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A questão ambiental na América Latina

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A questão ambiental na América Latina

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A questão ambiental na América Latina

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universidade estadual de campinas

Reitor Fernando Ferreira costa

coordenador Geral da universidade edgar Salvadori de Decca

conselho editorial Presidente

Paulo Franchetti Alcir Pécora – christiano Lyra FilhoJosé A. R. Gontijo – José Roberto Zan

Marcelo Knobel – Marco Antonio ZagoSedi Hirano – Silvia Hunold Lara

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organização

Leila da Costa Ferreira

A questão ambiental na América Latina

teoria social e interdisciplinaridade

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Índices para catálogo sistemático:

1. América Latina – condições ambientais 333.7098 2. Teoria social 301 3. Ambientalismo – Aspectos sociais 363.7

copyright © by Leila da costa Ferreiracopyright © 2011 by editora da unicamp

Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada emsistema eletrônico, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos

ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor.

isbn 978-85-268-0928-4

Q38 A questão ambiental na América Latina: teoria social e interdisciplinaridade / organizadora: Leila da costa Ferreira. – campinas, sp: editora da unicamp, 2011.

1. América Latina – condições ambientais. 2. Teoria social. 3. Ambien-talismo – Aspectos sociais. I. Ferreira, Leila da costa. II. Título.

cdd 333.7098 301 363.7

ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp

diretoria de tratamento da informação

editora da unicampRua caio Graco Prado, 50 – campus unicamp

cep 13083-892 – campinas – sp – BrasilTel./Fax: (19) 3521-7718/7728

www.editora.unicamp.br – [email protected]

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Agradecemos particularmente aos funcionários do Nepam e da Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade da unicamp que nos apoiaram durante a pesquisa que culminou neste livro e ao apoio fundamental da Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo (Fapesp), que financiou o projeto temático “A questão ambiental, interdisciplinaridade, teoria social e produção intelectual na América Latina”. Agradecemos ainda ao antropólogo Luiz Gustavo Freitas Rossi, que nos auxiliou na edição do texto final.

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Sumário

Apresentação ..................................................................................................................... 9

parte iquestão ambiental e américa latina

Questão ambiental na América Latina: teoria social e interdisciplinaridade .................................................................................................... 19

América Latina: entre imagens e estigmas ............................................................... 45

Novas questões ou velhos problemas — A posição do Brasil na agenda internacional do meio ambiente .................................................................................. 83

Interdisciplinaridade e ambiente na América Latina ............................................ 99

Política, o elo perdido na interação ciência–políticas públicas ........................... 127

parte iia questão ambiental e

alguns temas relevantes para a américa latina

A saúde coletiva como campo científico e político na América Latina ............. 141

Qualidade de vida e risco na produção intelectual na área de ambiente e sociedade: algumas considerações ............................................................................... 159

O conceito de sustentabilidade na teoria social latino-americana: uma análise preliminar .................................................................................................. 189

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Uma perspectiva latino-americana sobre os estudos amazônicos ...................... 207

O socioambientalismo na perspectiva da sociedade civil latino-americana: algumas considerações .................................................................................................... 237

Um mapa da tecnociência contemporânea com ênfase na América Latina ... 257

Considerações finais ........................................................................................................ 283

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Apresentação

Influências teóricas que nortearam a análise da produção intelectual na área de ambiente e sociedade na América Latina e alguns aspectos metodológicos

Na interpretação weberiana, depara-se com esferas múltiplas de determinação da ação social. Pode-se falar de uma esfera econômica, relacionada aos conteúdos de sentido referentes à produção econômica e ao mercado; de uma esfera social, relacionada aos conteúdos de sentido identificados com um ethos social e a concepção de honra (prestígio); e de uma esfera políti-ca, relacionada aos conteúdos de sentido referentes às lutas pelo poder. Pode-se também falar de uma esfera jurídica, estética, religiosa ou mesmo científica, cada qual relacionada a uma forma específica da ação social e à produção de conteúdos de sentido que lhe são pertinentes.

estabelecem-se aqui as maneiras pelas quais Max Weber (1979) se faz presente na formulação teórica proposta por Pierre Bourdieu (1980). como em Weber, a questão dos sentidos que os homens atribuem às suas condu-tas é central em Bourdieu.

