re-localizaÇÃo e inovaÇÃo social: um estudo ...‡Ão... · re-localizaÇÃo e inovaÇÃo...

137
Ana Carolina Ribeiro Monteiro RE-LOCALIZAÇÃO E INOVAÇÃO SOCIAL: um estudo exploratório O caso da BALLE Volume I Tese de Mestrado em Intervenção Social, Inovação e Empreendedorismo, apresentada à Faculdade de Economia e à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação sob orientação da Professora Doutora Virgínia Ferreira Setembro, 2012.

Upload: doannhan

Post on 30-Sep-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Imagem

    Ana Carolina Ribeiro Monteiro

    RE-LOCALIZAO E INOVAO SOCIAL:

    um estudo exploratrio O caso da BALLE

    Volume I

    Tese de Mestrado em Interveno Social, Inovao e Empreendedorismo, apresentada

    Faculdade de Economia e Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao

    sob orientao da Professora Doutora Virgnia Ferreira

    Setembro, 2012.

  • Ana Carolina Ribeiro Monteiro

    RE-LOCALIZAO E INOVAO SOCIAL:

    um estudo exploratrio O caso da BALLE

    Volume I

    Tese de Mestrado em Interveno Social, Inovao e Empreendedorismo,

    apresentada Faculdade de Economia e Faculdade de Psicologia e de Cincias

    da Educao sob orientao da Professora Doutora Virgnia Ferreira e

    co-orientao da Professora Doutora Regina Helena Alves da Silva

    Coimbra

    2012

  • Um mapa do mundo que no inclua Utopia no merece ser olhado,

    j que deixa de fora o nico pas no qual a humanidade est sempre desembarcando.

    E quando a humanidade chega ali, olha o horizonte e, ao ver um pas melhor,

    zarpa em sua busca. O progresso a realizao de Utopias.

    Oscar Wilde

    Nenhum problema pode ser resolvido

    pelo mesmo estado de conscincia que o criou.

    Albert Einstein

  • AGRADECIMENTOS

    Ao carinho e total apoio e incentivo de meus pais, irmo e querida tia Tereza em

    mais uma jornada fora do Brasil. A todos meus familiares que sempre alegraram nossos

    encontros. Aos meus primos Alfke e Deco pela amizade e acolhimento em Londres e a

    Anna Christina pela sua colaborao de ltima hora com o ingls. Ceclia e David,

    minha segunda famlia fora do Brasil, por quem tenho tanta gratido e carinho.

    Ao Gustavo Filizzola por me incentivar a fazer o mestrado em Coimbra e pela

    inigualvel ajuda e amizade durante todos os preparativos e estadia em Portugal.

    oportunidade de ter convivido e criado fortes laos de amizade com minhas

    queridas raparigas Ana Fernandes, Joana Bastos e Joana Almeida. No poderia deixar de

    fazer um agradecimento todo especial a duas raparigas: a Catarina Magno pela acolhida,

    suporte incondicional, amizade e cumplicidade em toda minha estadia em Coimbra; a

    querida Ana Cludia, que mesmo a distncias ocenicas se fez to presente em todos os

    momentos de angstias, alegrias, e de dvidas e mais dvidas...!

    Aos meus amigos, de longa data, Anne Kurz, Lorena Andrade, Marina Barros,

    Fernanda Ribeiro, Manno Frana e Vitor Maciel, espritos livres e inquietos com os quais

    tenho o prazer de tecer uma teia de reflexes, aspiraes, questionamentos e de muita

    alegria!

    minha orientadora, Professora Doutora Virgnia Ferreira, que aceitou este desafio

    comigo e me ofereceu toda orientao e suporte necessrios em Coimbra e, principalmente,

    quando tive que regressar ao Brasil para aqui escrever a dissertao. Sou grata pela sua

    prontido, pelo seu olhar crtico que me fez sempre transcender meus limites e pelo seu

    suporte em todas as questes de finalizao, desde as revises precisas, passando pela

    gentileza de depositar pessoalmente esta dissertao na Faculdade de Economia da

    Universidade de Coimbra e a articulao para conseguir a co-orientadora no Brasil.

    co-orientadora Profa. Doutora Regina Helena Alves da Silva por tambm aceitar

    este desafio e pela acolhida em Belo Horizonte em encontros esclarecedores.

    Universidade de Coimbra, pelo ambiente agradvel de convivncia e pelos

    conhecimentos e saberes compartilhados atravs dos professores do Mestrado em

    Interveno Social, Inovao e Empreendedorismo.

    Um agradecimento mais do que especial ao meu amado Rangel, brasileiro que tive a

    felicidade de encontrar na Universidade de Coimbra e que juntos nos maravilhamos com

    Coimbra e com Londres. Serei eternamente grata por seu amor, companheirismo, apoio em

  • todas as esferas da vida e nos momentos mais crticos, pela sua incrvel capacidade de me

    acalmar, pelo seu olhar crtico nas revises e tambm por compartilhar comigo seus

    conhecimentos e viso de mundo em nossas inmeras reflexes sobre economia e sobre a

    vida.

    Por ltimo, sou grata pelas experincias enriquecedoras em Portugal, na Inglaterra e

    na Alemanha que aguaram meu olhar para a organizao do espao e para s maravilhas

    da diversidade sociocultural, econmica e ambiental, fatores determinantes realizao

    desta dissertao de mestrado.

  • RESUMO

    Nos ltimos anos tem-se assistido ao surgimento de organizaes e de movimentos que

    advogam a importncia de se produzir e consumir localmente em detrimento dos bens e

    servios provenientes das corporaes multinacionais e suas redes globalizadas. Trata-se

    de uma resposta aos crescentes nveis de insustentabilidade econmico-financeira, social,

    ambiental e energtica provenientes do modelo econmico globalizado neoliberal. Este

    fenmeno, de maior evidncia nos Estados Unidos e na Inglaterra, e presente tanto no meio

    urbano quanto no rural, uma representao do conceito de re-localizao econmica,

    ainda incipiente no universo acadmico. Este trabalho consiste em analisar o potencial de

    inovao social da re-localizao econmica a partir do estudo de uma instituio do

    terceiro setor americano, a BALLE Business Alliance for Local Living Economies. Esta

    anlise orientou-se pelas dimenses estipuladas por Andr e Abreu (2006) para a inovao

    social e pela operacionalizao exploratria do conceito de re-localizao econmica,

    realizada neste estudo, em seis dimenses de anlise: a natureza, a espacializao, a posse,

    o consumo, a financeira e a polticas pblicas. A metodologia utilizada baseou-se no

    estudo de caso, tendo-se recorrido triangulao de tcnicas de produo de informao:

    entrevista estruturada, questionrio eletrnico e pesquisa documental. Verificou-se que a

    re-localizao econmica na interveno da BALLE configura-se como um processo de

    inovao social, ao passo que contribui para o empowerment do grupo de empreendimentos

    de posse local (EPL) e de outros ainda mais marginalizados no modelo hegemnico da

    globalizao neoliberal, e gera capital social ao fortalecer as relaes entre quem investe

    quem produz, quem comercializa e quem consome.

    Palavras-chave: modelo econmico globalizado neoliberal; insustentabilidade; re-

    localizao econmica; inovao social.

  • ABSTRACT

    In recent years several organizations and movements have emerged that advocate the

    importance of producing and consuming locally instead of obtaining goods and services

    from multinational corporations and their global supply networks. This is a response to the

    rising levels of economic and financial, social, environmental and energy unsustainability

    from the globalized neoliberal economic model. This phenomenon, most evident in the

    United States and England and present in urban as well as rural areas, is a representation of

    the concept of economic relocalization, still incipient in the academic universe. The

    present thesis analyzes the social innovation potential of economic relocalization, via the

    study of an American institution of the third sector, BALLE - Business Alliance for Local

    Living Economies. This analysis was guided by the dimensions for social innovation

    stipulated in Andr and Abreu (2006) and the exploratory operationalization of the concept

    of economic relocalization, carried out in this study in six dimensions: nature, spatial

    distribution, ownership, consumption, financial and public policies. The methodology used

    was based on case studies, making use of triangulation techniques to generate information:

    structured interview, electronic questionnaire and documentary research. We conclude that

    the economic relocalization promoted by BALLEs intervention engenders a process of

    social innovation, while contributing to the empowerment of the group of locally owned

    business, and of others even more marginalized in the hegemonic model of neoliberal

    globalization, generating social capital by strengthening the relations between investors,

    producers, sellers, and consumers.

    Key words: globalized neoliberal economic model; unsustainability; economic

    relocalization; social innovation.

  • RESUMEN

    En los ltimos aos se ha observado el surgimiento de organizaciones y de movimientos en

    defensa de la importancia de producir y consumir localmente en desfavor de los bienes y

    servicios provenientes de las corporaciones multinacionales y sus redes globalizadas. Se

    trata de una respuesta a los crecientes niveles de insostenibilidad econmico-financiera,

    social, ambiental y energtica resultantes del modelo econmico globalizado neoliberal.

    Este fenmeno, de mayor evidencia en los Estados Unidos y en Inglaterra, y presente tanto

    en el medio urbano como en el rural, es una representacin del concepto de relocalizacin

    econmica, todava incipiente en el universo acadmico. Este trabajo consiste en analizar

    el potencial de innovacin social de la relocalizacin econmica a partir del estudio de una

    institucin del tercer sector americano, BALLE Business Alliance for Local Living

    Economies. Este anlisis se orient por las dimensiones estipuladas por Andr y Abreu

    (2006) para la innovacin social y por la operacionalizacin exploratoria del concepto de

    relocalizacin econmica, realizada en este estudio, en seis dimensiones de anlisis: la

    naturaleza, la espacializacin, la posesin, el consumo, la dimensin financiera y la de las

    polticas pblicas. La metodologa utilizada se bas en el estudio de caso, habiendo

    acudido a la triangulacin de tcnicas de produccin de informacin: entrevista

    estructurada, cuestionario electrnico e investigacin documental. Se verific que la

    relocalizacin econmica en la intervencin de BALLE se configura como un proceso de

    innovacin social, mientras se contribuye para el empowerment del grupo de empresas de

    propiedad local (EPL) y de otros an ms marginalizados en el modelo hegemnico de la

    globalizacin neoliberal, adems produce capital social al fortalecer las relaciones entre el

    que invierte, el que produce, el que comercializa y el que consume.

