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Matéria de Microbiologia Fotografias colorizadas de bactérias observadas ao microscópio eletrônico. Da esquerda para a direita: Bacillus anthracis, Escherichia coli, Neisseria gonorrhoeae 2008

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Matéria de

Microbiologia

Fotografias colorizadas de bactérias observadas ao microscópio eletrônico. Da esquerda para a direita: Bacillus anthracis, Escherichia coli, Neisseria gonorrhoeae

2008

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Introdução à Microbiologia

Introdução

Microbiologia: Mikros (= pequeno) + Bio (= vida) + logos (= ciência)

A Microbiologia era definida, até recentemente, como a área da ciência que

dedica-se ao estudo dos microrganismos, um vasto e diverso grupo de

organismos unicelulares de dimensões reduzidas, que podem ser

encontrados como células isoladas ou agrupados em diferentes arranjos

(cadeias ou massas), sendo que as células, mesmo estando associadas,

exibiriam um caráter fisiológico independente.

Assim, com base neste conceito, a microbiologia envolve o estudo de

organismos procariotos (bactérias, archaeas), eucariotos inferiores (algas,

protozoários, fungos) e também os vírus.

Bactérias

Archaea

Fungos

Vírus Algas

Protozoários

Tipos de microrganismos

estudados pelos microbiologistas.

(Adaptado de Tortora et al., Microbiology, 8 ed)

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Esta área do conhecimento teve seu início com os relatos de Robert

Hooke e Antony van Leeuwenhoek, que desenvolveram microscópios que

possibilitaram as primeiras observações de bactérias e outros

microrganismos, além de diversos espécimes biológicos. Embora van

Leeuwenhoek seja considerado o "pai" da microbiologia, os relatos de

Hooke, descrevendo a estrutura de um bolor, foram publicados

anteriormente aos de Leeuwenhoek. Assim, embora Leeuwnhoek tenha

fornecido importantes informações sobre a morfologia bacteriana, estes dois

pesquisadores devem ser considerados como pioneiros nesta ciência.

Recentemente foi publicado um artigo discutindo a importância de Robert

Hooke para o desenvolvimento da Microbiologia.

Esquema do microscópio construído por Robert Hooke e um esquema de um fungo observado

por este pesquisador.

(Adaptado de Tortora et al., Microbiology - 8 ed)

Réplica do microscópio construído por Leeuwenhoek e de suas ilustrações, descrevendo os

"animálculos" observados.

(Adaptado do livro Brock Biology of Microorganisms, 10 Ed., 2003)

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Classificação dos seres vivos

De acordo com a definição tradicional da microbiologia, esta é uma

ciência que até recentemente, era responsável pelo estudo de organismos

classificados em três reinos distintos: Monera, Protista e Fungi. No entanto,

a partir dos estudos de Carl Woese, a microbiologia passou a estar

relacionada a três domínios de seres vivos.

Sistemas de classificação dos seres vivos:

Linnaeus (séc. XVIII): reinos Animal e Vegetal

Haeckel (1866): introdução do reino Protista

Whittaker (1969): 5 reinos, dividos principalmente pelas

características morfólogicas e fisiológicas:

Monera: Procariotos

Protista: Eucariotos unicelulares - Protozoários (sem parede celular) e

Algas (com parede celular)

Fungi: Eucariotos aclorofilados

Plantae: Vegetais

Animalia: Animais

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Classificação dos seres vivos, de acordo com Whittaker (1969)

(Adaptado de Pommerville, J.C.(2004) Alcamo's Fundamentals of Microbiology)

No entanto, a partir dos estudos de C. Woese (1977), passamos a

dispor de um sistema de classificação baseado principalmente em aspectos

evolutivos (filogenética), a partir da comparação das sequências de rRNA de

diferentes organismos. Com esta nova proposta de classificação, os

organismos são agora subdividos em 3 domínios (contendo os 5 reinos),

empregando-se dados associados ao caráter evolutivo.

Archaea: Procariotos

Bacteria: Procariotos

Eukarya: Eucariotos

Page 7: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Classificação dos seres vivos, de acordo com Woese (1977)

(Adaptado de Pommerville, J.C.(2004) Alcamo's Fundamentals of Microbiology)

A princípio, acredita-se que estes 3 domínios divergiram a partir de um

ancestral comum. Provavelmente os microrganismos eucarióticos atuaram

como ancestrais dos organismos multicelulares, enquanto as bactérias e

archaeas correspondem a ramos que não evoluíram além do estágio

microbiano.

Archaea: são organismos procariotos que, freqüentemente são

encontrados em ambientes cujas condições são bastante extremas

(semelhantes às condições ambientais primordiais na Terra), sendo por isso,

muitas vezes considerados como sendo “ancestrais” das bactérias. No

entanto, hoje em dia considera-se as archaeas como um grupo

“intermediário” entre procariotos e eucariotos.

Muitos destes organismos são anaeróbios, vivendo em locais

"inabitáveis" para os padrões humanos - fontes termais (com temperaturas

acima de 100°C), águas com elevadíssimos teores de sal (até 5M de NaCl -

limite de dissolução do NaCl), em solos e águas extremamente ácidos ou

alcalinos (espécies que vivem em pH 0, outras em pH 10) e muitas são

metanogênicas.

Page 8: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Genericamente, podemos dizer que as Archaeas definem os limites da

tolerância biológica às condições ambientais.

Bacteria: Corresponde a um enorme grupo de procariotos,

anteriormente classificados como eubactérias, representadas pelos

organismos patogênicos ao homem, e bactérias encontradas nas águas,

solos, ambientes em geral.

Dentre estas, temos as bactérias fotossintetizantes (cianobactérias) e outras

quimiossintetizantes (E. coli), enquanto outras utilizam apenas substratos

inorgânicos para seu desenvolvimento.

Eukarya: No âmbito microbiológico, compreende as algas, protozoários

e fungos (além das plantas e animais).

As algas caracterizam-se por apresentarem clorofila (além de outros

pigmentos), sendo encontradas basicamente nos solos e águas.

Os protozoários correspondem a células eucarióticas, apigmentados,

geralmente móveis e sem parede celular, nutrindo-se por ingestão e

podendo ser saprófitas ou parasitas.

Os fungos são também células sem clorofila, apresentando parede celular,

realizando metabolismo heterotrófico, nutrindo-se por absorção.

Como mencionado anteriormente, os vírus são também assunto

abordado em microbiologia, embora, formalmente, não exibam as

características celulares, no sentido de não apresentarem metabolismo

próprio, de conterem apenas um tipo de ácido nucléico, etc.

A Microbiologia na atualidade

A definição clássica de "microbiologia" mostra-se bastante imprecisa, e

até mesmo inadequada, frente aos dados da literatura publicados nesta

última década. Como exemplo pode-se citar duas premissas que já não

podem mais ser consideradas como verdade absoluta na conceituação desta

área de conhecimento: as dimensões dos microrganismos e a natureza

independente destes seres.

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Em 1985 foi descoberto um organismo, denominado Epulopiscium

fischelsoni que, a partir de 1991, foi definido como sendo o maior procarioto

já descrito, exibindo cerca de 500 µm de comprimento. Esta bactéria foi

isolada do intestino de um peixe marinho (Surgeonfish, peixe barbeiro ou

cirurgião), encontrado nas águas da Austrália e do Mar Vermelho. Além de

apresentar dimensões nunca vistas, tal bactéria mostra-se totalmente

diferente das demais quanto ao processo de divisão celular, que ao invés de

ser por fissão binária, envolve um provável tipo de reprodução vivíparo,

levando à formação de pequenos “glóbulos”, que correspondem às células

filhas.

Comparação entre o tamanho de uma célula de Epulopiscium e 4 paramécios

(Adaptado do livro Brock Biology of Microorganisms, 10 Ed., 2003)

Mais recentemente, em 1999, outro relato descreve o isolamento de

uma bactéria ainda maior, isolada na costa da Namíbia. Esta, denominada

Thiomargarita namibiensis, pode ser visualizada a olho nú, atingindo até

cerca de 0,8 mm de comprimento e 0,1 a 0,3 mm de largura.

Microscopia

de luz polarizada,

revelando os

grânulos de enxôfre

no interior da

bactéria

Thiomargarita

namibiensis.

Page 10: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Comparação

entre a bactéria

Thiomargarita

namibiensis e uma

Drosophila.

(Adaptado de

Schulz, H. N. et al.

(1999). Science,

284:493-495 -

Clique no autor,

caso deseje ler o

artigo original)

Como analisar a questão do tamanho dos

microrganismos?

Durante muito tempo se acreditava que o tamanho das bactérias era

imposto pelo seu próprio metabolismo, ou seja, se a bactéria aumentasse

muito em tamanho, ela seria incapaz de se manter viável e morreria. Tal

fato decorre da seguinte dedução: A área superficial da membrana

citoplasmática seria o fator limitante para a eficiência das trocas com o meio

externo.

Sabendo-se que a área de uma esfera é calculada pela fórmula e

que o volume de uma esfera é obtido pela fórmula , a medida que a

área aumenta, seu volume aumenta muito mais rapidamente. Assim, se uma

bactéria começasse a crescer, aumentando sua área, a proporção

área/volume diminuiria. Isto faria com que a célula passasse a apresentar

um volume muito grande, sendo que sua área superficial seria insuficiente,

em termos de trocas através da membrana, para manter sua viabilidade.

A partir dos isolados de bactérias “gigantes”, o conceito da limitação

de tamanho bacteriano vem sendo abandonado, pois não há mais como

questionar a existência e viabilidade destas bactérias e, possivelmente,

novos relatos serão incorporados, deixando de ser meras curiosidades.

Page 11: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Uma das explicações mais prováveis para tal fato reside na existência

de grandes mesossomos nestes tipos bacterianos, refutando assim a

hipótese de que tais estruturas seriam meros artefatos de microscopia.

Novos estudos vêm sendo realizados, os quais estão trazendo informações

sobre outras estratégias desenvolvidas pelos microrganismos para que

sobrevivam, quando apresentam dimensões extremamente maiores que os

microrganismos "convencionais".

Microrganismos atuando como seres multicelulares

Outro aspecto que vem sendo demonstrado refere-se ao caráter

“multicelular” das bactérias. Embora estas exibam a capacidade de

sobreviver como uma célula única, realizando os processos metabólicos

necessários à sua perpetuação, quando as bactérias encontram-se

associadas, formando colônias, ou biofilmes (estruturas rígidas, adesivas, de

natureza geralmente polissacarídica, que encontram-se fortemente

ancoradas às superfícies, criando um ambiente protegido que possibilita o

crescimento microbiano), estas passam a se comportar de forma social,

exibindo divisão de tarefas e alterando seu perfil fisiológico de forma a

apresentar uma cooperação que reflete-se em diferentes níveis metabólicos.

Sabe-se que muitos genes de virulência são expressos somente

quando a densidade populacional atinge um determinado ponto. Da mesma

forma, a capacidade de captar DNA do meio externo, a bioluminescência,

etc, envolvem a percepção da densidade populacional por parte das

bactérias.

Este tipo de mecanismo de comunicação é denominado “sensor de

quorum” (quorum sensing) e vem sendo amplamente estudado nas mais

diferentes áreas da Microbiologia, uma vez que foi descrito tanto para

bactérias como para fungos.

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Estudos com bactérias primitivas

Ainda em relação às novas pesquisas desenvolvidas na área de

Microbiologia, temos o cultivo de bactérias pré-históricas, visando a busca

de compostos com atividade antimicrobiana ou de interesse comercial. Neste

sentido, empresas foram criadas (“Ambergene”), especializadas na

reativação de formas bacterianas latentes, isoladas de insetos preservados

em âmbar. Os resultados obtidos revelam a reativação de mais de 1200

espécies bacterianas, apresentando de 2 a até 135 milhões de anos.

Em 2000, foi publicado um relato descrevendo o isolamento e cultivo de uma

espécie bacteriana a partir do líquido contido em um cristal de sal de 250

milhões de anos. Os estudos de seqüenciamento do DNA que codifica o RNA

ribossomal 16S indicam que o organismo pertence ao gênero Bacillus, uma

bactéria em forma de bastonete, Gram positiva, com a capacidade de formar

endósporos. Até o momento, esta corresponde à espécie bacteriana mais

antiga.

Inseto de onde foi

retirada a bactéria

(provavelmente Bacillus), de 135

milhões de anos

Aspecto das colônias

crescidas em meio sólido

(Adaptado de Cano et al., (1995)

Science, 268:1060-1064)

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A questão da vida em marte

Em 1997, foram publicados relatos de expedições da NASA a Marte,

sugerindo a presença de possíveis microrganismos (“nanobactérias”) em

espécimes minerais, sendo que achados semelhantes foram também

detectados em partículas de meteoritos de Marte, que atingiram a Terra. A

favor desta hipótese há o achado de microrganismos que decompõem

minerais, frequentemente isolados das profundezas marinhas (A cerca de

1,5 km abaixo do solo).

Os meteoritos apresentam carbono, fósforo, nitrogênio, além da

presença de água. Já em relação às condições ambientais de Marte (muito

frio), temos como contra-argumento o isolamento de Archaea a partir de

ambientes absolutamente inóspitos, inicialmente comsiderados como

inadequados à vida.

De acordo com alguns pesquisadores, não é absurdo considerar que a

vida surgiu em Marte, pois estudos com o meteorito Nakhla, que caiu em

1911 no Egito, com aparentemente de 1,3 bilhões de anos, revelam a

presença de elementos cocóides, potenciais fósseis bacterianos, variando de

0,25 a 2,0 µm de tamanho, o que seria correspondente ao tamanho médio

atual das bactérias. Curiosamente, estas formas ovais apresentam um teor

maior de carbono no seu interior que nas áreas ao seu redor. Além disso,

exibem também um elevado teor de óxido de ferro, um composto comum

em células fossilizadas.

Recentemente, a NASA enviou outra sonda para Marte e os dados

recebidos reforçam cada vez mais a idéia da existência anterior de vida em

Marte, devido aos achados da possível ocorrência de água naquele planeta.

Page 14: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Comparação entre possíveis "microrganismos" presentes em rochas de Marte e microrganismos

que compõem a placa dental ho homem.

(Adaptado de An Electronic Companion to Beginning Microbiology)

Assim, com base nestes novos achados e principalmente com estudos

envolvendo as Archaea, a microbiologia vem levantando uma série de

questões quanto à fisiologia e o metabolismo celular, além de questionar

permanentemente os limites das condições de vida.

Ubiqüidade dos microrganismos

Os microrganismos são os menores seres vivos existentes,

encontrando-se em uma vasta diversidade de ambientes e desempenhando

importantes papéis na natureza. Este grupo caracteriza-se por ser

completamente heterogêneo, tendo com única característica comum o

pequeno tamanho dos organismos.

Acredita-se que cerca de metade da biomassa do planeta seja

constituída pelos microrganismos, sendo os 50% restantes distribuídos entre

plantas (35%) e animais (15%).

Em termos de habitat, os microrganismos são encontrados em quase

todos os ambientes, tanto na superfície, como no mar e subsolo. Desta

forma, podemos isolar microrganismos de fontes termais, com temperaturas

atingindo até 130°C (clique aqui para ler o relato do isolamento de um

procarioto cujo máximo de temperatura de crescimento foi definido como

130°C); de regiões polares, com temperaturas inferiores a -10°C; de

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ambientes extremamente ácidos (pH=1) ou básicos (pH=13). Alguns

sobrevivem em ambientes extremamente pobres em nutrientes,

assemelhando-se à água destilada. Há ainda aqueles encontrados no interior

de rochas na Antártida.

Em termos metabólicos, temos também os mais variados tipos, desde

aqueles com vias metabólicas semelhantes a de eucariotos superiores, até

outros que são capazes de produzir ácido sulfúrico, ou aqueles capazes de

degradar compostos pouco usuais como cânfora, herbicidas, petróleo, etc.

Uma vez que os microrganismos precederam o homem em bilhões de

anos, pode-se dizer que nós evoluímos em seu mundo e eles em nosso.

Desta forma, não é de se estranhar que a associação homem-microrganismo

mostra-se com grande complexidade, com os microrganismos habitando

nosso organismo, em locais tais como a pele, intestinos, cavidade oral,

nariz, ouvidos e trato genitourinário. Embora a grande maioria destes

microrganismos não causem qualquer dano, compondo a denominada

“microbiota normal”, algumas vezes estes podem originar uma série de

doenças, com maior ou menor gravidade. Nesta classe de organismos estão

aqueles denominados patogênicos e potencialmente patogênicos.

Sabe-se que em cerca de 1013 células de um ser humano podem ser

encontradas, em média, cerca de 1014 células bacterianas. No homem, estas

se encontram em várias superfícies, especialmente na cavidade oral e trato

intestinal.

Principais funções dos microrganismos na natureza

Além de seu importante papel como componentes da microbiota

residente de animais e plantas, em nosso dia a dia convivemos com os mais

diversos produtos microbiológicos “naturais” tais como: vinho, cerveja,

queijo, picles, vinagre, antibióticos, pães, etc. Paralelamente, não pode ser

deixada de lado a importância dos processos biotecnológicos, envolvendo

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engenharia genética, que permitem a “criação” de novos microrganismos,

com as mais diversas capacidades metabólicas.

Os microrganismos desempenham também um importante papel nos

processos geoquímicos, tais como o ciclo do carbono e do nitrogênio, sendo

genericamente importantes nos processos de decomposição de substratos e

sua reciclagem. Dentre os compostos utilizados como substrato temos,

alguns de grande importância atualmente: DDT, outros pesticidas, cânfora,

etc.

O carbono encontra-se na atmosfera primariamente como CO2, sendo

utilizado pelos organismos fotossintetizantes, para sua nutrição.

Virtualmente, a energia para o desenvolvimento da vida na Terra é derivada,

em última análise, a partir da luz solar. Esta é captada pelas plantas e

microrganismos fotossintetizantes (algas e bactérias), que convertem o CO2

em compostos orgânicos, através da reação:

CO2 + H2O => (CH2O)n + O2

Os herbívoros alimentam-se de plantas e os carnívoros alimentam-se

dos herbívoros.

O CO2 atmosférico torna-se disponível para a utilização na fotossíntese

origina-se de duas fontes biológicas principais: 1) 5 a 10% a partir de

processos de respiração e 2) 90 a 95% oriundos da degradação

(decomposição ou mineralização) microbiana de compostos orgânicos.

Em termos de ciclo global, há um balanço entre o consumo de CO2 na

fotossíntese e sua produção através da mineralização e respiração. Este

balanço, no entanto, vem sendo fortemente alterado por atividades

humanas, tais como a queima de combustíveis fósseis, promovendo um

aumento da qualntidade de CO2 atmosférico, resultando no conhecido “efeito

estufa”.

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A celulose existente nas plantas, embora seja um substrato

extremamente abundante na Terra, não é utilizável pela vasta maioria dos

animais. Por outro lado, vários microrganismos, incluindo fungos, bactérias e

protozoários a utilizam, como fonte de carbono e energia. Destes

microrganismos, muitos encontram-se no trato intestinal de vários

herbívoros e nos cupins.

Muitos compostos tóxicos podem ser degradados por microrganismos,

dentre eles, policlorados, DDT, pesticidas.

Outra abordagem que tem se mostrado de grande valia para o homem

refere-se à introdução de genes bacterianos em outros organismos (ditos

transgênicos), tais como plantas. Assim, está em franco desenvolvimento a

obtenção de plantas transgênicas resistentes a pesticidas ou ao ataque de

insetos.

Microrganismos como agentes de doenças

Os microrganismos, eventualmente provocam doenças no homem, outros

animais e plantas. Apesar dos enormes avanços em relação ao tratamento

de doenças infecciosas, estas vêm se tornando novamente um tema

preocupante, em virtude do crescente surgimento de linhagens bacterianas

cada vez mais resistentes às drogas. Atualmente, a Organização Mundial da

Saúde vem demonstrando crescente interesse nas doenças emergentes e re-

emergentes, de origem infecciosa.

Abaixo apresentamos um quadro cronológico que deixa clara tais

preocupações, em relação ao número de mortes provocadas por doenças

infecciosas.

(Adaptado do livro Brock Biology of Microorganisms, 10 Ed., 2003)

Page 18: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Importância da Microbiologia

É uma área da Biologia que tem grande importância seja como ciência

básica ou aplicada.

Básica: estudos fisiológicos, bioquímicos e moleculares (modelo comparativo

para seres superiores). => Microbiologia Molecular

Aplicada: processos industriais, controle de doenças, de pragas, produção de

alimentos, etc.

Áreas de estudo:

Odontologia: Estudo de microrganismos associados à placa dental,

cárie dental e doenças periodontais. Estudos com abordagem preventiva.

Medicina e Enfermagem: - Doenças infecciosas e infecções

hospitalares.

Nutrição: - Doenças transmitidas por alimentos, Controle de

qualidade de alimentos, Produção de alimentos (queijos, bebidas).

Biologia: - Aspectos básicos e biotecnológicos. Produção de

antibióticos, hormônios (insulina, GH), enzimas (lipases, celulases), insumos

(ácidos, álcool), Despoluição (Herbicidas - Pseudomonas, Petróleo), Bio-filme

(Acinetobacter), etc.

BIOTECNOLOGIA - Uso de microrganismos com finalidades

industriais, como agentes de biodegradação, de limpeza ambiental, etc.

Um breve histórico da importância da microbiologia

Efeitos das doenças nas civilizações

Talvez um dos aspectos mais negligenciados quando se estuda a

microbiologia refere-se às profundas mudanças que ocorreram no curso das

Page 19: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

civilizações, decorrentes das doenças infecciosas.

De forma geral, as doenças provocavam um abatimento físico e moral da

população e das tropas, muitas vezes influenciando no desenrolar e no

resultado de um conflito.

A própria mobilização de tropas, resultando em uma aglomeração,

muitas vezes longa, de soldados, em ambientes onde as condições de

higiene e de alimentação eram geralmente inadequadas, também colaborava

na disseminação de doenças infecciosas, para as quais nnao exisitam

recursos terapêuticos.

Paralelamente, em áreas urbanas em franca expansão, os problemas

mencionados acima eram também de grande importância, pois rapidamente

as cidades cresciam, sendo que as instalações sanitárias geralmente eram

completamente precárias.

Com a prática do comércio entre as diferentes nações emergentes,

passou a haver a disseminação dos organismos para outras populações,

muitas vezes susceptíveis a aqueles agentes infecciosos.

Abaixo listaremos, brevemente, um pequeno histórico com alguns exemplos

dos efeitos das doenças microbianas no desenvolvimento de diferentes

civilizações.

O declínio do Império Romano, com Justiniano (565 AC), foi acelerado

por epidemias de peste bubônica e varíola. Muitos habitantes de Roma foram

mortos, deixando a cidade com menos poder para suportar os ataques dos

bárbaros, que terminaram por destruir o Império.

Durante a Idade Média varias novas epidemias se sucederam, sendo

algumas amplamente disseminadas pelos diferentes continentes e outras

mais localizadas. Dentre as principais moléstias pode-se citar: Tifo, varíola,

sífilis, cólera e peste.

Em 1346, a população da Europa, Norte da África e Oriente Médio era

de cerca de 100 milhões de habitantes. Nesta época houve uma grande

epidemia da peste, que disseminou-se através da “rota da seda” (a principal

Page 20: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

rota mercante para a China), provocando um grande número de mortes na

Ásia e posteriormente espalhando-se pela Europa, onde resultou em um

total de cerca de 25 milhões de pessoas, em poucos anos.

Novas epidemias da peste ocorreram nos séculos XVI e XVII, sendo que no

século XVIII (entre 1720 e 1722), uma última grande epidemia ocorreu na

França, matando cerca de 60% da população de Marselha, de Toulon,. 44%

em Arles, 30% em Aix e Avignon.

A epidemia mais recente de peste originou-se na China, em 1892,

disseminando-se pela Índia, atingindo Bombaim em 1896, sendo

responsável pela morte de cerca de 6 milhões de indivíduos, somente na

Índia.

Antes da II Guerra Mundial, o resultado das guerras era definido pelas

armas, estratégias e “pestilência”, sendo esta última decisiva. Em 1566,

Maximiliano II da Alemanha reuniu um exército de 80.000 homens para

enfrentar o Sultão Soliman da Hungria. Devido a uma epidemia de tifo, o

exército alemão foi profundamente dizimado, sendo necessária a dispersão

dos sobrevivente, impedindo assim a expulsão das hordes de tribos orientais

da Europa nesta época.

Na guerra dos 30 anos (1618-1648), onde protestantes se revoltaram

contra a opressão dos católicos, além do desgaste decorrente da longa

duração do confronto, as doenças foram determinantes no resultado final.

Na época de Napoleão, em 1812, seu exército foi quase que completamente

dizimado por tifo, disenteria e pneumonia, durante campanha de retirada de

Moscou. No ano seguinte, Napolãeo havia recrutado um exército de 500.000

jovens soldados, que foram reduzidos a 170.000, sendo cerca de 105.000

mortes decorrentes das batalhas e 220.000 decorrentes de doenças

infecciosas.

Em 1892, outra epidemia de peste bubônica, na China e Índia, foi

responsável pela morte de 6 milhões de pessoas.

Até a década de 30, este era quadro, quando Alexander Fleming,

incidentalmente, descobriu um composto produzido por um fungo do gênero

Page 21: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Penicillium, que eliminava bactérias do gênero Staphylococcus, um

organismo que pode produzir uma vasta gama de doenças no homem. este

composto - denominado penicilina - teve um papel fundamental na desfecho

da II Guerra Mundial, uma vez que passou a ser administrado às tropas

aliadas, enquanto o exército alemão continuava a sofrer pesadas baixas no

campo de batalha.

Além destas epidemias, vale ressaltar a importância das diferentes

epidemias de gripe que assolaram o mundo e que continuam a manifestar-

se de forma bastante intensa até hoje. Temos ainda o problema mundial

envolvendo a AIDS, o retorno da tuberculose (17 milhões de casos no Brasil)

e do aumento progressivo dos níveis de resistência aos agentes

antimicrobianos que vários grupos de bactérias vêm apresentando

atualmente.

Morfologia e ultraestrutura bacterianas (Parte 1)

Morfologia: Tamanho, forma e arranjos bacterianos

As bactérias são extremamente variáveis quanto ao tamanho e formas que

apresentam. Até recentemente acreditava-se que as menores bactérias

apresentavam cerca de 0,3 µm (ex: Mycoplasma), entretanto, já existem

relatos de células menores, denominadas nanobactérias ou

ultramicrobactérias, com tamanhos variando de 0,2 a 0,05 µm de diâmetro,

sendo algumas inclusive já cultivadas em laboratório. Há ainda controvérsias

quanto a este grupo, pois vários autores acreditam ser meros artefatos.

Muitas bactérias medem de 2 a 6 µm de comprimento, por 1 a 2 µm de

largura, mas certamente estes valores não podem ser definidos como

absolutos, pois eventualmente encontramos bactérias de até 500 ou 800

µm, como no caso de Epulopiscium ou Thiomargarita.

Em relação às formas, a maioria das bactérias estudadas seguem um padrão

menos variável, embora existam vários tipos morfológicos distintos. De

maneira geral, as bactérias podem ser agrupadas em três tipos morfológicos

Page 22: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

gerais: cocos, bacilos e espiralados.

Os cocos correspondem a células arredondadas, podem se dividir sem um

plano de orientação definido, o que leva a um grande número de arranjos

diferentes. Assim temos os cocos isolados, diplococos (Neisseria,

pneumococos), tetracocos, sarcinas (cubos contendo 8 células),

estreptococos (cocos em cadeia) e estafilococos (cocos formando massas

irregulares).

Microscopia óptica, corada

pelo método de Gram, de cocos

formando cadeias, um arranjo

denominado estreptococos.

Microscopia eletrônica de

varredura das células

apresentadas acima.

