos e Garantias fundamentais, trouxe à tona um rol de elementos para a manutenção de condições mínimas para o convívio em sociedade. O art. 5º exemplifica uma série de imposições ao próprio Estado para o alcance da sua finalidade. Assim sendo, aqueles que não atenderem as prerrogativas individuais elencadas na Carta Magna, devem ser punidos com uma sanção em prol da coletividade. Observa-se que o que prevalece é o princípio da liberdade, constante do inciso II, do art. 5º da Constituição, no qual consta que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei”5.

Em caso de descumprimento dessas imposições, cabe ao Estado o dever de punir. A esse dever, dá-se o nome de jus puniendi, garantindo que apenas o Estado é legítimo para aplicar sanções e cercear direitos individuais a fim de garantir o bem comum. O direito penal é exceção ao direito da liberdade, mas mal necessário para a manutenção da ordem pública e social, uma vez que se o indivíduo não receber reprimenda por violar bem jurídico penalmente relevante, muito provavelmente continuará a cometer delitos, compromentendo a segurança e a paz dos demais membros da sociedade.

Acerca dessas reprimendas, o professor Damásio de Jesus (2002), ensina que:

4 BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Artigo 39. Lei de Execução Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210.htm Acesso em 21 mai. 2016. 5 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Artigo 5º, inciso II. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 10 abr. 2016.

O Direito Penal regula as relações do indivíduo com a sociedade. Por isso, não pertence ao Direito Privado, mas sim ao Público. Quando o sujeito pratica um delito, estabelece-se uma relação jurídica entre ele e o Estado. Surge o jus puniendi, que é o direito que tem o Estado de atuar sobre os delinquentes na defesa da sociedade contra o crime. Sob outro aspecto, o violador da norma penal tem o direito de liberdade, que consiste em não ser punido fora dos casos previstos pelas leis esabelecidas pelos órgãos competentes e a obrigação de não impedir a aplicação das sanções.6

Resta claro o ônus do Estado em aplicar a norma penal no caso de violação, mas é necessário mencionar que, embora haja mecanismos de extinção da punibilidade estatal como, por exemplo, o perdão judicial e o sursis, a regra é a punição a todos que descumpram a obrigação imposta pela norma. Segundo Denilson Feitosa (2008), o Estado tem o direito de agir, sendo esse direito um dever em caso de violação a um bem jurídico penalmente relevante, não sendo possível ao ente se abster de aplicar a sanção cabível. Princípios norteadores da execução penal

O art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, esclarece que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”7. Os princípios no Direito brasileiro evidenciam-se ainda mais na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, sendo possível mensurar a importância principiológica nas relações jurídicas, servindo como matéria norteadora da aplicabilidade da norma.

Consoante ensinamentos de Denilson Feitoza: A expressão princípios gerais do direito pode ser definida como dogmas que se inferem do estudo de determinada legislação, ou , ainda, critérios maiores existentes em cada ramo do direito e percebidos por indução. No direito civil, os princípios gerais de direito são previstos como meio de solução de lacunas, sendo, portanto, fonte subsidiárias do direito e, normalmente, quando se fala em princípios gerais, há uma referência a critérios não legislados nem consuetudinários, que podem integrar lacunas. Em regra, só se pode invocar um princípio geral do direito, quando não há lei aplicável ao ponto controvertido.

6 JESUS, Damásio e. de. Direito Penal – Parte geral. São Paulo: Saraiva. 2002. Ed. 25. P. 5. 7 BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Artigo 4. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm. Acesso em 16 mai. 2016

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 1º 443

Contudo, devemos distinguir os princípios gerais que sejam também princípios fundamentais, ou seja, diretrizes basilares de um sistema, verdadeiras linhas mestras de acordo com as quais se deverá guiar o intérprete. Neste sentido, temos os princípios constitucionais, aos quais devem se submeter as normas infraconstitucionais, não servindo apenas para suprir lacunas, como ocorre com os demais princípios gerais de direito. São dotados de eficácia, em todos os casos, vinculando o intérprete jurídico e o legislador infraconstitucional.8

Em atenção aos ensinamentos de Vicente Paulo (2004), é míster mencionar que todo o Direito Penal decorre dos valores primordias da vida e da liberdade, portanto, os princípios devem ser observados de forma mais efetiva. Contudo, não há como deixar de mencionar que os princípios são distintos para a fase processual e de execução, uma vez que são autônomas. O objeto deste estudo é a fase de execução, portanto, serão levados em consideração apenas os princípios inerentes à aplicação da pena. Princípio da dignidade da pessoa humana

Segundo Alexandre de Moraes, esse príncipio, oriundo do artigo 1º da Constituição Federal, é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. É o princípio mais importante de todo o ordenamento jurídico brasileiro e estabelece que a pessoa humana é única, tendo sua valoração independente de pressupostos objetivos, sendo assegurado o reconhecimento do apenado como pessoa e garantidos seus direitos mínimos para que seja visto como indivíduo e não mero objeto.

Denilson Feitosa evidencia a importância ímpar desse princípio no que tange ao direito penal ao afirmar que “No cotidiano da persecução penal, é comum o esquecimento da condição humana dos sujeitos do direito processual, reduzindo-os a conceitos abstratos, como réu, indiciado, testemunha, ofendido, peritos, etc.9”. Evidencia-se que o objetivo desse princípio é assegurar minimamente a valoração da pessoa pela sua própria natureza humana, respeitando suas singularidades sem distinção. Princípio da legalidade

O princípio da legalidade também deriva da Constituição, mais precisamente no art. 5º, inciso XXXIX, e encontra vertente no direito penal. Do latim, nullum crimen, nulla poena sine praevia lege, deriva-se o princípio da anterioridade da lei penal, que assegura ao indivíduo que não haverá cometimento de crime sem lei anterior que o

8 FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal – teoria, crítica e práxis. Rio de Janeiro: Impetus. 2008. Ed. 5 .P. 117. 9 FEITOSA, Denilson. Direito Processual Penal – Teoria, Crítica e Práxis. Rio de Janeiro: Impetus. 2008. Ed. 5. P. 123.

defina. Já a reserva legal, segundo ponto existente da pena, decorre de não haver pena sem prévia cominação legal10.