    Palabras-claves: modelo econmico globalizado neoliberal; insostenibilidad;

    relocalizacin econmica; innovacin social.

  • LISTA DE SIGLAS

    AMIBA - American Independent Business Alliance

    BALLE - Business Alliance for Local Living Economies

    CDFIs - Community Development Financial Institutions

    CE - Civic Economics

    EPL - Empreendimento(s) de Posse Local

    ET - Empreendimento para a Transio

    FARMA - National Farmers Retail and Markets Association

    FEASTA - Foundation for Economics Sustainability

    IAL - International Alliance for Localization

    IEA - International Energy Agency

    IFG - International Forum on Globalisation

    IFPL - Instituies Financeiras de Posse Local

    ILSR - The Institute for Local Self-Reliance

    IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change

    ISEC - The International Society for Ecology and Culture

    IT - Iniciativas em Transio

    JOBS - Jumpstart Our Business Startups

    LLE - Local Living Economies

    LM3 - Local Multiplier 3

    LOIS - Local Ownership and Import Substitution

    NEF - New Economics Foundation

    NEI - New Economics Institute

    NEWGroup - New Economy Working Group

    NFU - National Farmers Union

    PCI - Post Carbon Institute

    PDO - Protected Designation of Origin

    RIT - Rede das Iniciativas em Transio

    SRB - Socially Responsible Business

    SVN - Social Venture Network

    TINA - There Is No Alternative

    TN - Transition Network

  • NDICE

    INTRODUO....................................................................................................................1

    CAPTULO I. INOVAO SOCIAL E RE-LOCALIZAO ECONMICA:

    DELIMITAO TERICA DOS CONCEITOS ...........................................................5

    1.1. Inovao Social: ode mudana..................................................................................5

    1.1.1. Inovao social: principais definies..........................................................................5

    1.1.2. Dimenses de anlise da inovao social.....................................................................9

    1.2. Re-localizao econmica: do problema proposta................................................11

    1.2.1. Globalizao neoliberal: um breve olhar sobre o problema.......................................12

    1.2.2. Re-localizao econmica: a proposta ......................................................................16

    1.2.3. Breves consideraes sobre a re-localizao nos EUA e na Inglaterra......................26

    1.3. Dimenses de anlise da re-localizao econmica..................................................28

    1.3.1. Natureza .....................................................................................................................29

    1.3.2. Espacializao............................................................................................................35

    1.3.3. Posse ..........................................................................................................................37

    1.3.4. Consumo ....................................................................................................................40

    1.3.5. Financeira ..................................................................................................................43

    1.3.6. Polticas pblicas .......................................................................................................46

    CAPTULO II. PASSOS TERICO-METODOLGICOS ........................................48

    2.1. Definio do problema de pesquisa...........................................................................48

    2.2. Metodologia..................................................................................................................50

    2.2.1. Tipo de pesquisa quanto natureza e aos objetivos e os procedimentos tcnicos.....53

    2.2.2. Contexto, universo e procedimentos de recolha de dados..........................................54

    2.2.3. Procedimentos de anlise dos dados..........................................................................60

  • CAPTULO III. BALLE: CONTRIBUTOS PARA A RE-LOCALIZAO

    ECONMICA E SUA CONFIGURAO COMO UMA INOVAO SOCIAL.....61

    3.1. Histrico de criao da BALLE ................................................................................61

    3.2. Anlise da re-localizao econmica no contexto de interveno da BALLE.......64

    3.2.1. Institucionalizao......................................................................................................64

    3.3. Caracterizao da re-localizaao econmica na BALLE........................................75

    3.3.1. Espacializao e posse................................................................................................75

    3.3.2. Consumo.....................................................................................................................81

    3.3.3. Financeira...................................................................................................................83

    3.3.4. Polticas Pblicas........................................................................................................83

    3.4. Re-localizao econmica: uma inovao social?.....................................................85

    3.4.1. Natureza......................................................................................................................86

    3.4.2. Estmulo......................................................................................................................92

    3.4.3. Recursos e dinmicas.................................................................................................95

    3.4.4. Relao de agncia.....................................................................................................97

    CONSIDERAES FINAIS............................................................................................98

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...........................................................................103

    NDICE DE QUADROS

    Quadro 1: Definies do conceito de inovao social...........................................................7

    Quadro 2: Principais instituies e autores que trabalham com a re-localizao................17

    Quadro 3: Propostas em polticas pblicas de suporte re-localizao econmica ...........47

    Quadro 4: Modelo de Anlise .............................................................................................51

    Quadro 5: Informaes redes BALLE..................................................................................58

    Quadro 6: Misso, viso e valores da BALLE.....................................................................65

    Quadro 7: Servios BALLE e classificao por tipo...........................................................71

    Quadro 8: Crescimento das redes no perodo de 2007-2012................................................76

    Quadro 9: Informaes redes BALLE..................................................................................77

    Quadro 10: reas de interveno das 14 redes BALLE......................................................91

  • NDICE DE FIGURAS

    Figura 1: Mapa de localizao geogrfica das 14 redes BALLE.........................................59

    Figura 2: Arranjo organizacional da BALLE.......................................................................68

    NDICE DE GRFICOS

    Grfico 1: Satisfao das redes com os servios BALLE....................................................72

    Grfico 2: Servios disponibilizados pelas redes e sua frequncia......................................72

    Grfico 3: Proporo de membros por setor........................................................................78

    Grfico 4: Proporo de membros por setor econmico......................................................80

    Grfico 5: Relao Redes - Governo local...........................................................................84

    Grfico 6: Nvel das dificuldades enfrentadas pelas redes BALLE no processo de

    re-localizao econmica...................................................................................93

    Grfico 7: Nvel das oportunidade identificadas pelas redes BALLE no processo

    de re-localizao econmica..............................................................................94

    NDICE DE ANEXOS

    Contedos disponibilizados em mdia digital (Compact Disc):

    Anexo 1: O que a re-localizao significa e no significa

    Anexo 2: Caracterizao do projeto REconomia

    Anexo 3: Questionrio eletrnico respondido por quatorze redes da BALLE

    Anexo 4: Entrevista estrutura respondida por Martin Sorge da BALLE

    Anexo 5: Grelha de anlise de contedo da entrevista estruturada com Martin Sorge

    da BALLE

    Anexo 6: Grelha de anlise de contedo das questes abertas do questionrio eletrnico

    Nota: Fonte da Figura da Capa Chamberlin, Shaun. The Transition Timeline: for a local,

    resilient future. Totnes, Inglaterra: Green Books, 2009.

  • 1

    INTRODUO

    Nos ltimos anos tem-se assistido o surgimento de organizaes e de movimentos

    que advogam a importncia de se produzir e consumir localmente em detrimento dos bens

    e servios provenientes das corporaes multinacionais e suas redes globalizadas. Este

    fenmeno, de maior evidncia nos Estados Unidos e na Inglaterra, e presente tanto no meio

    urbano quanto no rural, expresso em denominaes tais como: buy local; going local;

    local first; be local; think local first, protect the local globally; e from global to local.

    Estes termos so representaes de um conceito ainda pouco analisado por estudos

    acadmicos: economic localization ou economic relocalization, em portugus, re-

    localizao econmica1.

    O ponto de partida da re-localizao a compreenso da centralidade da organizao

    econmica hegemnica na interdependncia dos problemas contemporneos, e de seu

    estado colonizador das diversas esferas da vida, exercendo forte influncia no ser, no

    agir, no pensar, no sentir e na qualidade de todas as relaes sociais e ambientais. Diante

    desta centralidade da economia, da insustentabilidade sistmica da globalizao neoliberal

    e de seu estado desincrustado da sociedade, a re-localizao econmica prope um

    processo de reconfigurao, diversificao e fortalecimento das economias locais. O

    objetivo central permitir que comunidades, regies e naes nessa ordem, do menor

    para o maior recuperem o controle sobre suas economias, abarcando problemas como o

    da mudana climtica, da crise energtica, do hiperconsumismo e do uso irracional dos

    recursos. Ao passo que tudo o que puder ser produzido no local deve s-lo. Quando no

    houver condies locais, o regional tem prioridade, depois o nacional e, em ltima

    instncia, o internacional (Hines, 2000, p. 30, traduo prpria).

    Em outras palavras, a re-localizao desafia a viso hegemnica de que bigger is

    better, buscando uma economia de base humana e comunitria (humanly scaled e

    community-based), em que os recursos locais naturais, humanos e financeiros devem

    ser maximizados na produo de bens e servios para atender, em primeiro lugar, aos

    mercados locais. Estudos sobre o conceito so ainda incipientes no universo acadmico,

    mas a re-localizao j vem sendo discutida teoricamente por economistas e

    1 Embora na lngua inglesa o conceito seja mais conhecido por economic localization, na traduo para o

    portugus optamos por re-localizao econmica a fim de no confundir com questes de localizao

    geogrfica e reforar o fato de que as economias locais j foram mais dinmicas e diversas, justificando um

    processo de (re-)localizao da mesma. Em alguns momentos utilizaremos apenas o termo re-localizao.

  • 2

    ambientalistas, e pesquisada e colocada em prtica por organizaes do terceiro setor

    americano e britnico (Norberg-Hodge, 2001; Starr & Adams, 2003).

    No atual perodo histrico, marcado por mltiplas crises, somos impulsionados a

    identificar e analisar iniciativas inovadoras e ousadas face urgncia das crescentes

    demandas sociais. A inovao social configura-se, assim, como um importante suporte e

    fio condutor. A inovao social diz respeito s respostas novas e socialmente reconhecidas

    que visam e geram mudana social (Andr & Abreu, 2006). Trata-se de um fenmeno

    construdo a partir de variadas formas de aes coletivas, manifestando-se como um

    produto ou um processo, numa dinmica multiescalar (desde o nvel local aos nveis

    nacionais e internacionais), contribuindo para a satisfao de necessidades humanas ainda

    no consideradas ou atendidas e aumento da capacidade humana de agir na prpria

    resoluo de seus problemas por vias do empowerment e/ou fomento de capital social

    (Martinelli et al., 2003 apud Andr & Abreu, 2006).

