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Page 1: Controle Judicial do Orçamento Público Brasil x Portugal · Brasil: panorama Prevalecia no STF que as leis de natureza orçamentária não seriam suscetíveis de controle abstrato

Universidade Nova de LisboaDireito Público Comparado

Controle Judicialdo Orçamento Público

Brasil x Portugal

19 de maio de 2013 Alain S. Rémy

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Definições metodológicas

Objetivo: comparação da evolução das decisões judiciais tomadas pelos tribunais de maior autoridade na jurisdição constitucional do Brasil (STF) e de Portugal (TC), desde as constituições de 1988 (BR) e 1976 (PT), no tocante ao controle de questões orçamentárias [em contextos de crise].

Objeto: menor denominador comum em matéria orçamentária: previsão de receitas, autorização de despesas e questões relativas a operações de crédito.

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Observação preliminar

Distância entre noções de natureza orçamentária nos contextos institucionais comparados:

Brasil: princípio da exclusividade;

Portugal: cavaleiros orçamentários.

Suspeita da geração de uma dificuldade epistemológica por esse fator.

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Portugal: pesquisa

Critério de busca: decisões tomadas pelo Tribunal Constitucional (PT) em controle preventivo e sucessivo contendo a expressão “lei do orçamento”.

Resultados:

9 decisões em controle preventivo;

53 decisões em controle sucessivo.

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Portugal: pesquisa

31 decisões com matéria não-financeira (1/3):

Acórdão 236/86: matéria fiscal;

Acórdão 187/87: matéria criminal e pré-constitucional;

Acórdão 461/87: matérias constitucional e fiscal;

Acórdão 158/88: matéria criminal;

Acórdão 330/89: matéria constitucional;

Acórdão 414/89: matéria criminal;

Acórdão 473/89: matéria fiscal e constitucional;

Acórdão 303/90: matéria administrativa [desigualdade entre categorias de professores gerada por cavaleiro orçamental];

Acórdão 207/93: matéria fiscal;

Acórdão 398/93: matéria constitucional;

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Portugal: pesquisa

31 decisões com matéria não-financeira (2/3):

Acórdão 1057/96: matéria fiscal;

Acórdão 1204/96: matéria fiscal;

Acórdão 141/02: matéria administrativa;

Acórdão 142/02: matéria fiscal;

Acórdão 162/03: matéria laboral-administrativa;

Acórdão 360/03: matéria securitária [*];

Acórdão 406/03: matéria laboral-administrativa;

Acórdão 70/04: matéria fiscal;

Acórdão 374/04: matéria securitária [*];

Acórdão 491/04: matéria fiscal;

Acórdão 525/08: matéria administrativa;

* [cf. reformas previdenciárias brasileiras]

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Portugal: pesquisa

31 decisões com matéria não-financeira (3/3):

Acórdão 174/09: matéria administrativa;

Acórdão 494/09: matéria fiscal;

Acórdão 136/11: reduções salariais no orçamento regional;

Acórdão 396/11: reduções salariais;

Acórdão 613/11: reduções salariais no orçamento regional;

Acórdão 353/12: reduções salariais;

Acórdão 412/12: matéria fiscal;

Acórdão 568/12: matéria fiscal;

Acórdão 144/13: reduções salariais e matéria fiscal;

Acórdão 187/13: matéria fiscal.

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Portugal: pesquisa

12 decisões com matéria financeira não-orçamentária (1/6):

Acórdão 144/85: «as normas em referência conferem ao Governo, ilimitadamente, poderes que em qualquer caso só à Assembleia da República cabem e tornam precária, susceptível de alteração à revelia do único órgão para o efeito competente, a repartição das verbas respeitantes aos diversos tipos de despesas públicas, o que converte o Orçamento do Estado numa vasta soma de verdadeiras dotações provisionais, livremente alteráveis pelo Governo».

Acórdão 82/86: autonomia financeira regional.