Detalhando, no mesmo esteio de Silva (2000), apesar das argumentações que, parcela minoritária da doutrina sustenta, há uma notável diferença entre o princípio da legalidade e o princípio da reserva legal, uma vez que o primeiro significa a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador. O segundo consiste em estatuir que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por lei. Princípio da presunção de não culpabilidade ou presunção de inocência

O princípio da presunção de não culpabilidade tem por origem a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LVII, afirmando que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da senença penal condenatória11”. Decorre do princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que a regra é a liberdade do indivíduo e a privação desse direito exige, obrigatoriamene, uma violação à norma de natureza penal.

Ocorre que não é razoável considerar a culpabilidade do indivíduo até que sejam plenamente avaliados todos os fatos constantes dos autos, uma vez que, consoante ensinamentos de Denílson Feitosa, existem três verdades a serem consideradas no direito penal: a verdade do autor, a verdade do réu e a verdade dos autos. Antes de transitado em julgado, deverá ser considerado inocente, uma vez que a privação da liberdade incorre em uma série de restrições de direitos fundamentais.

Salienta-se, porém, que a existência do referido princípio não obsta as prisões preventivas e provisórias, tendo em vista que o caráter de ambas não é punitivo, mas meramene preventivo e assecuratório (Fernando Capez, 2006).

Um ponto importante a ser mencionado é acerca da decisão proferida no HC 126292/SP pelo relator Min. Teori Zavascki, que, segundo entendimento do Supremo, não fere a presunção de não-culpabilidade o início do cumprimento de sentença a partir da decisão proferida pelo segundo grau. Com essa alteração, o Supremo alterou jurisprudência de 2009 que exigia a obrigatoriedade do trânsito em julgado para o início efetivo do cumprimento da sentença. Princípio do devido processo legal

10Disponível em: http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/425987/ha-diferenca-entre-o-principio-da-legalidade-e-o-principio-da-reserva-legal. Acesso em 13 abr. 2016. 11 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Artigo 5º, inciso LVII. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 10 abr. 2016.

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 1º 444

Esse princípio está contido no art. 5º, inciso LIV da Constituição, assegurando que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Decorrem desse princípio outros dois: ampla defesa e contraditório. Princípio da ampla defesa

Inserido no inciso LV da CF, o princípio da ampla defesa é espécie do devido processo legal e garante ao acusado a utilização de todos os meios possíveis para que seja alcançada a plenitude de defesa, inclusive juntada de provas consideradas ilícitas em seu favorecimento, uma vez que visa a assegurar a própria liberdade do indivíduo. Princípio do contraditório

Também inserido no inciso LV da CF, garante ao acusado o direito de contradizer todas as alegações proferidas contra ele no curso do processo, usando de todos os meios de prova a ele inerentes. Princípio da pessoalidade das penas

“Nenhuma pena passará da pessoa do condenado12”. Esse inciso, constante do art. 5º, inciso XLV, da CF de 1988, garante ao réu a personificação das penas, uma vez que a pena é personalíssima e não poderá exceder a pessoa do condenado. Princípio da humanidade das penas

Decorre do princípio da dignidade da pessoa humana e visa a garantia do apenado do mínimo de humanidade no cumprimento da reprimenda. Em suma, objetiva assegurar a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, respeitando as singularidades de cada um. Tal princípio resta nítido no art. 1º, da Lei de Execuções Penais. Princípio da ressocialização

Dentre todos os princípios que compõem a seara penal e a aplicação da pena, é de destaque o da ressocialização, elencado no art. 1º da Lei de Execuções Penais. Esse princípio anda ao lado do princípio da humanidade das penas, e visa a garantir a aplicabilidade da principal característica das penas: ressocializar.

É, portanto, de extrema importância para garantir o caráter assecuratório da pena, impedindo que o indivíduo volte a delinquir e coloque em risco a sociedade, caso seja posto em liberdade. As penas privativas de liberdade sob a ótica da LEP

A Lei de Execuções Penais foi criada para revolucionar a aplicação das penas no Brasil, sejam elas privativas de liberdade, medidas socioeducativas ou assecuratórias (Damásio de Jesus, 2002). Infelizmente, o texto da lei não encontra aplicabilidade plena, aparentando estar

12 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Artigo 5º, inciso XLV. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 10 abr. 2016

defasada, quando, em verdade, não é isso que ocorre.

O artigo primeiro da LEP evidencia que: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado13”. Corrobora-se com a preocupação da norma com a recuperação do apenado e consequente reinserção na sociedade, uma vez que se for alcançada essa finalidade, o infrator passará a contribuir para o Estado.

Resta mais nítida a preocupação do legislador, no que tange à manutenção das garantias do detento, ao fazer a leitura do art. 3º: “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei14”. Assim, tem-se o objetivo não apenas de garantir a reinserção do apenado, como também assegurar o mínimo de dignidade no curso do cumprimento da sentença, no intuito de alcançar tanto a reinserção social quanto a ressocialização.

