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RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA - BRASIL SECRETARIA PAULO APÓSTOLO CARISMAS MÓDULO BÁSICO APOSTILA AUTORES: Alides Destri Mariotti 1

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Page 1: RCC - Ministério de formação - Apostila - 2 - Carismas

RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA - BRASIL

SECRETARIA PAULO APÓSTOLO

CARISMAS

MÓDULO BÁSICOAPOSTILA

AUTORES:Alides Destri Mariotti

Antonio Carlos LungnaniRonaldo José de Sousa

APRESENTAÇÃO

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Ao escrever esta apresentação da apostila sobre carismas, logo nos vem à mente o esforço realizado por todos os participantes da Comissão de Formação. E, de início, queremos louvar a Deus por “ter nos feito de modo tão admirável” (cf. Sl 138, 14). No início dos trabalhos, parecíamos meio estranhos e sem saber o que exatamente fazer. Percebemos que o melhor jeito de fazer era começar. E começamos. E o trabalho que a princípio seria simples, foi crescendo em tamanho, importância e significado. E logo percebemos também que estava muito acima de nossa capacidade e conhecimento.

A seqüência dos trabalhos foi revelando a beleza e a capacidade do ser humano, obra prima das mãos de Deus. O trabalho foi árduo, mais do que esperávamos. Estuda, escreve, envia para leitura de outros irmãos; volta todo rabiscado, cheio de comentários, sugestões de novos livros, novos autores e outros enfoques. Começar de novo, refazer, estudar, reescrever... E quanto amor pudemos ver nos irmãos. Quanta dedicação e vontade de servir ao Reino!

Queremos dizer a todos os que vão utilizar esta apostila: esperamos em Deus que a leitura e o estudo possam dar a todos a mesma alegria e descoberta que nós tivemos ao elaborá-la. Não tanto pela qualidade do material, mas sim pela graça de Deus que acompanha todo o nosso esforço sincero de crescimento e busca de conhecê-lo mais. E, conhecendo mais, amá-lo mais e mais.

Temidos como tudo o que é novidade e, depois, muito polemizados, hoje os carismas ainda causam interrogações e questionamentos. Pretendemos dar explicações simples, baseadas na Sagrada Escritura, nos ensinamentos da Igreja e na experiência da Renovação Carismática Católica em grupos de oração, seminários, retiros, congresso, enfim, no cotidiano da vivência carismática.

Não temos condições e nem pretendemos esgotar o assunto. Fornecemos uma razoável bibliografia para aprofundamento. Também não temos pretensão de analisar e estudar todos os dons, mas apenas de desenvolver um pequeno estudo sobre aqueles elencados por São Paulo, ditos efusos (cf. 1 Cor 12, 4-10).

No primeiro capítulo trataremos do tema geral: carismas. Depois abordaremos os nove dons efusos, um por um, em capítulos distintos, procurando conceituá-los e emitir uma base bíblica, doutrinária e vivencial sobre cada um.

É importante salientar em especial, com sincero reconhecimento e gratidão, a colaboração do colega Dercides Pires da Silva, que forneceu muitas de suas preciosas anotações; além de Marcos Dione Ugoski Volcan e Maria Lúcia Vianna, que fizeram a revisão de texto. Particular gratidão ao padre Luiz Fernando R. Santana, pela revisão teológica e ao professor Raul Pimenta pela revisão gramatical.

Um carinhoso agradecimento à Daniela R. G. Consoli e a Lilian Daniela Benvenutti, que dedicaram muito de seu tempo para a digitação e organização deste trabalho e a Mirian R. Heinzen pela revisão bíblica.

A todos os que nos assistiram com suas orações e que de alguma maneira colaboraram, o nosso “Deus lhes pague generosamente”. Sim, que a todos o Deus de amor e infinita misericórdia recompense.

Que todos vocês, ao lerem este material, orem intensamente por nós da Comissão de Formação, para que sejamos dóceis ao Espírito Santo, recebendo dele toda a instrução: “O Espírito da verdade ensinar-vos-á toda a verdade e anunciar-vos-á as coisas que virão” (Jo 16,13).

Deus abençoe a todos. E tenham caridade conosco naquilo que o trabalho não tenha ficado tão bom quanto vocês esperavam e merecem ter. Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Agora e sempre. Amém.

OS AUTORESCAPÍTULO PRIMEIRO

CARISMAS

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“Estes milagres acompanharão os que crerem: expulsarão os demônios em meu nome, falarão novas línguas, manusearão serpentes e se beberem algum veneno mortal, não lhes fará mal;

imporão as mãos aos enfermos e eles ficarão curados” (Mc 16, 17-18).

1. Introdução

Os carismas eram comuns no início da Igreja. Basta ler os Atos dos Apóstolos e as cartas de São Paulo. Depois, por alguns séculos eles se mantiveram restritos aos grandes santos. Assim, pensava-se que os carismas eram para alguns homens e mulheres reconhecidamente santos, místicos e penitentes.

Os carismas, portanto, não são novidades trazidas pela Renovação Carismática Católica, a não ser no aspecto do seu exercício nos tempos atuais. Os grupos de oração tornaram possível a sua manifestação em maior intensidade, percebendo sua qualidade de “dom” para todos os que crerem, conseqüência normal do batismo no Espírito. “Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai celestial dará o Espírito Santo aos que lhe pedirem” (Lc 11,13).

Mas foi o documento conciliar Lumen Gentium que traçou as primeiras diretrizes sobre carismas para os tempos atuais:

“...O Espírito habita na Igreja e nos corações dos fiéis (...) dirige-a mediante os diversos dons hierárquicos e carismáticos. (...) Não é apenas através dos sacramentos e dos ministérios que o Espírito Santo santifica e conduz o Povo de Deus (...), mas, repartindo seus dons a cada um como lhe apraz (1 Cor 12,11), distribui entre os fiéis de qualquer classe mesmo graças especiais (...) Estes carismas, quer eminentes, quer mais simples e mais amplamente difundidos, devem ser recebidos com gratidão e consolação, pois que são perfeitamente acomodados e úteis às necessidades da Igreja. Uma vida mais plena no Espírito Santo, a unção carismática do Espírito, contempla a Igreja com toda uma amplitude de dons.”1

Os carismas estão amparados na doutrina da Igreja, além de serem fundamentados biblicamente. Esses dons de adoração, louvor e oração aprofundam a dimensão contemplativa da fé cristã e as dádivas de serviço animam uma vida de santidade. “Todos os carismas trazem nova docilidade ao Espírito, a fé esperançosa na salvadora intervenção de Deus nas questões humanas, acentuado zelo pelo Evangelho e o respeito pela autoridade da Igreja.”2

Nesse sentido, é necessário afirmar a atualidade dos carismas e promovê-los como realidades necessárias à evangelização e ao crescimento pessoal de cada cristão. “A vida batizada no Espírito é marcada por uma experiência de união dinâmica com Deus e também por uma experiência de carismas doados pelo Espírito Santo.”3

São Pedro aviva essa esperança: “Pois a promessa é para vós, para os vossos filhos e para todos os que ouvirem de longe o apelo do Senhor, nosso Deus” (At 2, 39). A promessa é, portanto, para todos os tempos. O exercício dos carismas é tanto mais necessário por causa das dificuldades do tempo presente, marcado pela indiferença religiosa e pelo abandono dos valores espirituais e morais do cristianismo; esse tempo cobra não só um testemunho autêntico dos cristãos convictos, como também demonstrações do poder do Espírito.

Convém abalizar dons efusos, que é matéria deste estudo, dos dons infusos, que também

são carismas do Espírito, mas que se distinguem daqueles4:

1

?. N. 4 e 12.2. CONFERÊNCIA CATÓLICA DOS EUA, Declaração pastoral sobre a RCC, n.. 3. Kilian MCDONNELL, George MONTAGUE, Avivar a chama, p. 32.4

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a) Dons infusos - temor de Deus, fortaleza, piedade, conselho, conhecimento, sabedoria e discernimento (cf. Is 11, 1-3). Num total de sete, esses dons são concedidos para a pessoa (infundidos), aprimoram e reforçam as virtudes, constituindo-se em benefícios para o crescimento pessoal;

b) Dons efusos – línguas, profecia, interpretação, ciência, sabedoria, discernimento dos espíritos, cura, fé e milagres (cf. 1 Cor 13, 8-10). Num total de nove, esses dons são para o serviço e o bem comum e são concedidos como manifestações atuais, de acordo com a vontade de Deus.

Aqui serão estudados os carismas efusos, que são realidades manifestas nos grupos de oração da Renovação Carismática, constituindo-se num dos aspectos de sua identidade5.

2. Conceito

Os carismas são dons, graças, presentes, dados pelo Espírito Santo, “mas um e o mesmo Espírito distribui todos esses dons, repartindo a cada um como lhe apraz” (1 Cor 12,11):

“A palavra ‘carisma’ (chárisma) é oriunda da língua grega e significa ‘dom gratuito’. Ela

encontra seu significado fundamental na raiz ‘char’- que indica tudo aquilo que produz bem-estar; assim é que temos cháris, querendo significar ‘graça’, ‘dom’, ‘favor’, ‘bondade’; charízomai, no sentido de fazer um dom gratuito, mostrar-se generoso. O sufixo ‘-ma’ exprime na língua grega o resultado da ação indicada pelo verbo, o seu efeito, o que pode denotar também o caráter objetivo da concessão e da experiência da graça. Portanto, o significado geral e fundamental de ‘chárisma’ poderia ser: dom concedido por pura benevolência, que é, ao mesmo tempo, o objetivo e o resultado da graça divina, do presente que Deus faz aos homens”6

Em sentido restrito, os carismas são manifestações extraordinárias do Espírito Santo para proveito comum7. Eles exercem papel fundamental na evangelização, ou seja, na expansão do cristianismo, o que reforça sua importância e dignidade. O padre Luiz Fernando R. Santana aprofunda o assunto e alerta:

“A maciça presença de chárisma nos escritos de Paulo já é suficiente para mostrar quanto o termo, em seu significado e conteúdo, era caro para a teologia do apóstolo. Desde o início de seu apostolado, Paulo tem em alta estima a presença e ação dos dons e carismas do Espírito na vida da Igreja e dos fiéis batizados, até mesmo exortando a comunidade a que tivesse o cuidado de não extinguir o Espírito, de não desprezar as profecias, mas de verificar tudo com um discernimento sábio e sóbrio (Cf. 1 Ts 5, 19-22). Disso inferimos que, para Paulo, os carismas e os ministérios são os instrumentais privilegiados na edificação do Corpo de Cristo e na realização do desígnio de Deus na história; ambas as realidades possuem igual importância e dignidade, uma vez que emanam do mesmo Espírito e estão ordenadas, cada uma naquilo que lhe é específico, a um mesmo fim. Ainda podemos deduzir que existe uma interdependência no que diz respeito à relação ‘carismas-ministérios’, o que faz com que a dimensão carismática da Igreja na teologia paulina seja um tema de primeira grandeza.”8

Pelo seu próprio caráter, dom não implica santidade. Na verdade, qualquer pessoa pode

?. Essa distinção é didática, mas com fundamento bíblico-teológico; apesar disso, não tem a intenção de segmentar a ação do Espírito nem de encerrar dentro dela todas as espécies de carismas.

5. Cf. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, Identidade da Renovação Carismática Católica, p. 27-28.

6. Luis Fernando R. SANTANA, Recebereis a força do Espírito Santo, p.77.7. Cf. A. VAN DEN BORN, Dicionário enciclopédico da Bíblia, p.245.8

?. Batizados no Espírito, p. 43-44.

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receber os presentes de Deus (cf. At 10, 34). Porém, não se pode esquecer que quem não tem vida espiritual e reta intenção de agradar a Deus, certamente usará mal os carismas, pois não cultiva a necessária união com Cristo (cf. Jo 15, 4-5), para querer o que Deus quer.

3. Quando utilizar os carismas

É difícil precisar em que momentos utilizar os carismas do Espírito. O seu exercício deve se dá sempre, notadamente quando as situações o exigirem. Sendo a graça do Espírito uma realidade perene na vida humana, os carismas por sua vez, tornam-se também profusamente inseridos na vida daqueles que foram batizados.

No entanto, é preciso dizer que os carismas são realidades atuais e não adquiridas por posse. É o Espírito que opera tudo em todos (cf. 1 Cor 12, 6-7), a seu querer. Assim, “a um, o Espírito dá uma palavra de sabedoria; a outro, uma palavra de ciência, segundo o mesmo Espírito; a outro, a fé no mesmo Espírito; a outro, o dom das curas, nesse único Espírito; a outro, o operar milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, o falar diversas línguas, a outro ainda o interpretar essas línguas” (1Cor 12,8-10). Não seria justo, portanto, atribuir a uma pessoa ou grupo de pessoas específico a contenção exclusiva de qualquer manifestação carismática9; nem mesmo se pode dizer que alguém “tem” este ou aquele dom, pois cada manifestação é única10, mesmo que se processe com muita freqüência através de determinadas pessoas. Talvez ao dom de línguas possa se atribuir um caráter mais perene e sob controle, por se tratar de um dom de oração, mais para edificação pessoal (cf. 1 Cor 14, 4).

Contudo, não se pode cair no equívoco de reduzir os dons do Espírito a algumas ocasiões especiais. Eles foram dados em profusão nos tempos atuais. Pode ser cultivada uma constante expectativa em relação à sua manifestação, como para o derramamento do Espírito11.

Peculiarmente, a ação evangelizadora constitui um momento preciso de vivência dos dons efusos. A missão da Renovação Carismática Católica é evangelizar a partir do batismo no Espírito Santo, formando o povo de Deus em santidade e serviço. Para evangelizar o povo de Deus com unção e poder são necessários os carismas. Quando utilizados de forma livre, consciente, na hora necessária, levam as pessoas a terem uma experiência da presença real de Deus, que manifesta o seu infinito amor:

“A ‘força do Espírito Santo’ (At 1, 8) derramada nos corações dos cristãos, manifestação

do amor e do poder de Deus, provoca uma significativa diferença entre a ação evangelizadora de uma pessoa que se deixa conduzir por ela e uma que age sem ela. Aquele que evangeliza com os dons carismáticos multiplica as possibilidades humanas. A investidura carismática em comunidades da Igreja, em todo mundo, tem gerado e sustentado grande número de evangelistas dedicados e eficientes, com novo vigor, com nova capacitação, nova alegria, novo jubilo, nova exaltação e louvor, levando em si o poder transformador do Espírito (Cf. 1 Cor 2, 1-5) que toca crianças, jovens, adultos e idosos de todo tipo de raça e cultura.”12

O uso dos carismas não é só um direito, é um dever de todos os fiéis. “Da aceitação destes carismas, mesmo dos mais simples, nasce em favor de cada um dos fiéis (...) o dever de exercê-los para o bem dos homens e a edificação da Igreja dentro da Igreja e do mundo”13.

9. Cf. SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Instruções sobre as orações para alcançar de Deus a cura, p. 14.

10. Cf. Ibid., p. 10.11. Cf. Ronaldo José de SOUSA, O impacto da Renovação Carismática, p. 23.12. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, A espiritualidade da RCC, p.4313

?. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Apostolican Actuositatem, n. 3.

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Pode-se constatar na prática apostólica que, quando a evangelização é acompanhada de carismas, colhem-se frutos abundantes: os carismas fazem diferença e são eficazes na evangelização, quando exercidos na caridade.

4. Os dons efusos e a caridade

Jesus deu o mandamento do amor: “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amo” (Jo 15, 12.17). São Paulo apresenta o trabalho apostólico realizado no amor. Não um amor qualquer, mas o amor “ágape”, amor doação a Cristo e aos irmãos:

“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Mesmo que eu tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, não sou nada. Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria! A nossa ciência é parcial, a nossa profecia é imperfeita. Quando chegar o que é perfeito, o imperfeito desaparecerá. Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade - as três. Porém, a maior delas é a caridade” (1Cor 13,1-3.9s.13).

Os capítulos 12 a 14 da carta aos Coríntios, que tratam dos carismas e suas manifestações, são verdadeiros referenciais para se viver a vida nova, guiada pelo Espírito Santo, exercendo os seus dons de maneira autêntica e frutuosa. Eles contêm regras básicas e orientações seguras. Outras recomendações podem ser encontradas em Ef 4, 15.30; Rm 12, 6-8; 13, 8-10; e 1 Tess 5, 14-15. 19-21.

Jesus dá a regra para verificar o valor do trabalho: “Pelos frutos os conhecereis” (Mt 7,16). São Paulo também fala: “o fruto do Espírito é caridade, alegria, paz, paciência, afabilidade, bondade, fidelidade, brandura, temperança. Contra estas coisas não há lei” (Gl 5,22-23). Dessa forma, o bom uso dos carismas é garantido pelo amor14, que é o dom por excelência e que atribui sentido aos outros dons15. Os carismas, portanto, são fundamentados na caridade:

“Sejam extraordinários, sejam simples e humildes, os carismas são graças do Espírito Santo que, direta ou indiretamente, têm uma utilidade eclesial, ordenados que são à edificação da Igreja, ao bem dos homens e às necessidades do mundo. Os carismas devem ser acolhidos com reconhecimento por aquele que os recebe, mas também por todos os membros da Igreja. São uma maravilhosa riqueza de graça para a vitalidade apostólica e para a santidade de todo o Corpo de Cristo, desde que se trate de dons que provenham verdadeiramente do Espírito Santo e que sejam exercidos de maneira plenamente conforme aos impulsos autênticos deste mesmo Espírito, isto é, segundo a caridade, verdadeira medida dos carismas”16.

5. Os carismas devem ser pedidos com fé e exercidos na humildade

É exatamente por causa do amor que os dons efusos devem ser almejados. “Empenhai-vos em procurar a caridade”, encoraja São Paulo (cf. 1 Cor 14, 1a); e acrescenta: “aspirai igualmente os dons espirituais, mas sobretudo ao da profecia” (cf. 1 Cor 14, 1b). A motivação deve ser o uso em benefício dos outros, para ajudar o povo de Deus a alcançar a santidade.

Por isso, os carismas devem ser pedidos com fé e sem temor. Embora eles sejam distribuídos conforme apraz ao Espírito, nada impede que o crente aspire e peça os dons, para

14. Cf., a propósito, Ronaldo José de SOUSA, Pregador ungido, p. 24-25.15. Cf. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, Carismas, p. 39.16. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 799-800.