    Partindo da constatao de que a re-localizao um fenmeno muito recente, pouco

    analisado por estudos acadmicos e representativo de uma diferente reorganizao das

    atividades econmicas no contexto da sociedade contempornea, o problema levantado

    neste estudo est expresso na seguinte questo: A re-localizao econmica tem se

    configurado enquanto um processo de inovao social? A fim de responder a esta questo,

    temos como objetivo verificar o potencial de inovao social da re-localizao econmica

    a partir do modelo de interveno de uma instituio do terceiro setor americano,

    designadamente, a BALLE Business Alliance for Local Living Economies. Trata-se de

    uma organizao sem fins lucrativos cuja misso catalisar, fortalecer e conectar em rede

    locally owned independent businesses, em portugus, empreendimento(s) de posse local

    (EPL), interessados no fomento da re-localizao econmica. Atualmente, a BALLE

    possui cerca de 80 redes, que juntas representam mais de 22 mil EPL distribudos em 30

    estados americanos e em algumas provncias canadenses.

    Para elaborao deste trabalho partimos da seguinte hiptese: A re-localizao

    econmica se configura como um processo de inovao social; e sub-hipteses: (i) o

    territrio de interveno das organizaes promotoras da re-localizao diverso,

    representando a elasticidade das fronteiras do local na tese da re-localizao; (ii) as

    organizaes promotoras da re-localizao agregam tanto o setor com fins lucrativos

    quanto o sem fins lucrativos, e tm representatividade nos vrios setores econmicos; (iii)

    a interveno das organizaes apresenta resultados significativos na promoo da re-

    localizao nas dimenses consumo, financeira e polticas pblicas; (iv) a necessidade de

  • 3

    responder a desafios socioeconmicos e ambientais move a interveno das organizaes

    como tambm a possibilidade de aproveitar oportunidades; (v) h diversidade nos recursos

    utilizados pelas organizaes na promoo da re-localizao, ou seja, tanto na tipologia de

    conhecimentos e saberes quanto na de capital relacional; e (vi) as organizaes possuem

    uma tipologia contra-hegemnica, mas buscam parcerias com governos locais e outras

    organizaes com o objetivo de viabilizar a prpria re-localizao.

    A escolha desta reflexo justifica-se por diversos motivos. Diante da lacuna de

    estudos sobre a re-localizao econmica no universo acadmico, sobretudo de lngua

    portuguesa2, a presente investigao constitui um contributo relevante para a academia,

    indo de encontro proposta deste mestrado de incentivar o estudo sobre a inovao social

    numa dinmica empreendedora. A nvel social e poltico, pretendemos contribuir para a

    reflexo sobre caminhos alternativos globalizao neoliberal e transcender a zona de

    conforto da crtica. Por ltimo, em termos pessoais, a escolha deste tema representa a

    busca de uma gegrafa e analista ambiental por conceitos e prticas que no concentrassem

    seu foco nos efeitos naturais das prticas socioeconmicas, permitindo compreender que

    problemas aparentemente externos representam, primeiramente, um conflito no interior

    da atual organizao da sociedade humana.

    Na sequncia do exposto, a reflexo estrutura-se em trs captulos. No Captulo I

    desenvolvemos a delimitao terica dos conceitos de inovao social e re-localizao

    econmica. No que se refere inovao social, passamos pela sistematizao de suas

    principais definies, reflexo sobre conceitos fundamentais sua compreenso, como os

    de empowerment e de capital social, e apresentao das dimenses analticas que

    orientaro a anlise da re-localizao econmica enquanto uma possvel inovao social a

    partir da interveno da BALLE. J o carter incipiente do conceito de re-localizao no

    universo acadmico nos demandou uma ateno especial em sua delimitao terica e este

    exerccio foi delineado em trs etapas. A primeira etapa consiste numa breve exposio da

    globalizao neoliberal e seus principais efeitos enquanto o problema no qual a re-

    localizao econmica visa superar. Na segunda etapa, faremos uma apresentao geral do

    conceito de re-localizao, passando pela identificao de suas razes; fundamentao

    terica a partir do dilogo entre os autores da literatura especfica; e breve contextualizao

    2 Os referenciais tericos da re-localizao econmica encontram-se na lngua inglesa e para a sua maior

    difuso faz-se necessrio estudos em outras lnguas. Ficar a cargo do pesquisador traduzir as citaes

    existentes no corpo do texto desta dissertao, a fim de que o material final encontre-se todo na lngua

    portuguesa.

  • 4

    da re-localizao no cenrio americano e britnico. J na terceira e ltima etapa, propomos

    uma operacionalizao exploratria da re-localizao econmica em seis dimenses de

    anlise: (i) natureza; (ii) espacializao; (iii) posse; (iv) consumo; (v) financeira; e (vi)

    poltica. O objetivo de tal operacionalizao foi contribuir para a sistematizao de um

    conceito ainda pouco analisado por estudos acadmicos e orientar a anlise do estudo de

    caso da BALLE. O Captulo II dedicado apresentao dos passos terico-

    metodolgicos utilizados na elaborao deste estudo e caracterizao do terreno de estudo.

    O Captulo III analisa empiricamente o objeto de estudo atravs dos dados obtidos pela

    aplicao de diferentes tcnicas de recolha de dados, buscando analisar o potencial de

    inovao social da re-localizao na interveno da BALLE a partir da operacionalizao

    do conceito de inovao social de Andr e Abreu (2006) e das dimenses analticas

    estipuladas neste estudo para a re-localizao econmica.

    Tendo em conta que a presente dissertao de mestrado possui um carter

    exploratrio, nas consideraes finais no temos o objetivo de afirmar concluses, mas de

    refletir acerca das questes suscitadas pelo estudo de caso da BALLE, delineando pistas

    para outras investigaes.

  • 5

    CAPTULO I. INOVAO SOCIAL E RE-LOCALIZAO ECONMICA:

    DELIMITAO TERICA DOS CONCEITOS

    1.1. Inovao Social: ode mudana

    A inovao social diz respeito s respostas novas e socialmente reconhecidas que

    visam e geram mudana social (Andr & Abreu, 2006). Trata-se de um fenmeno

    construdo a partir de variadas formas de aes coletivas, manifestando-se como um

    produto ou um processo, numa dinmica multiescalar (desde o nvel local aos nveis

    nacionais e internacionais) e possuidor das seguintes caractersticas: (i) contribui na

    satisfao de necessidades humanas ainda no consideradas ou atendidas; (ii) aumenta o

    acesso ao direitos democrticos; e (iii) eleva a capacidade humana em agir na resoluo de

    problemas por vias do empowerment e/ou fomento de capital social (Martinelli et al., 2003

    apud Andr & Abreu, 2006).

    O debate sobre a inovao social recente no seio das cincias sociais, o que sugere

    dvidas sobre sua definio e faz com que o conceito repouse em certa impreciso e

    profanao no seu uso. No teremos aqui o esforo em reafirmar tal posio com relao

    ao estado ainda incipiente do conceito, no entanto, buscaremos cumprir os seguintes

    objetivos tericos: (i) contextualizar a inovao social num momento de crise, mudanas e

    oportunidades; (ii) sistematizar as principais definies existentes e refletir sobre conceitos

    fundamentais sua compreenso, como os de empowerment e de capital social; e (iii)

    apresentar as dimenses analticas que orientaro a anlise da re-localizao econmica

    enquanto uma possvel inovao social a partir da interveno da BALLE.

    1.1.1. Inovao social: principais definies

    A inovao social fruto do distanciamento progressivo da dimenso tecnolgica do

    conceito de inovao e da constituio de sua dimenso social. Se o princpio da

    competitividade impulsionou a inovao tecnolgica no modo de produo industrial

    capitalista, este princpio tambm marcou o desenvolvimento inicial da inovao social.

    Nas cincias sociais o conceito de inovao social surge, primeiramente, com o

    objetivo de representar processos institucionais inovadores, promovidos por agentes

    dominantes, no intuito de aumentar a competitividade de empresas e de territrios. Entre as

    dcadas de 1960-80, a inovao social concentrou-se nos domnios da aprendizagem

  • 6

    (ensino e formao) e do emprego (organizao do trabalho); e nas dcadas de 80 e 90,

    ampliou-se para o campo das polticas sociais e do ordenamento do territrio. Neste

    perodo, as fronteiras entre a dimenso tecnolgica e a social da inovao ainda eram

    tnues. H de se ressaltar, no entanto, que as primeiras concepes da inovao social

    incidiram sobre o contexto, seja ele o da qualificao, do trabalho, da segurana social ou

    do territrio, enquanto que a inovao tecnolgica marcada pelo foco sobre o objeto

    (Andr & Abreu, 2006).

    A delimitao do conceito de inovao social ocorreu apenas recentemente, o que

    justifica seu estado ainda incipiente nas cincias sociais.

    As perspectivas mais recentes afastam definitivamente a inovao social da tecnolgica,

    atribuindo-lhe uma natureza no mercantil, um carter colectivo e uma inteno que no s

    gera, mas tambm visa, transformaes das relaes sociais. (...) a inovao social implica

    sempre uma iniciativa que escapa ordem estabelecida, uma nova forma de pensar ou fazer

    algo, uma mudana social qualitativa, uma alternativa ou at mesmo uma ruptura face aos

    processos tradicionais. A inovao social surge como uma misso ousada e arriscada (Andr

    & Abreu, 2006, p. 125).

    A partir de uma relao dialtica entre a resoluo de problemas sociais e o

    fortalecimento da capacidade social em agir na prpria resoluo, configura-se a inovao

    social, abarcando desafios mltiplos e diversos, sejam eles relacionados a questes de

    pobreza, sade, emprego, evaso escolar, mudana climtica, degradao ambiental, entre

    muitos outros. Organizamos no Quadro 1 as principais definies do conceito.

    Murray et al. (2010) chamam ateno para a importncia da etapa de diagnstico do

    problema, tendo em conta que uma inovao social fruto da identificao de um bom

    problema, ou seja, de um problema que traga em si as sementes da soluo e no

    represente apenas mais uma consequncia. preciso ir alm dos sintomas para identificar a

    causa real, sendo que, muitas vezes, um bom problema est escondido, marginalizado ou

    cristalizado enquanto algo impossvel de ser ultrapassado. Outro aspecto ressaltado por

    Murray et al. (2010), que, atualmente, as inovaes sociais no possuem um carter

    puramente top-down nem down-top, mas implicam uma aliana entre o top e o down. Em

    outras palavras, uma aliana entre abelhas - indivduos criativos com ideias inovadoras -

    e rvores - grandes instituies com capital e poder para tornarem ideias em projetos e

    mudanas reais. Para os autores, esta aliana vem apontando para o surgimento de uma

    nova economia, que combina alguns elementos antigos e muitos outros novos, podendo ser

    descrita como uma economia social, em virtude de conjugar caractersticas bem

  • 7

    Fonte: Elaborao prpria da autora.