Ao que parece, objetivo principal da Lei de Execuções Penais, constante do Artigo 1º, é valorar o indivíduo e garantir que sejam cumpridos os pressupostos da dignidade da pessoa humana, pois aquele é pessoa de direitos, que um dia tornará a fazer parte da sociedade.

O art. 5º, incisos XLVIII, XLIX e L, da Constituição, elenca uma série de garantias aos detentos. Nesse contexto, é necessário afirmar que, embora exista uma lei específica e o escopo dessa lei esteja inserido no rol constiticional, não há certeza quanto ao cumprimento efetivo das políticas preventivas contidas na LEP, o que pode influenciar drasticamente no quantitativo de reincidência da população carcerária.

Conforme ensinamentos de Nery Júnior e Nery: Tanto quanto possível, incumbe ao Estado adotar medidas preparatórias ao retorno do condenado ao convívio social. Os valores humanos fulminam os enfoques segregacionistas. A ordem jurídica em vigor consagra o direito do preso ser transferido para local em que possua raízes, visando a indispensável assistência pelos familiares.15

13 BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Artigo 1. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm. Acesso em 16 mai. 2016 14 BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Artigo 3. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm. Acesso em 16 mai. 2016 15 JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal Comentada e

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 1º 445

Seguindo a linha de pensamento dos autores, não basta prender o indivíduo, com o intuito de restringir o convívio social, são necessárias políticas públicas efetivas, que individualizem os casos e definam diretrizes de trabalhos para a ressocialização efetiva. É sabido que o trabalho é uma das formas de ressocialização e reinserção do indivíduo ao meio social, conforme menciona Paulo Nader (2009), mas o Estado aparenta permanecer omisso quando se trata de alocar recursos em presídios. Ocorre que o modelo prisional de hoje demonstra claramente que não adianta enjaular um ser humano como medida suficiente para acabar com sua revolta, desprezo e agonia.

Muitos especialistas, como Alessandro Baratta (2008), por exemplo, defendem que não há possibilidade de ressocialização sem oportunidade, salvo raras exceções, cujos fatores motivacionais sejam preponderantes e influenciem de forma mais aguda nas decisões do indivíduo. Não basta transparecer o encarceramento como pior forma de coação, deve-se fornecer mecanismos para que o preso possa seguir uma vida fora do crime.

Recentemente foi noticiado, em mídias televisivas, presidiários que conseguiram ser aprovados em vestibulares e, ainda, com essa vitória e exemplo para ressocialização e reinserção na sociedade, encontraram imbróglios jurídicos que impediram o acesso à instituição de ensino16. Essa situação demonstra a falta de interesse do Estado em desenvolver mecanismos efetivos de reinserção social, divergindo do próprio texto legal.

Importante observar que devido à realidade do mercado de trabalho, que exige mão de obra cada vez mais especializada, os presos necessitam de medidas de acesso à educação superior e técnica (Alessandro Baratta, 2008). Esses nichos educacionais são fornecidos, inclusive, em modalidades à distância, cuja disponibilização seria possível se existissem equipamentos apropriados nos presídios para oferecer aos detentos essa modalidade de capacitação. Contudo, de um lado há o sucateamento do sistema carcerário e a omissão do Executivo no que tange aos cumprimentos das obrigações ressociativas; de outro, o asseveramento do Judiciário e a preocupação exacerbada por conta de um sistema prisional falido. Esses dois fatores alinhados à falta de

Legislação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2014. Ed.5. p.197. 16 Globo.com. Sem escolta, preso que passou no Enem não consegue estudar no Acre. Disponível em: http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2015/09/sem-escolta-preso-que-passou-no-enem-nao-consegue-estudar-no-ac.html. Acesso em: 25 de mai. 2016.

investimentos corroboram para o não atingimento do fim social que é defendido pela LEP.

Segundo a referida lei, em seu Artigo 3º, a prisão não deveria ser um local onde o detento passa os piores dias de sua vida, mas um ambiente que, embora opressivo, garanta subsídios mínimos para que o apenado possa ser reinserido à sociedade ao ser liberto. Deve-se observar o art. 5º, inciso XLVII e XLVII, da Constituição Federal, que determina: “XLVII. Não haverá penas: a) de morte, salvo em casos de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis;”17

Há, contudo, discrepância entre o flagrante descumprimento do texto da Carta Magna, uma vez que ao cercear garantias mínimas para a reinserção do indivíduo, o Estado está sentenciando o apenado a penas perpétuas – uma vez que não encontrará outra saída senão o mundo do crime – e cruéis – já que indivíduo ficará fadado às práticas delitivas reincidentes. Soma-se a isso tudo a quebra do caráter preventivo da pena, obrigando o infrator a delinquir inúmeras vezes, comprometendo toda a sociedade (Fernando Vernice dos Anjos, 2009). A eficácia do modelo penal atual no Brasil

O Estado tem o poder/dever de agir em caso de transgressão de norma penalmente relevante. Contudo, segundo Jovacy Peter Filho (2011), em sua dissertação de mestrado, não basta retribuir o mal causado, deve-se fornecer mecanismos para garantir a reinserção do indivíduo na sociedade. Nessa ótica, resta evidente a preocupação em prevenir eventuais delitos por parte dos ex-detentos, por intermédio da ressocialização, deixando de lado a política meramente retributiva e adentrando em um modelo assecuratório das penas.

Nos últimos anos, porém, dados do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN – demonstram um aumento significativo dos índices prisionais no país. De acordo com o referido órgão, a população carcerária no Brasil é a quarta maior do mundo, com um total de 607.731 – seiscentos e sete mil, setecentos e trinta e um – detentos, sendo inferior apenas aos EUA – 2.228.424; China – 1.657.812 – e Rússia – 673.818.