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que seu testemunho seja permeado de sinais (cf. 1 Cor 2, 4-5). “Só aqueles que reconhecem o valor dos dons na sua vida cristã e no serviço aos irmãos são impulsionados a pedi-los ao Pai, como Jesus mesmo nos ensinou: ‘Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei e abrir-se-vos-á. Pois todo aquele que pede, recebe; aquele que procura, acha; e ao que bater se lhe abrirá’ (Lc 11,9-10)”17.

Para o exercício prático dos carismas, não se deve esquecer três coisas fundamentais:

a) Humildade

É preciso vigiar para não cair na tentação de achar que os dons são méritos alcançados, recompensas de Deus por esforços desmedidos. A humildade faz perceber que o cristão é um administrador dos bens do Senhor (cf. Lc 16, 1-3) e que nenhum “carismático” se basta a si mesmo. Deus constituiu a Igreja como um corpo (cf. 1 Cor 12, 12-29), de tal maneira que um carisma só se plenifica no conjunto da comunidade. “Exercer os carismas na humildade é exercê-los sem exibicionismo, sem buscar prestígio, honra, poder. (...) É também exercê-los sem auto-suficiência (cf. Mt 18,3-4), sem individualismo, sabendo que necessitamos da ajuda dos irmãos para confirmar ou discernir a vontade de Deus para o seu povo...”18.

b) Harmonia

O exercício dos carismas, sobretudo nas reuniões de oração, deve obedecer a um ritmo harmônico, jamais exaltado ou demasiadamente estrondoso (cf. 1 Cor 14, 26-27). A força de um carisma não consiste na tonalidade que lhe é imposta ou no tipo de expressão que o acompanha, mas na utilidade objetiva que tem para a comunidade.

Assim, embora marcados pela espontaneidade e expressividade, os carismas se inserem na vida cristã sem causar escândalos. “Porquanto, Deus não é Deus de confusão, mas de paz” (1 Cor 14, 33).

O uso dos carismas será tanto mais saudável e útil quanto as pessoas que a eles se abrirem forem equilibradas emocionalmente e orantes o suficiente para saber distinguir a ação do Espírito de eventuais devaneios da pessoa humana19. É necessário ter respeito pelos dons de Deus; “não podemos exercê-los irresponsável e indiferentemente, com desprezo, de forma inconseqüente, olhando os nossos próprios interesses, ou dando aos carismas um relevo tão singular e único como se fossem bens totais e absolutos sobre os quais não há nada mais excelente e primeiro”20.

c) Ordem

A ordem no exercício dos carismas é uma extensão da harmonia, mas supõe autoridade e obediência. O cristão pode ser instrumento da manifestação autêntica do Espírito Santo, mas não deve esquecer que até o espírito dos profetas deve estar-lhes submissos (cf. 1 Cor 14, 32).

São Paulo esclarece nos seguintes termos: “Quanto aos profetas, falem dois ou três e os outros julguem. Se for feita uma revelação a algum dos assistentes, cale-se o primeiro. Todos, um após outro, podeis profetizar, para todos aprenderem e serem todos exortados” (1 Cor 14, 29-31 – grifos nossos). O mecanismo que garante a ordem na manifestação dos carismas é, portanto, a confirmação, de maneira que os carismas individuais sejam abonados comunitariamente. Dessa forma, os dons são ordenados para a obediência, saindo do plano meramente individual, compondo a realidade conjunta do povo de Deus.

Portanto, os carismas devem ser exercidos na obediência a Cristo e às autoridades 17

?. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, Carismas, p. 41.18. Ibid., p. 44.19. Cf. Ronaldo José de SOUSA, Pregador ungido, p. 21-22.20. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, Carismas, p. 43.

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constituídas. “Mas faça-se tudo com dignidade e ordem” (1 Cor 14, 40).

6. Palavra da Igreja

É oportuno destacar algumas asserções do Magistério da Igreja em relação aos carismas e seu uso:

a) “O Espírito Santo, ao confiar à Igreja-comunhão os diversos ministérios, enriquece-a com outros dons e impulsos especiais, chamados carismas. Podem assumir as mais variadas formas, tanto como expressão da liberdade absoluta do Espírito que os distribui, como em resposta às múltiplas exigências da história da Igreja. A descrição e a classificação que os textos do Novo Testamento fazem desses dons são um sinal da sua grande variedade...”21:

b) “Os carismas, sejam extraordinários ou simples e humildes, são graças do Espírito Santo que têm, direta ou indiretamente, uma utilidade eclesial, ordenados como são à edificação da Igreja, ao bem dos homens e às necessidades do mundo.Também em nossos dias não falta o florescer de diversos carismas entre os fiéis leigos, homens e mulheres. São dados ao indivíduo, mas também podem ser partilhados por outros, e de tal modo perseveram no tempo como uma herança preciosa e viva, que geram uma afinidade espiritual entre as pessoas22.

c) “Para exercerem este apostolado (os leigos), o Espírito Santo, que opera a santificação do povo de Deus por meio do ministério e dos sacramentos, concede também aos fiéis dons particulares (cf. 1 Cor 12,7), ‘distribuindo-os por cada um conforme lhe apraz’ (1 Cor 12,7-11), a fim de que ‘cada um ponha em serviço dos outros a graça que recebeu’, e todos atuem ‘como bons administradores da multiforme graça de Deus’ (1 Pd 4,10), para a edificação, no amor, do corpo todo. (cf. Ef 4,16). (...) Nenhum carisma está dispensado da sua referência e dependência dos pastores da Igreja. O Concílio escreve com palavras claras que o juízo acerca da sua (dos carismas) autenticidade e reto uso pertence àqueles que presidem a Igreja e aos quais compete de modo especial não extinguir o Espírito, mas julgar tudo e conservar o que é bom (cf. 1Ts 5,12 e 19-21), de modo que todos os carismas concorram, na sua diversidade e complementaridade, para o bem comum”23.

As palavras da Igreja tiram o medo e as dúvidas quanto à necessidade e utilidade dos carismas, bem como o direito que os fiéis leigos têm de usá-los para o bem comum. O Catecismo da Igreja Católica segue a mesma firme orientação:

“O Espírito Santo é o principio de toda ação vital e verdadeiramente salutar em cada uma

das diversas partes do corpo. Ele opera de múltiplas maneiras a edificação do corpo inteiro na caridade, pela Palavra de Deus (...) pelas virtudes, que fazem agir segundo o bem, e enfim pelas múltiplas graças especiais (chamadas de ‘Carismas’), através das quais ‘torna os fiéis aptos e prontos a tomarem sobre si os vários trabalhos e ofícios que contribuem para a renovação e maior incremento da Igreja”24.

7. Conclusão

21

?. JOÃO PAULO II, Christifidelis Laici, n. 24.22. Ibid., n. 24.23. Ibid, n. 24. Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Lumen Gentium, n. 12.24

?. N. 798.

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É importante tomar consciência de que todo bem, todo dom, todo serviço prestado ao Reino de Deus em nome de Jesus, acontece sob a ação do Espírito Santo. Sem ele nada é eficaz para o Reino de Deus. “Nunca será possível haver evangelização sem a ação do Espírito”25.

Em certo sentido, foi a Renovação Carismática que resgatou, no ambiente católico, a necessidade do uso dos carismas. Por isso, os grupos de oração não devem ter medo nem resistir aos dons do Espírito, mas procurar conhecê-los cada vez mais para bem utilizá-los.

CAPÍTULO SEGUNDO

O dom das línguas

1. Introdução

Neste capítulo serão vistas e estudadas as três modalidades do carisma da variedade das

25. PAULO VI, Evangelli Nuntiandi, n. 75.

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línguas que são: o orar, o falar e o cantar em línguas. Além disso, serão abordados os principais aspectos de sua manifestação e o fundamento bíblico e doutrinário.

Algumas pessoas pensam e dizem que o dom das línguas é o menor e o mais insignificante de todos. Porém, São Paulo escreve: “Aquele que fala em línguas não fala aos homens, senão a Deus: ninguém o entende, pois fala coisas misteriosas, sob a ação do Espírito” (1 Cor 14,2). Ora, o Espírito orando no homem será pouca coisa? “Outrossim, o Espírito vem em auxílio à nossa fraqueza; porque não sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém, mas o Espírito mesmo intercede por nós com gemidos inefáveis. E aquele que perscruta os corações sabe o que deseja o Espírito, o qual intercede pelos santos, segundo Deus” (Rm 8, 26-27).

Talvez o mais difícil, principalmente para alguns, seja abandonar-se para que o Espírito ore através de sua própria voz com “gemidos inefáveis”. Alguns precisam renunciar a auto-suficiência e submeter-se à ação do Espírito Santo. Mas vale a pena! O gozo inefável que o mesmo Espírito traz com sua presença, a paz profunda que só Deus pode dar, a certeza de que Ele ora da melhor forma, são benefícios certos e imprescindíveis para o crescimento espiritual.

O grande desejo de S. Paulo é manifestado assim: "De minha parte, desejaria que todos falásseis em línguas..." (1 Cor 14,5). É a esta oração misteriosa, inarticulada, que a pessoa se une, deixando ao próprio Deus o cuidado de glorificar-se e dar-se graças por um amor que supera todo o conhecimento. Esta oração contém um caminho de enriquecimento espiritual, um título da graça. Na medida em que cresce a oração, modifica-se a vida pela ação amorosa e misteriosa de Deus.

No pentecostes aconteceu a primeira manifestação do dom das línguas de que se tem conhecimento. São Lucas narrou com muito entusiasmo: “Ficaram todos cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem” (At 2, 4). Depois do pentecostes, o dom das línguas difundiu-se também entre todos os cristãos: “Os fiéis da circuncisão, que tinham vindo com Pedro, profundamente se admiraram vendo que o dom do Espírito Santo era derramado também sobre os pagãos; pois eles os ouviam falar em outras línguas e glorificar a Deus” (At 10, 46). “E quando Paulo lhes impôs as mãos, o Espírito Santo desceu sobre eles, e falavam em línguas estranhas” (At 19, 6).

2. Conceito

O dom das línguas é uma oração feita por meio de sons emitidos, movidos por inspiração  e que o Espírito Santo lhes dá o sentido. Não se trata de língua, no sentido que apresenta a lingüística, porque não há conceitos humanos, mesmo desconhecidos. Consiste em dizer palavras sem conhecer-lhes o significado. Proferir palavras que não são, propriamente, manifestação de um pensamento formulado pela mente. Usar a língua, a voz, para expressar ao Senhor os sentimentos que vêm do Espírito Santo:

“Quanto ao formal deste carisma e ao seu significado profundo, o dom de línguas:- é, em primeiro lugar, um carisma para glorificar a Deus (cf. At 2, 4.11; 10, 46);- é um carisma em virtude do qual o crente fala com Deus ao impulso do Espírito (cf. 1 Cor 14,2.28);- é um carisma de oração e de louvor (cf. 1 Cor 14,14-15);- é um carisma de bênção e ação de graça. (Cf. 1 Cor 14,16-17)”26.

Para se ter uma idéia mais clara acerca do dom de orar em línguas, veja-se como ele aparece em algumas passagens da Sagrada Escritura: At 2,1-13; 10,44-48; 1 Cor 12,10; 14,4.13.18.39. Ressalte-se, ainda, que em Mc 16, 17 ele está relacionado como um dos milagres

26

?. Salvador Carrilo ALDAY, A Renovação no Espírito Santo, p. 90

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que acompanham os que crêem, como uma grande promessa de Jesus. É um “milagre” porque é extraordinário, fora do comum da linguagem humana.

A Igreja indica que a oração em línguas é, verdadeiramente, ação do Espírito; é um dom que provém do Senhor, tem por meta o bem da Igreja e acha-se a serviço da caridade:

“... São, além disso, as graças especiais, designadas também ‘carismas’, segundo a palavra grega empregada por S. Paulo, e que significa favor, dom gratuito, benefício. Seja qual for o seu caráter, às vezes extraordinário, como o dom dos milagres ou das línguas, os carismas se ordenam à graça santificante e têm como meta o bem comum da Igreja. Acham-se a serviço da caridade, que edificam a Igreja”27.

3. Finalidade do dom de línguas

O dom das línguas é uma oração que se faz a Deus, é uma forma de glorificá-lo. Quem ora em línguas não ora aos homens, mas a Deus (cf. 1 Cor 14,2); aquele que se abre ao dom das línguas tem o Espírito Santo orando nele, por ele e com ele (cf. Rm 8, 26-27). O Espírito Santo sabe do que o orante tem necessidade, faz ao Pai o pedido certo e na hora certa, do jeito que Deus quer. Por isso pode-se dizer com fundamento que orar em línguas é “orar no Espírito”, pois é emprestar a mente e a voz para que o Espírito Santo ore. “Assim, ainda que nós não entendamos os gemidos inefáveis (...), Deus sabe o que deseja o Espírito. Apesar da inteligência não assimilar nada, de não compreendermos o que falamos, cantamos ou oramos, sentimos que algo nos toca profundamente (...), sentimos que o mais profundo do nosso ser comunga de maneira especial com Aquele que nos criou e ao qual pertencemos”28

O dom das línguas aprofunda a oração e a união com Deus. Trata-se de uma oração individual, mesmo se feita em assembléia. “Aquele que fala em línguas edifica-se a si mesmo” (1 Cor 14, 4). Uma ou outra vez, porém, pode assumir a forma de mensagem à comunidade; neste caso necessita da interpretação, como se verá mais adiante, no capítulo quarto. “Segundo afirmação de 1Cor 14, 4, o dom de línguas é um carisma que o Espírito Santo dá para edificação pessoal; no entanto, esta não exclui a finalidade comum que têm todos os carismas, a saber: a edificação mútua, a construção do Corpo de Cristo (cf. 1 Cor 12,7.27-30)29.

O dom das línguas é um dom para a santificação pessoal. Para orar em línguas, muitas vezes devem-se romper barreiras de medo, dúvidas, incredulidade, respeito humano, influências negativas de pessoas contrárias, apego à auto-imagem e à boa fama. Embora não se compreenda o significado, verifica-se uma nova dimensão da oração. Poucas frases bastam para que aquele que recebe o dom se sinta envolvido pelo mistério e possuído por um profundo sentimento de alegria e paz. Desta forma, a presença de Deus se torna aconchegante, indiscutível, quase palpável. O dom das línguas favorece a manifestação dos demais dons.

Ao orar em línguas, a pessoa não fica estática, nem entra em transe, mas continua no pleno domínio de suas faculdades, sabendo o que está fazendo, podendo perfeitamente controlar o tom da voz, para estar em harmonia com as demais. A pessoa é livre, podendo começar e terminar quando quer.

Esta oração não suprime a oração formal, antes a completa e enriquece. Ela exige a atitude de render-se ao Espírito Santo; é como uma porta baixa pela qual só passa quem se curva um pouco. É a esta oração misteriosa, inarticulada, que a pessoa se une, deixando ao próprio Deus o cuidado de glorificar-se e dar-se graças por um amor que supera todo o conhecimento.

4. Tipos de oração em línguas

27. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 2003.28. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, Carismas, p. 77.29. Salvador Carrilo ALDAY, A Renovação no Espírito Santo, p. 90.

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Há variedade de manifestações do dom das línguas. Duas delas são:

a) Glossolalia

“Um fenômeno que se deu sobretudo na comunidade cristã de Corinto (1 Cor 12, 10; 14, 2-19), mas também nas de Cesaréia e Éfeso (At 10, 46; 19, 6); não é a mesma coisa que o ‘falar outras linguas’ (o milagre de Pentecostes), mas consistia nisso que a pessoa (...) proferia sons ininteligíveis e palavras sem anexo, que se tornavam compreensíveis apenas para quem possuía o carisma da interpretação (1 Cor 14, 10) (...). Também o milagre de Pentecostes pode ser interpretado como uma manifestação de g. como indica, p. ex., a impressão que causou nos presentes (At 2, 13) e a citação de Jl 3,1-5. O próprio S. Pedro identifica os fenômenos com os de Cesaréia (At 10, 47; 11, 15; 15, 8). (...) S. Lucas vê no milagre um símbolo da universalidade do evangelho (cf. At 2, 5) que se adapta à natureza de cada um (cf. At 2, 8). Talvez tenha considerado como o inverso da confusão das línguas em Babel”30.

b) Xenoglossia

É uma oração em língua desconhecida de quem ora, mas que existe ou já existiu e ainda é do domínio humano, como o latim, por exemplo. Robert DeGrandis diz que “durante uma reunião de oração em Nova Orleans, cidade norte-americana, ouviu uma moça orar em latim, embora não conhecesse esta língua. Ele também registra o fato de uma senhora norte-americana que ao orar em línguas perto de um padre português, sem conhecer sua língua, nela fez a seguinte oração: (Ó Maria, que ascendeste ao mais alto dos céus, ajuda-nos a conhecer o teu Filho)”31.

Quanto à tonalidade, a oração em línguas normalmente se apresente como:

a) Louvor – oração seqüenciada, de palavreado freqüente, onde a pessoa fica “mergulhada” como criança diante de Deus;

b) Júbilo – oração transbordante, jubilosa e extremamente alegre, quase interminável e sem pausas;

c) Súplica – oração compassada e em tonalidade penitencial, que leva a frutos de contrição;d) Canto (cf. 1 Cor 14, 15) – é também uma espécie de louvor, sendo que em tonalidade

musical.

5. A importância do dom das línguas

O dom de línguas tem, portanto, importância fundamental no enriquecimento espiritual. Ele contribui para a renovação da vida da pessoa, na medida em que se constitui em ação misteriosa e amorosa de Deus. É possível indicar alguns benefícios do dom de línguas:

a) Favorece a intimidade com Deus, sem necessidade de pensar, formular preces, mas, num abandono confiante, mergulhar nas profundezas do Espírito. “Outras vezes, ao começarmos a orar, também não sabemos como devemos pedir ou dizer a Deus (...). O Espírito Santo, através do dom de línguas, vem em nosso auxílio corrigindo toda esta imperfeição, que existe em nós pelo nosso pecado...”32.

b) Abre a pessoa para os demais carismas, porque mantém o espírito em alerta para o que 30

?. A VAN DEN BORN, Dicionário enciclopédico da Bíblia, p. 242 31. O dom das línguas, p. 15.

32

?. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, Carismas, p. 75-76.