Ao pensar a cultura, ou os sistemas simbólicos, Bourdieu procura sin-tetizar elementos de diversas orientações teóricas, reconhecendo que estas se repartem em duas vertentes principais. A primeira vertente, kantiana, tem em Durkheim (1995) seu melhor exemplo, em que os sistemas sociais são pensados ao mesmo tempo como meios de comunicação (estruturas estruturadas) e como instrumentos de conhecimento e da construção do

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mundo objetivo (estruturas estruturantes). essa vertente caracteriza-se por tentar compreender como se articulam a partir da elaboração simbólica as formas de consenso. A segunda vertente tem em Marx (1980) e Weber (1979) seus principais expoentes e se caracteriza pelo entendimento dos sistemas simbólicos como instrumentos de dominação.

É a partir da reflexão sobre essas duas vertentes interpretativas que Bourdieu irá desenvolver os conceitos fundamentais com que opera: o de habitus e o de campo.

A crença nas relações entre produção de conteúdo de sentido e de for-mas de dominação, bem como a ideia de que os diversos processos por meio dos quais tais conteúdos de sentido se produzem e configuram esferas dotadas de uma lógica particular, faz com que o conceito de campo seja tributário, em grande medida, da concepção weberiana da autonomia das esferas sociais.

Temos aqui atores que se movimentam por entre configurações de ideias e instituições.

Por um lado, a percepção de um campo de poder, posições que se en-trelaçam em um sistema de relações que conferem particularidade a cada posição e ao próprio conjunto, que é sempre dinâmico e marcado por disputas.

De outro, a noção de campo intelectual ganha autonomia na medida em que crescem o nível de especialização e o status dos produtores de bens simbólicos.

Ideias, práticas, instituições e habitus configuram um campo.Nesse sentido Bourdieu propõe uma teoria da prática na qual as ações

sociais são concretamente realizadas pelos indivíduos, mas as chances de efetivá-las se encontram objetivamente estruturadas no interior da socie-dade global.

Segundo Yearley (2005), os estudos sociológicos sobre o campo cientí-fico têm se desenvolvido fortemente nos últimos 20 anos. em termos institucionais, as pesquisas sobre esse objeto têm apresentado enorme avanço na europa e nos estados unidos.

No caso da área ambiental, subcampo recente no interior das ciências sociais, os estudos nessa linha são poucos e muitas vezes refletem um de-bate sobre o próprio processo de institucionalização da problemática (Dunlap, 1997; Buttel, 1987; Hannigan, 1997; Yearley, 2005; Ferreira, 2006, entre outros).

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apresentação

No caso brasileiro, autores como Ianni (1989), Ortiz (2003) e Miceli (1995) têm desenvolvido trabalhos importantes para o entendimento das ciências sociais brasileiras e mesmo latino-americanas.

Pode-se arriscar aqui um breve comentário que se articula com outras influências teóricas que subsidiaram a tentativa de uma sociologia da ques-tão ambiental e da interdisciplinaridade na América Latina.

A criatividade sociológica supõe, ao mesmo tempo, um corte com o senso comum e uma elaboração permanente e audaciosa de novas hipóte-ses. como bem se sabe, as grandes criações científicas não se reduzem “nem ao grito da revolta” (a simples ideologia), “nem ao rigor das construções científicas”. evidentemente, no interior da obra de um autor existe um grau diversificado de coeficiente ideológico (Ortiz, 2003). O trabalho intelec-tual nutre-se de uma dimensão ambivalente (em que ambivalência não é sinônimo de ambiguidade): o rigor e o controle científico e uma vinculação visceral às coisas do mundo.

Nesse sentido, as dificuldades para conhecer a verdade — de que nos falava Brecht e que foi salientada por Habermas (1999) — são um proble-ma que as ciências sociais estão obrigadas a se colocar neste século, não por uma questão de calendário, mas pela consciência crítica da dificuldade dos saberes disciplinares diante da sociedade complexa.

Se o investigador não pode ser “neutro” e se o tempo e o espaço são variáveis internas da análise, tem-se como consequência necessária desta que a tarefa de reestruturação das ciências sociais tem de resultar da inte-ração de estudiosos provenientes das mais diversas paragens e perspectivas e que essa interação deve ser algo real e não mera cortesia para mascarar a imposição das concepções de apenas alguns setores da comunidade científica.

então, é fundamental salientar a metodologia desenvolvida por Ferrei-ra, que norteou o projeto temático financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo (Fapesp) e que subsidiou todos os arti-gos que compõem este livro.

