acervos de personalidades

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ANO 1 - MARÇO 2009 - N º 3 FUNDAÇÃO MARIO COVAS EM REVISTA

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A 3ª edição da revista temática em homenagem ao ex-governador Mario Covas.

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Page 1: Acervos de Personalidades

ano 1 - março 2009 - n º 3

FUNDAÇÃO MARIO COVASem revista

Page 2: Acervos de Personalidades
Page 3: Acervos de Personalidades

acervos depersonalidades

Em rEvista

Page 4: Acervos de Personalidades
Page 5: Acervos de Personalidades

editorial

dançando com acervos

Detalhista, minucioso, perfeccionista, Mario Covas não tomava decisões sem ter

estudado a fundo o assunto. Não importava se fosse a construção de um viaduto ou o

enfrentamento de um adversário político, a recepção a um chefe de Estado ou o rumo

de uma campanha política. Pedia constantemente informações a seus assessores diretos

e não aceitava meias respostas, dados incompletos. Era um exigente assumido. Mas,

ao mesmo tempo em que desesperava o pessoal de gabinete, Covas gerava um volume

enorme e importante de documentos em todo cargo público que exercia. O resultado

desse detalhismo é o acervo que a Fundação Mario Covas tem o prazer de preservar.

E se o acervo Mario Covas tem a marca da minúcia, o que caracterizaria outros arquivos

pessoais? Como a Fundação poderia aprender com a experiência de outras instituições

de preservação de memória? Como poderia compartilhar sua experiência? Assim nasceu a

ideia do Seminário Acervos de Personalidades, que realizamos nos dias 20 a 22 de agosto

de 2008, na sede da Fundação, reunindo arquivistas e historiadores responsáveis por

acervos diversos, de vários Estados do país e até de Portugal.

Nos três dias do evento, conhecemos o trabalho do Centro 25 de Abril com os documentos

sobre a Revolução dos Cravos, que devolveu a democracia a Portugal. Aprendemos com

a abordagem organizacional adotada pela Casa de Oswaldo Cruz para os arquivos dos

cientistas. Descobrimos porque o desprendimento do escritor Erico Verissimo complica a

montagem de seu acervo literário e a Fundação Energia e Saneamento tem tantas fotos

de São Paulo. Nos entristecemos com as dificuldades do Centro de Memória da Bahia em

obter recursos para manter suas preciosidades históricas. E nos alegramos com a bem-

sucedida iniciativa da Unicamp de preservar a memória da região de Campinas.

O olhar de cada palestrante sobre o patrimônio histórico, cultural, científico ou

arquitetônico que cuida é o que veremos nas próximas páginas. Cada um com sua

trajetória, suas peculiaridades, suas marcas. Inclusive o nosso.

Antonio Carlos Rizeque Malufe

Presidente da Fundação Mario Covas

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 3

Page 6: Acervos de Personalidades

Índice

Fotoclip 6

Em debate, os arquivos 8

Tudo em ordem no acervo Covas 12

Lei Rouanet viabiliza Centro de Memória 16

Enfim, a sede própria 18

O fio condutor de uma vida 22

“Temos de ir mais fundo no acervo” 26

Quando a pessoa é maior que o cargo 30

A minúcia dá o tom do arquivo 32

Luz, gás, água e preservação 36

No 25 de Abril, o particular é público 38

Revolução com cravos 42

Existe arquivo inocente? 43

Todo documento é importante 44

A COC na rota dos cientistas 48

Dos prédios aos documentos 53

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S4

Page 7: Acervos de Personalidades

108 anos de saúde 54

Facilidades para o pesquisador 56

CMU, o guardião da memória de Campinas 58

Francisco Glicério contra o rei 61

Adolfo Gordo e a primeiras leis da República 63

Grama e Izalene, prefeitos com acervo preservado 64

A memória da Bahia 66

Uma história de persistência 70

O palácio Rio Branco 72

Pedro Calmon, filho de Amargosa 73

Erico Verissimo reúne o acervo 75

Em busca de um espaço 79

Da farmácia à glória literária 81

“Lidar com o ALEV é um privilégio” 83

Créditos 86

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 5

Page 8: Acervos de Personalidades

fotoclip

Page 9: Acervos de Personalidades
Page 10: Acervos de Personalidades

Profissionais arquivistas discutem os desafios da Preservação de acervos de Personalidades em seminário da fundação mario covas

em debate, os arquivos

Raquel Freitas, coordenadora do Centro de Memória da Fundação Mario Covas, em palestra no seminário

Como preservar os documentos pessoais da melhor forma possível e, com eles,

registrar a trajetória das personalidades que fizeram história na política, nas

artes, na ciência e em outras áreas? A questão foi discutida em profundidade

por profissionais arquivistas de várias entidades nos dias 20, 21 e 22 de agosto de

2008, durante o Seminário Internacional Acervos de Personalidades: Desafios e

Perspectivas. Promovido pela Fundação Mario Covas (FMC) em sua sede, o evento

marcou a inauguração do Centro de Memória e o lançamento do Guia do Acervo.

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S8

Page 11: Acervos de Personalidades

A atuação das entidades dedicadas à manutenção

de acervos de personalidades ainda é pouco

difundida no Brasil, mas o seminário realizado

pela Fundação Mario Covas mostrou a importância

de ações de preservação da memória como legado

para as gerações futuras e o aperfeiçoamento

da cidadania. Na grande maioria dos países

europeus, iniciativas como as empreendidas

pela FMC têm tradição e contam com respaldo

governamental, como se pode constatar ao

conhecer a bem-sucedida experiência do Centro

de Documentação 25 de Abril, de Portugal.

De volta à democracia

No primeiro dia de palestras do seminário, a

professora Natércia Coimbra, coordenadora do

Centro de Documentação 25 de Abril, falou sobre

acervos de personalidades públicas em Portugal.

A instituição, ligada à Universidade de Coimbra,

reúne cerca de 3 milhões de documentos

referentes ao movimento que restabeleceu a

democracia no país, em 1974, após décadas de

convivência com o regime ditatorial salazarista.

“Ao longo dos anos, o 25 de Abril se tornou

o principal depósito documental da história

recente de Portugal. É nosso dever não esquecer

e não deixar perder a memória contida em nossos

arquivos”, afirmou em sua palestra.

O arquivista, segundo Natércia Coimbra, tem um

papel crítico e fundamental na construção da

narrativa sobre a trajetória da personalidade:

“Mais do que um relato histórico e imparcial,

os nossos arquivos precisam ser transparentes”,

disse à audiência da Fundação Mario Covas.

O 25 de Abril foi o primeiro centro de memória

português a ter uma página na internet e a

Natércia Coimbra fala sobre a preservação de acervos de personalidades públicas em Portugal

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 9

Page 12: Acervos de Personalidades

primeira biblioteca do país – com 8 mil volumes

– a oferecer sua base de dados via web.

Experiência brasileira

Profissionais de centros de memória sediados em

diferentes Estados brasileiros deram inestimável

contribuição ao seminário. Maria da Glória

Bordini, professora da Universidade Federal

do Rio Grande do Sul, falou de sua experiência

com o acervo literário do escritor gaúcho Erico

Verissimo, na ocasião ainda sem sede definitiva

e condição de ser aberto à pesquisa pelo público.

Paulo Roberto Elian dos Santos, vice-diretor

da Casa de Oswaldo Cruz, da Fiocruz, no Rio de

Janeiro, discorreu sobre os acervos dos cientistas

brasileiros. Dadas as especificidades dos arquivos

desses profissionais, a entidade adotou a

organização dos documentos por função exercida

pelo cientista, numa abordagem inovadora.

Os desafios e perspectivas de instituições de

memória foram o tema da palestra de Consuelo

Novais Sampaio, da Fundação Pedro Calmon. A

entidade cuida do acervo político do Estado da

Bahia e vivia, na ocasião, o drama da redução de

recursos e da mudança de sede.

Numa situação mais confortável, Fernando

Antonio Abrahão falou do trabalho do Centro de

Memória Unicamp, órgão de uma universidade

pública estadual dedicado à preservação de

acervos pessoais de personalidades da região de

Campinas, interior paulista.

Raquel Freitas, coordenadora do Centro de

Memória Mario Covas, e Marcia Pazin, especialista

em organização de arquivos, falaram de sua

experiência na organização da memória Covas,

suas dificuldades e vitórias. Há atualmente no

Centro de Memória milhares de documentos

textuais, 3.639 audiovisuais, 1.918 tridimensionais

Luis Sergio Matarazzo, diretor secretário da FMC, abre o evento com Natércia Coimbra e Raquel Freitas

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S10

Page 13: Acervos de Personalidades

Profissionais arquivistas e historiadores compõem a audiência do Seminário Acervos de Personalidades

Integrantes da equipe do Centro de Memória

participam do evento como ouvintes

e outros 11.402 documentos fotográficos. Seu

acervo conta a trajetória política de Mario Covas,

desde a militância na cidade de Santos, onde

nasceu, até o período em que governou o Estado

de São Paulo, passando pela atuação como

deputado federal, prefeito nomeado da cidade

de São Paulo e senador da República.

Contando com uma audiência de mais de cem

profissionais ligados à preservação de memória,

o seminário atingiu plenamente seus objetivos.

Em primeiro lugar, o evento abordou temas

relevantes para a área, entre eles experiência

de organização de acervos de personalidades,

construção da memória e potencial de pesquisa,

acervos literários e de cientistas, desafios e

perspectivas de instituições de preservação da

memória. O seminário também funcionou como

um meio de divulgação das metodologias de

trabalho e estabeleceu um canal de comunicação

entre o Centro de Memória Mario Covas e

as outras instituições, fundamentais para o

desenvolvimento das técnicas arquivísticas.

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 11

Page 14: Acervos de Personalidades

em um ano e meio, a equiPe do centro de memória organizou o arquivo, Publicou o guia do acervo e abriu as Portas Para a Pesquisa

tudo em ordem no acervo covas

Criada em 21 de abril de 2001, a Fundação Mario Covas passou três anos em fase de garimpagem de documentos. Ex-assessores, amigos e familiares do ex-governador recolheram a documentação para formar o acervo. Em seguida, realizaram-se vários estudos para a captação de recursos que viabilizassem a organização do material coletado. Um projeto estribado na Lei Rouanet (leia texto na página 16) foi então elaborado, encaminhado ao Ministério da Cultura e aprovado em meados de 2006. Seis meses depois, os primeiros aportes foram feitos, e Raquel Freitas, contratada.

A documentação inicial do acervo Mario Covas foi recolhida nas diversas áreas de apoio ao ex-governador do Palácio dos Bandeirantes, como a secretaria particular, as assessorias de imprensa, de gabinete e a especial, além do núcleo de gerenciamento de informações administrativas responsável pelo protocolo do gabinete. Posteriormente foram incorporados documentos doados pela esposa, dona Lila, a filha, Renata Covas, e outros familiares. Toda a coleta foi feita por um grupo de assessores que davam suporte às ações de Mario Covas, buscando as informações necessárias para ele tomar decisões.

A organização

Com o primeiro aporte de recursos, no final de

2006, iniciaram-se os trabalhos de organização

Técnico do Centro de Memória trata fotografia

do material. “Tínhamos um ano para montar o

acervo, um prazo muito corrido”, disse Raquel

Freitas à audiência do seminário. “Até porque

o arquivo sofreu três mudanças de local, o que

dificultou bastante o nosso trabalho.”

Para começar, Raquel fez a leitura das atas

da Fundação Mario Covas para entender sua

formação, como o acervo chegou, os relatórios

produzidos nesse processo e sua transferência

para a sede, além do material sobre a trajetória

política do ex-governador. Depois, tratou de

conhecer o projeto Cultura, Política e Cidadania, a

Organização da Memória Covas. Após dois meses

se inteirando dos fatos, traçou as diretrizes para

a execução dos produtos definidos no projeto.

Com o apoio de patrocinadores, foi possível

instituir o Centro de Memória, cuja missão é

resgatar, preservar, organizar e tornar disponível

o acervo, que constitui ação relevante para

preservar a história brasileira e oferecer novas

fontes de pesquisa. “Queremos ser referência

em centro de memória, organizar e tornar

acessível ao publico o patrimônio documental,

desenvolver projetos culturais e educativos

voltados para a responsabilidade da preservação

patrimonial, incentivar e apoiar ações no âmbito

da preservação dos acervos de caráter relevante

Preservar, organizar e dar acesso público ao legado do ex-governador Mario Covas é a missão cumprida com muito trabalho e persistência pela Fundação Mario Covas. Mas como foi que isso se deu? Quem contou a história à audiência do Seminário Acervos de Personalidades foi Raquel Freitas, profissional com 13 anos de experiência na preservação e montagem de acervos, que chegou em março de 2007 à Fundação para executar o projeto de implementação do Centro de Memória.

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S12

Page 15: Acervos de Personalidades

para a história brasileira e fortalecer a imagem

da Fundação”, disse Raquel Freitas.

O segundo passo foi a formação de equipe técnica.

“Nos preocupamos em contratar pessoas com boa

formação, introduzi-las nas teorias de arquivística

e trabalhar muito pontualmente. Foram quase

quatro meses e meio de leitura, reuniões sobre

a história de Mario Covas e de como trabalhar

com a norma de descrição arquivística ISAD(G)”,

afirmou. Foram contratados inicialmente dois

técnicos documentalistas, que passaram por um

processo de integração e treinamento. Diversos

profissionais, entre pesquisadores, consultores

ligados à organização e à preservação de acervos,

deram sua contribuição ao projeto.

As quatro fases

O trabalho foi dividido em quatro fases de

organização: o acervo textual, o audiovisual,

o fotográfico e o tridimensional. O registro

topográfico foi feito já no banco de dados, o que

possibilitou atender aos pedidos de consulta dos

pesquisadores, abrir o acervo para o público. “Em

um ano e meio saímos do zero em instrumentos

de controle da documentação para números

significativos: 1.167 caixas de documentos

textuais, 3.639 documentos audiovisuais – fitas

Trainéis deslizantes acomodam os diplomas e títulos recebidos por Mario Covas em sua vida pública

VHS, cassete, Betacam –, 1.918 objetos e 11.042

documentos fotográficos”, disse a coordenadora

do Centro de Memória. O registro topográfico

desses documentos possibilitou uma visão

panorâmica do acervo, importante para a

concepção do Guia do Acervo. “Agora nós estamos

caminhando para o inventário e o catálogo. Até

o início de 2009 vamos disponibilizar o acervo

fotográfico e o de honrarias em catálogo no

nosso banco de dados.”

A rotina de atendimento de pesquisa foi colocada

no módulo de atendimento do sistema, de forma

a manter o controle das informações liberadas

para consulta, de que forma elas serão utilizadas,

a quem estão sendo cedidas e o que o usuário fará

com elas. O módulo de atendimento à pesquisa

estabelece as etapas para o cadastramento e o

controle das informações abertas aos usuários.

O Guia do Acervo foi o primeiro instrumento de

pesquisa elaborado para os acervos organizados.

“Mais do que isso, foi um mecanismo de

conhecimento da documentação e do acervo

de um modo global, permitindo a análise do

ponto de vista de sua criação e acumulação,

das características físicas e do suporte dos

gêneros documentais. Foi possível encontrar

até negativo fotográfico de vidro e as cartas

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 13

Page 16: Acervos de Personalidades

que Mario Covas escreveu quando esteve preso

no DOPS (Departamento de Ordem Política e

Social), resgatando todos os sentimentos que

ele relata ali”, disse Raquel. Um material muito

interessante, segundo a coordenadora do Centro

de Memória, é o que abrange os dois períodos de

doença do ex-governador. “A população mandou

muitas cartas para ele, quase 14 mil cartas. Dá

até para fazer um estudo sociológico sobre a

comoção popular em relação à doença dele, os

conselhos que davam. Há cartas em que relatam

que tiveram um sonho, que tudo iria dar certo.”

Após a abertura do acervo à pesquisa, foram

atendidas até o primeiro dia do seminário 46

consultas, mesmo sem divulgação. “Agora temos

a ajuda de uma assessoria de imprensa para

divulgar que o Centro de Memória existe e está

aberto à consulta, que é possível consultar o Guia

online. Com isso, acreditamos que esse número

cresça e muito.” Afinal, trata-se de um acervo de

interesse geral, organizado com recursos públicos

e que tem como meta ser aberto à população.

Durante sua exposição, Raquel mostrou uma foto

do acervo em fase de organização na antiga sede.

Era um verdadeiro quebra-cabeças. “Mas a equipe

se empenhou e nós conseguimos organizá-lo”,

disse Raquel, lembrando que toda a organização

feita no Palácio dos Bandeirantes era de arquivo

corrente e possuía uma ficha catalográfica muito

próxima da utilizada em biblioteconomia.

“Nós tivemos todo o trabalho de analisar essas

fichas do Palácio para saber qual ação iríamos

colocar adiante em relação à formatação do

Guia do Acervo. Depois, com recursos obtidos

com os patrocinadores, conseguimos chegar

à sala climatizada, equipada com iluminação

correta, arquivos deslizantes, material de

acondicionamento adequado, material de

proteção para os nossos técnicos documentalistas,

e comprar os trainéis para pendurar os quadros.

Por fim, com a compra da sede, conseguimos ter

uma sala exclusiva para o acervo.”

Na sala de triagem, explicou Raquel, é feito todo o

tratamento técnico do acervo, como tirar cola de

foto, limpar documento. Há uma sala de reserva

técnica, onde todos entram de avental, trabalham

de luva e máscara e limpam as mãos com álcool.

“Tivemos problemas com cupins nos quadros, o

que nos obrigou a chamar um especialista para

eliminá-los. Há uma série de critérios que temos

de obedecer e fazer valer os princípios para que

nosso trabalho seja a cada dia mais qualificado.

Temos de lutar por esses princípios, mostrar que

nós temos qualidade técnica e disponibilizar esses

acervos para consulta”, finalizou a coordenadora

do Centro de Memória da FMC.

Na sala climatizada, técnicos do Centro de Memória da Fundação Mario Covas arquivam documentos

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S14

Page 17: Acervos de Personalidades

a fundação mario covas organizou

é o número de cartas enviadas pela população desejando melhoras a Covas, todas integrantes do acervo da FMC

14mil

1.918objetos

1.167caixas de

documentos textuais

11.042fotos

3.639documentos audiovisuais

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 15

Page 18: Acervos de Personalidades

Projeto aProvado Pelo ministério da cultura Permitiu a caPtação de recursos Para a organização do acervo mario covas

lei rouanet viabiliza centro de memÓria

O Centro de Memória da Fundação Mario Covas

contou com recursos captados por meio da Lei

Rouanet para organizar seu acervo e torná-

lo acessível à pesquisa do público. O projeto

Memória Mario Covas, elaborado com esse fim,

foi aprovado pelo Ministério da Cultura no dia

23 de maio de 2007, permitindo que a Fundação

captasse na iniciativa privada 1,071 milhão de

reais até o final do mesmo ano.

Os objetivos iniciais do projeto eram a criação de

infraestrutura, a realização das primeiras etapas

de organização, a implementação do sistema de

informatização e da recuperação da informação,

Troféus, salvas, honrarias, esculturas e outros presentes diplomáticos integram o Acervo Mario Covas

1,071milhão de reais foi quanto

a FMC pôde captar na iniciativa privada

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S16

Page 19: Acervos de Personalidades

o lançamento do primeiro instrumento de

pesquisa - o Guia do Acervo -, a realização de um

seminário e o lançamento de cinco publicações

relacionadas ao acervo, além de abri-lo ao público

em geral. Todos foram cumpridos, incluindo esta

revista, uma das cinco publicadas pela Fundação

Mario Covas em março de 2009.

A ideia por trás do projeto era compartilhar o

legado, sob a guarda da Fundação, da trajetória

de 40 anos de atuação pública de um líder que,

com extremo senso de justiça, dedicou sua vida

ao bem comum. A Fundação tem como preceito

básico preservar e propagar o ideário de Covas,

mediante a sustentação dos princípios da ética

e da transparência que balizaram sua trajetória.

O acervo é composto por documentos que mostram

o cotidiano de um homem público, atuando no

cenário do Legislativo, à frente da municipalidade

e na gestão do principal Estado brasileiro.

São cartas, relatórios, estudos, atos, cartazes,

programas de governo, prestações de contas,

discussões temáticas, coberturas fotográficas de

ações oficiais, campanhas políticas, entrevistas,

publicações, artigos e matérias jornalísticas,

fotografias, vídeos, correspondências e outros

tantos e diversos documentos.

Acervo fotográfico

Mais um projeto da Fundação Mario Covas encontrou

amparo na Lei Rouanet. Em 1º de dezembro de

2008, o Diário Oficial da União publicou a aprovação

do projeto de Doação e Digitalização do Acervo

Fotográfico de Mario Covas pelo Ministério da

Cultura, durante a 155ª reunião do Conselho Nacional

de Incentivo à Cultura (CNIC). Com a aprovação na

categoria de Patrimônio Cultural, no art. 18 da lei, a

Fundação poderá captar 1, 073 milhão de reais com

100% de isenção fiscal para os patrocinadores.

Os recursos serão aplicados para digitalizar,

classificar e tratar mais de 330 mil cromos,

doados pela A2 Comunicação. Está prevista

ainda a produção de DVDs, além de um livro e

uma exposição. A FormArte Projetos, Produção

e Assessoria Ltda., sob a responsabilidade de

Rosana Dellelis, e o Centro de Memória Mario

Covas estão produzindo uma publicação especial

de apresentação do projeto, que irá auxiliar na

captação dos recursos necessários.

O que é a Lei Rouanet

Decretada em 23 de dezembro de

1991 pelo presidente da República

Fernando Collor de Mello, a Lei

Federal de Incentivo à Cultura (nº

8.313/91) prevê incentivos fiscais a

empresas e indivíduos que desejem

financiar projetos culturais. Entre

outras medidas, permite deduzir do

Imposto de Renda até 100% do valor

investido em um projeto cultural, de

acordo com o enquadramento.

É conhecida também por Lei Rouanet

porque sua criação se deve a Sérgio

Paulo Rouanet, secretário de Cultura

de Collor. Rouanet é diplomata,

filósofo, antropólogo, tradutor,

ensaísta e membro da Academia

Brasileira de Letras desde 1992.

o mecenatoProjetos com caPtação de recursos Por ano, no brasil

Ano Nº de projetos

2000 1.0952001 1.2122002 1.3712003 1.5422004 2.0412005 2.4712006 2.9082007 3.1722008 1.863

Fonte: Ministério da Cultura

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 17

Page 20: Acervos de Personalidades

Busto de Mario Covas

no saguão da sede

própria da FMC

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S18

Page 21: Acervos de Personalidades

enfim, a sede prÓpria

lamentava não ter feito durante sua passagem

pela prefeitura paulistana (1983-1985) nem em

sua vida parlamentar como deputado e senador.