    3 Organizao canadiana interuniversitria e multidisciplinar, fundada em 1986 e pioneira nos estudos sobre inovao social (Andr & Abreu, 2006).

    4 A Iniciativa Comunitria EQUAL (2000-2008) foi financiada pelo Fundo Social Europeu e co-financiada pelos Estados-Membros da Unio Europia. A iniciativa apoiou

    projetos transnacionais inovadores no combate discriminao e desigualdade no mercado de trabalho.

    Quadro 1: Definies do conceito de inovao social

    Projeto/ Centro de

    investigao/ Tericos Definies

    CRISES (Centre de

    Recherche sur les

    Innovations Sociales)3

    Uma interveno iniciada por atores sociais a fim de: responder a aspiraes e necessidade; trazer uma soluo; tirar proveito de um contexto a fim de

    modificar as relaes sociais; transformar um quadro de ao; ou propor novos valores culturais (Lvesque & Lajeunesse-Crevier, 2005).

    SINGOCOM (Social

    Innovation,

    Governance and

    Community Building).

    Projeto coordenado por

    Frank Moulaert -

    Framework V

    Programme European

    Union, Socio-economic

    Key-Action.

    A inovao social um caminho dependente e contextual. Refere-se s mudanas em agendas, em agncias e em instituies que geram uma melhor

    incluso de grupos e indivduos excludos em vrias esferas da sociedade e em vrias escalas espaciais. A inovao social uma questo de inovao

    de processos, ou seja, alteraes na dinmica das relaes sociais, incluindo as relaes de poder. (...) Como a inovao social remete, basicamente,

    incluso social, tambm diz respeito ao combate ou superao de foras conservadoras que fortalecem ou preservam situaes de excluso social.

    (...) A inovao social, portanto, refere-se explicitamente a uma posio tica de justia social, (...) naturalmente sensvel a uma diversidade de

    interpretaes e, geralmente, na prtica, o resultado da construo social (Moulaert et al., 2005, p. 1978, traduo prpria). A inovao social um

    fenmeno fruto de variadas formas de aes coletivas, manifestado como produto ou processo, multiescalar (desde o nvel local aos nveis nacionais e

    internacionais); e possuidor das seguintes caractersticas: (i) contribui para a satisfao de necessidades humanas ainda no consideradas ou atendidas;

    (ii) aumenta o acesso aos direitos democrticos; e (iii) eleva a capacidade humana em agir na prpria resoluo de seus problemas por vias do

    empowerment e/ou fomento de capital social (Martinelli et al., 2003 apud Andr & Abreu, 2006).

    Andr e Abreu (2006)

    A inovao social uma resposta nova e socialmente reconhecida que visa e gera mudana social, tendo trs principais dimenses ou qualidades: (i)

    satisfao de necessidades humanas no satisfeitas pelo mercado; (ii) promoo da incluso social; e (iii) capacitao de agentes ou indivduos sujeitos

    a processos de excluso/marginalizao, desencadeando uma mudana nas relaes de poder. A inovao social configura-se enquanto um produto e

    um processo. Produto enquanto uma metodologia passvel de ser delineada e transfervel por exemplo, o servio oferecido pelo projeto Chapit em

    Lisboa, Portugal, na capacitao de pessoas em estado de excluso por meio da arte, um domnio socialmente restrito; e processo quando a prpria

    inovao um contnuo fomento da mudana social por exemplo, a mobilizao de pessoas socialmente marginalizadas como os moradores de rua

    ou comunidades gay, que por motivos diversos se unem para encontrar meios de gerar sua incluso e, portanto, gerar novas relaes de poder. A ao

    coletiva prevalece sobre a ao individual, seu pilar a relao social e a qualidade da mesma (Andr & Abreu, 2006).

    EQUAL4

    Na viso da EQUAL a inovao social diz respeito s novas estratgias, conceitos, ideias e prticas que respondem a necessidades sociais de natureza

    diversa. Configuram-se enquanto processo ou produto e possibilitam a construo de uma sociedade mais justa, mais participativa e democrtica.

    Remete complementaridade entre os setores pblico, privado e terceiro setor (Figueira, 2008).

  • 8

    diferentes da economia baseada na mera produo e consumo de commodities. Suas

    principais caractersticas so: (i) uso intensivo das redes de comunicao no sustento das

    relaes; (ii) tnues fronteiras entre a produo e o consumo; (iii) nfase na colaborao,

    interao, cuidado e manuteno e no no simples consumo; e (iv) um papel relevante dos

    valores e misses das atividades econmicas. Dois aspectos, s vezes conflitantes, s vezes

    coincidentes, definem a nova economia que tem se configurado a partir de diferentes

    sistemas, padres e processos:

    Um vem da tecnologia: a disseminao das redes; a criao de infra-estruturas globais de

    informao; e ferramentas das redes sociais. O outro vem da cultura e dos valores: a crescente

    nfase sobre a dimenso humana; em colocar as pessoas em primeiro lugar; dando voz

    democrtica; e comeando pelo indivduo e pelas relaes ao invs de pelos sistemas e

    estruturas. [Em termos gerais,] a nova economia tem se configurado a partir de sistemas

    descentralizados ao invs de estruturas centralizadas, e tem administrado a complexidade no

    pela padronizao e simplificao imposta pelo centro, mas atravs de sua distribuio para as

    margens, para os gerentes e trabalhadores de cho de fbrica, bem como para os consumidores

    (Murray et al., 2010, p. 5, traduo prpria).

    A inovao social supe, portanto, uma atitude crtica e um desejo de mudar, sendo

    assumida, inicialmente e na maior parte dos casos, por uma minoria vanguardista (Alter,

    2000 apud Andr & Abreu, 2006). No h como afirmar o que emergir deste experimento

    baseado em rpidas aprendizagens por tentativa e erro, mas acredita-se, entretanto, que as

    inovaes sociais alimentaro outras inovaes, fomentando um processo permanente de

    adequao e formulao de melhores solues (Murray et al., 2010). Os conceitos de

    empowerment e capital social esto intimamente ligados inovao social, constituindo,

    concomitantemente, seus meios e seus fins. Ao passo que a prtica da inovao social se d

    atravs de processos de empowerment e fomento de capital social, seu objetivo ltimo

    intensificar em nmero e qualidade as relaes sociais e alterar relaes de poder. Neste

    sentido, apresentaremos, brevemente, o que se entende aqui por estes conceitos a fim de

    servir como base para correlaes futuras com o conceito de re-localizao econmica.

    Seguindo as ideias de Friedman (1999), o conceito de empowerment abarca o

    processo de apropriao individual e coletiva do poder social, em que h o aumento da

    capacidade de interveno a partir do reforo de capacidades e competncias, sendo uma

    pr-condio para a participao e para o exerccio da cidadania. Neste processo a nfase

    colocada na autonomia das tomadas de deciso de comunidades territorialmente

    organizadas, na autodependncia local (mas no na autarquia - sociedade que, do ponto

    de vista econmico, se basta a si mesmo), na democracia direta (participativa) e na

    aprendizagem social pela experincia (Friedman, 1999, p. XI). Os processos de

  • 9

    empowerment incorporam, portanto, os conceitos de participao, conscincia crtica e

    controle sobre os problemas e decises sobre os mesmos. na tomada de conscincia

    sobre os desafios e problemas, no exerccio do controle da situao, e na formulao,

    individual e coletivamente, de solues alternativas que se materializa o empowerment. J

    o fomento de capital social nos remete a aspectos quantitativos e qualitativos das relaes

    sociais. Possuir capital social implica um sujeito estar relacionado com outras pessoas, e

    nestas outras pessoas e no em si prprio, que reside a verdadeira fonte de sua vantagem

    (Portes, 1998). O conceito de capital social definido por Pierre Bourdieu, James Coleman

    e Robert Putnam de forma independente ao longo dos ltimos 25 anos (Ferri et al., 2009).

    Transitando pelas trs definies, temos em Bourdieu o capital social enquanto um

    agregado de recursos reais ou potenciais que esto ligados posse de uma rede durvel

    de relaes mais ou menos institucionalizadas, e de conhecimento mtuo ou

    reconhecimento (Bourdieu, 1986 apud Ferri et al., 2009, p. 143, traduo prpria). J na

    viso de Coleman, o capital social remete mais sua funo, ou seja, uma variedade de

    entidades com dois elementos em comum: todas elas possuem algum aspecto das

    estruturas sociais e facilitam determinadas aes de atores sociais sejam elas pessoas

    fsicas ou empresas - dentro da estrutura (Coleman, 1988 apud Ferri et al., 2009, p. 144,

    traduo prpria). Por outro lado, Putnam concentrou-se na associao cvica nacional e no

    bem-estar geral das comunidades em sua compreenso do capital social. Sua definio faz

    referncia s caractersticas de organizaes sociais, tais como confiana, normas e

    redes que podem melhorar a eficincia da sociedade, facilitando aes coordenadas

    (Putnam, 2000 apud Ferri et al., 2009, p. 144, traduo prpria).

    Tanto Bourdieu quanto Coleman do nfase ao carter intangvel do capital social.

    Considerando que o capital econmico est nas contas bancrias das pessoas e o capital

    humano dentro de suas cabeas, o capital social se encontra na estrutura de seus

    relacionamentos (Portes, 2008, p. 7, traduo prpria). Em Putnam o capital social est

    mais relacionado ao seu aspecto coletivo. Logo, um organizado sistema econmico com

    forte integrao social fruto da acumulao de capital social (Siisiinen, 2000).

