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ESCOLA PAULO APÓSTOLO MÓDULO BÁSICO A IDENTIDADE DA RCC

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ESCOLA PAULO APÓSTOLO

MÓDULO BÁSICO

A IDENTIDADE DA RCC 

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DERCIDES PIRES DA SILVA

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LISTA DE ABREVIATURAS

AA Apostolican ActuositatemCATEC Catecismo da Igreja CatólicaDU Constituição Dogmática Dei VerbumLG Constituição Dogmática Lumem GentiumCL Christifidelis LaiciCIC Código do Direito CanônicoAG Decreto Ad GentesCNBB Documentos da Conferência Nacional dos Bispos do BrasilRMI Redenptores Missio

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SUMÁRO

Apresentação.........................................................................................................................011. Ofensiva Nacional da Renovação......................................................................................061.1Conceito de Ofensiva Nacional............................................... .........................................071.2 Ofensiva: Plano de Deus Para a Renovação Carismática..................................................091.3 Princípios Da Ofensiva Nacional......................................................................................111.4 Objetivos da Ofensiva Nacional.......................................................................................161.5 Conclusão.......................................................................................................................16

2. A espiritualidade Da Renovação Carismática Católica......................................................182.1Estatuto Do Serviço Internacional da Renovação Carismática Católica (ICCRS)..............192.2 Espiritualidade................................................................................................................192.3 Espiritualidade Da Renovação Carismática Católica........................................................202.4 Fundamentação Teológica da RCC.................................................................................252.5 Frutos da Espiritualidade da RCC...................................................................................40

3. Batismo No Espírito Santo.............................................................................................49 3.1 Conceito.........................................................................................................................493.2 Fundamentos..................................................................................................................503.3 Finalidade Do Batismo No Espírito Santo.......................................................................523.4 Frutos Do Batismo No Espírito Santo.............................................................................533.5 Jesus, O Batizador..........................................................................................................543.6 Quem Pode Ser Batizado No Espírito Santo...................................................................553.7 Condições Para Ser Batizado No Espírito Santo.............................................................563.8 Chave Do Batismo No Espírito Santo.............................................................................573.9 Conclusão.......................................................................................................................59

4. Renovação Carismática Como Um Novo Pentecostes.....................................................624.1 Primeiro Pentecostes......................................................................................................624.2 Pentecostes Atual...........................................................................................................65

5. Contexto Eclesial da Renovação Carismática Católica.....................................................725.1 Critérios de Eclesialidade................................................................................................725.2 A RCC Está Inserida No contexto Eclesial......................................................................735.3 Efeitos da Eclesialidade da Renovação............................................................................76

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ABREVIATURAS USADAS

DOCUMENTO ABREVIATURACatecismo da Igreja Católica Catec.Christifideles Laici CLCódigo do Direito Canônico CICConstituição Dogmática Dei Verbum DVConstituição Dogmática Lumen Gentium LGDecreto Ad Gentes AGDecreto Apostolicam Actuositatem AADocumentos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNBBRedemptoris Missio Rmi

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APRESENTAÇÃO

Conta-se que aprouve ao rei de um grande povo presentear sua filha com um lindo retrato feito à mão. O presente seria entregue em uma solenidade especial que comporia os festejos dos seus quinze anos.

Expedidas as ordens reais, abriu-se o concurso, ao qual acorreram os melhores artistas do mundo. Para a concorrência deveriam exibir sua melhor criação. O vencedor faria o retrato da princesa e seria regiamente compensado. Entregues as pinturas, o ministro da cultura supervisionou a seleção das melhores, que foram entregues ao rei. Ele desejava fazer a escolha final, pessoalmente, e marcou a entrevista dos artistas para um dia de domingo.

No dia aprazado os pintores chegaram cedo e logo foram entrevistados, um a um. A todos o monarca indagava se a pintura apresentada era a melhor que podiam fazer. Todos pressurosamente respondiam que sim. Logo o rei começou a se angustiar. Embora os quadros fossem bonitos, não estava gostando dos artistas; julgava-os limitados. Todos estavam respondendo a mesma coisa. Por fim um dos pintores deu a resposta que o rei esperava:

–– Majestade, a minha melhor obra é sempre o próximo quadro que pintarei. Sempre no próximo coloco tudo que já aprendi com os grandes mestres, uso as novas cores que descobri, emprego as últimas experiências que adquiri, busco nova inspiração, não deixo de fora um renovado desejo de fazer melhor do que já fiz. É por isso que minha melhor arte é sempre a próxima. A cada próxima dou tudo de mim.

Esta historieta ilustra o nosso sentimento enquanto examinávamos o nosso antigo módulo básico. Sabemos que cada feito poderá ser melhor do que o anterior, mas também somos consciente de que o próximo poderá ser ainda melhor. “Contudo, seja qual for o grau a que chegamos, o que importa é prosseguir decididamente" (Flp 3,16).

Conscientes de nossas limitações, mas imbuídos do desejo de contribuir para o crescimento dos irmãos, examinamos o conteúdo das apostilas. Após meditar e orar bastante, depois de muitas reflexões, partilhas e debates, concluímos que ele deveria ficar como estava, ou, então, ser reformulado por completo, sob pena de quebrar sua unidade. Optamos por sua reformulação.

Aproveitamos alguns temas antigos, introduzindo-lhes conteúdos novos, e acrescentamos outros, totalizando oito apostilas, para tratar dos seguintes assuntos:

identidade da Renovação, carismas, grupo de oração, vida de oração, liderança e santidade; outra para contemplar um estudo introdutório sobre a Igreja e outra para apresentar uma doutrina social com base na Sagrada Escritura, na Sagrada Tradição e na Doutrina da Igreja.

Fizemos o melhor que podíamos, mas podemos melhorar. Por isso contamos com as sugestões dos irmãos para eliminar alguma coisa que ainda sobrar, bem como para acrescentar outras. Nós mesmos estaremos empenhados nisto.

Agora falemos desta apostila. Ela contém cinco temas. No capítulo “Ofensiva Nacional da Renovação Carismática Católica,” demonstramos que a Ofensiva é um fenômeno espiritual afeto ao campo da revelação privada, acontecido no âmbito da Renovação e dirigido a ela.

Quando estudamos o capítulo sobre a “Espiritualidade da Renovação Carismática Católica,” nossa intenção principal foi apresentar fundamentos teológicos para a nossa expressão de Igreja, pois entendemos que o ponto gerador de perplexidade entre muitas pessoas não é nossa organização como movimento leigo, embora isto também tenha sido abordado. Os dissabores que às vezes tem se abatido sobre os ânimos de alguns tem sido por causa de nossa espiritualidade, principalmente pelo desconhecimento dela. Acreditamos, portanto, que se a espiritualidade que vivemos estiver bem fundamentada, por extensão toda a Renovação também estará.

Na abordagem do Batismo no Espírito Santo assumimos o que ele realmente é: um Batismo no Espírito Santo. Nada mais, nada menos. Colocamos a efusão como seu paralelo. Buscamos, como já feito antes, resgatar suas origens, seu desenvolvimento e suas implicações pastorais, a partir do tempo dos Apóstolos.

Para apresentar a Renovação Carismática como um novo Pentecostes, analisamos em primeiro lugar o Pentecostes dos Apóstolos com seus antecedentes bíblicos e seus desdobramentos na Igreja daquela época. Cremos que o seu bom entendimento auxiliará os homens de hoje a compreender o que ocorre em nossos dias. Após isso apresentamos o nosso Pentecostes, como um paralelo do Primitivo.

Enfim, “Contexto Eclesial da Renovação Carismática Católica” esclarecemos, a começar dos critérios de eclesialidade que a Igreja exige dos movimentos, que a Renovação é uma legítima forma da Igreja se expressar, com todos as decorrências desta legitimidade.

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Todos os capítulos são marcados por um caráter enciclopédico, introdutório, genérico, pois considerados em si mesmos dariam cada um obras completas. Mas, ao mesmo tempo, apresentamos as questões fundamentais de nossa identidade.

Em todo o tempo tivemos dois cuidados principais: o primeiro foi não nos afastarmos da Sã Doutrina. Para isso trilhamos os caminhos da Sagrada Escritura, da Sagrada Tradição e do Magistério da Igreja. O segundo foi apresentar o estudo com linguagem e fatos consoladores aos irmãos.

Quanto à linguagem e à argumentação, seguindo as pegadas dos Apóstolos, adotamos várias vezes um tom apologético, pelo qual pedimos desculpa aos que, optando pela tendência cientificista deste tempo, ou esperando a linguagem sóbria dos tratados, possam se sentir desconfortáveis com nossa abordagem.

Estamos abertos às críticas e sugestões.

Ainda uma palavra final. Esta não poderia faltar, é de agradecimento sincero aos colegas da Comissão de Formação Nacional da Renovação Carismática Católica que, exaustivamente, analisaram esta apostila, mas de maneira especial ao Marcos Dione Ugoski Volcan, que fez

a primeira revisão teológica, à Alides D. Mariotti, que fez a primeira revisão de texto e ao Antônio Carlos Lugnani que, dentre outras coisas, promoveu a organização das citações e notas bibliográficas.

Expressamos também os mesmos agradecimentos aos teólogos que gentilmente fizeram a revisão teológica final, são eles: João Luiz da Silva, SVA, Reginaldo Albuquerque da Silva, SVA e Cláudio José Cardoso.

Colaboração inestimável foi prestada na revisão gramatical pelo professor Raul Pimenta. A ele também agradecemos.

Finalmente, agradecemos às amigas Andréa Paniago Fideles e Lília que abnegadamente doaram um pouco do seu tempo para ler os originais e oferecer acertadas sugestões, bem como a todos os irmãos que, compreensivamente, esperaram a publicação deste trabalho.

Oro a Deus para que dê a todos a recompensa do profeta, com infinito amor.

Amém. Deus os abençoe. “Intensificai as vossas invocações e súplicas. Orai também por mim” (Ef 6,18-19).Fraternalmente, Dercides Pires da Silv

a

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CAPÍTULO PRIMEIRO

IDENTIDADE DA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICAExistem muitas formas de identificar um ser. Uma pessoa, por exemplo, biologicamente é identificada como um animal mamífero, bípede, homeotermo, dentre outras designações. Filosoficamente o homem é um ser racional, dotado de alma; psicologicamente é um conjunto composto por emoções, sentimentos, vontade. Teologicamente o homem é um ente que, sem deixar de ser animal e portador de alma, é dotado de um espírito, logo, é um ente espiritual-animal racional. Já socialmente o ser humano é identificado por características bio-sociais, isto é, pela estatura, pela cor dos olhos, pelo nome e sobrenome. Isto demonstra que identificar um ser complexo como o homem, de forma completa e definitiva, não é tarefa fácil. Esta mesma dificuldade se apresenta à identificação de um movimento religioso como a Renovação Carismática Católica. Mas, tal como o homem, ela também pode ser identificada, pois possui caracteres que a aproximam de outros movimentos, bem como alguns que lhe são próprios. Vamos a eles.

Partimos da idéia de que a Renovação possui identidade, isto é, tem nome e sobrenome. Tal como o homem que recebe sua identidade espiritual no Batismo Sacramental, quando passa a ser filho de Deus, o nosso Movimento recebe sua identidade com o batismo no Espírito Santo, quando passa a ser Renovação Pentecostal ou Carismática,1 conforme o costume do lugar em que for organizada.

A Renovação possui muitas características. Todas nos dizem que a Renovação é Renovação, como as do homem nos dizem que ele é humano. Uma grande parte delas será analisada nesta apostila. Todas nos ajudarão a conhecer nosso Movimento, mas as três principais serão analisadas neste capítulo. São elas: Batismo no Espírito Santo, prática dos carismas, notadamente dos extraordinários, e formas de vida comunitária. Em se tratando de identificação, estas três características são o DNA2 da Renovação, de tal forma que se em um grupo

1 Nota do autor: Pessoalmente, entendo que o melhor nome para designar nosso Movimento é “Renovação Pentecostal Católica,” pois entendo que o termo “carismática” reduz seu significado, por contemplar somente um dos elementos que a identificam, que são os carismas. No início, pelos carismas serem mais evidentes, e por surgirem imediatamente após a efusão do Espírito Santo, foi mais fácil, e até natural, ligá-los diretamente ao nome da Renovação, chamando-a de Renovação Carismática. Hoje, entretanto, após mais de três décadas de existência do Movimento Pentecostal Católico moderno, nota-se com clareza que o termo “Pentecostal” o definiria com mais exatidão e com larga vantagem, pois nele existem inúmeros frutos pentecostais, além dos carismas.2 DNA é a sigla inglesa do ácido desoxirribonucléico. O DNA, atualmente, permite

faltar uma delas, não poderá ser tido como um genuíno organismo do nosso Movimento.

Com efeito, para identificar nossa espiritualidade com exatidão precisamos entender que sua essência é o batismo no Espírito Santo e os seus desdobramentos são as manifestações dos carismas bíblicos, a começar pelos que se encontram em Marcos 16,17-18 e na Primeira Carta aos Coríntios 12,7-10, bem como as comunidades de aliança, de vida e os próprios grupos de oração, uma vez que preenchem os requisitos teológicos para serem designados como formas de comunidades cristãs eclesiais. Isso é fácil de compreender, pois o que se entende por identidade é formado por características ou dados próprios do ser que se deseja identificar, seja este ser uma pessoa ou uma instituição social.

Encontrar os dados que identificam a Renovação só é possível porque ela possui algo próprio, que são os elementos básicos de sua espiritualidade, ou seja, são as características enumeradas acima. Alguém que a observar de fora poderá dizer assim: “Este povo não pertence ao Cursilho de Cristandade, nem ao Movimento dos Focolares, nem aos Vicentinos, nem tampouco são de alguma ordem terceira ligada a alguma ordem religiosa. Este povo é, na verdade, o Movimento denominado de Renovação Carismática Católica ou Renovação Pentecostal Católica”.

Em nossa reflexão devemos entender que cada movimento católico tem suas características peculiares. Isto é um princípio, e dele partimos para dizer que é exatamente por isso que os movimentos são expressões da Igreja, isto é, um jeito de a Igreja se manifestar. Estas características atraem as pessoas para eles, permitindo que se organizem e coloquem seus carismas a serviço do Reino. Os movimentos partilham várias características, uma vez que têm a Santíssima Trindade como matriz; mas cada um conserva algo próprio, algo que o torna único na comunidade dos cristãos.

Quanto à Renovação, muitos dados a identificam, além dos três elementos básicos – Batismo no Espírito Santo, prática dos carismas e comunidades. Eis alguns: Aceitação incondicional de Jesus como Salvador pessoal e como Senhor Absoluto; amar a nós mesmos como filhos de Deus, amar a Deus como Pai, cultivar os dons de nossa santificação, docilidade ao Espírito Santo, engajamento pastoral, experiência de filhos de Deus, fé, sólido e equilibrado relacionamento com Maria, mãe de Jesus e

que, mediante exames laboratoriais, a ciência dê a última palavra sobre a identificação dos seres vivos. Assim, pela sua análise, determinam-se os reinos dos seres vivos, concluindo se são animais ou vegetais. Determinam-se também suas espécies e até suas famílias. Assim, com grande margem de segurança, indicam-se os parentescos mais próximos possíveis, chegando até a determinar a maternidade e a paternidade.