Essa foi a origem do projeto Escriba, organizado

por Lúcia Maria dal Médico. O material coletado

em todas as secretarias servia a dois objetivos.

O primeiro deles era alimentar o “Você sabia?”,

um informativo destinado ao grande público.

O segundo era a constituição de um acervo. Os

recortes da imprensa, vídeos e fitas de áudio eram

todos guardados. Os que Mario Covas considerava

especialmente importantes eram merecedores de

uma classificação especial.

Do Palácio dos Bandeirantes, onde estava, esse

material foi transferido para uma pequena casa

alugada pela Fundação Mario Covas enquanto

reformava-se a sede. Verificou-se logo que,

apesar de extensa, essa documentação referia-

se exclusivamente aos anos de governo. Todo o

resto encontrava-se espalhado com a família e

os amigos e nos arquivos da Câmara, do Senado

e da Prefeitura. Graças à boa vontade de todos,

esse material começou a afluir à Fundação.

Além da troca de toda a instalação hidráulica

e elétrica, as obras incluíam novos espaços

destinados a um auditório, salas de reunião e

banheiros. Um dos locais mais atraentes era o

chamado Bar da Praia, um quiosque coberto

de sapé, no quintal dos fundos, ambiente

informal, onde surgiram várias idéias para o

desenvolvimento da Fundação.

A sede provisória foi inaugurada em abril de

2002, com uma exposição fotográfica intitulada

“A Ação Conforme a Pregação”, que mais tarde

se tornaria itinerante, percorrendo inúmeras

cidades paulistas. A exibição documentava

passagens significativas da vida de Covas, desde

a formatura na Escola Politécnica, em 1955, até

as últimas realizações de sua segunda gestão no

governo de São Paulo, 45 anos mais tarde.

Instalada a sede, começou a organização do

acervo. A ideia do acervo partira do próprio

Mario Covas. Entre o final da campanha vitoriosa

em 1994 e o início de sua gestão do Estado de

São Paulo, ele externara sua preocupação em

preservar a memória de seu governo, algo que

a fundação mario covas mudou várias vezes de endereço até chegar ao definitivo, no coração de são Paulo

Dois andares de um prédio na rua 7 de Abril, no centro de São Paulo, abrigam

a sede própria da Fundação Mario Covas desde o início de 2008. Encontrar o

endereço definitivo foi uma longa batalha, iniciada logo após a criação da

entidade, em 21 abril de 2001. Dentre as possibilidades analisadas pela diretoria,

na época, a preferida foi o aluguel de uma instalação provisória, enquanto se

estudava a viabilidade de compra de uma sede definitiva ou de um terreno

onde construí-la. Conseguiu-se algo melhor: a cessão, a título gratuito, de

um casarão à rua Tavares Bastos, no bairro paulistano da Pompéia. O imóvel

necessitava uma reforma, e ela foi realizada.

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 19

Page 22: Acervos de Personalidades

Trecho de discurso de Covas destaca exposição permanente

Na sede da rua Tavares Bastos, cuidou-se de

organizar os cursos sobre política. Destinavam-se

a preencher uma lacuna na educação dos jovens

entre 16 e 18 anos. Essa faixa etária não conhecera

as lutas em prol de democracia conduzidas pelas

gerações anteriores. E também desconhecia, pois

ainda não haviam chegado aos livros escolares,

as conquistas da Constituição de 1988, como o

Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código

de Defesa do Consumidor ou o fortalecimento do

Ministério Público.

Além desses cursos realizados de forma

permanente, a Fundação Mario Covas passou

a realizar seminários sobre a administração

pública baseada na eficiência, nos postulados da

democracia e no respeito ao contribuinte. Quando

a Notre Dame Seguros S/A, empresa proprietária

do imóvel da rua Tavares Bastos, solicitou a

sua devolução, a entidade se transferiu para o

edifício Bandeira, antigo Joelma, no centro da

cidade, onde ficou por seis anos, até a compra da

sede definitiva, no início de 2008.

As novas instalações ocupam dois andares de um

prédio da rua 7 de abril. A aquisição foi conduzida

por Antonio Carlos Malufe, presidente da

Fundação desde abril de 2006, em substituição

a Osvaldo Martins. O contrato assinado com a

Fundação Porto Seguro, do Colégio Porto Seguro,

proprietária do imóvel, estabelece um preço de

300 mil reais, sendo 40 mil de entrada e 26 parcelas

mensais de 10 mil reais cada. Essas quantias

foram asseguradas por doações de empresas e

associações, cada uma delas se comprometendo

com 10 mil reais. Todas as reformas necessárias

foram novamente efetuadas.

Nas instalações definitivas da nova sede, mais

amplas e apropriadas, foi possível dar acesso

ao público, organizar exposições e seminários.

Ao abrir essa massa de documentos para a

população, a Fundação presta um serviço não

apenas à memória de Mario Covas, mas a todos

os interessados na história e nos seus reflexos

atuais na vida política do Brasil.

Painel com os fatos mais marcantes da trajetória de Mario Covas na entrada da sede da Fundação

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Page 23: Acervos de Personalidades
Page 24: Acervos de Personalidades

o fio condutor de uma vidao guia do acervo reconta a história de mario covas desde antes de seu nascimento até Pouco dePois de sua morte

O Guia do Acervo, primeira publicação do Centro de Memória da Fundação

Mario Covas, foi lançado no dia 20 de agosto de 2008. Elaborado com base

nas normas estabelecidas pela ISAD (G) – International Standard of Archival

Description (General) e pela Nobrade – Norma Brasileira de Descrição Arquivística,

o Guia descreve a estrutura do acervo e traz textos complementares sobre sua

implementação, além do perfil e da cronologia de vida de Mario Covas.

Capa do Guia do Acervo, primeira publicação do Centro de Memória da Fundação Mario Covas

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Page 25: Acervos de Personalidades

O Acervo Mario Covas é composto, principalmente,

por documentos de ordem familiar e privada,

além daqueles produzidos e acumulados nos

gabinetes de trabalho, durante os mandatos

exercidos como deputado, prefeito nomeado,

senador e governador.

O maior volume de documentos refere-se aos

últimos anos da vida de Mario Covas, durante

os dois mandatos à frente do governo do Estado

de São Paulo, uma vez que a documentação

foi recolhida inicialmente no gabinete do

governador. Posteriormente, foram incorporados

ao acervo os documentos familiares doados pela

esposa, Florinda Gomes Covas, e a filha, Renata

Covas, com destaque para os álbuns de fotos.

Documentos pessoais1901 - 2001

Fazem parte do grupo de documentos pessoais

e familiares as certidões de nascimento,

casamento, óbito e do processo de divórcio

dos pais de Mario Covas. Há também a carteira

de identidade, o comprovante de registro no

Cadastro de Pessoas Físicas da Receita Federal,

os passaportes (diplomático e pessoa física),

carteiras funcionais, carteiras de sócio de clubes,

documentação relacionada ao status maçônico,

boletins escolares e diplomas, entre outros. O

acervo dispõe ainda de um número expressivo

de fotografias de família, formaturas, jantares e

outros eventos sociais de caráter privado.

Raquel Freitas e Antonio Carlos Malufe mostram diplomas e certificados de Covas a visitantes da FMC

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 23

Page 26: Acervos de Personalidades

Campanhas eleitorais 1961 – 2000

A documentação refere-se aos períodos de: 1961,

quando Mario Covas candidatou-se à Prefeitura

de Santos; 1962, ao concorrer a deputado

federal, e 1966, pleiteando a reeleição; 1982, ao

candidatar-se a deputado federal, após o período

de cassação; 1986, quando disputou uma vaga

no Senado; 1989, com a campanha presidencial;

1990, ao candidatar-se ao governo do Estado de

São Paulo; 1994, em que foi novamente candidato

ao governo, e, em 1998, à reeleição. Da campanha

de 2000, há documentos sobre ao apoio de Mario

Covas a candidaturas municipais.

Administração de campanhas

Os documentos abrangem planilhas de custos,

pesquisas, comprovantes e relatórios de apuração

do Tribunal Superior Eleitoral, relatórios, alguns

com registros fotográficos, de acompanhamento

dos serviços prestados às campanhas, cadastros

de contribuintes de campanhas, listagens com

endereços de diretórios e comitês eleitorais,

crachás utilizados em comícios, carimbos e

papéis em branco timbrados com logomarcas de

campanha, correspondência entre diretórios.

Documentos partidários e planos de governo

O acervo conta com estatutos e diretrizes

partidárias, nos quais são condensadas

orientações políticas, além das propostas de

governo, tanto em escritos preliminares que se

caracterizavam por textos sujeitos à discussão

nos conselhos partidários, como em brochuras

para a divulgação das propostas nas campanhas.

Promoção de campanhas

Os materiais promocionais utilizados em

campanhas políticas apresentam-se em variados

suportes e formatos. Dos materiais impressos,

o acervo dispõe de folhetos, cartazes, adesivos,

calendários e jornais de campanha – publicações

divulgando as realizações do candidato em

cargos públicos exercidos anteriormente.

Constam também bandeirolas, bonés, bottons,

leques, camisetas, brincos, bexigas, chaveiros,

saca-rolhas, réguas, apitos, caixas de fósforos,

lixas de unha, flanelas, aventais, copos, batons,

frasco contendo pó de guaraná e canetas.

Cargos públicos

Dos três mandatos de Mario Covas como

deputado federal, o acervo possui preciosidades,

como a documentação referente ao processo de

cassação. Entre os pronunciamentos do deputado,

destaca-se o discurso realizado em defesa de

Márcio Moreira Alves às vésperas da edição do Ato

Institucional nº 5. Há também projetos de lei,

emendas, pareceres e requerimentos.

O conjunto de documentos da gestão de Covas

na Prefeitura de São Paulo (1983 – 1985) contém

sua indicação pelo governador Franco Montoro e

o processo de nomeação. Mario Covas foi o último

prefeito “biônico” da cidade.

A documentação referente à atuação como

senador (1987 – 1994) inclui registros da

Assembléia Nacional Constituinte, na qual

exerceu a liderança da bancada do PMDB, além da

participação na CPI que culminou no processo de

impeachment do então presidente da República

Fernando Collor de Mello.

Da gestão no governo do Estado de São Paulo

(1988 – 2001), constam tanto os documentos

produzidos no gabinete como aqueles coletados

e armazenados com objetivo de acompanhar as

atividades desenvolvidas pelos órgãos e empresas

públicas, além do acompanhamento de serviços

prestados por empresas privadas contratadas.

A íntegra do Guia do Acervo está disponível na

internet, no endereço www.fmcovas.org.br.

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Page 27: Acervos de Personalidades
Page 28: Acervos de Personalidades

“temos de ir mais fundo no acervo”a catalogação de honrarias e 17 álbuns de fotos é o Próximo Passo de raquel freitas, coordenadora do centro de memória mario covas, na organização do acervo

Depois de identificar cada peça, o

Centro de Memória Mario Covas começa

a aprofundar a organização do acervo.

“Estamos catalogando primeiro as

honrarias, porque são peças delicadas”,

diz Raquel Freitas, coordenadora do

Centro. Em entrevista após o seminário,

Raquel avalia a contribuição do evento

para a FMC e conta quais são seus planos

para o acervo e os maiores desafios

que enfrentará para estar com tudo

catalogado até 2011. Acompanhe.

Comendas recebidas por Covas em

exposição permanente na sede da FMC

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S26

Page 29: Acervos de Personalidades

FMC – o que o seMinário trouxe de Contribuição para o Centro deMeMória Mario CoVas?

raQUEL FrEitas – Foi uma troca de informações muito rica. Cada palestrante expôs uma realidade de trabalho muito diferente da dos outros. A professora Consuelo Novais Sampaio, da Fundação Pedro Calmon, por exemplo, está numa situação delicada, porque o governo da Bahia diminuiu a verba destinada ao projeto. Como se não bastasse, ela terá de deixar o palácio onde fica o centro de memória, porque pediram o prédio. A professora Maria da Glória Bordini, dona de uma formação belíssima na análise da literatura de Erico Verissimo, não tem um lugar definitivo para o acervo. Os documentos estão numa sala fechada, não há como organizar.

FMC – quais aCerVos estão eM Melhor situação?

raQUEL FrEitas – O Centro de Memória da Unicamp é um deles. Fica dentro da universidade, que reconhece a importância do centro de preservação da memória. Além disso, gera pesquisa, porque vende prestação de serviço. Achei isso muito legal. A Casa de Oswaldo Cruz vive de pesquisa. Lá é tudo bem organizado, com uma equipe estruturada. Na Fundação Mario Covas, nós temos a infraestrutura. Agora, o desafio é ampliar as possibilidades de pesquisa, ver o que a gente pode tirar de informação desse acervo.

FMC – eM relação às realidades que o seMinário expôs, eM que MoMento está a Fundação Mario CoVas? VoCê aCha que o CaMinho adotado está Correto?

raQUEL FrEitas – Acho que sim. A primeira coisa que nós fizemos aqui foi abrir o acervo para a consulta, democraticamente. É um legado para todos os brasileiros. O primeiro passo foi dado. Mas, em termos de organização, foi um pequeno passo. Há ainda muita coisa por fazer, temos de ir mais fundo. Já sabemos o que está aqui, temos os registros, o controle sobre o acervo, mas é só o primeiro passo.

FMC – e qual é o próxiMo?

raQUEL FrEitas – O próximo passo é a catalogação desse acervo, entrar fundo nele. Na verdade, é o que já começamos a

fazer. Estamos catalogando as honrarias, porque são peças delicadas. Muitas estavam quebradas, não havia o mínimo controle. Então estamos tratando das comendas com um cuidado maior. Depois de catalogar todas as honrarias, passaremos para as fotos doadas por dona Lila Covas. São quase 17 álbuns com fotos belíssimas. Em seguida, vamos mexer nos conjuntos documentais, catalogar cada um. É importante detalhar, porque há quem acredite que o acervo está pronto.

FMC – o que são Conjuntos doCuMentais?

raQUEL FrEitas – Conjunto documental é tudo aquilo que conseguimos referenciar a um dado período. No caso da trajetória política de Mario Covas, reunimos num conjunto, por exemplo, toda a documentação que faz referência ao período em que ele foi deputado federal. Integram esse conjunto a campanha, a propaganda política, os projetos etc. Agora, vamos pegar esse conjunto e decidir como dividi-lo, seguindo critérios de datação, de catalogação de cada documento. O acervo deve estar todo catalogado em 2011, porque há todo um trabalho de pesquisa a ser feito. As pessoas precisam entender que trabalhar com um arquivo envolve muita metodologia e pesquisa, não é simplesmente pegar e cadastrar. É preciso posicioná-lo dentro do conjunto em que está inserido.

FMC – o teMpo da organização é diFerente.

raQUEL FrEitas – Exato. É preciso ter uma

equipe mínima para projetar um prazo.

Catalogar um acervo enorme em duas pessoas

é muito mais demorado do que com nove.

FMC – a equipe da Fundação Mario CoVas é ForMada por quantas pessoas?

raQUEL FrEitas – Quatro pesquisadores, dois técnicos documentalistas e dois estagiários. Todos são da área de História, com treinamento em arquivística realizado internamente. Daqui para a frente, o desenvolvimento da equipe vai depender do interesse de cada um. Todos os integrantes descobriram que essa é uma outra área em que o profissional formado em História pode atuar, não precisa ser só professor, e estão buscando aperfeiçoamento. Para nós é muito importante esse interesse, porque pegamos o

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Page 30: Acervos de Personalidades

acervo da Fundação Mario Covas num estágio

ruim, com muitas mudanças de espaço. O

maior desafio era entender o caos dessa massa

documental e definir como faríamos a primeira

organização, que gerou o Guia do Acervo. Foi

um desafio constante e, para eles, muito mais.

FMC – VoCês estão na sede própria desde qual data?

raQUEL FrEitas – Desde 7 de março de 2007.

O projeto foi aprovado em maio de 2006,

e o primeiro aporte de recursos entrou em

dezembro de 2006. A criação do Centro de

Memória foi oficializada no dia 27 de abril

de 2007 e, em maio, começamos a traçar as

diretrizes de como iríamos trabalhar. O acervo

ganhou o espaço que ele merece, tem sala

climatizada, arquivos, tudo o que era essencial

para começarmos a organizar a documentação

considerando os instrumentos de pesquisa que

o banco de dados nos dá. O banco foi montado

em níveis de descrição. Qual foi o nível maior? O

Guia. Agora é a vez do inventário e, depois, do

catálogo. Está fácil, porque temos tudo o que

precisamos, infraestrutura, computador.

FMC – o seMinário Mostrou diVersas realidades nos diFerentes Centros de MeMória. VoCê aCredita que o brasil está pronto para esse tipo de trabalho?

raQUEL FrEitas – Que pergunta difícil. Acho

que o Brasil está no processo. Quando temos

uma associação de arquivistas, criada na

década de 1970 em São Paulo, movimentos

iniciados pela própria gestão pública, como o

arquivo do Estado, criam-se procedimentos

para o tratamento de tudo isso. O Seminário

mostrou também que tudo esbarra na vontade

política. Eu costumo dizer que trabalhar com

acervos é abraçar causas, é justificar que aquilo

é importante, é correr atrás de patrocínios,

batalhar para ter uma infraestrutura mínima.

FMC – preserVar a MeMória é algo noVo, as pessoas não entendeM Muito beM o que isso Vai ser lá na Frente.

raQUEL FrEitas – É verdade. O trabalho do arquivista é de pesquisa, delicado, preciso. Um acervo carece de aprofundamento e tempo para se organizar. A Fundação foi criada em abril de

2001, demorou dois anos para definir o que seria o acervo Mario Covas, levou mais dois anos para definir um projeto começarmos a executá-lo. Está tudo pronto? Não, não está tudo pronto. Estamos no processo.

FMC – o que o pesquisador enContra atualMente no site da Fundação Mario CoVas?

raQUEL FrEitas – Nós temos o Guia do Acervo disponível no nosso site. Isso não estava previsto no projeto original. Mas como tínhamos o banco de dados e a infraestrutura de pesquisa em ambiente web, decidimos oferecer o Guia no site. Foi uma decisão importante porque ampliou o acesso à informação para além dos 3.000 exemplares do Guia impresso. Também foi um meio de descobrirmos o perfil das pessoas interessadas em consultar o acervo.

FMC – o site gerou deManda por pesquisa?

raQUEL FrEitas – Atendemos a cerca de 50 pedidos de pesquisa no período de um ano.

FMC – os pesquisadores já publiCaraM alguMa obra baseada no Material da Fundação?

raQUEL FrEitas – O livro Políticos ao Entardecer, organizado pelo cientista político Ney Figueiredo. Recebemos até um convite para ir ao lançamento, que ocorreu em novembro de 2007, na livraria Cultura, do Conjunto Nacional. Essa publicação trata do final de vida de oito políticos brasileiros de expressão. O capítulo O Político Linha Reta, escrito pelo jornalista Francisco Viana, fala de Mario Covas. A pesquisa foi realizada por Tiago Abra, que passou uma semana no Centro de Memória lendo os documentos pessoais, discursos, declarações de Imposto de Renda, tudo o que foi publicado no período da doença de Covas. Em outros casos, o pesquisador nem precisou vir à sede. Nós digitalizamos os documentos e entregamos o material pronto.

FMC – o aCerVo deVe CresCer na internet?

raQUEL FrEitas – Exatamente. Vamos oferecer mais ferramentas de pesquisa via

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Page 31: Acervos de Personalidades

RAQUEl FREiTAS

Bacharel em História pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, Raquel

Freitas é pós-graduada em Gestão do

Conhecimento (SENAC-SP), com cursos na área

de organização de acervos históricos. Desde

1992 atua na implantação e organização de

centros de documentação e memória. Foi

coordenadora do Centro de Memória Bunge e

curadora de exposições comemorativas, tais

como: Exposição Memória Bunge, São Paulo

450 anos, A História da Responsabilidade

Social no Brasil, dentre outras. Desde 1995

é membro da Associação dos Arquivistas de

São Paulo. Atualmente é coordenadora do

Centro de Memória Mario Covas.

internet. Mais adiante, vamos agregar ao Guia do Acervo a documentação doada por Rose Neubauer, secretária da Educação do governo do Estado de São Paulo na gestão Mario Covas. Agora, precisamos divulgar mais o acervo, mostrar sua utilidade, para atrair cada vez mais pesquisadores.

FMC – de que ForMa o Centro de MeMória pretende atrair pesquisadores?

raQUEL FrEitas – Temos de trabalhar muito a pesquisa, a coisa mais séria a fazer com esse acervo. Precisamos criar instrumentos de pesquisa pontuais e, ao mesmo tempo, desenvolver ações como a do seminário, que foi uma proposta legal. Nós abrimos espaço para a discussão, para a troca de informação e para avaliar que caminho a Fundação deve tomar com o Centro de Memória.

FMC – VoCê teVe alguM retorno das pessoas que FizeraM parte da

audiênCia? CoMo elas aValiaraM o seMinário?

raQUEL FrEitas – Muitos vieram nos cumprimentar, agradecer a iniciativa. A Ana Luísa Correia Ferrari, da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo, por exemplo, me disse que viu coisas aqui tão importantes sobre a conduta de trabalho e a trajetória de cada palestrante, que iria repensar a condução de suas atividades. Claro que há um certo padrão. Você tem de manter o acervo dentro dos padrões de conservação e preservação. É preciso ter um banco de dados, pessoas disponíveis para a pesquisa e a organização interna. O que muda é como nos posicionamos nesse acervo, e temos que estar ali como pesquisadores. No caso do Centro de Memória Mario Covas, falta cumprir a etapa que eu considero a mais difícil, que é ver quais são as temáticas possíveis que o acervo pode oferecer ao pesquisador.