    1.1.2. Dimenses de anlise da inovao social

    A fim de orientar a anlise da possvel configurao da re-localizao econmica

    enquanto uma inovao social no modelo de interveno da BALLE, utilizaremos como

    base o trabalho de Andr e Abreu (2006), no qual operacionalizam em quatro dimenses

  • 10

    analticas o conceito de inovao social. No captulo II deste estudo apresentamos em mais

    detalhes, a partir de nosso modelo de anlise, como essas quatro dimenses da inovao

    social orientaro o desenvolvimento do estudo de caso da BALLE, cabendo aqui apenas

    uma delimitao terica das mesmas. Segue abaixo uma sntese destas quatro dimenses:

    Natureza: a primeira dimenso de anlise da inovao social diz respeito ao foco da

    mudana pretendida, ao mbito atravs do qual a inovao social se manifesta

    (polticas, processos e produtos); ao domnio no qual ela emerge e se desenvolve

    (econmico, tecnolgico, poltico, social, cultural, tico); e s adversidades que a

    inovao social visa ultrapassar;

    Estmulos: esta dimenso remete s adversidades, aos riscos, aos desafios e s

    oportunidades que envolvem uma inovao social. No mbito da inovao social a

    alavanca no a concorrncia mas sim a necessidade de vencer adversidades e

    riscos, embora a possibilidade de aproveitar oportunidades e de responder a

    desafios parea ser tambm o grande incentivo (Andr & Abreu, 2006, p. 127);

    Recursos e dinmicas: A discusso das condies que permitem e favorecem a

    inovao social inclui, por um lado, os recursos necessrios ao processo, e, por

    outro, as dinmicas associadas consolidao e difuso da inovao (Andr &

    Abreu, 2006, p. 128). Os recursos so subdivididos entre os conhecimentos e saberes

    e o capital relacional. O primeiro refere-se qualificao necessria efetivao da

    inovao social, e o segundo espacialidade das relaes. No capital relacional

    distinguem-se dois nveis: um de proximidade geogrfica, ou seja, um capital

    relacional local/regional que deriva da proximidade e que se baseia essencialmente

    nos laos de confiana e cooperao interpessoais e em que a identidade e a

    pertena so foras centrpetas importantes; e outro desterritorializado, um

    capital relacional transnacional ou global sustentado noutras proximidades

    (cultural, geracional, social, ...) que configura no um territrio mas um espao-

    rede composto por ns e fluxos (Andr & Abreu, 2006, p. 128). J as dinmicas

    dizem respeito a questes de sustentabilidade das inovaes sociais. Os autores

    definem cinco possveis dinmicas: (i) institucionalizao/ absoro; (ii) mantm-se

    num quadro no institucional e gera outra onda de inovao; (iii) esgotamento, visto

    que acaba quando o problema especfico resolvido; (iv) travagem pela represso;

    ou (v) abandono da ideia ou da prtica;

  • 11

    Relao de agncia: Nesta dimenso ressaltamos a identificao dos tipos e das

    relaes de poder na mediao da inovao social. A relao de agncia, ou de

    mediao, surge como uma das principais especificidades da inovao social. Fora

    da esfera mercantil e muitas vezes ameaada pela inrcia das instituies, a

    inovao social situa-se principalmente no mbito do terceiro setor. (Andr &

    Abreu, 2006, p. 129). preciso reconhecer o desenvolvimento de inovaes sociais

    tambm por meio de polticas pblicas ou prticas em instituies privadas, mas a

    literatura aponta para uma predominncia do seu desenvolvimento fora das

    instituies e frequentemente contra elas (...) protagonizada informalmente por um

    movimento social, ou com uma matriz mais estruturada, por uma organizao

    (Andr & Abreu, 2006, p. 129). Portanto, com relao ao tipo, os autores definem as

    seguintes possibilidades de mediao: instituies (pblica, privada, terceiro setor),

    organizaes e movimentos sociais. As relaes de poder so um importante aspecto

    na discusso da inovao social, expresso nas perguntas: At que ponto os agentes

    fracos, vulnerveis a algum tipo de excluso, tm capacidade para inovar? E, se a

    inovao partir dos agentes hegemnicos, os que se enquadram na ordem

    dominante, at que ponto pode avanar o empowerment dos agentes fracos alvo da

    iniciativa? (Andr & Abreu, 2006, p. 130). Neste sentido, necessrio um esforo

    em identificar os agentes da inovao social enquanto hegemnicos ou contra-

    hegemnicos e refletir sobre sua posio nas relaes de poder.

    1.2. Re-localizao econmica: do problema proposta

    Nos ltimos anos tem-se assistido o surgimento de organizaes e de movimentos

    que advogam a importncia de se produzir e consumir localmente em detrimento dos bens

    e servios provenientes das corporaes multinacionais e suas redes globalizadas. Trata-se

    de uma resposta aos crescentes nveis de insustentabilidade econmico-financeira, social,

    ambiental e energtica oriundos do modelo econmico globalizado neoliberal. Este

    fenmeno, de maior evidncia nos Estados Unidos e na Inglaterra, e presente tanto no meio

    urbano quanto no rural, expresso em denominaes tais como: buy local; going local;

    local first; be local; think local first, protect the local globally; e from global to local.

    Estes termos so representaes de um conceito ainda pouco analisado por estudos

    acadmicos: economic localization ou economic relocalization, em portugus, re-

    localizao econmica.

  • 12

    Este carter incipiente do conceito no universo acadmico nos demandou uma

    ateno especial em sua delimitao terica e este exerccio foi delineado em trs etapas. A

    primeira etapa consiste numa breve exposio da globalizao neoliberal e seus principais

    efeitos enquanto o problema no qual a re-localizao econmica visa superar. Na

    segunda etapa, faremos uma apresentao geral do conceito de re-localizao, passando

    pela identificao de suas razes; fundamentao terica a partir do dilogo entre os autores

    da literatura especfica; e breve contextualizao da re-localizao no cenrio americano e

    britnico. J na terceira e ltima etapa, propomos uma operacionalizao exploratria da

    re-localizao econmica em seis dimenses de anlise: (i) natureza; (ii) espacializao;

    (iii) posse; (iv) consumo; (v) financeira; e (vi) poltica. O objetivo de tal operacionalizao

    foi contribuir na sistematizao de um conceito ainda pouco analisado por estudos

    acadmicos e orientar a anlise do estudo de caso da BALLE.

    1.2.1. Globalizao neoliberal: um breve olhar sobre o problema

    Como dito anteriormente, uma inovao social fruto do diagnstico de um bom

    problema, ou seja, aquele que se configura enquanto causa e no sintoma. Desse modo,

    uma inovao social deve promover mudanas estruturais e no apenas amenizar efeitos

    secundrios. Nosso objetivo neste item apresentar, brevemente, a problematizao feita

    por economistas e ambientalistas que advogam pela re-localizao econmica e estabelecer

    um dilogo com tericos que corroboram esta anlise. O problema identificado na tese

    da re-localizao econmica remete a duas consequncias centrais da globalizao

    neoliberal: (i) sua centralidade na interdependncia dos problemas contemporneos,

    acentuando o papel da economia enquanto colonizadora das diversas esferas da vida

    humana e no-humana; e (ii) perda de poder de deciso e autogesto das localidades sobre

    suas economias e futuro. Em linhas gerais, a globalizao neoliberal, na tese da re-

    localizao, compreendida como o processo de contnua reduo das barreiras comerciais

    e de investimento, motivado pela teoria da vantagem comparativa, competitividade

    internacional e atual modelo de crescimento, resultando em economias locais

    desvitalizadas e cada vez mais dependentes de objetivos e fluxos de capitais extremamente

    longnquos s mesmas (Hines, 2000; Shuman, 2006). Logo, este processo tm se

    desenvolvido custa de perdas sociais, ambientais e trabalhistas, promovendo o

    aumento da desigualdade para a maioria do mundo (...) [e nesta lgica, coloca] pas

  • 13

    contra pas, comunidade contra comunidade e trabalhadores contra trabalhadores

    (Hines, 2000, p. 4-5). Em outras palavras:

    Por trs de todos esses sentidos de globalizao h uma ideia bsica que pode ser chamada de

    des-localizao: o desenraizamento de atividades e relacionamentos de origem local e

    cultural. Isso significa o deslocamento de atividades que at recentemente eram locais para

    redes de relaes cujo alcance distante ou mundial. Os preos internos de bens de consumo,

    os ativos financeiros, como aes e ttulos, mesmo o trabalho - so cada vez menos regulados

    por condies locais e nacionais, todos eles flutuam junto com os preos do mercado global.

    Globalizao significa arrancar as atividades sociais fora do conhecimento e poder local e

    coloc-los nas redes em que so condicionadas por eventos em todo o mundo (Gray, 1998

    apud Hines, 2000, p. 7 traduo prpria).

    A promessa da globalizao neoliberal era, no entanto, de eficincia e crescente

    produtividade com economias de escala e a possibilidade de alcance da prosperidade por

    todos que aderissem aos dogmas neoliberais (Hines, 2000), mas Harvey (2008) deixa claro

    que o neoliberalismo foi um projeto de reorganizar o capitalismo internacional,

    restabelecer as condies de acumulao de capital e restaurar o poder das elites

    econmicas, fato que fez com que o bem-estar coorporativo tomasse o lugar do bem-estar

    social nos objetivos dos Estados. A abertura de mercado no teve como objetivo a

    melhoria da qualidade de vida e muito menos o fortalecimento da cidadania. As

    liberdades que [o mercado] encarna refletem os interesses dos detentores de propriedade

    privada, dos negcios, das corporaes multinacionais e do capital financeiro (Harvey,

    2008, p. 17). As instituies de Bretton Woods: Banco Mundial, Fundo Monetrio

    Internacional (FMI) e o Acordo Geral de Tarifas e Comrcio (GATT), arquitetaram a

    explorao, a dependncia e a desigualdade, tornando-se centros de propagao e

    implementao do fundamentalismo do livre mercado e da ortodoxia neoliberal (Harvey,

    2008; Chossudovsky, 1999).

    Para Milton Santos (2005, p. 24), os seguintes fatores contriburam para a

    configurao da atual globalizao perversa: a unicidade da tcnica, a convergncia

    dos momentos, a cognoscibilidade do planeta e a existncia de um motor nico na histria,

    representado pela mais-valia globalizada. No atual patamar da internacionalizao, com

    uma verdadeira mundializao do produto, do dinheiro, do crdito, da dvida, do

    consumo, da informao, a mais-valia universal rege o funcionamento do sistema

    hegemnico (Santos, 2005, p. 29). A noo de competitividade, longe de ser justa, atua

    com toda a fora, politicamente ajudada pelas manipulaes do comrcio exterior ou das

    barreiras alfandegrias (Santos, 2005, p. 93) Deste modo, so as perspectivas e

    tambm exigncias do campo econmico mundial que determinam as orientaes,

  • 14

    impostas ou escolhidas em cada um dos pases, os ritmos e o nvel da atividade local,

    enquanto que sempre foi o contrrio, mesmo no capitalismo clssico (Chesneaux, 1995,

    p. 64). Neste cenrio, o investimento direto estrangeiro mecanismo de exportao de

    capitais destinado a extrair mais-valia no exterior, sendo que a especializao da produo

    e posio de exportador de uma ou duas matrias-primas (o caso de muitos pases em

    desenvolvimento) no resultado de uma dotao natural dos territrios (Chesnais, 1996).