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nossa; coração missionário, amor e zelo pelo Evangelho, reconhecimento de nossa realidade pecadora, relacionamento de amor com a Igreja, relacionamento fraternal com os santos, vivência sacramental, promoção humana e espiritual dos filhos de Deus, engajamento sóciopolítico, conversão.

Os dados acima inegavelmente perpassam, em forma de frutos, todo o perfil da espiritualidade da Renovação. Entretanto não são suficientes para identificá-la, pelo simples fato de também serem patrimônio, pelo menos em parte, de todas as espiritualidades genuinamente católicas. Por exemplo, amor e zelo pelo Evangelho marcam profundamente os franciscanos e focolarinos; promoção humana e espiritual dos pobres é o objetivo dos vicentinos; já o engajamento sóciopolítico recheia a cartilha do movimento das CEBs. A novidade da Renovação neste caso é que nela se encontram, em vários estágios, todos os dados acima enumerados, além de outros não listados.

Assim nos resta analisar os elementos básicos de nossa identidade que realmente nos distinguem:

1. BATISMO NO ESPÍRITO SANTO

Quanto ao batismo no Espírito Santo, ele, por si só, ainda é pouco para nos identificar, mas é a essência de nossa espiritualidade. Cremos ser sinal de maturidade reconhecer isso. A razão é simples: é que toda pessoa cristã, cujo batismo seja válido, foi batizada em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Logo, todas são, portanto, batizadas no Espírito Santo. Todos os movimentos católicos podem dizer, com justiça, que seus membros são batizados no Espírito Santo. Dizemos mais: até mesmo as pessoas que não pertencem a nenhum movimento religioso, a nenhuma forma de congregação religiosa, desde que sejam batizadas sacramentalmente, também podem dizer que são batizadas no Espírito do Senhor, porque Jesus ordenou que os Apóstolos fizessem discípulos para Ele batizando os neoconvertidos em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo3 justamente para que, plenos do Espírito, como Ele próprio, recebessem o poder de se tornarem filhos de Deus.4

O dado novo que tem ocorrido na Renovação, em relação ao Batismo no Espírito Santo, é que no seu seio essa graça tem sido dinâmica e se renova continuamente, como acontecia na Igreja Primitiva.5 Assim, essa renovação constante do batismo, bem como o seu dinamismo, nos tem dado uma identidade ímpar, em se tratando de Igreja Católica; infelizmente única, pois o ideal é que todos os católicos, senão todas as pessoas,6 vivam essa graça.

3 Cf. Mt 28,19-204 Cf. Jo 1,12; Rm 8,14 5 Cf. At 2,1-4; 4,29-31; Ef 5,18 6 Cf. Nm 11,29; Jl 3,1-2; Catec. 1287

Dado a sua importância, analisaremos este dado de nossa identidade mais demoradamente.

Antes de analisar este tema gostaria de lembrar sua importância. Lembremos que na análise da Espiritualidade da Renovação, feita no capítulo próprio, concluímos que o Batismo no Espírito Santo é o fato gerador de nossa espiritualidade e com ela nossa identidade. É com o Batismo que tudo começa para o cristão. É com essa nova Efusão do Espírito Santo que tudo começa para a Renovação. O Batismo no Espírito Santo não é o fim da Renovação; não é, em absoluto, seu ponto de chegada. Ao invés, é seu princípio; tanto como início, quanto como norma.

a) CONCEITO

Primeiramente digamos o que o batismo no Espírito Santo não é.

“A Igreja Primitiva utilizava o Batismo no Espírito Santo para a iniciação cristã. O emprego desta frase, hoje, para o despertar mais tardio da graça sacramental original não significa, de modo algum, um segundo Batismo".7

Então é isto: definitivamente o Batismo no Espírito Santo não pode ser confundido com o Sacramento do Batismo ministrado com rito próprio pela Igreja, pois não são a mesma coisa.

Visto que o Batismo no Espírito Santo não é uma repetição do Batismo Sacramental, vejamos o que ele é. Para isso partiremos de uma idéia apresentada por Jesus no principal dia de uma das Festas dos Tabernáculos realizada em Jerusalém, quando Ele, de pé, proclamava: “Se alguém tiver sede, venha a mim e beba. Quem

crê em mim, como diz a Escritura: Do seu interior manarão rios de água viva" (João 7,37-38). O Evangelista segue esclarecendo o significado destas palavras de Jesus, dizendo: “(Jesus) Dizia isso, referindo-se ao Espírito

que haviam de receber os que cressem nele" (João 7,39).

Como vemos na pregação de Jesus, cuja interpretação vem a lume por meio do Evangelista, o Espírito Santo é apresentado metaforicamente como sendo um Rio de Água Viva.

Encontramos a segunda idéia importante para o conceito de Batismo no Espírito Santo no significado etimológico da palavra batismo, que no

7 COMISSÃO DE SERVIÇO NACIONAL DA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA DOS EUA. Avivar a Chama. Documento da Conferência do Coração da Igreja de Teólogos e Líderes Pastorais, São Paulo: Loyola, 1992.

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grego, donde ela vem, designa o ato de submergir, de mergulhar.8

Ora, já que o vocábulo batismo em sua origem significa mergulho, nada mais natural do que entender o mesmo que a Igreja Primitiva entendeu dos ensinamentos de Jesus e de João Batista sobre este acontecimento espiritual, isto é, que este batismo feito por Jesus diretamente sobre os primeiros discípulos, e a partir daí ministrado por meio deles aos demais cristãos, é um verdadeiro mergulho no Rio de Água Viva, que é o Espírito Santo.

Das idéias acima fica claro que o desejo do Senhor é que sejamos mergulhados por Ele em seu próprio Espírito. É por isso que João Batista9 revelou que Jesus é aquele que batiza no Espírito Santo (que mergulha no Espírito Santo).

O termo Batismo no Espírito Santo designa o fenômeno espiritual que consiste no ato de uma pessoa acolher a divina graça de ser colocada no coração da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade por meio da ação do Filho.

A graça deste batismo pode ser expressa de outra forma. Estamos falando da Efusão do Espírito Santo. A palavra efusão vem de efundir, que é formada pelo verbo fundir antecedido pelo prefixo “e”: e+fundir.

Entre os inúmeros significados de “fundir” está o de unir, juntar. O prefixo “e” leva ao significado de movimento externo, para fora; como sair, por exemplo. Assim, efundir significa verter, entornar, espalhar-se, derramar-se. Donde se conclui que efusão é o ato de efundir-se.10 Relacionando estes significados com a Efusão do Espírito Santo, é natural deduzir que ela denomina o ato de Jesus derramar sobre os crentes o seu próprio Espírito.

Enquanto o Batismo designa o movimento de Jesus ao introduzir uma pessoa crente no Rio de Água Viva, a Efusão leva à idéia de que o crente é plenificado pelo Espírito Santo que a ele vem, sempre por um ato de Jesus que O envia, que O derrama sobre quem crê. Ambas significam uma única realidade espiritual, que é a graça da plenitude do Espírito Santo, concedida a uma pessoa que crê em Jesus.

Assim, podemos concluir que o termo Batismo no Espírito Santo nomeia a graça pela qual o Pai e o Filho nos dão do seu Espírito. Também pode ser designado de Efusão do Espírito Santo, para significar o seu derramamento sobre nós. De forma que, literalmente, Batismo no Espírito Santo

8 Cf. Catec. 12149 Cf. Mt 3,1110 FERREIRA, Aurélio B. H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa., 1986.

significa nosso mergulho nEle; e efusão, seu derramamento sobre nós.11

b) FUNDAMENTOS

Nos outros capítulos destas reflexões encontram-se inúmeros fundamentos para o Batismo no Espírito Santo, quer sejam bíblicos, quer sejam doutrinários ou, ainda, extraídos da Tradição que a Igreja recebeu de Jesus e dos Apóstolos para viver e ensinar, desde sua fundação até a vinda gloriosa de Cristo. Desta forma, neste capítulo exporemos somente alguns fundamentos mais específicos.

b.1) Fundamentos Bíblicos

O Batismo no Espírito é conhecido sistematicamente no Novo Testamento, embora no Velho tenha acontecido na vida dos profetas.12 É assim que vemos já quase na abertura das narrações evangélicas o profeta João Batista revelando que o Messias batizaria os seus no Espírito Santo e no Fogo.13

Posteriormente Jesus promete aos discípulos que rogaria ao Pai para que Ele lhes mandasse outro Paráclito, isto é, o Espírito Santo; ao mesmo tempo os instruiu acerca do Espírito e do que Ele era capaz de fazer.14

Após a Ressurreição o Senhor sopra sobre os discípulos dizendo-lhes: “Recebei o Espírito Santo” (Jo 20, 22). Também por essa época Jesus refaz a promessa do envio do Paráclito, como vemos em Lucas 24,49 e Atos 1,8.

Como Lucas narrou, estas promessas foram literalmente cumpridas no dia de Pentecostes.15

Dessa forma, quando se fala em Batismo no Espírito Santo, está-se fazendo referência uma graça espiritual com profundas raízes bíblicas lançadas pelo profeta João Batista e pelo próprio Mestre, quando, segundo o testemunho dos evangelistas, a revelaram aos discípulos e os instruíram a seu respeito, tendo-os o Senhor, por fim, batizado.

11 O Batismo no Espírito Santo está relacionado entre os objetivos da Renovação, nos Estatutos do Serviço Internacional da Renovação Carismática Católica (ICCRS), registrados no Vaticano, que, antes de serem aprovados pelo Pontifício Conselho para os Leigos, foram examinados por vários canonistas e teólogos da Santa Sé (Cf. ALDAY, Salvador Carrillo. Renovação Carismática, Um Pentecostes Hoje, 1996, páginas 5 e 10).12 Cf. Nm 11,1-3013 Cf. Mt 3,11; Mc 1,8; Lc 3,16; Jo 1,3314 Cf. Jo 14,15-16.26; 15,26; 16,7-1515 Cf. At 2, 1-11

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b.2) Fundamentos Doutrinários

A doutrina sobre o Batismo no Espírito Santo se formou a partir dos ensinamentos que Jesus ministrou pessoalmente aos Apóstolos e que estes transmitiram à Igreja Primitiva. Desta forma é a partir desta Sagrada Tradição que compreendemos os fundamentos doutrinários da Efusão do Espírito Santo.

Naquele tempo o Batismo no Espírito Santo não gerava polêmica entre os crentes, nem tampouco perplexidades. Notamos isto desde os ensinamentos dos escritores do período subapostólico, Inácio (†110) e Policarpo (†155), por exemplo. Eles instruíam os catecúmenos sobre o batismo já pressupondo a graça da Efusão do Espírito. Quando catequizavam os neoconvertidos os instruíam sobre os carismas do Espírito Santo que, como se sabe, seguem-se à Efusão.

Na primeira versão desta apostila,16 já encontramos a seguinte constatação:

“Além dos textos do Novo Testamento,

foram identificados alguns textos pós-bíblicos que

demonstram como os autores do início do

cristianismo compreendiam o Batismo no Espírito

Santo. O recebimento dos carismas, inclusive o

dom da revelação, pertenciam à celebração dos

Sacramentos do Batismo, da Confirmação e da

Eucaristia, através dos quais as pessoas

tornavam-se parte da Comunidade Cristã, isto é,

cristãs. Os testemunhos de Tertuliano (c. 160-

245), Hilário de Poitiers (c. 315-365), Cirilo de

Jerusalém (c. 315-389), João Crisóstomo (347-

407), Basílio de Cesaréia (c. 330-379) Gregório

Nazianzeno (329-389), entre outros afirmam que

os carismas eram recebidos na iniciação cristã. O

mesmo testemunho é dado pelas comunidades que

representam as culturas Latina, Grega e Síria”.

A esta conclusão chegam todos os que investigam a doutrina cristã, como a Conferência do Coração da Igreja de teólogos e líderes pastorais da Renovação Carismática Católica dos Estados Unidos da América, em seu documento Avivar a Chama.17 Neste documento aquela conferência conclui e diz que “a iniciação cristã é Batismo no Espírito Santo”. E segue com a mesma linguagem incisiva:

“Os pentecostais ortodoxos (pentecostais protestantes) não inventaram o Batismo no Espírito. Mais exatamente, ele pertence à integridade da iniciação cristã testemunhada pelo Novo Testamento e pelos primeiros mestres pós-bíblicos da Igreja. Pedro descreve os elementos essenciais da

16 RCC - Escola Paulo Apóstolo. Identidade da RCC. p. 2117 Cf. COMISSÃO... Avivar a Chama. Op. Cit., pp. 17 e 18

iniciação cristã com estas palavras: ‘Convertei-vos e cada um peça o Batismo em nome de Jesus Cristo, para conseguir perdão dos pecados. Assim, recebereis o dom do Espírito Santo’ (At 2,38). A vida cristã começa com uma conversão à pessoa de Jesus, mas também envolve, essencialmente, o dom do Espírito Santo”.

Com base na doutrina da Igreja só nos resta uma conclusão lógica: o Batismo no Espírito Santo é liturgia pública e é normativo. Justino Mártir, Orígenes, Dídimo, o Cego, e Cirilo de Jerusalém o tinham por sinônimo de iniciação cristã. Hilário de Poitiers, João Crisóstomo, João de Apaméia, Filoxeno de Mabugo, Severo de Antioquia, José de Hazaia e ainda Cirilo de Jerusalém, consideravam o recebimento de carismas parte integrante da iniciação cristã.18

Cirilo de Jerusalém (c. 315-387) em vinte e três ensinos que ministrou sobre o Batismo, entendeu

“que a Igreja de Jerusalém, como todas as outras, situa-se em uma sucessão carismática, uma história do Espírito iniciada com Moisés. O Espírito é uma ‘nova espécie de água”.19

Com o passar dos séculos ninguém jamais duvidou da presença do Espírito Santo nos Sacramentos de iniciação cristã. Salvador Carrillo Alday, calcado no ensinamento de São Tomás,20 vai mais além ao informar que o Doutor Angélico admite o Batismo no Espírito Santo e ensina sobre ele e seus efeitos em sua obra mais célebre, a Suma Teológica. Diz ele que a cada novo envio do Espírito a graça passa a operar de um modo absolutamente novo. Para ele cada novo envio do Espírito produz uma verdadeira ‘vida nova’.

O atual Catecismo da Igreja Católica, editado em 11 de outubro de 1992, recolheu esta doutrina em vários parágrafos. Cito como exemplo os números 696, 731, 746, 1287 e 1699.

No parágrafo 696 o Catecismo repete Lucas 3,16, dizendo que "João Batista (...) anuncia o Cristo como aquele que ‘batizará com o Espírito Santo'..." Já nos parágrafos 731 e 746, fala-se da Efusão do Espírito Santo no dia de Pentecostes como sendo o seu derramamento sobre os Apóstolos e seus companheiros.