Do ponto de vista teórico-metodológico, busca-se verificar se a produ-ção latino-americana se assemelha ao que Buttel (1997) sugere ao analisar a produção internacional. De acordo com esse autor as teorias da sociedade de risco e da modernização ecológica supririam as atuais lacunas teóricas para uma discussão sobre sustentabilidade. Haveria dois precipitadores da “modernização reflexiva”. uma é a emergência dos riscos e o declínio das

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instituições parlamentares, com a consequente individuação da política (“subpolítica”) (Beck, 1996; Yearley, 2005).

A outra vertente teórica é a da modernização ecológica, que encara positivamente os potenciais de mudança tecnológica tendentes a produzir resultados para os problemas ambientais (Mol e Spargareen, 1993).

No que diz respeito às perspectivas construcionistas, as teorias sobre discursos (Hannigan, 1997; Yearley, 1996) possibilitam acessar, no domínio dos processos de produção social do conhecimento, análises sobre consen-sos e dissensos institucionais e da dinâmica dos atores sociais.

As discussões teóricas e metodológicas desenvolvidas mostram que, no caso brasileiro, há setores da comunidade acadêmica influenciados tanto pelas correntes ligadas à modernização reflexiva (teoria do risco e moder-nização ecológica) como pelas perspectivas construcionistas. Há ainda trabalhos da sociologia ambiental com enfoques materialistas durkheimia-nos, ou seja, realistas; e trabalhos fortemente influenciados pelo enfoque materialista marxista, assim como os aportes híbridos e interdisciplinares. A teoria social contemporânea desenvolvida por Habermas (1999), Giddens (2009), Bauman (2001) e Yearley (2005) também tem influenciado os trabalhos da área ambiental brasileira (Ferreira, 2006).

utilizamos esses mesmos modelos teóricos para a análise da produção intelectual na América Latina.

Trata-se das seguintes perspectivas: enfoque materialista durkheimiano, realista; enfoque materialista marxista; enfoque pós-materialista; enfoque construtivista ou construcionista. Além desses grandes grupos, pode-se enfatizar ainda o paradigma da modernização reflexiva como uma impor-tante corrente no interior da sociologia ambiental, paradigma que se subdivide entre a modernização ecológica e o conceito de sociedade de risco, como vimos anteriormente. Sinteticamente, os diferentes enfoques citados podem ser agrupados e contemplados pela sociologia ambiental e pela teoria social contemporânea, muito embora sejam correntes que in-teragem e dialogam entre si e, em determinados pontos, trabalham na in-terface entre a sociologia ambiental e a teoria social contemporânea, dado o caráter interdisciplinar do tema ambiental.

A teoria social contemporânea traz em seu corpo teórico aqueles soció-logos já citados que contribuíram para a diversificação da sociologia am-biental e que trabalham com a questão das sociedades da alta modernidade, como Habermas, Touraine, Giddens, Beck, castells, entre outros.

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apresentação

Habermas (1987), Giddens (1991) e Beck (1992) são os grandes nomes da teoria social contemporânea que problematizam a questão ambiental. esses autores fizeram importantíssima reavaliação da teoria social clássica, o que proporcionou uma reinterpretação da organização institucional da modernidade, investigando a origem de novos movimentos sociais e a importância dessa emergência, além de permitir o exame dos novos inte-resses econômicos e políticos que moldam as atuais políticas públicas ambientais.

Disso decorreram algumas questões de pesquisa:

1) Quais especificidades emergem para a teoria social e para a interdisci-plinaridade, com a situação de desigualdade social e exclusão social, e também com a democracia recente na América Latina?

2) em que estágios de institucionalização dessa problemática encontram-se as ciências sociais na América Latina?

3) O que está em jogo no interior das instituições acadêmicas quando se trata de localizar o atual andamento do processo curricular dos progra-mas interdisciplinares em ambiente e desenvolvimento?