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Deus quer falar ou fazer. Geralmente a palavra de profecia ou a interpretação das línguas vêm durante ou após a oração ou cântico em línguas. Da mesma forma a palavra de ciência, o dom das curas e assim por diante.

c) Ajuda a orar por determinadas coisas das quais a pessoa foge de colocar na presença de Deus, problemas interiores nos quais prefere não tocar;

d) É também um dom de unidade entre os cristãos: “Achavam-se então em Jerusalém judeus piedosos de todas as nações que há debaixo do céu. Ouvindo aquele ruído, reuniu-se muita gente e maravilhava-se de que cada um os ouvia falar na sua própria língua” (At 2, 5-6).

Acima de tudo, o dom de línguas auxilia no processo de santificação pessoal, pois submete o espírito ao Espírito, proporcionando uma oração certeira e eficaz.

6. Como receber o dom das línguas

O dom de línguas é para todos os que crêem (cf. Mc 16, 17). Pelo modo como se manifesta, ele pode apresentar-se sem sentido às mentes mais racionais. Mas na medida em que se cede ao dom e abre-se o coração e a mente, as dificuldades vão desaparecendo e o dom se torna um modo a mais de como poder rezar.

Também é necessário que o receptor colabore com o Doador. – o Espírito Santo. A este cabe a moção e a inspiração das palavras enquanto que àquele, o desejo, a aceitação e a decisão de orar: abrir a boca, mover a língua, movimentar os lábios, produzir sons. Diante deste dom, como dos outros, a pessoa deve fazer um ato de fé: ceder à ação do Espírito Santo, pois, sob Sua ação a língua proferirá palavras ininteligíveis:

“No dom das línguas, você solta os sons, e o Espírito Santo dá o conteúdo. Esta é a sua parte. Por isso, a melhor maneira de orar em línguas é soltar-se no meio dos outros. Se há um grupo orando em línguas, faça o mesmo. Não é assim que o passarinho aprende a voar? Não é assim que aprendemos a nadar? Há muito tempo, peço a Deus que conceda às pessoas a efusão do Espírito Santo. De que forma? Convido a pessoa a orar comigo, da mesma maneira como estou orando. Começo a orar, e a pessoa me acompanha. Não se pode imitar. Cada um deve se soltar, a fim de deixar que o Espírito Santo ore em si. É algo muito fácil e simples”33.

7. Conclusão

O dom de línguas foi um dom abundante no início da Igreja. É normal um católico exercê-lo. Ele traz muitos frutos para a vida de oração e de santificação pessoal, favorecendo a intimidade e a comunhão com Deus.

A oração em línguas pode se manifestar de várias formas; o mais importante não é o que se diz e sim o que há no coração do orante em relação a Deus. “Ninguém falando sob a ação divina, pode dizer: ‘Jesus seja maldito’; e ninguém, pode dizer: ‘Jesus é o Senhor’, senão sob a ação do Espírito Santo” (1 Cor 12, 3).

CAPÍTULO TERCEIRO

Carisma da Profecia

1. Introdução

O carisma da profecia é um dos meios que o Senhor tem para comunicar-se com o seu povo, encorajando, exortando, instruindo, dando novo rumo ao trabalho apostólico, indicando a

33. Jonas ABIB, Aspirai aos dons espirituais, p. 58.

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direção certa e levando à conversão, enfim, manifestando sua santa vontade em tudo (cf. 1 Cor 14, 13)

Deus sempre quer falar, mas nem sempre o seu povo está pronto para escutá-lo. Quando o faz e, em seguida, Lhe obedece, faz a coisa certa, na hora certa, do jeito certo. Quando faz por sua própria conta, por sua vontade, algumas vezes acerta, mas na maioria delas erra, sofre ou fracassa. É necessário ouvir o Senhor sempre (cf. Dt 6, 4).

Que maravilha poder ouvir a Deus e por ele ser orientado. Que povo há, com efeito, que tenha seu Deus tão próximo de si cada vez que o invoca com sinceridade (cf. Dt 4,7)?

2. Conceito

“A profecia é um carisma em virtude do qual o inspirado, em nome de Deus, é movido pelo Espírito, fala à assembléia para exortá-la, estimulá-la ou corrigi-la. É um carisma que contribui muito para edificar a Igreja. Não comunica revelações sensacionais, mas é uma palavra inspirada que manifesta a vontade de Deus em circunstâncias do momento e manifesta os sentimentos ocultos do coração. A palavra profética geralmente suscita fortemente um movimento de conversão, de agradecimento ao Senhor por suas intervenções de amor, um sentimento de paz. Ocasionalmente o profeta recebe uma luz particular predizendo o futuro (cf. 1Cor 14,3-4.24-25)”34.

Por vezes, confirma-se na profecia o que já se está fazendo, encorajando a continuar. “Numa noite, o Senhor disse a Paulo em visão: não temas! Fala e não te cales. Porque eu estou contigo. Ninguém se aproximará de ti para te fazer mal, pois tenho um numeroso povo nesta cidade” (At 18, 9-10). Ela pode também prever uma missão para a Igreja dentro de algum tempo: “Enquanto celebravam o culto do Senhor, depois de terem jejuado, disse-lhes o Espírito Santo: separai-me Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho destinado” (At 13,2).

São Paulo aconselha a aspirar aos dons "mas, sobretudo, ao dom de profecia" (cf. 1 Cor 14, 1); e explica a importância deste dom: "Quem profetiza fala aos homens para edificá-los, exortá-los e consolá-los" (1 Cor 14,3 ). O dom de profecia “edifica a assembléia" (cf. 1 Cor 14, 4); por isso, o apóstolo manifesta seu desejo: "Ora, desejo que todos faleis em línguas, porém, muito mais desejo que profetizeis" (1 Cor 14, 5). Este dom "instrui também os outros (ouvintes)" (cf. 1 Cor 14, 19), e é um sinal "para os fiéis" (cf. 1 Cor 14, 22), quanto para os infiéis, sendo para estes motivo de adoração e proclamação da presença de Deus em meio à comunidade (cf. 14, 24-25).

É desejo ardente do apóstolo que na comunidade se manifeste este dom do Espírito: “Não desprezeis as profecias” (1 Tess 5, 20). "Aquele que tem o dom da profecia, exerça-o conforme a fé” (Rm 12, 6), pois, segundo a medida do dom de Cristo, alguns foram constituídos profetas para o aperfeiçoamento dos cristãos (cf. Ef 4,7-12).

A profecia pode trazer uma sugestão sobre algo que deve ser mudado; pode trazer uma confirmação do amor de Deus, do seu poder, um sentido profundo de sua presença. A profecia é um dom que todos podem ter: "Todos, um após outro, podeis profetizar, para todos aprenderem e serem todos exortados" (1 Cor 14, 31).

Em Números 11,29 lê-se: "Prouvera a Deus que todos profetizassem e que o Senhor lhes desse o seu Espírito". Ora, o profeta Joel predissera que o Senhor iria derramar o seu Espírito sobre todo o ser vivo: tal profecia, no Novo Testamento, é lembrada pelo apóstolo Pedro, logo no dia de Pentecostes, como "cumprimento do que foi dito pelo profeta Joel” (cf. At 2, 16-21). Assim, a profecia é uma conseqüência do derramamento do Espírito Santo na Igreja, pois quem tem o Espírito do Senhor e se deixa conduzir por Ele, torna-se um instrumento apto do Senhor para profetizar na assembléia.

34

?. Salvador Carrillo ALDAY, A Renovação no Espírito Santo, p.87

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3. O exercício do dom de profecia

O dom de profecia é a faculdade de acolher no íntimo (pensamento) e transmitir em palavras inteligíveis, as revelações de Deus. Está no campo das revelações particulares e, como tal, não pode contradizer o que foi revelado através da Bíblia e da Tradição e que é explicado pelo Magistério da Igreja (revelação pública).

A manifestação da profecia deve ser com "dignidade e ordem" (cf. 1 Cor 14, 40), e com um critério de julgamento sobre a mesma (cf. 14, 29), pois, "Deus não é Deus de confusão, mas de paz" (1 Cor 14, 33).

Assim sendo, o exercício da profecia acontece quando o profeta fala sob a influência sobrenatural do Espírito35, abrindo o seu ser para isso, transformando-se em “porta-voz” de Deus, para a verbalização de Suas palavras.

A profecia não se refere necessariamente ao futuro, muito embora isso tenha sido o caso em algumas ocasiões, como evidencia a Bíblia. Pela profecia, Deus utiliza-se de alguém para dizer aos homens o que Ele pensa sobre a situação presente, ou qual é a Sua intenção para o futuro. Numa reunião de oração, a profecia tem o efeito de aprofundar o senso da presença de Deus. É um meio eficaz de o povo ser conduzido por Deus. Neste sentido, o profeta transmite o pensamento de Deus para que se possa agir segundo esse pensamento. E essa transmissão vem de Deus e não da mente daquele que fala.

O profeta fala sob inspiração divina, sob ação divina, sendo instrumento ativo desta inspiração e comunicação; o que importa é a mensagem, e não tanto o transmissor da mensagem. É preciso ter cuidado para não se deixar levar pela fraqueza humana, não aceitando uma profecia divina porque esta veio por este ou aquele membro da comunidade.

O Espírito Santo é livre para que haja profecia onde, como e quando Ele quiser; nas reuniões de oração, normalmente, há uma certa seqüência em relação à profecia, como segue: oração, louvor (cânticos ou preces), oração e cântico em línguas seguidos de breve tempo de silêncio. Assim se cria o clima favorável para a manifestação do carisma da profecia, que deve ser desejado por todos (cf. 1 Cor 14, 1). Após acolher a profecia, a comunidade louva e exulta de alegria pela palavra que o Senhor deu. É importante que haja confirmação da profecia.

3.1. A acolhida da profecia

Ninguém profetiza sem o consentimento da vontade, mas acolhe as palavras de Deus, em sua mente e, se não as pronunciar por medo, insegurança ou respeito humano, deixa de profetizar. Deus não violenta, não força a mente humana contra a sua vontade e consentimento; serve-se sim, de suas faculdades, de maneira que a pessoa é usada por Ele.

É o Senhor quem escolhe, chama e capacita o profeta (cf. Ef 4, 11). É Ele que suscita o desejo de profetizar, vai derrubando as barreiras que impedem a entrega plena do ser da pessoa ao seu Espírito, embora respeite o seu livre-arbítrio, sua liberdade. A profecia é geralmente precedida pela unção, que é um ‘senso da presença do Senhor’, um movimento no íntimo do espírito, é um impulso para anunciar a mensagem de Deus; com freqüência, a unção é a chave que permite saber que o Senhor quer falar36.

Assim sendo, são combinadas a ação do Espírito e a adesão da pessoa. O Espírito unge o profeta, às vezes com sinais sensíveis e inspira-lhe as palavras a serem ditas. A pessoa deve entregar-se a Deus, acolher as palavras no íntimo e pronunciá-las destemidamente. O profeta não precisa mudar a voz ou imprimir uma tonalidade discursiva, mas apenas pronunciar o que lhe é revelado na sua própria maneira de falar. Nesse sentido, Deus se utiliza da cultura e do

35

?. Cf. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, Grupo de oração, p. 54.36

?. Cf. Jonas ABIB, Aspirai aos dons espirituaiss, p. 56.

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vocabulário da pessoa.O essencial para acolher a profecia e proclamá-la é crer que Deus quer falar

naquele momento e dispor-se a ser seu instrumento. A pessoa recebe em sua mente uma palavra ou frase e, à medida que as pronuncia, outras se seguirão. Também pode acontecer de ser dada primeiro em pensamento ou por meio de uma imagem.

Qualquer que seja a forma de receber a profecia, a pessoa deve dar um passo na fé para pronunciá-la, sem se deixar impregnar por dúvidas e inseguranças. Por vezes, a pessoa se acostuma a ficar esperando pelos que mais costumeiramente profetizam. Os que agem assim, dificilmente serão usados com o dom da profecia. Para ouvir o Senhor, é necessário um ato de entrega ao Senhor e não apenas de passividade.

O profeta deve manter uma expectativa de escuta. A escuta é a capacidade dada pelo Espírito Santo para ouvir a voz de Deus no coração e discernir, dentre todas as vozes que chegam, qual é a de Deus (cf. Jo 12,27-29).

A oração do discípulo de Jesus é mais do que falar no vazio, ler no vácuo, sofrer na solidão, contemplar um túnel sem fim. A oração do discípulo de Jesus Cristo ressuscitado é muito mais do que tatear na escuridão. Ela não é tampouco um salto no abismo. O discípulo de Jesus foi elevado à posição de amigo do Mestre (cf. Jo 15,14). Sendo amigo de uma das Pessoas da Santíssima Trindade, goza, automaticamente, da amizade das outras. Por isso sua oração é, antes de tudo, aproximar-se de Deus (cf. Hb 11, 6), é um inclinar de ouvido na direção dos lábios da Trindade Santíssima (cf. Is 50,4b-5) para saborear o seu canto de amor.

3.2. O ciclo carismático

Nas reuniões de oração, cria-se assim o que é denominado "ciclo carismático", composto de louvor, oração e profecia. A assembléia se dirige a Deus pela oração, que é o diálogo com o Senhor; Ele responde pela profecia, usando as mentes e vontades daqueles que se rendem a Ele para edificar a comunidade.

No ciclo carismático, encontram-se assim estes elementos: oração, louvor (cânticos ou preces), orações em línguas, seguido de breve tempo de silêncio, unção (que geralmente precede a profecia), profecia, após a qual a comunidade louva e exulta de alegria pela palavra que o Senhor lhe dirigiu. Na medida em que a comunidade se habitua com o ciclo carismático, torna-se mais aberta ao Senhor e ao cumprimento de sua vontade.

Ocorre, por vezes, que vários membros da comunidade tenham a mesma profecia no momento; quando a primeira profecia é anunciada, os outros, tendo-a também recebido, podem confirmá-la, dizendo em bom tom: "eu confirmo". Isto dá certeza da profecia quanto à sua origem. Deve-se falar o que se recebe, tão logo se recebe. Ao ouvir o anúncio de uma profecia, toda a assembléia deve louvar o Senhor que ali está se comunicando com ela.

4. Tipos de profecia

Além da profecia verdadeira, pode acontecer de ser proclamada numa reunião de oração ou fora dela:

a) Não profecia - quando as palavras vêm da mente humana; são sentimentos, às vezes bastante piedosos, mas que não vêm de Deus e sim da pessoa que, movida por seus anseios ou mesmo por problemas emocionais, tenta comunicar os próprios sentimentos como se fossem mensagens do Espírito;

b) Falsa profecia - é uma mensagem influenciada pelo Demônio; pode ocorrer. Normalmente, ela contradiz a Escritura ou a Tradição e o ensinamento da Igreja. A falsa profecia é detectada pelos seus frutos: ela causa um mal-estar espiritual junto à

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comunidade; vê-se logo que não procede do Espírito Santo pelos efeitos negativos que produz.

Pode acontecer também que inspirações autênticas se mesclem à subjetividade do indivíduo que, espontaneamente, vai introduzindo outros elementos e misturando-os com o que Deus está revelando. Seria o caso de:

a) Profecias longas – a pessoa recebe a inspiração e, depois que fala o que sentiu de Deus, permanece comentando ou acrescentando coisas que, nas mais das vezes, ela mesma tem vontade de dizer à comunidade ou a algumas pessoas que ali estão presentes. A profecia se torna longa e um pouco confusa, dificultando o entendimento dos ouvintes quanto ao que realmente é mensagem de Deus. Apesar disso, o fato de uma profecia ser um pouco mais alongada, não quer dizer que estejam sendo feito acréscimos pelo profeta;

b) Profecias repetitivas – a pessoa pronuncia as palavras inspiradas e, na ânsia de continuar ensinando, continua repetindo as mesmas palavras ou com pequenas variações;

c) Profecias influenciadas por devoções pessoais – quando uma pessoa tem ligação muito estreita com algum tipo de devoção (Coração de Jesus, Nossa Senhora, algum santo, etc), poderá se sentir impulsionada a mesclar a profecia com esses sentimentos pessoais; às vezes, a mensagem é transmitida estritamente com elementos de tais devoções, o que se constitui numa não-profecia.

É necessário recorrer ao dom do discernimento, pelo qual Deus dá uma convicção interior da autenticidade ou não da profecia. O discernimento, portanto, torna-se também um exercício espiritual. No entanto, ao ser proclamada uma profecia, seria oportuno:

a) Observar se ela não contradiz a Bíblia ou a doutrina da Igreja;b) Perceber as impressões que ela causa da assembléia (paz, alegria, contrição, medo,

angústia, ansiedade, etc);c) Esperar que ela seja confirmada por outras pessoas.

É bom que se diga que o Demônio não tem poder e autoridade para interferir numa oração humilde e aberta ao Espírito. Quanto mais louvor, menos espaço para Satanás. Ele necessita de um tipo de “brecha” para influenciar as pessoas, que pode ser causada por presunção, desespero, altivez ou algum pecado grave que esteja, de alguma forma, influenciando fortemente o momento de oração.

Quanto aos destinatários, uma profecia pode ser:

a) Pessoal – dirigida diretamente a uma pessoa, na oração pessoal ou através de alguém que ora por ela; mais raramente, mas também pode acontecer numa oração comunitária;

b) Comunitária – dirigida a todas as pessoas reunidas em oração.

Pode-se pedir uma profecia para alguém particularmente, quanto para uma necessidade da comunidade como um todo. Na profecia podem ser revelados planos a se realizar e que já estão sendo amadurecidos dentro de cada um individualmente ou na comunidade.

Quanto à forma, uma profecia pode ser:

a) Direta – pronunciada em língua compreensível, na primeira pessoa do singular, como se fosse o próprio Deus falando;b) Indireta - por meio de visualização, recordação de trechos bíblicos ou fatos ocorridos, entre outros; nesses casos, o profeta normalmente comunica o que Deus

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está falando, como se estive expondo. Também é possível que alguém profetize enquanto profere uma pregação ou ensino.

Freqüentemente podem ocorrer profecias com substrato bíblico, compostas de frases bíblicas, justamente porque naquele momento, Deus quer relembrar à comunidade orante, esta ou aquela mensagem ou verdade da fé contida na Escritura. Neste contexto, a profecia, é "uma ação de Deus mediante a qual alguém proclama uma mensagem de Deus, a qual focaliza uma verdade já conhecida, mas que precisa naquele momento, ser lembrada"37. As passagens bíblicas vêm ao pensamento naturalmente.