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Portugal: pesquisa

12 decisões com matéria financeira não-orçamentária (2/6):

Acórdão 317/86: “normas constantes dos artigos 3º e 4º da Lei nº 32/86, de 29 de Agosto, e ainda da alteração introduzida no mapa II do Orçamento do Estado, anexo àquela lei, consubstanciada numa transferência de verba de 64 000 contos da Direcção-Geral da Comunicação Social – capítulo 10 de Encargos Gerais da Nação – para a rubrica de subsídios a empresas públicas, destinada à ANOP, bem como da inconstitucionalidade do aumento da receita do IVA em 14 milhões de contos – artigo 05, grupo 03 do capítulo 02 do mapa I –, com a consequente redução do défice, por violação do nº 3 do artigo 108º, da alínea b) do artigo 202º e do nº 2 do artigo 170º, todos da Constituição”, porque “a Assembleia da República não pode tomar a iniciativa de um projecto de lei do Orçamento; só pode discutir e votar o Orçamento sob proposta de lei do Governo”.

[Tem repercussão no âmbito financeiro-orçamentário, mas a controvérsia diz respeito à repartição formal de competências, portanto não possui relevância científica para o presente estudo.]

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Portugal: pesquisa

12 decisões com matéria financeira não-orçamentária (3/6):

Acórdão 206/87 [normas do orçamento da Região da Madeira]: “insuficiente especificação das despesas orçamentais a aprovar pela Assembleia Regional”; aprovação do orçamento para 1985 “prevendo uma situação deficitária e sem efectiva cobertura”; restrição da “competência orçamental da Assembleia Regional à aprovação do «tipos de receitas» e das «dotações globais correspondentes às despesas de funcionamento e ao conjunto dos programas de investimento de cada secretaria regional»”; restrição do “âmbito da discussão do orçamento e dos planos regionais e reduzem a uma só votação, de carácter global, quer o processo de deliberação parlamentar ao orçamento, quer o processo de deliberação parlamentar referente ao plano”.

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Portugal: pesquisa

12 decisões com matéria financeira não-orçamentária (4/6):

Acórdão 361/91: disposições das leis do orçamento para 1990 e 1991 que determinam repasse de verbas municipais para arcar com despesas supostamente a cargo da República, violando-se a autonomia local.

Acórdão 624/97: disposição pelo Governo da República sobre limites de endividamento, que estariam violando a autonomia regional [limites de competências constitucionais].

Acórdão 260/98: autonomia financeira regional.

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Portugal: pesquisa

12 decisões com matéria financeira não-orçamentária (5/6):

Acórdão 670/99: ausência de audições prévia da Região à aprovação da Lei do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano.

Acórdão 684/99: idem, referente à aprovação Lei das Finanças Locais.

Acórdão 532/00: autonomia regional em contraposição aos limites de endividamento impostos pelas leis da República.

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Portugal: pesquisa

12 decisões com matéria financeira não-orçamentária (6/6):

Acórdão 529/01: disposições das Grandes Opções do Plano sobre as Regiões, por problemas formais e também com relação à imposição de limitações ao endividamento regional.

Acórdão 567/04: disposições da Lei de Enquadramento Orçamental e da Lei de Finanças das Regiões relativas a limites ao endividamento regional em função de compromissos externos de Portugal.

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Portugal: pesquisa

3 decisões com matéria propriamente orçamentária (1/3):

Acórdão 297/86: disposições laborais (salários em atraso) de iniciativa dos Deputados que implicariam, no ano económico em curso, um aumento da despesa do Estado prevista no Orçamento para esse efeito.

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Portugal: pesquisa

3 decisões com matéria propriamente orçamentária (2/3):

Acórdão 267/88: “aprovação de orçamentos de fundos e serviços autónomos por despacho interno dos membros do Executivo que os tutelam” pela distribuição de competências orçamentais entre o Governo e a Assembleia da República e pelos princípios da unidade e da universalidade; ausência de discriminação de despesas; inclusão indevida de dotações não relativas a despesas; tentativa de “financiar despesas não adequadamente inscritas, mediante receitas não inscritas, e com origem em empréstimos que não contam para os limites dos empréstimos autorizados para financiamento do défice”.

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Portugal: pesquisa

3 decisões com matéria propriamente orçamentária (3/3):

Acórdão 358/92: inconstitucionalidade da lei do orçamento para 1992 por incompatibilidade com disposições sobre critérios de cálculo da verba global do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF) contidas na Lei das Finanças Locais, debatendo-se sua qualificação como “lei ordinária reforçada de vinculação específica”.