A pesquisa desenvolveu-se em dois níveis: a análise do processo insti-tucional e a análise da produção intelectual, assim como propiciou uma discussão teórica sobre interdisciplinaridade, teoria social e questão am-biental. Para tanto, elencamos alguns dos aspectos teórico-metodológicos estruturantes da problemática, quais sejam: as noções de campo e habitus, e as diferentes concepções de interdisciplinaridade.

Para nortear a análise pormenorizada da produção intelectual e tam-bém para observar as influências paradigmáticas que direcionaram essa produção, assim como o próprio desenvolvimento do campo intitulado “ambiente e sociedade” ou “estudos ambientais” ou mesmo “ciências ambientais”, serão utilizadas as concepções de campo e habitus de Pierre Bourdieu (1980).

Nessa linha é importante relatar que foram feitas visitas aos centros de pesquisa nos diferentes países e realizadas entrevistas com os diferentes intelectuais ligados à área, assim como foi realizado um seminário inter-nacional com intelectuais latino-americanos para troca de experiências intelectuais e científicas.

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Além disso, visando a uma abordagem teórica para o entendimento do processo científico, utilizou-se a discussão de uma sociologia da ciência e sua relação com a teoria social presente em Yearley (2005), Bourdieu, chamboredon e Passeron (1973), Mannheim (1968) e Mer-ton (1968).

Para as diferentes concepções da interdisciplinaridade, utilizaram-se as discussões presentes em Leff (2000), Phillippi, Hogan, Navegantes (eds.) (2000), Floriani (2004), Burstyn (2004), Ferreira (2005), Bateson (1987), Morin (2001), Novo (2002) e Latour (2006).

É certo que se assiste ao surgimento de grupos específicos de cientistas sociais (e mesmo de outros que não o são), unidos por interesses ou áreas temáticas, como a questão ambiental. Onde estão as oportunidades de experimentação criativa? Podem-se aqui apontar algumas situações em pontos muito diferentes na produção intelectual da área de interface entre ambiente e sociedade através dos capítulos que seguem.

No primeiro capítulo do livro, Leila Ferreira e colaboradores apresentam a tese principal que o norteia em seu conjunto, qual seja, que o tratamento que a questão ambiental tem recebido por parte da produção intelectual e científica na América Latina contradiz alguns estereótipos e estigmas que ainda se fazem presentes.

Dito de outra forma, não apenas a América Latina tem produzido co-nhecimento e investigações que procuram dar conta dos diversos desafios ambientais, como também apresenta, com certa originalidade, abordagens diferenciadas da relação natureza–sociedade. essa hipótese se confirma quando se leva em consideração as muitas associações de pesquisa e suas instituições científicas devotadas ao tema, o grande número de cientistas e intelectuais envolvidos e a grande quantidade e diversidade dos trabalhos propagados na área ambiental.

Nos artigos que seguem, essas hipóteses são trabalhadas sob diferentes perspectivas, tanto na dimensão simbólica, no artigo de Tavolaro, quanto na dimensão política, nos artigos de Guimarães.

A discussão sobre interdisciplinaridade é objeto de constantes controvér-sias, como podemos observar no artigo de Floriani, não havendo consen-so sobre a questão. O que se pode dizer sobre esse debate é que existem, grosso modo, duas visões diferenciadas: a primeira delas procura intensifi-car o diálogo entre as disciplinas científicas, no intuito de ampliar a ex-plicação dos objetos de conhecimento disciplinar. No caso da sociologia

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apresentação

ambiental, busca-se a interação, em termos teóricos, entre alguns temas de convergência.

uma segunda visão sobre a construção interdisciplinar restringe-se mais ao campo da pesquisa temática, opondo-se à visão das assimilações pro-gressivas entre disciplinas. essa visão reconhece a especificidade disciplinar, mas adota uma espécie de colaboração deliberada dos saberes disciplinares sobre temas previamente definidos.

De qualquer forma, fica colocada a necessidade de repensar os modelos de construção do conhecimento, conforme apontado por Morin (2001), Bateson (1978) e Novo (2002), ao afirmarem que a emergência de uma sociedade complexa exige o desenvolvimento de estratégias metodológicas integrativas entre diferentes disciplinas.