No entanto, é preciso que se diga que a mera recordação de versículos bíblicos sem uma conotação atual não é profecia. Quando alguém apenas emite supostas mensagens tais como: “Meus filhos, eu sou o caminho, a verdade e a vida”, não se trata de uma profecia no sentido estrito; na maioria dos casos, é um pensamento da própria pessoa, porque recordou aquela palavra naquele momento, motivada ou não pelo clima da oração. Pelo dom do discernimento é possível saber se as palavras bíblicas têm uma conotação atual.

Por fim, é importante lembrar que “um carisma – sobretudo de ordem profética – não é infalível e o seu início pode ser marcado pelo fracasso, pelo erro, pela falta de confirmação, sem que ele tenha de ser imediatamente questionado. Tudo isso é uma fase de ensaios às cegas, legítima e necessária para assentar esse carisma. Mas ela não deve, obviamente, prolongar-se, excessivamente...”.38

5. Profecia e obediência

As profecias são dadas como orientações para serem ouvidas. Quando não se presta atenção e não se vive o que o Senhor fala, Ele pode calar-se. É importante levar bem a sério as profecias, são palavras de Deus, palavras de vida, que levam a comunidade e as pessoas a terem vida e vida em abundância (cf. Jo 10,10).

“O grupo deve levar a sério a palavra de profecia, porque, por ela, o Senhor nos fala. Ela pode mudar o rumo das coisas, o rumo da própria Igreja, e é assim que a Igreja, que somos nós, se mantém em ação”39.

6. Conclusão

O objetivo da profecia é edificar, exortar, consolar (cf. 1 Cor 14,3). Sua autenticidade deve ser julgada pelos demais profetas (cf. 1 Cor 14, 29-33). Seu conteúdo deve estar de acordo com a Bíblia e o ensino da Igreja, levar à glorificação de Deus, ressaltar o crescimento de Cristo no amor fraterno, na edificação da Igreja e na busca da santidade.

O profeta é o porta-voz de Deus – Deus é o centro – mostrando o Cristo vivo e ressuscitado agindo, por seu Espírito. São Paulo convida à confiança quando diz: "Todos podeis profetizar" (1 Cor 14, 31). A Igreja precisa de profetas que encorajem, animem, instruam e exortem (cf. Col 3, 16).

37

?. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, Grupo de Oração, p. 55.38. Philippe MADRE, Aspirai aos carismas, p. 48.39. Jonas ABIB, Aspirai aos dons espirituais, p. 87.

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CAPÍTULO QUARTO

O carisma da Interpretação das Línguas

1. Introdução

Ocorre muitas vezes numa assembléia carismática reunida, a oração ou o canto em línguas, numa harmoniosa alegria pela presença de Deus naquele lugar. Durante a oração ou

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canto em línguas ou no silêncio que se segue, uma voz destaca-se das demais. Outras vozes se calam porque sentem que o Espírito está agindo, dando uma profecia em línguas (falada, orada ou cantada). Após a profecia em línguas faz-se silêncio para a escuta da interpretação.

A interpretação pode vir pela mesma pessoa ou por outra, de forma direta40, como uma palavra de profecia. Pode ocorrer também a interpretação indireta41 por meio de visualização, recordação de versículos bíblicos ou fatos, entre outras formas.

Da mesma maneira que na profecia, o dom da interpretação das línguas pode ocorrer durante o “ciclo carismático”: louvor – silêncio – profecia em línguas e interpretação – louvor a Deus42.

2. Conceito

O carisma da interpretação das línguas é a faculdade de perceber o sentido da oração ou da profecia em línguas. Não se confunde com tradução (ou versão). Nesta, o tradutor entende cada palavra. É por isso que ele, utilizando palavras de um dos idiomas conhecidos, reescreve o texto em outra língua qualquer. A tradução é a substituição de palavras, termos ou períodos de uma língua pelos de outra.

O dom da interpretação das línguas é um impulso, através de uma unção espiritual, por meio do qual a pessoa capta o sentido da mensagem e comunica-a, para torná-la compreensível aos membros da comunidade. É, portanto, uma profecia motivada e antecedida pelo dom das línguas:

“Aquele que fala em línguas não fala aos homens, senão a Deus: ninguém o entende, pois fala coisas misteriosas, sob a ação do Espírito. Ora, desejo que todos faleis em línguas, muito mais desejo que profetizeis. Maior é quem profetiza do que quem fala em línguas, a não ser que este as interprete, para que a assembléia receba edificação. Quem fala em línguas, peça na oração o dom de interpretar" (1 Cor 14, 2.5.13).

Tanto “o falar” como “o orar” e “o cantar” em línguas só se tornam mensagem profética quando houver interpretação.

3. O exercício da interpretação das línguas

O exercício do dom de interpretação das línguas segue os mesmos princípios que para o dom de profecia. De forma pessoal ou comunitária43,a interpretação ocorre após a emissão de uma mensagem em línguas.

A mensagem em línguas pode ter duração diferente, podendo ser longa ou breve; contudo, a interpretação deve ser concisa, anotando com clareza a mensagem do Senhor. Quem recebe o dom da interpretação percebe que as palavras lhe vêm à mente de forma abundante, e deve dizer o que o Senhor lhe inspira.

Assim como há uma unção para profetizar, uma mensagem em línguas também é precedida por uma unção. O intérprete recebe um impulso interior para a interpretação. Aliás, a unção do Espírito caracteriza o exercício dos dons do Espírito Santo. Quanto mais a pessoa se habitua com ela, mais facilmente identifica o modo como o Senhor lhe "dita" as palavras.

Por que Deus utiliza o dom das línguas para comunicar sua mensagem quando pode fazê-lo “diretamente” através da profecia? Dom João Evangelista Martins Terra procura responder:

40

?. A interpretação direta acontece da mesma maneira que a profecia, já estudada no capítulo anterior.41. Cf. capítulo anterior o referente à profecia indireta.42. Cf. capítulo anterior.43. Cf. capítulo anterior.

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“Falar em línguas numa assembléia cultual cria uma atmosfera de audição interior e uma expectação atenta da palavra do Senhor. Esse dom alerta os que profetizam no grupo, a fim de estarem mais preparados para receber uma inspiração sobre o que o Senhor quer comunicar ao grupo, e coloca também o grupo inteiro alerta para escutar o que se vai dizer. Essa interpretação não é uma tradução, mas um carisma diferente que não acontece na oração particular, mas só quando o Espírito suscita alguém a falar em línguas na assembléia, enquanto todos os outros guardam silêncio, preparando assim o clima para a intervenção do carisma profético que interpreta exortando, consolando e corrigindo".44

Por vezes, acontece que várias pessoas recebem a mesma interpretação da mensagem ouvida. Neste caso, o senso de que a interpretação ouvida é correta, é ratificado. Como na profecia, deve-se dizer em voz alta: “eu confirmo!”. Após receber uma mensagem em línguas e sua interpretação, todos devem proclamar a misericórdia do Senhor, pois, ao receber uma mensagem do Senhor, através da manifestação dos dons do seu Espírito, deve-se deixar algum tempo para o louvor. É Ele mesmo que está dirigindo a sua palavra. E quando o Senhor fala, quer por meio da interpretação das línguas, quer por profecias, sua palavra traz sempre frutos poderosos sobre todos.

Uma vez interpretada, a manifestação das línguas tem todas as utilidades das profecias, a saber: edificar, exortar, consolar (cf. 1 Cor 14, 3) 45.

3.1. O acolhimento da interpretação das línguas

O acolhimento do dom de interpretação também segue os mesmos princípios para o acolhimento da profecia46. Sua dinâmica é semelhante à da profecia, que é colocada diretamente no coração do profeta por uma ação do Espírito Santo. A interpretação das línguas é também depositada na mente do intérprete.

4. Tipos de interpretação

A distinção dos tipos de interpretação obedece aos parâmetros atribuídos à profecia. A interpretação é verdadeira quando vem do Espírito Santo. Não-interpretação é quando as palavras têm origem na mente humana (não vem de Deus). A falsa interpretação é influenciada pelo Demônio.

O instrumento que separa um dos outros é o carisma do discernimento dos espíritos. O discernimento da interpretação é tão necessário quanto para a profecia, pois uma vez que é proclamada assume todas as características da profecia, bem como seus requisitos e utilidades (cf. Mt 7,15-23).

Numa assembléia pequena ou numa grande assembléia que esteja em profunda oração, consciente da presença de Deus, dirigida pelo Espírito Santo, haverá outros profetas para julgarem ou confirmarem a profecia em línguas e sua interpretação (cf. 1 Cor 14, 32-33).

Aqui, é importante fazer a diferença entre a oração em línguas e a profecia em línguas; somente esta necessita de interpretação. Quando se ora ou louva em línguas, não há necessidade de interpretação porque a pessoa está se dirigindo a Deus (cf. 1 Cor 14, 2-4).

Quando existe uma unção profética na assembléia e que se expressa em línguas, aí cabe a interpretação em vernáculo e a confirmação de outros membros da assembléia (cf. 1 Cor 14, 13).

44. Os carismas em São Paulo, p.19.45. Cf. capítulo anterior.46. Cf. capítulo anterior.

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5. Conclusão

“Por isso quem fala em línguas, peça na oração o dom de as interpsetar” (1Cor 14, 13). O carisma da interpretação leva ao Pai, por Jesus, no poder do Espírito Santo, orientando os filhos de Deus a fazer a Sua vontade. Quanto ao seu exercício, obedece aos mesmos princípios da profecia, com a diferença de haver sempre uma mensagem em línguas antecedente.

“Assim, pois, irmãos, aspirai ao dom de profetizar; porém, não impeçais falar em línguas. Mas faça-se tudo com dignidade e ordem” (1Cor 14, 39-40). Quem deseja, quem quer, pede: “Tudo o que pedirdes na oração, crede que o tendes recebido, e ser-vos-á dado” (Mc 11,24).

CAPÍTULO QUINTO

O dom carismático da Ciência

1. Introdução

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O dom da ciência é uma grande ferramenta de trabalho na edificação do Reino de Deus, pois leva as pessoas à conversão e à glorificação de Deus. A palavra de ciência é percebida como uma certeza interior que chega à mente.

Geralmente, após uma oração em línguas, a mente está aberta e livre para receber a comunicação do Senhor. Por vezes, vem à mente uma palavra somente, ou um quadro, uma cena. O Senhor mostra, assim, o que está curando, realizando, transformando, que pode ser: uma cura física ou emocional, uma cura espiritual, ou mesmo um chamado à conversão.

2. Conceito

O carisma da palavra de ciência é uma revelação sobrenatural de algo que Deus conhece. Ele comunica fatos, acontecimentos, problemas, feridas ou qualquer outra matéria que não é do conhecimento de quem ora, mas que é necessário saber naquele momento de oração pessoal, comunitária ou quando se reza por alguém, impondo as mãos. Não depende de informação, de bagagem cultural, não é filosofia ou teologia: é dom gratuito do Espírito Santo.

O dom de ciência é o diagnóstico de Deus. É o carisma pelo qual o Espírito Santo revela uma situação, um fato ou uma lembrança dolorosa relativa a acontecimentos passados ou presentes. Este dom faz com que a mente penetre nas verdades divinas sem que empregue o esforço do raciocínio (cf. 2 Re 6,8ss). Através do dom da ciência o Espírito Santo faz com que a pessoa entenda as coisas como Deus entende. Faz com que se penetre na raiz do acontecimento, fato, sentimento, situação, estado de espírito. É um fragmento da onisciência de Deus.

Pode-se, ainda, dizer que a palavra de ciência "é um conhecimento sobrenatural que se recebe, devido à graça, por meio da qual a inteligência do homem se ilumina com a ação do Espírito Santo, para conhecer e ver a raiz de um problema ou o que Deus está fazendo ou vai fazer entre suas criaturas"47.

Neste mesmo sentido, sobre o dom da ciência, escrevem Emiliano Tardif e José H. Prado Flores: “É um dos dons carismáticos, muito belo, por meio do qual Deus revela e comunica o que já houve ou o que está acontecendo na história da salvação das pessoas. Por esta revelação, pode-se chegar à raiz de um problema ou à causa de um cativeiro (dependência de um trauma) ou ao conhecimento de uma cura”48.

Pelo dom de ciência, Deus revela as curas que está realizando no meio da comunidade; então, comunica-se a toda a assembléia o que o Senhor está realizando.

A palavra de ciência distingue-se da ciência humana e do dom de ciência infuso. Assim:

a) Ciência: desenvolvimento das aptidões naturais da pessoa através do estudo, pesquisa, conhecimento. Ë a formação adquirida. É também associada a toda tecnologia que o homem conhece e utiliza para o desenvolvimento humano.

b) Dom de ciência infuso: é um dom crismal que ajuda a julgar de maneira correta as coisas criadas, em suas relações com Deus e mostra o valor e a importância que têm as criaturas aos olhos de Deus (cf. Is 11, 2; Hab 2, 14).

c) Palavra de ciência: revelação particular e momentânea sobre um fato singular e determinado; é urna revelação interior compreensível por quem a recebe (cf. 1 Cor 12, 8b).

3. O exercício do dom de ciências

A palavra de ciência não é necessariamente uma palavra piedosa (amor, paz, paciência,

47

?. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, Grupo de Oração, p.4248. Jesus está vivo, p.41.

23

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etc), mas diz respeito ao que Deus quer revelar. Pode ser palavras simples e corriqueiras. Por exemplo: tesoura, anel, carta, carro, cabeça, etc.

A palavra vem à mente, sem que a pessoa se tenha preparado ou pensado. O dom de ciência pode vir acompanhado da palavra de sabedoria. O primeiro revela a situação; o segundo revela como agir.

O dom de ciência também pode se manifestar por meio de um entendimento, um sentimento, uma percepção acerca de determinadas realidades. Nesse caso, não seria uma “palavra” no sentido estrito, mas outro modo de compreensão espiritual: é também dom de ciência.

Podem ser referidos, a título de exemplo, dois episódios bíblicos:

a) Lc 7, 36-47 – Aqui, Jesus teve um entendimento espiritual acerca da situação daquela mulher;

b) Mc 5, 25-34 – Nesse episódio, Jesus teve uma percepção da força que dele saira;

Quanto à ocasião, o dom de ciência pode se manifestar principalmente:

a) Na oração pessoal

O “diagnóstico” será referente à própria pessoa ou acontecimento que lhe diz respeito, fazendo com que ela penetre na raiz do fato, do sentimento, da situação ou estado de espírito relacionado com o passado ou o presente dela mesma.

Nesse sentido, o dom de ciência ajuda no processo de santificação pessoal. Deus deseja que o homem compreenda como e porque Ele está agindo de determinada maneira. Deus ensina ao homem sobre as suas verdades, para que o homem possa ter a liberdade de optar pelo bem.

b) Na imposição de mãos

É comum haver manifestação da palavra de ciência quando se está orando por alguém, por meio da imposição de mãos. Por exemplo: quando alguém sofre de algum mal cuja causa é desconhecida, pode-se pedir ao Senhor uma palavra de ciência. Reza-se em línguas por alguns instantes, e aguarda-se a comunicação do Senhor em silêncio. A pessoa por quem se ora poderá dar o significado da palavra de ciência, associando-a a algum fato de sua vida.

Após a emissão e compreensão da palavra de ciência, reza-se de acordo com o objeto revelado.

c) Na reunião de oração

Numa assembléia de oração, uma ou mais pessoas podem receber palavras de ciência, geralmente relacionadas a uma ação de Deus naquele momento. Em alguns casos, quando se anunciam curas por meio do dom de ciência, a pessoa pode perceber que a ela se refere a palavra, por meio de uma sensação física ou sentimento, entre outras coisas. O Espírito Santo tem diferentes maneiras de se revelar às pessoas.

4. Utilidade do dom de ciência

A finalidade primeira deste dom é levar à cura das lembranças dolorosas, que ainda incomodam as pessoas, fazem sofrer, e tiram a felicidade. O Espírito Santo penetra tudo, mesmo as profundezas de Deus (cf. 1 Cor 2, 10; Rm 8, 27). Ora, penetra também as profundezas do homem, revelando-lhe o que deve ser curado, por meio deste dom de ciência.

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Este dom, portanto, revela tanto o que o Senhor esta realizando (curando) na comunidade, quanto o que deve ser curado. O dom da ciência é também, em parte, um dom associado ao dom de curar doenças (cf. 1 Cor 12,9), e deve ser usado com sabedoria e discernimento. “O carisma da palavra de ciência está sempre a serviço de outro dom: de cura, palavra de sabedoria, de profecia”49.

5. Fundamentos bíblicos do dom de ciência

João 1, 47-51: a palavra de Jesus a Natanael; João 4,16-19: revelação da vida da Samaritana; João11,11-15: conhecimento da morte de Lázaro; Mateus 16,16: definição de fé do apóstolo Pedro, por inspiração do Pai; Atos 5,1-11: Pedro denuncia o roubo de Ananias e Safìra; Atos 10,9ss: visão de Pedro e a palavra que lhe é comunicada; Lc 1,4-45: O Espírito Santo revela a Isabel a gravidez divina de Maria; Mt 1,18-25: O anjo revela, em sonhos, a José, a gravidez divina de Maria.

6. A importância do testemunho

Em qualquer hipótese de manifestação do dom de ciência, é importante o testemunho das pessoas que, através da palavra de ciência, receberam alguma graça. O que é testemunhado, prova a veracidade da palavra de ciência. Pelos depoimentos se conhece se houve a ação de Deus ou não, anunciada pela palavra de ciência (cf. Mt 7, 16-20).

Assim, pelos testemunhos se confirmam não somente as curas, mas a própria palavra de ciência. O importante, após os testemunhos, não é bater palmas: mas deixar a assembléia louvar e agradecer ao Senhor com espontaneidade.

7. Como rezar por problemas desconhecidos

É muito comum encontrar pessoas com problemas cujas causas não se conhece: sejam problemas de ordem física, emocional ou mesmo espiritual. A pessoa pode estar vivendo em estado doentio (depressão, doença física, pânico, etc) e não sabe explicar o por quê de tal estado; às vezes não há nenhum motivo aparente. Como fazer nestes casos?

a) Tentar o diálogo com a pessoa, procurando reunir todos os elementos possíveis: início da enfermidade (há quanto tempo), possíveis causas; levar em conta a interdependência dos campos físico, emocional e espiritual.

b) Ver em que nível a enfermidade se situa: se no campo somático (se é algo simplesmente de origem biológica); se no campo emocional (das lembranças dos fatos traumatizantes, conscientes ou inconscientes); se no campo espiritual (se é caso de confissão sacramental, possíveis contaminações, etc.). Muitos casos de doenças físicas têm sua origem nos problemas emocionais; em outros casos, os problemas de ordem espiritual-moral repercutem no psicobiológico.

c) Pedir ao Senhor que venha em auxílio com o dom da ciência. Neste caso, ora-se em línguas por alguns minutos; após breve silêncio, aguarda-se a palavra de ciência, comunica-se à pessoa a mesma palavra. A pessoa expressa a ressonância da palavra em sua vida. Por vezes, a palavra de ciência corresponde a um fato acontecido há muito tempo; outras vezes, refere-se a casos acontecidos recentemente. Após a palavra de ciência, reza-se pela cura do que foi revelado. O processo vai se repetindo, enquanto cheguem palavras de ciência. Por fim, faz-se

49

?. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, Carismas, p. 142.