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Portugal: pesquisa

4 casos interessantes:

Acórdão 581/07: redução do valor destinado à Região no Orçamento, a título de solidariedade e de fundo de coesão. Pode não se enquadrar na ideia de definição de despesa pública, mas constitui algum reflexo judicial-orçamental de crise.

Acórdão 238/08: idem.

Acórdão 346/08: idem [dentre outras questões].

Acórdão 499/08: repartição de receitas fiscais, guardando proximidade com o assunto acima.

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Portugal: conclusão parcial

Raridade de casos passíveis de comparação mesmo isoladamente, maior ainda dizendo respeito a um contexto de crise.

Consequência: impossibilidade de extrapolação de uma série histórica.

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Brasil: panorama

Prevalecia no STF que as leis de natureza orçamentária não seriam suscetíveis de controle abstrato de constitucionalidade porque seriam “leis de efeito concreto”, ou seja, leis apenas em sentido meramente formal, sem conteúdo passível de apreciação em sede de jurisdição constitucional.

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Brasil: panorama

No julgamento da ADI 2.925, em 2003, observa-se o início da mudança:

“Mostra-se adequado o controle concentrado de constitucionalidade quando a lei orçamentária revela contornos abstratos e autônomos, em abandono ao campo da eficácia concreta.”

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Brasil: panorama

Consolidação na decisão da ADI 4.048, em 2008:

“II. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS ORÇAMENTÁRIAS. REVISÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade.”

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Brasil: panorama

Norma objeto da ADI 4.048: Medida Provisória 405/2007 [posteriormente convertida na Lei 11.658/2008, como é próprio ocorrer no processo legislativo brasileiro] que abriu crédito extraordinário [espécie de alteração orçamental no direito brasileiro] em favor de órgãos do Judiciário e do Executivo, com valor total de R$ 5.455.677.660,00 [equivalentes a mais de dois bilhões de euros].

Questão central: condições de abertura de créditos extraordinários por Medida Provisória, apenas “para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública”.

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Brasil: panorama

Depois disso: entre 2010 e 2012, não houve guerras ou calamidades públicas imprevisíveis no Brasil, mas 22 Medidas Provisórias foram editadas com esse fundamento:

Em 2010, 8 MPs: 480, 485, 486, 490, 498, 506, 508 e 515.

Em 2011, 5 MPs: 553, 548, 537, 531 e 522.

Em 2012, 9 MPs: 560, 566, 569, 572, 573, 583, 588, 596 e 598.

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Brasil: panorama

Há ADIs em tramitação (e.g., ADIs 4.602, 4.607, 4.904), mas o STF não parece apressado para julgá-las antes do fim dos efeitos financeiros dessas normas.

“Sem que os ministros precisem rediscutir os fundamentos acolhidos na ADI 4.048, o tempo faz o papel de magistrado e assim legitima-se a realização cada vez mais frequente de gastos ordinários e previsíveis, que não observaram o devido processo legal, nem passaram previamente pelo crivo do Poder Legislativo.” (OJC)

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Conclusões

1. Confirmação da dificuldade epistemológica cogitada inicialmente.

2. Separação dos poderes (em abstrato): em última análise, todo litígio orçamentário consiste numa discussão sobre os contornos do equilíbrio entre os Poderes Executivo e Legislativo. Assim foi historicamente (ex.: Inglaterra, 1215) e continua(rá?) sendo.

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Conclusões

3. Separação dos poderes (em concreto): desenho constitucional da equilíbrio de poder através da distribuição de competências entre órgãos soberanos resulta da combinação de cultura institucional, história constitucional e contexto geopolítico.

4. Questões normativo-legislativas:

4.1. Adoção do princípio da exclusividade → natureza normativa das leis de cunho orçamental:

lei formal x lei material

4.2. Critérios de distinção hierárquico-normativa de espécies legislativas ‘infraconstitucionais mas supralegais’:

leis de valor reforçado x leis complementares

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Conclusões de segunda ordem

A comparação conjuntural pretendida é inviável.

Eventual viabilidade comparativa se encontra numa prévia comparação estrutural, e.g., dos

fatores influentes no processo político de deliberação orçamental.