17 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Artigo 5º, inciso XLVII. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 10 abr. 2016

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 1º 446

Tabela 1

Ponto de destaque é o fato de o Brasil estar caminhando em desencontro com os primeiros colocados no ranking, uma vez que, ainda que o país esteja em quarto lugar, os EUA, a China e a Rússia tiveram uma queda considerável no total de presos. A diferença está nas políticas

preventivas adotadas pelos países, que descriminalizou algumas contravenções penais consideradas de baixo potencial ofensivo – como o uso de algumas drogas, por exemplo, diminuindo consideravelmente o grau de delinquência e reincidência dos apenados

. Gráfico 1

Segundo Jovacy Peter Filho (2011), um dos

fatores contributivos para o aumento na população carcerária no Brasil é a ausência de infraestrutura adequada para acomodar todos os apenados. Embora a Lei de Execuções penais, em seu art. 5º, afirme que o preso será classificado de acordo com os antecedentes e personalidade, a fim de garantir a singularidade das penas aplicadas18, a realidade não permite a efetividade da medida, o que acarreta no convívio

18 BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Artigo 5. Lei de Execução Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210.htm Acesso em 21 mai. 2016.

de presos menos perigosos com o de maior periculosidade.

Dados do relatório do DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional, demonstram o número de detentos nos estabelecimentos penitenciários do país ultrapassa em muito o total de vagas disponibilizadas pelo sistema prisional:

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 1º 447

Gráfico 2

Essa é uma realidade decorrente da falta de

uma metodologia dinâmica, evidenciando um enorme problema quando se trata de redução e prevenção delitiva, conforme depreende-se dos ensinamentos de Alessandro Baratta (2008). Para que haja efetivamente a ressocialização e reinserção do indivíduo em sociedade, é necessária prevenção, impedindo contato dos presos por crimes com menor potencial ofensivo com aqueles que são mais perigosos e reincidentes.

Surge a dúvida quanto à efetividade da aplicação de medidas ressociativas no Brasil, já que aparentemente, ainda segundo o autor supramencionado, não há mecanismos para separar os infratores quanto às ocorrências delitivas ou análise criminológica adequada para comprovar a possibilidade de reincidência em delinquir, dificultando a adoção de soluções direcionadas ao infrator, com diagnósticos pessoais e apropriados.

Embora previsto na norma, não há o devido cumprimento metodológico da ressocialização, divergindo com o contido na teoria mista da ressocialização, adotada pelo Brasil19. Com a ausência de mecanismos efetivos, a intenção de ressocializar, além de ser considerada ineficiente, aparece como potencial agravante delitivo, já que o Estado passa a demonstrar que há pouca ou nenhuma preocupação com a pessoa do apenado, aumentando o sentimento de revolta e abandono, além de obrigar a sociedade a condenar o indivíduo eternamente por conta do sentimento de impunidade e insegurança. Reincidência x ressocialização: o perfil do apenado no Brasil

19 DOS ANJOS, Fernando Vernice. Análise Crítica

da Finalidade da Pena na Execução Penal:

Ressocialização e o Direito Penal Brasilerio. São

Paulo, 2009. Dissertação (Mestrado em Direito Penal),

Universidade de São Paulo.

A pesquisa realizada pelo IPEA em 2015 foi pioneira em abordar o perfil do apenado no Brasil. Antes desse levantamento, havia somente especulações acerca do quantitativo de presos reincidentes, com nenhuma informação real sobre o perfil dos detentos, o que dificultava ainda mais a ação do Estado na prevenção delitiva. O dado mais próximo existente era do Depen, que em junho de 2008 divulgou um total de 43,12% dos apenados como reincidentes.

Contudo, é importante mencionar que, ainda segundo o referido relatório, do ano de 1998 a 2015, o grande imbróglio dessa temática era conceitual. Antes de 1997, o Brasil adotava a reincidência penal, onde considerava a prática reiterada de qualquer delito como sendo reincidente, sendo substituída, em 1998, pela reincidência penitenciária, na qual para que haja reincidência, o indivíduo precisa ter cumprido a pena e, posto em liberdade, torne a praticar o ato delitivo.

Após essa conceituação, o Supremo Tribunal Federal, por intermédio do Min. Celso de Mello, declarou no HC 72.840/SP, que, para haver reincidência a prática delitiva deve cumprir dois requisitos: trânsito em julgado da sentença penal condenatória e prática delitiva enquadrada no mesmo tipo penal anterior. A referida decisão traz à baila uma nova situação fática, baseada em critérios objetivos e não subjetivos, como era utilizado em alguns casos.

Com essas novas definições, foi possível verificar de forma mais contundente a real situação do sistema carcerário brasileiro, especialmente quanto ao perfil dos indivíduos que estão a cumprir penas em estabelecimentos prisionais, chegando, segundo o IPEA, ao total de 24,4%. Importante mencionar que a pesquisa foi feita por base de amostragem, realizada com 936 apenados, espalhados em sete estados da federação. Faixa etária do preso no Brasil

Segundo dados levantados pelo IPEA, a maior parte da população carcerária brasileira é formada por jovens, entre os 18 e 24 anos. Não foram levados em consideração, porém, casas de reabilitação de menores.

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 1º 448

Tabela 2

Segundo Alessandro Baratta (2008), a falta de oportunidade e acesso ao lazer, educação e profissionalização do jovem são os principais fatores para o cometimento de delitos nessa faixa etária, uma vez que aumenta a ociosidade e sentimento de abandono pelo Estado. Com a restrição de acesso a programas direcionado à juventude e vendo cerceada a possiblidade de melhoria de vida, muitas vezes o jovem acaba optando pelo mundo do crime.