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Page 32: Acervos de Personalidades

a Personalidade forte de mario covas influenciou a organização do arquivo, diz a consultora márcia Pazin

quando a pessoa é maior que o cargo

Privado x público

Sempre que falamos de arquivo pessoal,

lembramos das relações privadas, mesmo que os

relacionamentos aconteçam no desenvolvimento

de uma atividade profissional ou acadêmica. É

no âmbito privado que nos relacionamos. Mas

quando se trata do acervo pessoal do titular de

um cargo público é preciso considerar que as

suas decisões e realizações possuem abrangência

oficial. Para a formação do acervo Mario Covas,

por exemplo, vieram documentos de uma série de

fontes, como assessoria particular, de imprensa e

núcleo de documentação do governo do Estado.

Na maior parte das vezes, não nos damos conta

do coletivo que está por trás do arquivo pessoal.

O titular do cargo público, por sua vez, é uma

pessoa com referências culturais próprias,

personalidade, desejos e interesses particulares.

Mesmo atuando na administração pública, as

características pessoais é que farão com que

seu governo seja diferente. Ao mergulhar na

dicotomia entre público e privado, nas relações

entre um e outro, chegamos à cultura que

envolve a formação desses arquivos.

Características pessoais

A personalidade do indivíduo influencia muito

seu trabalho. Ele vai produzir um arquivo pessoal,

mesmo atuando num cargo público, porque

suas ações são escolhas pessoais que se tornam

oficiais. As decisões estão nos arquivos das

secretarias, dos ministérios, de todos os órgãos

O que é público e o que é privado em um arquivo pessoal? Que

importância têm as peculiaridades do indivíduo na formação do acervo

do homem público? Essas questões foram levantadas pela historiadora

e arquivista Márcia Cristina de Carvalho Pazin, em sua palestra no

Seminário Acervos de Personalidades. Consultora na Fundação Mario

Covas, Márcia vem auxiliando na organização do acervo desde 2007, e

foi nas encruzilhadas organizacionais que emergiram das discussões

sobre o que era a memória Mario Covas que ela centrou sua exposição.

Veja a seguir os tópicos tratados pela historiadora.

Mario Covas em entrevista coletiva

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Page 33: Acervos de Personalidades

governamentais. Mas tudo o que foi feito antes

da tomada de decisão, da transformação de um

projeto de lei em decreto, do que quer que seja o

documento que oficializou um ato, não está em

lugar nenhum ou está no gabinete.

Os papéis de gabinete têm uma diferença

fundamental em relação à documentação

institucional. Num arquivo institucional, de uma

empresa ou de um órgão público, há funções

predeterminadas que encaminham a produção

do arquivo. Na realização dessas funções é que se

descortina que tipo de arquivo vai nascer ali. As

mudanças são um pouco mais lentas, culturais,

institucionais, de estrutura, mas elas têm uma

regularidade maior do que no arquivo pessoal,

porque ele vai crescer com a vida dessa pessoa.

Gabinete, uma instituição

Formado por um grupo de assessores a serviço

da pessoa e do país, do Estado, da coletividade,

o gabinete é uma dificuldade a mais no arquivo

do político. O grupo de assessores diretos é uma

instituição a serviço de uma pessoa, que acaba,

ela própria, virando uma instituição. Não é só

com políticos que isso acontece. Artistas têm

assistentes, cientistas têm alunos e assistentes.

Aliás, os cientistas mesclam as atividades de

laboratório com as de pesquisa individual, uma

mistura muito complicada. O gabinete particular

é uma instituição política no Brasil. Juízes,

parlamentares, qualquer titular de cargo público

tem um gabinete a seu serviço, e o arquivo

resultante é considerado seu, pessoal.

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 31

Page 34: Acervos de Personalidades

Márcia Pazin durante palestra na FMC

Nos arquivos correntes de algumas instituições,

no momento em que ocorre a troca de gabinete

ou de presidência ou de juiz responsável, há

uma coleta geral, um esvaziar de armários e um

carregar de caixas para deixar o espaço liberado

para o próximo ocupante. Essa memória segue

com os indivíduos. Não temos visto a formação

de acervos com esse material frequentemente.

Essa documentação ainda está muito espalhada,

mas há uma infinidade de titulares de cargos

públicos que têm documentação abundante e

que não sabe para onde enviar esse material.

No Brasil, somente os acervos documentais

privados dos presidentes da República são

regulados por lei (decreto presidencial nº 4.344,

de 26 de agosto de 2002, que regulamenta a

lei nº 8.394/91). Pela legislação, eles devem ser

preservados, organizados e ter acesso público.

Sede de informação

Mario Covas tinha muitos assessores que o acompanharam pela maior parte de sua vida pública e foram responsáveis por garantir a existência desse acervo. Nas condições em que ocorreu a morte do ex-governador, esse material poderia ter se perdido facilmente. Mas por que

esses assessores se preocuparam com isso? Por uma característica pessoal de Mario Covas.

Tanto Osvaldo Martins, que foi secretário de Comunicação Social, quanto Antonio Carlos Malufe, secretário particular do governador, disseram-me que Mario Covas tinha obsessão pela informação. Não era para saber mais ou menos o que estava acontecendo, mas para obter detalhes concretos, objetivos e exatos sobre os acontecimentos. São até folclóricas as brigas entre Covas e os assessores, quando a informação vinha pela metade. Assim, os assessores adquiriram a cultura de coletar e arquivar dados sobre qualquer decisão a ser tomada.

Por tudo isso, devemos prestar atenção redobrada quando existem arquivos privados dessas pessoas que são entidades. Que cultura existe em torno dessa pessoa? Quem são as pessoas que tiveram influência no arquivo, que acabam fazendo com que ele seja maior, menor, mais ou menos complexo? Isso conta muito de quem é a pessoa. Pesquisei e descobri que não há muita literatura no Brasil a respeito da cultura de gabinete. Uma pena. Existem muitas questões envolvidas na produção de um arquivo, que, para compreender, é necessário que se investigue como ele nasceu, como foi formado. São várias as condições que dão característica específica a um arquivo.

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Page 35: Acervos de Personalidades

Márcia Pazin durante palestra na FMC

a consultora márcia Pazin fala das características dos acervos da fmc e da fundação energia e saneamento

a minúcia dá o tom do arquivo

FMC – qual é a prinCipal CaraCterístiCa

do Fundo Mario CoVas?

márcia Pazin – O fundo Mario Covas é um

arquivo pessoal de alguém que foi, durante

muitos anos, titular de cargos públicos no

poder Legislativo ou no poder Executivo.

A característica mais forte desse fundo é o

grande volume de acervo da atividade política

no período em que ocupou os mandatos. A

maior parte do acervo é composta desse

material. Já o material privado, que são as

coisas dele como participante da família,

as peças pessoais, tem um volume muito

pequeno. A principal característica desse

acervo, portanto, é ser de um homem que fez

da vida pública a sua vida.

FMC – qual Foi o Critério adotado para

a organização?

márcia Pazin – O arquivo é pessoal, mas de

Covas como ocupante de um cargo público,

em grande parte. Assim, nós dividimos o

acervo em alguns grandes grupos, para

facilitar a diferenciação entre o público e o

privado. Não são documentos que deveriam

estar numa secretaria. Não são documentos

essencialmente públicos no sentido de que

foram publicados ou que são resultado de

alguma decisão de um órgão público. São

documentos dele, que ele produziu para

dar origem a outros documentos que são

verdadeiramente públicos. De todo modo, os

documentos são resultado de toda a atividade

pública de Mario Covas. Primeiro, separamos

a vida familiar, privada. Depois, dividimos

toda a documentação pública pelos cargos

que ele ocupou. Há um grupo de documentos

relativos ao Mario Covas senador, outro dele

como deputado federal, como prefeito e

assim por diante. Foi organizado dessa forma

para podermos visualizar a atividade pública

de Covas e a sua importância.

FMC – CoMo a personalidade de Mario

CoVas inFluenCiou na organização e na

ForMação do arquiVo?

Detalhista e completamente dedicado aos cargos públicos que exercia, Mario Covas gerou documentos de gabinete que espelham sua personalidade. Essa seria a síntese do arquivo do ex-governador, segundo Márcia Pazin, consultora da Fundação Mario Covas e supervisora técnica do acervo da Fundação Patrimônio Histórico da Energia e Saneamento. Na entrevista a seguir, Márcia fala das peculiaridades de materiais tão distintos.

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Page 36: Acervos de Personalidades

márcia Pazin – Mario Covas era um homem

minucioso, ligado a detalhes. Quando pedia

uma informação, os assessores tinham

de correr atrás de todos os detalhes. As

informações vinham em dossiês, relatórios,

estudos. Essa necessidade de saber de tudo

pormenorizadamente fazia com que se

produzissem muitos documentos, e nisso os

assessores têm um papel muito importante.

O arquivo não existe somente pelo Mario

Covas, mas também pelos assessores, que

eram muito próximos dele e garantiram a

preservação do material, pois sabiam de

sua importância num momento posterior. A

característica minuciosa de Covas contribuiu

para que o acervo fosse tão detalhado.

Para cada lei elaborada no período em que

esteve no Senado, ele tinha um estudo

anterior. Para cada problema que surgia em

uma das secretarias do Estado, ele tinha um

dossiê sobre aquele assunto para embasar

sua decisão. Nas campanhas políticas, ele

tinha estudos bastante completos sobre os

adversários. Só o material sobre o (Paulo)

Maluf, por exemplo, enche armários. Para

Covas, era importante ter informações para

comparar com o que ele próprio estava

produzindo. Na hora de organizar esse volume

enorme de documentos, a necessidade de

associar cada dossiê a um contexto correto dá

muito mais trabalho. O arquivista é obrigado a

pesquisar de onde aquilo veio para saber que

função estava ocupando. É preciso descobrir o

meandro e a lógica das informações.

FMC – VoCê aCredita que os aCerVos

de personalidades públiCas estejaM

sendo beM tratados no brasil?

márcia Pazin – Não. Nós temos pouquíssimos

casos de personagens públicas, como

presidentes e governadores, que estão

recebendo algum tipo de tratamento e se

tornando públicos para a pesquisa. No Brasil

nós não temos a tradição de preservar arquivos

de gabinetes, como o que a Fundação Mario

Covas está fazendo. O que o homem público

usa em seu cotidiano de trabalho para tomar

decisões vai com ele onde quer que vá.

E isso tem um razão de ser. Terminado

mandato, o titular precisa ter algum material

para comprovar ou justificar as decisões que

tomou. É uma forma de proteção. Embora ele

exerça um cargo público, o arquivo é privado

porque contém documentos que subsidiaram

decisões que se tornaram material público.

Acredito que é possível criar um espaço que

possa receber esse material. Essa é uma

proposta da Fundação Mario Covas, que está

abrindo uma oportunidade para que outros

titulares possam deixar lá o seu material para

ser tratado adequadamente.

FMC – qual o Maior desaFio da

organização do arquiVo Mario CoVas?

márcia Pazin – É a própria identificação

do acervo, saber a qual caixinha aquele

documento pertencia. Vieram coisas de

lugares diferentes, e passou muito tempo até

que se conseguisse ter uma sede estável. A

cada mudança local, algumas coisas somem

ou quebram e se desorganizam. Para remontar

a história de Mario Covas foi necessário fazer

muita pesquisa. Além de desafiadora, a

identificação foi a coisa mais enriquecedora,

do ponto de vista da necessidade de entender

a pessoa e o envolvimento de várias outras na

composição do arquivo de gabinete. O papel

do assessor político é muito importante.

FMC - Falando agora do aCerVo da

Fundação energia e saneaMento, que

VoCê Cuida Mais de perto, quais são as

diFerenças entre os arquiVos pessoais

de lá e o de Mario CoVas?

márcia Pazin – Na Fundação Energia e

Saneamento nós temos tanto acervos de

empresas privadas, quanto arquivos pessoais

de profissionais, que normalmente são

técnicos, que trabalharam e foram influentes

no setor durante muito tempo. É um acervo

mais privado, mais individual do que o de

Mario Covas. A exceção é o acervo de Catullo

Branco, um engenheiro que foi deputado

constitucionalista em 1946 e um homem muito

importante no setor elétrico. Além disso, o

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S34

Page 37: Acervos de Personalidades

mÁRCiA PAZiN

Doutoranda em História Social (Historiografia e

Documentação) pela FFLCH/USP, Marcia Cristina

de Carvalho Pazin é especialista em organização

de arquivos pelo Instituto de Estudos Brasileiros

da Universidade de São Paulo (IEB/USP). Há vários

anos atua como consultora na implantação de

sistemas de arquivo e organização de acervos

históricos em instituições públicas e privadas.

Desde 2002, é docente no curso de Especialização

em Organização de Arquivos do Instituto de

Estudos Brasileiros IEDB/USP e em diversos cursos

de extensão cultural. Atualmente, é supervisora

técnica de serviços e projetos especiais da

Fundação Patrimônio Histórico da Energia e

Saneamento (FPHES).

acervo dele uma peculiaridade. Quando ele

morreu, em 1980, a família decidiu dividir

o material. Para a Fundação Energia vieram

documentos da atividade profissional como

engenheiro. Para o IEB (Instituto de Estudos

Brasileiros), da USP, foi a biblioteca. E para

a Unesp, foram documentos relacionados à

atividade política, como deputado. Com essa

divisão, perdeu-se um pouco da característica

do arquivo. O que está conosco é bem técnico.

FMC - qual Fundo sob a guarda da

Fundação energia e saneaMento VoCê

Considera o Mais preCioso?

márcia Pazin – O fundo mais precioso que

nós temos é o da Light/Eletropaulo. A Light

chegou a São Paulo em 1899 para implantar

todo o sistema de bondes e iluminação

elétrica na cidade. Para isso, fotografou as

obras na cidade toda. O pessoal da Light

adotava um procedimento de trabalho muito

organizado. Temos séries de documentos

que vão desde o final do século XIX até a

década de 1960. Eles registravam as obras e

as ações em relatórios e em fotografia. É um

acervo enorme, riquíssimo, com cerca de 170

mil imagens diferentes desde 1899. Alguns

fotógrafos bastante importantes fizeram

registros de São Paulo a serviço da Light.

Temos muitas fotos aéreas de São Paulo, de

diversos períodos, para mapear a topografia

dos locais onde iriam passar as linhas de

transmissão. Dá para ver, por exemplo, que

o curso dos rios Pinheiros e Tietê era muito

diferente originalmente, tinha muito mais

curvas. Podemos visualizar também o que

aconteceu com os bairros no entorno desses

rios após a retificação do curso.

FMC – e qual é o aCerVo Mais Curioso?

márcia Pazin – Um acervo curioso é o de

fotografias de um supermercado que a Light

mantinha para os funcionários poderem

comprar mercadorias a preço de custo. Temos,

por exemplo, o acervo de promoções que eles

faziam para os eletricitários. É algo que foge

totalmente da atividade da empresa.

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 35

Page 38: Acervos de Personalidades

a fPhes guarda e divulga o Patrimônio histórico e cultural dos setores de energia e saneamento ambiental

luz, gás, água e preservação

Em 1890, a empresa dos Guinle gerava energia

por usina a vapor em pleno centro de São

Paulo, abastecendo a área comercial. Uma

década depois, a combinação de brechas na

legislação e uma concorrência implacável jogou a

distribuidora de energia no colo da Light, dando

aos ingleses domínio sobre o setor por décadas.

Essa é uma pequena parte da história, contada

pelos documentos guardados pela Fundação

Patrimônio Histórico da Energia e Saneamento

(FPHES), que esteve representada no seminário

da FMC por sua supervisora técnica, Márcia Pazin.

A FPHES é uma instituição privada, sem fins

lucrativos, criada em 1998 com a missão de

preservar e divulgar o patrimônio histórico e

cultural dos setores de energia e saneamento

ambiental. Abriga um acervo arquivístico,

bibliográfico, museológico e ambiental,

referência importante para a história paulista e

brasileira, especialmente no que diz respeito à

industrialização e à urbanização.

Sob a guarda da FPHES estão 34 fundos e coleções,

institucionais e pessoais. Esse material soma

cerca de 2.500 metros lineares de documentos

textuais, 254 mil imagens e 8 mil pranchas

contendo documentos técnicos e cartográficos.

Para assegurar o adequado tratamento de seu

patrimônio e potencializar a divulgação, a

Fundação mantém um Núcleo de Documentação

e Pesquisa, na capital paulista, e um sistema de

Museus da Energia implantados nas cidades de São

O negócio de fornecer energia elétrica para São Paulo e cidades do interior paulista

gera muita cobiça e história há mais de um século. A Empresa Paulista de Eletricidade,

por exemplo, criada em 1886 pela Marques, Moutte & Cia., acabou engolida pela

Companhia de Água e Luz do Estado de São Paulo, da família Guinle, a mesma que

construiu o famoso Hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro.

Estudantes em visita ao Museu da Energia de Itu (SP)

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S36

Page 39: Acervos de Personalidades

Paulo, Itu e Jundiaí. Além disso, quatro pequenas

hidrelétricas, localizadas nos municípios de

Rio Claro, Brotas, Santa Rita do Passa-Quatro e

Salesópolis, estão sendo recuperadas para voltar

a gerar energia. Nesses espaços, a FPHES promove

atividades culturais, educativas e de ecoturismo.

O mais abrangente instrumento de pesquisa da

FPHES é o Guia da Documentação Arquivística,

que traz informações gerais sobre os fundos e

coleções custodiados, possibilitando o acesso

à pesquisa e funcionando como norteador da

utilização do acervo para os mais diversos fins.

A composição do acervo

A maioria dos documentos sob a responsabilidade

da FPHES foi recolhida ou doada pelas empresas

que a instituíram, por intermédio de seus

departamentos de patrimônio histórico ou

centros de memória. Três grandes conjuntos,

da Eletropaulo, da CESP e da Comgás, foram

recolhidos na criação da FPHES e depois

analisados de forma a manter a individualidade

de empresas que estiveram ligadas a elas, mas

que haviam tido existência jurídica individual.

Fazem parte do acervo arquivos pessoais, como o

do engenheiro mecânico italiano Paolo Zingales

(1920-1955), que participou de projetos das usinas

de Barra Bonita e Funil, entre várias outras, o de

Georges Seylaz (1911-1951), superintendente da

The San Paulo Gas Company, Limited, empresa

que deu origem à Comgás, e o de Raul Almeida

Prado (1896-1945), fotógrafo amador.

A FPHES vem desenvolvendo inúmeros projetos

visando a organização de seu acervo. Para

assegurar a qualidade desse trabalho, foram

feitas pesquisas sobre as empresas do setor

energético paulista, tomando como ponto

de partida as companhias instituidoras. As

pesquisas enfocaram dados sobre a trajetória

administrativa de cada empresa, a formação

dos monopólios, holdings e trustes e as

relações de subordinação administrativa e/ou

comercial entre companhias do mesmo grupo.

Levantaram-se as datas de criação, autorização

de funcionamento de empresas estrangeiras,

incorporação, fusão e de encerramento de

atividades, as alterações de competência e áreas

de concessão, entre outros dados.

Turbinas no Museu da Energia Usina Parque do Corumbataí, em Rio Claro, integrante do acervo da FPHES

Luminárias no Museu da Energia de São Paulo

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 37

Page 40: Acervos de Personalidades

no 25 de abril, o particular é público

com doações de arquivos Pessoais, o centro de documentação da universidade de coimbra construiu o PrinciPal e mais democrático acervo sobre a história recente de Portugal

Cartaz comemorativo da Revolução dos Cravos

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S38

Page 41: Acervos de Personalidades

O dia 25 de abril de 1974 é caro aos portugueses. Nessa data, eclodiu a Revolução dos Cravos, o movimento que interrompeu um longo período de regime ditatorial e recolocou Portugal nos trilhos da democracia. Muitos documentos foram produzidos desde então. Boa parte desse material, proveniente de arquivos privados de personalidades políticas e militares, vem sendo coletada, organizada e preservada no Centro de Documentação 25 de Abril, da Universidade de Coimbra. Em mais de duas décadas de existência, o Centro transformou-se no principal repositório das memórias da história portuguesa recente. Para falar de sua experiência na construção e preservação do acervo do Centro 25 de Abril, a Fundação Mario Covas convidou Natércia Coimbra, coordenadora da instituição, para participar do Seminário Acervos de Personalidades.

O trabalho de Natércia Coimbra começou com

o Centro de Documentação, há 24 anos, por

inspiração de Boaventura de Sousa Santos,

responsável pela criação do órgão. Sociólogo e

professor da Universidade de Coimbra, Boaventura

Santos costumava viajar muito, visitando os

centros de estudos portugueses nos Estados

Unidos. Numa dessas visitas, segundo Natércia,

a arquivista da Universidade de Wisconsin-

Madison quis mostrar a ele os documentos

portugueses que comprara recentemente num

leilão em Londres, mas ele se recusou a ver ali

algo que deveria estar em seu país de origem.

Ao retornar a Portugal, Santos propôs a criação

de um centro de memória, com o objetivo

principal de reunir materiais únicos e permitir a

investigação científica séria e profunda sobre a

vida política e social portuguesa do período que

vai de 25 de abril de 1974 à posse do primeiro

governo constitucional, em 1976. “Era um período

muito limitado no tempo e exigia ação rápida,

para proteger a documentação rara ou única e

evitar que ela saísse de Portugal”, disse Natércia

Coimbra à audiência do seminário.

O Centro de Documentação 25 de Abril foi

oficialmente criado em 1984, como entidade

diretamente ligada à reitoria da Universidade

de Coimbra. A universidade, por sua vez, é

uma instituição pública dotada de autonomia

administrativa e financeira, tutelada pelo

Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior

de Portugal. Desde a sua criação, o Centro tem

recuperado material disperso, na posse de

pessoas, organizações sociais, políticas, culturais

e religiosas. De acordo com Natércia, tornou-se

pioneiro em seu país na coleta sistemática de

arquivos e fundos documentais privados, não

previstos na legislação por causa da questão da

propriedade. “Apenas esporadicamente é que

podem entrar no Centro arquivos e papéis oficiais,

que, por lei, ficam sob a guarda do Estado. Até

então, não havia qualquer entidade voltada para

a localização e pesquisa de arquivos privados, de

pessoas que quisessem doá-los ao Estado”, disse

a coordenadora do 25 de Abril.