Algo muito bom e reconfortante vem no número 1287, com as seguintes palavras:

“Ora, esta plenitude do Espírito não devia ser apenas a do Messias; devia ser comunicada a todo o povo messiânico. Por várias vezes Cristo

18 Ibid., p. 2019 Ibid., p. 2320 ALDAY, Salvador Carrillo. Renovação Carismática Católica. Um Pentecostes hoje, pp. 43-44.

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prometeu esta efusão do Espírito, promessa que realizou primeiramente no dia da Páscoa (Jo 20,22) e em seguida, de maneira mais marcante, no dia de Pentecostes (...).”

O parágrafo 1288 segue dizendo que a partir de então os Apóstolos seguiram comunicando esta graça a todos os que creram em Jesus e que assim esta graça é perpetuada na Igreja.

Conclusivamente podemos dizer que a Doutrina da Igreja, formada a partir da Tradição Apostólica, passando pelos séculos chegou aos nossos dias fundamentando o Batismo no Espírito Santo ou sua Efusão, como queiram.

c) FINALIDADE DO BATISMO NO ESPÍRITO SANTO

Aparentemente muitas finalidades poderiam ser ligadas ao Batismo no Espírito Santo, porém somente uma poderá ser tida como finalidade real. Trata-se da plenitude do Espírito Santo. Jesus nos batiza no seu Espírito para, em primeiro lugar, ficarmos cheios dEle. A partir desta plenitude é que outros efeitos são gerados. Falamos aqui dos efeitos visíveis e sensíveis que decorrem imediatamente da Plenitude do Espírito que a sua Efusão nos dá.

Esta consideração é muito importante, pois realça a necessidade de se buscar a plenitude do Espírito do Senhor, que nos alça à categoria de filhos de Altíssimo.21

O que faz a diferença entre nós e os demais seres não é simplesmente a posse de uma alma racional, se bem que isso é muito importante. Somos testemunhas de quantidade infinita de pessoas inteligentes que têm degradado seus relacionamentos interpessoais a níveis infra-humanos. Aqui, mais uma vez, ressalta-se a necessidade da plenitude do Espírito Santo para que o homem possa atingir a sua maturidade, “até que todos

tenhamos chegado à unidade da fé e do

conhecimento do Filho de Deus, até atingirmos o

estado de homem feito, a estatura da maturidade de

Cristo. Para que não continuemos crianças ao sabor

das ondas, agitados por qualquer sopro de doutrina,

ao capricho da malignidade dos homens e de seus

artifícios enganadores. Mas, pela prática sincera da

21 "A todos aqueles que o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, pois todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Porquanto não recebestes um espírito de escravidão para viverdes ainda no temor, mas recebestes o espírito de adoção pelo qual clamamos: Aba! Pai! O Espírito mesmo dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos de Deus" (Jo 1,12; Rm 8,14-16; Lc 24,49; At 1,8).

caridade, cresçamos em todos os sentidos, naquele

que é a cabeça, Cristo.22

Com palavras ocidentais não se expressa com clareza a plenitude do Espírito. Com efeito, a palavra grega utilizada no Novo Testamento para o que se traduz por “cheio” no termo “cheio do Espírito” não tem similar em nossa língua. O vocábulo que mais se aproxima é a palavra “pleno”, que vem a ser cheio totalmente. Essa dificuldade se dá porque o termo grego “pleró” (πλερο) tem um significado dinâmico. Enquanto para nós ao se encher alguma coisa, como um copo de água, por exemplo, para-se de colocar a água nele assim que esta atinge suas bordas, justamente por estar cheio, com a palavra grega “pleró” não é assim. Apesar de ela também designar algo cheio, não se trata de um cheio estático, mas dinâmico, que não pára de se encher, igual a um copo que se coloca sob torneira aberta. Ninguém dirá que o copo não estará cheio quando a água começar a se derramar. O copo ao permanecer debaixo da torneira aberta estará continuamente cheio, não se esvaziará jamais, exatamente como quer dizer a palavra “pleró:” cheio derramando. É diferente de um copo que se enche e se coloca sobre a mesa.

A partir do termo grego “pleró,” entendemos a vontade de Deus para nós, em relação ao Seu Espírito. Ele deseja que nosso Pentecostes seja perene, ininterrupto. É por isso que Ele nos convida a acolhermos a presença do Espírito Santo como um dom dinâmico, capaz de nos fazer experimentar seu transbordamento ininterruptamente.

A finalidade do Batismo no Espírito Santo, como já foi dito, será mais esclarecida no item abaixo.

d) FRUTOS DO BATISMO NO ESPÍRITO SANTO

Quem aceita o Batismo no Espírito Santo é plenificado por Ele e torna-se apto a produzir seus frutos. Assim, desde São Paulo,23 é conhecida a linguagem “frutos do Espírito”. A chave de entendimento é simples, mas é bom mencioná-la. Ei-la: o Batismo no Espírito Santo leva à sua plenitude; esta produz os frutos. Assim sabemos que os frutos do Espírito Santo decorrem de sua plenitude em nosso ser, exceto um, que é o próprio Espírito que recebemos por meio do Batismo.

A quem não é batizado o primeiro fruto do Batismo é o próprio Dom do Espírito Santo. Mas nos dias atuais, para os católicos que já são batizados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, portanto já portadores do Dom do Espírito, o primeiro fruto da Efusão tem sido o “despertar” deste Dom, ou como alguns preferem dizer, a sua renovação. Esta Efusão põe em operação a opus

operantis (a parte que o homem deve fazer para a eficácia sacramental) em relação ao Sacramento do Batismo, a qual que estava em parte somente “ligada;” estava "ex

22 Cf. Ef 4, 13-1523 Cf. Gal 5,22-23

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opere operantis", pois dependia de alguma ação ou qualidade humana para ter eficácia. Em Deus, a partir de Deus, todo Sacramento já nasce plenamente eficaz e apto para produzir os frutos a que se destina. Da parte do homem, contudo, não é assim. Pode haver inúmeros obstáculos humanos a impedir a operação da graça. O Batismo também está sujeito a estas mazelas do homem. Muitos são batizados, mas sequer conseguem vislumbrar uma vida digna de filhos de Deus. Com a efusão do Espírito Santo que temos experimentado, o nosso Batismo sacramental tem deixado de ser, para a nossa vida, somente uma promessa, um presente em potencial, para ser alçado ao grau de Dom ativo que libera em nós as graças que nos pertenciam desde o tempo do nosso precioso Sacramento Batismal.

De outra parte, todos os frutos mencionados no capítulo sobre a espiritualidade, não são outra coisa senão autênticos frutos do Batismo no Espírito Santo.

Para entender melhor esta idéia tomemos a noção de sacramento “ligado” que o Frei Raniero Cantalamessa,24 pregador da Casa Papal, nos traz. Ele se baseia na teologia católica que adota a idéia de sacramento lícito e válido, porém “ligado”. O sacramento é dito “ligado” quando ministrado validamente, mas seus frutos não são usufruídos por falta do implemento de alguma condição. O Sacramento, com esta característica, é uma graça em potencial, à espera de que a condição se realize.

É óbvio que estamos falando de condições humanas, pois da parte de Deus o sacramento já nasce eficaz.

Ainda para esclarecer essas idéias um pouco mais, lembremos a conexão do Batismo no Espírito Santo com o Batismo Sacramental. No ensinamento teológico reconhece-se que para inúmeros católicos o batismo é um sacramento em parte apenas “ligado”. De fato, Deus, por meio de um agir conhecido por opus operantum, faz gerar os efeitos que dependem exclusivamente da graça divina. Isto significa que desde o sagrado instante em que se ministra o Batismo, ainda que o batizado seja uma criança, os pecados anteriores são remidos, as virtudes teologais da fé, da esperança e da caridade já são concedidas e a filiação divina já se opera, tudo isso pela eficácia da ação do Espírito Santo. Mas a parte do homem também é necessária, embora não se revista da importância da parte de Deus. Essa parte humana se chama opus operantis, isto é, obra a realizar. É aquilo que o homem precisa ainda fazer.

Em que consiste esta obra do homem? Ainda segundo o pregador papal, que ensina embasado na Doutrina da Igreja, a qual remonta ao tempo dos Santos Padres, que a parte humana se resume na fé que torna o batizado apto a acolher Nosso Senhor Jesus Cristo, bem como o introduz no discipulado do Mestre.

Agora estamos em condições de entender melhor os frutos sensíveis que o Batismo no Espírito Santo nos

24 CANTALAMESSA, Raniero. A Poderosa Unção do Espírito Santo, 1996. p. 41

proporciona, a começar da plenitude do próprio Espírito, passando pelas manifestações de carismas e chegando à conversão, que impulsiona o crente cada vez mais para a santidade de vida.

Mas tudo isso ocorre após a plenitude do Espírito Santo, que se obtém por meio de sua Efusão. A Efusão é aceita mediante a fé. É por isso que um adulto que foi batizado quando criança, no momento em que crer em Jesus basta acolher o Batismo no Espírito Santo para ter os seus frutos. Acolhendo o seu Batismo, o resto é com o Espírito Santo.

Assim, podemos elencar, a título de exemplo e de lembrança do que já foi dito em outros capítulos, os seguintes frutos do Batismo no Espírito Santo: o próprio Espírito Santo,25 como Dom ativo, a vivência da filiação divina, a conversão, a caridade e seus efeitos, a vida em comunidade. Destes consideremos a importância da vivência da filiação divina.

Em primeira João 3,1, nossa filiação divina é afirmada categoricamente por estas palavras: “Considerai com que amor nos amou o Pai, para que sejamos considerados filhos de Deus. E nós o somos de fato”.

Em João 1,12 esta idéia é estendida pelo Testemunho do Evangelista. Ao falar do Verbo ele diz: “Mas a todos aqueles que o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus”.

Pela fé sabemos que somos filhos de Deus de fato. Sabemos também que Deus nos dá o poder de sermos seus filhos. Mas que poder é este? Este é o poder do Espírito Santo que recebemos em nosso batismo, “pois todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus)” (Rm 8, 14). Aqui se vê uma vez mais a importância da plenitude do Espírito Santo, porque é por meio dela que seremos conduzidos por Ele, que teremos a Vida no Espírito.26 Existiria algum fruto, alguma dádiva, alguma graça maior do que a filiação divina? a filiação divina vivida a partir da vida terrena?

e) JESUS, O BATIZADOR

Uma verdade bíblica é que Jesus é aquele que batiza no Espírito Santo.27 Ele próprio disse que mandaria

o seu Espírito para os seus.28 Entretanto também no Evangelho Ele aparece dizendo: “E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Paráclito)” (Jo 14, 16). E mais: “...quanto mais vosso Pai celestial dará o Espírito

Santo aos que lho pedirem”. Segundo ainda o testemunho de João, Jesus disse que o Espírito Santo

25 ALDAY, Salvador Carrillo. Op.cit., página 31.26 Catec. 169927 Cf. Mt 3,11b; Mc 1,8; Lc 3,16; Jo 1,3328 Cf. Lc 24,49

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procede do Pai.29 Com base nestas revelações a Igreja, desde os primeiros séculos, ensinou que o Espírito procede do Pai e do Filho, porque ambos podem no-lo dar.

Mais ainda: uma vez que o Espírito Santo é Deus, podemos pedir por seu batismo diretamente a Ele. E isso a Igreja sempre fez.

Com base nestas considerações não vejo motivo para inquietação sobre quem nos batiza no Espírito Santo, pois de qualquer das Pessoas da Santíssima Trindade a quem o pedirmos, crendo em Jesus, com certeza o receberemos.

Uma solução prática seria seguir o próprio coração, que se move segundo o momento espiritual que se vive, no que toca à intimidade com a Santíssima Trindade. Lembrando o que se disse no capítulo sobre a espiritualidade da Renovação, quando se analisou o aspecto Trinitário de nossa espiritualidade, dissemos que conforme o estágio espiritual que a pessoa está vivendo, ora se liga mais ao Pai, ora ao Filho, ora ao Espírito Santo, até que isto se equilibre numa intimidade igualitária. Assim, quem se sentir mais íntimo do Pai, peça a Ele o seu Batismo; quem se sentir mais ligado ao Filho, pode pedir-lhe o Espírito Santo; quem estiver mais ligado ao Espírito Santo, clame por Ele; enfim, quem se relacionar equilibradamente com as Pessoas da Santíssima Trindade, peça, então, a qualquer delas, ou a todas, como Deus Trino, a desejada Efusão. Em qualquer destas situações com certeza seremos batizados no Espírito Santo.

f) QUEM PODE SER BATIZADO NO ESPÍRITO SANTO

Nossa mentalidade cultural nos obriga a merecer as coisas boas que a vida oferece. Uma criança quando erra não encontra compreensão, é castigada. Quando ela deseja algo bom, é-lhe oferecida uma barganha: “Se você se comportar bem, irá à casa dos primos, ganhará uma bola, um sorvete”. Vivemos uma espécie de “cultura do merecimento”. Esta mentalidade entrou em nossa catequese há séculos. Já nem percebemos sua nocividade para o nosso relacionamento com Deus.

É também por causa desta forma de pensar que incontável quantidade de pessoas jamais acreditaram que podem experimentar o amor de Deus. Acreditam que por serem pecadoras não o merecem. Quem é prisioneiro desta torção cultural deve buscar ajuda, pois com certeza não deve estar conseguindo sequer pedir a Deus a cura de uma simples dor de cabeça. Tudo por acreditar que não merece.

De fato, confrontando nossos pecados com a santidade de Deus, ninguém se verá merecedor de graça alguma. Mas, por outro lado, se aceitarmos que Deus nos

29 Cf. Jo 15,26

ama porque Ele é amor,30 que Ele é apaixonado por nós porque somos seus filhos e sua natureza é amor, abriremos nosso coração para receber tudo o que Ele quiser nos dar, por mais contraditório que seja perante nossa mentalidade mundana.

E se realmente existe algum presente, algum bem, algum Dom, que Deus deseja nos dar já nesta vida terrena é o seu Espírito, porque, como já dissemos antes, o Espírito Santo é o poder de Deus para gerar filhos para Ele. Jesus encabeçou a lista desta geração como primogênito de uma multidão de irmãos,31 agora é a nossa vez.

Vejamos algumas passagens bíblicas que demonstram esse desejo de Deus.

Um dia, quando o povo de Israel se tornara um fardo muito pesado para Moisés, ele foi se queixar ao Senhor. Deus se compadeceu dele e mandou que escolhesse setenta anciãos de autoridade junto ao povo. Ordenou que os escolhidos fossem para a Tenda de Reunião a fim de receberem do mesmo Espírito que conduzia o servo Moisés. Estes anciãos seriam seus colaboradores na árdua missão de servir o povo eleito.