25

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um louvor ao Senhor e conclui-se com alguma oração espontânea, ou mesmo bíblica.

Caso não se receba palavras de ciência ou se a pessoa que recebe a oração não associá-la a nenhum fato de sua vida, mesmo assim deve-se rezar e entregar o caso à misericórdia do Senhor. Ele que tudo conhece haverá de manifestar, no momento oportuno, o seu amor para com aquela pessoa.

8. Auxiliares do dom de ciência

a) Sabedoria - dom do Espírito Santo que revela como agir diante daquilo que o dom de ciência esclareceu.

b) Discernimento – este carisma ajuda a descobrir o sentido das revelações dadas pelo Espírito Santo através do dom de ciência.

c) Prudência – a prudência ajudará a descobrir o momento e a forma certa de proclamar as palavras de ciência.

d) Sigilo – quem ora por outra pessoa deve manter sigilo em relação ao que o Senhor revelou ou curou (casos particulares ou situações secretas), respeitando a privacidade das pessoas.

9. Conclusão

O dom da ciência não depende do conhecimento, de bagagem cultural, não é filosofia ou teologia: é dom gratuito do Espírito Santo.

Palavra de ciência: diagnóstico de Deus. Faz com que a mente penetre numa verdade (ou na raiz de um problema) sem esforço humano. Manifesta-se através de: uma palavra ou frase, imagem (visualização), sensação, sentimento ou sonho. Atitudes cristãs: sigilo; prudência; sabedoria; discernimento.

CAPÍTULO SEXTO

Carisma da Palavra de Sabedoria

1. Introdução

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Num mundo tão difícil como este todos precisam urgentemente do carisma da palavra de sabedoria. A sabedoria que vem do Espírito Santo ilumina o caminho, dá a direção certa, leva a decisões conforme a vontade de Deus e conduz à santidade. Como é importante este carisma!

2. Conceito

A palavra de sabedoria é uma "ação de Deus, movendo uma pessoa a ensinar ou explicar verdades religiosas, a fim de que a presença e o amor de Deus sejam experimentados, e para que ela seja movida a procurar Deus”50. Exemplos de palavras de sabedoria: Mt 7, 28-29; Lc 2, 47; 4, 22; 12, 22ss; 24, 32.

Pelo dom de sabedoria, a pessoa sente que o Senhor está lhe guiando para fazer alguma coisa ou dizer algo em determinado momento. Portanto, palavra de sabedoria é uma palavra, atitude ou ação a fim de que as pessoas percebam a verdade que antes não conheciam. Inspira o homem como agir, falar ou se comportar em situações concretas da vida, levando-o a decidir acertadamente, de acordo com a vontade de Deus (cf 1 Cor 12, 8).

É oportuno fazer a seguinte distinção:

a) Sabedoria humana: adquirida pelo esforço do conhecimento humano e pelas ciências. Ela depende de esforços, capacidades e tendências pessoais, além de outros fatores externos.

b) Sabedoria diabólica: “Mas, se tendes no coração um ciúme amargo e gosto pelas contendas, não vos glorieis, nem mintais contra a verdade. Esta não é a sabedoria que vem do alto, mas é uma sabedoria terrena, humana, diabólica” (Tg 3, 14-15).

c) Sabedoria divina: dom crismal, dom do Espírito Santo para o crismando, para santificação de sua vida pessoal. Este dom faz aprender as realidades espirituais e suas conseqüências na vida prática; desperta o sabor das coisas de Deus (cf. Tg 1,5).

d) A palavra de sabedoria: dom carismático do Espírito Santo, dom gratuito de Deus, para orientar situações concretas; não depende de méritos pessoais, nem é fruto de dedução racional ou científica: é puro dom da graça divina (cf. 1 Cor 12,8).

3. Utilidade do dom da sabedoria

O dom de sabedoria manifesta a vontade de Deus em situações concretas. É o socorro de Deus para momentos de crise (o estudo de algum tema difícil, debates, discussões, situações de confusão, etc).

A palavra de sabedoria é, portanto, apropriada para testemunhar a presença de Deus em momentos difíceis (cf. Mt 22,15-22). O dom da sabedoria tem íntima ligação com o dom da ciência. O dom da ciência revela uma situação, um problema (dá o diagnóstico); o dom da sabedoria revela como agir (indica o remédio). A sabedoria também ilumina a profecia para que seja entendida e vivida.

4. A palavra de sabedoria na Escritura

Várias passagens da Sagrada Escritura revelam a utilização do dom da sabedoria como recurso para mostrar a vontade de Deus ou intervir em situações concretas. Pode-se, ao exemplificar, distinguir o uso da palavra de sabedoria:

50

?. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, Grupo de oração, p.41

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a) Em situações embaraçosas: 1 Rs 3, 16-28; Lc 12, 11-12;b) Como fonte de entendimento espiritual: Lc 12, 13-21; Lc 12, 22-34;c) Como atitude: At 9, 23-25;

Sempre que Jesus e os apóstolos davam aos seus ouvintes noções práticas de como viver segundo Deus, segundo o ideal cristão, transmitiam palavras de sabedoria. Alguns textos importantes: Mt 10, 5-7; 11, 25-30; Mc 10, 1-31; Lc 6, 20-49; 12, 22ss; Jo 10, 13.34; 15, 12-27; Cl 3,1-3; Ef 4, 1ss; Gl 5, l6ss; 1 Pd 1, 13-16; Fl 2, 1-16.

A palavra de sabedoria foi usada pelos apóstolos em várias ocasiões, nos momentos de pregação, como também antes de tomarem decisões práticas para a Igreja (cf. At 2, 14ss; 3, 12ss e 4, 8ss). Para a eleição dos sete diáconos, os apóstolos pedem à Assembléia que escolha homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria (cf. At 6, 1ss). Os que discutiam com Estevão, "não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito que o inspirava" (At 6, 10). São Paulo agiu movido por este dom, quando deixou cego a Élimas o mago, que procurava desviar da fé o procônsul Sérgio Paulo (cf. At 13,4-12).

5. O exercício do dom de sabedoria

A abertura para o dom da sabedoria obedece aos mesmos princípios que para os outros dons. Para receber e manifestar o dom da sabedoria ajuda: v ida de oração, estudo, reflexão, humildade e simplicidade (coração de criança).

O dom da sabedoria pode estar vinculado a certos momentos decisivos na vida pessoal e comunitária, quando o cristão é chamado a tomar decisões importantes, e precisa do auxílio divino, de uma orientação de Deus sobre este determinado momento ou problema. É o dom divino que leva a agir corretamente diante de uma situação difícil.

Por este dom, a comunidade sente mais profundamente a presença do Espírito Santo. Os participantes de uma reunião, ao ouvirem palavras de sabedoria, percebem o próprio Deus a lhes falar. Por este carisma, Deus se serve de alguém para transmitir um conhecimento mais profundo da sua palavra ou da direção de Deus sobre a vida deles.

A palavra de sabedoria é freqüentemente dada no aconselhamento de outros, em resposta a seus problemas, dando-lhes clareza e direção pela ação do Espírito Santo. Todos podem e devem aspirar a este dom; devem, outrossim, rezar, pedindo-o, desejando-o ardentemente, como exorta São Tiago em sua carta: "Se alguém de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, com simplicidade e sem recriminação, e ser-lhe-á dada. Mas peça-a com fé, sem nenhuma vacilação" (Tg 1, 5-6; cf. Eclo 6,37; 43,37). Salomão pediu-a assim:

“Deus de nossos pais, e Senhor de misericórdia, que todas as coisas criastes pela vossa palavra, para ser o senhor de todas as vossas criaturas, governar o mundo na santidade e na justiça, e proferir seu julgamento na retidão de sua alma, daí-me a sabedoria que partilha do vosso trono, e não me rejeiteis com indigno de ser um de vossos filhos. Sou, com efeito, vosso servo e filho de vossa serva, um homem fraco, cuja existência e breve, incapaz de compreender vosso julgamento a vossas leis; porque qualquer homem, mesmo perfeito, entre os homens, não será nada, se lhe faltar a sabedoria que vem de vós. Mas, ao lado de vós, está a sabedoria que conhece vossas obras; ela estava sempre quando fizestes o mundo, ela sabe o que vos é agradável, e o que se conforma às vossas ordens. Fazei-a, pois, descer de vosso santo céu, e enviai-a do trono de vossa glória, para que, junto de mim, tome parte em meus trabalhos, e para que eu saiba o que vos agrada” (Sab 9, 1-6.9-10).

6. Conclusão

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A sabedoria é um precioso dom do Espírito Santo que está ao alcance de todos; basta pedi-la com fé, para vivê-la e levá-la aos irmãos “O mundo necessita de homens que, iluminados pela sabedoria de Deus, saibam agir e falar inteligentemente, obedecendo assim a lei de Deus escrita no seu coração, a única lei capaz de elevar sua dignidade de homem e assim enriquecer o mundo” 51.

51

?. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, Carismas, p. 108.

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CAPÍTULO SÉTIMO

Discernimento dos Espíritos

1. Introdução

Jesus usou muito o carisma de discernimento dos espíritos em sua vida diária. Também os homens e mulheres, pais e mães, servos com grande responsabilidade, precisam deste carisma para saber distinguir qual espírito está agindo em cada situação: o Espírito de Deus, o espírito humano ou espírito do mal, o diabo.

O carisma do discernimento dos espíritos é um dos dons mais necessários a quem coordena um grupo de oração, preside uma reunião de oração, ora por alguém, é pai ou mãe de família, exerce alguma função na comunidade paroquial, ou na RCC. É bom estudar com carinho este carisma.

2. Conceito

“Dom do Espírito Santo através do qual uma pessoa percebe, intuitiva e instantaneamente, quais espíritos estão presentes e operantes em uma palavra, ação, situação ou pessoa (santo, demoníaco, humano, ou a mistura destes)” 52.

Este dom permite identificar qual espírito está impulsionando ou está influenciando uma: ação, situação, desejo, decisão, palavra, proposta, oferecimento:

“O discernimento é o dom que nos abre os olhos para o mundo invisível, onde agem tanto os espíritos bons como os maus. O discernimento é luz sobrenatural que nos mostra a origem e a causa última de certos fenômenos misteriosos, humanamente inexplicáveis. Portanto, não se trata, em hipótese alguma, de um juízo temerário que fazemos sobre as pessoas. As próprias palavras ‘discernimento dos espíritos’ deixam claro que tratamos dos espíritos e não dos homens e da sua conduta”.53

3. Tipos de discernimento

a) Reflexivo (bom senso)

É o discernimento conseguido pela inteligência, pelo raciocínio lógico, pela experiência de vida, pela experiência que se tem sobre alguma coisa, pelo estudo, pela formação, pela observação.

b) Doutrinal

É o discernimento adquirido pelo conhecimento da Sagrada Escritura, da Sagrada Tradição e da doutrina da Igreja; algo que se aprende, se desenvolve. No Evangelho, Jesus indica: “Pelos seus frutos, os conhecereis” (Mt 7,16-20). Contudo, surgem no mundo os falsos profetas que vêm disfarçados de ovelhas (e mesmo disfarçados de pastores), mas por dentro são lobos arrebatadores (cf. Mt 7, 15).

c) Carismático (cf. 1Cor 12, 10)

52

?. Robert DEGRANDIS, Carismas, dons do amor de Deus, p. 47.53. S. FALVO, O despertar dos carismas, p. 171

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É a capacidade que o Espírito Santo dá para distinguir, interiormente, por um movimento do Espírito no íntimo, que espécie de espírito está movendo uma pessoa ou uma comunidade.

Os discernimentos: carismático, doutrinal e reflexivo, completam-se um ao outro. O melhor é caminharem juntos. Em algumas vezes, o discernimento reflexivo, baseado somente na razão, foge completamente da vontade de Deus.

4. Utilidade do discernimento carismático

a) Aumenta a margem de acerto em tudo o que se faz;b) Permite a descoberta da vontade de Deus revelada por meio de outros carismas;c) É um dom precioso para quem exerce todas as funções, principalmente a de coordenação, pregação e animação;d) Protege os outros dons. Assim, por ele é possível saber quando e como orar em línguas, profetizar, curar, entre outras coisas: "O dom do discernimento, podemos considerá-lo como protetor dos demais dons. De fato, ele aí está, pronto para proteger a autenticidade dos dons do Espírito, das possíveis adulterações, inventadas pelo demônio”54.

5. Dom do discernimento na vida de Jesus

Jesus usou o dom do discernimento para encontrar orientação correta em certas ocasiões. Este dom parece estar presente na vida de Jesus de forma muito original; alguns exemplos podem servir de inspiração:

a) Quando atribuíam a Ele um espírito imundo, Ele discerne: "Se Satanás se levanta contra si mesmo, está dividido e não poderá continuar, mas desaparecerá" (Mc 3, 22-27; Mt 12, 28).

b) Na questão da cura no dia de sábado, Ele concluiu: "É permitido, pois, fazer o bem no dia de sábado" (Mt 12, 12; Mc 3, 1-16).

c) Na primeira predição de sua Paixão, repreende a Pedro, dizendo que os sentimentos de Pedro não são de Deus, mas dos homens (cf. Mc 8,31-33).

d) Na discussão sobre a ressurreição (pelos saduceus, os quais a negavam) Jesus orienta: "Errais não compreendendo as Escrituras e o poder de Deus" (Mt 22, 29; Mc 12, 24).

e) No caso do cego de nascença, Jesus não atribuiu a cegueira nem aos pais, nem ao próprio homem cego, como perguntavam os discípulos, mas discerniu como ocasião de manifestação da Glória de Deus (cf. Jo 9,1ss).

f) Diante da atitude de Tiago e João, pedindo fogo do céu para consumir os samaritanos que lhes negavam pousada, Jesus os orienta, dizendo: "Não sabeis qual espírito vos anima. O Filho do Homem não veio para perdê-los, mas para salvá-los” (Lc 9, 51 ss).

Alguns trechos da Sagrada Escritura revelam as conseqüências da falta de discernimento. Por exemplo:

a) Gn 3,17 – Eva não parou para discernir se a proposta que a Serpente lhe dava era coisa de Deus ou não;

b) 2 Sm 11, 1-17 – Davi criou, por falta de discernimento, situações desastrosas para ele e para os outros.

6. Dinâmica da manifestação do discernimento carismático

54

?. S. FALVO, O despertar dos carismas, p. 173.

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Como fazer para ter discernimento? Não existe receita, pois o discernimento dos espíritos é um dom. Porém, uma coisa é importante: conhecer Deus e Sua Palavra.

“Uma maneira corretíssima de sabermos se algo vem da vontade de Deus, do inimigo ou de nós próprios é a Palavra de Deus. Muitas vezes, em discernimento dos espíritos não temos tempo nem de raciocinar. Daí esta palavra precisar estar tão enraizada em nós que faça parte já do nosso próprio ser. Desta forma, e alimentados pela oração, nossa vontade e inteligência estarão sempre abertas à ação do Espírito Santo, que nos revelará, pelo carisma do discernimento dos espíritos, o que vem de Deus, o que vem de nós, o que vem do maligno” 55

Pedir com fé o Espírito Santo, pedir o dom do discernimento, acolhê-lo, ir analisando suas manifestações; é, pois, um aprendizado. Sua manifestação se parece com a intuição. Assemelha-se também com “a voz da consciência”

Discernir segundo Deus gera bons frutos. Jesus dá uma regra infalível: “Toda árvore boa, dá bons frutos; toda árvore má dá maus frutos. Pelos seus frutos, os conhecereis” (Mt 7, 16-20). Os que são guiados pelo Espírito Santo, terão frutos espirituais; os que são guiados pela carne, da carne colherão corrupção (cf. Gal 5, 16-6,9).

7. Conclusão

Jesus discerniu com poder e ensinou a vigiar (cf. Mt 4, 1-10; 7,15). Todos devem pedir a Deus e buscar com empenho o dom do discernimento dos espíritos. Ele é necessário, importante, pode-se dizer, indispensável na comunidade que reza, no grupo de oração, na família. Ele permite distinguir fenômenos, manifestações de todo tipo.

É necessário perseverar nas orações, no grupo de oração, na vida sacramental, no estudo da Bíblia, na docilidade ao Espírito Santo, na devoção mariana e na doutrina da Igreja para crescer no conhecimento de Deus e estar cada vez mais aberto ao carisma do discernimento dos espíritos.

Quão necessário se torna o dom do discernimento nas várias situações da vida pessoal e comunitária! Esse dom é muito importante na orientação doutrinária, na percepção da ação de Deus e sua vontade, ajudando enfim, a "examinar se os espíritos são de Deus" (1 Jo 4, 1 ).

55

?. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, Liderança cristã, p.

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CAPÍTULO OITAVO

Carisma da Cura

1. Introdução

Os carismas de cura, fé e milagres podem ser chamados “dons-sinais”, porque sinalizam algo de extraordinário realizado pelo poder de Deus. São dons que manifestam o poder de Deus no mundo; são obras do poder do Espírito, agindo nos cristãos e através deles, para confirmar a verdade da mensagem cristã.

Diante do poder de Deus que se manifestava em Jesus e nos apóstolos, muitos se converteram à fé, ao presenciarem uma cura, um milagre, um prodígio sobrenatural, uma ressurreição, etc.

Esses dons continuam sendo manifestos na Igreja. São necessários aos nossos dias, porque confirmam da palavra do Senhor. Não foram necessários somente no início do cristianismo, para sua expansão. É próprio da Igreja testemunhar pela manifestação dos dons carismáticos, a ação poderosa do Senhor em meio a seu povo. Pelos carismas, a evangelização é confirmada. “Os discípulos partiram e pregaram por toda a parte. O Senhor cooperava com eles e confirmava a sua palavra com os milagres que a acompanhavam” (Mc 16,20).