Um documento puxa outro

No início dos trabalhos, a equipe do Centro era

muito pequena. “Escrevíamos cartas às pessoas

para saber onde estavam os arquivos que nos

interessavam, porque os oficiais, mal ou bem,

sabíamos que estavam preservados por lei”,

relatou Natércia. A Constituição de Portugal

prevê que os arquivos oficiais podem incorporar

documentos privados, mas como sua missão não

é essa, o 25 de Abril tomou a tarefa para si. Ao

coletar os arquivos, a pequena equipe percebeu

que parte da documentação sobre o período

de 1974 a 1976 recuperava muita informação

referente a movimentos sociais e políticos ativos

na oposição política e na resistência organizada

à ditadura. “Na busca que fizemos, deparamo-

nos com muita gente que viveu anos exilada

na França, na Holanda ou no Brasil, que tinha

papéis, jornais, correspondência da época e

não sabia o que fazer com esse material”, disse

Natércia em sua palestra. “A todos, pedimos que

levassem seus documentos ao Centro.”

Os destinatários das cartas eram, principalmente,

militares e políticos de presença forte naqueles

anos importantes, além de ativistas sociais.

Nas cartas, Natércia e equipe propunham: “Se

algum dia você quiser se desfazer de seus papéis

políticos, não os jogue fora, nós os queremos”.

A estratégia funciona até hoje. “Alguns chegam

até nós dizendo que receberam o pedido há dez

anos, que talvez este seja o momento de doar

os papéis.” Em outros casos, os motoristas da

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 39

Page 42: Acervos de Personalidades

Soldados e crianças

em pleno 25 de abril

reitoria iam buscar os documentos, quando

não ia Natércia mesmo, em seu próprio carro,

carregando caixotes e caixotes de papéis.

A busca por determinados documentos

acabou trazendo outros. Se a personalidade

foi importante e atuante no pós-25 de abril,

certamente tinha convicções políticas construídas

muito antes. Poderia ter passado por um período

de exílio ou participado de grupos de resistência.

Seus arquivos, portanto, continham papéis

sobre o que fez antes e depois do 25 de abril,

apresentando conexões com outras temáticas,

como o apoio à luta de libertação colonial em

Angola, Moçambique e Cabo Verde.

O fato de o Centro ser uma instituição pública

universitária, segundo Natércia, estimula

as doações de documentos, embora haja

em Portugal outras instituições privadas

credenciadas, como a Fundação Gulbenkian e a

Fundação Mário Soares. “Imbuídas do espírito do

25 de abril, muitas pessoas preferem doar a uma

instituição pública que possa tratar, organizar,

catalogar e difundir a informação, abrindo o

acervo à consulta gratuitamente”, afirma a

coordenadora. Como o trabalho de construção de

um arquivo é moroso e caro, Natércia considera

correto que os contribuintes paguem pela

conservação das diferentes memórias. Outra

garantia que a instituição pública oferece ao

doador é o pessoal qualificado. Na Universidade

de Coimbra, segundo Natércia, ninguém é

contratado sem ter um curso de especialização. É

necessária uma licenciatura de base e cerca de 60

horas de especialização em Ciências Documentais

e Arquivísticas. Além disso, oferece a garantia

de isenção ideológica ou partidária. “Há sempre

a tentação de controlar. Mas todos os partidos

podem lá deixar os seus arquivos, com a garantia

de que tudo será preservado”, afirmou.

Raramente chegam ao Centro arquivos

organizados. Em geral, são papéis de pessoas

que desempenharam funções na administração

pública, por exemplo, ou em instituições privadas

das quais tenha decorrido a produção de um

conjunto de documentos que faz sentido só no

exercício dessa atividade. Mas, com essa pequena

porção de coisas, vêm quase sempre os livros, as

revistas e a correspondência pessoal. Os pôsteres

e adesivos de campanha, por exemplo, são coisas

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S40

Page 43: Acervos de Personalidades

que foram muito importantes para a história

da arte em Portugal, porque vários artistas

plásticos ajudaram a confeccioná-los. “Quando

chega uma coleção, as coisas mais improváveis

a acompanham: documentos pessoais, carteira

de identidade, carteira de sócio de agremiações,

óculos de grau. Por essa razão, já temos cerca

de oito mil livros e fazemos uma seleção. O que

não nos interessa, enviamos para bibliotecas de

outras especialidades”, afirmou.

Internet e história oral

O catálogo da coleção de livros está disponível no

site do 25 de Abril (www1.ci.uc.pt/cd25a/), numa

base de dados pesquisável. São cerca de 17 mil

registros bibliográficos entre artigos de revista

e monografias. O Centro tornou-se também

uma espécie de museu, porque possui objetos

raros, como bandeiras dos países colonizados

por Portugal, fantoches usados em comícios e

o brasão militar de Otelo Saraiva de Carvalho,

estrategista do 25 de abril. Há ainda uma sala

com cerca de 1.500 pastas com recortes de jornais

e revistas, um minucioso trabalho de clipping

realizado de 1976 a 1986 pelo Ministério do

Trabalho e Solidariedade Social e o Conselho da

Revolução. A leitura seletiva feita pelos órgãos

oficiais é, atualmente, uma fonte importante de

informação para os pesquisadores.

O acervo foi crescendo e, com o tempo, ficaram

evidentes partes nebulosas da história. Para

esclarecê-las, o Centro criou, em 1990, o projeto

de história oral, que entrevista personalidades

integrantes da mesma lista montada no início

dos trabalhos da instituição. Em 1994, as novas

tecnologias entraram em ação. “A primeira

decisão que tomamos no 25 de Abril foi de não

ter máquinas de escrever. Começamos com o

computador, com tudo automatizado desde o

início. A única coisa que mantivemos manual

foram as fichas dos nossos doadores, porque era

mais simples para nós”, contou Natércia. Depois,

passou-se à catalogação informatizada da

biblioteca, uma das primeiras de Portugal a ter

acesso online. “Criamos uma página na internet

em 1994, quando o browser disponível ainda era

o Mosaic.” Daí em diante, muita documentação

foi digitalizada, especialmente a partir de 2005,

quando o órgão obteve financiamento do Estado

para esse fim. Embora defenda o uso de novas

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 41

Page 44: Acervos de Personalidades

tecnologias, Natércia recomenda cautela com

a digitalização, para que o documento que se

quer preservar não acabe se perdendo com a

obsolescência da tecnologia adotada.

No arquivo online, há o guia de fundos, área

em são descritas cerca de 300 doações. Basta

um clique para chegar ao inventário do acervo

doado, pesquisável em texto livre. Quase todo

o acervo é liberado para a pesquisa. “Exigimos

credencial apenas para uma documentação que

não pode ser entregue a qualquer um. Quando o

interesse é defensável, quando a pessoa chega,

já encontra as pastas separadas.”

No 25 de Abril, os limites ao acesso são a reserva

da vida privada e o segredo de Estado. Quando

há alguma dúvida sobre as questões da vida

privada, o Centro de Documentação segue a

legislação portuguesa, dado que a maior parte da

correspondência arquivada lá é de teor político.

Se o problema for de caráter pessoal, é feita uma

fotocópia do documento, e a parte preocupante

é riscada. Quando os direitos de privacidade

e acesso à informação estão em conflito, a

ponderação é feita caso a caso. “Se o interesse

público for superior ao da vida privada, nós

damos acesso ao conteúdo”, afirmou Natércia. É

esse o critério que fala mais alto no 25 de Abril.

Revolução com cravos

Passava da meia-noite em lisboa, quando a rádio renascença começou a tocar a canção grândola vila morena, de josé afonso. a música, transmitida nos primeiros minutos de 25 de abril de 1974, era a senha de confirmação do golpe de estado militar que livraria Portugal do regime salazarista, em vigor desde 1926.

o golpe, coordenado e comandado pelo capitão otelo saraiva de carvalho do quartel da Pontinha, na capital portuguesa, teve a colaboração de vários regimentos militares e encontrou quase nenhuma resistência. ao amanhecer, as pessoas começaram a juntar-se

nas ruas, solidárias com os soldados revoltosos. até o meio da tarde, os golpistas haviam ocupado a emissora nacional, a rádio clube Português, o aeroporto de lisboa, o estado maior do exército, o ministério do exército e o banco de Portugal. marcello caetano, então chefe de governo, rendeu-se no final do dia, entregando o poder ao general antónio de spínola.

o movimento ficou conhecido como a revolução dos cravos. reza a lenda que o cravo vermelho tornou-se seu símbolo porque uma florista, que levava cravos para a abertura de um hotel, distribuíra as flores aos soldados. um deles encaixou o cravo no cano da espingarda e logo foi seguido pelos demais.

Às vésperas da revolução, Portugal era o último império colonial do mundo ocidental. fazia seus jovens cumprir serviço militar de quatro anos e mandava-os lutar na áfrica contra os movimentos de libertação de angola, guiné-bissau e moçambique. opiniões contrárias ao regime e à guerra eram reprimidos.

no dia seguinte ao do golpe, formou-se a junta de salvação nacional, responsável pelo governo de transição. entre as medidas imediatas dos militares revolucionários estavam a extinção da polícia política e da censura, a liberação dos sindicatos e a legalização dos partidos. os presos políticos foram libertados, e os líderes políticos no exílio começaram a voltar para casa. em alguns meses a guerra colonial terminou, dando lugar à independência das ex-colônias.

Foto de pintura mural do acervo do Centro 25 de Abril

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Page 45: Acervos de Personalidades

Lidar com registros do passado requer constantes questionamentos no presente. Partindo dessa premissa, Natércia Coimbra convidou a audiência do seminário a uma reflexão sobre conceitos e preocupações que permeiam o trabalho de arquivistas, bibliotecários e documentalistas.

O primeiro conceito avaliado foi o de arquivo, mais comumente entendido como um lugar onde se guarda documentos ou materiais diversos relacionados a uma pessoa, um acontecimento ou uma época. Aprofundando a análise, Natércia citou o filósofo francês Michel Foucault, que usou o termo arquivo para designar o sistema de formação de afirmações, um conjunto de regras que determina o que pode ser dito num determinado contexto. Uma outra abordagem identifica o arquivo como um lugar de poder que se manifesta pelo ato de reunir, estruturar e interpretar signos. “De acordo com essas teorias, as normas técnicas estabelecidas estão longe de ter um papel inocente no processo de arquivagem”, ressaltou a coordenadora do Centro 25 de Abril. Embora a atitude de conservação e de reunião seja sempre intelectualmente muito ponderada e muito rigorosa, segundo Natércia, a arquivagem visa fins, bons ou maus, que determinam o conteúdo do próprio arquivo.

“O que se reúne, a seleção que se faz, nunca é inocente, visa objetivos, e nesse momento temos ainda um maior desafio, que não são só os papéis, os materiais iconográficos, suportes de tipologia variada, mas o mundo virtual”, assinalou. As discussões em torno do conceito de arquivo, segundo Natércia, evoluem no final da década de 1990, princípio dos anos 2000, entre dois diferentes pólos. O arquivo é atual ou virtual? Será ele um lugar ou um conjunto de princípios e orientações?

Ou será, simultaneamente, o lugar e o princípio? Constitui-se para documentar determinados acontecimentos históricos ou cria os fatos a partir da própria narrativa dos documentos? Qual a sua ação sobre os documentos que reúne? “Creio que essas questões apontam para respostas que têm a ver com três conceitos: história, memória e democracia”, afirmou Natércia.

O acesso público aos arquivos históricos é uma conquista dos regimes democráticos. Já o conceito de memória remete ao dever de não esquecer, o dever de preservar. “É muito difícil perceber, num determinado momento, o que é história ou não. É fácil para as instituições que querem controlar e manipular a história. Portanto, o dever de não esquecer é extensível a todo o legado histórico”, afirmou a coordenadora do 25 de Abril.

Os arquivistas, segundo Natércia, desempenham um importante papel como mediadores na seleção dos documentos a preservar e da colocação das coleções à disposição dos pesquisadores. Ao identificar e ultrapassar os obstáculos criados por grupos com poder de influência, os arquivistas conseguem manter uma característica do passado mais equilibrada e permitem às gerações futuras examinar e avaliar a atividade e a contribuição das diferentes vozes que se fazem ouvir numa determinada época. “O arquivista deve chamar a atenção para documentos incômodos e preservá-los”, afirmou Natércia. “Até pode evitar que eles sejam vistos, ouvidos ou lidos em determinada

época, mas deve sempre preservá-los.”

existe arquivo inocente?

Criança põe cravo em arma de soldado, em

pôster do acervo do Centro 25 de Abril

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Page 46: Acervos de Personalidades

Procure casar texto com foto quando possível

todo documento é importantePequenos jornais de sindicato Podem ser tão úteis ao Pesquisador quanto um manuscrito estratégico, defende natércia coimbra, do centro de documentação 25 de abril

FMC – eM sua palestra, VoCê disse que a ForMa CoMo se reúne o Material não é inoCente. CoMo o Centro 25 de abril lidou CoM essa questão?

natércia cOimBra – O Centro 25 de Abril está à disposição do investigador e da ciência, e a ciência não pode ser partidária. Desse ponto de vista, tentamos recolher tudo o que vier até nós, documentos repetidos ou não, o mais possível sem censura. Tudo é importante, do menor jornal de bairro a um manuscrito de Otelo Saraiva de Carvalho, estrategista da revolução, da crônica de jornal feita por um jornalista antifascista aos panfletos distribuídos por partidos políticos nas primeiras eleições livres. Não podemos fazer distinção do que é ou não importante para o investigador. Se temos problemas de espaço, evitamos os documentos repetidos. Mas tudo o que diz respeito àquela época, seja a visão de esquerda seja a anarquista, de direita, da política militar ou da civil, para nós é documentação que pode ser útil ao pesquisador e ao historiador. Não podemos descuidar de documento nenhum, suporte nenhum, como vídeo, papel, manuscrito, revistas e jornais. Temos pequenos jornais representativos de lutas sociais muito importantes, como os de sindicatos e sobre a reforma agrária. Esses movimentos sociais em luta produziram publicações que duravam um ou dois números. Ninguém mais tem senão nós. Não é o tipo de material que iria para

a Biblioteca Nacional. Se não fôssemos nós a recolher esse tipo de documentação de acesso mais restrito e efêmero, teria se perdido. E hoje se sabe de muita coisa a partir desses pequenos testemunhos.

FMC – do período anterior, salazarista, taMbéM há doCuMentos?

natércia cOimBra – Infelizmente, em Portugal, sobre o Estado Novo só há o arquivo oficial. Toda a produção burocrática do Estado, o governo guarda nos arquivos nacionais. Nem todos os arquivos pessoais dos políticos do regime autoritário estão guardados. Há alguns dispersos em bibliotecas municipais, porque esse tipo de arquivo muitas vezes ia parar nas terras onde as pessoas tinham nascido. Não há em Portugal a prática do recolhimento sistemático de arquivos privados. Daí que, em relação ao Estado Novo, temos que adotar critérios de escolha. Nós procuramos preservar sobretudo os arquivos dos militantes políticos que foram importantes para a mudança do regime. Quando, por acaso, aparece outro tipo de documentação, nós guardamos. Um exemplo disso são os documentos sobre militares e campanhas na África. Chegaram a nós muitas fotografias da guerra colonial, documentos de propaganda do regime sobre o funcionamento das instituições, discursos de Salazar e de Marcello Caetano e de planos de fomento do governo da época. Mas isso não é para nós a parte mais importante.

O mais importante num arquivo histórico é tentar localizar o documento que falta

e, localizando, é bom ter condições de conservar, porque se não fizermos mais

nada, já fizemos muito. Palavras de Natércia Coimbra, coordenadora do Centro de

Documentação 25 de Abril, da Universidade de Coimbra. No caminho da preservação

da memória, proatividade é a palavra de ordem. “Temos de procurar incessantemente,

pôr anúncios pedindo doações, aproveitar todas as nossas iniciativas para pedir:

traga as suas coisas, tudo tem valor”, disse Natércia em entrevista à Fundação Mario

Covas, após sua palestra no seminário. Veja alguns trechos dessa conversa.

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Page 47: Acervos de Personalidades

FMC – o que o Centro Faz para atrair as pessoas para a pesquisa no aCerVo?

natércia cOimBra - O instrumento mais importante, sem dúvida, é nossa página na internet. Temos uma política de difusão seletiva de informação digital que faz com que muita gente que pesquisa encontre o que procura e chegue até nós. O resultado é impressionante. Nós somos o site mais visitado da Universidade de Coimbra, possivelmente porque temos conteúdo, cerca de duzentas mil páginas digitalizadas online. São arquivos iconográficos, texto integral. Embora nossa sala de leitura seja muito pequena, com seis lugares, há sempre gente lá. Mas a nossa maior valia é o apoio à distância através do arquivo e da biblioteca digital. Nós colocamos à disposição informação estruturada e tratada. Quem lá procura artistas plásticos encontra os muros da revolução, as fotografias, os textos, o 25 de abril contado aos mais jovens com uma cronologia. Temos online o Pulsar da Revolução, uma obra ilustrada que editamos em 1997, esgotou e reeditamos, mostrando o 25 de abril hora a hora até 1976.

FMC - as Fotos dos Muros pintados, Cada uM CoM uMa ForMa de representação diFerente do CraVo, ChaMaM MesMo a atenção.

natércia cOimBra - Os artistas plásticos tiveram uma participação importante no movimento. Nós estávamos muito sujeitos à ditadura, à censura, e com o 25 de abril houve uma explosão de informação. Nessa altura, Portugal era um país muito pobre, com muitas fachadas estragadas. Então os artistas utilizaram a pintura mural como forma de comunicação de uma mensagem política. Todos os partidos tinham os “pintores de parede”. É possível encontrar ainda hoje, olhando para os diferentes partidos, a mão e o traço de alguns de nossos grandes artistas.

FMC – o site reCebe quantas Visitas por ano? qual área é a Mais Visitada?

natércia cOimBra – Em 2007, tivemos 6.800.000 visitantes únicos, um número enorme em se tratando de Portugal. Os conteúdos mais visitados são o que nós chamamos de arquivo eletrônico da democracia portuguesa. Há documentos

iconográficos e textos. Os estudantes buscam esses conteúdos para fazer os trabalhinhos da escola. Temos também muitos pesquisadores que utilizam o guia do acervo online.

FMC - e quanto por Cento do aCerVo já está digitalizado?

natércia cOimBra - Temos neste momento 300 doações de grandes espólios, dos quais 240 já estão catalogados. Disponíveis online há cerca de cinco grandes arquivos.

FMC - os pesquisadores que utilizaraM o aCerVo ConseguiraM extrair uM olhar noVo sobre a história? geraraM publiCações releVantes?

natércia cOimBra - No início do projeto, tínhamos sobretudo investigadores estrangeiros, porque em Portugal ninguém queria tratar da história portuguesa recente. Tivemos, por exemplo, a professora Norrie MacQueen, que trabalhou lá e publicou, em 1997, o livro The Decolonization of Portuguese Africa: metropolitan revolution and the dissolution of empire (A Descolonização da África Portuguesa: revolução metropolitana e a dissolução do império), que se tornou uma referência sobre a descolonização portuguesa na África. Uma pesquisadora norte-americana fez no Centro grande parte de sua investigação sobre a história do partido socialista em Portugal. Há duas obras publicadas recentemente sobre práticas

Militar revolucionário e o cravo em cartaz

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Page 48: Acervos de Personalidades

culturais da juventude muito baseadas na nossa documentação sobre os movimentos estudantis em Portugal na década de 1960. Entre os estrangeiros temos um italiano muito engraçado, que está comparando a tradição democrática de Itália, Espanha e Portugal. Todos os anos saem livros publicados tendo como referência a documentação vista no Centro. Agora vai sair uma sobre os exilados políticos em Argel, da doutora Suzana Martins. Ela finaliza também sua tese de doutorado e publicará uma obra sobre a oposição política portuguesa na década de 1960 em Argel.

FMC - do aCerVo inteiro, o que é para VoCê o beM Mais preCioso?

natércia cOimBra – Manuscritos do estrategista Otelo Saraiva de Carvalho, porque foi o plano de operações que permitiu a derrubada do regime. Outro manuscrito importante é o livro de apontamentos da revolução. À medida que os alvos iam sendo conquistados, eram anotados pelos militares que estavam na sede clandestina do movimento, no quartel da Pontinha. Esse livro tem muito valor por ter ficado perdido durante dez anos. Um dia, apareceu-nos um dos militares que atuaram no 25 de abril com os livros nas mãos. Estavam todos manchados, alguns roídos de ratos, mas os recuperamos, digitalizamos, editamos em livro e o conteúdo está disponível na internet. Esses são os principais do ponto de vista do valor exterior.

Agora, o que é muito importante para o estudo da formação política das elites portuguesas é a correspondência privada, entre políticos. Por exemplo, as cartas de Fernando Piteira Santos, que foi jornalista, historiador, militante comunista e exilado político. A correspondência dele com outros intelectuais é fundamental para percebermos como se procedia em Portugal nas décadas de 1930, 1940, 1950 e 1960.

Também temos fotografias que ninguém mais tem. São coleções que estavam nas casas das pessoas e teriam sido perdidas porque as fotos descoram ao longo dos anos. Foi possível recuperar uma coleção de 1.200 murais, hoje disponíveis na internet. Muita gente esquece como Portugal viveu os dois primeiros anos após a revolução. As pessoas estavam nas ruas, queriam participar, viver

depois de muito tempo de ditadura, de ficar cada um em seu casulo. O que é importante nesse período é a explosão de ideias. As pessoas sabiam o que queriam e criaram movimentos, associações de moradores, creches, clínicas para o povo, habitações populares. São hoje grandes nomes, todos muito bem pagos, os arquitetos que fizeram a primeira construção social com qualidade em Portugal, num projeto muito conhecido e que foi logo desmantelado por acreditar-se que era demasiado luxo para os pobres. Nós temos muitos documentos sobre essas assembléias populares, são coisas únicas.

FMC – preserVar a MeMória é tareFa que deManda reCursos, eM geral esCassos. aléM disso, a teCnologia de arMazenaMento de inForMações Muda ao longo do teMpo. CoMo o Centro enFrenta essas questões?

natércia cOimBra - Nós lidamos sempre com

otimismo, porque falta de meios e recursos

humanos há sempre. O mais importante é

tentar localizar o documento e, localizando,

é bom ter condições de conservar, porque se

não fizermos mais nada, já fizemos muito. A

prioridade é encontrar o que anda perdido,

ir atrás de uns e outros, contatar pessoas e

dizer o que é que nos falta ainda. Agora nos

chegam muitas coisas repetidas e sempre

que isso acontece, as encaminhamos para

arquivos nacionais. A primeira questão é

mesmo localizar, procurar incessantemente,

pôr anúncios de vez em quando pedindo

doações, aproveitar todas as nossas

iniciativas para fazer apelo à doação: traga as

suas coisas, nós vamos buscar se não as quiser

trazer, tudo tem valor, não jogue nada fora

sem nos perguntar, porque uma das coisas

que as pessoas mais fazem é jogar fora, não

têm noção do valor do documento.