É importante observar a taxa de reincidência nessa faixa etária. Segundo o próprio relatório do

IPEA “a literatura internacional tem apontado que, quanto menor a idade do primeiro delito, maiores as chances de reincidência. A intervenção do Estado com o intuito de criar oportunidade é fulcral para impedir a proliferação da prática delitiva. Sexo

É de extrema relevância observar os índices de delitos praticados em se tratando de gênero, uma vez que há mais homens que homens encarcerados. Tal discrepância pode ser observada no gráfico abaixo:

Tabela 3

Raça e cor

Inicialmente, é importante explanar que o termo “raça” negra abarca duas espécies: pretos e pardos, conforme explanação contida no relatório do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010). Antes de prosseguir nesta seção, cabe esclarecer que o termo “raça” não é um termo aferível biologicamente, ele é um conceito sociológico.

Por essa razão, o IBGE, em suas pesquisas, usa como instrumental a auto-atribuição da cor pelo próprio indivíduo. Prosseguindo, de acordo com a base de dados do IBGE, pardo é toda pessoa oriunda de miscigenação, seja ela cabocla, cafuza, mameluca ou mulata, enquanto os negros, são aqueles que se identificam como afrodescendentes. Nesses termos, o gráfico abaixo deixa claro que a maior incidência na prática delitiva é de negros – sentido lato.

: Tabela 4

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 1º 449

Dos dados apresentados, merece destaque o fato de que os negros – sentido lato – são maioria em se tratando de réus primários, representando 65,7% dos presos, contra 34,3% dos brancos. Já no quesito de reincidência, os brancos representam maior número, com 53,7%, contra 46,3% dos negros. Fato curioso é que a população brasileira é formada, em sua maioria, por negros – sentido lato, representando 55% dos membros da sociedade, segundo o último censo do IBGE.

Escolaridade É o maior desafio a ser vencido para alcance

efetivo das penas no Brasil. O estudo realizado pelo IPEA, revela uma situação crítica, principalmente àqueles que tiveram poucas oportunidades de estudo. Os dados coletados denotam de forma nítida que quanto menor o grau de escolaridade do indivíduo, maior será a possibilidade de envolvimento no mundo do crime.

Tabela 5

O maior percentual dos não reincidentes está no grupo dos presos que possuem ensino fundamental incompleto, totalizando 37,6%; seguidos daqueles que sabem ler e escrever, 27,1%; analfabetos, 9,8%; que possuem ensino

fundamental completo, 9,4%; ensino médio completo, 8,1%; ensino médio incompleto, 3,9%, ensino superior completo ou pós graduação, 2.4% e ensino superior incompleto, 1,5%.

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 1º 450

Já no grupo dos reincidentes, os apenados com ensino fundamental incompleto representam 58,5%; que sabem ler e escrever, 15%; ensino fundamental completo, 10,9%; analfabetos, 6,8%; ensino médio completo, 5,4%; ensino médio incompleto, 2,7%; superior completo ou pós graduação, 0,7%; superior incompleto, 0%. A criminologia como ferramenta diagnóstica da prevenção

Na concepção de Nestor Sampaio, a Criminologia “é a ciência que estuda os crimes e os criminosos, isto é, a criminalidade. Entretanto, a Criminologia não estuda apenas os crimes, mas também as circunstâncias sociais, a vítima, o criminoso, o prognóstico delitivo, etc20”.

Partindo da tese de Miguel Reale (2002), onde todo ser humano é um indivíduo singular, dotado de emoções básicas que podem ser modeladas institucionalmente. A depender de tal configuração afetiva, o indivíduo pode ter o seu comportamento desviado. Assim, a Criminologia agrega um importante valor em se tratando de ressocialização, uma vez que pode construir o perfil do infrator, corroborando com a teoria psicológica, favorecendo um diagnóstico individualizado e preventivo. Todos esses esforços contribuem para a adoção de políticas públicas que visam às ações efetivas para reduzir a periculosidade do indivíduo. Para tal intento, a Criminologia está dividida em quatro vertentes de estudo, sendo elas: o delito, o delinquente, a vítima e o controle social. Delito

No que tange ao delito, Nestor Sampaio explana que: A criminologia moderna não pode se limitar na concepção do conceito jurídico-penal de delito, pois isso fulminaria sua independência e autonomia, transformando-se em mero instrumento de auxílio do direito penal. De igual sorte, não aceita o conceito sociológico de crime como uma conduta desviada, que foge ao comportamento padrão de uma comunidade. Assim, para a criminologia, o crime é um fenômeno social, comunitário e que se mostra como um problema maior, a exigir do pesquisador uma empatia para se aproximar dele e o entender em suas múltiplas facetas. Destarte, a relatividade do conceito de delito é patente na criminologia, que o observa como um problema social.21

Segundo os ensinamentos do autor, há uma estreita preocupação não apenas no sentido de identificar o porquê do delito, mas em entender a motivação do crime. Com uma análise mais aprofundada do problema, pode-se analisar desde a estrutura familiar do indivíduo ao nível da

20 SAMPAIO, Nestor. Manual Esquemático de Criminologia. São Paulo: Saraiva. 2002. P. 19. 21 SAMPAIO, Nestor. Manual Esquemático de Criminologia. São Paulo: Saraiva. 2002. P. 21.

capacidade delitiva, levando em consideração os meios que influenciaram os delitos praticados. A Criminologia se afasta das teorias de base rousseauniana que indicam que o indivíduo é produto do meio. Ela afirma categoricamente que a personalidade dos indivíduos bem como as suas inclinações delitivas são modeladas em razão das instituições pelas quais eles passaram ao longo da vida. Delinqüente

Antes de conceituar delinqüente nos aspectos criminológicos, é necessário abordar que o direito penal brasileiro adota, em sua teoria geral do crime, aspectos qualitativos quanto às características empíricas do agente, isto é, fornece benefícios de acordo com as circunstâncias do crime, podendo excluir sua culpabilidade e, ainda, o próprio dolo22.