    Duas foras contraditrias caracterizam o sistema econmico global: a

    consolidao de uma economia de mo-de-obra barata global e a procura de novos

    mercados consumidores. A primeira solapa a segunda. A ampliao de mercados para a

    corporao global requer a fragmentao e a destruio da economia domstica

    (Chossudovsky, 1999, p. 13). Nas palavras de Santos (2005, p. 67), a poltica agora

    feita no mercado. S que esse mercado global no existe como ator, mas como uma

    ideologia, um smbolo. Os atores so as empresas globais, que no tm preocupaes

    ticas. (...) No mundo da competitividade, ou se cada vez mais individualista, ou se

    desaparece.

    Santos (2005) ao explicar a racionalidade da demanda externa, nos fala da atual

    agricultura cientfica globalizada, na qual a escolha dos produtos se d segundo uma base

    mercantil e implica uma estrita obedincia aos mandamentos cientficos e tcnicos,

    contagiando todos os processos envolvidos como os de plantao, colheita, transporte e

    comercializao, e levando com a racionalizao das prticas, a uma certa

    homogeneizao, [como tambm] a uma certa militarizao do trabalho (...) atribuindo

    aos agricultores modernos a velha condio de servos da gleba (Santos, 2005, p. 89). De

    forma geral, a diversidade regional e local nos territrios nacionais redefine-se, em maior

    ou menor grau e tambm de maneira heterognea devido s relaes dialticas entre as

    foras exgenas e endgenas prprias de cada territrio. No entanto, as sociedades locais e

    nacionais obtm pouco controle do processo, constituindo uma diversidade regional de

    novo tipo (Santos, 2005, p. 94). Esta nova tipologia de diversidade, embora seja nica em

    cada localidade, devemos ser sensveis ao fato de que decorre de uma demanda externa

    de racionalidade e das respectivas dificuldades de oferecer uma resposta (Santos,

    2005, p. 90). Como afirma Shiva (2003, p. 33), a diversidade tem de ser erradicada como

    uma erva daninha, e as monoculturas de plantas e pessoas tm de ser administradas de

    fora porque no so mais auto-reguladas e autogeridas. Aqueles que no se ajustam

    uniformidade so declarados incompetentes. A autora complementa que no atual modelo

  • 15

    de produo global neoliberal a diversidade, num sentido mais geral do conceito, no

    passvel de ser preservada, obrigando mudana do sistema.

    Portanto, os tericos da re-localizao, ressaltam que na busca pela constante

    reduo dos custos de produo e obteno de vantagens comparativas, empresas

    transnacionais vasculham o mundo a fim de se estabelecerem nos pases aonde as leis

    trabalhistas so mais flexveis, as ambientais mais brandas, os regimes fiscais menos

    onerosos e os subsdios mais generosos. Estes objetivos orientam a especializao da

    produo e solapam a economia local, que no foi protegida do fluxo intenso de

    mercadorias e servios muito mais baratos (os custos reais so externalizados ou

    subsidiados). Das Main Streets americanas s comunidades rurais e cidades nos pases

    em desenvolvimento, a globalizao corporativa tem causado o declnio dos nveis de

    resilincia, da posse local nas atividades econmicas, da agricultura familiar, e dos

    ecossistemas naturais. A riqueza e o poder tm se concentrado cada vez mais nas

    corporaes transnacionais, atualmente responsveis por controlar importantes aspectos de

    nossas vidas: desde a alimentao, o vesturio, o noticirio, ao governo que dependemos

    para proteger o bem comum (Wicks, 2002; Hines, 2000; Shuman, 2006; Goldsmith; 2001).

    Somado aos efeitos das caractersticas estruturais da globalizao neoliberal expostos

    acima, a crise financeira que eclodiu em 2008, veio confirmar os altos riscos da

    financeirizao da economia. Porm, os governos dos pases desenvolvidos no tm

    mostrado disposio e criatividade para superar este impasse, optando por austeridade,

    corte de gastos pblicos, na espera de que a crise gerada pela crescente privatizao dos

    ganhos no mercado financeiro seja resolvida pela socilizao das perdas e que essa poltica

    de mais Estado para o mercado e menos Estado para o social supere a crise. Os desafios

    sociais e econmicos tm crescido em nmero e grau em todo o globo. A Europa e os

    Estados Unidos, antes numa situao favorecida, enfrentam hoje uma gama de questes

    multidimensionais de curto e longo prazo5. O sistema no est s quebrado e exposto,

    mas tambm incapaz de qualquer outra resposta que no a represso. (...) Construir uma

    alternativa em suas runas tanto uma oportunidade inescapvel quanto uma obrigao

    que nenhum de ns pode ou vai querer evitar (Harvey, 2012, p. 64). Hubert (2011)

    5 O relatrio Empowering people, drinving change: Social innovation in the European Union, elaborado pelo

    Bureau of European Policy Advisers, em 2010, destaca as seguintes questes: (i) rpido avano tecnolgico e

    implicaes no mercado de trabalho; (ii) crescente fluxo de imigraes e problemas de desigualdade e

    excluso social; (iii) aumento exponencial das taxas de desemprego a partir da crise financeira de 2008, com

    especial destaque para o desemprego na populao jovem; (iv) insucesso no combate pobreza; (v)

    envelhecimento da populao; e (vi) impactos econmicos, sociais e ambientais decorrentes da mudana

    climtica (Hubert, 2011).

  • 16

    conclui que perante a inadequao das respostas tradicionais (governamentais,

    mercadolgicas e civis) s demandas sociais, e perante as crescentes restries

    oramentais, a inovao social apresenta-se neste cenrio enquanto uma importante opo

    a ser reforada nos diferentes nveis (local, regional, nacional, global) e setores (pblico,

    privado, sociedade civil).

    Trazendo este contexto de crise para o mbito da inovao social, h de se ressaltar

    que uma inovao social requer o exerccio de se pensar e planejar o novo, e no nos

    permite ocupar apenas a zona de conforto da crtica e da euforia do combate. Se existem

    lacunas, tambm existem demandas por novos modelos, valores, saberes, competncias,

    produtos, processos e servios. Vivemos na efervescncia dinmica dos pices de

    mudana. tempo de repensar as perguntas e inovar nas respostas; momento rico e

    precioso que deve ser valorizado e comemorado nas complementaridades do barulho e do

    silncio, da reflexo e da ao.

    1.2.2. Re-localizao econmica: a proposta

    O reconhecimento das consequncias da globalizao neoliberal tem crescido,

    porm, a re-localizao econmica como parte do grupo das solues ainda pouco

    discutida. Seja por desconhecimento ou por compreenses estereotipadas do conceito. No

    universo acadmico, no entanto, a re-localizao econmica vem sendo discutida

    teoricamente por economistas e ambientalistas, e pesquisada e colocada em prtica por

    organizaes do terceiro setor americano e britnico, e por algumas instituies privadas

    de consultoria (Norberg-Hodge, 2001; Starr & Adams, 2003).

    Antes de adentrarmos na definio conceitual da re-localizao econmica,

    pertinente identificar as razes do conceito, para contextualizar onde e por quem tem

    sido pesquisado, teorizado e colocado em prtica. Embora o conceito seja recente, sua

    definio inspirou-se no trabalho de intelectuais pioneiros como Leopold Kohe, Ivan

    Illych, E. F. Schumacher, Jane Jacobs, Paul Goodman e David Morris, que, nos ltimos 50

    anos, desenvolveram ideias progressistas para um novo modelo econmico, advogando as

    virtudes da economia local diversa e dinmica (Shuman, 2006). Organizamos no Quadro 2

    breve apresentao das principais instituies e autores que trabalham com a re-localizao

    econmica. As instituies americanas prevalecem em nmero e representam o destaque

    desta proposta de reorganizao das atividades econmicas no cenrio americano.

  • 17

    Quadro 2: Principais instituies e autores que trabalham com a re-localizao econmica

    INSTITUIES COM SEDE NOS ESTADOS UNIDOS

    American Independent Business Alliance (AMIBA) organizao sem fins lucrativos dedicada a ajudar comunidades e empresas a prosperar em uma economia local. Foi criada em

    2001, sendo uma das primeiras redes de empreendimentos de posse local (EPL) nos Estados Unidos. http://www.amiba.net/

    Business Alliance for Local Living Economies (BALLE) tambm fundada em 2001, uma organizao sem fins lucrativos que tem como misso catalisar, fortalecer e conectar em rede

    EPL interessados e dedicados na construo de economias locais sustentveis (local living economies). http://www.livingeconomies.org/

    Civic Economics (CE) uma empresa de consultoria e pesquisa em planejamento estratgico com escritrios em Austin e Chicago. A empresa presta servios para o setor pblico, privado

    e terceiro setor a fim auxiliar no planejamento de economias locais e comunidades sustentveis.