Como as pessoas consumiram cultura naquela

época, quais espetáculos viam, quais filmes.

Sabemos que correram todos ao cinema

para ver o que antes era proibido. Seria tão

importante ver os ingressos de cinema, por

exemplo. Sempre dizemos para mandar tudo

o que tiver, que é para saber o que foi feito

depois de 25 de abril. Procuramos avançar no

caminho também da divulgação, por meio

da construção de instrumentos de pesquisa,

colocando guias na internet e catalogando.

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S46

Page 49: Acervos de Personalidades

NATÉRCiA COimBRA

Maria Natércia Coimbra é licenciada em Direito e pós-graduada em Ciências Documentais pela Universidade de Coimbra,

Portugal. Em 1985 foi convidada pelo sociólogo e professor da Faculdade de Economia de Coimbra, doutor Boaventura

de Sousa Santos, para coordenar a instalação e dirigir os serviços técnicos do recém-criado Centro de Documentação 25

de Abril, organismo ligado à reitoria da Universidade de Coimbra, do qual é diretor. Tratava-se de um projeto pioneiro

e inovador de localização, preservação, tratamento técnico e disponibilização ao público de documentos integrados em

espólios privados de políticos cujo papel tenha sido relevante para a história da revolução de 25 de abril de 1974 e da

transição portuguesa para a democracia.

Desde então, Natércia Coimbra tem trabalhado nesse projeto como adjunta do diretor e responsável pela negociação

e orientação técnica da catalogação de cerca de 300 incorporações de coleções e espólios privados de políticos que o

Centro de Documentação 25 de Abril possui em seu acervo documental.

Integrou durante dez anos o conselho técnico da Porbase – Base Nacional Portuguesa de dados Bibliográficos. Assumiu

diversos cargos na Associação Portuguesa de Bibliotecários Arquivistas e Documentalistas – BAD, tendo sido presidente

do Conselho Regional do Centro entre 1992 e 1996. Desde essa data faz parte da subcomissão nacional de Normalização

e Catalogação. Coordena desde 1995 a página oficial do Centro de Documentação 25 de Abril na internet.

FMC - e a digitalização?

natércia cOimBra - Partimos sempre do princípio de que primeiro temos que organizar. Só depois de tudo organizado é que podemos criar as seções e digitalizar.

FMC – que tipo de Mídia VoCês esColheraM para o arMazenaMento das inForMações?

natércia cOimBra - Vamos conservando e mudando. Tivemos muita fita VHS e passamos para o CD digital. Agora estamos migrando para grandes discos rígidos, onde cabem grandes filmes compactados. Mas é muito caro e não temos pessoal qualificado para isso. Assim, além das doações de documentos, procuramos voluntários para fazer esse trabalho. Temos um especialista na conversão de arquivos digitais, que nos faz esses trabalhos de cópia e passagem para DVD. Apesar do orçamento pequeno, com o trabalho voluntário conseguimos fazer muita coisa. Nós envolvemos a comunidade no nosso trabalho. Procuramos fazer com que as pessoas trabalhem conosco, gostem tanto do Centro quanto nós e o considerem delas.

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 47

Page 50: Acervos de Personalidades

a coc na rota dos cientistasconstruído em grande Parte com arquivos Pessoais, o acervo da casa de oswaldo cruz adota a organização Por funções exercidas Pelas Personalidades

Contar a história da saúde pública

no país e preservar sua memória

passa pelos arquivos pessoais

de personagens eminentes da

área, mesmo que os teóricos da

arquivística clássica torçam o nariz

para esse tipo de documento. A

organização desses acervos, por

sua vez, tende a ser mais eficiente

se a classificação dos arquivos

for feita por conjuntos de funções

exercidas pela personalidade em

questão. Essa é a posição de Paulo

Elian dos Santos, vice-diretor de

informação e patrimônio cultural

da Casa de Oswaldo Cruz (COC),

exposta no Seminário Acervos de

Personalidades, realizado pela

Fundação Mario Covas.

Foto autografada de Oswaldo Cruz

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S48

Page 51: Acervos de Personalidades

A Casa de Oswaldo Cruz (COC) é um centro de

pesquisa, documentação e informação dedicado

à memória e à história das ciências biomédicas e

da saúde pública e à educação e divulgação em

ciência e saúde. A COC é responsável pelo arquivo

permanente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),

instituição pública vinculada ao Ministério da

Saúde, da qual faz parte.

O acervo da Casa de Oswaldo Cruz possui,

atualmente, 2 quilômetros de documentos de

texto. No arquivo institucional permanente da

Fiocruz há perto de 1,5 quilômetro de documentos

recolhidos. O restante é composto por cerca de

80 arquivos pessoais de cientistas, médicos,

sanitaristas, dirigentes e técnicos com atuação

no campo das ciências biomédicas e da saúde.

A forma como os arquivos pessoais eram

organizados estava em discussão na COC quando

Paulo Elian dos Santos ingressou na Fiocruz,

em 1996, vindo de uma experiência no Arquivo

Nacional. “O modelo tradicional estava esgotado”,

disse o vice-diretor de informação e patrimônio

cultural em sua apresentação no Seminário

Acervos de Personalidades. “Era possível pensar

aqueles arquivos de outra maneira.”

Na busca de uma abordagem inovadora no

tratamento desses acervos, Santos revisitou a

literatura arquivística sobre a classificação de

documentos e a descrição de arquivos pessoais,

um trabalho que deu origem ao seu projeto de

dissertação de mestrado na Universidade de São

Paulo, em História Social, sobre Organização de

Arquivos Pessoais de Cientistas.

Oposição e contraposição

A literatura arquivística clássica, expôs Santos,

trata as diferenças entre arquivos institucionais e

pessoais, estabelecendo uma oposição: enquanto

O Pavilhão Mourisco, prédio central da Fiocruz, no Rio de Janeiro, começou a ser construído em 1904

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 49

Page 52: Acervos de Personalidades

os primeiros representam conjuntos orgânicos,

homogêneos e resultados de uma atividade

administrativa, os arquivos pessoais são produto

da intenção de perpetuar uma determinada

imagem, portanto fruto de uma seleção arbitrária.

São apresentados como agrupamentos artificiais

e antinaturais, desprovidos de objetividade e,

portanto, do sentido próprio dos arquivos. Em

contraposição a essa idéia, Santos encontraria

um bom material brasileiro.

Um texto da professora Ana Maria de Almeida

Camargo, da USP, por exemplo, publicado em 1988,

discutia arranjo e descrição de arquivos pessoais,

com base na experiência obtida com o arquivo

do integralista Plínio Salgado. “Ali começou a

reflexão para trazer os arquivos pessoais para a

arquivística. Ou seja, o documento pessoal não

é não-arquivo, é arquivo também”, afirmou o

vice-diretor da Casa de Oswaldo Cruz.

Três aspectos a observar

Na avaliação de Ana Maria, os arquivos pessoais

oferecem uma variedade de peculiaridades que

obrigam o arquivista a rever seus conceitos. Para

ela, são três os pontos a observar. O primeiro,

a recontextualização dos documentos operada

pelo titular do arquivo ou por seus sucessores.

O segundo, a constituição do universo coberto

pelo arquivo, que envolve, além das ações que

o vinculam às instituições sociais, outras cujas

regras são menos visíveis, como as relações de

amizade, opções intelectuais, obsessões etc.

O terceiro aspecto ressaltado pela professora

Ana Maria de Almeida Camargo é a inexistência

de parâmetros normativos que transformem o

trabalho de classificação e descrição num esforço

em que o levantamento das funções e áreas

de ação, como categorias classificatórias dos

documentos, é também a construção de uma

biografia. “Na base da reflexão da Ana Maria está

a idéia de construir uma biografia, como meio de

pensar como classificar os arquivos pessoais”,

afirmou o vice-diretor da COC.

Outro trabalho considerado importante por Santos

tem como autora Priscila Fraiz, que integrou a

equipe do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas,

instituição que criou uma metodologia de como

organizar arquivos privados. É uma dissertação de

mestrado sobre o arquivo de Gustavo Capanema,

ministro dos mais importantes de Getúlio Vargas,

responsável pela estruturação da área de cultura

durante o Estado Novo. Uma parte do arquivo de

Capanema foi construída para contar a biografia

do ministro, mostrar sua obra.

O indivíduo e sua trajetória

Um dado comum nos arquivos pessoais é

a presença de documentos produzidos por

instituições, na maioria das vezes públicas, nas

quais o titular exerceu funções e atividades ao

longo de sua trajetória profissional. Nos arquivos

de políticos e de cientistas isso é muito comum.

Segundo Santos, a professora Ana Maria sugere

tratar, sob o ponto de vista da arquivística,

dos contextos e das relações, os materiais não

arquivísticos, bibliográficos e museológicos,

embora fisicamente tenham um tratamento

específico na biblioteca, reserva técnica ou área

de museologia. “Eles devem ser pensados na

concepção única do acervo e contextualizados

como documentos”, afirmou Santos.

Pensar a organização desses arquivos é pensar a

trajetória do indivíduo da forma mais completa.

Aí valem os contratos, viagens, momentos mais

significativos, eventos que devem ser organizados

de forma cronológica, com o detalhamento que

merecem. “Muitas vezes, nas biografias, algumas

coisas estão encobertas. Olhando o arquivo

pessoal, descobrimos os fatos e eventos da vida

da instituição e do personagem.”

O interesse do vice-diretor da COC sobre o tema

levou-o a mergulhar na literatura da Sociologia

da Ciência, especialmente no livro A Vida de

Laboratório, do filósofo, antropólogo e sociólogo

francês Bruno Latour. Escrito no final dos

anos 1970, o livro é um trabalho antropológico

realizado dentro de um laboratório de pesquisa

em neuroendocrinologia, nos Estados Unidos.

A obra descreve a vida cotidiana de um

laboratório de pesquisa, a cultura dos cientistas

e da instituição a que pertencem. Para Santos,

que trabalha numa instituição que possui mais

de 500 laboratórios, a abordagem de Latour

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S50

Page 53: Acervos de Personalidades

caiu como uma luva. “Os arquivos de cientistas

que nós temos, institucionais e pessoais, trazem

essa realidade. Fichas, cadernos de laboratório,

diários de pesquisa de campo, algumas coisas

absolutamente incompreensíveis. Conhecer bem

esse material significava conhecer o que faz um

cientista no laboratório e fora dele”, disse em sua

palestra. Entre as atividades extra-laboratório,

o cientista pode fazer política, buscar recursos,

estabelecer cooperações no país ou no exterior,

ocupar cargos em organismos internacionais, daí

a necessidade de conhecer esse mapa.

Foi também fonte de inspiração para Santos

o trabalho da pesquisadora Helen Samuels no

MIT (Massachusetts Institute of Technology)

sobre organização e avaliação de documentos

de instituições científicas. Ela parte da idéia de

que os cientistas, em geral, desempenham um

conjunto de funções, que seriam uma primeira

aproximação de classificação dos arquivos

pessoais. “Tenho sempre a dimensão da vida

pessoal, da formação e da administração da

carreira. Não entra no acervo apenas aquilo que diz

respeito à formação e à titulação como cientista,

mas tudo o que se refere à administração da

carreira. A carreira é fundamental, é a essência

do trabalho do cientista”, disse Santos.

Pesquisa administrada

Uma outra função, que o diretor da COC chama

de administração da pesquisa, envolve a

questão dos recursos necessários para o cientista

desenvolver a pesquisa, toda a produção de

laboratório e a comunicação do conhecimento,

artigos, participação em congressos, tudo o que

se pode chamar de comunicação da ciência.

Conta também a docência, sobretudo para

aqueles que estão na universidade ou em

institutos que têm programas de pós-graduação.

Aqui entram desde as atividades de orientação

de teses e participação em bancas de seminários

à gestão de instituições e políticas científicas.

Fazem parte do pacote os circuitos em que

esses cientistas atuam, o conjunto de redes

de relacionamento que eles estabelecem em

comitês, grupos de trabalho, missões oficiais,

conselhos editoriais científicos, redes informais,

prestação de serviços, consultorias das mais

diversas, sociedades e associações científicas.

“Tal conjunto de funções serve de base para

pensar como organizar os arquivos, e, a partir

delas, chegamos aos documentos e às séries

documentais”, afirmou Santos.

A nova proposta de organizar os arquivos teve uma

primeira aplicação no arquivo de Frederico Simões

Barbosa, um sanitarista da Fiocruz, que trabalhou

em várias instituições, universidades e outros

centros de pesquisa. “Temos discutido algumas

adaptações na organização dos arquivos. No caso

da investigação científica, trabalhamos com tudo

o que diz respeito às grandes áreas de pesquisa

em que o cientista esteve. Na gestão da pesquisa,

reunimos tudo o que diz respeito à gestão dos

projetos, desde a solicitação de recursos, bolsas,

aprovação, relatórios de aprovação até a infra-

estrutura necessária.” Gestão de instituições,

relações entre funcionários e intergrupos com os

subgrupos de filiação profissional, consultoria e

aconselhamento também estão contemplados.

Atualmente, a COC trabalha em dois arquivos: o

Carlos Chagas em seu laboratório na Fiocruz

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 51

Page 54: Acervos de Personalidades

O Pavilhão da Peste ou Prédio do Relógio abriga a Casa de Oswaldo Cruz e seu acervo

do cientista Carlos Chagas, um dos nomes mais

importantes das ciências biomédicas no Brasil,

da própria Fiocruz, e o do Carlos Chagas Filho, que

também se tornou um cientista.

Entre os documentos pessoais que compõem o

acervo da COC, Santos destacou as cartas escritas

por Oswaldo Cruz a seus pares, como o pesquisador

Rocha Lima, e sua esposa, Emília. “No arquivo de

Oswaldo Cruz, a correspondência é expressiva e

muito significativa”, disse Santos. “Não existe

limite entre o que é correspondência pessoal

e o que não é. Como ele passou muito tempo

em expedições no Norte do Brasil, combatendo

doenças, em boa parte das cartas escritas para

a esposa ele trata de assuntos profissionais.

São dúvidas, questionamentos, o tempo todo

presentes nessa correspondência intensa.”

Do arquivo de Carlos Chagas, um dos destaques é

o diário de campo, escrito pelo pesquisador numa

das expedições que fez à Amazônia, no começo

da década de 1910. A viagem resultou em extensa

documentação fotográfica, relatórios e diários.

2 Km

de documentos de texto compõem

o acervo da Casa de Oswaldo Cruz

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S52

Page 55: Acervos de Personalidades

dos Prédios aos documentosA Casa de Oswaldo Cruz foi criada em 1986, na esteira do trabalho do grupo de preservação do patrimônio arquitetônico da Fiocruz. Boa parte do campus da fundação é tombada, por conta dos prédios construídos no começo do século 20, sob a direção de Oswaldo Cruz, e pela arquitetura modernista de alguns pavilhões erguidos nos anos 1950. O grupo responsável pela preservação do patrimônio arquitetônico agregou-se ao projeto da COC e, depois, criou a área de Educação e Divulgação em Ciências, da qual faz parte o projeto Museu da Vida.

Em 1994, a COC criou a revista História, Ciência

e Saúde em Manguinhos, disponível no SciELO

(Scientific Electronic Library Online, www.scielo.

org), bilioteca online de trabalhos científicos

de vários países. A revista abriu possibilidades

de trabalho para pesquisadores da história da

saúde, da ciência e da medicina no Brasil, tanto

do Brasil quanto da América Latina, Europa e

Estados Unidos. Começou com periodicidade

quadrimestral, atualmente é trimestral e possui

uma demanda que supera a publicação, segundo

Paulo Elian dos Santos, vice-diretor.

Aos poucos, a Casa de Oswaldo Cruz foi formando,

nos seus quadros, doutores em História, Sociologia

e Ciência Política. Quase que naturalmente, em

2001, a instituição criou um programa de pós-

graduação em História das Ciências e da Saúde,

com a perspectiva de formar pesquisadores nessa

área. A COC, assim, em pouco tempo titulou cerca

de vinte pesquisadores, que, ao longo de dez

anos, tornaram-se doutores.

A direção da COC é apoiada por três vice-diretorias.

A que cuida de informação e patrimônio cultural,

comandada por Santos, responde por todas

as macropolíticas nas áreas de informação e

documentação, tudo o que diz respeito aos

acervos e aos produtos e serviços realizados pela

instituição, sobretudo na internet.

Três serviços estão ligados a essa vice-diretoria:

gestão da informação, biblioteca e tecnologia

da informação. Há ainda dois departamentos, o

de arquivo e documentação e o Museu da Vida,

com áreas responsáveis pela guarda, tratamento

e acesso a esses acervos. O departamento de

arquivo oferece dois serviços, um de arquivo

histórico e outro de gestão de documentos.

Arquivo permanente

Responsável pelo arquivo permanente da Fiocruz,

à COC cabe a guarda e o tratamento do sistema

de arquivos das 14 unidades da instituição.

Além do centro de pesquisa do Rio de Janeiro,

a fundação conta com cinco outros distribuídos

em Manaus, Curitiba, Recife, Salvador e Belo

Horizonte. O serviço de arquivo histórico cuida

da sala de consulta, dos arquivos pessoais e de

uma área de preservação de documentos. Seu

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 53

Page 56: Acervos de Personalidades

laboratório realiza procedimentos preventivos

de conservação e pequenas restaurações.

“Temos a higienização como tarefa permanente

e constante para a manutenção desses acervos”,

disse Paulo Elian dos Santos. É o caso do Museu da

Vida, que conta com um serviço de museologia,

responsável pelo armazenamento dos objetos,

dos instrumentos e equipamentos médicos e

científicos mais diversos.

No âmbito do departamento de arquivo e

documentação, há o serviço de arquivo histórico,

com a atribuição de reunir, organizar, referenciar

e dar acesso ao acervo arquivístico permanente

da Fiocruz e aos arquivos institucionais e pessoais

sob sua guarda e responsabilidade.

Além de tratar e se responsabilizar pelo acervo

permanente da Fiocruz, esse arquivo histórico

recebe doações de arquivos pessoais, inclusive

de outras instituições, que não têm condições

de abrigar e guardar esses acervos de antigos

diretores sobre dermatologia, pediatria, as mais

diversas áreas da medicina. Nesses casos, a COC faz

convênios de cooperação, para que a instituição

crie as condições de tratar, organizar, preservar

e dar acesso ao acervo. “Em casos excepcionais,

se houver o interesse da instituição, a COC pode

receber o acervo mediante um contrato que

estabeleça cláusulas que garantam a guarda e

a disponibilização. Mas, fundamentalmente,

trabalhamos com arquivos pessoais”, diz Santos.

A COC recebe arquivos de cientistas, médicos,

sanitaristas, dirigentes e técnicos com atuação

no campo das ciências biomédicas e da saúde.

Parte do acervo da COC está tratada, disponível

para pesquisa e é bastante demandada.

“Tentamos lidar com isso da melhor maneira,

porque nós não temos uma área que tenha

sido pensada para abrigar um arquivo”, disse

Santos. A COC funciona num prédio ainda com

muita improvisação, embora tenha havido

investimentos em sistemas de climatização

e arquivos deslizantes. O laboratório de

conservação, por exemplo, é ainda uma solução

de adaptação. “Estamos pensando num projeto

de um prédio construído especificamente para

abrigar o arquivo”, disse Santos.

108 anos de saúde A peste bubônica era um caso tão sério no Brasil,

em 1899, que Cesário Alvim, então prefeito da

cidade do Rio de Janeiro, encarregou o barão

de Pedro Affonso de providenciar os soros para

combatê-la. Mas onde produzi-los rapidamente?

O barão escolheu a Fazenda Manguinhos, às

margens da baía de Guanabara. A área abrigara

o incinerador de lixo da cidade, e os dois prédios

em que moravam os operários dos fornos podiam

ser usados como laboratórios improvisados.

Assim, em 25 de maio de 1900, foi inaugurado ali

o Instituto Soroterápico Federal, que deu origem

à Fundação Oswaldo Cruz.

Oswaldo Cruz era diretor técnico do instituto e,

dois anos depois, assumiu a direção-geral com

grandes planos: produzir remédios e vacinas,

realizar pesquisa científica e atividades ligadas

à saúde pública, seguindo o modelo do Instituto

Pasteur. Em 1903, Rodrigues Alves, então

presidente da República, nomeou o cientista

como diretor-geral de saúde pública do país, com

a missão de combater a febre amarela, a peste

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S54

Page 57: Acervos de Personalidades

bubônica e a varíola. Daí em diante, o instituto e

a importância de Oswaldo Cruz só fizeram crescer.

Em 1970, o Instituto Soroterápico Federal e

outros institutos de pesquisa e órgãos da área

de saúde passaram a fazer parte da recém-

criada Fundação Instituto Oswaldo Cruz. Uma

das entidades reagrupadas na época é a Escola

Nacional de Saúde Pública. Fundada em 1954,

a Escola desempenhava um papel importante

na formação de profissionais de saúde pública

no Brasil. Nesse mesmo ano, a ditadura militar

que governava o país recrudesceu. Dez cientistas

ligados à fundação tiveram seus direitos políticos

cassados, foram aposentados compulsoriamente

e impedidos de trabalhar em qualquer instituto

que tivesse ajuda do governo federal.

Memória preservada

Nos anos 1980, sob a gestão do médico sanitarista

paulista Sérgio Arouca, a idéia de preservação da

memória e da história ganha espaço, na esteira

da redemocratização do país. Arouca e um grupo

de sanitaristas da Fiocruz defendiam a criação

de uma área que unisse as ciências sociais e

biológicas, dando uma nova perspectiva à saúde.

A idéia da convivência de biólogos e médicos

sanitaristas com sociólogos, historiadores,

antropólogos, bibliotecários e arquivistas causou

estranhamento, mas o projeto foi em frente.

Em 1986, foi criada a Casa de Oswaldo Cruz,

unidade dedicada à preservação da memória da

instituição e às atividades de pesquisa, ensino,

documentação e divulgação da história da saúde

pública e das ciências biomédicas no Brasil.

Atualmente, a Fiocruz é uma das maiores

instituições não-universitárias do país formadoras

de pesquisadores das áreas de saúde, ciência,

tecnologia e educação. Oferece 15 cursos de pós-

graduação, mestrado e doutorado e possui uma

escola politécnica que forma profissionais para

atuar no Sistema Único de Saúde (SUS).