Ainda que qualquer um possa delinqüir, levam-se em consideração os componentes que levaram o indivíduo ao cometimento da prática delitiva. Segundo o nobre professor Sérgio Salomão: “O criminoso é um ser histórico, real, complexo e enigmático, um ser absolutamente normal, que pode estar sujeito às influências do meio. As diferentes perspectivas não se excluem, antes, completam-se e permitem um grande mosaico sobre o qual se assenta o direito penal atual23”.

Seguindo os ensinamentos do nobre professor, é a principal relevância do estudo criminológico: individualizar as circunstâncias fáticas do indivíduo, levando em consideração os meios que o influenciaram a praticar a conduta antijurídica. Com essa análise, é possível um estudo psicológico mais aprofundado, atacando os motivos na origem. Vítima

Embora seja importante para a análise criminológica, a participação involuntária da vítima para execução da prática delitiva, no presente estudo, ela se faz desnecessária, uma vez que se trata de situação anterior (Nestor Sampaio, 2011), influenciando apenas na pena aplicada ao infrator, agindo apenas como meio influenciador no ato, demonstrando ou não a capacidade psicopática ou delitiva do apenado. Controle Social

Segundo Nestor Sampaio (2011), o controle social é relevante no estudo criminológico do indivíduo, uma vez que analisa a influência das entidades de controle informal – formadoras de caráter natural do indivíduo: como família, escola e religião – e de controle formal – intervenções estatais na formação: polícia, forças armadas, ministério público, etc.

22 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. São Paulo: Método. 2011. ed. 4. p. 175. 23 SAMPAIO, Nestor. Manual Esquemático de Criminologia. São Paulo: Saraiva. 2002. P. 22.

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 1º 451

Seguindo a linha de pensamento, as instituições de controle informal são cruciais para a implantação de valores morais socialmente aceitáveis, servindo como primeira base principiológica dos cidadãos. Já as entidades de controle formal são utilizadas pelo Estado para assegurar o cumprimento das normas e garantir a paz social, por intermédio de medidas negativas impositivas. Importância da Criminologia

A possibilidade de alcance dos resultados propostos pela Criminologia encontra respaldo em sua própria função. Segundo Nestor Sampaio: Desponta como função primordial da criminologia a junção de múltiplos conhecimentos mais seguros e estáveis relacionados ao crime, ao criminoso, à vítima e ao controle social. Esse núcleo do saber permite compreender cientificamente o problema criminal, visando sua prevenção e interferência no homem delinquente24.

Ainda sobre a função da Criminologia, explicita que “pode-se dizer com acerto que é função da criminologia desenhar um diagnóstico qualificado e conjuntural sobre o delito25”.

Portanto, uma análise criminológica detalhada do criminoso é primordial para garantir o tratamento individualizado, com apontamentos concretos das causas/consequências do crime por ele cometido26. Esse diagnóstico contribuiria para uma melhor ressocialização, ao mesmo tempo que asseguraria a reintegração social do apenado, sendo importante instrumento no combate à reincidência e aliada contra a criminalidade enraizada no Brasil.

A preocupação com o tratamento individualizado dos presos encontra resistência do Estado, que aplica a teoria máxima em detrimento da teoria mista. O art. 5 da LEP, adverte que “os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal27”, e continua afirmando, em seu art. 6 , que “a classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação – CTC – que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório28”.

24 SAMPAIO, Nestor. Manual Esquemático de Criminologia. São Paulo: Saraiva. 2002. P. 23. 25 SAMPAIO, Nestor. Manual Esquemático de Criminologia. São Paulo: Saraiva. 2002. P. 24. 26 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e a Crítica do Direito Penal. São Paulo: Saraiva. 2008. Ed. 8. P. 28. 27 BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Artigo 5. Lei de Execução Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210.htm Acesso em 21 mai. 2016. 28 BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Artigo 6. Lei de Execução Penal. Disponível em

Segundo levantamento do ministério da justiça, conjuntamente ao DEPEN, nem todas as unidades da federação possuem CTC’s, e as que possuem, não contemplam as unidades prisionais do interior. Segundo o referido relatório, no tocante a disponibilização desse direito aos presos, trouxe à baila situação alarmante, mencionando desde carência de técnicos para composição da bancada, à falta de recursos dispendidos pelo Estado para criação e implantação desses centros nos estados.

Com o déficit do sistema carcerário, fica impossível separar os presos segundo o grau de periculosidade, dificultando a reabilitação do indivíduo de forma personalizada (Alessandro Baratta, 2008). O relatório do DEPEN evidencia um enorme déficit carcerário, contribuindo para o alto índice de reincidência e o baixo aproveitamento de reinserção social, conforme já exposto na Tabela 1, do título 5.

O problema é que a maior parte da população carcerária no Brasil é formada por pessoas oriundas dos estratos baixos da sociedade, sem oportunidades e sem perspectiva de acesso ao trabalho, o que inviabiliza, e muito, a recuperação por conta do próprio apenado. Segundo Nestor Sampaio (2002), sem a aplicação efetiva da Criminologia no tratamento ressociativo do preso, o condenado não terá apoio do Estado para ressocialização, sendo obrigado a lutar contra a própria natureza da realidade penal por sua conta e risco. Instituições formadoras: reconstruir ou coagir?