Microscopia óptica, corada

pelo método de Gram, de cocos

em um arranjo denominado

estafilococos.

Microscopia eletrônica de

varredura das células

apresentadas acima.

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Os bacilos têm forma de bastonetes, podendo apresentar

extremidades retas (Bacillus anthracis), arredondadas (Salmonella, E. coli),

ou ainda afiladas (Fusobacterium). Como seu plano de divisão é fixo,

ocorrendo sempre no menor eixo, os bacilos exibem uma menor variedade

de arranjos, sendo via de regra encontrados isolados, como diplobacilos ou

ainda como estreptobacilos. Há ainda um arranjo, denominado “em

paliçada”, também denominado letras chinesas, que é típico do gênero

Corynebacterium. Tal tipo de arranjo ocorre porque a parede celular desses

organismos é dupla e no momento da divisão celular ocorre a ruptura de

apenas uma das camadas, deixando as células unidas pela camada de

parede que não se rompeu. Os bacilos podem ainda apresentar-se como

pequenas vírgulas (Vibrio cholerae) ou em forma de meia lua

(Selenomonas).

Microscopia óptica, corada

pelo método de Gram, de bacilos

arranjados dois a dois (diplobacilos).

Microscopia eletrônica de

transmissão, de um bacilo em

processo de divisão celular.

Espiralados: Sua nomenclatura é bastante controvertida ainda. Um tipo de

classificação divide os espiralados em dois grupos, osespiroquetas, que

apresentam uma forma de espiral flexível, possuindo flagelos

periplasmáticos. O outro grupo são os espirilos, que exibem geralmente

morfologia de espiral incompleta e rígidos.

Geralmente os espiralados são microrganismos bastante afilados, de difícil

observação por microscopia de campo claro, sendo muitas vezes analisados

Page 24: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

por meio da microscopia de campo escuro, ou de técnicas de coloração

empregando a impregnação por sais de prata.

Microscopia óptica de

fluorescência, de um organismo

espiralado.

Microscopia óptica,

utilizando um procedimento de

impreganção com sais de prata,

revelando a bactéria causadora

da sífilis, Treponema pallidum

(observe os grandes neutrófilos

próximos às bactérias)

Micrografias eletrônicas colorizadas de diferentes bactérias. No sentido horário: Enterococcus (cocos

ovalados), Francisella (bacilos pequenos, com a região central abaulada), Fusobacterium (longos

bacilos, geralmente com extremidades mais afiladas) e Neisseria gonorrhoeae (diplococos em forma de

rins).

(Fotos obtidas de sites da internet)

Page 25: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Há ainda formas intermediárias como os cocobacilos; formas

pleomórficas (quando o microrganismo não tem uma morfologia padrão), tal

como Mycoplasma; ou ainda formas de involução, originadas quando o meio

encontra-se desfavorável ao desenvolvimento. Nesses casos, como o

organismo deixa de realizar os processos metabólicos (nutrição e divisão

celular) adequadamente, este sofre alterações morfológicas.

Há também bactérias apresentando apêndices, tais como extensões

celulares na forma de longos tubos ou hastes (prostecas) (Rhodomicrobium

vannielii). Além destas bactérias, estudos vêm revelando a ocorrência de

bactérias com formas bastante peculiares, tais como células estreladas ou

retangulares.

bactéria com morfologia

retangular

bactéria com morfologia

semelhante a uma estrela

(Adaptado de Tortora et al., Microbiologia, 1998)

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Bactéria pedunculada

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

Ultraestrutra Bacteriana

A ultraestrutura bacteriana começou a ser estudada em maiores

detalhes nas décadas de 50 e 60, a partir do melhoramento das técnicas de

microscopia eletrônica. Os procedimentos adotados incluíam a lise celular,

seguida de centrifugação para promover a separação dos vários

componentes subcelulares, que podiam agora ser purificados e analisados

bioquimicamente.

Parede Celular - Estrutura presente na maioria das bactérias conhecidas,

exceto em micoplasmas e algumas Archaea, que não a possuem.

Corresponde a uma das estruturas mais importantes nas células bacterianas,

estando localizada na porção mais externa, acima da membrana

citoplasmática. Devido à sua grande rigidez, a parede celular é responsável

pela manutenção da forma do microrganismo. Como o ambiente intracelular

é bastante concentrado em relação ao meio externo, (variando de 2 a até 10

atm), a parede atua como uma barreira física rígida, que mantém a forma

celular, impedindo que a célula estoure em decorrência do grande turgor.

Além disso, a parede celular atua como uma barreira de proteção contra

determinados agentes físicos e químicos externos, tais como o choque

osmótico. A parede pode ainda desempenhar importante papel em

Page 27: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

microrganismos patogênicos, em decorrência de presença de componentes

que favorecem sua patogenicidade, tais como antígenos ou moléculas

envolvidas no reconhecimento celular.

Em 1884, Christian Gram desenvolveu um método de coloração de

bactérias que permitia sua separação em dois grupos distintos, as Gram

positivas (que coravam-se em roxo) e as Gram negativas (que coravam-se

em vermelho). A partir do advento da microscopia eletrônica e do

aperfeiçoamento das técnicas de análise bioquímica dos diferentes

componentes celulares, foi verificado que esta diferença entre as bactérias

Gram positivas e Gram negativas era, provavelmente, devida às diferenças

de composição e estrutura das paredes celulares.

Assim, quando observadas sob microscopia eletrônica de transmissão, as

bactérias Gram positivas apresentam uma parede celular espessa (de 20 a

80 nm), de aspecto homogêneo, enquanto as células Gram negativas

exibem uma parede mais delgada (de 9 a 20 nm) e de aspecto bastante

complexo, aparentemente apresentando mais de uma camada. A

microscopia eletrônica de varredura revelou outras diferenças entre estes

dois grupos de organismos. As Gram positivas exibiam a superfície mais lisa

e homogênea, enquanto as Gram negativas apresentavam-se com maior

complexidade superficial.

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Aspecto das paredes celulares de organismos Gram positivos e negativos

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

Composição da parede celular

Peptideoglicano (mureína ou mucopeptídeo): Composto

exclusivamente encontrado no domínio Bacteria, sendo o responsável pela

rigidez da parede celular. O peptideoglicano corresponde a um enorme

polímero complexo que, em bactérias Gram positivas pode formar até 20

camadas, enquanto em células Gram negativas está presente, formando

apenas uma ou duas camadas.

O peptideoglicano corresponde a um esqueleto, formado por dois

derivados de açúcares, a N-acetilglicosamina (NAG) e o ácido N-

acetilmurâmico (NAM), unidos alternadamente, através de ligações do tipo

ß-1,4. O grupo carboxil de cada molécula de NAM liga-se a um

tetrapeptídeo, composto por aminoácidos que alternam-se nas configurações

L e D. Destes aminoácidos, o D-glutamato, D-alanina e o ácido meso-

diaminopimélico não são encontrados em qualquer outra proteína conhecida.

Acredita-se que sua presença confira maior resistência da parede contra a

maioria das peptidases.

Page 29: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Assim, em cada resíduo de NAM há um tetrapeptídeo associado. A enorme

rigidez da da parede celular é resultante das ligações entre os tetrapeptídeos

de cadeias adjacentes. Neste aspecto, há uma grande diferença entre as

bactérias Gram positivas e negativas. Nas bactérias Gram negativas (Ala-

Glu-DAP-Ala), a ligação entre os tetrapepídeos é direta, ocorrendo entre o

grupamento amino do DAP subterminal (posição 3) e o grupamento carboxi

da D-Ala terminal (posição 4). Já nas Gram positivas (Ala-Glu-Lys-Ala), a

ligação é indireta, sendo mediada por uma ponte interpeptídica de natureza

variável (cinco glicinas em S. aureus). A análise das figuras abaixo deixa

clara a grande estruturação do peptídeoglicano, em virtude das inúmeras

ligações cruzadas existentes ao longo da molécula. Assim, devido a esta

complexa estruturação física, o peptideoglicano confere rigidez à parede,

embora exiba certo grau de elasticidade e também porosidade.

peptideoglicano de células Gram

positivas

peptideoglicano de células Gram

negativas

Nas bactérias Gram positivas, cerca de 90% da parede celular é

composta pelo peptídeoglicano, que geralmente forma cerca de 20 camadas.

O restante da parede é composto essencialmente por ácido teicóico. Nas

bactérias Gram negativas, apenas cerca de 10% da parede corresponde ao

peptideoglicano, existindo geralmente como uma camada única ou dupla. Os

demais componentes da parede celular de bactérias Gram negativas serão

analisados posteriormente.

Page 30: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Esquema ilustrando o espesso peptideoglicano de bactérias Gram positivas

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

Ácidos Teicóicos: Juntamente com peptideoglicano, os ácidos teicóicos

compõem a parede celular das bactérias Gram positivas. Estes compostos,

presentes em grandes quantidades, correspondem a polímeros de glicerol ou

ribitol ligados a açúcares ou aminoácidos e conectados entre si por meio de

grupamentos fosfato.

Os ácidos teicóicos associam-se ao peptideoglicano pela ligação do

grupamento 6 hidroxil do ácido N-acetilmurâmico, podendo alternativamente

associar-se aos lipídeos da membrana citoplasmática, quando passam a ser

denominados de ácidos lipoteicóicos. Devido à sua carga negativa, os ácidos

teicóicos contribuem com o caráter negativo da superfície celular de Gram

positivas. Seu papel fisiológico é ainda desconhecido, mas especula-se que

estes possam participar nos processos de passagem de íons pela parede, ou

ligar-se a prótons, mantendo um pH celular relativamente baixo.

Em casos de escassez de fosfato, os ácidos teicóicos podem ser substituídos

por ácidos teicurônicos, deixando assim os fosfatos livres para comporem

ATP ou DNA, por exemplo.

Page 31: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Fórmula de um ácido teicóico, contendo ribitol

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

O componente adicional da Parede Celular de Gram

negativos

Membrana Externa: Esta, embora denominada "membrana"externa é um

componente da parede celular, presente apenas nas bactérias Gram

negativas. A membrana externa corresponde a uma segunda bicamada

lipídica (semelhante à membrana plasmática), localizada acima do

peptideoglicano, contendo fosfolipídeos, lipoproteínas, proteínas e também

lipopolissacarídeos. Quando comparada à membrana citoplasmática, a

membrana externa exibe maior permeabilidade a pequenas moléculas, tais

como glicose ou outros monossacarídeos.

Sua face interna geralmente é rica em pequenas lipoproteínas (7,2 kDa),

denominadas lipoproteínas de Braun, que ligam-se covalentemente ao

peptideoglicano, ancorando firmemente a membrana externa à camada de

peptideoglicano.

Estudos indicam que a membrana externa e a membrana citoplasmática

mantém contato em algumas discretas regiões celulares, denominadas sítios

de adesão. Acredita-se que estas regiões de junção podem conferir maior

Page 32: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

rigidez à parede celular das bactéria Gram negativas, além de fixar melhor a

membrana externa, não deixando-a frouxa, associada somente ao

peptideoglicano. Os sítio de adesão foram também denominados junções de

Bayer e acredita-se que possam ser importantes locais de passagem de

compostos citoplasmáticos, seja componentes envolvidos na síntese da

membrana externa ou diferentes nutrientes.

Esquema da parede celular de organismos Gram negativos

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

A face externa da membrana externa é rica em lipopolissacarídeos

(LPS), inexistentes na membrana citoplasmática. Estes componentes são

também denominados de endotoxina, uma vez que provocam febre, choque

e eventualmente morte, quando injetados em animais. O LPS é uma

molécula complexa, composta por 3 regiões distintas: lipídeo A,

polissacarídeo central e cadeia polissacarídica lateral O, ou Antígeno O.

Esquema do lipopolissacarídeo, encontrado na face externa da membrana

externa

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

Page 33: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

O lipídeo A corresponde à porção mais interna da molécula, ancorando o LPS

à porção hidrofóbica da membrana externa. Este componente corresponde à

porção tóxica do LPS e geralmente é composto por ácido esteárico,

palmítico, mirístico, láurico ou capróico. Estes ácidos graxos estão ligados a

um dissacarídeo de NAcGlicosamina-P. A porção polissacarídica localiza-se

acima do lipídeo A, em direção ao exterior, sendo composta por duas

regiões, o polissacarídeo central e polissacarídeo O, que é mais externo, de

natureza repetitiva. Em Salmonella, o cerne é composto por 10 açúcares

pouco usuais. Conectado ao cerne, há o Ag O, que geralmente é composto

por 3 a 5 açúcares bastante peculiares e variáveis. A natureza destes

açúcares pode ser modificada pelos microrganismos, resultando em um

mecanismo de evasão do sistema imune. O LPS também confere carga

nagativa à superfície celular.

O LPS se associa a proteínas, formando a face externa da unidade de

membrana.

A membrana externa apresenta um grupo especializado de proteínas,

denominadas genericamente de porinas, que atuam como canais para a

passagem de pequenas moléculas hidrofílicas, participando assim do

processo de nutrição. As porinas podem ser específicas, contendo sítios de

ligação para 1 ou mais substratos, ou inespecíficas, compondo canais

aquosos.

A maioria das porinas correspondem a proteínas transmembrânicas, com 3

subunidades idênticas, que formam orifícios de cerca de 1 nm, sendo que,

aparentemente, possuem mecanismos para a abertura e fechamento. Para

algumas substâncias, a membrana externa é mais restritiva.

Compostos que afetam a Integridade da Parede Celular

Ação da Lisozima na PC: Esta enzima, sintetizada por alguns organismos e

por glândulas endócrinas do homem, age clivando as ligações do tipo β-1,4,

presentes no peptideoglicano. Nas células Gram positivas, o tratamento com

lisozima origina protoplastos (células sem parede celular), enquanto nas

Page 34: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Gram negativas, a lisozima origina esferoplastos (células com resquícios de

parede celular).

Ação da penicilina na PC: Este antibiótico impede a ligação dos

tetrapeptídeos. A droga se liga irreversivelmente às PBPs, que são proteínas

envolvidas no processo de biossíntese do peptideoglicano. Paralelamente, as

autolisinas, que atuam em conjunto com a maquinaria de biossíntese,

passam a degradar porções do peptideoglicano. Como a síntese está

bloqueada, o resultado líquido é a formação de uma parede defeituosa.

A Camada S

Algumas bactérias e várias Archaea apresentam uma camada de natureza

protéica ou glicoprotéica estruturada (como um piso de tacos), denominada

camada S. Esta camada, as bactérias, encontra-se acima da parede celular e

até o momento, suas funções não se encontram totalmente esclarecidas.

Acredita-se que esta camada proteja a célula contra flutuações osmóticas,

de pH e íons, além de auxiliar na manutenção da rigidez da parede. Alguns

autores especulam que a camada S pode mediar a ligação dos orgnaismos a

superfícies.

Microscopia eletrônica de uma célula contendo a camada S.

(Adaptado de Prescott et al., 2002)

Page 35: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Morfologia e ultraestrutura bacterianas (Parte 2)

Cápsula, Glicocálix e camada limosa - A cápsula pode ser

definida como uma camada externa à parede celular, geralmente

apresentando-se como um material viscoso, fortemente associado à

superfície celular, geralmente de natureza polissacarídica e raramente

protéica. Por outro lado, o termo camada limosa é algumas vezes definido

como uma uma zona difusa, contendo material pouco organizado, sendo

facilmente removida.

A presença da cápsula normalmente confere vantagens às bactérias, pois

suas principais funções incluem: ligação às células do hospedeiro, fator de

virulência por dificultar a fagocitose e também a proteção, seja aumentando

a resistência ao dessecamento, uma vez que armazena grandes quantidades

de água, fonte de nutrientes e proteção contra a infecção por bacteriófagos,

ou interação com anticorpos.

Em odontologia, a presença da cápsula pode ser considerada como um

importante fator de virulência para o principal agente cariogênico - S.

mutans, que sintetiza um cápsula composta por um homopolissacarídeo

denominado glucano (produto da degradação da sacarose em glicose e

frutose). Tal polímero adere-se firmemente à parede celular do

microrganismo e permite sua aderência ao esmalte, favorecendo sua

colonização.

Outros microrganismos apresentam cápsula de natureza heteropolimérica -

S. pneumoniae. Eventualmente, a cápsula pode ser de natureza

polipeptídica, como em B. anthracis (ácido glutâmico, na forma D).

Page 36: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Micrografia óptica, empregando a

tácnica de coloração negativa,

revelando células capsuladas.

(Adaptado de Tortora et al., Microbiologia, 1998)

Micrografia eletrônica de

transmissão, revelando a delgada

cápsula circudando a célula

(Adaptado de "An eletctronic companion to microbiology")

Fímbrias e Pili - Muitas bactérias Gram negativas apresentam

apêndices finos (3 a 10 nm), retos e curtos, denominados fímbrias.

Geralmente estas são bastante numerosas, podendo atingir números de

1000 ou mais por célula. Como são muito pequenas e delgadas, somente

podem ser visualizadas pela microscopia eletrônica. As fímbrias s ão de

natureza protéica, compostas por subunidades repetitivas de uma proteína

denominada genericamente de pilina. As fímbrias possuem, geralmente em

sua extremidade, e algumas vezes ao longo da estrutura, proteínas

distintas, denominadas adesinas, as quais mediam a adesão específica da

célula bacteriana a diferentes substratos.

Page 37: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Micrografia eletrônica de

varredura de bacilos apresentando

fímbrias

Esquema ilustrando a organização

estrutural de uma fímbria, assinalando a

presença de moléculas do tipo adesina,

situadas na extremidade da estrutura

(Adaptado de An Electronic Companion to Microbiology)

Muitas bactérias podem ainda apresentar outro tipo de apêndice,

denominado pilus F ou fímbria sexual, o qual exibe semlhanças estruturais

com as fímbrias. No entanto, este tipo de fímbra é normalmente encontrado

em um menor número nas células, variando de 1 a 10. O pilus F

corresponde a uma estrutura bastante longa e menos rígida que as fímbrias

convencionais, estando envolvido no reconhecimento de outras bactérias,

em um processo de transferência de genes denominado conjugação.

Micrografia eletrônica colorizada, revelando a longa fímbria sexual (pilus F).

Observar também a presença de fímbrias.

Atualmente, diferentes tipos diferentes de fímbrias vêm sendo

descritos, sendo vários destes associados à adesão, ou à virulência.

Bactérias Gram positivas podem, muitas vezes, apresentar estruturas

fibrilares (diferentes de fímbrias) em sua superfície, provavelmente também

Page 38: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

envolvidas nos processos de adesão a substratos.

Flagelos - Estruturas longas, delgadas e relativamente rígidas,

apresentando cerca de 20 nm de espessura e 15 a 20 µm de comprimento,

responsáveis pela locomoção das bactérias. Devido à sua pequena

espessura, os flagelos somente podem ser visualizados por meio de

colorações específicas, microscopia de campo escuro, ou por icroscopia

eletrônica.

De acordo com o número e distribuição dos flagelos, as bactérias podem ser

classificadas como: atríquias (sem flagelos), monotríquias (um único

flagelo), anfitríquias (um flagelo em cada extremidade) , lofotríquias (um

tufo de flagelos em uma, ou ambas as extremidades) e peritríquias

(apresentando flagelos ao longo de todo o corpo bacteriano).

Bactéria monotríquia

(Adaptado de Atlas, 1997 - Principles of

Microbiology)

Bactéria anfitríquia

(Adaptado de Tortora et al., 1998 - Microbiology)

Bactéria lofotríquia

(Adaptado de Tortora et al., 1998 -

Microbiology)

Bactéria lofotríquia

(Adaptado de Atlas, 1997 - Principles of

Microbiology)

Page 39: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Bactéria peritríquia

(Adaptado de Tortora et al., 1998 -

Microbiology)

Bactéria peritríquia

(Adaptado de Tortora et al., 1998 - Microbiology)

Estrutura - Estruturalmente, o flagelo pode ser subdivido em 3 regiões:

filamento, corpo basal e gancho, sendo estas duas últimas importantes para

a inserção e movimentão do filamento. O filamento dos flagelos apresenta

estrutura helicoidal, com comprimento de onda constante para cada espécie.

Este corresponde a um cilindro longo e oco, composto por unidades

repetitivas de uma proteína denominada genericamente de flagelina, que

pode variar de 30 a 60 kDa, dependendo do microrganismo. Sua

extremidade distal é revestida por uma proteína seladora. Algumas bactérias

apresentam bainhas de diferentes naturezas revestindo o filamento, tal

como em Vibrio cholerae, ou Bdellovibrio. O gancho apresenta maior

espessura que o filamento, sendo composto por diferentes subunidades

protéicas. O corpo basal corresponde à porção mais complexa do flagelo,

apresentando 4 anéis ligados a um bastão central em bactérias Gram

negativas, enquanto em Gram positivas são observados apenas 2 anéis. Os

anéis externos L e P associam-se ao LPS e peptidioglicano, respectivamente,

enquanto os anéis S e M estão associados à membrana citoplasmática.

Esquema da estrutura dos flagelos bacterianos, em células

Page 40: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Gram negativas (à esquerda) e Gram positivas (à direita)

(Adaptado de Prescott et al., Microbiology, 2000)

Detalhe ampliado da estrutura de um flagelo de células Gram negativas

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

Síntese flagelar - Muitos genes estão envolvidos na síntese do flagelo e na

mobilidade celular. Em E. coli e Salmonella foram identificados mais de 40

genes (fla), que codificam proteínas estruturais, de exportação de

componentes para o exterior e de regulação de muitos eventos bioquímicos

envolvidos na síntese de novos flagelos. A síntese de flagelos é fortemente

regulada, tanto por fatores metabólicos como por sinais emitidos durante a

divisão celular. Acredita-se que as subunidades de flagelina sejam

transportadas ao longo do filamento e se autoarranjam espontaneamente,

quando atingem a ponta.

Movimentação - A movimentação dos flagelos ocorre através de um

mecanismo de rotação do filamento, em velocidades que podem atingir até

270 ou 1100 rps, o que permite uma locomoção de até 100 µm/segundo,

correspondendo a 100 vezes o seu comprimento/minuto. Os flagelos

atuariam de maneira análoga a propulsores de um barco, sendo o sentido da

rotação importante para o tipo de movimentação resultante. Em muitas

células monotríquias, a rotação no sentido anti-horário promove a

movimentação para frente, enquanto a rotação no sentido horário faz com

que a célula se locomova no sentido oposto.

Page 41: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Em outras monotríquias, quando o flagelo gira no sentido horário promove a

locomoção.

Tipos de movimentação de células monotríquias

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

No caso de bactérias peritríquias, quando os flagelos giram no sentido anti-

horário as células se movem para frente. Estes dobram seus ganchos e seus

filamentos se agrupam, formando um feixe, que gira e propele a célula.

Quando a rotação ocorre no sentido horário, os flagelos se separam e a

bactéria passa a vibrar somente, até que os flagelos voltem a girar no

sentido anti-horário, impulsionando novamente a célula para frente.

Para que haja a movimentação, o bastão localizado entre o gancho e o anel

M tem a capacidade de rodar livremente na membrana citoplasmática.

Acredita-se que o anel S esteja fixo na parede celular, sem a possibilidade

de rodar. Os anéis P e L sustentariam o bastão. Há evidências que o corpo

basal atuaria como uma estrutura passiva que giraria no interior de um

complexo proteíco inserido na membrana, semelhante a um rotor de um

motor elétrico, que gira no centro de um anel de eletromagnetos (estator). A

energia necessária para a rotação é provida pela força próton motiva. A

dissipação do gradiente de prótons cria uma força que gira o flagelo no

sentido anti-horário, impelindo o microrganismo. O rotor seria composto

pelo bastão central, pelo anel M e por um anel C, ligado ao M através da

membrana citoplasmática. Estes anéis são formados por várias proteínas,

sendo a FliG bastante importante. No estator, temos as proteínas MotA e

Page 42: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

MotB, que formam um canal de prótons, sendo que MotB também ancora o

complexo ao peptideoglicano.

Esquema ilustrando a movimentação de bactérias peritríquias

(Adaptado de Tortora et al., 1998 - Microbiology)

Flagelos periplasmáticos - Estes flagelos são encontrados apenas nos

espiroquetas (sendo muitas vezes denominados de filamentos axiais). Como

o prórpio nome indica, estes flagelos situam-se no periplasma, localizando-

se abaixo da membrana externa destas bactérias. Os flagelos

periplasmáticos originam-se a partir dos polos celulares, voltando-se em

direção ao centro da célula, envolvendo a membrana citoplasmática do

corpo bacteriano.

Micrografia

eletrônica colorizada, revelando os

flagelos periplasmáticos (amarelo)

(Adaptado de Tortora et al., 1998 -

Microbiology)

Micrografia eletrônica revelando o flagelo

periplasmático, situado abaixo da membrana

externa

(Adaptado de An Electronic Companion to

Microbiology)

Page 43: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Movimentação por meio de deslizamento

Muitos procariotos são móveis, apesar de não possuírem flagelos. Estas

bactérias são capazes de se movimentar sobre superfícies sólidas, por um

processo denominado deslizamento. A motilidade por deslizamento é

apresentada por vários membros de Bacteria, sendo, no entanto, estudada

somente em alguns poucos grupos. O movimento deslizante é

consideravelmente mais lento – 10 µm/seg para algumas bactérias, quando

comparado às velocidades atingidas pelo movimento flagelar mas, da

mesma forma, permite a locomoção das bactérias em seus habitats.

Mecanismos da Motilidade Por Deslizamento

Embora até o momento nenhum mecanismo de deslizamento tenha sido

comprovado, existem alguns modelos definindo o processo, além de

evidências sugerindo a existência de mais de um tipo de mecanismo. Em

cianobactérias, à medida que as células deslizam, secretam um

polissacarídeo limoso em sua superfície externa. Aparentemente, este

polissacarídeo estabelece o contato entre a superfície celular e a superfície

sólida, contra a qual a célula desliza. À medida que o polissacarídeo limoso

excretado se adere à superfície, a célula é gradativamente puxada. Esta

hipótese é sustentada pela observação de poros excretores de compostos

limosos na superfície de várias cianobactérias filamentosas.

Em Flavobacterium johnsoniae, provavelmente o mecanismo de

deslizamento envolve a movimentação de proteínas na superfície celular. De

acordo com este modelo, proteínas específicas de motilidade, ancoradas nas

membranas citoplasmática e externa, parecem propelir a célula para frente

por um mecanismo de cremalheira contínua. Ao que parece, o movimento

das proteínas da membrana citoplasmática é promovido pela liberação de

energia oriunda da força próton motiva que, de alguma maneira, transmite

esta energia às proteínas da membrana externa, localizadas ao longo de

uma “pista de corrida” na superfície celular. Acredita-se que o movimento

Page 44: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

das proteínas da pista de corrida contra uma superfície sólida, literalmente

empurre a célula para frente.

Assim como as outras formas de motilidade, o deslizamento apresenta

grande relevância ecológica. Este movimento permite que a célula explore

novos recursos, ou interaja com outras células, de maneira benéfica.

Esquema proposto para a movimentação deslizante de Flavobacterium

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

Morfologia e ultraestrutura bacterianas (Parte 3)

Periplasma (gel periplasmático) - Corresponde a um espaço situado entre a

membrana externa e membrana citoplasmática, encontrado em células Gram negativas.

Embora questionáveis, relatos esporádicos descrevem a existência de um espaço observado

entre o peptideoglicano e a membrana citoplasmática de organismos Gram positivos. O

periplasma apresenta consistência de gel, provavelmente devido ao grande número de

proteínas presentes nesta região. Em virtude disto, este "espaço" passou a ser denominado gel

Page 45: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

periplasmático. O periplasma pode atingir de 1 a cerca de 70 nm de espessura,

correspondendo a até 40% do volume total da célula.