Nessa linha, as discussões e reflexões que se observam nos artigos no transcorrer da segunda parte do livro se inter-relacionam para dar conta de problemas como saúde pública, qualidade de vida, sustentabilidade, temas ligados à conservação, socioambientalismo e tecnologia, suscitando uma reflexão sobre normatividade, institucionalidade e emergência de novos arranjos sociais na área ambiental e acoplando uma visão do ponto de vista da América Latina a uma reflexão mais ampla sobre a sociedade contemporânea.

Leila da Costa Ferreira

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parte iquestão ambiental

e américa latina

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Questão ambiental na América Latina:teoria social e interdisciplinaridade*

Os intelectuais e os cientistas da área ambiental na América Latina

A natureza tem sido um fator decisivo na “construção da América Latina Ocidental”, tratando-se de uma questão-chave tanto para o imaginário do Ocidente em relação ao subcontinente americano quanto para os próprios latino-americanos na construção de suas identidades em face dos seus antigos colonizadores. No início do século XVI, quando os primeiros eu-ropeus desembarcaram no Novo Mundo, ao se depararem com dotes na-turais, começaram a desenvolver expectativas em relação à sua serventia (Holanda, 2002). Os metais preciosos, uma flora encantadora e uma des-conhecida e surpreendente fauna foram elementos determinantes na constituição de certo olhar do mundo ocidental sobre a América Latina e que perdurou nos séculos que seguiram (Colombo, 1991). Em certa medida, é possível dizer que a natureza foi um atributo fundamental para a cons-trução de estereótipos e estigmas sobre a América Latina: uma terra selva-gem, com maravilhas e territórios surpreendentes à espera de serem devi-damente explorados (e eventualmente espoliados).

Na verdade, o encontro dos europeus com as populações nativas não mudou em nada essas primeiras impressões quanto ao caráter rico e selva-

* Colaboraram neste artigo os alunos Rodrigo Caravita, Gábor Basch, Ângela Mazzariol Santiciolli, Fernando Queiroz, Camila Midori Moreira e Vinícius Moreno de Sousa Corrêa.

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gem do subcontinente americano; ao contrário, isso fascinou ainda mais o olhar ocidental. O suposto primitivismo das tribos indígenas, combina-do com a sua aparentemente harmoniosa e organizada relação com a na-tureza, estimulou ainda mais o Ocidente para que este reservasse um lugar especial para a América Latina em sua visão eurocêntrica do mundo: um lugar a ser explorado, espoliado, domesticado, classificado, investigado e dominado, ou seja, civilizado (Hegel, 1956). É surpreendente que alguns dos estereótipos e estigmas constituídos para a América Latina há séculos se revelaram bastante persistentes.

Apesar da massiva colonização europeia nos séculos que se seguiram a 1500, a onda de independência que varreu a maior parte dos países latinos na primeira metade do século XIX — e que, em grande medida, determinou a adoção das políticas europeias e os seus modelos econômicos pelas po-pulações locais —, assim como os processos de urbanização e industrialização no século XX, conferiu um forte sentido de peculiaridade e singularidade que ainda permanece central na forma como o Ocidente concebe a Amé-rica Latina (Pratt, 1999). Embora percebidas como herdeiras diretas do mundo europeu, as populações latinas, suas culturas e instituições ainda são vistas, na sua maior parte, como em uma situação de retardamento social quando comparadas às realizações da modernidade, como se não tivessem sido totalmente capazes de recuperar o seu atraso em relação ao estilo de vida ocidental (Escobar, 1995).

Não é, portanto, surpreendente que o “dilema da modernidade” tenha intrigado fundamentalmente o pensador latino e formadores de opinião: Afinal qual é o status de modernidade na América Latina? Em que medida os latino-americanos recuperaram o seu atraso com relação ao epicentro do mundo moderno? Estão as sociedades latino-americanas e suas popu-lações em sintonia com os europeus e seus vizinhos do norte quanto aos seus estilos de vida, padrões morais e institucionais? Pode-se afirmar que tais questões verdadeiramente orientaram as ciências sociais latino-ameri-canas por algum tempo.

Curiosamente, entretanto, a natureza ainda tem grande responsabili-dade nesse imaginário ocidental sobre o subcontinente americano, atri-buindo-lhe uma espécie de estatuto híbrido do mundo moderno. De um lado, o bem natural contido em território latino-americano é largamente positivado tanto por sua valoração estética quanto pela própria riqueza potencial da sua biodiversidade e recursos, chegando a ser reivindicado