Cumprida a ordem, todos receberam o Espírito Santo e começaram a profetizar. Entretanto dois dos escolhidos não atenderam à ordem do Senhor, permanecendo no Acampamento. Porém, mesmo assim, profetizavam à vista de todo o povo. Um jovem ao presenciar este fato correu à Tenda para noticiá-lo a Moisés. Ao ouvir o relato daquele jovem, Josué, zeloso da autoridade de Moisés, expressou o seu desejo de ver os dois repreendidos. Graças a Deus o dócil servo Moisés não os admoestou. Ao invés disso, proclamou uma linda profecia com estas palavras:

“Por que és tão zeloso por mim? Prouvera a Deus que todo o povo do Senhor profetizasse, e que o Senhor lhe desse o seu espírito!” (Nm 11, 29)

Josué não conseguia ver a graça do Espírito Santo que recaíra efusivamente sobre os anciãos. Ele via a autoridade profética de Moisés conspurcada. Para ele os que haviam permanecido no acampamento eram pecadores desobedientes e não mereciam profetizar e nem poderiam ter recebido do Espírito que animava Moisés.

Então este é o desejo de Deus: que todo o seu povo profetize. Mas vemos também neste episódio que Ele deu o Espírito Santo a todos os escolhidos, incluindo aqueles que, aos olhos dos homens, não o mereciam.

Noutra época o Senhor disse:

“Depois disso, acontecerá que derramarei o meu Espírito sobre todo ser vivo: vossos filhos e vossas filhas profetizarão; vossos anciãos terão sonhos, e vossos jovens terão visões. Naqueles dias,

30 Cf. 1ª Jo 4,1631 Cf. Rm 8,29

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derramarei também o meu Espírito sobre os escravos e as escravas ” (Joel 3, 1-3).

No tempo desta profecia as mulheres e os filhos não tinham valor social para a mentalidade da época. Os escravos, menos ainda. E as escravas, muito menos. Mas o Senhor é claro ao expressar o seu desejo: o seu Espírito é para “todo ser vivo”. Ao Senhor não importa a condição da pessoa. O Espírito Santo é destinado a todos.

Enfim chegou a vez de Jesus, a Palavra Viva do Pai, dizer a quem Deus deseja dar o Espírito Santo. E Ele disse assim:

“Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai celestial dará o Espírito Santo aos que lho pedirem ” (Lc 11, 13).

Então vemos mais uma vez que Deus não deseja excluir ninguém da graça de receber o seu Espírito.

Este desejo do Pai foi recolhido pela Doutrina da Igreja. Lemos em nosso catecismo a seguinte formulação:

“Ora, esta plenitude do Espírito Santo não devia ser apenas a do Messias; devia ser comunicada a todo o povo messiânico” (catec. , 1287).

Gostaria de chamar a atenção para uma palavra que foi empregada em todas as passagens acima. Trata-se do pronome TODO. Três vezes ele veio literalmente e uma, implicitamente. Em Números foi dito: “todo o povo do Senhor”; Em Joel: “todo ser vivo”; Em Lucas: “aos que”, significando “todos os que”; No Catecismo: “todo o povo messiânico”. Não há dúvida, portanto, que Deus deseja que todos os homens sejam batizados no Espírito Santo.

Aqui não se indaga sobre a santidade ou o merecimento de alguém. O Espírito Santo vem para todos. Deus não espera que o pecador se santifique para dar-lhe o Seu Espírito; o Espírito é que santifica o pecador. Deus não aguarda que o homem se salve para plenificá-lo do Espírito Santo; o pecador é tocado pelo Espírito para ir a Jesus, o Salvador.32

Todo é um pronome indefinido. Isto significa que o Espírito Santo não vem para pessoas determinadas, “iluminadas” por algum dom pessoal ou por alguma espécie de merecimento particular. Não. A ninguém o Senhor definiu aprioristicamente para receber o Espírito Santo. Ele é muito claro a este respeito. O Espírito Santo é para todos; até para Saulo, até para Agostinho, até para Madalena, até para Zaqueu... até para mim, você e eu podemos dizer. Que bom saber disso! Amém.

g) CONDIÇÕES PARA SER BATIZADO NO ESPÍRITO SANTO

32 Cf. Catec. 683.

Se o Espírito Santo é para todos, existiria alguma condição para o seu Batismo? Naturalmente que sim. Existe a parte do homem a ser feita. Vamos a ela.

Em João 1,12 “a todos aqueles que o (o Verbo,

Jesus, acréscimo do autor) receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus”. Romanos 8,14-16 nos esclarece que este poder que nos faz filhos de Deus é o Espírito Santo. Em Atos encontramos: “Pedro lhes respondeu: Arrependei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo" (At 2,38).

Assim, de forma direta e pessoal, temos as seguintes condições para a Efusão do Espírito Santo: crer em Jesus33, converter-se, batizar-se34 e receber Jesus.

Qual seria a utilidade dessas condições, já que o Espírito Santo é para todos? Ao refletir sobre isso só encontramos uma utilidade digna de nota: é a abertura de coração para receber a graça de Deus. O Pai não força ninguém a receber seus dons, por isso, para recebê-los, é necessário aceitá-los. E esta aceitação deve ser sincera, pois sabemos como Deus abomina a hipocrisia.

Caso houvesse algum jeito de alguém abrir o coração para o Batismo no Espírito Santo sem as condições acima, certamente o Pai, que é amor, lho daria. Mas não há nenhum jeito de se abrir à graça de Deus que não seja por estas condições. Elas são os chaveiros que nos confeccionam a chave. A chave é o pedido. Sem crer em Jesus nada lhe pediremos. Conversão é alteração de rota, mudança de direção. Quem está sob a direção do mundo, se não se voltar para a direção de Jesus, também nada lhe pedirá. O batismo aqui significa aceitar o perdão dos pecados. A recusa do perdão dos pecados foi o que causou o suicídio de Judas Iscariotes. Ninguém que rejeita a graça do perdão terá o coração aberto para o Espírito Santo. Por fim, quem não recebe Jesus, não recebe o Pai e permanecerá hermeticamente fechado para o Dom do Espírito.

Sem estas condições seríamos presas fáceis do pecado de Simão, o Mago.35 Este homem acreditou em Jesus, O recebeu e foi batizado em Seu Nome. Contudo, não saiu da direção do mundo, não se converteu, e ofereceu dinheiro para comprar o Dom do Espírito Santo. Por isso foi-lhe negada qualquer possibilidade de participar do ministério dos Apóstolos.

Cumpridas estas condições estaremos aptos a acionar a chave do Batismo no Espírito Santo. Mas ninguém deve se preocupar em demasia com as condições acima apresentadas, como se desejasse ter certeza de já tê-las cumprido ou não. Quem isto fizer cairá no outro extremo, isto é, na exigência da santidade para merecer o Espírito Santo. O que se pede aqui é que se creia em

33 Cf. Catec. 128734 Cf. Catec. 128735 Cf. At 8,9-23

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Jesus, que se receba Jesus, que se volte para Ele e que se aceite a remissão dos pecados.

h) CHAVE DO BATISMO NO ESPÍRITO SANTO

A chave que mencionamos está no capítulo onze do Livro de Lucas. Precisamente no versículo treze. Leiamo-lo diretamente do testemunho dos Apóstolos:

“Um dia, num certo lugar, estava Jesus a rezar. Terminando a oração, disse-lhe um de seus discípulos: Senhor, ensina-nos a rezar, como também João ensinou a seus discípulos. Disse-lhes ele, então: Quando orardes, dizei: Pai, santificado seja o vosso nome; venha o vosso Reino; dai-nos hoje o pão necessário ao nosso sustento; perdoai-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos àqueles que nos ofenderam; e não nos deixeis cair em tentação.

Em seguida, ele continuou: Se alguém de vós tiver um amigo e for procurá-lo à meia-noite, e lhe disser: Amigo, empresta-me três pães, pois um amigo meu acaba de chegar à minha casa, de uma viagem, e não tenho nada para lhe oferecer; e se ele responder lá de dentro: Não me incomodes; a porta já está fechada, meus filhos e eu estamos deitados; não posso levantar-me para te dar os pães; eu vos digo: no caso de não se levantar para lhe dar os pães por ser seu amigo, certamente por causa da sua importunação se levantará e lhe dará quantos pães necessitar.

E eu vos digo: pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. Pois todo aquele que pede, recebe; aquele que procura, acha; e ao que bater, se lhe abrirá. Se um filho pedir um pão, qual o pai entre vós lhe dará uma pedra? Se ele pedir um peixe, acaso lhe dará uma serpente? Ou se lhe pedir um ovo, dar-lhe-á porventura um escorpião? Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai celestial dará o Espírito Santo aos que lho pedirem"(Lc 11,1-13).

Vários aspectos deste trecho sagrado nos atraem. Inicialmente vemos Jesus ensinando aos discípulos como orar e o que pedir. Em seguida não se pode deixar de notar que o Mestre está ensinando que se deve pedir o Espírito Santo, especificamente. Completa o ensinamento instruindo quando pedi-lo, como e até quando. Por fim, encerra a lição dizendo que para ter o Espírito Santo basta pedir.

É bastante consoladora esta promessa de Jesus: basta pedir. Pedir é a chave. “vosso Pai celestial dará o

Espírito Santo aos que lho pedirem”. Ao examinar o

próprio coração e não descobrir nele a fé; ao olhar para si e não ver nenhum pouquinho de conversão; se questionar o próprio Batismo; se tentar aceitar Jesus e não conseguir; mesmo assim tenha ânimo. Não seja seu próprio carrasco. Lance as “redes” na Palavra do Mestre36 e peça o seu Espírito. Ele garante que o Pai no-lo dará. Confiemos em sua grande misericórdia.37

Notem como Jesus coloca o exemplo de um pai de família pedindo comida para um amigo. Não pedia para

36 Cf. Lc 5,5

37 Testemunho do autor: “Certa vez, no ano de 1.984, quando eu participava de uma seita de origem japonesa, chamada Seicho-no-ie, vivi alguns anos de muita confusão. Naquela época eu participava dos cultos da seita aos domingos de manhã, nas tardes dos mesmos domingos ia às missas. Também na mesma época coordenava uma equipe de vigília de um encontro de casais. Ainda devorava literatura das várias religiões orientais e do espiritismo, além de flertar com a Rosa-Cruz e desejar ser maçom.

Era realmente uma grande confusão, principalmente porque a Seicho-no-ie me bombardeava para me convencer de que ela portava a “verdade da vida” e que todas as religiões “eram” boas e “vinham” de Deus.

Por aquele tempo, em uma tarde quando eu lia o Evangelho de João, parei no capítulo dezesseis, onde diz que “quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade,

ensinar-vos-á toda a verdade (versículo 13).” Naquele momento pensei que se Deus existisse estaria mais interessado em me convencer da verdade do que eu mesmo. Então ajoelhei e clamei pelo Espírito Santo do jeito que pude. Estava em minha casa, fechado em um quarto. Pedi-lhe que me mostrasse qual era a verdade; onde estava a verdade.

Orei e esqueci que havia orado. Mas Deus não se esqueceu.

Alguns meses após, ao sair de uma missa, recebi um panfleto no qual se convidava para o Encontro Regional de Oração da Renovação Carismática em Goiânia. Sem perceber a mão de Deus, imediatamente senti-me pessoalmente convidado. E fui.

O encontro foi no primeiro fim de semana de agosto do mesmo ano (1.984) em que fiz a oração ao Espírito Santo. Fui sexta-feira e sábado. No domingo de manhã havia o culto da Seicho-no-ie, ao qual eu não faltava por três anos e meio. Até hoje não me lembro se pensei no dito culto naquela manhã de domingo. Só sei que fui para o encontro de Jesus, isto é, para o Encontrão da Renovação, como é conhecido até hoje. O Espírito Santo me levou aonde eu pude encontrar a Verdade e me batizou. Como católico desde que nasci, certamente estive em inúmeros lugares onde a Verdade estava, mas não a havia reconhecido antes. Porém naquele fim de semana feliz, A Reconheci e A aceitei. Assim, por uma intervenção do Espírito Santo, fui salvo de todas as armadilhas e artimanhas do inimigo. Amém!

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si, mas mesmo assim precisava urgentemente da comida para alimentar o seu hóspede. Se não por caridade, pelo menos para cumprir o dever da hospitalidade.

A atitude deste anfitrião é a atitude que Deus espera de nós ao pedir o seu Espírito. Aquele homem não teve vergonha e nem medo das conseqüências de gritar ao vizinho em altas horas da madrugada. Ele tinha certeza que precisava de pão e pelo pão enfrentou o preconceito, o orgulho, o apego à auto-imagem e os venceu. Enfrentou até as negativas do vizinho, mas perseverante as venceu também.

Todos sabem quando precisam de comida. É quando se sente fome. Todos precisam aprender quando estão vazios do Espírito Santo, para pedi-lo. De fato, mesmo sem querer vamos contristando o Espírito Santo até extinguir38 sua presença manifesta em nós. Isso

acontece por causa de nossos pecados.39 Quando estamos vazios da presença do Espírito ficamos mornos, nossas atividades religiosas tornam-se pesadas, substituímos os louvores pelas lamúrias, o perdão passa a ser um esforço sobre-humano, nossa vontade de orar se perde; perdemos o entusiasmo, o ardor; ou, na melhor das hipóteses, fazemos tudo isso com demasiado esforço. Estes são somente alguns sinais.

Quantas vezes podemos pedir o Batismo no Espírito Santo? Respondemos a esta pergunta com outras duas: quantas vezes devemos alimentar o nosso corpo? Quantas vezes devemos pedir o Espírito Santo? A Sagrada Escritura nos mostra os Apóstolos recebendo o Espírito Santo mais de uma vez. Em algumas a presença do Espírito está implícita; noutras ela vem explicitamente.40

Até quando se deve pedir o Espírito Santo? Até quando o pai de família da história de Jesus, narrada por Lucas e transcrita acima, pediu pão? Pede-se comida até recebê-la. Pede-se o Espírito Santo até encharcar-se dEle. Como se sabe que se está cheio do Espírito Santo? Quando Ele vem a nós, de alguma forma somos tocados. Precisamos aprender a perceber seus toques. Você se lembra daquele cântico dos primeiros anos da Renovação? Aquele que diz assim: “Quando o Espírito do Senhor se move em mim eu rezo como o Rei Davi... Eu canto... eu danço... eu luto... eu venço... eu louvo como o Rei Davi?”

Quando o Espírito do Senhor nos plenifica, vencemos a tristeza, a mornidão, a apatia, vivemos como filhos de Deus. Para entender isso basta lançar os olhos para os cristãos que viam seus entes queridos sendo assassinados pelos perseguidores da Igreja, sabendo ser eles os próximos, mas mesmo assim permaneciam cantando louvores que confundiam seus algozes.

Então neste item vimos que o Senhor nos deu uma chave para “acionarmos” as comportas de Deus a fim de saciarmos nossa sede com sua Água Viva. Vimos também

38 Cf. 1 Ts 5,12-22 39 Cf. Ef 4,17-3240 Cf. Mt 10,1; Lc 10,1-19; Jo 20,22; At 2,1-4; 4,29-31

que esta chave deve ser acionada sempre que não estivermos vivendo como filhos de Deus, e também que não se deve cessar de acioná-la enquanto não se vir pleno do Espírito. Vimos ainda que se pode e deve-se acioná-la quantas vezes necessitar e que ao acioná-la não se deve ter vergonha, medo ou preconceito das conseqüências, mesmo que nos chamem de bêbados,41 sob pena de fechar-se o coração. Coração fechado é tudo que se deve evitar no relacionamento com o Espírito Santo.