Em Gram negativas, tem grande importância, pois várias enzimas e outras proteínas

estão localizadas, incluindo hidrolases, proteínas de ligação envolvidas no transporte e

quimiorreceptores. Bactérias quimiolitotróficas e denitrifcantes apresentam muitas vezes

proteínas transportadoras de elétrons no periplasma, outras apresentam enzimas envolvidas na

síntese de peptideoglicano. A presença do periplasma bactérias Gram positivas é ainda motivo

de controvérsias, devido ao enorme potencial secretor que este grupo apresenta.

Membrana Citoplasmática - Estrutura delgada, com cerca de 8 nm, composta por uma

bicamada fosfolipídica (podendo apresentar 7 tipos de fosfolipídeos diferentes), entremeada de

proteínas (cerca de 200 tipos distintos), atuando como importante barreira osmótica, altamente

seletiva. Normalmente, as membranas de organismos procariotos apresentam maiores

concentrações de proteínas que as membranas eucarióticas, tendo em vista a ausência de

organelas citoplasmáticas nas bactérias.

A bicamada fosfolipídica é composta por glicerol ligado a duas cadeias de ácidos

graxos, através de ligações do tipo éster, com proteínas entremeadas. Tanto as proteínas

como os fosfolipídeos podem mover-se lateralmente ao longo da membrana. Esta é

estabilizada principalmente por interações hidrofóbicas e por pontes de H.

Paralelamente, os íons Ca+2 e Mg+2 também participam, interagindo ionicamente com as

cargas negativas dos fosfolipídeos.

Via de regra, os fosfolipídeos bacterianos contém ácidos graxos com cadeias não ramificadas

de 16 a 18 átomos de carbono. Esta composição pode ser variável, de acordo com as

condições ambientais. Assim, quando cultivadas em temperaturas baixas, há um aumento da

proporção de ácidos graxos insaturados, aumentando consequentemente a fluidez da

membrana. Por outro lado, aumetando o grau de saturação, as cadeias tornam-se mais rígidas,

pois as moléculas têm maior capacidade de associação.

Page 46: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Esquema da membrana citoplasmática bacteriana

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

Via de regra, exceto no caso dos micoplasma (bactérias desprovidas de parede celular),

micoplasmas, as membranas procarióticas não apresentam esteróis, como observado em

eucariotos. Entretanto, muitas bactérias apresentam moléculas pentacíclicas, semelhantes a

esteróis, denominadas hopanóides, talvez conferindo maior rigidez à membrana. A presença de

esteróis na membrana citplasmática de micoplasmas pode ser justificada pela ausência da

parece celular, neste grupo de organismos.

Similaridade estrutural entre os esteróis (a), colesterol (b) e hopanóides (c)

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

Mesossomos - correpondem a extensas invaginações da membrana citoplasmática,

em forma de vesículas, lamelas ou túbulos. Geralmente são encontrados com maior

abundância em Gram positivos, mas também presentes em Gram negativos. Até hoje, sua

existência e funções são ainda debatidas pelos pesquisadores. Diversas funções têm sido

atribuídas aos mesossomos, tais como a participação na segregação dos cromossomos

durante a divisão, papel respiratório, papel na esporulação, ou até mesmo como sendo um

mero artefato decorrente dos procedimentos utilizados para a preparação microscópica dos

espécimes. A partir do acahado de extensos mesossomos em bactérias de grandes

dimensões, acredita-se que sua principal função seja de aumentar a superfície da membrana,

aumentando assim o conteúdo enzimático das células.

Matriz Citoplasmática - É composta por cerca de 70% de água, além dos demais

compostos celulares, tais como o DNA, inclusões e plasmídeos. Caracteristicamente, o

Page 47: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

citoplasma celular apresenta um grande concentração de ribossomos e proteínas, tais como

proteínas atuando como um sistema de citoesqueleto.

Nucleóide e plasmídeos- Os procariotos são organismoshaplóides, geralmente

apresentando apenas 1 único cromossomo não envolto por carioteca. Eventualmente, algumas

bactérias podem apresentar 2 ou 3 cromossomos. O cromossomo bacteriano é normalmente

cirucular e encontra-se bastante enovelado, em uma região celular denominada nucleóide. Em

bactérias, o cromossomo não apresenta-se associado a histonas, sendo estabilizado por outras

proteínas de natureza básica. Geralmente o DNA cromossomal corresponde a uma molécula

bastante grande, podendo ser 1000 vezes maior que a própria célula. Em E. coli, o DNA possui

cerca de 4,7 Mb, exibindo aproximadamente 1 mm de comprimento, quando linearizado.

(Adaptado de An Electronic Companion to

Microbiology)

Várias bactérias apresentam também moléculas de DNA extracromossomal,

denominadas plasmídeos, as quais são geralmente circulares, contendo muitas vezes genes

que conferem características adaptativas vantajosas ao microrganismo. Seu número e

dimensões são bastante variáveis.

Corpúsculos de inclusão - São grânulos de armazenagem, de diferentes naturezas,

sendo geralmente utilizados como fonte de material de reserva ou energia, muitas vezes

insolúveis. Estes podem apresentar-se sem qualquer envoltório ou envoltos por uma única

camada lipídica delgada (diferente de uma membrana), ou por proteínas.

Dentre os compostos orgânicos armazenados temos o glicogênio, o amido e

poliidroxibutirato. Já dentre os inorgânicos temos polifosfatos (volutina ou metacromáticos) e

enxofre.

Page 48: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Grânulos de poliidroxibutirato

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

Os magnetossomos são partículas intracelulares de magnetita (Fe3O4), que originam um

dipolo magnético na célula, que pode responder aos campos geomagnéticos. Estes foram

descritos em algumas bactérias aquáticas e algas. Outras bactérias aquáticas apresentam

vesículas de gás, que conferem mobilidade nas diferentes camadas de água. São estruturas

em forma de fuso, ocas, compostas por proteínas, tendo tamanhos variáveis (30 - 300 nm de

diâmetro e até 1000 nm de comprimento). Consistem de um orifício oco envolto por uma

membrana (armação) protéica extremamente delgada (2 nm). Nesta membrana encontram-se

por 2 tipos de proteínas que originam uma estrutura rígida, impermeável à agua e permeável a

gases. A proteína predominante tem cerca de 7.5 kDa, contendo Å 50% de resíduos de

aminoácidos hidrofóbicos (Ala, Val, Leu, Ile), provavelmente voltados para o interior da

partícula, evitando a entrada de água.

Células apresentando magnetossomos em seu interior (corpúsculos negros enfileirados)

(Adaptado de Prescott et al., Microbiology, 2000)

Preparação de magnetossomos (Adaptado de Prescott et al., Microbiology,

2000)

Page 49: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Bactérias se movendo em direção a um campo magnético

(Adaptado de Prescott et al., Microbiology, 2000)

Esquema de uma vesícula de ar, indicando como as proteínas que a

formam se associam (Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of

Microorganisms, 2003)

Domínio Archaea

Considerações Gerais

Por volta da década de 70, vários organismos procarióticos foram isolados a partir de

uma série de ambientes considerados extremamente inóspitos, quase que incompatíveis com a

presença de seres vivos. Estes ambientes naturais caracterizavam-se por apresentar

temperaturas bastante elevadas (próximas a 100ºC), extrema acidez (pH próximo a 2), altas

salinidades (cerca de 10 a 15%) e, muitas vezes, ausência completa de oxigênio. Como várias

destas características correspondiam às possíveis condições encontradas na Terra primitiva,

os pesquisadores acreditavam que os organismos procarióticos presentes nestes ambientes

deveriam corresponder a células primitivas, talvez "fósseis vivos", representando as formas de

vida ancestrais das bactérias modernas. Por esta razão, estes organismos foram denominados

"arqueobactérias".

No entanto, a partir dos trabalhos de Carl Woese e colaboradores (há cerca de 25

anos), realizando estudos comparativos de sequências de DNA que codificavam rRNA (16S e

23S) de diferentes organismos, foram definidos 3 grandes domínios compreendendo todos os

seres vivos. Assim, de acordo com a proposta de Woese, os seres vivos poderiam ser

agrupados em três grandes domínios: Bacteria (anteriormente denominadas eubactérias),

Archaea (as "arqueobactérias") e Eucarya (Eucariotos). Estes três domínios teriam derivado de

um hipotético ancestral comum de todas as células.

A análise da árvore filogenética apresentada abaixo, revela como a denominação

"arqueobactérias" é inadequada e quão obsoleta é a idéia de que as "arqueobactérias" seriam

Page 50: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

os ancestrais das bactérias atuais, pois estes organismos não correspondem aos ancestrais da

bactérias atualmente conhecidas.

Árvore filogenética universal, apresentando os três domínios da vida

(Adaptado de Madigan et al., 2003 - Brock Biology of Microorganisms)

Esta árvore revela claramente que as "arqueobactérias" não correspondem aos

ancestrais das bactérias atuais, visto que sua possível origem ocorre quase que

concomitantemente à origem das bactérias mais primitivas.

Outro aspecto que a árvore permite deduzir é o fato das "arqueobactérias" ocuparem

uma posição intermediária entre os domínios Bacteria e Eucarya, sugerindo que estas

correspondem a um grupo de organismos diferentes de bactérias e de células eucarióticas. De

fato, estudos genéticos e fisiológicos posteriormente revelaram que tais organismos

apresentam características de bactérias, de eucariotos, além de características exclusivas, não

encontradas em qualquer outro domínio. Por esta razão, deixaram de ser denominadas

"arqueobactérias", recebendo a denominação archaea.

Uma questão ainda não elucidada refere-se ao porquê de encontrar-se um grande

variedade de archaea extremófilas, habitanto ambientes de altas temperaturas, salinidade, ou

extremos de pH. Por outro lado, o acúmulo de conhecimentos sobre este grupo vem mostrando

que as archaea podem ser encontradas nos mais diversos ecossistemas, desde ambientes

aquáticos frios, sistema digestório do homem e outros animais, em tecidos vegetais.

Certamente não é absurdo cogitar que no futuro sejam descobertas archaea patogênicas ao

homem ou outros seres vivos.

Page 51: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

As características apresentadas por alguns dos membros deste domínio parecem refletir

as condições primitivas da Terra, quando tal domínio começou a evoluir como um ramo

filogenéticio distinto. Ao que parece, várias archaea conservaram mais do que as eubactérias

estas características fisiológicas primitivas, o que seria responsável pela distribuição atual no

planeta.

Assim, as archaea compreendem um grupo heterogêneo de microrganismos que podem

ser caracterizados, em sua maioria, como habitantes de ambientes inóspitos, geralmente

crescendo em condições consideradas até então como extremas e limítrofes para a vida.

Classificação das Archaea

Atualmente, considera-se que este domínio apresente três filos: Crenarchaeota,

Euryarchaeota e Korarchaeota.

Árvore filogenética do domínio Archaea

(Adaptado de Madigan et al., 2003 - Brock Biology of Microorganisms)

O filo Crenarchaeota, separa-se muito próximo da raiz da árvore universal, sendo

composto por organismos hipertermófilos (Thermoproteus, Pyrolobus e Pyrodictium),

compreendendo os organismos capazes de crescer nas maiores temperaturas conhecidas.

Estes hipertermófilos são, em sua maioria, quimiolitotróficos autotróficos, sendo então

classificados como produtores primários. Neste grupo há também organismos isolados (mas

ainda não cultivados em laboratório) de ambientes frios, tais como águas oceânicas.

Page 52: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Lagoa quente, rica em

enxofre, que é convertido a ácido

sulfúrico, por espécies de archaea.

Sulfolobus, exemplo de uma archaea

do filo Crenarchaeota, habitante da lagoa

ilustrada acima.

(Adaptado de Madigan et al., 2003 - Brock Biology of Microorganisms)

O filo Euryarchaeota é um grupo fisiologicamente diverso, sendo composto por dois grupos: 1)

as archaea metanogênicas, que são anaeróbias, (Methanococcus, Methanobacterium e

Methanosarcina), encontradas em ambientes de condições extremas, e 2) as halofílicas

extremas, que são aeróbias (Halobacterium, Halococcus). As metanogênicas compreendem os

organismos mais anaeróbios conhecidos, ou seja, o oxigênio mesmo em concentrações

baixíssimas, exerce um efeito extremamente letal sobre estes organismos. Neste filo há ainda o

gênero Thermoplasma, composto por bactérias acidófilas, termofílicas, que não apresentam

parede celular. As halofílicas geralmente coram-se como Gram negativas, não apresentam

esporos e, em sua maioria, são imóveis, geralmente apresentando grandes plasmídeos,

contendo cerca de 25 a 30% do DNA da célula. Dentre as metanogênicas, encontra-se o

gênero Methanopyrus, que cresce em temperaturas de até 110°C.

Page 53: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Lago hipersalino no Egito,

rico em carbonato de sódio. O pH

destas águas encontra-se na faixa de

10, sendo habitado por archaea

halófilas extremas, tais como

Halobacterium salinarum. A coloração

vermelha é decorrente da presença

de pigmentos carotenóides, presentes

nestes organismos.

Thermoplasma, uma archaea desprovida de parede celular.

Pilha de refugo da mineração de

carvão, que muitas vezes sofre auto-

combustão. Hábitat da archaea

Thermoplasma.

(Adaptado de Madigan et al., 2003 - Brock Biology of Microorganisms)

O filo Korarchaeota é composto quase que somente por isolados identificados apenas a

partir do sequenciamento de 16S rRNA, sendo considerado um grupo de hipertermófilos. Até o

momento, poucos espécimes de Korarchaeota foram cultivados em laboratório.

Pesquisas realizadas em uma fenda termal localizada no fundo do mar da Islândia, em

2002, levaram à identificação de uma nova espécie de archaea apresentando características

bastante distintas, quando comparada aos demais membros desse domínio. A espécie

Nanoarchaeum equitans diferencia-se das demais archaea por ser aparentemente muito

primitiva (ou modificada), sendo encontrada em associação com outra archaea (Igniococcus

sp.). Este organismo de morfologia arredondada é bastante diminuto, apresentando cerca de

400 nm de diâmetro e um pequeno genoma, de 0,5 Megabases. De acordo com seus

descobridores, as grandes diferenças apresentadas por Nanorachaeum em relação à

seqüência de RNA ribossomal, sugerem que tal organismo seja classificado em um novo filo,

proposto como Nanoarchaeota.

Page 54: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Micrografia de fluorescência,

empregando um corante específico

para DNA, revelando as células de

Igniococcus (maiores) e de

Nanoarchaeum equitans (menores).

No quadro à direita, micrografia

eletrônica evidenciando a estreita

associação das duas archaea.

Boucher & Doolittle (2002) Nature, 417:27-28

(clique no autor, caso deseje ver o artigo original)

Micrografia de fluorescência

empregando corantes específicos para os rRNAs

de Igniococcus (verde) e Nanoarchaeum

(vermelho)

Huber et al. (2002) Nature, 417:63-67.

(clique no autor, caso deseje ver o artigo original)

Estrutura celular das Archaea

Quanto à morfologia, podem ser esféricas, bacilares, espiraladas, achatadas, quadradas,

discóides e muitas vezes de morfologia irregular ou pleomórficas. Suas dimensões são

extremamente variáveis, de 0,1 a 15 µm, com alguns filamentosos atingindo 200 µm.

As archaea apresentam várias características especiais, que permitem seu

desenvolvimento em uma vasta gama de ambientes. Estas incluem alterações de composição

de membrana, composição variada de paredes celulares, presença de proteínas tipo histonas,

íntrons, mecanismos de splicing, entre outros.

Parede celular: Apresenta composição e estruturação extremamente variáveis neste

grupo de microrganismos. Esta variabilidade sugere que o ancestral comum seria desprovido

de parede, sendo as diversas paredes resultantes de evolução independente, de acordo com

os diferentes ambientes e grupos de archaea.

Page 55: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Diferentes composições de parede celular presentes em archaea.

(Adaptado de Atlas, R.M. (1997) - Principles of microbiology)

Quando coradas pelo método de Gram, algumas archaea comportam-se como Gram

positivas e outras como Gram negativas, embora suas paredes sejam completamente distintas

daquelas de eubactérias. Como observado na figura acima, suas paredes celulares

apresentam uma grande diversidade quanto à composição química e, diferentemente das

eubactérias, não apresentam peptideoglicano. Além disso, existem também outras archaea que

não exibem parede celular (Thermoplasma).

O gênero Thermoplasma cresce bem em temperaturas de 55°C e pH 2, em meios

complexos. Estes organismos apresentam a membrana citoplasmática bastante diferente,

contendo compostos semelhantes a lipopolissacarídeos, contendo ligações tetraéter. Um outro

gênero, filogeneticamente relacionado a Thermoplasma, é Picrophilus, que cresce em pHs de

0,06 a 0,7.

Várias archaea exibem uma parede espessa, rígida, semelhante à parede Gram positiva

(Methanobacterium, Methanopyrus, Halococcus), entretanto, os polímeros que compõem a

estrutura podem ser: pseudopeptideoglicano ou metanocondroitina.

O pseudopeptideoglicano diferencia-se do peptideoglicano pela ocorrência de ácido

talosaminurônico em substituição ao murâmico, pela ligação do tipo b-1,3 ao invés de b-1,4

entre os açúcares e pela ausência de D-aminoácidos nas porções peptídicas da molécula.

Nestas bactérias, a lisozima não exibe qualquer atividade de degradação da parede, uma vez

que seu sítio de ação são as ligações b-1,4. Da mesma forma, a penicilina é ineficaz contra

estes organismos porque o mecanismo de síntese de parede é distinto nas archaea.

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A metanocondroitina é um polímero de 4 açúcares (galactosamina, ácido glucorônico,

N-acetil-galactosamina e glicose), muito semelhante ao tecido conectivo animal, composto por

sulfato de condroitina.

Aquelas archaea que coram-se como Gram negativas podem ter paredes compostas

por proteínas, polissacarídeos ou glicoproteínas. As paredes protéicas podem variar entre si,

podendo ser do tipo monocamada de natureza cristalina, ou policamadas, de proteínas

tubulares. As glicoproteínas são também comuns, muitas vezes contendo grandes quantidades

de aminoácidos carregados negativamente. As halobactérias são um exemplo do modelo

descrito acima, onde as cargas negativas da parede interagem com os íons Na+ do ambiente,

estabilizando a parede.

O gênero Halococcus apresenta a parede celular composta por um

heteropolissacarídeo altamente sulfatado, nunca observado em qualquer outro ser vivo.

Eventualmente, algumas archaea exibem uma camada protéica adicional ao redor da

parede celular, ou compondo a própria parede, denominada “camada S”, em um estado

cristalizado.

Membrana Citoplasmática: corresponde a uma estrutura única, apresentando

composição química e arranjo totalmente diferentes das membranas citoplasmáticas de quase

todas as bactérias e de todos eucariotos.

Membrana Bacteria Archaea Eucarya

Conteúdo protéico alto alto baixo

Composição lipídica fosfolipídeos

Sulfolipídeos,

glicolipídeos,

hidrocarbonetos

ramificados, isoprenoides,

fosfolipídeos

Fosfolipídeos

Estrutura dos

lipídeos cadeia linear cadeia ramificada cadeia linear

Ligação dos lipídeos éster éter (di e tetraeter) éster

As membranas de archaea geralmente apresentam um alto conteúdo protéico e vários lipídeos:

glicolipídeos, sulfolipídeos, fosfolipídeos (raros) e lipídeos apolares do tipo isopreno. A

presença de hidrocarbonetos ramificados aumenta a fluidez da membrana, uma vez que

dificultam a formação de estruturas cristalinas. Dentre os principais lipídeos estão aqueles do

tipo glicerol-éter-isopreno (hidrocarbonetos de 20, 25 ou 40 Carbonos).

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Uma característica da porção lipídica da membrana é o fato desta não ser composta por ácidos

graxos convencionais. Em seu lugar encontram-se longas cadeias de hidrocarboneto

ramificadas. Os hidrocarbonetos ligam-se ao glicerol por ligações do tipo éter (ao invés de

éster) e podem apresentar-se como bicamadas (como em todas as membranas) ou como

monocamadas. Quando formam bicamadas, denominam-se glicerol diéter e quando originam

monocamadas, diglicerol tetraéter.

Quando há a monocamada, esta modula sua fluidez através da ciclização de alguns elementos

da cadeia de hidrocarboneto, formando anéis pentacíclicos.

As proteínas de membrana podem ser também bastante diferentes daquelas observadas em

outros tipos celulares.

Estrutura e composição da membrana presente em várias archaea.

(Adaptado de Madigan et al., 2003 - Brock Biology of Microorganisms)

Cromossomo: É bastante semelhante ao cromossomo das eubactérias, uma vez que é

único e, na maioria dos casos, circular. Por outro lado, sua organização é semelhante aos

eucariotos, uma vez que observam-se proteínas (do tipo histona) associando-se ao DNA,

atuando na manutenção da estrutura do DNA, afetando também a expressão gênica. Foi

observado que em muitos hipertermófilos a associação das proteínas ao DNA promove um

enovelamente do tipo positivo no DNA, enquanto em eucariotos, este é negativo.

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Foi também relatada a presença de introns no cromossomo de Archaea, em genes de

RNA de hipertermófilos e halófilos, sendo processado através de endonucleases.

Transcrição: Em relação aos promotores, aparentemente sua estrutura tem maior

semelhança com promotores de eucariotos que de procariotos. A RNA polimerase é mais

complexa que a de bactérias, podendo ser composta por 8 polipeptídeos em metanogênicas e

halofílicas (enquanto em Bacteria são 4). Nas hipertermófilas, podem existir 10 polipeptídeos

distintos (assemelhando-se à RNA polimerase de eucariotos).

Ribossomos: São do tipo 70S, semelhantes aos de bactérias, entretanto, sua

composição protéica é bastante distinta, tornando-os resistentes aos antibióticos que afetam a

síntese protéica bacteriana. A tradução também é diferentes das Bacteria, assemelhando-se

mais aos Eucarya, sem a participação da formil-metionina no início do processo. A toxina

diftérica, que inibe a tradução de células eucarióticas também inibe o processo em Archaea.

Flagelos: Muitas archaea, inclusive aquelas sem parede celular, podem apresentar

flagelos. Estes diferem totalmente dos flagelos bacterianos, uma vez que não apresentam a

estruturação em corpo basal, gancho e filamento. Nas Archaea, o flagelo não apresenta os

anéis observados nas bactérias e, geralmente, é composto por vários tipos de “flagelina”, que

exibe composição similar a várias fímbrias. Ao que parece, o flagelo é composto por flagelina,

que se organiza a partir da membrana citoplasmática, projetando-se para o exterior da célula.

Metabolismo

As archaea apresentam uma enorme diversidade metabólica. Muitas são

quimiorganotróficas, com metabolismo semelhante às demais células, outras são

quimiolitotróficas, utilizando o H2 como doador de elétrons nas reações de oxi-redução.

Várias archaea são anaeróbias e geralmente termófilas e suas vias para obtenção de

energia geralmente envolvem

1) Redução do CO2 a metano ou conversão do acetato a CO2 e então metano; sendo

incorporado pela via do Acetil-Coa

CO2 + 4H2 k CH4 + 2H2O nas metanogênicas

2) Redução de SO4 a H2S;

SO42- + H+ + 4H2 k HS- + 4H2O

3) Redução de Enxôfre elementar a H2S.

S + H2 k HS- + H+

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Assim, pode-se notar que muitas archaea exibem metabolismo quimioautotrófico.

Ecologia de archaea

Embora inicialmente fossem consideradas organismos restritos a ambientes extremos,

muitas archaea vêm sendo isoladas de ambientes favoráveis aos demais organismos

procarióticos e eucarióticos. No entanto, dentre as várias archaea descritas até o momento, a

maioria é encontrada em poucos ambientes especializados terrestres e aquáticos, tais como

lagos extremamente salinos, ambientes estritamente anaeróbios e/ou ambientes extremamente

quentes. Até pouco tempo, a menor temperatura onde foi possível se fazer o cultivo “in vitro” de

archaea era de 30°C.

Dados recentes indicam, por outro lado, que este grupo de microrganismos pode

também ser isolado de ambientes frios. Atualmente sabemos que estes organismos são

importantes membros da microbiota aquática de regiões frias do planeta. Ao que parece, as

archaea podem corresponder a até 34% da biomassa procariótica das águas costeiras

superficiais da Antártida.

De maneira geral, e pelo fato da maioria das archaea conhecidas serem isoladas de

ambientes quentes, salinos e/ou anaeróbios, este domínio é didaticamente dividido em três

grandes grupos: termofílicos, halófilos e metanogênicos.

No entanto, vale ressaltar mais uma vez que dados mais recentes comprvam a ampla

distribuição geográfica e ecológica desse grupo de organismos.

Termofilia: Sabe-se que várias archaea têm temperatura ótima superior a 80°C e

temperatura máxima de crescimento acima de 100°C (Pyrodictium brockii tem ótimo de 105°C

e Pyrolobus fumarii de 106°C, embora cresça em até 113°C). Ainda não se sabe até onde pode

ir esta faixa de temperatura.

Pyrolobus fumarii foi isolado de uma fenda no Oceano Atlântico, a uma profundidade de

3.650 metros, crescendo em uma faixa de temperatura de 90 a 113°C, pH de 4 a 6.5 e

concentrações de NaCl variando de 1 a 4%. Experimentos realizados em laboratório mostram

que culturas na fase exponencial de crescimento sobrevivem ao tratamento em autoclave

(121°C) por 1 hora.

A termofilia requer adaptações fisiológicas especializadas, pois as proteínas e ácidos

nucléicos não podem ser desnaturados e a membrana deve manter-se funcional nestas

temperaturas.

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Curiosamente, a estrutura primária (seqüência de aminoácidos) de várias proteínas de

Archaea não exibem diferenças significativas quando comparada a outros organismos.

Provavelmente, o principal fator para esta característica seja o dobramento destas proteínas.

Uma característica das proteínas de termofílicos refere-se à substituição de aminoácidos mais

flexíveis por aqueles que conferem maior rigidez à molécula. Além disso, foi sugerido que as

proteínas poderiam ser estabilizadas pela presença de altos teores de aminoácidos

hidrofóbicos. As archaea termófilas também exibem um enorme número de chaperonas, que

garantem o dobramento correto das proteínas nas temperaturas mais elevadas.

Em termos de genoma, observa-se muitas vezes valores maiores de G+C nas

hipertermófilas, estabilizando assim os ácidos nucléicos. Entretanto, tal característica não pode

ser considerada como regra. Muitas termofílicas apresentam altas concentração de 2,3-

difosfoglicerato cíclico, um composto que protege contra a depurinização. Várias outras

produzem uma DNA girase reversa, que enovela o DNA no sentido positivo, que é mais estável

que o negativo, o qual é encontrado na maioria das outras células. Além disso, muitas vezes

são encontradas proteínas do tipo histona ou outras, que se ligam fortemente ao DNA,

protegendo-o.

Quanto à membrana, sua funcionalidade é decorrente da presença de isopreno e da

ciclização de seus componentes, além da alta frequência de membranas do tipo tetraéter.

As termófilas podem ser encontradas em fontes geotérmicas, fontes vulcânicas (que

expelem vapores e compostos sulfurados), fontes termais marinhas, onde erupções vulcânicas

elevam a temperatura para mais de 100°C. Nestes casos, estas bactérias requerem,

adicionalmente, pressões elevadas para o seu desenvolvimento. Estes organismos são muito

utilizados em biodigestores de esgoto e também como fonte de insumos laboratoriais (Taq pol).

Halofilia: Este grupo de archaea habita locais denominados hipersalinos, requerendo

grandes quantidades de sal para seu desenvolvimento. Um halófilo extremo requer pelo menos

1,5M de NaCl (9%), podendo variar de 2 a 4M (12 a 23%) para outras espécies. Foram

descritos organismos capazes de crescer na presença de 5,5M de NaCl, o que equivale a 32%,

correspondendo ao limite de saturação para este sal.