Desenvolve atividades de pesquisa e

desenvolvimento tecnológico, prestação de

serviços hospitalares, ambulatoriais de referência

em saúde, fabricação de vacinas, medicamentos,

kits de diagnóstico e reagentes, informação e

comunicação em saúde, ciência e tecnologia e

controle de qualidade de produtos e serviços.

Emprega cerca de 7.500 servidores e outros

profissionais em 14 unidades, entre institutos de

pesquisa, escolas, hospitais e fábricas.

Oswaldo Cruz usa

o microscópio em

seu laboratório na

Fiocruz, observado

pelos assistentes

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 55

Page 58: Acervos de Personalidades

Paulo elian dos santos, vice-diretor da casa de oswaldo cruz, fala dos Produtos e serviços que a instituição oferece via web

facilidades Para o Pesquisador

FMC - eM sua palestra, o senhor ChaMou a atenção para a organização dos aCerVos de Cientistas por Funções exerCidas. esse tipo de organização pode ser apliCado a aCerVos de polítiCos? quais seriaM os beneFíCios dessa abordageM?

PaULO ELian – Pode ser aplicado sim a personalidades políticas, uma vez que elas exercem cargos diversos ao longo da vida pública. São várias as vantagens dessa abordagem, que eu resumiria em apenas

uma: a garantia de respeito ao contexto de produção dos documentos que estão relacionados às atividades e funções desempenhadas pelo titular.

FMC - por qual razão a Construção de biograFias seria FaCilitada pela organização do aCerVo por Funções?

PaULO ELian - A organização dos arquivos pessoais não pode prescindir de um exaustivo levantamento biográfico com os eventos que ocorreram na trajetória pessoal e profissional

Saúde pública, vacinas, psicologia. O pesquisador que quiser ir fundo em algum

desses grandes temas e em outros ligados à medicina e à pesquisa científica vai

encontrar farto material de consulta na Casa de Oswaldo Cruz. Para facilitar a vida do

pesquisador, a COC oferece uma série de recursos via internet, como o Guia do Acervo,

fontes de informação bibliográfica e bibliotecas virtuais. Nesta entrevista, Paulo Elian

dos Santos, vice-diretor da COC, fala um pouco desses recursos, entre outros assuntos.

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Page 59: Acervos de Personalidades

PAUlO EliAN DOS SANTOS Bacharel e licenciado em História pela Universidade do

Rio de Janeiro (PUC/RJ), Paulo Elian dos Santos é mestre

e doutorando em História Social pela Universidade de

São Paulo (USP). Como tecnologista sênior da Casa de

Oswaldo Cruz, da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz,

coordena o sistema de gestão de documentos e

arquivos. É membro do Conselho Nacional de Arquivos

(CONARQ), integra o conselho editorial da revista

Arquivo&Administração da Associação dos Arquivistas

Brasileiros (AAB). Acumula experiência em Arquivologia,

com ênfase em organização de arquivos, atuando

principalmente nas seguintes áreas: classificação

e descrição em arquivos permanentes, sistemas de

arquivos, arquivos pessoais e gestão de arquivos de

instituições de ciência, tecnologia e saúde.

do titular. Esse levantamento fornece aos responsáveis pela organização do arquivo elementos para conhecer as grandes áreas de ação/atuação do titular. Posteriormente, por meio dos instrumentos de pesquisa elaborados, os pesquisadores terão acesso ao resultado desse trabalho, que deve procurar respeitar o contexto de produção do material documental encontrado no arquivo.

FMC - todos os arquiVos pessoais sob a guarda da CoC estão disponíVeis para a pesquisa? há alguMa restrição?

PaULO ELian - Nem todos os arquivos estão organizados. As possíveis restrições que existam estarão sempre relacionadas aos limites da legislação arquivística quanto à proteção da intimidade e da vida privada e aos casos em que determinado documento ou conjunto de documentos necessite de cuidados especiais quanto à conservação.

FMC - CoMo a CoC estiMula a deManda por pesquisas?

PaULO ELian - De diversas formas, sobretudo por meio de serviços e produtos que disponibilizamos na internet. Entre eles temos o Guia do Acervo da Casa de Oswaldo Cruz, inventários, catálogos de depoimentos orais, repertórios de fontes e bases de dados. As fontes de informação bibliográfica encontram-se acessíveis nas bases de dados COC e HISA (Base Bibliográfica em História da Saúde Pública na América Latina e Caribe).

Um programa de bibliotecas virtuais vem se desenvolvendo, tendo como primeiros produtos a Biblioteca Virtual Carlos Chagas, a Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz, a Biblioteca Virtual Vital Brazil e a Biblioteca Virtual de Museus e Centros de Ciências. Essa linha de atuação se consolida com a elaboração do Dicionário Histórico e Biográfico da Saúde Pública e das Ciências Biomédicas, em sua versão online, e da Biblioteca Virtual em História da Saúde e da Medicina.

Outro produto na internet é o site História dos Saberes PSI e Cultura Brasileira, que disponibiliza artigos, resumos de teses e dissertações, resenhas de livros e outros links, além de funcionar por meio de listas de discussão. Realizamos exposições, como A Revolta da Vacina, sobre a revolta popular ocorrida no Rio de Janeiro em 1904, devido a uma lei federal que obrigava a a população a vacinar-se contra a varíola, e diversas

publicações, entre elas a revista História, Ciências, Saúde - Manguinhos.

FMC - CoMo a Fundação Mario CoVas poderia aproVeitar a experiênCia da Casa de oswaldo Cruz?

PaULO ELian - Por meio da troca de experiências. O instrumento mais adequado para viabilizar possíveis parcerias é o convênio de cooperação técnica.

FMC - quais são as preCiosidades do aCerVo da CoC?

PaULO ELian - É difícil falar de preciosidades. Seria uma arbitrariedade da minha parte.Mas eu poderia destacar o conjunto da correspondência do arquivo Oswaldo Cruz, os livros de registro dos primeiros grupos de funcionários do Instituto Oswaldo Cruz no início do século XX, e alguns conjuntos de fotografias que encontramos, por exemplo, no arquivo pessoal Belisário Penna (médico sanitarista brasileiro participante da Revolução de 1930), e nos arquivos do próprio Instituto, da Fundação Rockefeller, e da Fundação Serviços Especiais de Saúde Pública.

FMC - há ainda alguM doCuMento iMportante Faltando ao aCerVo?

PaULO ELian - Ainda nos falta, no acervo, os conjuntos de documentos que ainda não recolhemos dos institutos da Fiocruz.

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Page 60: Acervos de Personalidades

o centro de memória da unicamP Preserva documentos que recontam a história da região desde a escravatura

cmu, o guardiãoda memória de camPinas

Preencher a lacuna deixada pelo poder público, que pouco valor dava aos

arquivos permanentes. Esse foi o mote para a criação do Centro de Memória

Unicamp (CMU), que preserva a memória não só da universidade, mas de toda

a região de Campinas, no interior paulista. “Nada mais correto do que salvar

da destruição esse patrimônio, e nada melhor para historiadores, demógrafos,

sociólogos e demais pesquisadores do que ter à disposição um acervo de fontes

originais de pesquisa no próprio ambiente universitário”, defendeu Fernando

Abrahão, diretor da área de arquivos históricos do CMU, durante sua palestra

no Seminário Acervos de Personalidades, da Fundação Mario Covas.

Fernando Abrahão, diretor da área de arquivos históricos do Centro de Memória Unicamp (CMU)

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Page 61: Acervos de Personalidades

O CMU nasceu da vontade de um grupo de

professores do Instituto de Filosofia e Ciências

Humanas da Unicamp, liderado por José Roberto

do Amaral Lapa. Desde o final dos anos 1970,

esse grupo acalentava a idéia de levar para

dentro da universidade uma significativa parte

do patrimônio documental preexistente na

região de Campinas. Vários fatores justificavam

essa proposta. A cidade e as áreas vizinhas

assistiram a uma das mais altas concentrações

do trabalho escravo no país e acompanharam

o fluxo expressivo de imigrantes desde meados

do século XIX. Depois, engajaram-se nos setores

de ponta da economia desde o ciclo da cana-

de-açúcar até o café, definindo sua estrutura

fundiária e projetando suas forças políticas, que

contribuíram decisivamente para a mudança

de regime de governo do país em 1889. Para

completar, essa tradição acabou formando uma

cultura, que avançou até a fase industrial que

marca a atualidade.

“As agendas das reuniões daquele grupo de

professores estão repletas de críticas quanto ao

estado de conservação da documentação e de

severas preocupações com o sucesso das futuras

pesquisas”, disse Abrahão. Para fazer frente a

esse problema, o professor Amaral Lapa propôs

um convênio entre a universidade e a Prefeitura,

para que a Unicamp assumisse os arquivos

permanentes do poder Legislativo e do poder

Executivo campineiro.

A proposta de Lapa não encontrou reciprocidade

na administração pública, por ser uma antítese

do princípio arquivístico, que preconiza a

guarda no próprio local de produção. Travou-

se uma batalha entre o professor Amaral Lapa

e os especialistas em arquivologia, que, em

apoio aos profissionais de Campinas, foram à

Unicamp para brecar o convênio. Os arquivistas

convenceram a administração pública a não fazer

a doação, embora a Prefeitura não tivesse todas

as condições para manter o arquivo histórico.

Lapa não desistiu de preservar o patrimônio

documental da cidade. Negociou com o

Tribunal de Justiça de São Paulo e trouxe para a

universidade, sob custódia, o arquivo do Tribunal

de Justiça de Campinas, composto de 50 mil

processos, datados de 1793 até 1940. E foi esse

arquivo que deu início ao Centro de Memória

Unicamp, em julho de 1985. “Os processos cíveis e

criminais são uma fonte riquíssima para qualquer

historiador. Rendem teses de mestrado e

doutorado na universidade até hoje, reafirmando

que um arquivo de porte é uma fonte inesgotável

de produção do conhecimento”, disse Abrahão.

Impostos e feridos de guerra

Na pequena e empoeirada sala do centenário

prédio da Cúria Metropolitana de Campinas

estava guardada, num canto, a documentação

da Coletoria de Rendas, de 1831 a 1890. “Entre os

registros de coleta de impostos, há o que incidia

sobre o comércio de escravos. Também havia

imposto sobre o abate de rezes para a venda

de carne, o tráfego de carroças e seges, aquela

carroça mais chique, a produção e o comércio

de aguardente”, disse Abrahão. Em seguida, foi

incorporado o arquivo do Corpo de Bombeiros

municipal, quando foi extinto.

Outros arquivos foram chegando, como o do

Tribunal de Justiça. “Nós estendemos o convênio

com o Tribunal de Justiça de São Paulo e trouxemos

os documentos de Jundiaí, porque Campinas

fez parte da Comarca de Jundiaí durante um

bom período. Esses documentos estavam num

cartório. Se o cartório precisar deles, vamos

devolver em melhor estado do que recebemos”,

afirmou o diretor do CMU.

Além dos documentos públicos, interessavam

ao CMU os acervos pessoais e os de instituições

de caráter público, mas mantidas pela iniciativa

privada. Por exemplo, o arquivo da Santa

Casa de Misericórdia de Campinas, que possui

documentos desde 1876. “Entre os registros da

Santa Casa estão os das pessoas que se feriram

em batalha na época da Revolução de 1932 e

deram entrada no hospital. A febre amarela, em

1889, em Campinas, está toda documentada. Tem

relatório dos provedores, prestações de contas,

registros do cotidiano médico-hospitalar, é bem

interessante. Só os prontuários médicos ficaram

na própria Santa Casa”, relatou Abrahão.

O acervo do CMU conta também com alguns

documentos de fazendas produtoras de café, de

antigas indústrias e de associações de classe, como

a dos ferroviários, muito fortes em Campinas. A

estrada de ferro Mogiana, que passava pelo Sul

de Minas e ia até Brasília, saía de lá.

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Page 62: Acervos de Personalidades

Cartas e receitas culinárias

Arquivos pessoais não apareciam com freqüência

no Centro de Memória Unicamp, por conta da

desconfiança das pessoas sobre a qualidade

do trabalho, segundo Fernando Abrahão. “Não

vencemos a insegurança da sociedade sem

mostrar o nosso trabalho. Quando você mostra o

que faz, a sociedade reconhece.” Com o tempo, a

resistência foi sendo vencida.

Na fase inicial, dois importantes arquivos

pessoais chegaram ao CMU. Um é o de Nelson

Backer Omegna, ministro do Trabalho nos quase

três meses do governo Nereu Ramos (de 11 de

novembro de 1955 a 31 de janeiro de 1956), que

antecedeu ao de Juscelino Kubitscheck. Nelson

Backer Omegna foi jornalista e professor, antes

de exercer diferentes funções públicas, como

vereador e deputado federal. O outro conjunto

relevante é o de Francisco Glicério de Cerqueira

Leite, um republicano abolicionista (leia texto

na página ao lado). “Não é o arquivo completo

do Glicério, mas são documentos de riqueza

inestimável”, afirmou Abrahão.

Com a confiança que o CMU foi ganhando, outros

arquivos pessoais e familiares agregaram-se ao

acervo: os documentos da família Faber, dona de

uma indústria de fundição de 1880; de Antonio

Ferreira Cezarino Junior, advogado do trabalho;

de Teodoro de Souza Campos Junior, membro de

uma família tradicional da cidade. “Do acervo

das famílias Quirino dos Santos e Simões, nós

resgatamos cadernos de receita antigos, lá

de 1860, e fizemos um livro”, disse Abrahão à

audiência do seminário.

Presente e futuro

Ao assumir o papel de um dos principais

guardiões da memória de Campinas, o Centro

de Memória Unicamp procurou modernizar suas

dependências e aumentá-las. Para isso, obteve

o apoio da própria Unicamp e da Fundação de

Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo -

Fapesp, em 1998 e 2000.

No final dos anos 1990, o CMU contava com a mais

completa biblioteca especializada em história

regional, uma área para guarda e tratamento

dos documentos fotográficos, um laboratório de

história oral e um laboratório de restauração de

documentos, fundamental para a preservação

de papéis com mais de 200 anos, como os que

estão lá. Há uma sala de pesquisa, áreas de

processamento técnico e conservação, e a sala

de acervo, ocupando 80 metros quadrados com

estantes deslizantes.

O acervo está todo descrito num banco de dados

informatizado. A digitalização está em discussão.

“Se eu for digitalizar os 50 mil processos do

Tribunal, cada um com duzentas páginas,

são milhões e milhões. Tenho de escalonar

prioridades, e isso é complicado”, disse Abrahão.

A existência do Centro de Memória Unicamp,

para seu diretor, revela que a universidade

é capaz de atender à demanda da sociedade

por uma nova cultura de preservação de seu

patrimônio documental e de acesso a ele. Mas há

desafios a vencer. “Não podemos captar todos os

documentos. Por isso, estabelecer uma política

de captação é fundamental, por contraditório

que pareça. O nosso espaço físico é limitado e não

é mais possível ampliá-lo. Então, promovemos

cursos, treinamentos e elaboração e execução

de projetos de preservação de acervos junto às

empresas públicas e privadas”, afirmou.

Técnico do CMU trata documento datado de 1900

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Page 63: Acervos de Personalidades

francisco glicério contra o rei

O arquivo pessoal de Francisco Glicério de

Cerqueira Leite sob a guarda do Centro de

Memória Unicamp é pequeno e rico. São

pouco menos de mil manuscritos, entre

cartas, ofícios, telegramas e bilhetes

recebidos de vários correligionários

republicanos, entre eles nada menos

que Rui Barbosa, Prudente de Morais,

Campos Salles, Quintino Bocaiúva, Júlio de

Mesquita e Herculano de Freitas.

As cartas de Glicério trazem detalhes

importantes acerca das batalhas políticas

travadas entre os defensores do regime

imperial e os republicanos, e entre os

escravagistas e os defensores da abolição,

a partir do terceiro quarto do século XIX.

Glicério participou, em 1868, da fundação

do partido republicano em Campinas.

Pouco depois, com Quirino dos Santos e

Campos Salles, fundou o jornal A Gazeta

de Campinas. Assinou o manifesto

republicano de 1870 e, em 1873, participou

da Convenção de Itu.

Francisco Glicério foi para São Paulo

estudar Direito na faculdade do Largo São

Francisco, mas, no meio do curso, o pai

morreu, e ele teve de voltar a Campinas

para cuidar da mãe e dos nove irmãos.

Volta, não consegue concluir o curso, mas

trabalha como auxiliar de advogado.

Como rábula - aquele que advoga sem ter

o diploma -, Glicério é reconhecido e cria

uma clientela enorme, que permite a ele

trabalhar no movimento republicano e

nos processos de liberdade de escravos. “O

Glicério era aquele cara que apaziguava os

ânimos e tinha uma atuação importante.

Ele propôs, no caso da morte de um

imperador, que o povo fosse convocado

para opinar sobre um terceiro reinado ou

a República. É claro que não foi adiante

a idéia dele”, disse Fernando Abrahão,

diretor do Centro de Memória Unicamp.

Em 1888, Glicério foi indicado para uma

vaga no Senado pelo Partido Republicano.

Obteve uma votação superior ao dobro

de seu adversário, mas D. Pedro não o

indicou para o cargo, por motivos óbvios.

A República acabou sendo proclamada, em

1889. Glicério foi então ministro interino

dos Negócios da Justiça, ministro dos

Transportes e da Agricultura (1890-1891),

deputado federal e senador da República

Velha (1902-1916).

Francisco Glicério faleceu em 1916 como

senador e está enterrado em Campinas.

A principal avenida do centro da cidade

tem o nome dele, dado 15 dias depois da

proclamação da República. De suas cartas,

200 foram reunidas pelo CMU num livro.

“Reunimos as mais significativas para a

compreensão do movimento republicano

e do abolicionismo. Incluímos índices

temático e onomástico, para facilitar a

busca”, disse Fernando Abrahão.

Carta de Campos Salles a Francisco Glicério datada de 1882

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Page 64: Acervos de Personalidades

Processo de inventário de 1896, uma das peças da Justiça de Campinas preservada pelo CMU

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Page 65: Acervos de Personalidades

adolfo gordo e as Primeirasleis da rePública

Francisco Glicério escreve a Adolfo Gordo em 1914

Uma nova leva de arquivos públicos pessoais

de políticos chegou recentemente ao Centro de

Memória Unicamp. Um dos mais interessantes é

o do senador Adolfo Afonso da Silva Gordo, um

republicano contemporâneo de Francisco Glicério

Cerqueira Leite. Adolfo Gordo incorporou ao

sobrenome o apelido do pai, um cidadão robusto,

chamado de gordo pelos fregueses do armazém

que mantinha em Piracicaba.

Bacharel em Direito, foi nomeado governador do

Rio Grande do Norte pelo governo provisório da

República, ficando no cargo apenas três meses.

Como deputado federal e senador, legou seu nome

a duas leis que fizeram história. A primeira, de

1907, dispunha sobre a expulsão de estrangeiros.

A segunda, também conhecida como Lei Adolfo

Gordo, de 1923, foi a primeira lei de imprensa

brasileira, que tentava silenciar. Os adversários e

jornalistas a chamavam de lei infame.

No arquivo do senador há material sobre a lei de

expulsão de estrangeiros e o direito das mulheres

ao voto. “Tem um cartão postal comemorativo

com a professora Júlia Barbosa, a primeira mulher

a ser alistada pela Justiça Eleitoral. Adolfo Gordo

participa com ênfase nessa lei”, diz Fernando

Abrahão, diretor do CMU. O senador atuou

também em causas importantes, combatendo

vendas fraudulentas de imóveis da antiga estrada

de ferro Araraquarense. Gordo morreu atropelado

em 1929. “Morrer atropelado em 1929, imagina-

se que tenha sido um atentado, porque, naquela

época, os carros não deviam andar tão rápido.

Ocorre que estavam atravessando a rua cinco

senadores, e só ele faleceu”, conta Abrahão.

O arquivo de Adolfo Gordo está organizado em

três grupos: a vida pessoal, a profissional e a

política. No primeiro, estão documentos pessoais,

correspondência familiar, recordações de

formatura, guias de viagem, títulos hipotecários.

No segundo, da vida profissional no escritório de

advocacia, estão as publicações sobre legislação

e disposições gerais. No terceiro grupo, estão

os documentos da vida política, como material

das eleições, as nomeações, correspondência,

pedidos de votos que ele mandava, leis e decretos,

eventos, finanças e toda a documentação que ele

gerou para a produção das leis que propunha, as

primeiras da República. “Esse arquivo já foi fonte

de uma tese de doutorado defendida na USP por

Alice Beatriz Lang, descendente de Adolfo Gordo

que passou o arquivo do senador para o Centro

de Memória Unicamp”, afirma Abrahão.

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Page 66: Acervos de Personalidades

grama e izalene, Prefeitos com acervo Preservado

Gaveteiro de peças do Centro de Memória Unicamp

Dois arquivos pessoais de ex-prefeitos de

Campinas ampliaram, recentemente, o acervo do

Centro de Memória Unicamp: o do tucano José

Roberto Magalhães Teixeira, conhecido como

Grama entre os amigos do PSDB, e o da petista

Izalene Tiene, que assumiu o cargo porque

o prefeito eleito, Antonio da Costa Santos,

o Toninho, foi assassinado um dia antes dos

atentados terroristas ocorridos em 11 de setembro

de 2001, nos Estados Unidos.

Grama começou a carreira política militando

nos grêmios estudantis da PUCCamp, onde

estudava Odontologia no final dos anos 1950 e

início dos 1960. Em 1977, elegeu-se vice-prefeito

de Campinas, ocupando também o cargo de

secretário da Cultura. Entre 1978 e 1981, foi

suplente do senador André Franco Montoro,

período em que se tornou amigo do ex-presidente

Fernando Henrique Cardoso. Assumiu a Prefeitura

de Campinas em 1982, no mesmo período em que

Mario Covas foi indicado a prefeito em São Paulo

pelo então governador Franco Montoro.

Em 1990, Grama elegeu-se deputado federal

com o maior número de votos na história de

Campinas. “Na ocasião, idealizou o programa

Bolsa-família, que a gente conhece hoje”, disse

Fernando Abrahão, diretor do CMU. Em 1992, foi

eleito para o segundo mandato como prefeito,

que não chegou a concluir. Como Covas, de quem

era amigo, também morreu vítima de câncer.