Ah! Mais uma coisa: para permanecer cheio do Espírito Santo é necessário cultivar a santidade. Com o Batismo O recebemos, mas não basta somente recebê-Lo. É necessário que permaneçamos nEle e Ele em nós. Mas isto é assunto para outro estudo. Até lá.

2. PRÁTICA DOS CARISMAS42

O dinamismo da efusão do Espírito de Deus na Renovação se manifesta em inúmeros frutos. Um deles compõem a trilogia que melhor nos identifica. Estamos falando dos carismas; precisamente, da prática dos carismas. Não trataremos simplesmente da aceitação dos dons do Espírito, mas sim de uma prática sensível, palpável, efetiva, real.

A identificação da Renovação pela prática dos carismas é tão veemente que dispensa maiores análises. Basta lembrar que o próprio nome com o qual nos designam, “carismáticos”, advém dessa prática.

De fato, reforçando o que já foi dito acima, lembremos que o ardor missionário, outras espiritualidades o possuem. Igualmente as obras sociais, a conscientização política, o amor fraterno, o surgimento de pequenas comunidades. O mesmo se diga da aceitação dos carismas. Deve ser dificílimo encontrar um só cristão de outra espiritualidade que tenha coragem de dizer que não aceita os carismas, que não acredita neles. Já, por outro lado, conheço muitos que não os praticam, nos moldes bíblicos e conforme a Tradição. Para muitos os carismas existem... na Bíblia, na prática não. É como se eles tivessem de ficar quietinhos no seu canto, dentro da Bíblia, para não incomodar. Agem como se os carismas, ao lançarem seus galhos na vida eclesial deixassem de ser verdadeiros, deixassem de ser do Espírito Santo.

Por isso podemos concluir este pensamento dizendo que a espiritualidade da Renovação Pentecostal Católica é profundamente marcada pelos carismas, tanto que em muitos lugares do mundo ela é conhecida por Renovação Carismática Católica. A manifestação dos carismas atesta o nosso batismo no Espírito Santo, logo, podemos afirmar que o Batismo no Espírito Santo, acompanhado das manifestações dos sinais do

41 Cf. At 2,1342 A prática dos carismas é também um dos objetivos relacionados nos Estatutos do Serviço Internacional da Renovação Carismática Católica (ICCRS), Cf. ALDAY, Salvador Carrillo. Op. cit., página 10.

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Pentecostes prometidos por Jesus43 é, com certeza, nossa identidade. O Senhor ao renovar o nosso batismo em seu Espírito, nos impele a assumi-lo com todos os seus efeitos, inclusive os carismas.

Devido à grande variedade dos carismas, um estudo específico lhes será dedicado, por meio de uma apostila própria. Por hora encerramos o seu assunto.

3. COMUNIDADES

O terceiro elemento básico de nossa identidade, a vivência comunitária, existe também em outros movimentos. Há muito tempo que os focolarinos levam avante o seu projeto de comunhão de vida. Também os cebianos lutam há dezenas de anos por suas comunidades eclesiais de base. O que existe de novo em nossas comunidades é que são carismáticas e têm nascido espontaneamente, conforme o sopro do Espírito.

Entre nós existem os grupos de oração, cujos elementos fundamentais os caracterizam como verdadeiras comunidades eclesiais. Outras duas espécies de comunidades ainda existem. Uma, reúne pessoas que se comprometem umas com as outras com mais arrojo do que nos grupos de oração. Partilham vários aspectos da vida com mais profundidade. Ajudam-se mutuamente em várias situações do viver humano, inclusive no financeiro, caso seja necessário. Estas são as comunidades de aliança.

A outra espécie de comunidade, denominada comunidade de vida, que tem nascido a partir de experiências pneumatológicas no seio da Renovação, podem se ligar à sua estrutura ou não. Caso optem por vida independente, conservam em as graças pentecostais.

Nas comunidades de vida tudo é partilhado. Os bens pertencem a todos, comumente, incluindo o dinheiro.

As comunidades, oportunamente, também terão investigação própria.

4. CONCLUSÃO

Neste tema demonstrou-se que o batismo no Espírito Santo sempre esteve presente na Igreja. Está bem fundamentado na Sagrada Escritura, na Sagrada Tradição e no Magistério. É uma graça atual, para os nossos dias, como o foi sempre. Milhares de pessoas o recebem dentro da Igreja Católica. Em nossos dias já existe literatura católica produzida por bons teólogos investigando este fenômeno. Assim podemos aceitá-lo, pedi-lo, vivê-lo, propagá-lo, destemidamente e com fé. Amém. Deus os abençoe. “Intensificai as vossas

invocações e súplicas. Orai também por mim” (Ef 6,18-19)

43 Cf. Mc 16,17-18

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RESUMO

A identidade da Renovação é composta pelo Batismo no Espírito Santo, pela prática dos carismas e pela geração de comunidades.

Destes elementos analisamos somente o Batismo no Espírito Santo, deixando os outros para posteriores estudos.

Recordemos, portanto, o que o batismo no Espírito Santo não é. “A Igreja Primitiva utilizava o Batismo no Espírito Santo para a iniciação cristã. O emprego desta frase, hoje, para o despertar mais tardio da graça sacramental original não significa, de modo algum, um segundo Batismo.” Então é isto: definitivamente o Batismo no Espírito Santo não pode ser confundido com o Sacramento do Batismo ministrado com rito próprio pela Igreja, pois não são a mesma coisa.

O termo Batismo no Espírito Santo designa o fenômeno espiritual que consiste no ato de uma pessoa acolher a divina graça de ser colocada no coração da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade por meio da ação do Filho. Enquanto o Batismo designa o movimento de Jesus ao introduzir uma pessoa crente no Rio de Água Viva, a Efusão leva à idéia de que o crente é plenificado pelo Espírito Santo que a ele vem, novamente por um ato de Jesus que O envia, que O derrama sobre quem crê.

Encontramos fundamentos bíblicos para o Batismo no Espírito Santo desde o Velho Testamento (Nm 11,1-30; Jl 3,1-2), que perpassam o Novo (Mt 3,11; Mc 1,8; Lc 3,16; 24,49; Jo 1,33; 14,15-16.26; 15,26;

16,7-15; Jo 20, 22 ; At 1,8; 2,1-11; 4,30-31; 10,44-46) e atinge em cheio a Patrística, no ensinamento de padres como Inácio (†110) e Policarpo (†155) que instruíam os catecúmenos sobre o batismo já pressupondo a graça da Efusão do Espírito. Quando catequizavam os neoconvertidos os instruíam sobre os carismas do Espírito Santo. Outros ainda podemos lembrar neste momento. Cirilo de Jerusalém (c. 315-387), que em vinte e três ensinos que ministrou sobre o Batismo, entendeu “que a Igreja de Jerusalém, como todas as outras, situa-se em uma sucessão carismática, uma história do Espírito iniciada com Moisés. O Espírito é uma ‘nova espécie de água’:” Santo Tomás também ensinou que no Batismo no Espírito

Santo há um novo envio do Espírito e que a graça passa a operar de um modo absolutamente novo.

A respeito da presença do Espírito Santo, em manifestações carismáticas, o Padre Domenico Grasso resume a doutrina encontrada na Igreja, desde os Apóstolos até o final do Século Vinte. Tudo comprovando a efusão do Espírito Santo., desde o Apóstolo Paulo até nossos dias, ininterruptamente:

Mas algo muito bom e reconfortante vem no número 1287 do Catecismo da Igreja Católica com as seguintes palavras:

“Ora, esta plenitude do Espírito não devia ser apenas a do Messias; devia ser comunicada a todo o povo messiânico. Por várias vezes Cristo prometeu esta efusão do Espírito, promessa que realizou primeiramente no dia da Páscoa (Jo 20,22) e em seguida, de maneira mais marcante, no dia de Pentecostes (...)”.

Portanto, com base na doutrina da Igreja só nos resta uma conclusão lógica: o Batismo no Espírito Santo é liturgia pública e é normativo. Justino Mártir, Orígenes, Dídimo, o Cego, e Cirilo de Jerusalém o tinham por sinônimo de iniciação cristã. Hilário de Poitiers, João Crisóstomo, João de Apaméia, Filoxeno de Mabugo, Severo de Antioquia, José de Hazaia e ainda Cirilo de Jerusalém, consideravam o recebimento de carismas parte integrante da iniciação cristã:

Ponto importante a destacar neste resumo é a finalidade do Batismo no Espírito Santo. Esta finalidade é nos plenificar do Espírito Santo, pois tudo mais em nossa vida decorre desta plenitude. Não é por outro motivo que o Catecismo da Igreja Católica nos convoca a viver no Espírito.44 Esta plenitude gera inúmeros frutos, como o despertar do Dom do Espírito recebido no Batismo, a manifestação de carismas, a vivência da filiação

44 Cf. Catec.1699

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divina, a vida em comunidade, a conversão, a caridade e seus frutos e todos os demais frutos mencionados no capítulo sobre a espiritualidade da Renovação.

Falta ainda relembrar que Jesus é quem nos batiza no Espírito Santo, contudo, devemos levar em consideração que a Santíssima Trindade é Uma, portanto, podemos pedir o Batismo no Espírito Santo ao Pai, ao Filho e ao próprio Espírito.

A Santíssima Trindade batiza a todos que pedirem, quantas vezes pedirem. A chave do Batismo no Espírito Santo é o pedido que se faz: “... O Pai do Céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem.” (Lc 11,13).

CAPÍTULO SEGUNDO

OFENSIVA NACIONAL DA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA

“Somos obra sua, criados em Jesus Cristo para as boas ações, que Deus de antemão preparou para que nós as praticássemos” (Ef 2,10).

Nosso Deus não ata o homem a uma cadeia de fatalismo, entretanto planeja a sua salvação e o seu bem-viver. No plano de salvação existe muito a realizar. Tudo já está preparado para nós. Se aceitarmos, Ele nos revelará.45 Caso não aceitemos o seu plano, poderemos preparar outro, ou simplesmente seguir sem nenhum projeto. Ele respeitará nossa decisão. Às vezes até aceitamos o seu plano, mas o executamos à nossa maneira. Ele aceita isso também, todavia nos orienta conforme nossa fé, nosso discernimento e nossa capacidade auditiva espiritual consigam distinguir sua mão misteriosa a nos guiar.

Não é fácil acolher a direção divina em trabalhos pastorais nem em outras atividades humanas. De imediato duas dificuldades se impõem. A primeira vem de uma fé imperfeita que nos impede de ter intimidade com Jesus, por ser Ele invisível a olhos carnais. A segunda é gerada por uma cultura que rejeita qualquer interferência nas liberdades individuais. Imagine agora os efeitos maléficos dessas dificuldades em nossa vida, em nossas atividades pastorais! Para servir ao Pai em sua Obra é necessário fazer tudo em nome de Jesus, como se fosse Ele mesmo que estivesse fazendo. É que somos seus comissionados. Ele nos constituiu como seus procuradores. Como alguém poderia ser um bom procurador sem seguir fielmente as orientações de quem o envia?

Estas dificuldades foram vencidas pelos Apóstolos mediante os contatos que tiveram com Jesus Ressuscitado. Pedro e seus companheiros os tiveram fisicamente. Paulo, misticamente, no caminho de Damasco.

45 Cf. Catec. 66 e 67

Assim, experimentando a realidade da existência de Deus, tiveram forças para se deixarem conduzir pelo Espírito Santo. O resultado desta dinâmica pode ser constatado no Livro dos Atos dos Apóstolos com muita clareza, como naquele dia em que Pedro orava, enquanto esperava que lhe preparassem uma refeição, quando Senhor abriu o seu entendimento com uma visão, revelando-lhe que o Evangelho não era só para os judeus, como ele acreditava e estava praticando.46 Também em outras passagens de Atos encontramos Jesus intervindo na missão dos Apóstolos, como é o caso de Paulo em uma de suas missões, que com alguns companheiros protagonizaram um episódio narrado em Atos 16,1-10, como segue:

“Chegou a Derbe e depois a Listra. Havia ali um discípulo, chamado Timóteo, filho de uma judia cristã, mas de pai grego, que gozava de ótima reputação junto dos irmãos de Listra e de Icônio. Paulo quis que ele fosse em sua companhia. Ao tomá-lo consigo, circuncidou-o, por causa dos judeus daqueles lugares, pois todos sabiam que o seu pai era grego. Nas cidades pelas quais passavam, ensinavam que observassem as decisões que haviam sido tomadas pelos apóstolos e anciãos em Jerusalém. Assim as igrejas eram confirmadas na fé, e cresciam em número dia a dia. Atravessando em seguida a Frígia e a província da Galácia, foram impedidos pelo Espírito Santo de anunciar a palavra de Deus na (província da) Ásia. Ao chegarem aos confins da Mísia, tencionavam seguir para a Bitínia, mas o Espírito de Jesus não o permitiu. Depois de haverem atravessado rapidamente a Mísia, desceram a Trôade. De noite, Paulo teve uma visão: um

46 Cf. At 10, 1-46; 15,7-11

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macedônio, em pé, diante dele, lhe rogava: Passa à Macedônia, e vem em nosso auxílio! Assim que teve essa visão, procuramos partir para a Macedônia, certos de que Deus nos chamava a pregar-lhes o Evangelho”.

O Senhor deseja nos orientar e o faz realmente. Quando acatamos suas decisões ”procuramos partir

certos de que Deus nos chama a pregar o

Evangelho”. E quando estamos com Ele nosso trabalho é

confirmado por seus sinais,47 da mesma forma que um outorgante ratifica os atos do seu procurador. Este é o grande segredo do êxito dos Apóstolos. No exemplo acima os evangelizadores, obedecendo ao Espírito Santo, chegaram a Filipos. Lá conheceram Lídia e sua família. Lá fundaram uma comunidade que muito agradou ao Senhor.

É exatamente neste contexto de acolhimento das boas ações de Deus revelada ao homem que enquadramos a Ofensiva Nacional e também a própria Renovação. E é nesta perspectiva que estudaremos a nossa espiritualidade e que agora analisaremos a Ofensiva, pois ela é uma dessas boas ações que Deus nos preparou.

1. CONCEITO DE OFENSIVA

NACIONAL

a) Ofensiva

Esta Ofensiva lembra um fato ocorrido em nosso País na década de um mil e novecentos e sessenta. Naquela época houve um terrível surto de varíola. Inúmeras crianças e adultos eram contaminados. Sofriam horrivelmente. A técnica médica ainda era precária. Os doentes podiam sofrer seqüelas permanentes, inclusive a cegueira.

Naquele tempo o governo desenvolveu uma ação organizada para debelar a terrível peste. Colocou à disposição de todos a vacina, os veículos de transportes, muitos médicos e técnicos de saúde, os recursos financeiros, a máquina administrativa; chamou a si o rádio, o jornal, a televisão, as revistas. Com isso mobilizou toda a Nação com um só objetivo: vencer a varíola. E venceu. Graças a Deus.