Embora ambientes salinos sejam comuns, os hipersalinos são raros, encontrando-se

em áreas quentes e secas do mundo (lagos salgados, salinas, mar morto). Nestes ambientes,

as células tenderiam a perdem água, devido à elevada concentração externa de sal.

Entretanto, exibem uma adaptação fisiológica que corresponde ao acúmulo de sais ou íons em

seu citoplasma, ou pela síntese de compostos orgânicos intracelulares, denominados solutos

compatíveis. Assim, o gênero de halófilos Halobacterium bombeia grandes quantidade de K+

Page 61: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

para o interior da célula, superando a concentração externa de Na+. Nestes organismos, as

enzimas devem exibir maior tolerância ao sal, tendo em vista que seu funcionamento deverá

ocorrer em um ambiente muito concentrado. Muitas apresentam bombas de cloro, que

constantemente bombeiam este íon para o interior da célula. As paredes podem conter uma

grande quantidade de aminoácidos carregados negativamente, ou polissacarídeos sulfatados,

para interagir com íons Na+ presentes no meio, sendo esta interação essencial à integridade da

parede.

Metanogênicos: Este foi o primeiro grupo de archaea descrito, sendo único por sua

capacidade de sintetizar metano. Sua distribuição geográfica é muito ampla, sendo

encontrados no intestino de ruminantes, em cupins, em lagoas, lodos de esgoto, etc. Podem

ser quimiolitotróficos ou quimiorganotróficos e, via de regra, são anaeróbio estritos, exibindo

enorme sensibilidade ao oxigênio.

Interações microbianas

Ao que parece, as archaea interagem intensamente com outros organismos, embora

sejam eventos menos frequentes que aqueles observados para as eubactérias.

As archaea metanogênicas realizam associações com outros microrganismos, uma vez

que necessitam de substrato (principalmente H) para a produção de metano. Assim, em

processos de degradação anaeróbia de resíduos de indústrias de papel, que ocorrem em rios e

lagos e também no intestino de ruminantes, pode-se observar a ocorrência de comunidades

microbianas contendo metanogênicas, havendo a produção de metano e gás carbônico.

Um dos principais produtos da fermentação de muitos anaeróbios é o H2, que é

prontamente utilizado pelas metanogênicas, que associado ao CO2, origina o metano. O ácido

fórmico pode também ser utilizado como doador de elétrons para a redução do CO2. A

produção de metano, por sua vez, garante um ambiente anaeróbico. Já foi descrita a

ocorrência de metanogênicas endossimbiontes em protozoários que habitam o rumen de

vertebrados.

Foi descrita a associação de archaea com animais e em alguns tecidos vegetais,

embora até o momento não tenha sido comprovada a capacidade de invadir tecidos ou

manifestar potencial patogênico nesses organismos. Em muitos casos a presença de

metanogênicas no rumen pode levar a prejuízos ao gado, uma vez que competem pelo acetato

produzido na fermentação da celulose.

Há ainda um problema ambiental associado à produção de metano pelas archaea, pois

este metano expelido pelas archaea contribui ao agravamento do efeito estufa. Estudos

Page 62: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

recentes indicam que a quantidade de metano expelida pelas Archaea pode ser de 400

ton3/ano (cerca de 50 litros por dia). Dados recentes revelam a detecção de archaea em

amostras de placa dental subgengival, embora nada tenha sido provado em relação ao

potencial patogênico dos organismos isolados.

Nutrição de microrganismos

Introdução

Os microrganismos exibem os mais diversos mecanismos nutricionais. Em relação aos

procariotos (Bacteria e Archaea), a nutrição ocorre predominantemente pela absorção, uma vez

que a grande maioria destes organismos possui uma espessa parede celular, impossibilitando

a realização de fagocitose.

Os seres vivos podem ser classificados de acordo com as fontes de energia e de

carbono que utilizam para seu crescimento. Assim, em relação às fontes de energia, tempos os

organismos fototróficos (que utilizam a energia luminosa) e os quimiotróficos (que utilizam a

energia proveniente de reações químicas). Em relação às fontes de carbono, temos os

organismos autotróficos (fontes inorgânicas) e os heterotróficos (fontes orgânicas). Dentre os

procariotos, iremos encontrar exemplos em todas as possíveis classes de organismos.

Classificação dos seres vivos, de acordo com as fontes de energia e carbono

(Adaptado de Tortora et al., Microbiology - An Introduction, 1997)

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Composição química da célula procariótica

As células procarióticas são compostas, essencialmente por macromoléculas

(proteínas, ácidos nucléicos, polissacarídeos e lipídeos), apresentando também uma menor

quantidade de outros compostos orgânicos e inorgânicos. Além destes, encontramos íons e

água. Relativamente, podemos consideram a célula como sendo ¼90% de água, ¼10% de

macromoléculas e o restante compreendido pelos demais componentes.

A maioria das pequenas moléculas é obtida a partir do meio, sendo as macromoléculas

sintetizadas em seu interior.

Nutrientes

Os nutrientes são definidos como as substâncias encontradas no ambiente, que

participam do anabolismo e catabolismo celular, podendo ser divididos em dois grandes

grupos: macronutrientes, que são necessários em grandes quantidades e micronutrientes,

necessários em pequenas quantidades. Alguns nutrientes são utilizados como fonte de material

para a biossíntese das moléculas, enquanto outros correspondem a fontes de energia,

necessária aos processos biossintéticos e de manutenção dos organismos. Muitas vezes,

diferentes nutrientes podem apresentar os dois papéis descritos acima.

Principais Macronutrientes

Carbono: corresponde à base de todas as moléculas orgânicas. Entre os procariotos

melhor estudados até o momento, a maioria requer algum tipo de composto orgânico como

fonte de carbono, o qual pode ser de diferentes variedades (aminoácidos, ácidos orgânicos,

açúcares, bases nitrogenadas, etc).

Nitrogênio: corresponde ao segundo elemento mais abundante nas células, compondo

proteínas, ácidos nucléicos e peptideoglicano. Podemos encontrar o nitrogênio sob a forma de

compostos orgânicos ou inorgânicos, sendo ambas as formas prontamente utilizadas por um

Page 64: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

grande número de procariotos. Assim, a partir da degradação de proteínas e ácidos nucléicos,

bem como a partir de amônia e nitrato, os organismos utilizam o nitrogênio presente na

natureza. Embora o nitrogênio esteja em grandes concentrações na atmosfera, este não é

amplamente utilizado, exceto por aqueles organismos denominados fixadores de N2.

Hidrogênio: elemento presente em proteínas, açúcares e demais moléculas orgânicas.

Fósforo: encontrado em compostos orgânicos (ácidos nucléicos) ou inorgânicos

(fosfatos), sendo importante na composição de ácidos nucléicos e fosfolipídeos. Em sua

maioria, os microrganismos utilizam o fósforo sob a forma de compostos inorgânicos.

Enxofre: compondo a cisteína e metionina, estando presente também em várias

vitaminas (tiamina, biotina). Na natureza, o enxofre sofre uma série de transformações, as

quais são exclusivamente realizadas por microrganismos. A principal fonte de enxofre para os

microrganismos corresponde aos sulfatos inorgânicos ou H2S.

Potássio: necessário para todos os microrganismos, devido ao seu papel ativador de

várias enzimas, tais como aquelas envolvidas na tradução.

Magnésio: necessário geralmente em grandes quantidades, uma vez que tem papel na

estabilização de ribossomos, membranas e ácidos nucléicos, sendo também importante para o

funcionamento de diferentes enzimas, especialmente aquelas envolvidas na transferência de

fosfato.

Cálcio: embora não seja essencial ao crescimento da maioria dos microrganismos, tem

papel de estabilização da parede celular e de termorresistência nos esporos.

Sódio: importante, especialmente para microrganismos marinhos e certas archaea

halófilas.

Ferro: presente em um grande número de proteínas, especialmente aquelas envolvidas

na respiração.

Principais Micronutrientes: Embora necessários em pequenas quantidades, têm papel

tão importante quanto os macronutrientes.

Cobalto: necessário apenas para a formação da vitamina B12.

Zinco: tem papel estrutural em várias enzimas (DNA e RNA polimerases) e outras

proteínas de ligação ao DNA.

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Molibdênio: presente em certas enzimas como a nitrato redutase assimilativa.

Cobre: importante para enzimas respiratórias.

Manganês: ativador de muitas enzimas.

Níquel: presente em hidrogenases.

Fatores de crescimento: correspondem a compostos orgânicos específicos, que são

necessários em quantidades muito pequenas devido à incapacidade das células os

sintetizarem (vitaminas, aminoácidos, purinas e pirimidinas), os quais são geralmente

fornecidos como componentes dos meios de cultura (peptonas, extrato de levedura) utilizados

para o crescimento in vitro dos microrganismos. Na natureza, tais fatores são normalmente

encontrados nos hábitats naturais dos microrganismos. Por exemplo, bactérias do gênero

Porphyromonas requerem vitamina K como fator de crescimento, sendo esta fornecida pelo

próprio hospedeiro eucarioto.

As vitaminas correspondem ao fator de crescimento mais comum para os

microrganismos. Estas são definidas como compostos orgânicos necessários em pequenas

quantidades, para o crescimento e funções não relacionadas à nutrição, atuando na maioria

das vezes como parte de coenzimas. Estão descritas abaixo algumas das funções

desempenhadas pelas principais vitaminas requeridas pelos microrganismos:

biotina - Biossíntese de ácidos graxos, b-decarboxilações, fixação de CO2;

tiamina (B1) - a-decarboxilações e transcetolase

piridoxina (B6) - transformações de aminoácidos e ceto ácidos

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cobalamina (B12) - redução e transferência de fragmentos únicos de carbono, síntese de

desoxirribose.

As bactérias dos gêneros Streptococcus e Lactobacillus têm uma necessidade por

vitaminas maior do que aquela exibida pelo homem.

O processo de nutrição em procariotos

Nos procariotos contendo parede celular os processos de nutrição ocorrem através da

absorção dos nutientes, a partir do ambiente externo. Entretanto, devido às características

diferenciais na composição e estrutura da parede celular dos organismos Gram positivos e

Gram negativos, este processo apresenta algumas diferenças nestes dois grupos de

organismos.

Nutrição em Gram positivos: Estas bactérias caracterizam-se por sintetizar uma série

de exoenzimas, as quais são liberadas no meio, clivando os nutrientes, que são capatados por

proteínas transportadoras. Os fungos (células eucarióticas), posuem um sistema de nutrição

semelhante ao das bactérias Gram positivas, nutrindo-se pela absorção, após a clivagem

extracelular de compostos complexos.

Nutrição em Gram negativos

Papel da parede celular em Gram negativas

A parede celular das bactérias Gram positivas é composta por várias camadas de

peptídeoglicano, enquanto nas Gram negativas observa-se uma maior complexidade química e

estrutural da parede, decorrente da presença de camadas lipoprotéica e lipopolissacarídica,

localizadas externamente à camada de peptídeoglicano, originando a membrana externa. Estas

diferenças, por si só, contribuem em grande parte às diferenças observadas na forma de

captação dos nutrientes.

Devido à presença de uma membrana externa de caráter hidrofóbico (LPS), as

bactérias Gram negativas apresentam um grande número de porinas associadas à camada

lipopolissacarídica. As porinas correspondem a proteínas, formadas por três subunidades

idênticas, que originam um canal de cerca de 1 nm de diâmetro, cujo mecanismo de abertura e

fechamento permanece ainda desconhecido. Desta forma, as porinas permitem a passagem de

moléculas hidrofílicas, de baixa massa molecular.

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Estas proteínas podem atuar de forma inespecífica, formando canais aquosos, ou

específica, exibindo sítios de ligação para substratos de até 5 kDa, ou ainda, acopladas a

proteínas transportadoras.

Papel das proteínas periplasmáticas em bactérias Gram negativas

O periplasma corresponde à porção celular localizada entre a membrana plasmática e a

membrana externa, geralmente exibindo constituição gelatinosa, provavelmente devido ao

grande número de enzimas e proteínas presentes, assim como pela própria presença do

peptídeoglicano e lipoproteínas. De forma geral, são encontrados três tipos de proteínas no

periplasma de células Gram negativas: hidrolases, que atuam na degradação inicial dos

nutrientes; proteínas de ligação, que iniciam os processos de transporte e os quimioreceptores,

envolvidos em processos de quimiotaxia. O transporte inicial das moléculas para o citoplasma,

a partir do periplasma, é um processo que requer gasto energia, por meio da utilização de ATP.

Papel da membrana citoplasmática na nutrição de Gram positivos e negativos

A membrana citoplasmática, estrutura vital para qualquer tipo de célula, é uma barreira

que separa o conteúdo celular do meio externo. A membrana corresponde a uma barreira

altamente seletiva, permitindo que as células concentrem metabólitos específicos em seu

interior. No domínio Bacteria, a membrana apresenta-se como uma bicamada fosfolipídica,

contendo proteínas dispersas por toda sua superfície. A estutura global da membrana é

estabilizada através de interações do tipo pontes de hidrogênio, interações hidrofóbicas e pela

presença de íons Ca++ e Mg++, os quais se combinam com as cargas negativas dos

fosfolípides. Embora em archaea, a membrana apresente estrutura totalmente distinta,

podendo ser do tipo bicamada ou monocamada, muitas vezes desprovida de fosfolipídeos, tal

estrutura desempenha os mesmo papéis fisológicos descritos para as membranas de qualquer

ser vivo.

Assim, a membrana tem papel essencial nos processos de nutrição procariótica, uma

vez que todos os nutrientes e produtos de degradação devem atravessá-la. Devido à sua

permeabilidade seletiva, a maioria das moléculas são incapazes de simplesmente atravessar a

membrana de forma passiva. Ao contrário, estas devem ser ativamente transportadas através

da membrana.

O interior de uma célula procariótica consiste em uma solução aquosa hipertônica em

relação à maioria dos hábitats onde os procariotos são geralmente encontrados. Assim, a água

tem a capacidade de passar livremente para o citoplasma, pelo processo de osmose. Outros

compostos, tais como pequenas substâncias apolares e lipossolúveis (ácidos graxos, álcoois,

benzeno) são capazes de solubilizar-se na membrana e entrar na célula. Moléculas carregadas

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como íons, aminoácidos, compostos polares, devem ser transportados especificamente uma

vez que, devido à sua natureza, não são capazes de atravessar a membrana.

Processos de transporte através da membrana

A presença de proteínas transportadoras na membrana permite que a célula capte

compostos que naturalmente não penetrariam na célula, devido à natureza semi-permeável da

membrana. Estas proteínas podem ser agrupadas em três classes: uniportadoras,

simportadoras e antiportadoras.

As proteínas uniportadoras são aquelas que que transportam uma única substância de

um lado para outro da membrana. As duas outras classes são descritas como

cotransportadoras, uma vez que para transportar uma substância qualquer, necessitam

transportar outra, concomitantemente. As simportadoras são aquelas que carreiam ambos os

compostos em uma mesma direção enquanto nas antiportadoras o transporte se dá em

direções opostas.

Este tipo de transporte, mediado por proteínas, permite à célula apresentar

concentrações internas de determinados compostos superiores àquelas encontradas no meio

externo.

Uma das principais características do processo de transporte mediado por proteínas

reside na sua elevada especificidade, assim, determinados transportadores carreiam apenas

um único tipo de molécula, embora a maioria apresente afinidade por uma classe de moléculas

Tipos de transporte mediado por proteínas

Difusão facilitada

Neste tipo de processo, a ligação do nutriente à proteína transportadora induz uma

mudança de conformação na proteína, formando um canal pelo qual o nutriente tem acesso ao

citoplasma. Embora haja a participação de transportadores neste processo, a ação das leis das

massas impede que ocorra a formação de um gradiente de concentração, mantendo assim as

concentrações intra e extracelular semelhantes.

Este processo de difusão mediada por transportadores é denominado difusão facilitada, o qual

não envolve gasto de energia.

Os mecanismos descritos a seguir caracterizam-se por requerem um gasto de energia,

uma vez que estes permitem um acúmulo dos compostos transportados no interior da célula.

Desta forma, estes mecanismos envolvem o transporte contra um gradiente de concentração,

Page 69: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

sendo a energia necessária para o bombeamente dos compostos para o interior da célula.

Nestes casos, a energia pode advir da clivagem de ATP ou pela dissipação de gradientes de

prótons ou íons Na+ através da membrana. Este gradiente iônico é estabelecido durante

reações que liberam energia e podem ser utilizados como fonte potencial de energia para a

captação de nutrientes contra um gradiente de concentração.

Translocação de grupo

Neste tipo de transporte, o nutriente sofre uma alteração química durante sua passagem

através da membrana. Uma vez que o produto translocado para o interior da célula é agora

diferente daquele presente no meio externo, não há a formação de um gradiente de

concentração.

Moléculas de açúcares tais como glicose, frutose, N-acetilglicosamina, purinas e pirimidinas

são exemplos de translocação de grupo, sendo fosforiladas durante o processo pelo sistema

fosfotransferase.

Em E. coli, o sistema fosfotransferase é composto por 24 proteínas, sendo 4

necessárias para o transporte de um dado açúcar.

O sistema fosfotransferase tem também papel na regulação do transporte dos açúcares, uma

vez que na presença de glicose e outro açúcar, o sistema fosforila preferencialmente as

moléculas de glicose.

Tranporte ativo

Alguns açúcares, a maioria dos aminoácidos, vários íons inorgânicos e ácidos orgânicos

são transportados através deste tipo de mecanismo. A energia necessária para efetuar os

processos advém ou do ATP ou, mais comumente, da formação de um gradiente de prótons

(íons hidrogênio) por toda a membrana, denominado força próton motiva. Como resultado, a

membrana fica energizada e este potencial eletroquímico é responsável pela captação dos

nutrientes.

Cada transportador tem sítios específicos tanto para o substrato como para os prótons.

Com a entrada do nutriente, o próton também atravessa e membrana e com isso vai diminuindo

o gradiente e a força motiva.

Cátions tipo K+ podem ser transportados ativamente por uniportadores, em resposta à

diferença de cargas, uma vez que o interior da célula fica carregado negativamente.

Os ânions provavelmente são transportados juntamente com prótons, por

simportadores. Moléculas não carregadas, como aminoácidos ou açúcares, são transportadas

também por simportadores, juntamente com um ou mais prótons.

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Além da força motora resultante do gradiente de prótons, o transporte ativo também pode ser

executado utilizando a energia liberada pela hidrólise de ATP, como no caso do transporte de

maltose em E. coli.

A Cultura de microrganismos in vitro: A partir do conhecimento dos requerimentos

nutricionais, podem ser confeccionados meios que permitam o crescimento microbiano in vitro.

Cultura pura: corresponde a uma cultura contendo um único tipo de organismo. Esta é

importante, uma vez que permite o estudo dos microrganismos isoladamente. Para isso,

precisamos conhecer as necessidades nutricionais e ambientais dos microrganismos.

Os meios de cultura consistem em meios aquosos, adicionados de nutrientes e,

eventualmente, ágar (polissacarídeo = éster sulfato de galactana, retirado de algas - Gelidium),

caso se deseje a consistência sólida. Há duas classes de meios: os quimicamente definidos

(sintéticos) e os indefinidos (complexos). Tipos de meios em relação à consistência: Líquidos,

Semi-sólidos e Sólidosn Tipos de meios, quanto à composição: Simples, Enriquecidos,

Seletivos, Diferenciais.

Crescimento microbiano

Introdução ao Crescimento Microbiano

Em microbiologia, o termo crescimento refere-se a um aumento do número de células e

não ao aumento das dimensões celulares.

Crescimento Populacional: é definido como o aumento do número, ou da massa

microbiana.

A taxa de crescimento é a variação no número ou massa por unidade de tempo. O

tempo de geração é o intervalo de tempo necessário para que uma célula se duplique. O tempo

de geração é variável para os diferentes organismos, podendo ser de 10 a 20 minutos até dias,

sendo que em muitos dos organismos conhecidos, este varia de 1 a 3 horas. O tempo de

geração não corresponde a um parâmetro absoluto, uma vez que é dependente de fatores

genéticos e nutricionais, indicando o estado fisiológico da cultura. O tempo de geração pode

ser calculado quando uma cultura encontra-se em fase exponencial, pela fórmula abaixo:

N=No.2n, onde N= número final de células, No= número inicial de células, n= número de

gerações.

Page 71: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

n= log(N) - log(No)/0.301

g = t/n , onde g= tmpo de geração, t= tempo de crescimento e n= determinado acima.

Medidas do crescimento microbiano

O crescimento dos microrganismos pode ser mensurado por diferentes técnicas, tais

como pelo acompanhamento da variação no número ou peso de células, por exemplo. Dentre

as diferentes técnicas utilizadas, descreveremos alguns exemplos.

Contagem total de células: esta metodologia envolve a contagem direta das células

em um microscópio, seja de amostras fixadas (e coradas) ou analisadas a fresco, (sendo

aplicados cerca de 10 µl da suspensão, na maioria dos casos), utilizando-se câmaras de

contagem. A contagem direta é uma técnica rápida, mas tem como principais limitações a

impossibilidade de distinção entre células vivas e mortas (o que pode ser contornado pelo uso

de corantes vitais, para leveduras) e contagens errôneas, devido às pequenas dimensões de

algumas células, ou pela formação de agregados celulares.

Em preparações não coradas, deve-se utilizar microscópio de contraste de fase, o qual

deve ser empregado apenas quando as células não estão muito diluídas (<106 células/ml).

Exemplo ilustrando o procedimento de contagem direta

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

Há também os contadores eletrônicos (do tipo Coulter) usados em hematologia, que

podem ser empregados na contagem de células microbianas. Em determinadas situações, por

exemplo quando se requer apenas uma estimativa da quantidade de microrganismos, pode-se

empregar a contagem proporcional, que corresponde a uma análise comparativa das culturas

com suspensões padrão. Como exemplo de uma suspensão padrão podemos citar a escala de

MacFarland, que corresponde a uma série de tubos contendo uma solução de BaSO4 em

diferentes concentrações, apresentando assim, graus de turvação distintos. Desta forma,

comparando-se a turvação da cultura em estudo com os tubos de MacFarland, pode-se obter

uma estimativa do número de células presentes na amostra.

Page 72: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Contagem de viáveis: Procedimento também conhecido como contagem em placa,

que estima o número de células viáveis (isto é, capazes de se reproduzir) em uma amostra.

Esta metodologia envolve a coleta de alíquotas de uma cultura microbiana em diferentes

tempos de crescimento, as quais são então inoculadas em meio sólido. Após a incubação dos

meios, geralmente por uma noite, o número de colônias é contado. Como uma colônia

normalmente é originada a partir de um organismo, o total de colônias que se desenvolvem no

meio corresponde ao número de células viáveis presentes na alíquota analisada. Esta técnica

deve sempre realizada empregando-se várias diluções (100 a 104 células) das amostras. A

contagem de viáveis pode ser feita pela semeadura em superfície ou em profundidade ("pour

plate"). Geralmente o volume a ser inoculado não deve ultrapassar 0,1 ml, para evitar a

confluência das colônias. Se a técnica de semeadura em profundidade for utilizada, pode-se

inocular de 0,1 a 1,0 ml de células. Esta técnica é precisa quando o número de colônias (ou

placas de lise, no caso de partículas virais ) contadas situa-se entre 30 e 300 e quando as

condições culturais e ambientais estão adequadas para os microrganismos analisados. Este

tipo de contagem está sujeito a grandes erros (agregados, duas células próximas, originando

uma colônia), que podem ser minimizados pela realização de triplicatas para cada diluição.

Esta metodologia é amplamente utilizada, exibindo elevada sensibilidade, detectando baixos

números de células e permitindo também a contagem de diferentes tipos de microrganismos,

pelo emprego de meios seletivos (meios que favorecem o crescimento de um determinado tipo

ou grupo de organismo) e/ou seletivos e diferenciais (meios que além de favorecerem o

desenvolvimento de um tipo ou grupo de organismo, também permite sua distinção, a partir de

alguma característica fenotípica).

Também podem ser usadas membranas filtrantes, onde os líquidos são filtrados e as

membranas colocadas diretamente sobre os meios de cultura.

Page 73: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Técnica de contagem de viáveis

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

Massa de células: pode ser determinada a partir da estimativa do peso seco ou do

peso úmido de uma cultura. Este tipo de procedimento é realizado quando não é necessário

determinar o número preciso de microrganismos presentes.

Peso seco: Muito utilizado na quantificação de fungos, onde o micélio é retirado da cultura,

lavado e transferido para um frasco e submetido à secagem. Realizam-se então sucessivas

pesagens, até o momento onde não observa-se mais variações. Este procedimento pode

também ser realizado centrifugando-se a cultura e pesando o sedimento, ou então secando-o

(100 - 150°C/16 horas) e depois pesando-o.

Turbidimetria: quantificação em espectrofotômetro ou colorímetro a 660 nm, uma vez

que neste comprimento de onda, a cor geralmente parda dos meios de cultura não interfere

com os resultados. Nestes comprimentos, a absorção de luz por componentes celulares

corados é desprezível mas, se necessário, outros comprimentos de onda podem ser usados.

Tal metodologia requer a confecção de uma curva padrão. Embora a análise turbidimétrica seja

menos sensível, é de rápida e fácil execução, não destruindo a amostra. Entretanto, não

permite a determinação de células viáveis.

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Análises químicas: A partir da quantificação de proteínas ou de nitrogênio, ou por meio

da análise de diferentes atividades metabólicas.

Número Mais Provável (NMP): Amplamente utilizado em laboratórios de microbiologia

de alimentos ou ambiental, na quantificação de microrganismos em água, leite e outros

produtos. Esta metodologia é basicamente utilizada para a pesquisa de coliformes totais e

coliformes fecais, que são microrganismos indicadores de poluição fecal, o que pode ter como

consequência a presença de outros organismos, tais como protozoários e vírus. Esta técnica foi

desenvolvida após análises estatísticas complexas. A determinação do NMP é realizada

inoculando-se 3 séries de 5 tubos, com 10, 1 e 0,1 ml da água ou do produto homogeneizado

em solução salina, em meios seletivos para coliformes totais contendo tubos de Durham

invertidos em seu interior. Estes são incubados por 48 hs/37°C sendo então analisados quanto

ao crescimento e à presença de gás no interior dos tubos de Durham.

Tal resultado é considerado como positivo para a presença de coliformes totais.

Amostras dos tubos positivos são então repicados para caldos seletivos para coliforme fecais,

também contendo tubos de Durham, os quais são incubados por mais 24 ou 48 hs a 42°C. De

todos os tubos positivos faz-se uma semeadura em placa com meio seletivo e posterior

identificação bioquímica. De acordo com o número de tubos que apresentam gás determina-se

o NMP, pela consulta de uma tabela desenvolvida por Hoskins (1934). Este é um teste apenas

presuntivo para a presença de coliformes.

Curva de crescimento (cultura descontínua)

Quando uma cultura microbiana desenvolve-se em um sistema fechado, pode-se confeccionar

uma curva de crescimento. Esta pode ser dividida em diferentes etapas: lag, log, estacionária e

de declínio.

Curva de Crescimento Padrão, em um sistema fechado

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Lag: período variável, onde ainda não há um aumento significativo da população. Ao

contrário, é um período onde o número de organismos permanece praticamente inalterado.

Esta fase é apenas observada quando o inóculo inicial é proveniente de culturas mais antigas.

A fase lag ocorre porque as células de fase estacionária encontram-se depletadas de várias

coenzimas essenciais e/ou outros constituintes celulares necessários à absorção dos nutrientes

presentes no meio.

A fase lag também é observada quando as células sofrem traumas físicos (choque

térmico, radiações) ou químicos (produtos tóxicos), ou quando são transferidas de um meio rico

para outro de composição mais pobre, devido a necessidade de síntese de várias enzimas.