2. As enfermidades e a cura

“Enviou-os a pregar o Reino de Deus e curar os enfermos” (Lc 9, 2).

Antes de entrar propriamente no dom da cura convém tecer alguns comentários a respeito da questão das enfermidades e de sua relação com a vida cristã e o plano da salvação.

O entendimento da Igreja a respeito dessas realidades é de que a enfermidade e o sofrimento sempre estiveram entre os problemas mais graves da vida humana: “Na doença o homem experimenta a sua impotência, seus limites e sua finitude”56.

O Papa João Paulo II, em sua Carta Apostólica Salvifici Doloris – “O sentido cristão do sofrimento humano” - procura responder ao sentido da dor e do sofrimento. Segundo ele, “poder-se-ia dizer que o homem sofre por causa de um bem do qual não participa, do qual é, num certo sentido excluído, ou do qual ele próprio se privou” 57 . No plano inicial de Deus que previa todo o bem e toda a satisfação das necessidades do homem (físicas, emocionais e psíquicas), se interpõe o pecado, criando toda a espécie de dor e insatisfação dessas necessidades.

2.1. Conceito de saúde (equilíbrio) x doença (desequilíbrio)

Deus criou o homem em harmonia perfeita com todas as coisas. O Espírito de Deus governava o espírito do homem; este governava a alma e a alma governava o corpo. E o homem gozava de um dom chamado imortalidade corporal, além da imortalidade do espírito.

Havia harmonia – equilíbrio – entre o espírito, a alma e o corpo. Quando o homem saiu, voluntariamente, do plano original de Deus, pelo pecado das origens, entraram no mundo o sofrimento, a doença (desequilíbrio, desarmonia) e a morte.

A doença (que é um desequilíbrio) pode ter início em um dos elementos constitutivos do ser humano e atingir os outros, secundariamente. Por exemplo: uma doença que comece no espírito (pneuma) pode se exprimir na mente (psique) e no corpo (soma). Então é uma doença pneumopsicossomática, uma doença do homem total. Exemplificando: um pecado, que é uma

56

?. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 1500.57. JOÃO PAULO II apud RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, Oração pela pura, p.14.

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doença do espírito (ou do pneuma), pode gerar um sentimento de “remorso”58 (na alma ou psiquê), levando a doenças ósseas (no corpo ou no soma).

O homem em desequilíbrio (doente) precisa ser curado, restaurado, regenerado em todo o seu ser para voltar à harmonia inicial. A cura é isto: a restauração do equilíbrio, da harmonia do plano de Deus.

2.2. O exercício do dom de cura

Se a doença é no corpo, precisa-se de cura física; se na mente, é necessária uma cura psíquica; adoecem as emoções, a carência é de uma cura interior. Caso o problema seja espiritual, é preciso uma cura espiritual (libertação). Em qualquer hipótese, o dom de cura geralmente se manifesta por meio da oração de cura.

Para orar por cura, a única prerrogativa é usar o nome de Jesus. É preciso deixar de lado o medo e os enganos e orar pelos enfermos, sabendo que Deus os cura pelos méritos de Jesus Cristo e não porque a pessoa sabe orar, tem experiência ou é santa. Todos podem exercitar o dom de curar as doenças.

O propósito de Deus é que os seus filhos sejam totalmente sadios, curados, restaurados, regenerados e libertos. Para isso Ele enviou o Seu Filho para morrer pela humanidade. Pelas suas pisaduras o Filho trouxe a cura total e a libertação (cf. Is 53,4-5).

O Papa João Paulo II diz que “o homem é destinado à alegria, mas todos os dias experimenta variadíssimas formas de sofrimento e de dor”59. E a Congregação para a Doutrina da Fé, em recente publicação60 se manifesta dizendo que exatamente por que somos destinados à alegria, o Senhor, nas suas promessas de redenção, anuncia a alegria do coração ligada à libertação dos sofrimentos (cf. Is 30, 29; 35, 3-4; Br 4, 29). Por isso, há um anseio legítimo e profundo do homem de se libertar de todo mal, pois o Senhor é “aquele que liberta de todos os males” (Sb 16,8).

2.3. Deus quer o homem saudável

Desde a criação do homem, Deus o chamou à felicidade, ao bem-estar, à saúde plena. Este é o plano de Deus: a felicidade e o bem de suas criaturas. As palavras dos profetas, as intervenções divinas em favor do povo escolhido testemunham um afeto e uma ternura que expressam o grande amor de Deus. Se dúvidas ainda houvesse, o mistério da encarnação de Jesus Cristo as dissiparia por completo. Um Deus que se dá de forma tão apaixonada não poderia ter pensado ou desejado a dor ou o sofrimento para os seus amados.

No Diálogo61 encontram-se registros primorosos de como Deus vê a separação do homem e a sua necessária reconstrução:

“Ó filha bondosa e querida, a humanidade não foi leal e fiel para comigo. Desobedeceu à minha ordem (Gn 2, 17) e achou a morte. De minha parte mantive a fidelidade, conservei a finalidade para a qual a criara, com a intenção de dar ao homem a felicidade. Uni a natureza divina, tão perfeita, à mísera natureza humana, resgatei a humanidade, restituí-lhe a graça pela morte de meu Filho. Os homens sabem de tudo isso mas não acreditam que sou poderoso para socorrê-los, forte para auxiliá-los e defendê-los dos inimigos, sábio para iluminar suas

58

?. O “remorso” distingue-se da “contrição” pelo seu caráter altivo: a pessoa sente-se atingida no orgulho, ao se deparar com sua imperfeição. A contrição é uma atitude de humildade, por meio da qual a pessoa se reconhece pecadora e solicita a misericórdia de Deus.

59. Christifideles Laici, 53. 60. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Instrução sobre as orações para alcançar de Deus a

cura, p 5. 61. Principal obra de Santa Catarina de Sena. Este livro é considerado a obra-prima desta doutora da Igreja.

Foi escrito na forma original de “revelação divina” de Deus Pai à santa por volta do ano de 1.377.

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inteligências (...). A natureza divina uniu-se com poder meu (o Pai), com a sabedoria do Filho e com a clemência do Espírito Santo. Todo o abismo da Trindade, uniu-se à vossa humanidade.”62

O ensinamento da Igreja63 aponta que de Deus vem a cura e a salvação. O desejo de Deus, conforme o testemunho do próprio Jesus Cristo, é a cura, a vida plena e abundante (cf. Jo 10,10). A Escritura afirma que “Deus não é o autor da morte, e a perdição dos vivos não lhe dá nenhuma alegria. Ele criou tudo para existência, e as criaturas do mundo devem cooperar para a salvação. Nelas, nenhum princípio é funesto, e a morte não é a rainha da terra, porque a Justiça é imortal” (Sl 115,6; Sb 1, 13-15). Ora, Jesus veio ao mundo para dar ao homem vida em plenitude, manifestando o amor de Deus Pai (cf. Jo 3, 16) e torná-lo participante da natureza (cf. 2 Pd 1, 4) e do amor divino (cf. 1 Jo 4, 9; 5, 11).

Se Jesus deu a vida pelo homem, se “fomos transladados da morte para a vida” (1 Jo 3, 14), Ele o quer cheio de vida, de saúde, de felicidade, pois Ele é o Deus da vida; Ele “é um Deus que nos cura” (Ex 15, 26), “que sara as nossas enfermidades” (Dt 32, 39; Sl 102, 3; 146, 3). As doenças encontram sua causa no próprio homem, no seu pecado, orgulho, ambição; em sua desarmonia consigo mesmo, com os outros, com a natureza e, por fim, com o próprio Criador. Mas esta é uma verdade bíblica: Deus quer o homem saudável!

2.4. Dom de cura e sofrimento humano

No Antigo Testamento percebe-se que o povo de Israel tinha o entendimento de que as enfermidades estavam misteriosamente ligadas ao pecado e ao mal; mas elas atingiam também os justos, o que levava o homem a interrogar-se o porquê64. O Papa João Paulo II esclarece sobre isso: “Se é verdade que o sofrimento tem um sentido de castigo quando é ligado à culpa, já não é verdade que todo o sofrimento seja conseqüência da culpa e tenha um caráter de castigo. A figura de Jó é disso uma prova convincente no Antigo Testamento (...). Se o Senhor permite que Jó seja provado pelo sofrimento, fá-lo para demonstrar a sua justiça. O sofrimento tem caráter de prova”65.

Conforme o entendimento expresso pela Congregação para a Doutrina da Fé, a doença pode ter aspectos positivos de demonstrar fidelidade ou mesmo de reparação, mas continua sendo sempre um mal e as promessas de Deus vão sempre no sentido de libertação e de cura e que, em tempos vindouros, não haverá mais desgraças e invalidez e o decurso da vida nunca mais será interrompido com enfermidades mortais (cf. Is 35, 5-6; 65, 19-20)66.

A partir da vinda de Jesus Cristo é que se encontra uma resposta mais completa para a questão das enfermidades. Quando Jesus se depara com os enfermos, e isto é uma constante na narrativa de todos os evangelistas, a sua atitude é sempre de curar e de libertar de todos os males. A esse respeito diz a Congregação para a Doutrina da Fé: “As curas são sinais de sua ação messiânica (cf. Lc 7, 20-23). Manifestam a vitória do Reino de Deus sobre todas as espécies de mal (...), servem para mostrar que Jesus tem o poder de perdoar os pecados (cf. Mc 2, 1-12) e são sinais dos bens salvíficos”67.

O mesmo sentido pode ser observado no início da evangelização ao longo dos Atos dos Apóstolos, conforme Jesus havia prometido. São freqüentes as curas e as libertações por meio dos apóstolos. São Paulo também confirma a continuidade dos sinais e prodígios em sua evangelização. A Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé acrescenta: “Eram prodígios que

62

?. p. 31563. Cf., especialmente, CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 1502-1510.64. Cf. Jo 7, 20.65. JOÃO PAULO II apud CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Instrução sobre as orações

para alcançar de Deus a cura, p. 5.66. Cf. Instrução sobre as orações para alcançar de Deus a cura, p. 6.67. Ibid., p. 6.

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não estavam ligados exclusivamente à pessoa do Apóstolo, mas que se manifestavam também através dos fiéis.”68

3. Enfermidades no Antigo Testamento

Ao longo do Antigo Testamento, após a narrativa do pecado e das conseqüências que ele traz para o homem, começa a surgir, especialmente nos salmos e através dos profetas, uma visão nova da doença diante de Deus. Das lamentações sobre as enfermidades, elas se tornam caminho de conversão (cf. Sl 38, 5 e 39, 9.12) e o perdão de Deus inaugura a cura69. Chega-se a momentos de uma compreensão extraordinária da dor e da redenção a serem manifestadas plenamente no Cordeiro de Deus, o Justo, o Servo: “Ele tomou sobre si as nossas enfermidades e carregou com nossos sofrimentos... E ainda: “Por suas chagas, nós fomos curados” (Is 53, 4.5.11).

Foi assim que os profetas viram a chegada do Messias: “Ele mesmo vem salvar-nos; os olhos dos cegos se abrirão e se desimpedirão os ouvidos dos surdos; então, o coxo saltará como um cervo, e a língua do mudo dará gritos alegres” (Is 35, 4b-6a). Os tempos messiânicos foram vistos como tempos de plenitude espiritual, plenitude de vida física, como tempos nos quais o poder de Deus se manifestaria com esplendor em Jesus Cristo.

O Messias teria em si a plenitude do Espírito Santo; seria consagrado pela unção, e “enviado a levar a Boa Nova aos pobres, a curar os corações doloridos, a anunciar aos cativos a redenção, aos prisioneiros a liberdade...” (Is 61, 1-2). Ele fora prenunciado como o “rebento justo brotado de Davi” (cf. Jr 23, 5; 33 ,15); como “Gérmen”, segundo o profeta Zacarias (cf. Zc 3,8; 6,12); foi predito ser o Messias, a “Pedra Angular” na construção da Igreja (cf. Zc 10, 4; Is 8, 14; 28, 16; Sl 117, 22; At 4, 11); como alguém que viria “pensar a chaga de seu povo e curar as contusões dos golpes que recebeu” (Is 30,26). Ele seria o “Emanuel, o Deus conosco, o príncipe da Paz” (cf. Is 7, 14; 9, 5; Mt 1, 23); seria o “Sol da Justiça, que traz a Salvação em seus raios” (Ml 3, 20).

4. O Novo Testamento: Jesus e os enfermos

Todos os temas presentes no Antigo Testamento a respeito do Messias dão a idéia de salvação, presente em Jesus, como uma plenitude de bens, de vida e saúde, de cura das enfermidades humanas, de esperança e consolo.

No Novo Testamento, vê-se Jesus cumprindo as profecias. Um dos textos claros, neste sentido, é Lucas 7, 22: “Ide anunciar a João o que tendes visto e ouvido: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, e aos pobres é anunciado o evangelho” (E Jesus acabara de fazer muitas curas: cf. v. 21).

Fundamentalmente, os evangelistas se esforçam por transmitir aos seus leitores e ouvintes, a verdade que Jesus é o Messias anunciado pelos profetas, o Filho de Deus, que devia vir a este mundo para realizar o plano do Pai: a salvação dos homens e a manifestação do Reino definitivo (cf. Mt 1, 21-22; 16, 16; Mc 1, 1-15; 15, 39; Lc 7, 18-23; Jo 4, 25-26; 11 ,27, etc). Anunciava o Reino de Deus (cf. Lc 9, 11) presente n’Ele e em sua obra (cf. Mt 12, 28; Lc 11, 20).

A Encarnação do Verbo, na plenitude dos tempos, quando “se fez carne, e habitou entre nós” (cf. Jo 1, 14), é salvífica, pois Ele veio ao mundo “para salvar o povo de seus pecados” (cf. Mt 1, 21); veio para “expiar os nossos pecados” (cf. 1 Jo 4, 10); veio “para salvar os pecadores” (cf. 1Tim 1, 15); veio “para nos resgatar de toda a iniquidade e nos purificar” (cf. Tt 2, 14); veio, enfim, para que todos tivessem vida plena (cf. Jo 10, 10).

No início de seu ministério público, “Jesus percorria toda a Galiléia, ensinando nas

68

?. Ibid., p. 7.69. Cf. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 1502.

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sinagogas, pregando o Evangelho do Reino, e curando todas as doenças e enfermidades entre o povo... e curava a todos” (Mt 4, 23-25). Não somente Jesus curava! Mas dava aos discípulos o poder que tinha, em forma de mandamento: “Curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios...” (Mt 10, 8).

Uma palavra pode definir o relacionamento de Jesus com os enfermos: compaixão. Diversas vezes os evangelistas se referem à sua compaixão. O Catecismo da Igreja Católica diz que “sua compaixão para com todos aqueles que sofrem é tão grande que ele se identifica com eles: Estive doente e me visitastes”70. Todos buscavam a Jesus, que a todos recebia. Todos o queriam tocar e Ele se deixava tocar.

As curas realizadas por Jesus suscitavam a fé em sua Pessoa Divina e levavam os ouvintes a se tornarem seus discípulos e suas testemunhas. Se Jesus curava, era porque não aceitava a enfermidade como algo querido normalmente por Deus; mas a cura, a saúde plena, estas sim, eram desejadas por Deus. Jesus curava porque os via doentes, e porque manifestava, assim, o seu amor e a sua caridade. O amor de Jesus é sempre curativo! E a ninguém que dele se aproximasse teria dito: volta para casa com tua enfermidade, porque Deus Pai assim o deseja, e te abençoa com a doença! Ao contrário: curou a todos os que dele se aproximaram e lhe pediram com confiança e fé (cf. Mc 6, 56). Jesus quer dar a saúde. Ele é o divino médico quer curar o homem totalmente (cf. Mt 8, 3; Mc 1, 41; Lc 13, 32).

Deus pode, é certo, permitir que uma doença permaneça em uma pessoa, sendo a mesma um meio de santificação e purificação para si e para os outros. De modo geral, a vontade de Deus é que o homem seja curado para poder louvá-Lo com todo o ser. Jesus demonstrou isto em sua vida pública ao curar os doentes. Compadecia-se dos doentes e manifestava seu amor, sua caridade, curando-os. Ele mesmo disse: “os sãos não precisam de médicos, mas os enfermos” (Mc 2, 17). E Jesus ali estava como o médico divino do corpo, da mente e da alma dos homens.

5. A Igreja e o poder de curar doenças

Após a ressurreição, Jesus apareceu aos apóstolos e lhes disse: “Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio” (Jo 20, 21). A missão que Jesus recebeu do Pai, de tornar presente entre os homens o seu amor salvífico, Ele o transferiu à sua Igreja. A missão de Jesus e da Igreja é a salvação dos homens, e esta é a vontade do Pai (cf. 1 Tim 2, 4).

Ao se despedir dos apóstolos, Jesus ordenou: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado. Estes milagres acompanharão aos que tiverem crido: expulsarão os demônios em meu Nome, falarão novas línguas, manusearão serpentes, e se beberem algum veneno mortal não lhes fará mal; imporão as mãos sobre os enfermos e eles ficarão curados” (Mc 16, 16-18).

A intenção de Jesus é bem clara: “Estes milagres acompanharão aos que tiverem crido”. Já mesmo durante a vida pública de Jesus, os apóstolos puderam testemunhar o poder curativo que Ele lhes dava: pregavam e curavam os doentes (cf. Mc 6, 13; Lc 9, 6).

Nos Atos dos Apóstolos, os milagres acontecem pelo poder do nome de Jesus e do seu Espírito. Era o Senhor confirmando a pregação apostólica (cf. Mc 16, 20). Eis alguns relatos da era apostólica:

a) Pedro cura um coxo de nascença, com mais de quarenta anos de idade (cf. At 3,1; 4, 22);b) A sombra de Pedro, passando por sobre os doentes os curava; Deus fazia milagres extraordinários por intermédio de Paulo (cf. At 5, 12-16; 19, 11-12);c) Na Samaria, com o Diácono Filipe, acontecem prodígios e curas (cf. At 8, 4-8);d) Pedro, em Lida, cura o paralítico Enéias (cf. At 9, 32-35); este fato trouxe muitas

70

?. n. 1503.