Na época se viam os carros do governo nas ruas, nas praças; nas portas das Igrejas, das escolas, dos cinemas. Também havia os cartazes, os panfletos, os alto-falantes; os avisos dos padres, das professoras, das catequistas, os comentários dos vizinhos. As cidades viviam impressionadas pela campanha. Logo os colonos também foram envolvidos por ela. Pelas estatísticas da época quase todos, se não todos, foram vacinados.

Outro fato que nossa Ofensiva recorda se relaciona com os fazendeiros de Goiás, aqueles

47 Cf. Mc 16,20

cujas fazendas eram dotadas de terras que produziam sem adubo. Na época nem se ouvia falar em adubos químicos. Eram terras realmente férteis, próprias para culturas de milho, arroz e feijão, que exigem do solo umidade e temperaturas próprias de climas tropicais.

Os maiores fazendeiros plantavam muitos alqueires de arroz. Como sua plantação dependia da chuva, era necessário plantar tudo de uma vez, na melhor temporada da chuva. Com isso a lavoura amadurecia também de uma vez. O arroz, quando maduro, se não for colhido no tempo certo perde a sua boa qualidade, pois fica quebradiço; “vira quirera”, no dizer do sertanejo. Chuva sobre ele? Nem pensar. Um simples chuvisco ou um sereno mais forte são suficientes para pô-lo a perder.

Na época da colheita do arroz todos os recursos financeiros, humanos e tecnológicos – havia tecnologia rudimentar: cutelo, banca, veículos de tração animal – eram mobilizados para a messe. Quando os recursos próprios eram insuficientes, buscava-se reforço nos arredores.

Nos exemplos acima vimos primeiramente nossa Nação, depois uma diminuta parte dela, se mobilizando e organizando suas forças para realizar uma tarefa.

Estes exemplos servem para alargar o conceito de ofensiva, que é um termo emprestado da doutrina militar. Na caserna ele significa a ação dos exércitos na qual todas as suas forças agem coordenadamente, cumprindo cada qual sua missão particular, porém todas sob comando único, com vista a obter a vitória.

Nosso inimigo é pior do que aqueles que os exércitos das nações enfrentam. Aliás, nenhuma nação tem inimigos humanos verdadeiros. Seus verdadeiros inimigos são o egoísmo e a intolerância, que as fazem destruir impiedosamente milhões de filhos de Deus. Nosso inimigo é o ateísmo que impede a geração de filhos de Deus48 e ainda gera filhos para o mundo. Se entendêssemos realmente o que isso significa49 sentiríamos cada fibra do nosso ser se abalar.

Em face de nossa inércia ante tal inimigo, é compreensível que os filhos do mundo tenham sido mais prudentes do que os filhos da Luz 50 nas batalhas infindas ao longo dos séculos.

Para vencer este inimigo, que habilmente esconde seu rosto entre os milhões de anônimos espalhados por este mundo, podendo não estar em nenhum lugar, mas também podendo ser onipresente, ocupando casebres e palácios, dirigindo cozinhas ou grandes empresas, alfabetizando ou promulgando leis, falando por um

48 Cf. Jo 1,1249 Cf. Jo 14,3050 Cf. Lc 16,8

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simples telefone ou sendo a voz da imagem televisiva, devemos nos organizar. Não poderemos vencer esta verdadeira guerra sem um bom planejamento, acompanhado por uma boa execução.

Ao lançar os olhos para a Ofensiva Nacional da Renovação, nosso coração se enche de esperança. Mas precisamos estar atentos, pois ofensiva exige planejamento meticuloso, no qual se analisa a situação do próprio exército, considerando as armas disponíveis, o treinamento dos soldados, as informações, as comunicações, os apoios internos e externos, o terreno onde se desenvolverá a ação, a visibilidade, o clima. Analisa-se também o antagonista com os mesmos critérios.

A sua execução deverá ser perfeitamente coordenada, sob pena de derrota. A história universal narra a derrota de um hábil marechal francês, chamado Napoleão Bonaparte. Ele estava prestes a conquistar a Europa e realizar o sonho de ter para si um império semelhante aos mais famosos da humanidade. Planejou suas ações como sempre. Ansiava pelo início da batalha. Cairia sobre Waterloo como matilha de lobos sobre coelhos.

Sua estratégia era combater o inimigo por um flanco, empregando uma parte do seu exército, que seria comandada por ele em pessoa. Quando o exército adversário estivesse envolvido com ele o restante de suas forças atacaria por outro flanco. Assim o inimigo seria colhido entre dois fogos e fatalmente derrotado. Antes de partir Napoleão ordenou a um general, um dos seus melhores, que aguardasse ordens para o ataque.

Tudo ia bem para Napoleão. O que fora planejado estava se cumprindo. No momento certo enviou ordens de avançar àquele general que o apoiaria. Mas o mensageiro jamais chegou ao seu destino. Enquanto Napoleão sustentava o seu ataque e esperava o apoio planejado, o inesperado aconteceu, outro exército o atacou pela retaguarda. Ele ficou encurralado entre dois exércitos inimigos. O velho ditado “o feitiço virou contra o feiticeiro” recaiu sobre ele.

Entrementes, seu general, sem nada saber, com o seu exército pronto e em ordem de marcha, aguardava as ordens para avançar. Ordens que jamais chegaram. De onde estava ouvia os ruídos da batalha, mas não podia fazer nada, pois não via e nem sabia o que estava acontecendo. Por falta de coordenação Napoleão foi humilhado.

Não gostaríamos de trilhar os caminhos de Napoleão. Mas ele pelos menos sofreu somente uma derrota temporária. Não discutiremos aqui os deméritos de suas guerras, nem as de outros tantos marechais que já existiram e que ainda,

infelizmente, existirão.51 Mas não podemos nos dar ao luxo de perder e perder; perder e perder. De nossa vitória depende a felicidade do mundo. De nosso êxito depende a instauração do Reino de justiça. Em cada pessoa incrédula que existe neste mundo podemos ver estampada nossa waterloo.

Com todas estas considerações, cremos que já está bem caracterizado que uma ofensiva, para ser realmente o que se propõe a ser, isto é, uma ofensiva, deve ser uma ação planejada e executada coordenadamente com vistas a conquistar um objetivo, no nosso caso “a salvação de todos os

homens e do homem todo”.52

b) Ofensiva nacional da Renovação

A lavoura de arroz pronta para ser colhida é a messe do agricultor. Se não for colhida oportunamente a safra se perde; quando muito será comida pelos animais selvagens, que não precisam dela. As pessoas sedentas de Deus e ávidas por salvação são a messe do Senhor; caso não sejam hoje evangelizadas, o mundo as destruirá, no mínimo as tomará para si e muitas, se não todas, se perderão.

Lembrando que existe uma messe a ser colhida,53 sintetizamos o conceito de Ofensiva Nacional como sendo um plano de ação no mínimo inspirado por Deus, no qual todas as suas expressões deverão agir em conjunto, como um corpo orgânico, onde cada uma, cumprindo seu mister particular, concorrerá para o bom êxito da missão geral que Jesus reservou à Renovação, como expressão da Igreja.

2. OFENSIVA: PLANO DE DEUS PARA A RENOVAÇÃO CARISMÁTICA

A fim de que nossos esforços evangelísticos não descambem para ações estéreis, para fadigas inúteis, Deus nos socorre revelando-nos o que

51 Abrindo um parêntesis, como poderíamos acabar com as guerras? Com uma evangelização eficaz. Mas até que a evangelização surta efeito, o que fazer? Duas coisas, talvez: Primeira: impedir que os adolescentes cresçam, pois enquanto houver jovens que aceitem morrer pelos velhos – que são os que realmente provocam as guerras (velhos não somente em idade) – haverá guerra. Segunda: enviar para os campos de batalhas, de fuzis em punho, os generais, sem seus soldados; ou os reis e presidentes, com seus parlamentos, mas sem seus embaixadores. Que tal? Achou muito radical a sugestão? Pode ser. Mas ajuda a pensar.52 FLORES, José H. Prado. Formação de Discípulos, p. 953 Cf. Mt 9,37

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fazer.54 Com essa idéia inicial desejamos inserir nossa Ofensiva Nacional no contexto da revelação privada. É evidente que este espaço não é apropriado para estudarmos as implicações teológicas da revelação privada, mas para melhor entendimento faremos algumas considerações.

Para entendê-la devemos partir da fé. Da fé na existência de Deus, da confiança no seu amor. A Sagrada Escritura nos dá certeza de que Ele sempre revela seu plano aos seus enviados. Foi assim com Moisés, com Elias e todos os profetas; foi assim com os Apóstolos e com certeza deverá ser sempre assim, porque Jesus está vivo; ressuscitou e permanece o mesmo para toda a eternidade.55 Se nos tempos apostólicos Ele esteve presente na Igreja em sua humanidade e por seu Espírito, se naqueles tempos Ele a assistiu e a dirigiu,56 haverá de estar desejoso de fazer o mesmo hoje, pois nossa santidade e sabedoria não chegaram ao ponto de superar as daqueles que conviveram com o Ressuscitado, nem serão suficientes para nos fazer prescindir de sua assistência. Ao inverso, necessitamos dela tanto ou mais que antes, e não só intelectual, mas também visivelmente, com sinais.

Outra consideração que devemos fazer é sobre o ensinamento da Igreja. Quando lançamos nosso olhar sobre a Igreja, vemos que ela, Mãe e Mestra, não deseja nos desanimar quando vigia o depósito da fé. Muito pelo contrário, sua intenção é nos encorajar para prosseguirmos num proveitoso relacionamento com nosso Deus.

Em matéria de Revelação, a Dei Verbum ensinou normativamente que a Revelação de Deus se consumou com Jesus Cristo e “não há que esperar nenhuma nova revelação pública antes da gloriosa manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo” (DV, 4).

Naturalmente que esta regra da Constituição Dogmática Dei Verbum diz respeito à Revelação Pública, pois para a revelação privada a Igreja destinou os seguintes parágrafos do nosso Catecismo:

66. “(...) Todavia, embora a Revelação esteja terminada, não está explicitada por completo; caberá à fé cristã captar gradualmente todo seu alcance ao longo dos séculos.

67. No decurso dos séculos houve revelações denominadas ‘privadas’, e algumas delas têm sido reconhecidas pela autoridade da Igreja. Elas não pertencem, contudo, ao depósito da fé. A função delas não é ‘melhorar’ ou

54 Cf. At 16,6-1055 Cf. Jo 5,17; 1ª Cor 15,3-8; Heb 13,8

‘completar’ a Revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a viver dela com mais plenitude em uma determinada época da história. Guiado pelo Magistério da Igreja, o senso dos fiéis sabe discernir e acolher o que nessas revelações constitui um apelo autêntico de Cristo ou dos seus santos à Igreja.

A fé cristã não pode aceitar ‘revelações’ que pretendam ultrapassar ou corrigir a Revelação da qual Cristo é a perfeição. Este é o caso de certas religiões não-cristãs e também de certas seitas recentes que se fundamentam em tais ‘revelações’”.

Ad. Tanquerey ensina que a “Revelação divina em geral é a manifestação sobrenatural, feita por Deus, duma verdade oculta. Quando esta manifestação se faz para bem de toda a Igreja, é uma revelação pública; quando se faz para utilidade particular dos que por ela são favorecidos, chama-se revelação privada.57

Naturalmente que lecionando Teologia Ascética e Mística, Tanquerey circunscreveu o conceito de revelação privada aos limites do seu trabalho, mas mesmo assim seus princípios fundamentais foram expressos, e servem para identificar uma revelação privada em qualquer circunstância. São eles: a revelação é feita por Deus, ela manifesta algo oculto e sua utilidade é restrita aos que a recebem.58

Os três princípios acima estão presentes no contexto do advento da Ofensiva Nacional. Isso vemos claramente na seqüência de fatos que antecederam o seu advento. Em uma reunião da antiga Comissão Nacional da Renovação, realizada no dia 05/8/92, o Senhor enviou a seguinte profecia:

“A Renovação é uma obra do Espírito Santo. E, quando Eu a realizo neste tempo é para voltar às origens. E uma das formas de voltar os homens às origens é a oração. Neste caso a origem é a oração de intercessão. A Renovação foi feita para a intercessão, para vocês clamarem pelos homens por meu coração. Neste momento renovo o meu pedido, não só para intercederem pelo País de vocês, como também pela Igreja. Intercedam muito pelos meus sacerdotes.

56 Cf. At 8, 26.29; 10, 9-20; 15, 28; 16, 6-1057 TANQUEREY, Ad. Compêndio de Teologia Ascética e Mística), p. 937, § 1490. 58 Para aprofundar o significado da Revelação, sugerimos uma consulta rápida ao Vocabulário de Teologia Bíblica, Editora Vozes, Petrópolis-RJ: 1992 e ao Dicionário Enciclopédico da Bíblia. Editora Vozes, Petrópolis-RJ: 1992.

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Muitos se deixam levar pelas coisas do mundo porque não oram. Façam um chamado para uma grande intercessão pela Igreja e pelo País. É um combate espiritual, e gravíssimo, de grande proporção. Intercedam. Intercedam. (Confirmação: Is 57,14-20).

“Eis o que declara o Senhor dos exércitos: considerai o que fazeis! Semeais muito e recolheis pouco; comeis e não vos saciais; bebeis e não chegais a apagar a vossa sede; vestis, mas não vos aqueceis; e o operário guarda o seu salário em saco roto! Assim fala o Senhor dos exércitos: refleti no que fazeis! Subi a montanha, trazei madeira e reconstruí a minha casa; ela me será agradável e nela serei glorificado, - oráculo do Senhor” (Ag

1,4b-8).

Discernimento: Deus tem um plano para este momento. Ele é uma graça e não podemos deixar de participar dela. Devemos buscar a unidade nacional através da formação.

Meios de realizar a formação e a unidade nacional: jornal de âmbito nacional, rede de intercessão, cartas carismáticas, eventos: congressos, grupos de trabalho-nacionais e regionais, grupo teológico.

Conforme notícia divulgada no periódico JESUS É O SENHOR, na época jornal oficial da Comissão Nacional da Renovação Carismática Católica, “Nº 04 Jul/Ago/93,” publicou-se que em uma reunião do Conselho Nacional da Renovação, realizada no dia 17/9/1992, quando os planos para os próximos cinco anos estavam elaborados, o Senhor manifestou-se por meio de profecias, visualização e confirmação bíblica, consoante apresentado abaixo:

Profecias:

“Meus planos são superiores aos vossos. Rendei-vos a mim. Tendes segurado as coisas. Não vos quero humilhar, porém toda a vossa inteligência é mínima diante do meu plano. Despojai-vos diante de mim.

Tudo que conquistastes e guardastes junto a vós é nada em comparação com o enorme plano que tenho a fazer.