Assim, durante este período observa-se um aumento na quantidade de proteínas, no peso seco

e no tamanho celular.

Log ou exponencial: nesta etapa, as células estão plenamente adaptadas, absorvendo

os nutrientes, sintetizando seus constituintes, crescendo e se duplicando. Deve ser levado em

conta também que neste momento, a quantidade de produtos finais de metabolismo ainda é

pequena. A taxa de crescimento exponencial é variável, de acordo com o tempo de geração do

organismo em questão. Geralmente, procariotos crescem mais rapidamente que eucariotos.

Nesta fase são realizadas as medidas de tempo de geração. Geralmente, ao final da fase log,

as bactérias passam a apresentar fenótipos novos, decorrentes do processo de comunicação

denominado "quorum sensing".

Estacionária: Nesta fase, os nutrientes estão escasseando e os produtos tóxicos estão

tornando-se mais abundantes. Nesta etapa não há um crescimento líquido da população, ou

seja, o número de células que se divide é equivalente ao número de células que morrem. Na

fase estacionária que são sintetizados vários metabólitos secundários, que incluem antibióticos

e algumas enzimas. Nesta etapa ocorre também a esporulação das bactérias.

Foram detectados alguns genes (sur) que são necessários à sobrevivência das células

na fase estacionária. Além destes, existem outros genes (fatores s alternativos da RNA

polimerase, proteínas protetoras contra dano oxidativo).

Declínio: A maioria das células está em processo de morte, embora outras ainda

estejam se dividindo. A contagem total permanece relativamente constante, enquanto a de

viáveis cai lentamente. Em alguns casos há a lise celular.

Culturas descontínuas tendem a sofrer mutações que podem repercutir na população como um

todo. As próprias condições ambientais tendem a promover variações de caráter fenotípico

(reversível) nas culturas.

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Crescimento em culturas contínuas: técnica muito usada nos processos industriais

de obtenção de produtos microbiológicos. Nestes casos, tem-se o interesse em manter as

células em fase log ou estacionária. Utilizam-se fermentadores ou quimiostatos, que permitem

um crescimento em equilíbrio dinâminco, havendo assim um controle da densidade

populacional e da taxa de crescimento. Estes são respectivamente controlados pela

concetração do nutriente limitante (fonte de C ou N) e pela taxa de fluxo (taxa de diluição). Em

baixas concentrações do nutriente limitante, a taxa de crescimento é proporcional à

concentração do nutriente (que é virtualmente zero).

Crescimento sincronizado: inicialmente obtido por processos que retardavam a

síntese de DNA. Atualmente, utiliza-se métodos de separação mecânica das células menores,

recém-divididas. Pode ser feita pela filtração em vários papéis de filtro, que retém células

maiores, em fase de divisão.

Efeito dos fatores ambientais no crescimento

O crescimento dos microrganismos é grandemente afetado pelas condições físicas e

químicas do ambiente onde se encontram, sendo que estas podem influir positivamente ou

negativamente de acordo com o microrganismo em questão.

Temperatura: Corresponde a um dos principais fatores ambientais que influenciam o

desenvolvimento bacteriano. A medida que há um aumento da temperatura, as reações

químicas e enzimáticas na célula tendem a tornar-se mais rápidas, acelerando a taxa de

crescimento. Entretanto, em determinadas temperaturas inicia-se o processo de desnaturação

de proteínas e ácidos nucléicos, inviabilizando a sobrevivência celular.

Assim, todos os microrganismos apresentam uma faixa de temperatura onde

desenvolvem-se plenamente. Nesta faixa de temperatura podemos determinar as temperaturas

mínima, ótima e máxima (temperaturas cardeais), para cada microrganismo. A temperatura

máxima provavelmente reflete os processos de desnaturação mencionados acima, enquanto os

fatores que determinam a temperatura mínima ainda não são bem conhecidos, embora

certamente a fluidez da membrana seja um dos fatores determinantes destes níveis térmicos

baixos.

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Temperaturas cardeais dos microrganismos

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

Dentre os diferentes microrganismos observa-se uma ampla variedade de faixas de

temperatura, onde para alguns o ótimo encontra-se entre 5 e 10°C, enquanto para outros é de

90 a 100°C. Assim, os microrganismos podem ser classificados em quatro grupos, de acordo

com os ótimos de temperatura: psicrófilos (0 a 20°C, ótimo de ≈ 15°C - Flavobacterium),

mesófilos (12 a 45°C, 37°C - E. coli), termófilos (42 a 68°C, 62°C - Thermococcus), e

hipertermófilos (80 a 113°C, 105°C - Pyrodictium brockii).

Tipos de bactérias em relação à temperatura

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

Psicrófilos: os ambientes frios são predominantes na Terra (oceanos, polos, solos)

entretanto este grupo (bactérias, fungos e algas) é muito pouco estudado. Destes, os mais

Page 78: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

conhecidos são as algas que crescem sob o gelo ou em geleiras (Chlamydomonas nivalis),

dando coloração vermelha.

Há os microrganismos psicrotolerantes que são aqueles cujo ótimo encontra-se entre

20 e 40°C e que sobrevivem a 0°C. São um grupo amplo (bactérias, fungos, algas e

protozoários) que podem contaminar alimentos e outros substratos refrigerados.

Mesófilos: crescem numa faixa de 20 a 40°C, com um ótimo em torno de 37°C, sendo

os principais microrganismos encontrados em animais de sangue quente.

Termófilos e Hipertermófilos: ótimos de 45 e ≥ 80°C, respectivamente. São

encontrados nos solos, silagem, fontes termais e no fundo oceânico, em fontes. Geralmente

são procariotos, sendo as Archaea as mais resistentes, apresentando enzimas e proteínas

termoestáveis, provavelmente devido à substituição de aminoácidos, conferindo um novo

folding. Têm também uma maior concentração de ácidos graxos saturados na MC. As Archaea

não tem ácidos graxos na MC, mas sim hidrocarbonetos de cadeias com diferentes

comprimentos, compostas por unidades repetitivas de 5 C (fitano), ligadas a glicerol fosfato, por

ligação éter.

Os termófilos e hipertermófilos tem grande interesse biotecnológico porque tendem a

fazer os processo mais rapidamente, com menor contaminação por outros microrganismos e

possuem enzimas mais termoestáveis.

pH: Os ambientes naturais tem uma faixa de pH de 5 a 9, o que comporta o crescimento

de diferentes tipos de microrganismos.

Bactérias - faixa entre 7, com algumas acidófilas (Thiobacillus de 0,5 a 6,0 com ótimo entre 2 e

3,5) e outras alcalifílicas (Bacillus e Archaea).

Fungos - tendem a ser mais acidófilos que as bactérias (pH <5).

Page 79: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Distribuição de alguns microrgansmos, de acordo com o pH

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

Tensão de O2: Extremamente importante no desenvolvimento, uma vez que os

microrganismos comportam-se de forma bastante distinta, sendo classificados como aeróbios,

anaeróbios facultativos, anaeróbios estritos, anaeróbios aerotolerantes e microaerófilos

(requerem concentrações baixas de O2).

As condições de anaerobiose podem ser conseguidas pelo uso de agentes redutores nos

meios de cultura, tais como o tioglicolato de sódio, que reage com o oxigênio, formando água;

pela remoção mecânica do oxigênio, sendo substituído por nitrogênio e CO2; pelo uso de

sistemas comerciais do tipo "GasPak", que gera hidrogênio e CO2 com um catalisador de

paládio. Adiciona-se água ao sistema, a qual gera hidrogênio, que reage com o oxigênio na

superfície do catalisador, formando água; ou ainda pelo uso de "glove box" anaeróbias ou a

mesa inoculadora desenvolvida pelo VPI.

Classes de organismos, em relação à tensão de oxigênio

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

Page 80: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Água: Essencial a qualquer microrganismo, embora as necessidades sejam variadas. É

o solvente universal, mas sua disponibilidade é variável (soluções com açúcares ou sais têm

menos água disponível).

Aw: pressão do vapor em equilíbrio com a solução/ pv da água, variando de 0 a 1.

Os organismos que vivem em ambientes onde a disponibilidade de água é baixa

desenvolvem mecanismos para extrair água do ambiente, pelo aumento da concentração de

solutos internos, seja bombeando íons para o interior ou sintetizando ou concentrando solutos

orgânicos (solutos compatíveis), que podem ser açucares, álcoois ou aminoácidos (prolina,

betaine, glicerol).

Pressão osmótica: Fator extremamente importante, principalmente a partir do maior

conhecimento sobre as Archaea, visto que vários membros deste domínio requerem altas

concentrações de sais para seu desenvolvimento.

Classes de organismos, em relação à salinidade

Fatores adicionais:

Fonte luminosa para fototróficos autotróficos. Pressão atmosférica, para aqueles que

vivem em profundidades.

Reprodução em procariotos

Introdução

A divisão celular é um processo complexo, que ocorre de variadas maneiras,

dependendo do tipo de organismo. Em eucariotos, os microtúbulos do fuso mitótico atuam

como a força motriz durante a segregação cromossomal. Nas células animais e em fungos, um

Page 81: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

anel de actina-miosina se forma na porção mediana de uma célula em divisão, sendo que a

força gerada pela interação entre estas duas proteínas promove o crescimento interior do septo

de divisão. Nas plantas, a formação do septo é complexa, devido à parede celular espessa.

Assim, surge na região central da célula um “disco”, que cresce de forma centrífuga. Em todos

estes casos o sítio de divisão celular é definido indiretamente pelos microtúbulos, pois o

posicionamento do fuso mitótico parece ser crucial no direcionamento do plano de divisão. Nas

plantas um feixe transiente de microtúbulos envolve a célula no plano de divisão, com um

possível papel na seleção do sítio de divisão.

Embora intensamente estudado, o processo de divisão celular em procariotos ainda é

pouco conhecido, existindo alguns modelos propostos. Uma das principais conclusões obtidas

destes estudos refere-se ao fato da divisão celular em procariotos corresponder a um processo

extremamente complexo e regulado, tanto em termos espaciais como temporais. Assim, há

uma série de mecanismos que regulam os eventos de duplicação e segregação do

cromossomo e a formação do septo de divisão, garantido a eficiência do processo. Outro

importante achado refere-se à intensa participação de proteínas citoplasmáticas, atuando como

análogos do citoesqueleto de células eucarióticas, no processo de divisão celular.

Até o momento, os estudos indicam que a maioria dos procariotos se divide por fissão

binária, originando duas células filhas idênticas logo após a duplicação e segregação

cromossomal. O ciclo celular bacteriano pode ser divido em duas fases: 1) Um ciclo de DNA,

que inclui a replicação e segregação dos cromossomos e 2) um ciclo de divisão, com a

citocinese e separação das células filhas.

No entanto, estudos com outras bactérias, tais como a bactéria pedunculada Caulobacter

crescentus, revelam um processo mais complexo de divisão, originando células distintas

morfológica e fisiologicamente. Relatos mais recentes da literatura descrevem a ocorrência de

diferentes procesos de reprodução no domínio Bacteria.

Assim, em Epulopiscium, uma bactéria "gigante" simbionte intestinal do peixe cirurgião,

foi observada a ocorrência de viviparidade, com a formação de 1 a 7 células filhas ativas

metabolicamente, as quais são liberadas após a lise da célula mãe. Neste mesmo gênero e em

Metabacterium polyspora, foi descrita a formação de múltiplos esporos intracelulares. Tais

relatos deixam claro o quanto ainda desconhecemos sobre a reprodução em procariotos e que

estes organismos são capazes de exibir mais de um mecanismo de reprodução.

Visando abordar de maneira geral os eventos associados à reprodução procariótica por

meio da fissão binária, passaremos a descrever os principais resultados obtidos a partir de

pesquisas realizadas especialmente com Escherichia coli e Bacillus subtilis.

Page 82: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

O processo de fissão binária - Uma visão geral

Fissão binária em B. subtilis – Esta bactéria corresponde a um excelente modelo de

estudo devido à sua capacidade de originar endósporos, quando em condições desfavoráveis.

Neste sentido, um dos aspectos que mais chamou a atenção dos pesquisadores foi que

durante a reprodução o septo de divisão era formado na região mediana da célula, enquanto na

esporulação o septo localizava-se na região próxima a um dos pólos celulares (Fig. 1). A fissão

binária ocorre quando a célula cresce, atinge cerca do dobro de seu comprimento e se divide.

Paralelamente, há a duplicação e segregação do DNA (Fig. 1a). Por outro lado, na

esporulação, há a duplicação do cromossomo, mas o septo formado tem localização polar,

sendo esta a região de formação do endósporo (Fig. 1b).

Adaptado de Angert (2005) Nature Rev. Microbiol., 3:214-224.

Fig. 1 – Ciclos de vida em B. subtilis. Em (a) ciclo vegetativo. Em condições

favoráveis, a célula aumenta de tamanho, replica o cromossomo (azul) e se divide por fissão

binária. O aparato de divisão é montado, com a proteína FtsZ (verde) formando um anel no

meio da célula, onde ocorre a divisão. Em condições de exaustão ambiental (Fig. 1b), a célula

forma esporos. As duas cópias do cromossomo assumem uma nova configuração, que se

estende de um pólo a outro. A maquinaria de divisão é montada nos dois pólos, mas a divisão

ocorre somente em um deles. Parte de um dos cromossomos fica presa por um septo de

divisão, sendo empacotado pelas proteínas do septo, em um compartimento fechado (pré-

esporo). O pré-esporo é então englobado pela célula mãe. O pré-esporo é preparado para a

dormência, pois proteínas se ligam, protegendo o DNA, o citoplasma é mineralizado e é

formada uma barreira protéica ao redor da estrutura.

Vários são os aspectos ainda pouco elucidados sobre a divisão celular. Por exemplo,

como ocorre a segregação do DNA? Como o septo de divisão é localizado corretamente? Os

estudos vêm mostrando que as bactérias possuem uma série de proteínas citoplasmáticas que

atuam como um verdadeiro citoesqueleto, sendo responsáveis pela correta migração do DNA e

posicionamento do septo. Existem autores que vêm utilizando o termo "replissomo" para

descrever a complexa maquinaria celular envolvida no processo de divisão. Além disso, dados

Page 83: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

recentes também revelam que os lipídeos de membrana são importantes componentes do

replissomo. Dentre os diversos componentes da maquinaria, uma proteína denominada MreB,

semelhante à actina, está implicada na segregação do DNA.

Um dos componentes mais estudados corresponde à proteína FtsZ, um homólogo estrutural da

tubulina que, durante a fissão binária, se organiza como um anel no centro da célula e atua

como ponto de ancoragem de outros elementos do aparato. Estes outros componentes

redirecionam o crescimento da parede celular e protegem o DNA de danos enquanto o

envelope invagina. FtsZ é uma proteína muito conservada e é uma das primeiras proteínas a

se organizar no fututro sítio de divisão. Nos próximos tópicos discutiremos a proteína FtsZ em

maior detalhe.

Em condições normais, o septo de divisão somente é formado após a segregação do

DNA duplicado. Vários são os processos que resultam em tal situação. Um deles corresponde

à própria oclusão do futuro sítio de divisão pelo nucleóide ainda não segregado. Ao que parece,

o DNA se liga a uma série de lipídeos da membrana, não permitindo que o anel FtsZ seja

montado. Outras proteínas, denominadas sistema MinCD, impedem a montagem do complexo

FtsZ nos pólos.

Além destas, várias outras vêm sendo estudadas, tais como EzrA, que afeta a estabilidade dos

polímeros FtsZ, otimizando sua montagem apenas nos locais corretos. No caso de danos ao

DNA, as proteínas YneA e SulA desestabilizam o anel, impedindo a divisão.

O processo de segregação dos cromossomos bacterianos

Esta etapa da divisão celular procariótica foi analisada a partir dos estudos com B. subtilis,

como mencionado anteriormente, uma bactéria capaz de esporular. A partir dos estudos com

mutantes incapazes de realizar o processo completo de segregação cromossomal, foi

verificado que sempre um mesmo segmento de DNA era o primeiro a atingir os pólos celulares.

O mapeamento deste segmento de DNA revelou que tal seqüência correspondia à região

situada adjacente à oriC, que é a origem de replicação do DNA cromossomal.

Em E. coli, a replicação do cromossomo ocorre quando o complexo proteína DnaA-ATP

se liga a sítios em oriC. A ligação promove o desenovelamento da oriC, o recrutamento de uma

helicase (DnaB) e a montagem de um replissoma. A iniciação da replicação é regulada,

ocorrendo uma vez a cada ciclo celular. A Figura 2 esquematiza o ciclo de iniciação da

duplicação do DNA mediado pela proteína DnaA.

Page 84: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Adaptado de Boeneman, K. & Crooke, E. (2005) Curr. Op. Microbiol., 8:143–148.

Fig. 2 – Regulação da atividade de DnaA. Quando na presença de excesso de ATP, a

proteína DnaA se liga ao ATP e se complexa em oriC, iniciando a replicação do DNA. A DnaA

hidrolisa o ATP, originando ADP e passando para a forma inativa. Nesta forma, há a interação

de DnaA-ADP ligada a oriC com fosfolipídeos ácidos da membrana citoplasmática,

promovendo a reciclagem de DnaA para sua forma ativa, ligada ao ATP.

O conjunto DnaA/oriC/lipídeos de membrana encontra-se situado na porção mediana da

célula e, à medida que a síntese das moléculas de DNA ocorre, estas migram para os pólos,

liberando assim a região central para a formação do septo de divisão.

Em eucariotos, o movimento e segregação dos cromossomos é controlado pelos

centrômeros. Estes, ligam-se aos microtúbulos do fuso mitótico através de conjuntos protéicos

denominados cinetócoros. O movimento do cromossomo ao longo do fuso ocorre como

resposta a uma força exercida nos cinetócoros, seja pela ação de proteínas motoras ou pela

“montagem-desmontagem” dos microtúbulos que formam o fuso.

O fato da região oriC estar sempre localizada nas vizinhanças do polo celular sugere

que esta região poderia conter uma sequência do tipo centrômero. Além disso, pela sua

localização sempre igual, foi especulado que deveria haver a participação de uma ou mais

proteínas, desempenhando o papel dos cinetócoros ou das proteínas motoras dos eucariotos.

A partir de outros estudos, foi identificada um proteína, denominada Spo0J que, em

linhagens mutantes, promovia alterações na segregação dos cromossomos de células

Page 85: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

vegetativas. Em células onde o gene spo0J foi deletado, a oriC deixava de se localizar nos

pólos celulares, indicando que a proteína Spo0J poderia estar envolvida no posicionamento

polar da oriC.

Por meio de estudos microscópicos,verificaram que a proteína Spo0J forma “focos” se

se ligam ao DNA em um ou mais sítios, nas proximidades de oriC. Assim, cada cópia da região

onde está a origem de replicação parece ter seu próprio conjunto de Spo0J.

O achado mais marcante em relação a estes eventos de segregação corresponde à

rápida migração deste conjunto (DNA-Spo0J) ao longo do eixo celular. Tal fenômeno sugere a

existência de proteínas geradoras de força e a presença de alguma estrutura análoga a um

citoesqueleto.

Dados mais recentes sugerem a participação de uma proteína, denominada RacA, no

processo de migração dos cromossomos para os pólos. Ao que parece, esta proteína exerce

um papel análogo ao desempenhado pelo fuso mitótico.

A replicação bacteriana seria como uma mitose?

O conjunto de Spo0J poderia ser comparado funcionalmente aos cinetócoros, que são

as organelas envolvidas na ligação dos centrômeros aos microtúbulos do fuso.

Alternativamente, Spo0J poderia atuar em uma fase inicial, transformando as regiões

oriC recém-replicadas em estruturas com um dobramento tal que seriam então separadas por

outras proteínas (talvez RacA). Isto poderia ter um papel importante, pois sabe-se que em

bactérias, os eventos de replicação se sobrepõem. Nestes casos, a separação correta evitaria

o emaranhado de cromossomos.

Tais achados não são surpresa, uma vez que os eucariotos e os procariotos devem ter

evoluído a partir de um ancestral comum, que era eficiente na segregação cromossomal.

Assim, não teria porque este evento ser tão distinto nas bactérias, onde a grande maioria dos

processos ocorrem de forma similar aos eucariotos.

Page 86: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Modelo proposto para a segregação cromossomal, em bactérias

(Adaptado de Errington, J. ASM News 64:210-217, 1998)

Seleção do sítio de divisão durante a divisão celular simétrica

Como a célula seleciona o sítio mediano ainda não está precisamente estabelecido, entretanto

muitos dados já existem para explicar esta etapa do processo de divisão celular.

Estudos com mutantes de E. coli indicam que as células contêm três sítios potenciais de

divisão: na região central e nos pólos. Normalmente, para que ocorra uma divisão na região

central, os sítios polares devem ser inibidos, sem a inibição do sítio potencial mediano. Nestas

células, parece que tal processo se dá pela ação cooperativa de um inibidor de divisão com um

fator topológico de especificidade, os quais são codificados pelos genes minC, minD e minE.

Papel das proteínas Min, na localizaçào do septo de divisão

(Adaptado de Rothfield & Zhao. Cell, 84:183-186, 1996)

Parece que, inicialmente, as proteínas MinC e MinD atuariam em conjunto, como um

inibidor inespecífico de divisão, capaz de bloquear todos os sítios possíveis de septação. Esta

observação se baseia no fato que a divisão fica completamente bloqueada quando minC e

minD são expressos, na ausência de minE. A proteína MinE, de alguma forma, conferiria a

Page 87: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

especificidade topológica ao sistema, de forma que MinCD bloquearia somente os sítios

polares, sem interferir com o sítio mediano.

MinE teria duas funções: 1) Como antagonista de MinCD e 2) Como fator de especificidade

topológica pois quando se liga ao sítio central, restringe o conjunto MinCD aos sítios polares,

não desejados para a divisão. Estudos indicam que estas funções de MinE estão localizadas

em domínios distintos na sequência de 88 aminoácidos da proteína. A função antagônica sobre

MinCD está localizada em um pequeno domínio N-terminal (MinE1-22). A função topológica

esta associada a um domínio C-terminal (MinE23-81).

Assim, o domínio N-terminal atuaria como um antagonista de MinCD, enquanto o C-

terminal atuaria, direta ou indiretamente, como um sensor topológico, capaz de distinguir o sítio

potencial mediano daqueles nos polos.

Os autores especulam que existiriam uma molécula alvo (topológico) que marcaria o sítio

mediano como sendo diferente dos sítios polares. A elevada afinidade da região Carboxi-

terminal de MinE por este alvo levaria à localização preferencial da proteína na região mediana,

enquanto a porção amino-terminal impediria a ação bloqueadora de MinCD. Como a MinE

estaria sequestrada na região mediana, a proteína não estaria disponível para interferir com a

atividade de MinCD nos polos.

Dados mais recentes indicam que além das proteínas Min, os fosfolipídeos de

membrana também teriam papel na seleção do sítio de septação. Uma das primeiras proteínas

que participam do processo de septação, FtsA ou ZipA, poderiam reconhecer e interagir com

um domínio fosfolipídico situado da porção central da membrana da célula, permitindo assim a

ligação de FtsZ.

Page 88: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Adaptado de Mileykovskaya, E. & Dowhan, W. (2005) Curr. Op. Microbiol., 8:135–142.

Esquema do ciclo celular. (a) A nova célula filha apresenta a origem e a terminação

de replicação do DNA ("o" verde, oriC e "T" vermelho, de lado, respectivamente); o sistema Min

(bolas verdes e rosas) ligado aos pólos, ou oscilando entre os pólos; domínios lipídicos nos

pólos (vermelho). (b) O cromossomo sofre uma rotação, trazendo a oriC para a porção central,

onde é formado um domínio lipídico rico em cardiolipina (vermelho). O DNA começa a ser

replicado pela DnaA, e pela montagem do replissomo (pentágono). (c,d) As origens recém-

replicadas se movem em direção aos pólos, liberando o domínio lipídico central para agora

interagir com FtsZ (púrpura). (e) Organização da maquinaria de divisão (multicolorida) e

conversão do domínio central em futuros pólos. (f) Em E: coli, MinD (rosa) e seu domínio C-

terminal (cinza) trocam ADP por ATP (direita), expondo a porção C-terminal, que interage com

lipídeos de membrana nos pólos. O polímero de MinD-ATP pode crescer em direção ao centro.

Próximo ao centro, a ligação de MinE (verde) induz a hidrólise de ATP, levando MinD para a

conformação MinD-ADP, despolimerizando-o e voltando para os pólos. (g) Várias moléculas de

DnaA (amarelo) associadas a ATP ou ADP.

Somente quando ligada a ATP a DnaA (diagrama da direita) é capaz de se ligar próximo

à oriC (azul e verde), abrir o DNA e permitir a montagem do replissomo. A forma inativa, DnaA-

ADP ligada à oriC é reciclada na membrana (vermelho).

Formação do septo de divisão e a separação das células filhas

Estudos indicam que uma proteína presente em E. coli, denominada FtsZ, desempenha

importante papel na formação do septo e separação das células filhas, durante o processo de

Page 89: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

divisão celular.

A proteína FtsZ forma um anel no sítio da divisão celular, sugerindo um papel estrutural para

esta proteína neste processo. Atualmente sabe-se que a FtsZ tem homologia com as porções

que se ligam ao GTP da tubulina, sendo os cristais das duas muito semelhantes e que também

atua como GTPase.

A FtsZ hidrolisa o GTP após formar estruturas semelhantes a polimeros de tubulina e

vem sendo encontrada (ou homólogos) em um grande número de espécies de Bacteria e

Archaea estudadas até o momento, formando um anel no sítio de divisão.

Homólogos de FtsZ já foram detectados em células vegetais, onde mutações nestes genes

impedem a divisão dos cloroplastos, reforçando a hipótese de sua participação na divisão

celular e também a teoria da endossimbiose.

Componentes da maquinaria de divisão celular

Durante a divisão, várias proteínas são recrutadas para o anel formado por FtsZ: FtsA,

FtsQ, FtsW, FtsL, FtsN, FtsK, FtsI (PbP3) e ZipA, que se organizam em um complexo para

realizar a divisão. Exceto por FtsZ, FtsA e ZipA, todas as demais apresentam dominínios

transmembranosos e periplasmáticos, indicando que atravessam a membrana citoplasmática.

O anel FtsZ localiza-se exatamente no centro de uma célula vegetativa bacilar, como E. coli,

sugerindo uma pré-determinação do local, provavelmente mediada por MinE.

Durante a divisão o anel FtsZ começa a se contrair, pela remoção sucessiva de suas

subunidades, as quais migram para as futuras regiões centrais das novas células filhas. Assim,

acredita-se que os sítios de divisão da próxima geração já estão presentes nas células mãe,

sendo o processo de montagem e desmontagem bastante rápido.

Page 90: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Formação do septo e separação das células filhas

(Adaptado de Margolin, W. ASM News 65, 1999)

Seleção do sítio de divisão durante a divisão celular assimétrica

Em B. subtilis, os sítios polares são utilizados para a formação do septo apenas durante

a esporulação. Quando crescendo vegetativamente, B. subtilis utiliza a região mediana para a

formação do septo de divisão entretanto, em condições desfavoráveis, o sítio de septação

passa para um dos polos, permitindo a esporulação.

Durante o crescimento vegetativo, B. subtilis seria semelhante a E. coli, com MinCD

atua conjuntamente, provavelmente com a proteína de função igual à MinE, ainda não

descoberta, que suprimiria o uso dos sítios polares para a divisão. Havendo um estímulo para a

esporulação, a especificidade topológica do sistema seria revertida, ocorrendo liberação dos

sítios polares. Um modelo explicativo implicaria na existência de duas MinE, com diferentes

propriedades topológicas, que determinariam a localização central ou subterminal do septo.