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pessoas à conversão para a fé;e) Em Jope, Pedro ressuscita a Tabita, o que suscita a fé em muitos corações, que se voltam ao Senhor (cf. At 9, 36ss);f) Em Icônio, o Senhor operava prodígios por meio de Paulo e Barnabé (cf. At 14, 1ss);g) Em Listra, Paulo cura um homem aleijado das pernas, coxo de nascença (cf. At 14,8);h) Em Trôade, Paulo ressuscita um moço (cf. At 20, 7-10);i) Em Malta, Paulo cura o pai de Públio, impondo as mãos; e cura os doentes da ilha (cf. At 28, 8-9).

Se Jesus associou a evangelização aos sinais visíveis de seu poder presente na Igreja, não se pode separar evangelização e sinais, sem deturpar sua intenção. Após a era apostólica, a Igreja continuou a exercer estes dons de cura e milagres; é conhecida a fama dos santos, dos místicos, por seus milagres em favor do povo. Associou-se assim, com o passar do tempo, a santidade ao fato de se realizarem milagres e curas em benefício dos enfermos. Esta idéia da santidade, unida a fatos prodigiosos, manteve-se firme por vários séculos na Igreja: ser santo era operar prodígios e curas.

Depois do Concílio do Vaticano II surgiram na Igreja Católica diversos grupos que retomaram o uso dos dons carismáticos. Conseqüentemente, os dons de cura começaram a expressar-se com mais freqüência no meio do povo, como um aspecto da unção do Pentecostes renovado. A Renovação Carismática Católica, especialmente, contribuiu para isso.

O Catecismo da Igreja Católica atesta essa vontade de Deus em curar o seu povo e reconhece: “O Espírito Santo dá a algumas pessoas um carisma especial de cura para manifestar a força da graça do ressuscitado”71. Dessa fonte maravilhosa, os grupos de oração da Renovação Carismática Católica têm bebido e é possível testemunhar as maravilhas que o Senhor tem feito neles.

6. E quando as curas não acontecem?

Essa questão é intrigante e inquieta a muitos os que se dedicam a orar pelos enfermos. Existe sempre um mistério em torno da vontade de Deus. Por que uns são curados e outros não?

Embora seja da vontade de Deus curar o seu povo, é bom lembrar que “mesmo as orações mais intensas não conseguem obter a cura de todas as doenças”72. São Paulo teve que aprender que “basta-te a minha graça, pois é na fraqueza que minha força manifesta todo o seu poder” (2 Cor 12,9). Ele ensina que alguns sofrimentos devem ser suportados na vida e que eles fazem parte da caminhada: “Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja” (Col 1,24).

Assim, pode-se sempre rezar pela cura, mas cabe ao Senhor curar segundo a Sua vontade.

7. A oração de cura

As orientações expressas a seguir têm um caráter introdutório e servem como um rumo geral a todos os cristãos. Quando o dom da cura começa a se manifestar com freqüência na vida do participante do grupo de oração, isto é um sinal que ajuda a caracterizar um serviço específico ou ministério. Nesse caso torna-se necessária uma formação específica e mais aprofundada.

Jesus assegura que é possível obter o que se pede na oração (cf. Mc 11,24). A oração de cura está intimamente unida à fé no poder de Deus, a quem nada é impossível. O dom da cura,

71

?. n. 1508.72. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 1508.

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ou a graça de curar as doenças no poder do Espírito Santo é tratado na Sagrada Escritura de uma forma bastante simples, no conjunto dos demais dons carismáticos: “...a outro, a graça de curar as doenças no mesmo Espírito” (1 Cor 12, 9b); mas “um mesmo Espírito distribui todos esses dons a cada um como lhe apraz” (1 Cor 12, 11).

É Deus quem cura sempre, servindo-se de instrumentos humanos. Por isso, todo cristão pode pedir o dom de cura e, na medida em que rezar pelos doentes, começará a constatar que as curas ocorrem.

Para rezar pela cura, outros dons podem ser usados. Por exemplo, a palavra de ciência, que fornece um “diagnóstico”, ou causa da doença. Também a orientação sobre como orar e o que dizer à pessoa por quem se ora, pode ser adquirida através de uma palavra de sabedoria ou do dom do discernimento.

O padre Dario Betancourt73 usa o texto do Eclesiástico 38, 9-12 para indicar os passos para a cura:

a) Orar pedindo a cura: v. 9 - “Meu filho, se estiveres doente não te descuides de ti, mas ora ao Senhor, que te curará”.

b) Arrepender-se e confessar os pecados (confissão sacramental): v.10 – “Afasta-te do pecado, reergue as mãos e purifica teu coração de todo o pecado”.

c) Ir à missa e oferecê-la pela cura: v. 11 – “Oferece um incenso suave e uma lembrança de flor de farinha; faze a oblação de uma vítima gorda”.

d) Procurar o médico e tratar-se: v. 12 – “Em seguida dá lugar ao médico, pois ele foi criado por Deus; que ele não te deixe, pois sua arte te é necessária”.

7.1. A oração de cura interior no grupo de oração74

a) Considerações

Há, com toda certeza, também em seu Grupo, pessoas portadoras de problemas psicológicos, de feridas psíquicas. Pessoas que passaram por momentos dolorosos e ficaram marcadas, feridas, abaladas. São portadoras de traumas.

Os traumas podem ser de múltiplas espécies: traumas de rejeição de vida, de amor ou de sexo, traumas de medos compulsivos e inquietadores; traumas de sexualidade; de experiências marcantes em doenças graves, acidentes, cirurgias e mortes de entes queridos; traumas de separações matrimoniais, sempre tão dolorosas; escravidão e vícios; frustrações diversas; complexos nos relacionamentos humanos e tantos outros.

Coordenador, você não pode omitir-se no cuidado da cura do psiquismo dos participantes! Ela é necessária e imprescindível para que as pessoas tenham sua natureza interior sadia e estejam em boas condições psicoemocionais, a fim de que o Espírito santo de Deus possa nelas realizar a sua obra. A graça de Deus para a santificação supõe a natureza apta e preparada. Isto é, se a pessoa está ferida, marcada, escravizada, amortecida interiormente, o Espírito terá dificuldades de agir nela.

A oração de cura não deve ser programada para abranger todo o tempo do grupo de oração. Ela acontece no decorrer da oração e, conforme a necessidade dos participantes. É preciso discernimento para enfocar os pontos sensíveis no espírito para aquele momento. As reuniões específicas para cura física e cura interior em outros momentos poderão ser mais extensas e detalhadas. No grupo, se houver oração de cura, voltar logo ao louvor.

73

?. Cf., p. 36.74. O conteúdo desse item, bem como o do item 7.2, foi tomado de Alírio José PEDRINI, Grupos de oração:

como fazer a graça acontecer, passim. O padre Alírio faz uma abordagem prática da oração de cura, tal como deve ser ministrada nas reuniões de oração. Não se trata de um modelo único e fechado, mas de orientações aplicáveis total ou parcialmente nas reuniões ou na dinâmica do grupo de oração, de acordo com o discernimento e planejamento do núcleo de serviço. O leitor observará uma mudança de estilo de linguagem.

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b) Quando orar para a cura interior

A necessidade de cura interior é evidente. O povo de Deus é ferido. Por isso, a partir da realidade de seu Grupo, você programa o processo necessário de cura dos seus irmãos. Você pode utilizar-se de diversas oportunidades como: o transcurso da própria reunião de oração; uma ou mais reuniões programadas para a oração de cura interior; um retiro de fim de semana todo dedicado à cura dos participantes; ou ainda um seminário de cinco, sete semanas, todo dedicado à cura dos participantes.

c) Como orar

Nas oportunidades surgidas durante a reunião de oração pode-se seguir esses passos:

1. Motivação à oração de cura interior2. Criar clima da presença de Jesus, invocando-o e adorando-o3. Apresentar e entregar o problema a Jesus4. Se for necessário, realizar os passos do perdão5. Orar pela cura interior, interceder, pedir a cura em nome de Jesus, pelo poder do seu

sangue. Orar em línguas 6. Pedir os frutos do Espírito Santo de Deus para criar nova realidade psicológica e

emocional7. Agradecer e louvar pela cura.

Analise, cada um destes passos e perceba a seqüência lógica e necessária existente entre eles. Na oração de cura interior não seja imediatista. Não pule degraus. Não passe de imediato a realizar o passo número cinco, sem preparar os corações feridos. Faça bem feito, com fé viva, sabedoria e confiança, para que a cura possa acontecer.

d) Oração de cura interior por etapas

Você pode programar uma caminhada de cura interior realizando-a por etapas ou área de relacionamento. Você reserva vinte a trinta minutos da reunião de oração para fazer a graça acontecer. Em cada reunião, faz-se oração de cura interior por uma determinada área da vida das pessoas.

Você pode programar orações de cura interior dos problemas:1. Da fase da vida intra-uterina, pré-natal,2. Do nascimento até 3 ou 4 anos,3. Da meninice, dos 5 aos 10 anos,4. Da adolescência,5. Da juventude até o casamento,6. Da vida matrimonial,7. Da fase escolar, 8. Do tempo de trabalho.

Nessas etapas, orar sobre todos os possíveis acontecimentos dolorosos ocorridos como: problemas de relacionamento em família, rejeições, desamores, enfermidade, mortes, traumas de acidentes, problemas de sexualidade, etc.

7.2. Oração de cura física no grupo de oração

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a) Considerações

Dentre os participantes de seu Grupo de Oração há sempre portadores de problemas de saúde física, menores ou mais graves. Jesus ressuscitado continua amando e tendo compaixão dos enfermos e doentes que participam de seu Grupo de Oração. Ele pode curá-los. Faz parte de sua missão provocar encontros entre os portadores de problemas de saúde do seu Grupo de Oração e Jesus. Sua missão inclui a tarefa de ser mediador, intermediário e intercessor dos seus irmãos doentes com Jesus, para que os possa curar.

Nosso povo tão empobrecido, mal-alimentado mal-cuidado, é muito doente. Quem é doente sofre. Quem sofre necessariamente procura solução para os seus males. É preciso compreender a realidade de quem sofre. É preciso sentir o que sentem e aliar-se a eles para a solução de suas doenças e sofrimentos.

Jesus é o mesmo ontem, hoje e sempre. Sabemos do número cada vez maior de pessoas que são curadas nos nossos grupos de oração. Como coordenador, você deve estar atento e aberto a fazer a graça da saúde acontecer nos participantes do seu Grupo de Oração.

b) Oportunidades de orar pelos doentes

São diversas as ocasiões e possibilidades de se interceder pelos necessitados de saúde:

- Criar um serviço carismático permanente de oração pelos doentes, um ministério de oração pelos enfermos, animado por algumas pessoas maduras, esclarecidas e acolhedoras dos carismas, que se disponham a rezar pelos necessitados de saúde física.

- Grande oração de cura física fora da reunião de oração: realize periodicamente, a cada mês ou dois meses, uma grande oração de cura física fora da reunião de oração. Nesta reunião programada, os cantos, a Palavra de Deus escolhida, os testemunhos, tudo seja direcionado para despertar a fé na presença e poder de Jesus vivo e preparar os corações para receberem as bênçãos da saúde.

- Oração de cura física nas reuniões de oração: outra oportunidade para rezar pedindo saúde é aproveitar as chances que se apresentam naturalmente, durante as reuniões de oração. Essa oportunidade pode ser percebida na oração de um participante que reza pedindo saúde, ou através de uma profecia na qual o Senhor fala que está a curar, através de palavra de ciência, ou de outro modo. Ao perceber a oportunidade, o coordenador assume a palavra e deve rezar pela saúde física, nas necessidades apresentadas.

Para a eficácia da oração pedindo cura física, é útil levar em consideração três passos: criar clima favorável à oração de cura física, orar ao Senhor pedindo a cura e agradecer e testemunhar a cura recebida.

8. Motivos que impedem ou dificultam a cura

Sabe-se que Deus quer a cura dos seus filhos; se ela acontece num momento ou noutro, ou mesmo se não acontece, cabe somente a Deus conhecer os últimos motivos ou razões. Contudo, observa-se que algumas razões ou motivos podem impedir ou dificultar a cura. Francis Macnutt75 chega a enumerar 11 dessas causas, admitindo ainda que outras devem existir. Algumas parecem mais fundamentais e comuns:

75

?. É Jesus que cura, p. 245ss.

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a) A falta de fé

Muitos procuram a cura como tal, sem um interesse maior em melhorar sua vida espiritual, em participar dos sacramentos, da vida comunitária eclesial. Procuram a cura em si, e não o Senhor que cura. Procuram a cura como um ato pelo qual se livram de suas enfermidade ou problemas emocionais. Buscam a cura nos grupos de oração, tanto quanto no espiritismo ou curandeirismo.

Jesus ensina que a fé em sua pessoa, como Filho de Deus, revelador do amor do Pai, salvador do homem, é necessária para a vida em todos os momentos e não somente por ocasião das enfermidades. O Evangelho diz: “Estando Jesus em Nazaré, ali não fez milagre algum, por causa da desconfiança dos que com ele estavam” (Mc 6, 5-6; Mt 13, 58; Jo 12, 37); por vezes, “ele se contristava com a dureza de seus corações” (Mc 3, 5). Ao convidar Pedro para que este caminhasse sobre as águas, exigiu dele um ato de fé, e fé firme! E ao estender-lhe a mão e segurá-lo lhe disse: ”homem de pouca fé, por que duvidaste?” (Mt 14, 31).

Diante do menino epiléptico, não curado pelos discípulos, Jesus os censura dizendo: “Foi por causa da vossa falta de fé!” (Mt 17, 20). Na travessia do lago de Tiberíades, após ter acalmado a tempestade, Jesus disse aos discípulos: “Como sois medrosos. Ainda não tendes fé? (Mc 4, 40). Ao falar da providência do Pai, repreendeu os discípulos: “homens de fé pequenina!” (Lc 12, 28).

Se por um lado, Jesus notava a falta de fé nos ouvintes, por outro lado, curava porque via a fé presente nos pedidos de cura: “Vai, seja feito conforme a tua fé” (Mt 8, 13). Ele curou o paralítico, “vendo a fé daquela gente” (Mt 9, 2). À hemorroíssa Ele disse: “Filha, a tua fé te salvou. Vai em paz e sê curada do teu mal” (Mc 5, 34). À mulher pecadora, na casa de Simão, lhe disse: “Tua fé te salvou; vai em paz” (Lc 7, 50).

O cristão de hoje precisa, como sempre, se aproximar de Jesus com toda a fé do coração; se ainda não a tem, pode rezar pedindo, como fizeram os apóstolos: “Senhor, aumenta-nos a fé” (Lc 17, 5); pois Jesus é o “autor e consumador da nossa fé!” (Hb 12, 1).

b) A falta de perdão

Jesus parece colocar um acento especial no perdão como condição para a cura; insiste para que se reze por aqueles que causaram mal a outrem e até que se ame os inimigos (cf. Mt 5, 43-48). A falta de perdão parece ser uma das causas mais constatáveis do porquê de muitos não receberem a cura. Constata-se que “o ódio e os maus relacionamentos provocam todas as espécies de enfermidades, e essa enfermidade habitualmente permanece, até que a causa originária seja removida”76. Quanto mais se perdoa de coração, mais facilmente acelera-se o processo curativo. Jesus deu o exemplo, estando pregado na cruz: pediu ao Pai que perdoasse a seus algozes (cf. Lc 23, 43).

O texto de Lucas 6, 37 “perdoai e sereis perdoados”, pode também ser acomodado assim: “perdoai e sereis curados”. O perdão é decisão firme da vontade, e não apenas um sentimento passageiro. Jesus abençoa a decisão do homem e faz fluir o seu amor, capacitando-o para o perdão. A falta de perdão poderá impedir a cura; o perdão oferecido de coração sincero acelerará a cura.

Perdoar não é fácil, humanamente falando. É preciso fé, decisão da vontade e confiança em Deus! “Orai pelos que vos maltratam e perseguem” (Mt 5, 44). Quando se reza por alguém se deseja todo o bem. E o perdão virá!

c) O pecado

76. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, Carismas no grupo de oração, p.36.

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O pecado bloqueia a comunhão de vida com o Senhor. Se o pecado é transgressão da lei de Deus (cf.1 Jo 3, 4), o amor a Deus é justamente cumprir seus mandamentos. Quem cumpre os mandamentos ama a Deus; e, se assim age, não peca e vive em sua graça (cf. Jo 14, 21; 1 Jo 5, 2-3).

Muitas enfermidades provêm da falta de observância da lei de Deus, da lei do Evangelho, que é fundamentalmente amor a Deus e aos irmãos. Jesus, ao curar o paralítico, perdoou primeiro o seu pecado e a seguir o curou de sua paralisia (cf. Lc 5, 17-26). Para Jesus, neste caso, a paralisia estaria de alguma forma relacionada com o pecado. Em Marcos 11, 25, Jesus recomenda o perdão antes da oração para que esta seja ouvida. Ele também recomenda a reconciliação antes da oferta sacrifical (cf. Mt 5, 23-24).

Jesus veio libertar e salvar o homem do pecado. O perdão pode ser adquirido pelo sacramento da reconciliação. Jesus se tornou “a expiação de nossos pecados” (cf 1 Jo 3,5). “Ele é justo e fiel para nos perdoar os pecados e para nos purificar de toda iniquidade” (1 Jo 1,9).

A experiência de orar pelos enfermos tem ensinado que muitas vezes as enfermidades físicas e emocionais têm causas espirituais, isto é, a transgressão de alguma lei de Deus, a inobservância de seus mandamentos. Certa ocasião, uma pessoa estava desesperada: não dormia, não se alimentava direito, vivendo sob calmantes. Ao conversar com o sacerdote constatou-se a violação de uma lei moral. A pessoa foi confortada e recebeu o sacramento da reconciliação. E ela se refez física, emocional e espiritualmente. O perdão de Deus traz calma, serenidade, equilíbrio, saúde e cura! O pecado é algo que destrói o equilíbrio da personalidade humana.

Ao rezar por alguém em favor de sua cura, é sempre aconselhável pedir a Jesus que perdoe seus pecados. E, sendo possível, levá-lo à confissão sacramental.

9. Conclusão

Algumas vezes o caso exige que se ore várias vezes, até que a cura total seja constatada. Pode acontecer que o empecilho para a cura esteja no ministro e não no “paciente”; por isso, antes de rezar por alguém, cada um deve verificar suas condições espirituais.

Ocorre também considerar que nem sempre a cura é imediata. O tempo exato em que a pessoa deve ser curada depende apenas de Deus. O necessário ao cristão é que faça a sua parte, mantendo-se “na brecha” para que Deus possa agir.