Estais atrapalhando o meu plano. Despojai-vos para que meu plano possa se realizar”

“Quero tirar dos vossos olhos os limites dos planos pessoais, quero tirar-lhes a miopia. Disse-vos que faríeis coisas maiores. É verdade! Mas sob a condição de que façais segundo a vontade do Pai.

Sois servos e não senhores; sois trabalhadores... sois trabalhadores e não proprietários. Submetei-vos àquele que vos criou.”

Visualização:

“Conjunto de máquinas, cheias de engrenagens, grandes e pequenas, trabalham bem, sem parar, mas estão desconectadas entre si. Trabalham soltas, isoladas.”

Confirmação: Eclo 29, 13-14:“Perde o teu dinheiro em favor de teu irmão

e de teu amigo; não o escondas debaixo de uma pedra para ficar perdido. Gasta o teu tesouro segundo o preceito do Altíssimo, e isso te aproveitará mais do que o ouro.”

Interpretação das profecias e das visualizações acima: “Temos sido grupos isolados, com atuação independente.”

Discernimento: “A unidade pretendida é a unidade dentro de toda a diversidade de expressões e carismas que caracterizam e enriquecem a própria Renovação Carismática.”

Ação: “O Conselho Nacional traçou metas a serem atingidas através de um planejamento estratégico cujo nome é: OFENSIVA NACIONAL.”

Desta hora em diante o Conselho abandonou aquele planejamento que já estava pronto e retomou as orações de escuta a Deus para elaborar novo plano, que só foi apresentado detalhadamente meses após.

É que aquelas profecias, acompanhadas pela visualização e o trecho do livro do Eclesiástico, levaram o Conselho a discernir que o Senhor deseja que a RCC, em suas várias expressões (pregação, música, obras sociais, ação política) trabalhe organizadamente, rumo a um mesmo objetivo: EVANGELIZAR COM RENOVADO ARDOR MISSIONÁRIO, A PARTIR DO BATISMO NO ESPÍRITO SANTO.

Portanto, após meses de orações, escuta e planejamento, a Renovação pôde afirmar, com fundamento nas revelações proféticas classificadas pela Igreja como revelações privadas, que “pareceu bem ao

Espírito Santo e a nós” (At 15,28) elaborar e instituir um plano de ação no qual todas as expressões da Renovação Carismática, alicerçadas sobre os princípios da unidade, identidade e missão, trabalharão em conjunto, realizando cada uma seu mister particular para propiciar à Renovação, como expressão da Igreja, cumprimento integral do mandato de Jesus Cristo: “Ide por todo mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16, 15).

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3. PRINCÍPIOS DA OFENSIVA NACIONAL

São três os princípios da Ofensiva: unidade, identidade e missão.

a) Unidade

O princípio da unidade é fundamental. Dele jamais poderemos desistir. A ele nunca poderemos renunciar. A unidade deve ser buscada até a última gota de suor, até o último suspiro. A Bíblia contém muitas passagens fortes sobre ela, como as seguintes:

“Tenho ainda outras ovelhas que não são deste aprisco. Preciso conduzi-las também, e ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor. Para que todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 10,16; 17,21).

“Todos os fiéis viviam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e os seus bens, e dividiam-nos por todos, segundo a necessidade de cada um. Unidos de coração freqüentavam todos os dias o templo. Partiam o pão nas casas e tomavam a comida com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e cativando a simpatia de todo o povo. E o Senhor cada dia lhes ajuntava outros que estavam a caminho da salvação. A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém dizia que eram suas as coisas que possuía, mas tudo entre eles era comum” (At 2,44-47; 4,32).

Nos tempos atuais fala-se tanto em unidade que parece desnecessário acrescentar qualquer outra análise. Que ela é fundamental, todos sabem. Que sem ela qualquer organismo comete suicídio, é também do conhecimento de todos, ou deveria ser. Que ela é necessária para que “o mundo creia”, Jesus já o disse. Que falta então? Você deve estar dizendo: “vivê-la”. E tem razão. É isto mesmo. Só nos falta aperfeiçoar a vivência deste princípio, que é na verdade um mandamento de Jesus.

Esta reflexão parte do princípio que você deseja viver a unidade. Você crê que seus amigos também querem. No final de toda análise se concluirá que todos os cristãos desejam ser “um”. Ora, se todos anelam a unidade, por que não a conseguimos com perfeição? Seria por falta de perdão ou por egoísmo? Seria por orgulho, soberba, vaidade ou por machismo? Quem sabe seria por não renunciarmos aos interesses pessoais? Isso nos leva ao outro capítulo destes estudos: seria por falta do amor generoso, o ágape? Poderia ser também por não entender, em termos práticos, o que vem a ser unidade?

Unidade, na prática, é todos terem “um só

coração e uma só alma.” Significa todos terem o mesmo desejo de se inserirem na comunidade que se reúne em torno de Jesus. Esta comunidade, naturalmente, visa a cumprir a missão proposta por Jesus Ressuscitado. Para cumprir a missão organiza-se planejando. Nos planos escolhem-se objetivos, definem-se metas, distribuem-se tarefas, traçam-se estratégias, metodologias, prioridades. Tudo isso considerando as pessoas e contando com elas. Toda esta organização parece engolir a unidade. Onde está a unidade? A unidade deve estar onde sempre esteve, no coração de cada irmão que abraça, com a comunidade, a execução das tarefas planejadas para cumprir o mandato missionário de Jesus, materializado pelo Evangelista, quando recorda: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15).

Realizar as tarefas que visam ao cumprimento da missão é importantíssimo para construir a unidade. Cada tarefa que se cumpre é um tijolo que se assenta no edifício da unidade. Mas este tijolo necessita de cimento para não cair. O cimento do edifício da unidade é o ágape, aquele amor generoso, infinito. Miremos Jesus na cruz para abrirmos o coração a este ágape. Acolhamos do Espírito Santo o dom da caridade, príncipe dos carismas. Somente com ele poderemos cimentar nossa unidade, que é outro carisma mais que precioso.

Ressalte-se, para concluir este tópico, que nossa vitória depende do bom êxito de nossa ofensiva e esta depende do bom funcionamento de várias engrenagens, que são as diversas expressões da Renovação. Estas expressões – música, pregação, intercessão, etc. – como engrenagens, são compostas por pessoas dotadas de sentimento, razão, emoção, liberdade, virtudes, pecados, marcas psicológicas. Cada pessoa que se insere nesta obra não vem para ser a ofensiva, nem para ser a engrenagem da ofensiva, mas para se tornar um dente de alguma engrenagem. Dente importantíssimo, porém dente. Tudo isso eleva às nuvens a necessidade da unidade, e aos céus a urgência do amor.

b) Identidade

Outro princípio muito importante para a Ofensiva é o da identidade. Ele, para a Renovação, é fundamental. Como se sabe, a identidade integra a personalidade dos seres vivos e dos entes sociais. Quem perde a identidade se despersonaliza, se aliena. Se alguns de seus elementos básicos forem destruídos, quem os perde passa a não existir.

A identidade da Ofensiva Nacional é a identidade da Renovação, cujos elementos básicos, conforme vistos antes, são: Batismos no Espírito Santo, prática dos Carismas e formas de vida comunitária que têm nascido espontaneamente.

Cabe ao plano geral de ação, denominado Ofensiva Nacional, esclarecer nossa identidade, haurindo da Igreja seus elementos, principalmente os fundamentais, de forma que sejamos inseridos com mais vigor e

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segurança no contexto eclesial, sem nos despersonalizarmos como movimento leigo e autenticamente católico.

c) Missão

O mandato missionário de Jesus é trazido pelos quatro Evangelhos, e expresso em Marcos e Mateus nas passagens de 16,15 e 28,19-20, respectivamente. Quem até hoje não se sente tocado por essas palavras do Senhor:

“Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo”.

Essas palavras de Jesus ressoam na Igreja desde a primeira sílaba pronunciada pelo primeiro Papa. Perpassou o coração de cada missionário de todos os tempos para atingir em cheio as pessoas da atualidade. Vemos as palavras do Divino Mestre ecoar em cada recanto dos templos, em cada oração e cântico litúrgico, em cada comunidade cristã que se funda, em cada pessoa que lhe serve, em cada livro espiritual que se lê. Às vezes suas palavras são vozes de mil trovões que nos vêm nas pessoas dos famintos e injustiçados que arcam sob o peso de uma nação mal evangelizada. Esta voz misteriosa também ressoa na autoridade de uma exortação apostólica como a Christifideles Laici; nas lágrimas de Cristo escondidas nas entrelinhas da Encíclica Redemptoris

Missio, que vem nos dizer que a missão está apenas começando,59 e isso após dois milênios de evangelização.

A clareza da missão é cristalina, pois está explícita em todos os Evangelhos e nas Cartas dos Apóstolos. Entretanto o seu exercício tem se revelado complexo e variado conforme o pluralismo oriundo das várias experiências e situações das comunidades, bem como devido ao dinamismo do Espírito Santo.60 Por isso faz-se oportuno relembrar que a missão da Renovação é a mesma da Igreja. E não poderia ser diferente, posto que ela é simplesmente uma expressão da Igreja. A missão da Igreja se resume em cumprir o mandato missionário de Jesus, pois “é na evangelização que se concentra e se desenrola toda a missão da Igreja, cujo percurso histórico se faz sob a graça e ordem de Jesus Cristo: ‘Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura... Eis que estou convosco todos os dias até o fim do mundo’ (Mc 16,15; Mt 28,20). ‘Evangelizar – escreve Paulo VI – é a graça e a vocação própria da Igreja, a sua identidade mais profunda’ (sic.) (Christifideles

Laic, 33).”

59 Cf. Redemptoris Missio, 1 60 Cf. Redemptoris Missio, 23

A importância da missão se eleva quando a analisamos sob o princípio da unidade. Vemos isso nas seguintes palavras de Jesus:

“Quem não está comigo está contra mim; e quem não ajunta comigo, espalha” (Mt 12,30).

“João disse-lhe: Mestre, vimos alguém, que não nos segue, expulsar demônios em teu nome, e lho proibimos. Jesus, porém, disse-lhe: Não lho proibais, porque não há ninguém que faça um prodígio em meu nome e em seguida possa falar mal de mim. Pois quem não é contra nós, é a nosso favor” (Mc 9,38-40).

Nestas passagens é o próprio Jesus quem coloca a missão no centro da unidade. Quem realiza a missão dEle se coloca a seu favor, a seu lado, unido a Ele.

Executando a missão da Igreja, a Renovação, além de se colocar em plena comunhão com ela, identifica-se nela e com ela, bem como com o seu fundador, Jesus Cristo.

Por evangelização entendem-se as funções proclamativa e catequética. Proclama-se a novidade da ressurreição, que confirma tudo o mais que se encontra na Sagrada Escritura. Prega-se a Boa Nova de forma metódica e ungida61 para facilitar o entendimento, pois “quando um homem ouve a palavra do Reino e não a entende, o Maligno vem e arranca o que foi semeado no seu coração” (Mt 13,19). Catequiza-se ensinando

sistematicamente a doutrina do Ressuscitado62 para formar a Igreja, Corpo de Cristo.

A evangelização exige um plano prático e fácil de ser entendido para ser executado. O plano de Jesus era simples: Ele “percorria toda a Galiléia, ensinando nas suas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino, curando todas as doenças e enfermidades entre o povo” (Mt 4,23).

O plano missionário de Jesus pode ser resumido em quatro verbos: percorrer, proclamar, ensinar e curar. É realmente simples e fácil de ser executado. A Igreja primitiva o entendeu e executou. Se nós fizéssemos o mesmo, qual seria o resultado para a Igreja e para Cristo?

Para finalizar este tópico, gostaríamos de lembrar alguns efeitos sobre quem lê os Evangelhos e no final ressaltar a importância da nossa missão.

Quando se lê o Evangelho pode-se ser tocado por muitas coisas, mas, dentre estas, três impressionam profundamente: uma é a passagem: “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus, e tudo o mais vos será dado por acréscimo” (Mt 6,33); outra, é a crueldade da paixão e morte de Jesus seguida por sua ressurreição, e a terceira é o mandato missionário. Certamente milhões de pessoas sentem-se impelidas a narrar aos quatro ventos o que se lê nos Evangelhos. E dessas, milhares não sossegam mais.

61 Cf. 1ª Jo 2,27 62 Cf. At 2,42

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Seus corações se tornam fogo ardente. É assim que o Senhor mantém sua missão entre os homens. E é por isso que compreendemos quanto ela lhe é cara e preciosa.

4. OBJETIVO DA OFENSIVA NACIONAL

A Ofensiva Nacional visa a colocar a Renovação em marcha, na unidade, coesamente, reunindo todas as suas expressões, revitalizando aquilo que é sua identidade: a vivência da graça do Batismo no Espírito Santo, para colaborar eficazmente na missão que Jesus deu à Igreja: anunciar o Evangelho63 e fazer discípulos64, isto é, evangelizar e formar.

Conseguindo alcançar seu objetivo, a Renovação, com certeza, atingirá também o objetivo da Igreja no Brasil, que é

“Evangelizar com renovado ardor missionário, testemunhando Jesus Cristo, em comunhão fraterna, à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, para formar o Povo de Deus e participar da construção de uma sociedade justa e solidária, a serviço da vida e da esperança nas diferentes culturas, a caminho do Reino definitivo”.

65

5. CONCLUSÃO

Para entender e acolher a Ofensiva Nacional da Renovação como sendo um dom de Deus, a enquadramos no conjunto das revelações privadas com base na Sagrada Escritura e no Catecismo da Igreja Católica. Assim percebemos que ela foi uma revelação divina trazida por meio de dons proféticos.

Analisando o caminhar do povo de Deus descobre-se que a revelação privada também tem sido muito importante para o entendimento, o acolhimento e a execução do Plano de Salvação. A história sagrada, desde Abraão até nossos dias, é marcada também por revelações privadas. Para recebê-las coloquemo-nos à disposição de Deus.

Como vimos neste tema, Deus mais uma vez nos revelou seus desejos. Estes desejos foram organizados em um plano denominado “Ofensiva Nacional”, cuja execução será no âmbito da Renovação Carismática Católica, como expressão da Igreja, e seguirá os princípios da unidade, identidade e missão.

Impulsionados pelo Espírito Santo, comprometamo-nos com o projeto que Deus nos revelou, organizados em forma de uma grande ofensiva evangelizadora.

63 Cf. Mc 16, 1564 Cf. Mt 28,1965 Documento da CNBB, 61 – Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil.

Peçamos a Jesus a graça de entender o objetivo da Ofensiva Nacional e a capacidade de atingi-lo dentro dos princípios da unidade, identidade e missão.

Amém. Deus os abençoe. “Intensificai as vossas invocações e súplicas. Orai também por mim.” (Ef 6,18-19).

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RESUMO

A OFENSIVA NACIONAL é um plano de ação revelado por Deus, no qual todas as expressões da RCC (pregação, música, obras sociais, ação política) deverão agir em conjunto, como um corpo orgânico, onde cada uma, cumprindo sua missão particular, concorrerá para o bom êxito da missão geral que Jesus reservou à RCC, como expressão da Igreja.