Reprodução pela formação de esporos múltiplos, inativos - Metabacterium

polyspora

Esta bactéria Gram positiva habita o trato GI de cobaias e produz múltiplos (até 9)

endosporos. O ciclo de vida desta bactéria requer que o organismo circule pelo trato GI, ou

seja, depende da natura coprófaga de seu hospedeiro. Esporos de M. polyspora são isolados

das fezes do hospedeiro e somente estes esporos maduros sobrevivem à passagem pelo

estômago, indo germinar no intestino delgado (figura abaixo). Algumas células fazem fissão

Page 91: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

binária neste estágio, mas a maioria esporula. A partir do intestino delgado, as bactérias se

depositam no ceco, ondem terminam de esporular. Ao que parece, os pré-esporos ou

endosporos maduros não são capazes de realizar fissão binária. Os esporos passam pelo ceco

e finalmente são eliminados nas fezes, podendo ser novamente ingeridos pelo hospedeiro,

recomeçando o ciclo.

A esporulação em M. polyspora é diferente, com uma divisão iniciada nos dois pólos e o

DNA vai para os dois compartimentos. Após o englobamento, o pré-esporo pode se dividir,

produzindo outros pré-esporos que amadurecem. Assim, existem 3 ou mais cópias do genoma.

Adaptado de Angert, E.R. (2005). Nature Rev. Microbiol., 3:214-224.

Formação de múltiplos esporos em M. polyspora. a-g: fluorescência específica para

membrana e capas de esporos. a: as células se dividem nos dois pólos. b: pré-esporos

englobados pela célula mãe. c. pré-esporos capazes de fazer fissão binária (a seta indica um

novo septo de divisão formado). d: divisão e crescimento do pré-esporo. e: amadurecimento do

pré-esporo, f: M polyspora com 7 pré-esporos. g: célula que emerge do esporo, se divide nos

pólos e começa a esporular. h: micrografia de contraste, mostrando fissão binária em M.

polyspora, um evento raro.

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O processo de reprodução em Epulopiscium fischelsoni - uma bactéria vivípara

Desde a sua descoberta, o gênero Epulopiscium tem fascinado os microbiologistas, por

suas características extremamente diferentes daquelas observadas nas bactérias comumente

estudadas. Além de ser única por suas dimensões (podendo atingir cerca de 600 a 800 nm),

estes organismos apresentam um tipo vivíparo de reprodução.

Dados recentes da literatura revelam que as células de Epulopiscium são capazes de

gerar de 1 a 7 células filhas ativas, em seu interior. Ao que parece, o processo se assemelha à

esporulação, envolvendo a condensação da molécula de DNA duplicada, que normalmente

dirige-se aos pólos da célula mãe.

Estudos envolvendo análises microscópicas revelam que após o período de

condensação e migração do DNA para as extremidades celulares, este se apresenta

descondensado, com as células filhas ativas metabolicamente.

Geralmente, são produzidas 2 células filhas, estando uma em cada polo. No entanto,

quando são geradas mais que 2 células filhas, observa-se a condensação do DNA em regiões

medianas da célula mãe, situadas imediatamente abaixo da parede celular.

Esquema geral de uma célula de Epulopiscium originando uma célula filha

(Adaptado de Angert & Clements (2004) Mol. Microbiol., 51:827–835)

Estes resultados são bastante recentes, embora em 1998 tenha sido publicado um

artigo descrevendo a ocorrência de "vesículas contendo nucleóides" neste organismo. Muito

Page 93: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

pouco se sabe ainda sobre o processo de reprodução neste organismo, embora os dados

obtidos no estudo referente à figura acima descrevam também a ocorrência do anel formado

pelas proteínas FtsZ.

Assim, possivelmente em um futuro não muito distante, novas informações estarão

disponíveis acerca do processo vivíparo de reprodução neste procarioto.

Metabolismo Microbiano

Classes de organismos, quanto às fontes de energia e carbono

Energia: é definida como a capacidade de produzir trabalho

Os organismos podem ser classificados em dois grandes grupos, de acordo com a forma que

obtêm sua energia:os fototróficos, que obtêm sua energia a partir da energia luminosa, pela

fotossíntese e os quimiotróficos, que obtêm sua energia a partir da utilização de compostos

químicos, envolvendo especialmente reações de oxidação e redução.

Em relação às fontes de carbono, os organismos podem ainda ser classificados como

autotróficos, quando utilizam fontes inorgânicas de carbono (CO2) e heterotrófico, quando as

fontes de carbono são de natureza orgânica.

Page 94: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

Inicialmente, serão discutidos os processos de produção de energia em organismos

quimiotróficos heterotróficos, uma vez que estes são bastante conhecidos e estudados

metabolicamente.

Nos organismos quimiotróficos, a energia é obtida basicamente através de reações de

oxirredução, tendo como substratos os nutrientes adquiridos pelas células.

Todo e qualquer nutriente, exibem uma energia associada aos elétrons presentes nas ligações

interatômicas e, dependendo da estabilidade na distribuição desta energia, podemos ter

compostos com ligações “ricas em energia”, ou seja, ligações instáveis, que facilmente liberam

a energia contida. Assim, nos organismos quimiotróficos, pode-se falar em energia química:

aquela liberada quando compostos orgânicos ou inorgânicos são oxidados.

Reações de oxi-redução

Oxidação => remoção de elétrons (ou átomos de hidrogênio) de um átomo ou molécula.

Redução => Ganho de elétrons (ou átomos de hidrogênio) de um átomo ou molécula.

Tal definição decorre do fato de que frequentemente, estas reações envolvem a

transferência não somente de elétrons, mas sim de átomos de hidrogênio (na forma de H+).

Como os elétrons não podem ficar isolados, “soltos”, estes devem fazer parte de átomos ou

moléculas. Assim, toda reação de oxidação requer acoplada uma redução. Assim, o composto

que foi oxidado denomina-se de doador de elétrons, enquanto aquele reduzido é o aceptor de

elétrons.

Mecanismos de geração de ATP

Os organismos apresentam três mecanismos de fosforilação para a geração de ATP:

1) Fosforilação em nível de substrato: onde o ATP é gerado pela transferência de um

grupamento fosfato de alta energia a partir de um composto fosforilado ao ADP. Esta ligação

rica em energia geralmente foi adquirida na reação onde o substrato foi oxidado.

2) Fosforilação oxidativa: Neste caso, os elétrons são tranferidos do composto orgânico,

através de uma série de carreadores a um aceptor final, sendo que a transferência dos elétrons

entre os diferentes carreadores libera energia, onde parte é utilizada na geração de ATP, pela

quimiosmose.

3) Fotosforilação: que ocorre em células que contém pigmentos que absorvem luz.

Neste caso, a energia luminosa, é convertida em ATP e NADPH, que serão utilizados para a

biossíntese, empregando também uma cadeia de transporte de elétrons.

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Processos onde há a produção de energia, em quimiotróficos

A produção de energia nos organismos quimiotróficos: pode, a grosso modo, ser

dividida em três categorias: fermentação, respiração aeróbia e respiração anaróbia.

- Fermentação: processo que ocorre na ausência de aceptores finais (anaeróbio).

- Respiração: oxigênio ou outro agente oxidante atua como aceptor final (aeróbia ou

anaeróbia).

Uma vez que estes três processos envolvem reações de oxirredução, podemos

diferenciá-los genericamente, de acordo com os doadores inciais e aceptores finais de elétrons.

Assim, temos:

Fermentação: processo onde o doador inicial e o aceptor final de elétrons

correspondem a moléculas orgânicas. Desta forma, a fermentação é um processo onde ocorre

oxidação parcial dos compostos orgânicos, que podem ser açúcares, proteínas, ácidos, entre

outros. Como o processo é parcial, há apenas uma pequena fração de energia liberada. Nas

fermentações, o ATP é gerado a partir da fosforilação em nível de substrato.

Por exemplo, após a quebra da glicose, originando ácido pirúvico, este pode ser

convertido a outro composto orgânico, por um processo de fermentação. Assim, a fermentação

é um processo que não depende do ciclo de Krebs, ou da cadeia de transporte de elétrons.

Neste tipo de reação, os elétrons são transferidos das coenzimas reduzidas (NADH,

NADPH) ao ácido pirúvico ou derivados, regenerando-os para novos ciclos de glicólise.

Vários tipos de fermentação são observados em diferentes microrganismos, sendo os

exemplos mais conhecidos a fermentação alcoólica e a fermentação lática.

Tipos básicos de fermentação:

Lática (homo ou heterolática) => ácidos lático, acético, fórmico, etanol (Lactobacillus,

Streptococcus, Leuconostoc).

Propiônica: Propiônico, acético e CO2 (Propionibacterium, Veillonella).

Acetona-Butírica: ácido butírico, acetona, butanol, isopropanol, ácido acético, ácido fórmico,

etanol, H2 e CO2 (Clostridium, Eubacterium, Bacillus).

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Acética: acético, glucônico (Acetobacter).

Aerogenes-coli-tífico: Fórmico, acético, lático, succínico, etanol, 2,3-butilenoglicol, H2 e CO2

(Escherichia, Enterobacter, Salmonella).

Exemplos de fermentações

(Adaptado de Tortora et al., Microbiology, an introduction, 1996)

Respiração: Processo onde o doador inicial de elétrons é oxidado, tendo como aceptor

final de elétrons é um composto inorgânico. Quando o aceptor final é o oxigênio, a respiração é

denominada aeróbia e quando o aceptor é outro composto (Sulfato, nitrato), é denominada

anaeróbia. Em todos os processos de respiração temos a participação de uma cadeia de

transporte de elétrons.

Respiração Aeróbia

Após a glicólise, o ácido pirúvico é convertido a actil-CoA, que entra no ciclo de Krebs,

onde ocorrem uma série de reações de oxirredução, que transferem a energia para coenzimas,

principalmente NAD+, reduzindo-as. Esta energia armazenada será transferida, levando à

formação de ATP, pela cadeia de transporte de elétrons, localizada na membrana

citoplasmática.

Esta cadeia de transporte corresponde a uma série de moléculas transportadoras

(flavoproteínas, citocromos e ubiquinonas), que sofrem reações de oxirredução, as quais

promovem uma gradual liberação de energia, que dirigirá a geração quimiostática de ATP.

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As cadeias de transporte snao bastante variáveis nas diferentes bactérias e uma

mesma bactéria pode apresentar diferentes cadeias de transporte de elétrons.

Durante o transporte há a produção de ATP, através da fosforilação oxidativa, que está ligada

ao estabelecimento de um gradiente de prótons através da membrana.

Quimiosmose: Estas proteínas transportadoras de prótons estão orientadas na membrana de

tal forma que possibilita a separação entre prótons e elétrons, sendo os elétrons mandados

para a face citoplasmática da membrana, por transportadores específicos e os prótons para o

lado de fora da célula. Ao final do processo, os elétrons são carreados ao aceptor final (O2 na

respiração aeróbia), que é reduzido, formando água. Para formar água, precisa de íons H+ do

citoplasma, vindos da dissociação da água. Em decorrência destes processos, é gerada uma

formação líquida de OH- no interior da célula, resultando em um gradiente de pH e um potencial

elétrico ao longo da membrana (dentro fica negativo e alcalino e fora, positivo e ácido). A

membrana fica então energizada (força motora de prótons). Esta energia elétrica pode então

ser utilizada transporte de íons, movimentação flagelar ou na formação de ATP.

Formação de ATP: A enzima ATPase (um canal para o transporte de prótons), ligada à

membrana, possui 2 partes: uma cabeça em multi-subunidades, presente na face interna, e

uma cauda, condutora de prótons, que atravessa a membrana. Ela cataliza a reação entre ATP

e ADP + Pi. Atuando em uma direção, ela cataliza a formação de ATP (fosforilação oxidativa)

pela entrada controlada de prótons (a formação do gradiente é dada com gasto de energia,

enquanto sua dissipação controlada libera energia).

Exemplos da respiração aeróbia

(Adaptado de Tortora et al., Microbiology, an introduction, 1996)

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Respiração anaeróbia: Neste processo, o aceptor final de elétrons não é o oxigênio,

sendo substituído por nitrato, sulfato ou carbonato. Uma vez que parte do ciclo de Krebs não é

funcional em condições de anaerobiose, e também pelo menor número de moléculas

transportadoras de elétrons presentes, este processo rende menor quantidade de energia, mas

ainda fornece mais que na fermentação. Eventualmente, ocorre em organismos que realizam

respiração aeróbia.

Fotossíntese: Um dos processos mais importantes na terra, realizado por organismos

autotróficos, que possibilita a conversão da energia luminosa em energia química, a qual é

então utilizada para a conversão do CO2 da atmosfera em compostos de carbono reduzidos,

especialmente açúcares.

Neste processo, os elétrons são obtidos a partir dos átomos de hidrogênio da água. A

fotossíntese pode ser dividida em duas etapas: fase clara a energia luminosa é utilizada na

conversão de ADP a ATP e na redução de NADP a NADPH. Há ainda a fase escura, os

elétrons são utilizados, juntamente com o ATP, para reduzir o CO2 a compostos orgânicos.

Reações luminosas: correspondem à fotofosforilação, onde a energia luminosa é

absorvida pelos pigmentos (clorofila, bacterioclorofila), excitando os elétrons, que passam para

a primeira de uma série de moléculas transportadoras, semelhante à cadeia de transporte de

elétrons. Com isso, há a passagem de prótons pela membrana, com a conversão de ADP em

ATP.

A fotofosforilação pode ser de dois tipos: cíclica e acíclica. No processo cíclico, o elétron

retorna à clorofila, enquanto na acíclica, processo mais comum, os elétrons liberados não

retornam à clorofila, sendo incorporados ao NADPH. Os elétrons perdidos são subsituídos por

outros, provenientes da água ou outro composto oxidável, tal como H2S. (Na cíclica, quanto há

a absorção dos quanta pela bacterioclorofila, a molécula se excita, perdendo um elétron,

tornando-se um agente oxidante potente. O elétron é transferido num processo semelhante a

CTE (Ferredoxina-ubiquinona-cit b-cit f) e retorna à bacterioclorofila.

Entre b e f há a produção de ATP. Na acíclica (algas) há dois sistemas de pigmentos

que também perdem elétrons, passam por um processo semelhante à CTE, mas o elétron é

usado para reduzir o NADP a NADPH). Reações escuras: não requerem a luz, para que

ocorram e incluem o ciclo de Calvin-Benson, onde o CO2 é fixado.

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Exemplos da fotossíntese

(Adaptado de Tortora et al., Microbiology, an introduction, 1996)

Outros tipos metabólicos

Fotoautotróficos: Utilização de compostos inorgânicos como doadores: Ocorre nos

quimiolitotróficos, sendo as fontes o H2S, H2 e NH3. Os processos são similares à respiração

aeróbia. A fonte de carbono é geralmente o CO2.

Quimiolitotróficos: O CO2 é reduzido a gliceraldeído 3P (fixação), que será

metabolizado via o ciclo de Calvin. A energia para a realização destes processos advém da

oxidação de compostos inorgânicos (H2, NH4, NO3).

As bactérias púrpuras e verdes usam a luz para produzir ATP; produzem NADPH a partir da

oxidação de H2S ou compostos orgânicos (fotossíntese anoxigênica). As algas e cianobactérias

geralmente obtém o NADPH pela hidrólise da água, sendo um evento mediado pela luz

(oxigênica).

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Biofilmes Microbianos

Introdução

Nossa percepção de bactérias como organismos unicelulares baseia-se essencialmente

no conceito de culturas puras, nas quais as células podem ser diluídas e estudadas a partir de

culturas líquidas. Como praticamente todos os conceitos e conhecimentos microbiológicos

foram adquiridos a partir do estudo de organismos em culturas puras, somente há alguns anos

começamos a entender que, na realidade, a maioria das bactérias se encontra na natureza

vivendo em comunidades, de maior ou menor estruturação.

O tipo de "ecologia" que imaginávamos em relação aos procariotos, ou seja, células

individuais crescendo de maneira planctônica (livres, em suspensão), raramente é encontrado

na natureza. Sabe-se atualmente que, quando em seus habitats naturais, via de regra as

bactérias são encontradas em comunidades de diferentes graus de complexidade, associadas

a superfícies diversas, geralmente compondo um biofilme, isto é, um ecossistema estruturado

altamente dinâmico, que atua de maneira coordenada.

Assim, embora possam ter uma existência planctônica independente, este tipo de vida

parece ser eventual.

Os biofilmes, complexos ecossistemas microbianos, podem ser formados por

populações desenvolvidas a partir de uma única, ou de múltiplas espécies, podendo ser

encontrados em uma variedade de superfícies bióticas e/ou abióticas. Desta maneira, muitos

autores definem biofilmes como associações de microrganismos e de seus produtos

extracelulares, que se encontram aderidos a superfícies bióticas ou abióticas.

Geralmente, a dinâmica de formação de um biofilme ocorre em etapas distintas.

Inicialmente temos or organismos denominados colonizadores primários, que se aderem a uma

superfície, geralmente contendo proteínas ou outros compostos orgânicos. As células aderidas

passam a se desenvolver, originando microcolônias que sintetizam uma matriz

exopolissacarídica (EPS), que passam a atuar como substrato para a aderência de

microrganismos denominados colonizadores secundários. Estes colonizadores secundários

podem se aderir diretamente aos primários, ou promoverem a formação de coagregados com

outros microrganisos e então se aderirem aos primários.

Page 101: Apostila Introdução Microbiologia _ Arquivo Opcional

(Adaptado de Rickard et al., Trends Microbiol., 11:94-100, 2003)

Desenvolvimento de um biofilme. (a) Colonização primária de um substrato; (b)

crescimento, divisão celular e produção do exopolissacarídeo (EPS), com o desenvolvimento

de microcolônias; (c) coadesão de células individuais, de células coagregadas e grupos de

células idênticas, originando um biofilme jovem, de múltiplas espécies; (d) maturação e

formação de mosaicos clonais no biofilme maduro.

Assim, o biofilme corresponde a uma "entidade" dinâmica pois, de acordo com os

microrganismos que o compõem, teremos consições físicas, químicas e biológicas distintas.

Estas alterações fazem com que cada biofilme seja único, de acordo com os microrganismos

presentes. Neste sentido, ao longo do tempo a composição microbiana dos biofilmes

geralmente sofre alterações significativas. A figura abaixo ilustra não somente a estruturação

fisico-química de um biofilme, mas também sua evolução e amadurecimento, dependendo das

relações estabelecidas pelos microrganismos presentes.

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Estágios de formação e vida de um biofilme, determinados por fatores físicos, biológicos e ambientais

(Adaptado de Jenkinson & Lappin-Scott, Trends Microbiol., 9:9-10, 2001)

Comportamento coletivo

Há várias décadas, foi proposto que as bactérias poderiam corresponder a organismos

interativos, capazes de atuar coletivamente, facilitando sua adaptação às alterações

ambientais. Para que um biofilme de uma ou várias espécies seja formado, é necessário o

estabelecimento de um comportamento multicelular, que se reflete em atividades coordenadas

de interação e comunicação dos vários organismos. Assim, os biofilmes não são simples

camadas viscosas contendo organismos. Estes representam sistemas biológicos altamente

organizados, onde as bactérias estabelecem comunidades funcionais estruturadas e

coordenadas.

Um dos mecanismos de comunicação interbacteriana que vem se mostrando

extremamente importante na formação e desenvolvimento de biofilmes corresponde ao quorum

sensing.

Comunidades associadas às superfícies

Os procariotos podem habitar qualquer ambiente adequado às formas de vida

superiores, assim como vários ambientes inóspitos à maioria das formas de vida. Tal fato é

decorrente de sua inigualável diversidade metabólica e plasticidade fenotípica. Um dos

importantes aspectos associados a esta ubiqüidade está relacionado à capacidade destes

organismos migrarem para diferentes nichos, onde podem se propagar. O mecanismo mais

comum que permite a migração dos procariotos corresponde à motilidade, seja de origem

flagelar, deslizante, ou de outro tipo. No entanto, são conhecidos mecanismos que também

permitem a migração bacteriana.

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Por exemplo, algumas espécies podem sintetizar celulose, originando uma película que

mantém as células próximas à interface ár-água, ou na superfície de plantas. Bactérias

fotossintetizantes podem se posicionar nas colunas de água, em resposta à intensidade

luminosa, pela produção de vesículas de gás. Outras, apresentam magnetossomos,permitindo

movimentações ao longo dos campos magnéticos da Terra. Um importante mecanismo na

formação de comunidades corresponde à agregação ou aderência, que otimiza tanto as

interações celulares como também as taxas de sedimentação dos organismos.

As comunidades bacterianas têm importantes papéis na natureza, seja na produção e

degradação de matéria orgânica, na degradação de poluentes, ou na reciclagem de nitrogênio,

enxofre e vários metais. A maioria destes processos requer o esforço coletivo de organismos

com diferentes capacidades metabólicas. Assim, os biofilmes participam metabolizando

esgotos e águas contaminadas com petróleo, na nitrificação, na reciclagem de enxofre oriundo

de drenados ácidos de minas (onde o pH é 0) e em vários outros processos. Outro tipo de

biofilme está associado às partículas em suspensão, muitas vezes denominadas neve marinha,

extremamente importante nas transformações biogeoquímicas do carbono em ambientes

pelágicos, na metanogênese, fixação de nitrogênio e produção de enxofre. Estes achados

revelam que nos biofilmes podem ser criadas condições de anaerobiose, em ambientes

normalmente aeróbios.

(Adaptado de Davey & O’Toole, Microbiol. Mol. Biol. Rev., 64:847-867, 2000)

Exemplo da ecologia de comunidades microbianas. As quatro microcolônias centrais

correspondem a organismos que geram e consomem hidrogênio. Os fermentadores utilizam

açúcares e produzem ácidos orgânicos, utilizados pelos produtores de hidrogênio. Além das

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interações metabólicas, a comunicação intra e intercelular pode ser mediada por moléculas

sinalizadoras.

As interações que permitem a agregação de diferentes espécies, ou mesmo gêneros

microbianos em um biofilme geralmente envolvem a participação de adesinas (moléculas de

adesão presentes em fímbrias ou dispersar ao longo da superfície celular), que reconhcem

receptores específicos na superfície de outras células, ou em diversos tipos de substratos.

Assim, a figura abaixo esquematiza a formação de um biofilme aquático, revelando a

complexidade tanto estrutural como temporal deste ecossistema. As horas correspondem ao

tempo médio necessário à adesão dos diferentes microrganismos, revelando a dinâmica de

formação e estruturação deste biofilme.

Esquema de coagregações envolvendo bactérias aquáticas.

(Adaptado de Rickard et al., Trends Microbiol., 11:94-100, 2003)

Estrutura dos Biofilmes

A maioria dos biofilmes exibe uma certa heterogeneidade, existindo conjuntos de

agregados celulares distribuídos ao longo da matriz exopolissacarídica, que exibem densidades

variáveis, originando aberturas e canais por onde a água pode trafegar.

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Corte lateral, revelando a estrutura de um biofilme artificial de V. cholerae. A intensidade da cor está

associada à densidade celular.

(Adaptado de Davey & O’Toole, Microbiol. Mol. Biol. Rev., 64:847-867, 2000)

As microcolônias que compõem um biofilme podem ser de uma ou várias espécies,

dependendo das condições ambientais. Por exemplo, em locais de grande stress mecanico,

tais como a superfície dental, o biofilme é bastante compactado e estratificado. Os espaços

intersticiais (canais) também são parte importante dos biofilme, pois permitem a circulação de

nutrientes e a troca de metabólitos.

Por que formar um biofilme?

Acredita-se que a formação de biofilmes esteja associada, por exemplo, à proteção

contra o ambiente, ou seja, bactérias em um biofilme encontram-se abrigadas e em relativa

homeostase, graças à presença da matriz exopolissacarídica. A matriz contém vários

componentes: exopolissacarídeo, proteínas, ácidos nucléicos, entre outros.

O exopolissacarídeo é secretado para o meio externo, sendo de diferentes

composições. Ao que parece, o EPS tem diferentes estruturas e funções, dependendo das

comunidades e/ou condições ambientais. Este polímero pode impedir fisicamente a penetração

de agentes antimicrobianos no biofilme, principalmente aqueles hidrofílicos e carregados

positivamente. Em alguns casos o EPS é capaz de sequestrar cátions, metais e toxinas. Por

estas razões, os biofilmes podem corresponder a excelentes mecanismos de transferência de

metais nos ecossistemas, pois vários organismos marinhos pastadores se alimentam de

biofilmes. Foi também descrito que o EPS teria papel de proteção contra radiações UV,

alterações de pH, choques osmóticos e dessecação.

Disponibilidade de nutrientes e cooperatividade metabólica

Os canais aquosos dos biofilmes podem ser comparados a um sistema circulatório

primitivo, permitindo a troca de nutrientes e metabólitos, assim como a remoção de metabótilos

potencialmente tóxicos. Em um biofilme, torna-se possível a cooperação metabólica. Por

exemplo, a degradação de compostos orgânicos complexos, originando metano e CO2 durante

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uma digestão anaeróbia, requer pelo menos três grupos de organismos. As bactérias

fermentativas iniciam o processo, gerando ácidos e álcoois, que são utilizados por bactérias

acetogênicas. Finalmente, as metanogênicas convertem o acetato, CO2 e hidrogênio,

produzindo metano.

Os biofilmes são ambientes ideais para o desenvolvimento de relaçoes sintróficas, que

é um tipo de simbiose onde dois tipos de organismos metabolicamente distintos dependem um

do outro para utilizarem certos substratos, na produção de energia.

Sintrofia em um grânulo de lodo de um reator metanogênico. Corantes

fluorescentes revelam organismos metanogênicos (em verde) e bactérias que oxidam

propionato (em vermelho). A cor amarela resulta da combinação verde e vermelho, revelando

microcolônias sintróficas interligadas a cadeias de metanogênicos.

(Adaptado de Davey & O’Toole, Microbiol. Mol. Biol. Rev., 64:847-867, 2000)

Aquisição de novas características genéticas

Várias bactérias possuem plasmídeos, conferindo as mais diversas características.

Estes podem ser transferidos horizontalmente por conjugação, para diferentes espécies

presentes em um bioflme. Estudo foram realizados com placas dentais artificiais, formadas

inicialmente por bactérias do gênero Streptococcus. Uma linhagem de Bacillus, contendo um

transposon conjugativo albergando genes de resistência à tetraciclina, foi inserida no sistema e

transferiu este transposon para células de Streptococcus.

A transdução pode, teoricamente, ser responsável pela transferência horizontal de

genes em biofilmes. Tal hipótese baseia-se no fato de sistemas marinhos e de água doce

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contêm uma enorme abundância de bacteriófagos (cerca de 108/ml), sendo responsáveis pela

lise de um grande número de bactérias. Diariamente, de 10 a 20% da população bacteriana é

lisada por fagos, os quais têm relevante impacto na cadeia alimentar microbiana uma vez que

podem aumentar as taxas de mortalidade e/ou reduzir as taxas de crescimento em todos os

níveis tróficos. Estudos recentes revelam que os fagos podem estruturar ou restruturar

comunidades microbianas. Em uma análise, onde uma população de cianobactérias foi

praticamente exterminada pelos fagos, observou-se a presença de novas espécies capazes de

degradas os compostos orgânicos que surgiram.

Papel dos biofilmes nas doenças

Até o momento, a vasta maioria das doenças infecciosas vem sendo tratada

eficientemente com antibióticos entretanto, de acordo com as pesquisas mais recentes,

sabemos que tal tipo de estratégia pode ser ineficaz em duas situações: 1) com organismos

exibindo resistência inata à droga e 2) em bactérias presentes em biofilmes.