    Cutting Edge Capital uma empresa de consultoria financeira que presta servios a pequenas e mdias empresas no que se refere a informaes, ferramentas e conhecimentos necessrios

    para levantar capital local de acordo com a tipologia de cada negcio. http://cuttingedgecapital.com/

    International Forum on Globalisation (IFG) foi fundado em 1994 e se tornou uma instituio de referncia em pesquisa e ensino Norte-Sul sobre a globalizao. composta por

    ativistas, economistas, acadmicos e pesquisadores que fornecem anlises e crticas sobre os impactos culturais, sociais, polticos e ambientais da globalizao neoliberal. Atualmente est

    sediado em So Francisco, Califrnia. http://www.ifg.org/

    New Economics Institute (NEI) um instituto que combina teoria, viso, ao e comunicao para efetuar a transio para uma nova economia. Possui uma abordagem multidisciplinar,

    emprega pesquisa, teoria aplicada, campanhas pblicas e eventos educacionais para descrever um sistema scio-econmico alternativo capaz de enfrentar os desafios da sociedade

    contempornea. O Instituto (ex-EF Schumacher Society) est trabalhando em estreita parceria com a organizao britnica New Economics Foundation (NEF) a fim de adicionar os

    programas e experincias desenvolvidas no Reino Unido em seu prprio trabalho nos EUA. http://neweconomicsinstitute.org/

    New Economy Working Group (NEWGroup) uma organizao sem fins lucrativos que tem como misso contribuir na reformulao do debate sobre polticas econmicas a fim de

    responder s demandas sociais e ambientais e s oportunidades do sculo XXI. http://neweconomyworkinggroup.org/

    Post Carbon Institute (PCI), fundado em 2003, visa fornecer a indivduos, comunidades, empresas e governos os recursos necessrios para se compreender e responder de forma sistmica

    s crises econmica, social, energtica e ambiental. Sua viso um mundo de comunidades resilientes e de economias re-localizadas, desenvolvendo-se dentro dos limites ecolgicos.

    http://www.postcarbon.org/

    The Institute for Local Self-Reliance (ILSR) fundado em 1974, um instituto de pesquisa que tem como misso oferecer estratgias inovadoras, modelos de trabalho e informaes

    oportunas para apoiar o desenvolvimento comunitrio sustentvel e equitativo. http://www.ilsr.org/

    The International Society for Ecology and Culture (ISEC) uma organizao sem fins lucrativos que tem como misso promover uma mudana sistmica da globalizao econmica

    para a re-localizao, respondendo de maneira eficaz e eficiente aos problemas socioeconmicos e ambientais. Atravs de seus programas "educao para a ao", a ISEC desenvolve

    modelos e ferramentas inovadoras a fim de catalisar colaboraes nesta mudana estratgica em nvel comunitrio e internacional. Atualmente possui escritrios nos Estados Unidos, na

    Inglaterra e na Alemanha. http://www.localfutures.org/

    YES! Magazine uma organizao de comunicao fundada em 1996 com o objetivo de disseminar ideias inovadoras e aes prticas para a construo de um modelo socioeconmico

    justo e sustentvel. Possui publicao impressa e no website.

    http://www.amiba.net/http://www.livingeconomies.org/http://cuttingedgecapital.com/http://www.ifg.org/http://neweconomicsinstitute.org/http://neweconomyworkinggroup.org/http://www.postcarbon.org/http://www.ilsr.org/http://www.localfutures.org/http://www.yesmagazine.org/
  • 18

    Fonte: Elaborao prpria da autora.

    AUTORES AMERICANOS

    Colin Hines trabalha com questes ligadas ao movimento ambientalista h mais de 30 anos, associado do IFG, ex-chefe da Unidade Internacional de Economia do Greenpeace e autor de

    livros sobre a re-localizao, com nfase em polticas pblicas.

    David Korten economista, escritor e ativista. co-fundador e presidente do conselho da revista YES, membro do conselho da BALLE, associado do IFG e membro do Clube de Roma,

    tendo lecionado em cursos de MBA e doutorado da Harvard University Graduate School of Business.

    Helena Norberg-Hodge pioneira em projetos de re-localizao, analisando os impactos da economia global em culturas, economias locais e modelos de agricultura. produtora e co-

    diretora do documentrio The Economics of Happiness e fundadora/diretora da ISEC, a qual lanar brevemente The International Alliance for Localization (IAL). linguista, com

    doutorado pela Universidade de Londres e pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts nos Estados Unidos com Noam Chomsky.

    Michael Shuman economista, advogado, empresrio, diretor de pesquisa da Cutting Edge Capital, associado do PCI, co-fundador e diretor de pesquisa e desenvolvimento econmico

    da BALLE e autor de vrios livros sobre a re-localizao econmica.

    INSTITUIES COM SEDE NO REINO UNIDO

    Foundation for Economics Sustainability (FEASTA), sediada na Irlanda, a fundao tem como objetivo identificar as caractersticas (econmicas, culturais e ambientais) de uma

    sociedade verdadeiramente sustentvel, articular meios para que a transio seja efetuada e promover a implementao de indicadores desta mudana. http://www.feasta.org/

    New Economics Foundation (NEF), fundada em 1986, um independente think-and-do tank britnico, combinando tanto pesquisa quanto interveno. Seu objetivo melhorar a

    qualidade de vida atravs da promoo de solues inovadoras, desafiando o pensamento dominante em questes econmicas, sociais e ambientais. http://www.neweconomics.org/

    Transition Network (TN) uma rede global de Iniciativas de Transio (IT) auto-organizadas com base em Totnes, Inglaterra. A TN visa inspirar, conectar e dar suporte para que

    comunidades efetuem o processo de transio para um futuro de baixo carbono, maior nvel de resilincia comunitria e re-localizao econmica. http://www.transitionnetwork.org/

    AUTORES BRITNICOS

    Edward Goldsmith foi um ambientalista e escritor anglo-francs, fundador da principal revista europeia em assuntos ambientais, The Ecologist, e co-fundador do Partido Verde ingls. Foi

    um importante membro do IFG e autor de diversos livros sobre desenvolvimento econmico e sustentabilidade.

    Peter North professor no departamento de Geografia da Universidade de Liverpool (Inglaterra), responsvel por trabalhos acadmicos sobre a re-localizao econmica, com nfase no

    papel das moedas locais.

    Richard Douthwaite foi um economista, ambientalista e escritor sobre questes energticas, mudana climtica e economias locais. Foi co-fundador da FEASTA, membro do PCI e do

    Conselho do Governo Irlands em Sustentabilidade.

    Rob Hopkins co-fundador da TN, associado das instituies PCI e Ashoka, professor convidado da Universidade de Plymouth (Inglaterra), com mestrado em Social Research e

    doutorado em Geografia pela mesma universidade.

    http://en.wikipedia.org/wiki/Noam_Chomskyhttp://www.feasta.org/http://www.neweconomics.org/http://www.transitionnetwork.org/
  • 19

    Segundo Shuman (2006), testemunhamos uma luta histrica entre duas diferentes

    vises de capitalismo. A primeira sumarizada pelo autor na sigla TINA, inspirado pela

    declarao de Margaret Thatcher, There Is No Alternative:

    Em todo o mundo, conventional economic developers adotaram a lgica there is no

    alternative ou TINA na forma de dois imperativos: traga a Toyota para o seu quintal e

    exporte seus bens econmicos para mercados os mais longnquos e variados possveis. Esta

    lgica to amplamente aceita por polticos e economistas que question-la equivalente a

    uma heresia (Shuman, 2006, p. 8, traduo prpria).

    Com o exponencial aumento da mobilidade das multinacionais nas ltimas dcadas

    na incessante busca pela diminuio de custos e maximizao dos lucros, as localidades

    baseadas na viso TINA, viveram e ainda vivem, um terrvel dilema: diminuir o custo de

    sua mo de obra, afrouxar as normas ambientais, oferecer incentivos fiscais para atrair e

    reter empresas, ou tornar-se uma cidade fantasma (Shuman, 2006, p. 9, traduo

    prpria). Esta lgica coloca trabalhadores contra trabalhadores, comunidades contra

    comunidades, pases contra pases (Hines, 2000).

    A segunda viso de capitalismo expressa por Local Ownership and Import

    Substitution LOIS (posse local e substituio de importaes):

    A posse local refere-se ao controle administrativo dos empreendimentos residindo numa

    comunidade geograficamente delimitada. E a substituio de importaes remete ao fato que

    sempre que possvel, em termos de custos e recursos, as comunidades devem priorizar a

    produo local de bens e servios. Juntos estes dois princpios sugerem (...) as virtudes de uma economia que aproveita ao mximo o capital humano, o capital financeiro e o mercado de uma

    localidade (Shuman, 2006, p. 8, traduo prpria).

    A fim de representar os diferentes tipos de empreendimentos baseados na viso LOIS

    Shuman (2006) cria os termos Small-Mart e Community Coorporation. Neste estudo,

    utilizaremos sempre o termo empreendimento(s) de posse local (EPL) em referncia aos

    empreendimentos baseados na re-localizao econmica. Na dimenso posse do conceito

    de re-localizao veremos em detalhes as caractersticas que definem um EPL, mas

    importante adiantar que esta categoria engloba pequenas e mdias empresas, cooperativas

    de produo ou de consumo, empresas mistas, instituies pblicas, organizaes sem fins

    lucrativos, trabalhadores autnomos, e novas estruturas como os empreendimentos sociais,

    que a partir da posse, estejam ancorados em determinada comunidade. Em linhas gerais, a

    economia local pretendida pela re-localizao fortemente marcada pelo carter de uma

    economia mista, ou seja, que supera a distino estrita entre economia capitalista ou

  • 20

    socialista e agregue, sem eliminar ou desvalorizar, a posse privada e a urgncia pela posse

    comunitria.

    A re-localizao desafia a viso hegemnica de que bigger is better, buscando uma

    economia de base humana e comunitria (humanly scaled e community-based), em que o

    valor dos recursos locais naturais, humanos e financeiros deve ser com produo de

    bens e servios para atendimento inicial dos mercados locais. O objetivo as comunidades,

    as regies e as naes nessa ordem, do menor para o maior lograrem recuperar o

    controle sobre suas economias, ao passo que tudo o que puder ser produzido no local

    deve s-lo. Quando no houver condies locais, o regional tem prioridade, depois o

    nacional e, em ltima instncia, o internacional (Hines, 2000, p. 30, traduo prpria).

    No significa isolar-se do resto do mundo. Significa nutrir empreendimentos de posse local que

    utilizam recursos locais de forma sustentvel, empregam trabalhadores locais com salrios

    dignos e, sobretudo, servem os consumidores locais. Significa elevar os nveis de autonomia e

    diminuir os de dependncia das importaes. O controle se moveria dos conselhos de

    administrao de corporaes distantes para a comunidade onde ele pertence (Shuman, 1998,

    p. 6, traduo prpria).