As instituições formadoras têm importância crucial na formação ética do indivíduo, implantando uma concepção moral, com base nos valores consuetudinários de determinado povo (Alessandro Baratta, 2008). Com essas influências, intrínsecas e extrínsecas, o indivíduo passa a valorar aquilo que considera importante, aplicando-as, na prática, durante o convívio em sociedade.

Na concepção de Dalmo Dallari, “a sociedade é produto da conjugação de um simples impulso associativo natural e da cooperação da vontade humana29”, comprovando a necessidade do homem de conviver em sociedade, afirmando a tese de animal social. Desse modo, estará sujeito à cooperação para o alcance dos objetivos finalísticos daquele grupo.

Nessa linha, para alinhar os pensamentos do indivíduo com os objetivos finalísticos da sociedade, existem instituições de controle informal, que são aquelas mantidas pela própria sociedade para manutenção e implantação

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210.htm Acesso em 21 mai. 2016. 29 DALARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva. 2007. Ed. 27. P. 11.

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 1º 452

valorativa. Destacam-se, nesse contexto, a escola, a família e a igreja.

Em um ambiente bem estruturado, em que as três instituições trabalhem juntas e colaborativamente para implantação de valores, dificilmente o indivíduo irá delinqüir, pois a base de formação será sólida, contribuindo para absorção da estruturação ética e moral (Alessandro Baratta, 2008). Em contrapartida, se o indivíduo não tem essa base de formação, dificilmente será um cidadão de bem, sendo propenso a desobedecer às normas, agindo em desencontro com a sociedade.

As instituições de controle formal, por sua vez, são criadas pelo Estado a fim de garantir o alcance do bem comum por meio da coação (Nestor Sampaio, 2002). A principal função dessas entidades é exercer a função punitiva e assecuratória, garantindo que os indivíduos que ajam em desconformidade com as valorações do grupo social, sejam punidos e ressocializados, para contribuir com os valores sociais.

Nessa linha, Silvio de Sávio ensina que “Para a vida em sociedade o ser humano tem necessidade de estabelecer ordens, sob o pálio dos institutos e das instituições. Por essa razão, o homem situa-se em ordens religiosas, éticas, morais e jurídicas30”.

Segundo os entendimento do autor, o ser humano poderá ser influenciado de duas maneiras: moralização ou coação. A primeira, decorre das valorações positivas impostas no decorrer de sua vida, por intermédio das instituições de controle informal; a segunda decorre de imposições negativas do Estado, por meio das instituições de controle formal, geralmente de caráter preventivo – norma – ou repressivo – coação.

Não há como valorar uma em detrimento de outra, sendo mais correto a atuação conjunta. Contudo, se houver influência mais acentuada das instituições informais, dificilmente será necessária a ação das instituições formais. Nessa linha, Silvio de Savio explicita: O nível de transgressão das normas é um termômetro do desenvolvimento social de um povo: quanto mais educado for um povo, quanto mais civilizado e quanto mais justo for o direito, menos uso da coação física terá de fazer a autoridade pública. Da mesma forma, quando a autoridade estatal for desestruturada e não puder impor-se pela autoridade moral ou não souber aplicar corretamente os meios de coerção, maior será o desajuste da sociedade.31

30 VENOSA, Silvio de Savio. Introdução ao Estudo do Direito – primeiras linhas. São Paulo: Atlas. 2004. P. 54. 31 VENOSA, Silvio de Savio. Introdução ao Estudo do Direito – primeiras linhas. São Paulo: Atlas. 2004. P. 110.

É clara a necessidade de uma atuação conjunta mais efetiva das entidades formais e informais, a fim de diminuir o índice de reincidência dos apenados no Brasil. Para isso, não basta que o Estado aplique a LEP apenas em alguns presídios do país, mas em todos eles, conscientizando a sociedade sobre seu papel na ressocialização do indivíduo (Fernando Vernice, 2009).

Segundo os ensinamentos de Alessandro Baratta, o trabalho merece destaque na reabilitação do indivíduo, pois passa a sensação de utilidade para a sociedade, diminuindo o complexo de inferioridade do próprio apenado e o preconceito por parte do grupo social, que deixa de marginalizar o indivíduo, passando a considerar o apenado como pessoa de direitos, apto a fazer parte da sociedade.

Ainda, explana que não basta defender que o indivíduo tem direito ao trabalho, devem-se criar mecanismos, tais como parcerias com instituições privadas, a fim de garantir a aplicação desse forte mecanismo de ressocialização. Infelizmente ainda há a política do imediatismo no Brasil, onde a reflexão é apenas nos resultados e conseqüências imediatas e não há preocupação com imbróglios mediatos.

Segundo Silvio de Sávio Venosa (2004), enquanto houver implantado o emprego do medo por intermédio da coação do Estado, haverá disseminação do ódio e sensação de abandono, sendo a única saída do preso delinqüir, uma vez que o próprio Estado não se preocupa em vislumbrar o preso como pessoa, mas tratando o apenado como mero objeto descartável pelo sistema. A punição eterna das ruas

Para a efetivação da ressocialização, é necessário que aconteça a reinserção social (Jovacy Peter Filho, 2011). A reinserção depende de um compilado de políticas públicas e ações preventivas na sociedade, com o intuito de desconstruir a imagem de punição eterna ao infrator, fortalecendo as ações que visem aceitar o ex-detento.

Um dos maiores desafios para a ressocialização no Brasil é a reinserção social, uma vez que, segundo apontado no relatório do IPEA (2015), a pena privativa de liberdade finda, mas a punição das ruas perdura. Segundo levantamento do CNJ, pelo menos 24,4% da população carcerária brasileira é composta por reincidentes, o que colabora diretamente para a alta reprovação social dos ex-presidiários.