Em um biofilme, as bactérias podem ser 1000 vezes mais resistente a um antibiótico,

quando comparadas às mesmas células planctônicas, embora os mecanismos envolvidos

nesta resistência sejam ainda pouco conhecidos. Dentre os possíveis mecanismos, acredita-se

que possa haver a inativação da droga por polímeros ou enzimas extracelulares, ou a

ineficiência da droga em decorrência de taxas de crescimento muito lentas no interior dos

biofilmes.

Infecções assciadas a biofilmes geralmente são de natureza recorrente, visto que as

terapias antimicrobianas convencionais eliminam predominantemente as formas planctônicas,

deixando as células sésseis livres para se reproduzir e propagar no biofilme após o tratamento.

Para tornar o quadro ainda mais grave, as bactérias presentes nos biofilmes encontram-se

mais protegidas contra o sistema imune do hospedeiro.

Exemplos típicos de doenças associadas a biofilmes incluem as infecções de implantes

tais como válvulas cardíacas, catéteres, lentes de contato, etc.

Os biofilmes podem ainda promover doenças se formados em tecidos, tais como nas infecções

pulmonares provocadas por Pseudomonas aeruginosa, em pacientes com fibrose cística, que

são suscetíveis a infecções crônicas por esta bactéria. A periodontite é outro exemplo de

doença provocada por biofilmes. O principal microrganismo associado a esta doença,

Porphyromonas gingivalis, coloniza uma grande de superfícies orais direta ou indiretamente,

sendo então capaz de invadir as células das mucosas e liberar toxinas.

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Biofilmes e resistência às drogas, devido à densidade e tipos celulares, exclusão

física da droga, expressão de genes de resistência, quorum sensing e alterações da superfície

celular. (Adaptado de Mah & O’Toole, Trends Microbiol., 9:34-39, 2001)

Esquema do desenvolvimento temporal de uma placa dental.

(Adaptado de Rickard et al., Trends Microbiol., 11:94-100, 2003)

Genética da formação dos biofilmes

Quatro organismos, P. aeruginosa, P. fluorescens, E. coli e V. cholerae, vêm sendo

intensamente estudados, como modelos na formação de biofilmes de espécies únicas. Este

processo pode ser subdivido em etapas: a) Aderência inicial à superfície, b) Formação das

microcolônias, c) maturação das microcolônias em um biofilme contendo a matriz de EPS.

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Estudo microscópico da formação de um biofilme

por V. cholerae

(Adaptado de Watnick & Kolter, J. Bacteriol.,

182:2675–2679, 2000)

Etapas que uma nova espécie bacteriana realiza, durante

sua incorporação em um biofilme

(Adaptado de Watnick & Kolter, J. Bacteriol., 182:2675–

2679, 2000)

Ao que parece, o processo se inicia quando as bactérias percebem determinadas

condições ambientais, que disparam o fenômeno de transição de células planctônicas em

sésseis. Assim, Pseudomonas aeruginosa e P. fluorescens parecem ser capazes de formar

bioflmes sob quase todas as condições, enquanto E. coli somente os forma se estiver em

meios mínimos suplementados com aminoácidos, ou em meios pobres em nutrientes.

Diferentes vias genéticas podem ser utilizadas na formação de biofilmes. Por exemplo,

V. cholerae parece ter diferentes vias para realizar a aderência inicial, dependendo da

superfície. Assim, quando no intestino, este organismo utiliza a fímbria Tcp para realizar a

colonização, embora tal estrutura não tenha papel na etapa inicial de formação de biofilmes em

superfícies abióticas, sendo o processo mediado por um outro tipo de fímbria, denominada

Msh.

Início de formação do biofilme

A partir de estudos com linhagens mutantes de P. aeruginosa, foi relatado que, quando

as células não sintetizam flagelos, são incapazes de realizar as interações iniciais com as

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superfícies. Mutantes que não produzem a fímbria tipo IV (associada à movimentação das

células em uma superfície) são capazes de se aderir formando uma monocamada, ao invés de

microcolônias. Existem uma proteína, denominada Crc que, além de atuar regulando o

metabolismo das células, também regula a expressão de dois genes que codificam proteínas

importantes na montagem da fímbria tipo IV.

O LPS da membrana externa também tem papel na adesão inicial. Em E. coli, os

flagelos também são importantes nesta primeira etapa de formação do biofilme. Há ainda a

participação de fímbrias do tipo I, uma proteína de membrana externa, Ag43 e do LPS. Em V.

chloreae acredita-se que o processo seja bastante similar ao de E. coli.

Maturação do biofilme

Após a etapa de interações iniciais, começa a haver a formação das microcolônias,

normalmente associada à produção de EPS. Outra etapa importante corresponde à

organização da arquitetura do biofilme que, em P. aeruginosa parece ter a participação do

"quorum sensing".

Estágios iniciais na formação de biofilmes de Gram negativos (P. aeruginosa, E.

coli, e V. cholerae).

(A) Em P. aeruginosa, os flagelos são necessários para aproximar a bactéria da

superfície, enquanto o LPS media as primeiras interações, havendo talvez a participação de

proteínas da membrana externa. Quando formam monocamadas, fímbrias tipo IV mediam o

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movimento pulsante, necessário à formação de microcolônias. A produção destas fímbrias é

regulada, em parte, por sinais nutricionais (Crc), havendo ainda a ativação de genes envolvidos

na síntese de alginato e repressão de genes flagelares. A formação do biofilme maduro envolve

a participação de homoserina lactonas sinalizadoras.

(B) Em E. coli, os flagelos aproximam as células do substrato, enquanto as primeiras

interações são mediadas por fímbris tipo I e a proteína de membrana externa Ag43. O EPS,

ácido colânico é resonsável pela arquitetura do biofilme.

(C) V. cholerae, também usa os flagelos na aproximação, sendo a ligação mediada por

fímbrias MshA e talvez outras proteínas.

(Adaptado de Davey & O’Toole, Microbiol. Mol. Biol. Rev., 64:847-867, 2000)

Dispersão

Em determinados momentos, os biofilmes sofrem dispersão, liberando microrganismos

que podem vir a colonizar novos ambientes. Ós mecanismos genéticos associados à dispersão

não são ainda bem conhecidos.

Existem três tipos de processos de dispersão: expansiva, quando parte das células de uma

microcolônia sofrem lise e outras retomam a motilidade, sendo então liberadas da estrutura.

Outro tipo de dispersão envolve a fragmentação do biofilme, onde porções de matriz

extracelular associadas a microrganismos são liberadas. Finalmente, o terceiro tipo de

dispersão, denominada superficial, ocorre pelo crescimento do próprio biofilme como um todo.

Quorum Sensing

Introdução

O quorum sensing (sensor de quorum) corresponde a um processo de comunicação

intra e interespécies microbianas, que permite aos microrganismos apresentarem alterações

fenotípicas marcantes quando estes se encontram em altas densidades populacionais. A

descoberta deste tipo de interação microbiana tornou evidente o conceito que, embora

geneticamente e estruturalmente mais simples, os microrganismos têm a capacidade de se

comportar como organismos complexos, capazes de se comunicar e agir coordenadamente,

respondendo a diferentes estímulos de modo unificado.

Este interessante processo foi descoberto em bactérias luminescentes marinhas,

habitantes de orgãos luminescentes de lulas e certos peixes.

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Lula exibindo luminescência

Há muitos anos conhecia-se a existência de bactérias marinhas (por exemplo Vibrio

fischeri) capazes de emitir luminescência. No entanto, este fenômeno era apenas observado

quando os microrganismos encontravam-se confinados nos orgãos de luz dos animais. Quando

tais bactérias encontravam-se livres na água do mar, a luminescência não era observada.

Estudos posteriores revelaram que durante o dia as lulas expeliam as bactérias de seus orgãos

de luz mas, à medida que a noite se aproximava, estas passavam a acumumular os

microrganismos, que após um determinado período de tempo tornavam-se luminescentes. Em

outras palavras, a emissão de luminescência estava associada à densidade populacional

bacteriana.

Posteriormente o processo que resultava na luminescência foi esclarecido, sendo

denominado quorum sensing, uma vez que correspondia a um mecanismo de comunicação

onde os microrganismos monitoravam sua densidade populacional.

O mecanismo de Quorum Sensing

Atualmente está bem definido que este sensoriamento populacional é realizado por

meio de pequenas moléculas, denominadas autoindutores (AI). Os autoindutores podem ser de

diferentes naturezas químicas: em organismos Gram negativos, via de regra os autoindutores

são do tipo N-acil homoserina lactonas (AHL), que correspondem a pequenas moléculas que

se difundem livremente para dentro e para fora das células. Em Gram positivos, normalmente

os autoindutores correspondem a pequenos petídeos (hepta ou octapeptídeos) que se ligam a

receptores localizados na superfície das células bacterianas.

Nos diferentes organismos que realizam o quorum sensing, o processo segue,

essencilamente, as mesmas etapas.

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Durante o crescimento microbiano, todas as células produzem e liberam uma pequena

quantidade de autoindutores. Quando a população se encontra no meio da fase logarítmica ou

no início da fase estacionária de crescimentno, a quantidade de autoindutor produzido alcança

uma concentração limite, suficiente para disparr o processo de alteração da expressão gênica.

Em termos bastante simples: os autoindutores se ligam a proteínas receptoras que são

então ativadas, promovendo a ativação da expressão de certos genes, podendo ainda inibir a

expressão de outros genes que se encontravam ativos. Assim, o quorum sensing é ativado

quando a concentração de autoindutor atinge um nível tal que sua ligação a uma proteína

receptora é eficiente, permitindo a ativação transcricional de uma série de genes.

Regulação da bioluminescência em Vibrio fischeri

Para melhor ilustrar o mecanismo de quorum sensing, descreveremos o fenômeno de

bioluminescência apresentado por Vibrio fischeri.

Nealson et al., (1970) revelaram que o sobrenadante de culturas densas de V. fischeri continha

um composto capaz de induzir a luminescência em culturas de baixa densidade, sendo por isso

denominado "autoindutor". Este autoindutor (VAI - Vibrio AutoIndutor) foi identificado em 1981,

como uma N-(3-oxohexanoil)homoserina lactona (OHHL), enquanto os genes regulatórios e

estruturais necessários ao processo de luminescência (regulon lux) foram descritos em 1984,

estando localizados em um segmento de DNA de 9 kb.

O regulon lux é composto por dois operons que são transcritos em direçoes opostas,

sendo separados por uma região intergênica regulatória. O operon da esquerda contém o gene

luxR, que codifica o ativador transcricional LuxR, que também atua como receptor do

autoindutor. O operon da direita contém o gene luxI, que codifica a OHHL sintase. Abaixo do

gene luxI, encontram-se os genes estruturais luxCDABE, que codificam as proteínas

necessárias ao desenvolvimento da bioluminescência (subunidades a e b da luciferase - luxA e

luxB, a redutase - luxC, transferase - luxD e sintetase - luxE).

Assim, em qualquer etapa de seu ciclo de vida, as células de V. fischeri estão

produzindo pequenas quantidades do autoindutor (VAI), que se difunde livremente através das

membranas da bactéria. Nestes estágios onde a população microbiana ainda é pequena, está

ocorrendo a ligação do VAI ao seu receptor, LuxR, no entanto, tal ligação é ainda transiente.

No entanto, à medida que a população aumenta, a quantidade de VAI também aumenta, até

que atinge uma concentração limiar, que dispara o processo, resultando na ativação da

tanscrição dos operons lux.

A proteína LuxR é modular, sendo constituída por um domínio C-terminal de ligação ao

DNA e um domínio N-terminal de ligação à OHHL. A OHHL, produzida pelo gene luxI, liga-se à

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proteína LuxR, ativando-a. Esta quando ativada liga-se ao DNA, em um sítio específico,

denominado lux box, que corresponde a uma região de 20 nucleotídeos invertidos repetidos,

situada entre os dois operons lux.

O complexo VAI-LuxR liga-se ao lux box e estimula a transcrição dos operons, promovendo

uma maior síntese de autoindutor, de proteína LuxR e de todo o aparato necessário à

luminescência.

Regulação do operon lux pelo autoindutor de V. fischeri

Outras atividades microbianas associadas ao Quorum Sensing

Atualmente são conhecidas centenas de espécies microbianas que realizam o processo

de quorum sensing, revelando que tal tipo de comunicação resulta em uma série de alterações

fenotípicas apresentadas pelas culturas.

Dentre as principais atividades microbianas associadas ao quorum sensing temos:

- produção de antibióticos

- expressão de fatores de virulência

- aquisição do estado de competência (a capacidade de captar DNA do meio)

- transferência de DNA para outros organismos

- fixação de nitrogênio

Além destas atividades, cada vez mais está se tornando claro o papel ecológico

desempenhado pelo quorum sensing. Sabe-se que os microrganismos sintetizam autoindutores

bastante específicos, reconhecidos apenas por membros da mesma espécie. No entanto,

pesquisas revelam que organismos de espécies próximas podem sintetizar autoindutores

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semelhantes, capazes de interferir no quorum sensing de outros organismos. Por exemplo,

Staphylococcus epidermidis, um habitante da microbiota normal, sintetiza autoindutores que

interferem no quorum sensing de S. aureus, um microrgnaismo potencialmente patogênico.

Acredita-se que este tipo de interferência tenha como principal função impedir ou dificultar a

colonização do hospedeiro por organismos invasores.

Há alguns anos foi descoberto um segundo tipo de autoindutor, denominado AI-2, que

parece estar envolvido em um processo mais "geral" de cominucação microbiana. Este AI-2

seria reconhecido por um grande número de espécies, talvez atuando como uma molécula que

sinaliza aos diferentes organismos a presença de outros microrganismos. Este seria um tipo de

molécula que realizaria um "censo" geral da população.

A descoberta do quorum sensing trouxe novas e interessantes perspectivas para o

controle microbiano, especialmente no que se refere ao tratamento de doenças infecciosas.

Controle Microbiano

Definições

Esterilização: Destruição ou remoção de todas as formas de vida de um objeto ou

habitat.

Desinfecção: Processo que promove a inibição, morte ou remoção de vários

microrganismos patogênicos e saprófitas, sem eliminar todas as formas de vida.

Sanitização: Processo que leva à redução dos microrganismos, a níveis seguros, de

acordo com os padrões de saúde pública (elimina 99,9% das formas vegetativas).

Anti-séptico: Produto que evita a infecção em tecidos, seja inibindo ou matando os

microrganismos. Como são aplicados em tecidos vivos, os anti-sépticos são, geralmente,

menos tóxicos que os desinfetantes (agentes aplicadas em materiais inanimados).

Germicida: mata microrganismos, mas não endosporos. “Cida”: Qualquer agente que

promova a morte (ex: bactericida, fungicida, algicida) “Stático”: Qualquer agente que promova

a inibição do crescimento (ex: bacteriostático, fungistático)

Padrão de morte microbiana

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Da mesma forma que no crescimento, a morte microbiana é um evento que ocorre de

forma exponencial. Assim, após uma rápida redução do número, a taxa de morte pode tornar-

se mais lenta, devido à sobrevivência de células mais resistentes.

Condições que afetam a atividade de um agente antimicrobiano, especialmente se tal

agente é de natureza química.

1. Tamanho da população: Quanto maior a população, maior o tempo necessário à sua

eliminação.

2. Natureza da população: Se nesta população de microrganismos existirem

endosporos, os quais são muito mais resistente que formas vegetativas, sua eliminação não

ocorrerá tão facilmente. No caso de células em diferentes estágios de crescimento - células

mais jovens tendem a ser mais suscetíveis que células em fase estacionária. Havendo a

presença de membros do gênero Mycobacterium, sua eliminação é mais difícil que de outras

bactérias não esporuladas, etc.

3. Concentração do agente: Geralmente, quanto mais concentrado, melhor (exceto

álcool). A relação entre a concentração e a eficiência via de regra não é linear.

4. Tempo de exposição: De acordo com normas da OMS, o tempo mínimo de exposição

deve ser de 30 minutos. Em casos de agentes esterilizantes, a exposição deve ser tal que a

chance de haver sobreviventes é de 1 em 106.

5. Temperatura: Dentro de limites, o aumento da temperatura torna o processo mais

eficiente. Para agentes químicos, geralmente o aumento de 1°C da temperatura aumenta em

10 vezes a eficiência do processo, o que também permite a diluição do agente.

6. Condições "ambientais": pH do meio - quando é ácido, favorece a eliminação térmica;

presença de matéria orgânica - dificulta a ação do produto (necessidade de lavagens dos

materiais antes do controle por agentes químicos), seja por proteger o microrganismo ou

competir pelo produto em uso. Altas concentrações de açúcar, proteínas ou lipídeos diminuem

a penetrabilidade do calor, enquanto o sal pode aumentar ou diminuir a resistência ao calor. A

consistência do material ou solução também interfere.

Controle microbiano por agente físicos

Os principais agentes físicos que promovem o controle microbiano são: Calor, Filtração

e Radiações. Eventualmente, outros agentes, tais como as baixas temperaturas, dessecação,

podem ser utilizados.

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CALOR - Uso disseminado desde épocas remotas, correspondendo ainda um dos

agentes físicos mais práticos e eficientes para a esterilização e/ou desinfecção. O calor pode

ser empregado sob duas formas: seco e úmido, tendo a vantagem de apresentar, basicamente,

apenas 2 parâmetros a serem controlados: tempo e temperatura.

Para todos os organismos são definidas as temperaturas cardeais, ou seja, as

temperaturas mínima, máxima e ótima de crescimento. Assim, quando estes são submetidos a

temperaturas superiores à temperatura máxima de crescimento, os efeitos letais tornam-se

aparentes. A morte é um fenômeno que ocorre de forma exponencial, sendo proporcional

apenas à concentração inicial da população. Já o tempo para uma determinada fração da

população a ser morta é independente da população inicial.

Processos empregando calor:

A morte se dá pela oxidação de constituintes celulares e desnaturação de proteínas e

ácidos nucléicos. Não é a melhor maneira de utilização do calor, uma vez que o ar é menos

condutor da temperatura que a água.

Calor seco

Incineração (E): processo drástico de eliminação de microrganismos, que destrói o

produto.

Ao rubro (E): processo onde os materiis são levados à incadescência, promovendo a

destruição de todos os microrganismos.

Flambagem (D): processo onde o material é submetido diretamente ao fogo, seja seco

ou embebido em álcool. Bastante utilizado na desinfecção de alças de vidro.

Estufa esterilizante (E: 160†C/2 hs ou 180°C/1 h). Amplamente utilizado para vidrarias e

outros materiais.

Calor úmido - Como mencionado anteriormente, é um processo mais eficiente devido

ao maior poder de penetração do vapor d’água. A morte é decorrente da desnaturação de

ácidos nucléicos e proteínas, podendo também romper membranas. Além disso, o vapor tem

maior capacidade de romper as pontes de hidrogênio.

Autoclave (E - 121°C/20 min./1 atm) - Destrói esporos, em um pequeno volume, em 10

a 12 minutos. Com volumes maiores, o tempo é maior (5 litros => 70 minutos). Frequentemente

são utilizados indicadores da eficiência de esterilização, por exemplo, ampolas contendo

esporos de B. stearotermophilus ou de Clostridium PA3679, os quais são inoculados em meios

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de cultura após o processo de esterilização. Caso haja o desenvolvimento de células

vegetativas, o processo não foi realizado adequadamente, uma vez que não houve a

esterilzação.

Água em ebulição (D - 100°C/30 min.)

A título de comparação, a eliminação de esporos de C. botulinum pela fervura, requer cerca de

5,5 horas. Por outro lado, a 120°C, estes esporos são eliminados após 4 a 5 minutos.

Pasteurização (D - 62,8°C/30 min - pasteurização lenta, ou 71,7°C/15 seg -

pasteurização rápida)

UHT (E): 141°C/2 segundos - processo bastante utilizado para o leite e outros alimentos

líquidos.

FILTRAÇÃO - Processo muito útil na esterilização de materiais termolábeis, sendo

empregado para líquidos e gases. Estes filtros são geralmente compostos por celulose,

acetato, policarbonato, teflon, ou outro material sintético. Embora o diâmetro dos poros possa

variar, os mais utilizados são aqueles de 0,2 µm, que removem os microrganismos (exceto

vírus) das soluções e do ar.

Dentre os principais tipos de filtros podemos citar:

Filtros de profundidade: Correspondem aos filtros mais antigos, constituídos de malha

fibrosa ou granular, à base de papel, asbestos ou fibra de vidro, arranjados de forma a criar

uma série de camadas aleatórias sobrepostas, formando pequenos canais sinuosos. Assim, os

microrganismos ficam retidos nas malhas e/ou adsorvidos à superfície do material. Estes filtros

são feitos também de terra de diatomáceas (Berkefield) ou porcelana (Chamberlain). Na

prática, são usados como pré-filtros, para a remoção de partículas maiores. Muitas vezes são

também usados na filtração de ar.

Membranas Filtrantes: Correspondem ao tipo mais comum de filtro esterilizante, em

microbiologia. São membranas porosas de acetato de celulose, nitrocelulose ou policarbonato,

tendo espessura de ≈ 0,2 mm, contendo poros variando de ≈ 0,1 a 0,5 µm de diâmetro, que

ocupam cerca de 80 a 85% da membrana.

Filtros Isopore® (nucleopore): Correspondem a filmes extremamente delgados de

policarbonato (10 µm de espessura) que são tratados com radiação nuclear, seguida de

cauterização (marcação) química. A radiação provoca danos localizados na membrana e o

tratamento químico aumenta essas falhas, formando orifícios, cujo tamanho pode ser

controlado pela força da solução cauterizadora e pelo tempo de tratamento. Estes filtros

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funcionam como verdadeiras peneiras, removendo todas as partículas maiores que os orifícios.

Têm, entretanto, baixa porosidade, sendo muito usados na preparação de amostras para a

microscopia de varredura, onde os organismos são retidos no filtro, sendo mantidos em um

plano uniforme, no topo do filtro.

O ar também pode ser filtrado, em fluxos laminares contendo filtros HEPA (High

Efficiency Particulate Air filters), que removem 99,97% de partículas de 0,3 µm.

Bactérias retidas na superfície de um filtro do tipo Isopore®

(Adaptado de Prescott et al., Microbiology, 1997)

RADIAÇÕES - Ionizante e não ionizante

Radiação Não-Ionizante: A radiação ultravioleta (de 4 a 400 nm - sendo 260 nm o

comprimento mais eficiente) é bastante letal, mas exibe baixa penetrabilidade, não

atravessando vidros, filmes sujos e outro materiais. Assim, a radiação UV é extremamente

eficiente na eliminação de microrganismos presentes em superfícies.

Como sua maior eficiência se dá a 260 nm, que corresponde ao comprimento de onda

onde se dá a maior absorção pelo DNA, a radiação UV afeta primariamente este tipo de

molécula. Sua ação é principalmente decorrente da formação de dímeros de pirimidinas

(timina), efeito este que pode ser revertido por sistemas de fotorreativação (enzima de reparo

ativada pela luz) ou por sistema de reativação independente da luz (polimerase).

Por outro lado, não podem ser descartados outros efeitos deletérios do UV, uma vez

que quando a 340 nm, observa-se dano celular, sem estar primariamente relacionado às

mutações, uma vez que neste comprimento de onda os ácidos nucléicos não têm mais uma

grande capacidade de absorver este tipo de radiação.

Radiação Ionizante: Radiações de pequeno comprimento de onda, portanto, de

altíssima energia e penetrabilidade. Os dois principais tipos são a radiação gama e os Raios X.

Estas, são bastante eficientes, uma vez que promovem a ionização de átomos, fazendo-os

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perderem elétrons. Como consequência são gerados radicais livres extremamente reativos,

que podem destruir pontes de hidrogênio, duplas ligações, estruturas em anel. Quando na

presença de oxigênio, geram radicais hidroxila livres, absolutamente tóxicos para as células.

A radiação gama é originada geralmente a partir de fontes de 60Co ou 137Ce.

Estas radiações vêm sendo amplamente utilizadas em produtos termolábeis, tais como

plásticos e alguns tipos de alimentos (frutas, vegetais, alimentos marinhos). Nos alimentos seu

uso é interessante, uma vez que inativam enzimas autocatalíticas que participam do processo

de degradação natural.

Outros agentes Físicos de controle

Baixas temperaturas: A refrigeração ou o congelamento são amplamente utilizados no

controle microbiano de alimentos e produtos biológicos, pois levam a uma diminuição ou

interrupção do metabolismo. Como, na maioria dos casos, os microrganismos patogênicos ao

homem são mesofílicos, estas baixas temperaturas são eficientes no controle. Entretanto,

deve-se ter cuidado porque células de Clostridium botulinum, quando incubadas a 5°C, são

ainda capazes de produzir e secretar a toxina do tipo E.

Dessecação: Liofilização ou dessecamento natural, que atua diferentemente nos

organismos, dependendo do tipo de meio, do material dessecado e da intensidade do

processo. Via de regra, os cocos Gram negativos são mais sensíveis que os Gram positivos,

sendo M. tuberculosis um dos exemplos clássicos de organismo resistente à dessecação

(várias semanas em escarro seco).

Pressão osmótica: conservas com altos teores de sal ou açúcar.

Controle de Microrganismos por Agentes Químicos

Durante muito tempo foram mais empregados em processos de desinfecção e anti-

sepsia, entretanto, atualmente estes vem sendo cada vez mais amplamente utilizados em

processos de esterilização.

Cuidados prévios: lavagem adequada do material, garantia de pleno contato com o

agente.

Características de um agente químico ideal: boa atividade antimicrobiana, toxicidade

seletiva, solubilidade, estabilidade, inocuidade, não interação com a matéria orgânica,

temperatura de ação adequada, alto poder de penetração, sem poder corrosivo ou tintorial,

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desprovido de ação danosa ao meio ambiente.

Principais Tipos de Agentes Químicos:

1) Compostos orgânicos:

Fenóis e derivados (cresóis (metil-fenol), xilenóis): Primeiros a serem usados (Lister,

1867 - salas de cirugia). O fenol não é mais usado como desinfetante ou anti-séptico devido à

sua toxicidade para os tecidos. Os derivados fenólicos (hexaclorofeno, hexilresorcinol) são

empregados principalmente como anti-sépticos ou desinfetantes hospitalares. Estes atuam

desnaturando proteínas e rompendo membranas. São tuberculocidas, efetivos na presença de

matéria orgânica, permanecem ativos por muito tempo. Entretanto tem odor desagradável e

são irritantes para pele.

Hexaclorofeno -associação de fenol a halogênio (Cl) que é bastante eficaz, sendo

bastante usado em pastas dentifrícias e sabões. No passado, pesquisas indicaram que tal

composto era cumulativo e carcinogênico.

Álcoois: Muito usados, efetivos, confiáveis e baratos, atuando como bactericidas,

fungicidas e contra vírus envelopados. Os mais usados são etanol e isopropanol, nas

concentrações entre 70 e 80%. Atuam desnaturando proteínas e dissolvendo lipídeos de

membrana.

Compostos Quaternários de Amônio: são detergentes catiônicos, moléculas orgânicas

derivadas de gorduras, atuando como umectantes e emulsificadores. Apenas os detergentes

catiônicos são detergentes efetivos, que desnaturam proteínas (Ex: cloreto de benzalcônio, que

mata a maioria das bactérias).

2) Halogênios:

Iodo: anti-séptico para a pele a 2%, ou em solução água-etanol de iodeto de potássio,

para procedimentos pré-operatórios. Eficaz contra bactérias, fungos, vírus e protozoários

parasitas. Atua oxidando componentes celulares e iodinando proteínas. Em concentrações

elevadas elimina esporos. Tem como desvantagens: danos à pele, manchar e alergênico.

Iodóforos: Complexação de iodo a carreador orgânico (agentes tensioativos, como a

PVP). São solúveis em água, estáveis, sem propriedades tintoriais, liberando o iodo

lentamente, minimizando a irritação cutânea. Usado na assepsia pré-operatória e também

como desinfetante.

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Cloro: Muito utilizado no tratamento de águas e nas indústrias de laticínios e alimentos.