Faz parte de seu currículo a coordenação da

campanha presidencial de Fernando Henrique,

em 1994. A parte do arquivo de Grama que

chegou ao CMU é composta pela hemeroteca e

a videoteca de suas campanhas eleitorais e de

suas administrações como prefeito. “Veio tudo

organizadinho, encadernado. O nosso trabalho

foi o de catalogar”, observou Abrahão.

Izalene Tiene assumiu a Prefeitura de Campinas

em meio a grande tristeza no CMU. Toninho,

um dos fundadores do PT, foi também um dos

fundadores do Centro de Memória. Quando

Izalene chegou à Prefeitura, encontrou todos os

documentos dos nove meses da gestão Toninho.

Para começar a administração dela, teve de fazer

a transição. Assim, o arquivo de Izalene está

dividido entre a gestão dela e a do Toninho.

“Pelos documentos da gestão de Izalene Tiene,

ficamos sabendo que as mulheres representavam

64% do funcionalismo público em Campinas, por

exemplo”, diz Abrahão. Esse arquivo ainda está

em fase de organização.

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Page 67: Acervos de Personalidades
Page 68: Acervos de Personalidades

Consuelo Novais em palestra na FMC

o centro de memória da fundação Pedro calmon Preserva cerca de 34 acervos de homens Públicos do estado

a memÓria da bahia

O arquivo privado do governador baiano Otávio Mangabeira foi a peça fundamental

do Centro de Memória da Bahia, da Fundação Pedro Calmon, que guarda, atualmente,

cerca de 34 acervos de homens públicos do Estado. No total, são 135.515 documentos,

computados por páginas, segundo afirmou sua diretora, Consuelo Novais Sampaio,

durante palestra no Seminário Acervos de Personalidades. Parte dos documentos foi

cedida por deputados durante a execução do projeto Dicionário Histórico Biográfico

da Bahia. Do total recolhido, 43.160 estão digitalizados.

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Page 69: Acervos de Personalidades

As atividades do Centro de Memória da Bahia

podem ser resumidas, de acordo com sua diretora,

em duas ações: a preservação e a difusão da

memória histórica do Estado. A preservação

da memória compreende todo o processo de

higienização dos documentos.

“O primeiro processo é o de desinfetação. Os

documentos são colocados num saco plástico, e

o ar é retirado com um aspirador. O saco com o

documento vai ao freezer por 15 dias, para matar

todos os microorganismos. Após esse período, o

freezer é desligado e fica dois dias sem abrir, para

que não haja o choque térmico. Depois disso, o

documento vai para a mesa, onde um técnico,

com a escova, remove os fungos mortos no

congelamento. É uma fase que precede qualquer

tratamento que se queira dar posteriormente aos

documentos”, explicou Consuelo.

No Centro de Memória da Bahia, são os

estagiários que fazem a desinfetação. A

higienização prossegue, numa mesa específica,

com um aspirador que vai sugando todos

os microorganismos. A fase seguinte é de

cadastramento em formulário criado no próprio

Centro de Memória. O cadastramento envolve

a organização dos documentos em ordem

cronológica, a classificação em séries, e a

codificação através de ementas e descritores.

Todos os colaboradores da instituição são

terceirizados. “Um deles é Alvito, bisneto do

Barão de Jeremoabo, que está nos ajudando na

transcrição das cartas do primeiro governador

constitucional da Bahia, José Gonçalves da Silva,

que era muito amigo do Barão de Jeremoabo,

e a letra dele é terrível. Alvito lê e um outro

colaborador transcreve, facilitando a consulta

pelos pesquisadores”, disse a diretora do Centro

de Memória da Bahia à audiência da FMC.

O Centro utiliza três tipos de formulário: um para

documentos textuais, outro para iconografia

e fotos e um terceiro para recortes de jornais.

“Nós adaptamos esses formulários à nossa

necessidade, mas os temos cedido a várias

entidades da Bahia, inclusive para a organização

do Arquivo Privado Mário Mendonça, que é um

homem importantíssimo na evolução da cidade.”

A recuperação desse arquivo é um projeto da

Faculdade de Arquitetura, com apoio do CNPq.

A higienização do acervo iconográfico é realizada

com flanelas especiais. Depois disso, é feita

a triagem e a organização das fotografias por

período. “Nessa fase, principalmente, pedimos a

colaboração de pessoas que conheceram aqueles

personagens. Mesmo assim, não conseguimos

ainda identificar todas as fotos. Tem sido um

processo lento”, disse Consuelo. Finalizado o

processo de preservação, a documentação está

preparada para ser digitalizada, microfilmada

em duas cópias, uma para o Centro de Memória

e outra para a imprensa pública, colocada num

cofre de segurança e cadastrada.

“A elaboração e a publicação do catálogo de cada

acervo tem sido muito lenta, por falta de apoio,

mas a Fundação Pedro Calmon está trabalhando

para integrar esse banco de dados à internet.

Encontra-se instalado um banco de dados no

servidor da própria Fundação. Assim, as imagens

que o pesquisador escolhe para a pesquisa dele

só podem ser recuperadas no nosso Centro de

Memória. Não está ainda ao alcance de todos,

mas chegaremos lá”, afirmou.

Difusão da memória

A atividade de difusão da memória histórica da

Bahia envolve a promoção de cursos, palestras,

exposições e pesquisas que resultem na

produção do conhecimento. O Centro de Memória

realiza anualmente o curso Conversando com a

sua História, que abrange os períodos colonial,

imperial e republicano da Bahia. “Priorizamos

como palestrantes aqueles jovens mestres

e doutores que fizeram suas teses e pouca

oportunidade têm de exibir seu trabalho.” Depois

da apresentação do palestrante, há um debate.

“Na última apresentação do curso, em 2006,

o professor Charles Almeida falou sobre as

filarmônicas baianas. Depois, a filarmônica de

Santo Antônio de Jesus fez uma bela exibição em

frente ao palácio. Raramente temos menos de

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Page 70: Acervos de Personalidades

cem espectadores, todos intervêm. Em 2008, a

apresentação da filarmônica Amantes da Lira, de

Santo Amaro, encerrou o curso”, disse a diretora.

De nove a dez palestras do curso costumam

ser selecionadas, transformadas em artigos

e publicadas na revista História da Bahia, da

Fundação Pedro Calmon. Segundo Consuelo

Novais, a revista teve muito boa aceitação, foi

distribuída por todo o Estado, mas deixou de

circular por falta de recursos.

O projeto Mostra Memória estabeleceu uma maior

identidade do público com o acervo. Realizaram-

se exposições com documentos e objetos de

várias personalidades, entre elas o patrono,

Pedro Calmon, e o governador Otávio Mangabeira.

“Um outro projeto que eu gostaria que fosse

levado à cabo é o Dicionário Biográfico Histórico

da Bahia, que vai desde a proclamação da

República até 2006, abrangendo um total de

1.510 homens públicos”, disse Consuelo. Foram

feitos 415 verbetes com recursos do Fundo de

Cultura do Estado da Bahia. Outros cem foram

possíveis com recursos da FAPESB, que deixou

de colaborar em 2008. “As ações da secretaria

de Cultura, sob a qual fica a Fundação Pedro

Calmon, estão sendo carreadas para a construção

de outro modelo, mais voltado para as artes e

ações populares.” Até a realização do seminário,

o Centro de Memória da Bahia construíra 520

verbetes biográficos e 20 verbetes temáticos, que

se encontram disponíveis para o pesquisador em

cópias digitalizadas em volumes de DVD.

A publicação das cartas que Otávio Mangabeira

escreveu e recebeu em dois exílios – de 1930 a

1934 e de 1937 a 1945 – é um outro projeto em

pauta. “É emocionante ler as cartas dele. A

correspondência espontânea revela muito do que

a documentação oficial esconde. Conseguimos

a aprovação de uma parte do projeto, para

trabalhar as cartas do primeiro exílio.”

Aula do curso Conversando com a sua História, promovido anualmente pelo Centro de Memória da Bahia

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Page 71: Acervos de Personalidades

Muitos desafios

Para Consuelo Novais, os desafios de gerir um

acervo público são muitos, principalmente

quando há uma mudança de governo, que tem

um poder maior do que o da instituição e outras

prioridades. Um dos grandes desafios, em sua

opinião, é fazer com que a memória histórica

seja entendida pelos gestores das instituições

mantenedoras como fenômeno coletivo social, e

não algo que seja relativo apenas às elites. “O

objetivo maior desses acervos em que nós estamos

trabalhando é a produção do conhecimento, é

impulsionar o homem para a frente.”

“Pessoalmente, gosto muito de uma citação de

Jung (Carl Gustav, psiquiatra suíço): ‘o homem

que cresce sem conhecimento histórico é como se

tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse

perceber o mundo exterior com exatidão’. Assim,

o que fazemos com os acervos é constituir

Reunião de toda a equipe de pesquisadores e colaboradores do Centro de Memória da Bahia

uma visão de mundo.” A diretora do Centro de

Memória da Bahia considera que os arquivos

privados têm a vantagem de conter escritos no

calor do acontecimento e, por isso, estão menos

sujeitos à preocupação do personagem com a

imagem que dele se faz ou faria.

Lembrou ainda que a instituição foi criada

para estancar a sangria de valiosas fontes

documentais baianas, recuperar acervos perdidos

e disponibilizar para a pesquisa o material sob sua

guarda. “Mais de 14 ou 15 arquivos importantes da

Bahia estão no CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas,

inclusive o de Juracy Magalhães (governador em

três mandatos), por não confiar no tratamento

que receberia na Bahia”, lamentou.

“Somente preservando a memória poderemos

contribuir para o progresso do conhecimento e

para a afirmação da identidade da sociedade

baiana, assegurando-lhe o desenvolvimento que

tanto tem buscado”, finalizou Consuelo Novais.

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Page 72: Acervos de Personalidades

uma história de Persistência

A história do Centro de Memória da Bahia,

da Fundação Pedro Calmon, é praticamente

indissociável da trajetória acadêmica de sua

diretora, Consuelo Novais Sampaio. A dificuldade

de obter dados para a sua tese de mestrado,

em 1973, sobre o Poder Legislativo - Partidos

Políticos da Bahia, levou a baiana de Jequié aos

professores Kátia Matoso, Johannes Ioguel e João

José Reis. Os quatro, juntos, decidiram criar um

centro de memória para reunir as informações

perdidas, disse a diretora, em sua palestra no

Seminário Acervos de Personalidades.

“Na condição de coordenadora, fui ao Rio de

Janeiro buscar recursos na Ford Foundation, então

administrada pelo professor Richard Morse. Ao

analisar o nosso projeto, Morse recomendou que

eu fosse à Fundação Getúlio Vargas ver o projeto

da Celina do Amaral Peixoto, que era semelhante.

Fui ao CPDOC, conversei com a Celina, combinamos

de trocar idéias e voltei à Bahia”, disse Consuelo.

Como ainda não era reconhecida pela sociedade

acadêmica baiana, os professores bloquearam o

projeto. Morse, então, recomendou que ela se

candidatasse ao doutorado. E foi o que fez.

O tema escolhido para a tese, defendida na The

Johns Hopkins University, nos Estados Unidos,

foi Crise no Sistema Oligárquico Brasileiro. “Eu

objetivava uma comparação da biografia coletiva

do Legislativo de antes e depois de 1930, e vim à

Bahia coletar dados. Reuni pesquisadores, mas a

dificuldade continuou a mesma. Para identificar

as datas de nascimento e morte de um deputado,

em Belmonte, tivemos de ir ao cemitério ver a

lápide, porque o filho dele não sabia”, disse

Consuelo. Resultado: não saiu a biografia, a tese

não ficou com a comparação que ela queria fazer.

A frustração foi ainda maior porque um colega

de departamento na universidade americana

tinha uma proposta de dissertação semelhante,

também de comparação de biografias coletivas,

do Estado de New Jersey. “Para fazer a biografia,

ele teve apenas de ir à biblioteca da própria

universidade e tirar os livros com todos os dados.

E o Legislativo de estudo dele era de 1783, século

XVIII. O meu era de pleno século XX, e não tinha

nada. Ele conseguira dados biográficos dos

deputados, o que eles fizeram”, contou Consuelo.

De volta à Bahia, iniciou uma pesquisa que

estudava o período entre o golpe de Getúlio

Vargas, de 1937, e o militar, de 1964. Mais uma vez,

deparou-se com a dificuldade em colher dados

de deputados. “Comecei a fazer entrevistas com

os remanescentes e seus descendentes. Numa

delas, com o já falecido senador Josafá Marinho,

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falei das minhas tentativas de criar um centro

de memória da Bahia e ele resolveu dar forma

jurídica a ele.” Assim, criou-se a Fundação Pedro

Calmon, com a colaboração de Jorge Calmon,

irmão de Pedro Calmon, que foi deputado e

romancista. Era 1986, ano de eleição, e todos os

cargos foram distribuídos a políticos.

Consuelo assumiu a direção em 2003, depois que

a Fundação Pedro Calmon incorporou os arquivos

estaduais, municipais e também a biblioteca e

passou a denominar-se Fundação Pedro Calmon,

Centro de Memória e Arquivo Público da Bahia.

Assim, passou a funcionar efetivamente como

repositório da memória política do Estado,

guardando arquivos privados de políticos e ex-g

CONSUElO NOVAiS SAmPAiO A História é o cerne da vida acadêmica de Consuelo

Novais Sampaio. Graduou-se e licenciou-se em

História pela Universidade do Brasil (1958), é mestre

pela Universidade Federal da Bahia (1973) e pela

The Johns Hopkins University (1977). Doutorou-

se pela The Johns Hopkins University (1979) e fez

pós-doutorado na University of California Los

Angeles (1986). Atualmente, é diretora do Centro

de Memória da Bahia da Fundação Pedro Calmon.

Sua experiência na área de História tem ênfase em

História Latino-Americana, com destaque para

economia regional, oligarquias, regionalismo,

poder político e história da Bahia.

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 71

Page 74: Acervos de Personalidades

o Palácio rio branco

O Centro de Memória da Fundação Pedro Calmon

foi instalado no Palácio Rio Branco, antiga sede

do governo do Estado da Bahia e um dos mais

velhos do Brasil. Localiza-se em Salvador, na

Praça Tomé de Sousa, onde também estão os

prédios da Prefeitura da cidade e da Câmara

Municipal e o Elevador Lacerda.

O palácio começou a ser construído pelo

primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de

Sousa, em meados do século XVI, para servir

como o centro da administração portuguesa.

No início, era feito de taipa de pilão, recebendo

posteriormente pequenas ampliações.

A sede da Academia Brasílica dos Esquecidos,

a primeira Academia de Letras fundada no

Brasil, em 23 de abril 1724, abrigou-se em um

de seus salões. Fora formada com o propósito

de reunir informações sobre a Nova Lusitânia,

que seriam enviadas para a Corte e anexadas à

História de Portugal, que estava sendo redigida

pela Academia Real de História Portuguesa.

Funcionou como quartel e prisão e abrigou Dom

Pedro II, quando esteve na Bahia, em 1859.

No final do século XIX, o Palácio Rio Branco

ainda ostentava a velha fachada colonial

portuguesa, símbolo de decadência na

nascente República Federativa do Brasil. O

prédio recebeu, então, uma reforma radical,

finalizada em 1900, na gestão do governador

Luís Viana. Reformado, passou a exibir um

imponente estilo neoclássico. Internamente,

agregou uma sofisticada escadaria de ferro

inglês com vidro francês.

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S72

Page 75: Acervos de Personalidades

Em 10 de janeiro de 1912, o palácio foi um dos

pontos atingidos pelo bombardeio ordenado

pelo presidente da República, Hermes da

Fonseca, em Salvador. O ataque destruiu o

acervo de livros raros, que ficava na parte

térrea. Começou a ser reconstruído no mesmo

ano e foi reinaugurado pelo governador Antônio

Ferrão Moniz de Aragão, em 1919.

O palácio reconstruído recebeu o nome de Rio

Branco, em homenagem ao Barão do Rio Branco.

Mais recentemente, em 1984, o prédio passou por

uma restauração completa, devido ao péssimo

estado de conservação em que se encontrava.

Em 2009, a pedido do governo Jaques Wagner,

o prédio histórico deixará de abrigar o Centro

de Memória da Bahia. Seu novo endereço será a

Biblioteca Central, na avenida Sete.

Sede da administração portuguesa nos

tempos do Império, o Palácio Rio Branco

abrigou o Centro de Memória da Bahia

Pedro calmon, filho deamargosaPedro Calmon Moniz de Bittencourt, patrono

do Centro de Memória da Bahia, nasceu em

Amargosa, interior baiano, em 23 de dezembro

de 1902, filho de Pedro Calmon Freire Bittencourt

e Maria Romana Moniz de Aragão Calmon de

Bittencourt. Foi professor, político, historiador,

biógrafo, ensaísta e grande orador.

Em 1920, Pedro Calmon ingressou na

Faculdade de Direito da Bahia. Dois anos

depois, transferiu-se para o Rio de Janeiro,

para secretariar a Comissão Promotora dos

Congressos do Centenário da Independência,

continuando seus estudos na Universidade do

Rio de Janeiro, atual Faculdade Nacional de

Direito da UFRJ, diplomando-se em 1924.

Foi secretário particular do ministro da

Agricultura no governo Artur Bernardes,

habilitando-se, em 1925, no concurso de

provas para conservador do Museu Histórico

Nacional. No Museu, realizou ampla reforma

administrativa e criou a cadeira de História da

Civilização Brasileira, para a qual escreveu um

livro com o mesmo título.

Em 1927, ingressou na política como deputado

estadual pela Bahia. Em 1935, foi eleito

deputado federal e, de 1950 a 1951, assumiu o

comando do Ministério da Educação e Saúde,

no governo do presidente Eurico Gaspar Dutra.

Seu primeiro trabalho jurídico data de 1926

– Direito de Propriedade –, inicialmente

destinado à tese de doutorado. Em 1935,

publicou o primeiro volume da História Social

do Brasil, uma das obras que o habilitaram

a candidatar-se à Academia Brasileira de

Letras. Elegeu-se em 16 de abril de 1936 para

a Cadeira nº 16, cujo patrono é Gregório de

Matos, da qual foi o terceiro ocupante. Ocupou

a presidência da Casa, em 1945. Foi orador

oficial do Instituto dos Advogados do Brasil, em

dois períodos; delegado do Brasil à conferência

Interamericana do México, em 1945. Morreu no

Rio de Janeiro, em 16 de junho de 1985.

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 73

Page 76: Acervos de Personalidades
Page 77: Acervos de Personalidades

a natureza desPrendida do escritor gaúcho é uma das Pedrasno caminho da organização de seu arquivo

O escritor

Erico Verissimo

na juventude

erico verissimo reúne o acervo

Mafalda Verissimo olhava todo santo dia para a papelada deixada pelo marido, o escritor

gaúcho Erico Verissimo, e não se animava e mexer. Doía lembrar dele ali, no escritório de casa,

em plena atividade. Doía lembrar de sua partida deste mundo. Em 1982, sete anos após a

morte de Erico, Mafalda tomou coragem e convidou Maria da Glória Bordini, então professora

de Teoria da Literatura na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), para

organizar tudo. Começou assim a se formar o acervo literário do autor de O Tempo e o Vento,

como contou a professora à audiência do Seminário Acervos de Personalidades.

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 75

Page 78: Acervos de Personalidades

O convite de Mafalda devia-se ao fato de Maria

da Glória Bordini ter sido secretária editorial da

Editora Globo e trabalhado com Erico Verissimo

no período de 1969 a 1975, últimos anos da vida

do escritor. “Tínhamos uma relação profissional

muito boa”, afirmou Maria da Glória. O emprego

na editora fora o próprio Erico quem conseguira

para ela, ao ser expurgada da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul, em 1969, por conta

de arbitrariedades do regime militar.

Maria da Glória começou a montagem do acervo

com o básico: seleção do material e organização

por tópicos ou por espécies. “Era muita coisa,

estava tudo revirado, não havia uma ordem

deixada pelo escritor porque muitos anos haviam

se passado.” Na época, a coordenadora não

sabia coisa alguma de arquivologia, mas tinha

experiência editorial e era formada em Letras.

Como não conhecia arquivologia, tratou de

aprender. Visitou o Museu Nacional, no Rio

de Janeiro, a Biblioteca Nacional, observou

como é que as coisas se organizavam e criou

uma ficha de catalogação básica para poder

trabalhar com o material. Tais fichas permitiram,

O escritor gaúcho Erico Verissimo e sua biblioteca particular, em Porto Alegre

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S76

Page 79: Acervos de Personalidades

dois anos depois, que ela apresentasse, como

professora convidada da PUC-RS, um projeto de

organização do acervo ao Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Esse projeto e um outro, sobre Guimarães Rosa,

foram aprovados em 1984. “Foram pioneiros,

porque o CNPq não trabalhava com esse tipo de

pesquisa científica”, disse Maria da Glória.

O acervo continuou sediado na casa de Erico

Verissimo, mas foi crescendo com o trabalho de

coleta, organização e catalogação. “Muita coisa

chega até hoje. Um acervo é uma coisa viva,

que nunca termina e nunca está totalmente

organizado, é um trabalho sem fim.” Os sistemas

de recuperação da informação foram sendo

aperfeiçoados aos poucos, com o tempo.

Quando o acervo literário de Erico Verissimo passou

a ser muito procurado pelos pesquisadores,

ficou inviável sua permanência na residência

da família. Foi então transferido para a PUC,

onde Maria da Glória era ainda professora e

colaboradora. Quando ela se aposentou na

UFRGS, ficou um período na PUC como professora

titular de Teoria da Literatura, e o acervo foi junto

com ela. Na universidade, organizaram-se, nos

mesmos moldes do material de Erico Verissimo

outros acervos de escritores gaúchos, como

Dionélio Machado, Mário Quintana e Dalila Ripol.

A informatização do catálogo do acervo foi

realizada com um software desenvolvido

especialmente para o acervo do Erico. Em 2007,

quando fechou o centro de memória da PUC-RS, o

acervo de Erico foi para a casa do filho, o também

escritor Luís Fernando Veríssimo.

A estrutura do acervo

O acervo de Erico Verissimo é constituído de

dezesseis séries ou classes de documentos.

A classe um reúne os originais, englobando

material que não foi publicado ou a última versão

de manuscritos ou prototextos.

Na classe dois, enquadra-se a correspondência

ativa e passiva, do escritor e de outras pessoas

para ele. Já a série três reúne publicações na

imprensa, desde os recortes que o escritor

guardava até entrevistas, qualquer material

que saiu na mídia impressa, seja notícia de

lançamento de livro seja resenha. Há a classe

Esboços e Notas, que contém todos os prototextos

que o Erico deixou de algumas obras.