CAPÍTULO NONO

Carisma da Fé77

77

?. Este conteúdo foi composto originalmente na Apostila de Grupo de Oração da Escola Paulo Apóstolo (1999, pp. 28 e 29) e foi adaptado para esta apostila.

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1. Introdução

O cristão pode ter ousadia em sua vida sabendo que é uma pessoa de fé. Pode reivindicar a fé necessária para qualquer situação. Que benção é poder ter certeza que a fé é dom derramado! “Porque é gratuitamente que fostes salvos mediante a fé. Isto não provém de vossos méritos, mas é puro dom de Deus” (Ef 2,8).

2. Conceito

A Carta aos Hebreus apresenta em seu capítulo 11 um dos textos mais expressivos a respeito da fé. Diz o texto sagrado: “A fé é o fundamento da esperança, é uma certeza a respeito do que não se vê. Foi ela que fez a glória de nossos antepassados. Pela fé reconhecemos que o mundo foi formado pela palavra de Deus e que as coisas visíveis se originaram do invisível. (...) Ora, sem fé é impossível agradar a Deus, pois para se achegar a ele, é necessário que se creia primeiro que ele existe e que recompensa os que o procuram” (Hb 11, 1-3.6).

A fé é, em última análise, um dom que o Espírito Santo colocou à disposição do homem para que ele possa experimentar concretamente da onipotência de Deus.

A fé, no mundo de hoje, é um grande desafio, pois muitos só crêem em si mesmos, nas suas próprias capacidades, nos seus próprios talentos, no seu dinheiro, nos seus planos, nas coisas que são concretas. Já não acreditam nos outros irmãos e a fé em Deus está muito fragilizada. Algumas vezes trata-se de uma fé tradicional, vaga, confusa, subjetiva, superficial, fria, indiferente.

A fé é como um raio de luz que parte de Deus para a alma. O Espírito Santo, que é o autor da fé, vem ao mundo de hoje reavivar, dando assim sentido à vida cristã de muitos batizados que viviam indiferentes ao seu estado.

Para compreender bem o que é o dom carismático da fé, é necessário fazer a distinção entre: a fé teologal ou doutrinal, a fé virtude ou fruto do Espírito Santo e o dom carismático da fé:

a) Fé teologal ou doutrinal (fé que acredita)

Por ela o cristão acredita nas verdades reveladas por Deus sobre si mesmo e sobre o homem e que são definidas pela Igreja.

A fé teologal faz o homem crer firmemente em Deus como seu Pai, que se importa com sua vida. Crer em Jesus Cristo como o enviado do Pai, o Filho de Deus, o salvador do mundo. Crer também no Espírito Santo que edifica a Igreja de Cristo e a santifica. Crer que o Espírito Santo é o poder de Deus. E porque crê nas três pessoas da Santíssima Trindade, o homem não só crê intelectualmente, mas adere profundamente às suas verdades, que se tornam luz e amor para seu caminho. Essa fé teologal é necessária para a salvação (cf. Gl 2, 15s).

A fé teologal vem em conseqüência do batismo, do anúncio de Cristo, do testemunho, da catequese. É ela que aprofunda a esperança e faz o homem agir na caridade (cf. Gl 5, 6). Fundamentada na Palavra de Deus, nos sacramentos, na vida de oração e na vida comunitária, a fé teologal é um grande sustento para o cristão do mundo de hoje, onde os homens “não suportam a sã doutrina” (cf. 2 Tim 4, 3-4).

b) Fé virtude (fé que confia)

Leva o homem a confiar plenamente na realização das promessas de Deus. Impulsiona-o a ir além do ato de aderir às promessas de Deus, conduzindo-o a uma entrega total a Deus e à sua providência (cf. Mt 6, 25).

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Pela fé virtude, o homem se abandona à providência divina, pratica a Palavra de Deus, vive segundo a mentalidade de Jesus Cristo; não só conhece os mandamentos com sua inteligência, mas interioriza-os no coração, vive os ensinamentos de Deus não como obrigação, mas por amor, experimenta e crê na bondade e misericórdia de Deus.

Por esta fé o homem prova a si mesmo e ao mundo que a Palavra de Deus não é uma utopia, mas forte impulso interior, ao qual adere a sua vontade, uma vez que a fé está gravada no mais profundo do seu coração (cf. Rm 4, 19-21; 1,17).

Esta fé virtude leva o homem a crer e experimentar a bondade, a misericórdia e o amor de Deus na sua vida (cf. 1 Jo 4, 16), tornando sua oração um ato de fé confiante: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8, 31-34).

“Porque nele se revela a justiça de Deus, que se obtém pela fé e conduz à fé, como está escrito: O justo viverá pela fé. Abrão não vacilou na fé, embora reconhecendo o seu próprio corpo sem vigor – pois tinha quase cem anos – e o seio de Sara igualmente amortecido. Ante a promessa de Deus, não vacilou, não desconfiou, mas conservou-se forte na fé e deu glória a Deus” (Rm 1,17; 4, 19-21).

c) O dom carismático da fé (fé expectante)

A fé carismática se manifesta quando uma pessoa é movida a ter uma confiança íntima de que Deus agirá de forma atual. Essa confiança leva a uma oração convicta, a uma decisão, a uma firmeza de atitude ou a algum ato que libera a bênção de Deus78 (cf. Mc 11, 22-23; Mt 11, 24; Ex 14, 13-14; 1 Rs 18, 20-40).

Essa certeza é tão especial que Deus age, e o resultado manifesta a glória de Deus. O padre Ovila Melançon79 ensina que este dom é dado em vista de ajudar a orar “com absoluta confiança e sem duvidar”.

3. O dom da fé na Palavra de Deus

Na Palavra de Deus existem vários episódios que descrevem a ação poderosa de Deus movida pela fé:

Rom 4,23-24 Ex 14,10 – Moisés diante das murmurações do povo, ao ver os egípcios se aproximarem. Ex 14, 13-14 – resposta de Deus. Ex 14, 16-21 – Moisés estende a mão sobre o mar, confiante que Deus irá operar

maravilhas. 1 Rs 18, 20-40 – Elias e os profetas de Baal – usou Elias o dom carismático, pois agia

com muita autoridade e confiança. A fé dava-lhe a certeza antecipada de que o Senhor agiria a seu favor.

Milagres realizados por Jesus em razão do dom carismático da fé: Mt 8, 5-13 – centurião Mt 15,21-28 – cananéia Mc 5,25-34 – hemorroíssa Lc 5,21 – paralíticos e os amigos Jo 11,1-44 – ressurreição de Lázaro.

4. O exercício do dom carismático da fé

78

?. Cf. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, Carismas, p.79. Cf. Jesus Vive e é o Senhor, n. 68.

45

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O dom carismático da fé é sempre crer incondicionalmente no poder de Deus; crer é saber que Ele agirá aqui e agora para o bem do povo, curando, libertado e realizando milagres que levem à edificação do Reino. Jesus diz: “Se creres, verás a glória de Deus” (Jo 11, 40).

Não é preciso “fazer força” para ter fé, nem “forçar” Deus agir com “palavras de fé”. A fé é um dom gratuito e o cristão deve, com muita tranqüilidade, sempre crer que Ele faz o melhor e nunca decepciona aquele que nele confia, como diz Jesus: “Se vós que sois maus sabeis dar boas coisas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai celeste dará boas coisas ao que lhe pedirem” (Mt 7,11).

5. Conclusão

O dom da fé é um presente que Deus dá para o bem da comunidade, assim como os demais dons. Nunca é demais notar que esse dom está profundamente associado com a caridade. Como os dons são dados para o bem comum, sua prática reflete a caridade. Assim também acontece com o dom da fé.

Portanto, como diz São Paulo, o cristão deve se empenhar em procurar a caridade, mas deve também aspirar igualmente aos dons espirituais (cf. I Cor 14,1). Assim, é bom e necessário pedir com insistência ao Pai o dom da fé, para realizar as obras que constroem o Reino e edificam a Igreja.

CAPÍTULO DÉCIMO

Dom de Milagres

1. Introdução

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O dom de milagres sempre esteve presente na história da salvação, desde o Antigo Testamento, provando a presença viva de Deus junto ao seu povo eleito. Muitos milagres eram operados através dos patriarcas (cf. Ex 7, 8-13), dos profetas (cf. 1 Rs 17, 7ss; 1 Rs 18, 20ss; 2 Rs 2, 19ss) e outros tantos narrados na Bíblia.

Os milagres atestavam a divindade do Deus da Aliança, sua predileção por seu povo escolhido, sua assistência divina, seu poder glorioso. Eram sinais e prodígios que confirmavam a fé do povo no único Deus verdadeiro.

2. Conceito

O quinto carisma referido em 1 Cor 12 é o “dom de milagres”. Esse dom pode ser definido como uma ação do poder de Deus intervindo extraordinariamente em determinada situação. Algumas curas são milagres, mas este dom não se limita à ação de Deus na restauração da saúde. Em alguns casos, a ação de Deus é súbita e extraordinária. Quando acontece uma cura instantânea, é milagre porque o fator intervenção de Deus é óbvio a ponto de não ser refutado. Ou ainda: “O milagre é um acontecimento ou evento sobrenatural, ou a execução de algo que seja contrário às leis da natureza; é um fenômeno sobrenatural, que desafia a razão e transcende as leis naturais; este dom é simplesmente a habilidade dada por Deus de cooperar-se com Ele, enquanto Ele executa os milagres através de um ato cooperativo com os homens”80.

Todo milagre cristão autêntico aponta para a cruz e a ressurreição, começando com o milagre inicial da salvação e continuando através de todos os grandes e pequenos milagres subseqüentes que formam a história de milagres pessoais.

Os milagres são intervenções diretas de Deus na natureza do homem ou na ordem da criação. Os milagres provam o poder de Deus agindo na vida dos homens, levando-os a uma fé sempre mais crescente.

3. Jesus e os milagres

Os evangelistas usam três termos ao se referirem à intervenção de Deus em Jesus: falam de fatos miraculosos, de demonstração de força e de sinais; geralmente, a palavra “milagre” vem acompanhada de um ou outro termo (revelando ser o milagre uma manifestação de força divina e sinal de ação de Deus). O que mais se realça nos milagres de Jesus é ser um fato extraordinário: cura instantânea de doenças incuráveis, ressurreição dos mortos, multiplicação dos pães, o que faz o povo se maravilhar. O escopo evangélico é o de ressaltar a manifestação da força e o caráter de sinal. Este é o sentido dos milagres de Jesus: abrir os olhos sobre o mistério de sua Pessoa!

As curas e milagres estavam profundamente relacionados com a Pessoa Divina de Jesus, para a abertura da fé e confirmação de sua união com o Pai (cf. Jo 6, 28-29; 11, 40-42; 14, 11); estavam relacionados com o poder que Ele tinha como Filho de Deus (cf. Mc 2, 10; At 10, 38); e estreitamente ligados, combinados com a evangelização que proclamava . Evidenciava-se, assim, sua divindade de Messias, de Ungido do Pai pelo Espírito Santo (cf. Lc 4, 14; 10, 21).

Durante a vida pública, Jesus não apenas operava milagres para suscitar a fé em seus ouvintes; pois, muitas vezes, por causa da sua obstinação, apesar dos milagres os judeus não acreditavam n’Ele (cf. Mt 13, 58; Mc 6, 4-6; Jo 12, 37). Mas, freqüentemente, Jesus operava milagres, deixando-se levar pela compaixão diante do sofrimento humano (cf. Mt 9, 36; 14, 14; Mc 8, 2; Lc 7, 13). Quantos creram por causa dos milagres de Jesus! Quantos creram n’Ele, vendo seus milagres e ouvindo a sua palavra!

Os milagres eram também um meio do povo glorificar a Deus: ao curar a mulher que vivia encurvada fazia dezoito anos (cf. Lc 13, 10ss), o povo foi levado ao entusiasmo; ao

80

?. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, Grupo de oração, p.37.

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presenciar a cura de um cego em Jericó (cf. Lc 18, 35ss), o povo deu glória a Deus; ao curar o paralítico em Cafarnaum (cf. Mt 9, 1ss), o povo glorificou a Deus por ter dado tal poder aos homens; ante ao espetáculo dos mudos que falavam, dos aleijados que eram curados, dos coxos que andavam, dos cegos que viam (cf. Mt 15, 29-31), o povo glorificava o Deus de Israel; ao suscitar a fé, possibilitava ver a glória de Deus (cf. Jo 11, 40).

Neste sentido, o milagre não apenas revelava a bondade de Deus e sua compaixão pelos homens ao curá-los, mas “efetuava também a salvação de Deus. É um ato de força, de poder, para repelir os adversários de Deus: uma irrupção do divino neste mundo, e ao mesmo tempo um sinal do mundo vindouro”81. Sinalizava-se deste modo a presença salvífica de Deus em meio aos homens, e a implantação do seu Reino (cf. Mc 6, 7; 7, 26; Lc 7, 22; 9, 1-6; Mt 12, 28; Lc 7, 18ss).

Os milagres de Jesus confirmavam a sua doutrina – é o que os Evangelhos afirmam em tantos relatos que trazem. A evangelização de Jesus era acompanhada de sinais prodigiosos, de milagres, confirmando sua eficácia, seu poder. O mesmo aconteceu com os apóstolos na Igreja Primitiva: “O Senhor cooperava com eles e confirmava a sua palavra com os milagres que a acompanhavam” (Mc 16, 20).

4. A Igreja e os milagres

Jesus não guardou somente para si este poder que Ele tem como Filho de Deus; nem o restringiu somente à ação, aos seus gestos e aos anos em que viveu no mundo. Jesus quis que a Igreja também fosse participante deste seu poder, para continuar a atrair para Ele os homens de todos os tempos. Assim, após a ressurreição, Ele deu a mesma missão que teve: “Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio” (Jo 20, 21); “Quem vos ouve, a mim ouve” (Lc 10, 10); “Quem vos recebe, a Mim recebe, e recebe Àquele que Me enviou” (Mt 10, 40).

Ao escolher apóstolos, “confere-lhes o poder de expulsar os espíritos imundos e de curar todo o mal e toda a enfermidade; de anunciar o Reino de Deus e de curar os doentes; de ressuscitar, de purificar os leprosos” (Mt 10, 1-8). E os apóstolos “partiram e percorriam as aldeias, pregando o Evangelho fazendo curas por toda a parte” (Lc 9, 1-6).

O anúncio do Evangelho e os milagres acompanharam os apóstolos, mesmo depois da ascensão de Jesus ao Pai. Jesus lhes prometera o Espírito Santo, que lhes daria “força” (cf. At 1, 8), que os “revestiria da força do alto” (cf. Lc 24, 49), para cumprimento de suas tarefas, missão que Jesus lhes dera, de testemunhá-Lo ante os homens de todos os tempos e nações, “até os confins do mundo”.

A Igreja Primitiva entendeu que a fé em Jesus, tanto dos apóstolos quanto dos seus ouvintes, provocaria milagres como confirmação da ação de Jesus, pela força do Espírito Santo (cf. Gl l 3, 5). É o que se ver, por exemplo, na cura do coxo junto à Porta Formosa do Templo (cf. At 3, 1ss), realizada por Pedro e João.

No Concílio de Jerusalém, Barnabé e Paulo contaram à assembléia quantos milagres e prodígios Deus fizera por meio deles entre os gentios (cf. At 15, 12). Deus “fazia milagres extraordinários por intermédio de Paulo, de modo que lenços e outros panos, que tinham tocado seu corpo, eram levados aos enfermos; e afastavam-se deles as doenças e retiravam-se os espíritos malignos” (cf. At 19, 11-12).

Assim como Jesus, ao fazer o milagre em Caná, mudando a água em vinho saboroso, “manifestou sua glória e os discípulos creram n’Ele” (Jo 2, 11), a glória de Deus continuaria sendo manifestada pelos “sinais miraculosos” edificando e fazendo crescer a fé dos ouvintes.

Na comunidade cujos membros se deixam guiar pelo Espírito Santo (cf. Rm 8,9.14; Gl 5, 16.25), os milagres se tornam presentes, pois são promessas de Jesus a toda sua Igreja: “Quem crê em mim, fará também as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas, porque eu vou

81

?. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, Grupo de Oração, p. 38

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para o Pai” (Jo 14, 12).Cabe, pois, a cada cristão, abrir-se sempre mais a este dom que é também necessário nos

dias de hoje. Há, efetivamente, nos tempos atuais, um reflorescimento dos dons carismáticos na Igreja; o dom de milagres continua sendo necessário para o surgimento e fortalecimento da fé em Deus.

Assim, “os casos de curas e de milagres são de todos os tempos, e ninguém que tenha fé em Deus, duvida que Ele tenha operado as curas, os milagres que por meio de pessoas, quer diretamente, em resposta à oração de seus santos, da Igreja triunfante ou da Igreja militante”82.

6. Conclusão

O dom de milagres estará sempre presente na Igreja, manifestando a santidade de Deus e sua ação no mundo, provando seu amor. Deus continuará agindo de forma extraordinária, como agiu no Antigo Testamento, no Novo Testamento com Jesus e sua Igreja.

Ele quer operar hoje, por meio de cada batizado. Sua vontade não mudou. E quando se reúnem pessoas para louvar a Deus e proclamar sua glória, não é de estranhar que milagres aconteçam realmente.

Jesus prometeu sua presença (cf. Mt 18,20): “se dois de vós se reunirem sobre a terra, para pedir seja o que for, conseguí-lo-ão de meu Pai que está no céu” (Mt 18, 19). Onde está a Igreja reunida na fé, na esperança, no amor, no louvor, na ação de graças, Jesus se torna presente como Aquele sobre o qual coloca a sua complacência (cf. Mt 3, 17).

Toda vez que se reúnem em nome do Senhor Jesus, “tendo por Ele acesso junto ao Pai, no mesmo Espírito” (Ef 2, 18), os milagres podem ocorrer de forma natural, fortalecendo a fé de todos.

Ainda é preciso acreditar mais e mais neste dom de milagres no coração da Igreja. Por meio dele, pode-se de forma mais convincente publicar as “maravilhas de Deus” hoje e sempre. Amém!

BIBLIOGRAFIA

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ALDAY, Salvador Carrillo. A Renovação no Espírito Santo. Rio de Janeiro: Louva-a-Deus, 1986

82

?. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA, Grupo de oração, p.38.

49

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_____. Sed de Diós, Bogotá (Colômbia): Centro Carismático Minuto de Diós, 1987.

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