Pode ser aplicado na forma de gás, hipoclorito de sódio ou de cálcio, que geraácido

hipocloroso e então O2, promovendo a oxidação de materiais celulares e causando a morte em

cerca de 30 minutos. Eficaz contra fungos, bactérias e vírus, com a desvantagem ser descorar

alguns materiais. É eficiente, barato, de fácil uso, mas altamente reativo com a matéria

orgânica. Como desvantagem, o uso do cloro em águas pode produzir pequenas quantidades

de compostos organoclorados, particularmente o trihalometano (THM), um possível agente

carcinogênico. Como alternativa pode ser usada a cloramina (monocloramina), que reduz

drasticamente os níveis de THM. A monocloramina pode ser gerada diretamente na água pela

adição simultânea de amônio e cloro ou hipoclorito.

O tratamento da água presente nas torres de resfriamento de aparelhos ar condicionado

é extremamente importante para o controle de Legionella pneumophila.

3) Metais Pesados:

Foram muito usados no passado como germicidas (prata, mercúrio, zinco e cobre),

sendo atualmente substituídos por compostos menos tóxicos. Os mais usados são compostos

orgânicos de mercúrio, prata, cobre e zinco.

Nitrato de prata: usado em solução 1%, para prevenir a oftalmia neonatorum, sendo

substituído em vários hospitais pela eritromicina (que protege contra Chlamydia também).

Temos ainda o Mercurocromo e mertiolate, usados como como preservantes de soros e

vacinas. O sulfato de cobre é usado na desinfecção de águas, especialmente contra algas.

Estes atuam combinando-se com proteínas, geralmente nos grupos SH, inativando-as.

4) Outros

Peróxidos: principalmente água oxigenada, sobre organismos anaeróbios, atuando pela

sua ação oxidante.

Ozônio: Vem sendo empregado na desinfecção de água, com sucesso, na Europa e

Estados Unidos. Embora seja um tratamento mais caro, tem a vantagem de não produzir

compostos organoclorados. Por outro lado, devido à sua instabilidade, a água submetida a este

tipo de tratamento está mais sujeita à contaminação que quando clorada.

Corantes: dividem-se em dois grupos, acridina (que interage com o DNA) e derivados

de rosanilina (Cristal violeta, verde malaquita), que atuam inibindo G+, Candida e Trichomonas.

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Tem ação aparentemente ao nível da parede celular das bactérias.

Comparação da eficiência de diferentes anti-sépticos

(Adaptado de Prescott et al., Microbiology, 1997)

Agentes Químicos Esterilizantes:

Aldeídos: Formaldeído e Glutaraldeído, moléculas muito reativas, combinam-se com

proteínas, inativando-as.

Formaldeído 8% dissolvido em água ou álcool (irritante e deixa resíduos) e glutaraldeído

2% (menos irritante). Em 12 horas, destroem esporos.

Gases esterilizantes: Óxido de etileno, atua pela interação com proteínas, com alta

capacidade de penetração. Como é explosivo, é dissolvido em misturas de 10 a 20% com CO2

ou freon. Importante a presença de umidade no ambiente e também temperatura.

Condições: 38°C/5-8 hs ou 54°C/3-4 hs, com 50% de umidade e EtO de 400 a 800

mg/litro.

Betapropiolactona: eventualmente usado. Não penetra tão bem e pode ser

carcinogênico. Atua em concentrações muito menores que o EtO.

Abaixo temos uma tabela, listando alguns dos principais agentes químicos utilizados no

controle microbiano.

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Antibióticos e Quimioterápicos

Introdução

Os antibióticos são produtos de enorme importância não apenas na área de saúde,

como também na economia, visto que apenas nos Estados Unidos, cerca de 100.000 toneladas

são produzidas anualmente. Embora aproximadamente 8000 substâncias com atividade

antimicrobiana sejam conhecidas e, a cada ano, centenas de novas substâncias sejam

descobertas, pouquíssimas são efetivamente aproveitadas e utilizadas como agentes

antimicrobianos, visto que muitas destas não atendem aos requisitos mínimos para seu

emprego terapêutico. Paralelamente, não podemos deixar de mencionar o crescente problema

em relação ao surgimento de espécies bacterianas resistentes aos diferentes antibióticos. Este

talvez corresponda ao principal desafio dos pesquisadores, visto que a multirresistência vem se

tornando diariamente mais disseminada nas populações microbianas, sejam patogênicas ou

não.

Mais recentemente, outro aspecto que vem sendo cada vez mais levado em

consideração refere-se à ocorrência dos biofilmes e sua importância na terapêutica

antimicrobiana, pois o conhecimento sobre a ocorrência de biofilmes microbianos em nosso

organismo levou a uma quebra do paradigma de tratamento das doenças infecciosas.

Certamente, para que os antibióticos possam ser empregados de forma mais eficaz, será

necessário um maior conhecimento acerca dos biofilmes formados naturalmente em nosso

organismo. Pois, somente a partir da elucidação da ecologia dos biofilmes naturais do homem,

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teremos maiores chances de tratar de forma adequada as várias doenças infecciosas.

Conceitos

• Agente Antimicrobiano: Composto químico que mata ou inibe o crescimento de

microrganismos, podendo ser natural ou sintético.

• Agentes Quimioterápicos (Antimicróbicos): Agentes químicos, naturais ou sintéticos,

usados no tratamento de doenças. Atuam matando ou inibindo o desenvolvimento dos

microrganismos, em concentrações baixas o suficiente para evitar efeitos danosos ao paciente.

• Antibióticos: Grupo de agentes quimioterápicos (maioria), que constituem-se em

produtos microbianos ou derivados. São produtos do metabolismo secundário (quando a célula

entra em fase estacionária), não essenciais para o crescimento ou reprodução, sendo sua

síntese dependente da composição do meio (podem ser super produzidos). São geralmente

compostos complexos, cuja síntese envolve várias etapas enzimáticas, sendo as enzimas

reguladas separadamente das do metabolismo primário. Via de regra, a produção de

antibióticos está associada ao fenômeno de quorum sensing.

• Quimioterápico: Agente químico sintético, exibindo as mesmas atividades de um

antibiótico.

Histórico dos antibióticos e descobertas relacionadas

Paul Ehrlich (1854 - 1915): Desenvolveu o conceito de toxicidade seletiva, indicando

que determinado agente exibia uma ação danosa aos microrganismos, sem afetar as células

do hospedeiro. Tal conceito tem importante reflexo prático, pois indica se um agente pode,

teoricamente, ser útil no tratamento de doenças infecciosas. Este pesquisador trabalhava com

corantes e técnicas de coloração de microrganismos, quando verificou que alguns compostos

coravam os microrganismos, mas não os tecidos animais. Esperava encontrar um corante

tóxico aos microrganismos ("bala mágica").

1904 - Uso prático do vermelho de tripan, composto ativo contra o tripanossoma que

causava a doença africana do sono.

Ehrlich & Hata: realização de testes com compostos arsenicais, em coelhos com sífilis.

Descobriram que o composto 606, arsfenamida, era ativo => Em 1910, foi lançado o

medicamento Salvarsan (nome comercial da arsfenamida), para o tratamento da sífilis.

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1927 - Na I. G. Farbenindustrie (Bayer) - G. Domagk: testava corantes e outros

compostos químicos, quanto à ação em microrganismos e toxicidade em animais.

1935 - Vermelho Prontosil: inócuo para animais, protegendo camundongos contra

estafilococos e estreptococos patogênicos. Neste mesmo ano, foi descoberto que o prontosil

era clivado no organismo, originando a sulfanilamida como um dos produtos. Na realidade, a

droga eficaz era a sulfanilamida.

1939 - Nobel para Domagk

1896 - E. Duchesne: descobriu a penicilina, mas raramente tal pesquisador é citado,

pois seus achados nunca foram devidamente publicados ou notificados, sendo esquecids

durante vários anos.

A. Fleming: Busca de um tratamento eficaz para os feridos na II Guerra Mundial. Foi o

"segundo" descobridor da penicilina e tentou, sem sucesso, purificá-la em quantidades

suficientes para ser utilizada como medicamento.

1939 - H. Florey & E. Chain - testavam atividade bactericida de várias substâncias

(lisozima, sulfonamidas). Obtiveram a cultura de fungo isolada inicialmente por Fleming,

passando a trabalhar na purificação da penicilina. Injetarama penicilina em camundongos

infectados com estafilococos ou estreptococos e observaram que quase todos sobreviveram.

(Trabalho publicado em 1940).

1945 - Nobel para Florey, Chain e Fleming

1944 - S. Waksman: descobrimento da estreptomicina (Streptomyces griseus), a partir

do teste de cerca de 10.000 linhagens de bactérias e fungos do solo.

1952 - Nobel para Waksman.

Até 1953 - Isolamento de microrganismos produtores de cloranfenicol, neomicina,

terramicina e tetraciclina.

A partir de 1953 - a indústria investiu centenas de milhares de dólares na busca de

novas drogas antimicrobianas, sendo que tal linha de pesquisa perdura até hoje em todo o

mundo, empregando diversos tipos de abordagens.

Características gerais das drogas antimicrobianas

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• Toxicidade Seletiva: característica que todo antimicrobiano deveria apresentar, pois

reflete-se na capacidade de atuar seleivamente sobre o microrganismo, sem provocar danos ao

hospedeiro.

Esta é expressa em termos do índice terapêutico: relação B/A, onde

A) Dose terapêutica: concentração p/ tratamento

B) Dose tóxica: concentração a partir da qual é tóxica

Drogas que atuem sobre funções microbianas inexistentes em eucariotos geralmente tem

maior toxicidade seletiva e índice terapêutico (Penicilina).

• Espectro de ação: Refere-se à diversidade de organismos afetados pelo agente.

Geralmente os antimicrobianos são de pequeno ou de amplo espectro. Atualmente, uma série

de laboratórios vem trabalhando em busca de isolar e purificar antimicrobianos de espectro

restrito, que atuam especificamente sobre um ou um pequeno número de microrganismos. No

entanto, atualmente os antibióticos comercializados enquadram-se nas categorias de pequeno

e amplo espectro de ação.

Exemplos de diferentes drogas antimicrobianas, classificadas de acordo com o espectro de ação.

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

• Quanto à síntese: Microbiana, química ou semi-sintética

Microbiana - geralmente por uma ou poucas bactérias (actinomicetos) e vários tipos de fungos

filamentosos. Geralmente correspondem a produtos do metabolismo secundário.

Química - Sulfonamidas, Trimetoprim, Cloranfenicol, Isoniazida além de outros antivirais

e antiprotozoários.

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Semi-sintéticos - são antibióticos naturais, modificados pela adição de grupamentos

químicos, tornando-os menos suscetíveis à inativação pelos microrganismos (ampicilina,

carbencilina, meticilina).

• Quanto à ação: "státicos" ou "cidas"

Os "cidas" podem ser "státicos" dependendo da concentração, ou do tipo de organismo.

Os "staticos" tem sua ação vinculada à resistência do hospedeiro.

• CMI e CML: 2 parâmetros que indicam a eficiência da droga.

A droga "cida" geralmente elimina o agente em concentrações de 2 a 4 vezes maior que

a "stática", sendo o inverso falso.

• Atingir concentrações efetivas nos tecidos e entrar em contato com o microrganismo.

• Não alterar os mecanismos naturais de defesa do hospedeiro.

Mecanismos de ação dos antimicrobianos

Vários são os possíveis alvos para os agentes antimicrobianos. O conhecimento dos

mecanismos de ação destes agentes permite entender sua natureza e o grau de toxicidade

seletiva de cada droga.

Exemplos das principais estruturas ou etapas metabólicas afetadas por antibióticos

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

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1) Inibição da síntese da Parede Celular: estes agentes antimicrobianos

correspondem aos mais seletivos, apresentando um elevado índice terapêutico.

penicilinas, ampicilina e cefalosporinas: contém em sua estrutura um anel b-lactâmico, que

interage com proteínas denominadas PBPs (Penicillin Binding Protein), inibindo a enzima

envolvida na transpeptidação, responsável pela ligação entre as cadeias de tetrapeptídeos do

peptideoglicano. Com isso, há o impedimento da formação das ligações entre os tetrapeptídeos

de cadeias adjacentes de peptideoglicano, ocasionando uma perda na rigidez da parede

celular. Acredita-se também que tais drogas podem atuar promovendo a ativação de enzimas

autolíticas, resultando na degradação da parede.

Mecanismo de ação dos antibióticos b-lactâmicos

(Adaptado de Atlas, R.M., Principles of Microbiology, 1997)

bacitracina: Interfere com a ação do carreador lipídico que transporta os precursores da

parede pela mebrana. Resulta na não formação das ligações entre o NAM e NAG.

vancomicina: liga-se diretamente à porção tetrapeptídica do peptideoglicano. É ainda a

droga de escolha para linhagens resistentes de S. aureus.

2) Ligação à Membrana Citoplasmática: são agentes antimicrobianos que muitas

vezes exibem menor grau de toxicidade seletiva.

polimixinas: Ligam-se à membrana, entre os fosfolipídeos, alterando sua permeabilidade

(detergentes). São extremamente eficientes contra Gram negativos, pois afetam tanto a

membrana citoplasmática como a membrana externa.

Ionóforos: Moléculas hidrofóbicas que se imiscuem na Membrana citoplasmática, permitindo a

difusão passiva de compostos ionizados para dentro ou fora da célula.

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Exemplo de um antibiótico que atua como ionóforo

(Adaptado de Atlas, R.M., Principles of Microbiology, 1997)

3) Inibição da síntese de ácidos nucléicos: seletividade variável.

Novobiocina: se liga a DNA girase, afetando o desenovelamento do DNA, impedindo

sua replicação.

quinolonas: Inibem a DNA girase, afetando a replicação, transcrição e reparo.

Rifampicina: Ligação à RNA polimerase DNA-dependente, bloqueando a transcrição.

4) Inibição da tradução: São geralmente bastante seletivos. Correspondem a um dos

principais grupos de agentes antimicrobianos, uma vez que a síntese protéica corresponde a

processo altamente complexo, envolvend várias etapas e diversas moléculas e estruturas.

Diferentes etapas da tradução que podem ser afetadas por agentes antimicrobianos

(Adaptado de Atlas, R.M., Principles of Microbiology, 1997)

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estreptomicina e gentamicina: Liga-se à subunidade ribossomal 30S, bloqueando-a e

promovendo erros na leitura do mRNA. Interferem com a formação do complexo de iniciação.

tetraciclina: Liga-se à subunidade ribossomal 30S (sítio A), impedindo a ligação do

aminoacil-tRNA.

cloranfenicol: Liga-se à subunidade ribossomal 50S e inibe a ligação do tRNA e da

peptidil transferase, inibindo a elongação.

eritromicina: Liga-se à subunidade ribossomal 50S e inibe a elongação.

Exemplos de drogas que interferem com a síntese protéica

(Adaptado de Atlas, R.M., Principles of Microbiology, 1997)

5) Antagonismo metabólico: geralmente ocorre por um mecanismo deinibição

competitiva.

Sulfas e derivados: inibição da síntese do ácido fólico, pela competição com o PABA.

Trimetoprim: bloqueio da síntese do tetrahidrofolato, inibindo a dihidrofolato redutase.

Similaridade estrutural entre a sulfanilamida e o PABA (importante precursor da síntese de purinas)

(Adaptado de Atlas, R.M., Principles of Microbiology, 1997)

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Isoniazida: afeta o metabolismo do NAD ou piridoxal, inibe a síntese do ácido micólico -

"fator corda".

Resistência microbiana

Este tema tornou-se um motivo de preocupação crescente entre os profissionais da

área de saúde, pois a cada ano observamos o aumento de linhagens resistentes aos mais

diversos agentes antimicrobianos.

Proporção de bactérias fecais, isoladas de

indivíduos normais, resistentes aos diferentes

antibióticos.

Aumento na proporção de linhagens de N.

gonorrhoaea resistentes à penicilina.

(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)

A resistência microbiana aos antimicrobianos pode ser de dois tipos:

• Natural: ausência da estrutura, ou via metabólica alvo.

• Adquirida: Através de mutações espontâneas e seleção, ou por recombinação após

transferência de genes.

Dentre os principais mecanismos de resistência podemos citar:

Impermeabilidade à droga: Muitas bactérias Gram negativas são resistentes à penicilina G por

serem impermeáveis à droga, ou por apresentarem alterações em proteínas de ligação à

penicilina. No caso das sulfonamidas, o microrganismo pode também apresentar uma menor

permeabilidade à droga.

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Inativação: muitas drogas são inativadas por enzimas codificadas pelos microrganismos. Por

exemplo, a penicilinase (b-lactamase) é uma enzima que cliva o anel b-lactâmico inativando a

droga. Outras drogas podem ser inativadas em decorrência de modificações introduzidas pelo

microrganismo, tais como a adição de grupamentos químicos. Assim, muitos microrganismos

são capazes de promover a fosforilação ou acetilação de antibióticos.

Modificação de enzima ou estrutura alvo: Por exemplo, alterações na molécula do rRNA 23S

(no caso de resistência à eritromicina e cloranfenicol), alteração da enzima, no caso de drogas

que atuam no metabolismo, ou uso de vias metabólicas alternativas.

Bombeamento para o meio: Efluxo da droga - No caso da resistência às tetraciclinas, em

bactérias entéricas.

Processos de transferência de genes entre bactérias

Introdução

Sabemos que, embora as mutações sejam responsáveis pela expressão de várias

novas características por uma célula, muitos dos fenótipos expressos pelos microrganismos

procarióticos são decorrentes da aquisição de novos fragmentos de DNA, por meio de

processos de transferência horizontal de genes. Três processos de transferência genética entre

bactérias são bastante conhecidos: transformação, conjugação e transdução. Há ainda um

quarto processo, a conversão lisogênica, que envolve a transferência de DNA de uma partícula

viral para uma bactéria, sendo um evento importante na aquisição de genes muitas vezes

associados à virulência.

Transformação - É definida como um processo de incorporação de DNA na forma livre,

geralmente decorrente da lise celular. A partir de seu descobrimento, foi demonstrado

formalmente que o DNA era a molécula envolvida na hereditariedade (experimentos iniciados

por F. Griffith, 1928).

Várias bactérias Gram positivas e negativas são naturalmente transformáveis,

entretanto, dentro de um gênero, nem todas as espécies o são. Na natureza, o processo ocorre

quando uma célula sofre lise, liberando seu DNA. Este, por ser de grande tamanho tende a

sofrer quebras, originando centenas fragmentos de aproximadamente 15 kb (o equivalente a

cerca de 15 genes, em Bacillus subtilis).

Como uma célula absorve poucos fragmentos, apenas uma pequena proporção de

genes podem ser transferidos.

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Inicialmente, para que o processo ocorra, é necessário que a cél. encontre-se

competente, isto é, deve apresentar sítios de superfície para a ligação do DNA da célula

doadora e apresentar a membrana em uma condição que permita a passagem deste DNA.

Esta propriedade é, provavelmente, uma característica inerente de certas linhagens e, ao que

parece, envolve o mecanismo de quorum sensing. O estabelecimento da competência é um

fenômeno controlado, envolvendo a participação de diferentes proteínas (proteína de ligação

ao DNA, presente na membrana, autolisinas, nucleases), sendo um processo variável entre os

microrganismos.

Aparentemente, o número de sítios disponíveis para a ligação do DNA é limitado. Esta

captação parece estar relacionada a uma pequena sequência, de 10 a 12 pares de bases,

presente no DNA exógeno. Em Haemophilus, foi demostrada a presença de uma proteína que

reconhece e liga-se a uma sequência 5’ - AAGTGGGTCA - 3’, muito comum no genoma deste

microrganismo, garantindo que somente ocorrerá a captação de DNA de espécies muito

similares.

A competência é um processo que depende de várias condições distintas nos diferentes

microrganismos. Sabe-se que a fase de crescimento e as condições ambientais desempenham

um papel de extrema importância no processo. Além destes, a temperatura e a concentração

de cátions também influenciam a eficiência do processo.

A captação do DNA também é diferente entre Gram positivos (G+) e Gram negativos

(G-): Nas G+ o DNA é captado como dupla hélice e absorvido como fita simples, sendo uma

das fitas degradadas. Nas G-, o DNA é absorvido como fita dupla, embora apenas uma das

fitas participe do processo de recombinação. Independente do tipo celular, a ligação do DNA à

célula é mais eficiente quando está como fita dupla.

Ligação do DNA: inicialmente é reversível, tornando-se irreversível depois. As células

competententes ligam o DNA com muito mais eficiência que células não competentes (1000

vezes mais). Streptococcus pneumoniae é capaz de ligar apenas cerca de 10 moléculas de

DNA de dupla fita, de 15 a 20 kb. Quando são absorvidas, como DNA de fita simples, estas

passam para cerca de 8 kb.

Em Haemophilus influenzae, é necessário que o DNA tenha uma sequência específica

de 11 pb, para que haja a ligação irreversível e o DNA seja captado.

Integração do DNA: O DNA liga-se a proteínas na superfície celular, sendo em seguida

absorvido ou tendo uma de suas fitas degradadas por nucleases antes da absorção. À medida

que o DNA é absorvido no interior da célula, este se associa a proteínas de ligação ao DNA de

fita simples, protegendo-o de degradação. A proteína RecA também participa deste processo,

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associando-se à fita e promovendo a recombinação. Há então a degradação do que resta da

fita simples e formação de um DNA híbrido, que na replicação originará uma molécula parental

e outra recombinante.

Esquema dos eventos envolvidos na transformação em Streptococcus, um

organismo Gram positivo. O autoindutor (1) ao encontrar o receptor (2) interage com este,

promovendo a ativação de vários genes (3, 4 e 5) dentre eles as autolisinas, nucleases e

proteína de ligação ao DNA. Uma das fitas do DNA passa a ser captada pela célula, enquanto

a outra é degradada (6). Ao penetrar na célula a fita simples é protegida por proteínas. Caso

este DNa encontre uma região complementar, a proteína RecA auxiliará sua recombinação

com o DNA endógeno (7).

Conjugação - Processo de transferência de DNA de uma bactéria para outra,

envolvendo o contato entre as duas células (descoberta por Tatum & Lederberg, 1946). A

conjugação está associada à presença de plasmídeos de natureza F. Estes plasmídeos contêm

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genes que permitem a transferência do DNA plasmidial de uma célula para outra ou, em outras

palavras, a capacidade conjugativa. Quando a célula porta um plasmídeo de natureza F é

denominada F+, doadora, ou macho, enquanto células desprovidas de tais plasmídeos são

denominadas F-, receptoras, ou fêmeas.

A capacidade conjugativa está associada à presença de determinados genes

localizados em um operon denominado tra. Estes genes conferem uma série de características

envolvidas na conjugação tais como a síntese do pilus F, responsável pelo reconhecimento e

contato entre as células, assim como a transferência do DNA plasmidial.

Eventualmente, os plasmídeos podem ser integrados no cromossomo, sendo este

processo mediado por pequenas seqüências de DNA denominadas IS (insertion sequences).

As células apresentados tais plasmídeos integrados são denominadas Hfr (do inglês High

Frequency of Recombination). Quando integrados, esses plasmídeos podem mobilizar a

transferência de genes cromossomais também.

Exemplo de um plasmídeo do tipo F

Em gram negativos, a conjugação pode ser de dois tipos: entre células F+ e F-,

resultando em duas células F+ e entre células Hfr e F-, resultando em uma célula Hfr e outra F-

. Nos dois processos, acredita-se que o mecanismo provável de transferência do DNA seja pelo

círculo rolante, onde apenas uma das fitas é transferida, sendo a fita complementar sintetizada

pela célula receptora. Provavelmente, o estímulo para o disparo do processo seja o contato das

células. Assim, a conjugação envolve a passagem de DNA de uma célula F+ para outra F-, que

torna-se então F+ também.

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Quando o plasmídeo encontra-se incorporado ao cromosso, a conjugação passa a

envolver a transferência de genes cromossomais, sendo que nestes casos, a célula receptora

permanece F-, porque a região tra é a última a ser transferida, o que raramente ocorre na

natureza. Nestes casos, passam grandes blocos de DNA da célula Hfr para a receptora,

promovendo extensas recombinações.

(a)

(b)

(c)

(d)

Esquema dos eventos associados à conjugação entre células F+ e F-.

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Eventos associados à conjugação entre uma

célula Hfr e outra F-. Observe que a célula F- permanece

como receptora, uma vez que a região tra normalmente

não é transferida.

Transdução: (Lederberg & Zinder, 1952) transferência mediada por vírus, podendo ser

generalizada (qualquer fragmento de DNA) ou especializada (determinados genes, passados

por fagos temperados).

Transdução generalizada: Descoberta em Salmonella typhimurium com o fago P22,

embora este processo também ocorra em outras bactérias, tais como E. coli. Este tipo de

processo requer a ocorrência de um ciclo lítico, onde eventualmente pode haver o

empacotamento de fragmentos de DNA da célula hospedeira, gerando partículas denominadas

partículas transdutoras, que correspondem ao capsídeo viral contendo em seu interior DNA

bacteriano. Embora não possam ser descritas como vírus, as partículas transdutoras exibem a

capacidade de adsorção à superfície de outras células bacterianas. A frequência com que um

determinado gene é transferido é baixa uma vez que cada partícula transdutora leva apenas

um determinado fragmento de DNA (1 em 106 ou 108 cél. recebem um determinado gene).

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Transdução generalizada: durante um ciclo lítico, pode haver a incorporação de DNA

bacteriano no capsídeo viral. Este DNA poderá ser transferido para outra bactéria, pois os

processos de adsorção e injeção de DNA dependem da estrutura do vírus, independente do

tipo de DNA contido em seu interior.

Transdução especializada: Evento raro, embora bastante eficiente. O exemplo melhor

conhecido e primeiramente descoberto foi a transferência de um genes que codificam produtos

envolvidos na degradação de galactose pelo fago l de E. coli.

A etapa inicial no processo corresponde à infecção e lisogenização do fago, que ocorre em

sítios específicos do genoma. Neste caso, a integração do fago ocorre adjacente ao conjunto

de genes envolvidos na utilização de galactose. Pela ação de algum indutor (ex: UV) há a

separação do fago do genoma (integração reversa), que normalmente ocorre perfeitamente.

Entretanto, em alguns casos, essa separação é defeituosa, promovendo a remoção de genes

bacterianos e deixando parte do genoma viral na célula. Essas partículas podem ser de dois

tipos: aquelas que carregam genes gal e outras que carregam genes bio. Aquelas partículas

levando genes gal são denominadas ldgal (defectivas, contendo o gene gal), porque são

incapazes de formar partículas virais maduras (porque deixam no hospedeiro o gene que

codifica a proteína integrase). Quando estas partículas infectam novas células, juntamente com

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fagos normais (helper), pode haver a transferência de genes gal, a partir da infecção e

lisogenização dos dois fagos.

Transdução especializada: este processo é dependente da ocorrência de um ciclo

lisogênico. O fago integra seu DNA ao DNA bacteriano e após um determinado período de

tempo e de acordo com certos estímulos, este fago pode iniciar um ciclo lítico. Caso a excisão

do DNA viral ocorra de maneira defeituosa, poderá haver a transferência de um pequeno

fragmento de DNA bacteriano (porque parte do DNA viral ficará incorporado ao genoma

bacteriano). Este vírus "defeituoso" poderá transferir o DNA bacteriano para outras células.

Conversão lisogênica: Transferência de genes de fagos para bactérias. A própria

lisogenização torna a bactéria imune a outras infecções por este fago, mas além disso, outros

fenótipos podem ser adquiridos. O exemplo mais clássico consiste na conversão de células

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atoxigênicas de Corynebacterium diphtheriae em toxigênicas, pelo fago ß. Assim, a bactéria

recebe um gene que codifica uma toxina, sendo este gene de origem viral.