    Neste processo, a re-localizao visa diminuir em nmero e grau situaes

    paradoxais de importao e exportao dos mesmos produtos por um pas, e

    desvalorizao dos produtos locais. Como nos mostra a pesquisa desenvolvida pelo

    ISEC, The International Society for Ecology and Culture:

    A Califrnia exporta couve-de-bruxelas para o Canad ao mesmo tempo em que importa

    couve-de-bruxelas da Blgica. Nova York exporta nozes para a Itlia e importa exatamente o

    mesmo produto do mesmo pas neste processo os navios efetivamente se cruzam no

    Atlntico. (...) Estes exemplos no so anomalias, mas parte de uma tendncia crescente:

    alimentos tratados como mercadoria especulativa em uma poca marcada cada vez mais pelo

    livre comrcio, sendo transportados de l para c em todo o mundo no para satisfazer as

    necessidades alimentares das pessoas, mas para aumentar os lucros das corporaes do

    agronegcio. Nos 10 anos desde a implementao do NAFTA (North American Free Trade

    Agreement), o transporte de alimentos entre EUA e Mxico dobrou em ambas as direes

    (ISEC, 2004, p. 5, traduo prpria).

    Sobre a desvalorizao dos produtos locais, encontramos mais exemplos em

    Norberg-Hodge (2001, p. 242, traduo prpria).

    Na Monglia, um pas que tem sobrevivido com produtos lcteos locais por milhares de anos e

    que tem hoje 25 milhes de animais produtores de leite, a principal manteiga que se encontra

    nas lojas alem. No Qunia, a manteiga da Holanda a metade do preo da manteiga local;

    na Inglaterra, a manteiga da Nova Zelndia custa muito menos do que a local e os produtos

    lcteos na Espanha so principalmente dinamarqueses. Nesta situao absurda, indivduos,

    comunidades e pases esto perdendo o controle sobre suas economias local e nacional, e

    tornando-se dependentes em suas necessidades bsicas e dirias de produtos que, muitas vezes,

    so transportados por milhares de quilmetros desnecessariamente.

  • 21

    A forma pela a qual comunidades podem assegurar bem estar parar de buscar

    empresas multinacionais sem lealdade com as localidades e comear a investir em EPL. A

    prosperidade comea quando a posse, a produo e o consumo passam a estar

    intimamente ligados s localidades (Shuman, 1998, p. 7, traduo prpria). Os termos

    local living economies6 e community self-reliance

    7 tambm so utilizados em referncia ao

    conceito de re-localizao econmica, porm, Hopkins (2010) adverte sobre o uso

    inadequado do termo localism (localismo) em referncia re-localizao. Localismo a

    preocupao com a governana e a administrao pblica na esfera exclusivamente

    poltica, enquanto a re-localizao remete ao fortalecimento das economias locais para

    atender demandas locais sob a tica da sustentabilidade. O localismo visa a devoluo do

    poder poltico para o nvel local a partir de sua descentralizao e um processo que traz

    contribuies para a efetivao da re-localizao, mas precisam ser traadas fronteiras

    claras entre os dois conceitos. Enquanto o localismo pode perfeitamente ter lugar dentro de

    uma economia focada no crescimento econmico como um fim em si, ou seja, no cenrio

    business as usual, a re-localizao carrega uma preocupao com os recursos naturais e

    com a justia social, focada na crtica da globalizao. A re-localizao se desenvolve a

    partir de um princpio de reorganizao social e econmica, ao passo que o localismo

    um princpio de organizao poltica (Hopkins, 2010, p. 240, traduo prpria).

    North (2010) ressalta que existem, no entanto, dois processos de re-localizao

    econmica passveis de se desenvolverem nas prximas dcadas. Ao introduzir a questo o

    autor faz uso do conceito de compresso espao-tempo de David Harvey acerca da

    sociedade e economia global, argumentando que a atual necessidade em diminuir o uso de

    combustveis fsseis devido mudana climtica8 e ao pico do petrleo

    9, tem direcionado

    6 A BALLE a organizao responsvel por cunhar o termo local living economies (LLE), com o objetivo de

    evitar conceitos, muitas vezes ambguos, como os de economia sustentvel ou economia verde, e ser

    mais objetiva com relao escala espacial e dinmica do modelo de economia que visa fomentar e

    fortalecer. 7 Michael Shuman o autor que mais fez uso do termo self-reliance em referncia re-localizao em seus

    livros, mas em artigos mais recentes tem priorizado o uso do conceito economic relocalization. 8 H uma vasta discusso acerca da mudana climtica, principalmente, em torno de ser ou no consequncia

    da ao antrpica. Para Hopkins (2008), mesmo o efeito estufa sendo um dos processos naturais que permite

    a vida desenvolver-se neste planeta, o problema comea quando os gases que formam essa camada aumentam

    de maneira desproporcional. No perodo pr-industrial os nveis de carbono eram de 278ppm (partes por

    milho) e no variaram mais do que 7ppm entre os anos 1000 e 1800. Em 2007, a concentrao de carbono

    atingiu a taxa de 385ppm. O Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) reportou, em 2007, que

    caso o aquecimento global no fique abaixo dos 2 C, o que j requer fortes medidas mitigadoras, a

    humanidade ir enfrentar impactos globais, tais como extino de espcies em massa, secas prolongadas,

    inundaes e fome (Chamberlin, 2009). 9 O conceito pico do petrleo, formulado pela primeira vez pelo geofsico Hubbert, em 1956, refere-se ao

    ponto em que o mundo atinge o nvel mximo possvel de produo de petrleo, e alm deste ponto, a

  • 22

    a uma re-extenso espao-tempo, em que o transporte, por exemplo, se torna novamente

    significante em termos de custos. As atuais mercadorias muito baratas produzidas pelas

    redes globalizadas vo se tornar e permanecer cada vez mais caras, em um processo que

    alguns analistas econmicos denominam reverse globalisation; uma inverso hierrquica

    dos fluxos de mercadorias, desfavorecendo a produo e comercializao atravs das redes

    globalizadas. Diante deste contexto, h a distino entre os dois processos de re-

    localizao, um de carter fraco e outro forte. A re-localizao fraca:

    uma deciso de negcios, impulsionada pelo custo, no por polticas pblicas ou pela

    necessidade de reduzir as emisses de carbono. (...) No h nada de radical ou progressivo

    sobre isso. A arquitetura da produo global pode estar mudando, com a re-localizao sendo

    apenas uma evoluo da economia globalizada. (...) Sua lgica neoliberal, mas com um

    diferente clculo de custos e benefcios, e um diferente nvel de abertura comercial, levando a

    uma diferente geografia da produo. Esta vertente configura-se por business as usual,

    mesma explorao, porm carbon free e com redes de distribuio menores (North, 2010, p.

    11, traduo prpria).

    Curtis e Ehrenfeld (2012), nos fornecem dados que indicam o desenvolvimento da

    re-localizao fraca.O comrcio global depende de fretes de carga baratos para longas

    distncias. [No entanto, estes custos] vo subir em decorrncia da mudana climtica, do

    fim do petrleo barato e de polticas para mitigar esses dois desafios (p. 1, traduo

    prpria). O petrleo, em 2003, custava cerca de US$ 28.00/barril e em apenas cinco anos,

    em 2008, ultrapassou os US$ 147.00/barril, levando falncia 20 companhias areas

    transportadoras de carga, j que os custos de combustvel subiram de 15 para 35% nas

    despesas de operao. Somadas ao fim do petrleo barato, as polticas climticas

    significativas como as taxas sobre emisses ou negociao de permisso de emisso (cap

    and trade) elevaria os preos dos combustveis fsseis a fim de reduzir seu consumo e

    consequentes emisses. O transporte areo e martimo de mercadorias ser fortemente

    atingido por tais polticas (ambos tm pesadas pegadas de carbono10

    ), tornando muito

    difcil diminuir o nvel de emisses de gases do efeito estufa com as mesmas toneladas-km

    de mercadorias transportadas por ano. E como alerta final, no h combustveis comerciais

    de baixo carbono com as mesmas caractersticas de desempenho, acessibilidade e

    produo ir diminuir a cada ano de forma irreversvel (Heinberg, 2007). No significa o fim do petrleo,

    mas a diminuio do petrleo barato, que ser cada vez mais difcil e caro extra-lo (Hopkins, 2010). Em

    2008, a Agncia Internacional de Energia (International Energy Agency, IEA), que at ento desconsiderava

    o pico do petrleo, publicou em seu World Energy Outlook que "o que necessrio nada menos que uma

    revoluo energtica (...) a era do petrleo barato acabou (...) o tempo est se esgotando (IEA, 2008 apud

    Hopkins, 2010, p. 27, traduo prpria). 10

    No transporte de mercadorias por via area, cada tonelada de combustvel de avio queimado produz 3,2 toneladas de CO2. Quanto ao transporte martimo, navios queimam bunker fuel, um lamacento e altamente

    poluente tipo de petrleo (Curtis e Ehrenfeld, 2012).

  • 23

    disponibilidade para substituir os combustveis fsseis (Curtis e Ehrenfeld, 2012). Com o

    preo dos fretes de longa distncia subindo, algumas corporaes comeam a encurtar suas

    redes de suprimento, produo e distribuio11

    , em busca da manuteno das suas taxas de

    lucro. Estes fatos comprovam, portanto, o inicial processo de reverse globalisation, sob a

    tica de uma re-localizao fraca, como descrita por North (2010).

    H, porm, uma re-localizao econmica de carter forte, como aponta North

    (2010); uma segunda resposta mais local e no corporativa (Curtis e Ehrenfeld, 2012,

    p. 6, traduo prpria). Este processo de re-localizao o qual nosso estudo se baseia e,

    como visto anteriormente, seu objetivo central combater a perda do controle local sobre a

    economia e diminuir situaes paradoxais como as apresentadas anteriormente. uma

    argumentao contra a falcia de que as conexes econmicas externas so sempre boas e

    inevitveis. Essas conexes devem ser conscientemente institudas, controladas e

    quebradas quando nocivas economia local (North, 2010, p. 7, traduo prpria). Seu

    propsito reverter essa lgica e devolver o controle econmico s comunidades, sob a

    tica da sustentabilidade, abarcando problemas como o da mudana climtica, da crise

    energtica, do hiperconsumismo e do uso irracional dos recursos.

    North (2010) enfatiza que os protagonistas da re-localizao forte esto

    desenvolvendo novas e progressistas conceituaes de economia, indo contra a lgica das

    estratgias capitalistas baseadas no crescimento econmico com um fim em si. A re-

    localizao no deve ser comparada a um retorno ao passado pr-globalizado, uma vez que

    ao possibilitar que comunidades em todo o mundo diversifiquem suas economias e

    atendam maior parte de suas necessidades relativamente o mais prximo de casa,

    possvel responder a problemas globai