Em matéria publicada em 2010, o site de notícias G1, da emissora Globo, publicou uma reportagem com o seguinte título: “apesar de leis, ex-presos encontram resistência no mercado de trabalho”. Ao mencionar as leis de incentivo à contratação do detento, originadas da LEP e criadas por vários estados no Brasil, a reportagem cita um exemplo:

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 1º 453

R. N., de 31 anos, ex-presidiário de Minas Gerais. Recebeu o alvará de soltura em junho, após cumprir 11 dos 18 anos de sua pena, beneficiado pela progressão de regime. Enquanto estava preso, trabalhou, fez cursinho e passou no vestibular para direito. R. N. estava no último ano da graduação quando conseguiu a liberdade condicional. Como o contrato de trabalho valia somente para o período de prisão, acabou sem emprego e, consequentemente, precisou trancar a faculdade.32

A antítese constante do fato é que a sociedade cobra do Estado medidas que reduzam a criminalidade e o índice de reincidência dos apenados, porém a própria sociedade marca os ex-presidiários com máculas eternas (Fernando Vernice, 2009). Esse fato demonstra a necessidade de uma campanha educativa promovida com o intuito de resguardar o acesso dos presidiários à reintegração social.

É de extrema relevância que a sociedade entenda seu papel na reintegração do apenado, atuando para garantir que esse último não torne a cometer delitos por falta de oportunidades decorrentes de preconceitos. Segundo apresentado por Jovacy Peter Filho (2011), se a sociedade atuar conjuntamente às instituições formadoras de caráter do indivíduo, sejam formais ou informais, haverá a real possibilidade de reversão desse quadro caótico que vive o sistema prisional brasileiro. Considerações finais

Por todo o exposto ao longo do projeto que não há efetividade quanto ao alcance do objetivo da pena, consequência da falta de estrutura nas instituições penais. Com superlotação e falta de diagnóstico personalizado, há impossibilidade de aplicação do princípio da individualização das penas, aumentando o sentimento de abandono do apenado, que precisa alcançar a ressocialização por contra própria, o que é, na maioria dos casos, impossível de ser alcançado.

A falta de investimento em educação, tanto do apenado, quanto da sociedade, agrava ainda mais o resultado negativo da ressocialização. Conforme demonstrado, grande parte dos delinquentes não possuem estudos suficientes para inserção no mercado de trabalho, representando a maioria dos presos primários e reincidentes no país.

Conforme apresentado ao longo do projeto, o objetivo da pena é ressocializar o indivíduo, deixando-o apto ao convívio social, dando-lhe oportunidades de afastar-se em definitivo da prática delitiva, mas não são alcançados devido

32 Globo.com. Apesar de leis, ex-presos enfrentam resistência no mercado de trabalho. Disponível em: http://g1.globo.com/concursos-e-emprego/noticia/2010/12/apesar-de-leis-ex-presos-enfrentam-resistencia-no-mercado-de-trabalho.html. Acesso em: 23 de mai. 2016.

ao pré-julgamento da sociedade associada à omissão do Estado.

Desse modo, há a necessidade de aprimorar não apenas o sistema carcerário, mas também as instituições de controle formal e as de controle informal. Não basta coagir para alcançar os resultados finalísticos da pena, sendo de extrema importância o alinhamento de políticas preventivas com ações positivas, implantando valores morais e éticos no infrator.

Esse desafio está longe de ser vencido, mas com união e trabalho em conjunto, poderá, futuramente, ser alcançado e contribuirá para uma sociedade realmente justa, deixando de tratar o apenado como mero marginal, enxergando-o como uma pessoa de direitos e auxiliando-os a conviver em sociedade.

Referências BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e a Crítica do Direito Penal. São Paulo: Saraiva. 2008. Ed. 8. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva. 2006. Ed. 13. DALARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva. 2007. Ed. 27. DOS ANJOS, Fernando Vernice. Análise Crítica da Finalidade da Pena na Execução Penal: Ressocialização e o Direito Penal Brasileiro. São Paulo, 2009. Dissertação (Mestrado em Direito Penal), Universidade de São Paulo. FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal – teoria, crítica e práxis. Rio de Janeiro: Impetus. 2008. Ed. 5. JESUS, Damásio e. de. Direito Penal – Parte geral. São Paulo: Saraiva. 2002. Ed. 25. JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2014. Ed.5. MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. São Paulo: Método. 2011. Ed. 4. NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Forense. 2014. Ed. 37. PETER, Jovacy Filho. Reintegração Social: Um Diálogo Entre a Sociedade e o Cárcere. São Paulo, 2011. Dissertação (Mestrado em Direito Penal), Universidade de São Paulo. REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. São Paulo: Saraiva. 2000. Ed. 5. SAMPAIO, Nestor. Manual Esquemático de Criminologia. São Paulo: Saraiva. 2002. VENOSA, Silvio de Savio. Introdução ao Estudo do Direito – primeiras linhas. São Paulo: Atlas. 2004. P. 54. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA - IPEA. Reincidência Criminal no Brasil – elaboração. Rio de Janeiro, 2015. BRASIL. Constituição Federal de 1988. Artigo 5º, inciso XLVII. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 10 abr. 2016. BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Artigo 6. Lei de Execução Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210.htm Acesso em 21 mai. 2016. Globo.com. Apesar de leis, ex-presos enfrentam resistência no mercado de trabalho. Disponível em:http://g1.globo.com/concursos-e-emprego/noticia/2010/12/apesar-de-leis-ex-presos-enfrentam-resistencia-no-mercado-de-trabalho.html. Acesso em: 23 de mai. 2016.