“O Erico não guardava muito material. Muita coisa

ele pôs fora. Muitos originais ele encadernou e

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Page 80: Acervos de Personalidades

deu de presente. Vamos descobrindo isso aos

poucos, quando morre quem ganhou a obra de

presente, e os filhos ou colocam à disposição

ou leiloam por altos preços. Não temos todos os

originais por esse motivo, eles vão aparecendo

aos poucos. Compramos dois, mas custaram caro.

Somos contra aquisições e, portanto, sempre

pedimos doações”, disse Maria da Glória. A

categoria Esboços e Notas inclui desde fichários

até esboços em folhas datilografadas, com

emendas em vários estágios de realização.

Erico Verissimo tinha uma vocação frustrada para

desenhista. Por isso, há uma classe Ilustrações,

no acervo. “Ele desenhava muito, às vezes em

folhas brancas, nas margens dos originais, dos

esboços. Há muitas caricaturas e caligramas.” A

classe seis comporta os documentos audiovisuais,

como fotografias, fitas cassete, discos e vídeos.

“A discoteca dele era basicamente clássica. Temos

vídeos de programas em que ele apareceu.”

Na classe Memorabília, que honra a memória

do escritor, estão honrarias, como diplomas,

medalhas, troféus, prêmios e também souvenirs

de viagem, presentes recebidos, homenagens

públicas de governantes, parlamentares e

homenagens particulares. “Tem muita gente que

manda para os autores uma obra ou carta ou

desenho. Incluímos nessa classe os monumentos,

ruas e edifícios que têm o nome de personagens

do Erico. Como há muitos, apenas fotografamos.”

Os comprovantes de edição foram reunidos na

classe oito do acervo, que não possui todas as

primeiras edições das obras de Erico. “Ele não

guardava mesmo, dava os livros de presente.

Mas nós temos muitos comprovantes de várias

edições das muitas editoras que publicaram a

obra dele e também os comprovantes das edições

estrangeiras, desde o Japão até a Finlândia.”

Uma outra classe, muito procurada pelos

pesquisadores de literatura brasileira, traz

os comprovantes de crítica acadêmica em

livros, revistas, periódicos científicos e jornais,

principalmente nos suplementos literários.

A adaptação da obra do escritor para outras

linguagens tem uma série própria. Lá estão

“cartazes ou fotos de uma peça de teatro ou de

um filme, a letra do samba enredo da Escola de

Samba X, programa de balé, tem de tudo”. Outra

classe é a pinacoteca, com os quadros que Érico

comprou ou recebeu de presente, incluindo

outros objetos de arte. Em história editorial

estão os contratos, como prestação de contas

para ver a circulação da obra em determinados

períodos. “Tentamos manter isso atualizado, mas

é difícil porque as editoras não costumam nos

enviar. A série inclui elementos voltados para a

produção de livros, como o esboço de uma capa,

um desenho que ele mesmo faz para dizer para o

capista como é que ele gostaria que fosse a capa

do livro X, que às vezes não é aproveitada.”

Uma classe problemática é a Biblioteca. “A

biblioteca sempre esteve na casa dele, e a família

usa, empresta, somem os livros.” Como a biblioteca

do pai se misturou com a do filho, que é enorme,

decidiu-se que os livros até 1975 eram do Erico.

Na classe Vida, ficaram as coisas não literárias,

documentos pessoais, objetos como óculos,

canetas, máquina de escrever, comprovantes de

atividades profissionais não ligadas à literatura.

“Ele foi diretor do departamento de assuntos

culturais da Organização dos Estados Americanos

(OEA). A parte diplomática está preservada,

um material que conseguimos há muito pouco

tempo, uns dois anos.”

Uma das classes do acervo literário tem um

catálogo para descrever as obras. Com o tempo, a

ideia de Maria da Glória é linkar os comprovantes

de edição para saber quantas edições cada

obra teve e fazer cruzamentos com outros itens

do catálogo. A última é a classe História do

Acervo, destinada a guardar a memória de quem

trabalhou nele e dos eventos e publicações que

foram realizados sobre o arquivo.

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Page 81: Acervos de Personalidades

em busca de um esPaço

As várias mudanças de lugar dificultaram o

trabalho de organização do acervo de Erico

Verissimo, iniciado em 1982. Primeiro, o material

foi da casa do escritor para a PUC-RS, numa

instalação provisória. Depois de algum tempo,

houve uma reforma no prédio da universidade,

que criou um espaço específico para o centro de

memória. “As coisas melhoraram, mas nós nunca

tivemos, por exemplo, um laboratório para fazer

a conservação adequada do material”, disse

Maria da Glória Bordini, coordenadora do acervo.

As tentativas de obter a sede definitiva foram

muitas. “Procuramos conseguir recursos com a

Petrobrás, para reformar um prédio e instalar ali

o acervo. Fizemos todo o trâmite, mas não deu

certo, porque mudou o presidente da empresa

na hora em que nós estávamos terminando.”

Mais adiante, tentou-se obter um prédio com

a Associação Rio-grandense de Imprensa, mas

também não deu resultado.

Mais algum tempo, e surgiu a oportunidade de

fazer o Centro Cultural CEEE Erico Verissimo. O

prédio, na região central de Porto Alegre, foi

construído entre os anos de 1926 e 1928 pelo

engenheiro Adolfo Stern, ocupando 2.775 metros

quadrados. Em estilo eclético, mas com influência

francesa do início do século XX, foi tombado em

1994 pelo Instituto de Patrimônio Histórico e

Artístico do Estado do Rio Grande do Sul.

A reforma do edifício, também conhecido por

Força e Luz, por abrigar as concessionárias de

energia gaúchas, foi patrocinada pela Companhia

Estadual de Energia Elétrica - CEEE, por meio da

Lei de Incentivo à Cultura, custou 4,4 milhões de

reais e durou dois anos. “O prédio tem laboratório,

auditório, projeção digital, copiadoras potentes

para fazer a reprodução, arquivos deslizantes,

mas nós nunca usamos”, disse Maria da Glória.

Discordâncias entre o Estado e os Verissimo sobre

a gestão do Centro teriam influído na decisão.

No prédio do Centro Cultural funcionam salas

de exposições, teatro, biblioteca, o Museu da

Eletridade do RS, além de um espaço permanente

de exposição de acervo de Erico Verissimo,

atualmente composto de primeiras edições de

livros do escritor, 26 fotografias da década de

70 e manuscritos, segundo Sabrina Lindemann,

coordenadora cultural do Centro.

Quando Maria da Glória saiu da PUC-RS, o acervo

voltou para a casa de Luís Fernando Verissimo.

Está numa situação mais precária, mas com a

promessa de uma nova sede, desta vez definitiva.

Fachada do Centro Cultural CEEE Erico

Verissimo, em Porto Alegre

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Page 82: Acervos de Personalidades

O retrato do escritor gaúcho, de 1956, faz parte do Acervo Literário Erico Verissimo

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Page 83: Acervos de Personalidades

dinheiro curto, inconveniências Políticas, cargo diPlomático e mais de uma dezena de obras comPõem a trajetória deerico verissimo

da farmácia À glória literária

Seus contos e desenhos foram publicados pela

primeira vez nos jornais Correio do Povo e Diário

de Notícias, de Porto Alegre. Em 1930, mudou-

se para a capital gaúcha e passou a conviver

com escritores renomados. No final do ano, foi

contratado para ocupar o cargo de secretário de

redação da Revista do Globo e, no dia 15 de julho

de 1931, casou-se com Mafalda.

Erico Verissimo começa a publicar suas obras.

Fantoches, livro de contos, vai para as prateleiras

das livrarias em 1932. Um ano depois, é a vez do

romance Clarissa. Em 1935, ano do nascimento

de sua primeira filha, Clarissa, lança Caminhos

Cruzados. No mesmo ano, com o livro Música ao

Longe, obtém o primeiro lugar no Grande Prêmio

de Romance Machado de Assis, da Companhia

Editora Nacional para obras inéditas, e publica a

biografia A Vida de Joana D’Arc.

No ano de 1936, nascem o filho Luis Fernando,

seu primeiro livro infantil, As Aventuras do Avião

Vermelho, e Um Lugar ao Sol, um retrato dos

O escritor brasileiro Erico Verissimo nasceu em Cruz Alta, interior do Rio Grande do Sul,

em 17 de dezembro de 1905, filho do farmacêutico Sebastião Verissimo e da dona-de-

casa Abegahy Lopes Verissimo, ambos de tradicionais famílias gaúchas. O pai queria

que fosse estudar na Universidade de Edimburgo, na Escócia, mas ao completar 18

anos, a difícil situação financeira da família não permitiu.

Erico foi então estudar em Porto Alegre e, de volta a Cruz Alta, trabalhou num armazém

e, depois, num banco. Fez um pé de meia e aplicou o dinheiro na sociedade de uma

farmácia. Os negócios com remédios não iam nada bem, mas serviram para conhecer

Mafalda Halfen Volpi, com quem se casaria. Montou nos fundos da farmácia uma

escola de inglês, que se tornou ponto de encontro de pensadores, dando a Erico a

chance de ter contato com o que gostava: literatura e arte.

tempos de Cruz Alta. No ano seguinte, lança o

livro infantil Aventuras de Tibicuera.

O romance Olhai os Lírios do Campo, um de seus

maiores sucessos, é publicado em 1938. Conquista

sua primeira noite de autógrafos com Saga, um

ano depois. Em 1941, Erico passa três meses nos

Estados Unidos, a convite do Departamento de

Estado, e faz conferências em várias cidades.

Publica Gato Preto em Campo de Neve e, no ano

seguinte, O Resto é Silêncio. A discordância com

a ditadura Vargas faz o escritor aceitar o convite

para lecionar Literatura Brasileira na Universidade

da Califórnia, nos Estados Unidos, e muda-se

com toda a família para Berkeley.

Seus romances Caminhos Cruzados, O Resto é

Silêncio e Olhai os Lírios do Campo são editados

nos Estados Unidos. Mais tarde suas obras

seriam traduzidas para os idiomas francês,

alemão, espanhol, finlandês, holandês, húngaro,

indonésio, italiano, japonês, norueguês, polonês,

romeno, russo, sueco e tcheco, o que fez de Erico

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Page 84: Acervos de Personalidades

Verissimo um dos escritores brasileiros mais lidos

no mundo todo. No retorno ao Brasil, lança A

Volta do Gato Preto, um livro de observações

sobre a vida em terras americanas.

O Tempo e o Vento, a obra que tanto sonhara,

começa a ser escrita em 1947 e se transforma na

trilogia apontada pela crítica como seu maior

sucesso. Em 1953, a família Verissimo volta aos

Estados Unidos e Erico assume, em Washington,

a direção do Departamento de Assuntos

Culturais da União Panamericana, na Secretaria

da Organização dos Estados Americanos. Com a

mulher Mafalda e o filho Luis Fernando, viaja, em

1959, para a Europa. Faz palestras em Portugal,

defendendo a democracia, e entra em choque

com a ditadura salazarista. Publica O Ataque. Em

1961, quando escrevia a última parte da trilogia O

Tempo e o Vento, sofre um infarto.

Durante o período de recuperação, de quase um

ano, faz as correções de O Arquipélago. O golpe

militar de 1964 inspira O Senhor Embaixador,

lançado em 1965. Erico faz uma visita a Israel, que

rende mais um diário de viagem: O Prisioneiro, de

1967. Em 1971, publica Incidente em Antares. Em

28 de novembro de 1975, não sobrevive a mais um

infarto e deixa inacabado Solo de Clarineta.

Página inicial de O Continente, volume um da trilogia O Tempo e o Vento, de Erico Verissimo

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Page 85: Acervos de Personalidades

maria da glória bordini, coordenadora do acervo literário de erico verissimo, fala de sua exPeriência no trato da memóriado escritor gaúcho

“lidar com o alev é um privilégio”

Um acervo é uma obra viva. A cada momento surgem descobertas, confirmações

ou refutações do conhecimento acumulado ao longo do tempo dedicado ao

arquivo, e isso permite ao organizador realizar um trabalho de memória e

história ou memória e crítica, impossível em outras circunstâncias. Essa é a

visão de Maria da Glória Bordini, coordenadora do Acervo Literário de Erico

Verissimo (ALEV), exposta na entrevista à Fundação Mario Covas.

Maria da Glória Bordini, coordenadora do acervo de Erico Verissimo, durante palestra na FMC

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Page 86: Acervos de Personalidades

FMC - o aCerVo literário de eriCo VerissiMo Mudou Várias Vezes de lugar. alguM doCuMento iMportante se perdeu ou estragou nessa MoViMentação?

maria Da GLÓria BOrDini - O ALEV primeiro

foi organizado na residência dos Verissimo e,

depois, foi posto sob a guarda da Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul

(PUC-RS), onde ocupou dois espaços em

andares diversos, sendo por fim devolvido

à residência dos Verissimo. Até onde pude

constatar, não houve perda de nenhum

documento importante, fundamental, apenas

os descartes usuais de material insignificante

para a memória de Erico Verissimo ou para a

pesquisa acadêmica.

FMC - qual é a Maior preCiosidade desse aCerVo, na sua opinião?

maria Da GLÓria - Sem dúvida, os datiloscritos

e os esboços das obras, em especial de O Tempo

e Vento, Incidente em Antares, O Senhor

Embaixador, O Prisioneiro e Solo de Clarineta,

entre outros. E não se podem esquecer as

cartas de Erico e seus correspondentes.

FMC - qual doCuMento lhe deu Mais satisFação reCuperar?

maria Da GLÓria – Foi uma enorme satisfação

recuperar os textos datilografados de O

Retrato, segunda parte de O Tempo e o

Vento, completando o que tínhamos da

trilogia. Também foi muito bom obter a cópia

fotográfica do datiloscrito de Olhai os Lírios do

Campo, doada por José Mindlin (empresário e

colecionador de livros raros), as cartas trocadas

com Herbert Caro (bibliotecário e tradutor

do alemão) e Vianna Moog (romancista e

ensaísta), doadas pelas respectivas famílias,

e os discursos e outros documentos de Erico

na Organização dos Estados Americanos (OEA),

coletados em Washington pela então minha

doutoranda Ana Letícia Fauri.

FMC - as pessoas presenteadas CoM originais e priMeiras edições de eriCo VerissiMo não se sensibilizaM eM doar

esse Material ao aCerVo e dar aCesso aos pesquisadores?

maria Da GLÓria - Normalmente não temos

notícia dos destinatários das doações que

Erico Verissimo costumava fazer aos amigos.

Só sabemos delas quando a pessoa que

recebeu entra em contato conosco ou quando

há algum leilão de manuscritos. Erico não

deixou registros de suas doações, e a família

também não os possui.

FMC - alguM trabalho de Coleta Mais inCisiVo do Material Foi realizado?

maria Da GLÓria - Fizemos anúncios

em jornais e programas de televisão nos

primeiros anos de funcionamento do ALEV,

sem resultados. Através de exposições e

publicação de artigos, o ALEV tornou-se

conhecido, e então começamos a receber

cartas, fotografias e edições raras, bem como

críticas sobre sua obra.

FMC – por ter ForMação eM letras e espeCialização eM teoria da literatura, a senhora Fez alguMa espeCialização eM arquiVologia para lidar CoM o aleV?

maria Da GLÓria - Minha experiência

com arquivos literários é essencialmente

autodidata. De início, para aprender sobre

a organização de arquivos, visitei o Museu

Nacional e o Museu de Literatura Brasileira

da Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro,

o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP),

em São Paulo, a Fundação Jorge Amado, em

Salvador, e fui fazendo contatos e observações

em cada local por onde passei.

Fiz apenas um estágio no ITEM/CNRS (Instituto

de Textos e Manuscritos Modernos do Centro

Nacional de Pesquisa Científica) de Paris,

graças à colaboração dos colegas do IEB e à

CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior do Ministério da

Educação), mas dedicada à crítica genética.

Em Paris, visitei outras instituições dedicadas

ao patrimônio material de escritores. Na

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Page 87: Acervos de Personalidades

Brown University, nos Estados Unidos,

estudei brevemente o sistema de arquivos da

Biblioteca John Carter Brown.

FMC - CoMo é para uMa pessoa dediCada à obra literária passar tantos anos na MontageM da MeMória do autor?

maria Da GLÓria - Trabalhar com fontes

primárias é um privilégio que poucos

pesquisadores têm, em especial quando

se trata de organizar e manter um acervo

pessoal inteiro. A cada momento surgem

descobertas, confirmações ou refutações do

conhecimento estabelecido sobre o autor,

dados novos, permitindo um trabalho de

memória e história, ou de memória e crítica,

como não se pode realizar em outro local.

O Acervo Literário também me proporcionou

pensar teoricamente sobre a materialidade

da literatura, assunto que ainda é muito

pouco explorado no Brasil. Afora o fato de

que tive a grande oportunidade de conhecer

Erico Verissimo num nível de profundidade

que outras áreas não possibilitam.

FMC - o aCerVo, MesMo sediado na Casa de luis Fernando, está aberto à Consulta dos pesquisadores? CoMo eles FazeM para ter aCesso?

maria Da GLÓria - No momento, o ALEV está

fechado a consultas. Só podemos atender

interessados em parte da fortuna crítica e

parte do material fotográfico e epistolar,

de que temos exemplares extras ou cópias

digitalizadas. O acesso é feito através do meu

e-mail, como coordenadora do ALEV.

FMC - a senhora disse que teríaMos surpresas sobre a sede do aCerVo. o noVo endereço está deFinido? CoMo está sendo o proCesso?

maria Da GLÓria - A definição da futura sede

do Acervo Literário de Erico Verissimo está em

fase de finalização. No momento, estamos

envolvidos nas tratativas contratuais e não

podemos adiantar mais detalhes.

mARiA DA GlÓRiA BORDiNi

Doutora em Letras pela PUC-RS, Maria da Glória

Bordini especializou-se em Teoria da Literatura.

Atualmente, é pesquisadora do CNPq e professora

colaboradora do programa de pós-graduação em

Letras da Universidade Federal do Rio Grande do

Sul. Foi professora titular do programa de pós-

graduação em Letras da PUC-RS, onde coordenou

o Centro de Memória Literária, atualmente

extinto, que reunia acervos de dez escritores

sul-rio-grandenses, e organizou cinco edições

dos Encontros Nacionais de Acervos Literários

Brasileiros. Desde 1991, é editora associada

da revista binacional Brasil/Brazil Revista de

Literatura Brasileira, publicada em nova fase

pela Associação Cultural Acervo Literário de Erico

Verissimo e pela Brown University, dos Estados

Unidos. Coordena, desde 1982, o Acervo Literário

de Erico Verissimo. Publicou Fenomenologia e

Teoria Literária, pela Edusp, Criação Literária em

Erico Verissimo, pela L&PM, e Caderno de Pauta

Simples: Erico Verissimo e a Crítica Literária, pelo

IEL/RS, entre outras obras em co-autoria, além de

traduções e artigos sobre literatura em livros e

em periódicos nacionais e estrangeiros.

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 85

Page 88: Acervos de Personalidades

fundação mario covasDirEtOria

Presidente da Fundação Mario Covas Antonio Carlos Rizeque Malufe

Diretor Secretário Luis Sergio Serra Matarazzo

Diretor Tesoureiro Marcos Martinez

CONSELHO CURADOR

Presidente Bruno Covas Lopes

Vice-Presidente Belisário dos Santos Junior

Secretário Marco Vinício Petrelluzzi

Membros Vitalícios Florinda Gomes Covas

Mario Covas Neto

Renata Covas Lopes

Rubens Naman Rizek

Membros Eletivos Edson Tomaz de Lima Filho

Edson Vismona

Fernando Padula Novaes

José da Silva Guedes

Luiz Carlos Frigério

Marcos Arbaitman

Marco Ribeiro de Mendonça

Mauro Guilherme Jardim Arce

Michael Paul Zeitlin

Osvaldo Martins de Oliveira Filho

Sami Bussab

Administração Rosangela Lopes Moreno Baptista

Eduardo Strabelli

Odair Aparecido Ribeiro Campos

cEntrO DE mEmÓria mariO cOvas

Coordenação Raquel Freitas

Consultora Arquivística Maria Cristina de Carvalho Pazin

Técnicos Documentalistas Gustavo Molina Turra

Noubar Sarkissian Junior

Tiago Silva Rodrigues Navarro

Wesley Cunha Soares

Pesquisadores Pedro Rodrigues de Albuquerque Cavalcanti

Renato de Mattos

Gestão de Projeto Cultural FormArte – Projetos, Produção e Assessoria Ltda.

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S86

Page 89: Acervos de Personalidades

fundação mario covasem revista

Coordenação Editorial Atelier de Imagem e Comunicação

Teresa Cristina Miranda - MTb 12.170

Editora Lucia Reggiani - MTb 11.479

Redação Teresa Cristina Miranda

Lucia Reggiani

Administração Cláudia Sardinha

Projeto Gráfico e Diagramação Anibal Sá Comunicação & Design

Fotografia A2 Fotografia

Edição Angelo Perosa

Produção Rosana Jerônimo Ribeiro

Ana Paula de Oliveira Silva

Fotógrafo Milton Michida

AGRADECIMENTOS

A Fundação Mario Covas agradece aos Centro de Documentação 25 de Abril, Centro de Memória

Unicamp, Fundação Patrimônio Histórico da Energia e Saneamento, Casa de Oswaldo Cruz-

Arquivo Fiocruz, Centro de Memória da Bahia e Acervo Literário Erico Verissimo por terem

cedido gentilmente as reproduções de documentos e fotografias que ilustram os textos

sobre seus respectivos acervos, produzidas pelos fotógrafos:

Juca Ferreira

Salomon Cytrynow

Leandro Melo

Paixão Esteves

Luiz Rodrigues

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S 87

Page 90: Acervos de Personalidades

patrocÍnio

apoio

FUNDAÇÃO M AR IO COVAS EM RE V I S TA A cER V o S dE p ER S on A l Id A dE S88

Page 91: Acervos de Personalidades

FUNDAÇÃO MARIO COVAS

RUA 7 DE ABRIL, 59 | 2º E 3º ANDARES | CENTRO | SÃO PAULO | SP | CEP 01043-090 TEL/FAX: 55 11 3129-7341 / 55 11 3129-7657

www.fmcovas.org.br

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