Deus sempre revela seus planos aos seus enviados. Isto acontece desde o tempo dos Apóstolos66 e tem se repetido ao longo dos séculos. Foi assim com os santos, como São Domingos e São Francisco, por exemplo.

A Ofensiva Nacional, pelo que analisamos, se insere no contexto da revelação privada.

Ao lançar os olhos sobre a ação de Deus na gênese da Ofensiva Nacional, podemos dizer que “Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós” elaborar e instituir um plano de ação no qual todas as expressões da RCC, fundamentadas sobre os princípios da unidade, identidade e missão, agirão em conjunto; onde cada uma, cumprindo sua missão particular, propiciará à RCC, como expressão da Igreja, cumprir o mandato de Jesus Cristo: “Ide por todo mundo e pregai o Evangelho a toda

criatura.” (Mc 16,15).

A Ofensiva tem na Unidade seu princípio fundamental. A essência da Identidade da Renovação é o Batismo no Espírito Santo e seus elementos básicos são o próprio Batismo no Espírito Santo, a prática dos carismas e a vivência comunitária nos grupos de oração, nas comunidades de aliança e de vida. A Ofensiva foi concebida para realizar eficazmente a missão que Jesus confiou à Igreja. Parte desta missão só será realizada se for assumida por nós, leigos. Por isso não nos é lícito ficar inativos, no dizer da Christifideles Laici, 3.

Por fim, digamos que o objetivo da Ofensiva Nacional é colocar a Renovação em marcha, na unidade, coesamente, reunindo todas as suas expressões, revitalizando aquilo que é sua identidade: a vivência da graça do Batismo no Espírito Santo, para colaborar eficazmente na missão que Jesus deu à Igreja: anunciar o Evangelho67 e fazer discípulos68, isto é, evangelizar e formar. Afinal, pela sua origem e pelo que se tem visto até o momento, podemos ousar dizer que ela é uma das “... boas ações que Deus de antemão preparou para que nós as praticássemos.” (Ef 2,10).

66 Cf. At 16, 6-1067 Cf. Mc 16,1568 Cf. Mt 28,19

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CAPÍTULO TERCEIRO

A ESPIRITUALIDADE DA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA

Deus nos alerta pela profecia de Oséias69de que o Povo dEle se perde por falta de conhecimento. Durante estes anos de existência da Renovação Carismática Católica, inúmeros questionamentos foram gerados nos corações de muitos que dela experimentaram ou que simplesmente dela ouviram falar. Tais questionamentos relacionam-se, em grande parte, com sua espiritualidade. Como fenômeno espiritual, nossa espiritualidade, embora esteja ligada diretamente à mais profunda raiz da Igreja, é muito pouco conhecida. Este desconhecimento ensejou inúmeras ponderações, explicações e respostas, não raro absurdas, mormente quando produzidas por pessoas que, não obstante serem conduzidas por boa fé e retas intenções, são influenciadas por preconceitos ou por falta de “conceitos”. O resultado dessa ordem de coisas foi o surgimento de dúvidas em muitos irmãos. As dúvidas criam inseguranças. Cristão inseguro não assume a sua fé, e se perde.

Por outro lado, aqueles que conhecem bem nossa espiritualidade, que têm certeza de que estamos na direção assinalada por nosso Deus, assumem sua missão com ardor e fervor. Dão frutos cem por um, além de gozarem da paz que Jesus dá aos seus.

As considerações acima servem para iluminar a importância ímpar deste tema, assim como de todo o módulo básico cujo estudo estamos empreendendo.

Entendemos a perplexidade de muitos. É que normalmente as coisas novas assustam. No mínimo nos colocam em sobressalto. Este é o caso da espiritualidade da Renovação Carismática Católica. Ela é tão antiga, a ponto de remontar ao antigo profetismo de Israel, e ao mesmo tempo tão jovem para nós, tanto que é chamada de Renovação. Dela falta muito a conhecer, porém mais falta a vivenciar. E para vivenciá-la, uma boa ajuda é conhecê-la.

No início de nossa caminhada com a Renovação, em muitas oportunidades somos surpreendidos com indagações como esta: quem está certo a respeito da Renovação Carismática? Os seus formadores e coordenadores, ou os que a criticam? A Renovação é de Deus ou não? Se é, por que tantos versados em Teologia não a aceitam? Será por que não a conhecem? Ou por que ela está errada? Posso ser carismático? É certo ser carismático? Estarei errado em ser carismático?

Nessa caminhada somos levados a incansável busca de saber quem é quem e qual a verdade a respeito da espiritualidade da Renovação. Este conhecimento é muito útil, pois a partir dele saberemos o que realizar.

69 Cf. Os 4,6 1ª Tm 4,14 Cf. Mt 13,8 e Jo 20,21

Poderemos também evitar o que não nos convém fazer. Conhecendo a Renovação, sabendo que está no rumo certo, abriremos o coração para receber do Espírito Santo mais segurança para exercitar nossa espiritualidade com fé madura e entusiasmo. Isso propiciará um reavivamento constante em nossos carismas, como deseja nosso Senhor.70

É oportuno ressaltar o que o Senhor nos diz por meio do nosso primeiro papa, a respeito de nossa fé. Leiamos diretamente na Palavra Sagrada:

“Antes, santificai a Cristo, o Senhor, em vossos corações, estando sempre prontos a dar razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la pede; fazei-o, porém, com mansidão e respeito, conservando a vossa boa consciência, para que, se em alguma coisa sois difamados, sejam confundidos aqueles que ultrajam o vosso bom comportamento em Cristo” (I Pedro 3,15-16).

Quando estamos errados, sermos corrigidos é uma grande bênção, pois a correção fraternal vem de Deus, uma vez que Ele corrige aqueles a quem ama.71 Quando estamos certos e somos perseguidos, o Espírito Santo rejubila conosco por sermos achados dignos de sofrer pelo nome do Senhor.72

Agora, irmãos, por outro lado, quando estamos em dúvida não sabemos o que fazer. A perplexidade nos domina. Estaremos sendo corrigidos ou perseguidos? Devemos nos emendar pelas correções ou rejubilar pelas perseguições? Poucas coisas imobilizam a alma humana com tanta crueza como a dúvida. A dúvida é ácido terrível a corromper o coração, é ladrão de entusiasmo, é carrasco do espírito. A dúvida é a mãe da mornidão condenada pelo Senhor em Apocalipse 3,14-18. Encaremos nossas dúvidas, mesmo que sejam a respeito das coisas que mais nos são caras, a fim de vencê-las e recebermos tudo o que Jesus planejou para nós.

Normalmente os movimentos eclesiais, as congregações e ordens religiosas possuem seu fundador. No dizer do Catecismo da Igreja Católica (nº 2.684), do carisma pessoal dessas testemunhas do amor de Deus nasceram diversas espiritualidades.

O certo é que, via de regra, os movimentos possuem a feição de quem lhes dá o impulso inicial, mesmo que se desenvolvam de forma diluída, como é o caso da Teologia da Libertação na América Latina, e têm

70 Cf. Jo 20,2171 Cf. Dt 8,5; Pr 3,12; 1ª Cor 11,32 72 Cf. Mt 5,10-12; Atos 5,40-41

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sua práxis condicionada pelo que de específico existe na espiritualidade dos seus fundadores. Isso acontece, por exemplo, com os focolarinos, os cursilhistas, os vicentinos. Em suma, todos trazem em si alguma marca de seus fundadores.

Em matéria de espiritualidade, quando se trata da Renovação, não encontramos o carisma de nenhuma pessoa humana que lhe tenha dado o impulso inicial. É que ela não foi fundada por homem e nem por mulher. Isto é o que se conclui com os relatos do seu início.73 De fato, ela não tem fundador secular. Por quê? É porque seu fundador é o Espírito Santo – ou seria presunção admitir que a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, nos dias de hoje, se revele com sinais a simples mortais? Na verdade, ela já existe desde os tempos apostólicos. Mais precisamente desde o Pentecostes de Pedro e seus companheiros. O que ocorre hoje, então? A conclusão é uma só: o que hoje foi denominado de Renovação, é simplesmente um redespertar do Fogo de Pentecostes, acompanhado dos carismas que sempre existiram na Igreja. Que benção!

Aliás, não é outra coisa o que a Igreja reconhece ao aprovar os Estatutos do Serviço Internacional da Renovação Carismática Católica – ICCRS, com sede no Vaticano, que diz no seu preâmbulo:

“A RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA é um movimento mundial, mas não uniforme, nem unificado. Não tem um fundador particular, nem um grupo de fundadores como muitos outros movimentos. Não tem listas de membros participantes” .

74

Esperamos que, guiado e iluminado pelo Espírito Santo, você esteja encontrando respostas para muitas indagações no decorrer destes estudos.

1. ESPIRITUALIDADE

Espiritualidade é uma daquelas palavras que muito usamos, mas pouco conhecemos. Ela nos desafia a partir de sua conceituação. Definir o seu alcance espiritual é como tentar interromper o curso de cachoeira com as mãos nuas. Mas podemos pelo menos ensaiar seu significado conceitual, dizendo que é uma forma particular ou comunitária de responder ao chamado de Deus, bem como de colaborar no Seu plano de salvação. Ou ainda, um modo específico de relacionar-se com Deus-Pai, Deus-Filho, Deus-Espírito Santo, com a Igreja, Corpo Místico de Cristo, em sua expressão terrena e celestial, e com as pessoas que ainda não participam da Igreja, a partir de uma experiência pessoal de salvação (experiência religiosa).

Este relacionamento implica necessariamente a fraternidade e o serviço em prol do bem comum, tendo

73 MANSFIELD, Patti Gallagher. Como um Novo Pentecostes. 1993.74 ALDAY, Salvador Carrillo. Op. cit..

em vista a Economia da Salvação, isto é, o Plano de Deus para salvação do homem todo e de todos os homens.75

Das idéias acima, podemos concluir que, de uma experiência com Deus, que Ele mesmo concede a alguém, como foi o caso do profeta Moisés, de são Paulo, de são Francisco de Assis, ou a uma comunidade, como aconteceu com os Apóstolos e os primeiros discípulos de Jesus, nasce uma espiritualidade, isto é, um modo próprio de atender ao chamado de Deus, tanto no relacionamento pessoal com Ele, quanto no campo missionário. É por isso que a espiritualidade se torna um facho luminoso a clarear a caminhada espiritual e temporal de quantos a acolham. É também força motivadora do ímpeto missionário dos que nela se congregam. É assim que as espiritualidades “são guias indispensáveis para os fiéis, refletindo, na sua rica diversidade, a pura e única Luz do Espírito Santo” (Catec., nº 2.684, in

fine). É por isso que vemos no interior de toda espiritualidade autêntica um interminável intercâmbio entre os filhos de Deus e Ele próprio, bem como entre os filhos, em face deles mesmos. A este fato costuma-se definir como sendo relacionamento vertical – do homem com Deus e de Deus com o homem – e horizontal – dos homens com os homens.

Outro fato digno de nota é que no cerne de toda espiritualidade genuinamente cristã está um autêntico jeito de ser Igreja.

2. ESPIRITUALIDADE DA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA

A partir de agora começaremos a nos conhecer um pouco mais. Antes lembremos que a identidade de uma pessoa física é feita de vários dados, tais como: sexo, idade, altura, filiação, nome, sobrenome, dentre outros. Todos são fatores importantes, entretanto, os mais relevantes são o nome e o sobrenome. Em certos tipos de identificação outros caracteres também são levados em consideração. Dentre eles podemos citar a cor dos cabelos e dos olhos, a personalidade, isto é, o jeito de ser.

Para conhecer a Renovação vamos emparelhá-la com as pessoas. Veremos que ela tem alma, nome e sobrenome. Tem até o seu jeito de ser, que vai sendo moldado pelos influxos das graças do Pai e do Filho, no e pelo Espírito Santo.

Neste tema vamos conhecê-la por sua espiritualidade, que é seu motor.76 Nos demais seremos convidados a nos familiarizar com outros atributos também importantes.

a) Conceito

A espiritualidade da Renovação Carismática Católica é Trinitária e nasce a partir de uma experiência

75 Cf. 1Cor 12,776 FLORES, José H. Prado. Op. cit., p. 156.

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pentecostal de quem participa da salvação do Pai, na pessoa do Seu Filho Unigênito, nosso Senhor Jesus Cristo, tendo como antecedente histórico o Pentecostes dos primeiros Apóstolos de Jesus Ressuscitado; reaviva os sacramentos, a começar pelo batismo, principalmente no sentido de morrer com Cristo e com Ele ressuscitar; fixa inteiramente os fiéis no projeto de instauração do Reino de Deus, como filhos Seus, sujeitos ativos da história da salvação, co-herdeiros de Cristo; gera também uma consciência viva do poder e da ação concreta do Espírito Santo na vida pessoal e na história da redenção do homem, acompanhada de docilidade às sua moções, inspirações e revelações, tendo a aceitação e a prática dos carismas como forte distintivo das outras espiritualidades.

b) Elementos do conceito

b.1) Espiritualidade Trinitária

Leciona a boa doutrina que uma espiritualidade para ser autêntica haverá de ser fundada na Santíssima Trindade. E a da Renovação Carismática Católica o é,77 como se afirma no conceito acima. A este respeito, antes de conhecer a nossa espiritualidade, algumas pessoas são confundidas pelos preconceitos que se têm se espalhado em alguns lugares. É que ouvem algumas pessoas dizer que o povo “dessa tal de Renovação só fala em Jesus. Esquecem-se de Deus e do Espírito Santo”. Outros já dizem que para a Renovação só existe o Espírito Santo. Já para alguns, a Renovação só se preocupa com Deus Pai. Outros, ainda, dizem que a Renovação Carismática é um reduto mariano.

Com toda essa sorte de opiniões contraditórias não é de admirar que muitos fiquem confusos.

Ao participar da Renovação Carismática Católica, entrando em seu âmago, e ao mesmo tempo observando o que ocorre com aqueles que com ela comungam, descobre-se que ela é maravilhosamente Trinitária. Quem não entende isso é porque não a conhece.

Analisando as várias opiniões que dizem ser ela ora do Espírito Santo, ora de Jesus, ora de Deus Pai, chega-se à conclusão de que ela SÓ PODE SER TRINITÁRIA, UMA VEZ QUE CONTEMPLA, EM SUA PRÁTICA, O RELACIONAMENTO COM AS TRÊS PESSOAS SANTÍSSIMAS, NOSSO DEUS TRINO E UNO. Mas, como isso ocorre? Como algumas pessoas têm sobre ela opiniões tão diversificadas?

Isso acontece assim: o Senhor tem seus caminhos misteriosos para nos atrair e conduzir. A uns ele atrai primeiro por Deus Pai, a outros, por Jesus, a outros, pelo Espírito Santo; tudo conforme a disposição e a necessidade de cada um.

Essa dinâmica de atração do Senhor aconteceu e acontece com muitas pessoas do nosso convívio. No início só enxergam uma das Pessoas da Santíssima Trindade. Imediatamente apaixona-se por Deus Pai, por Deus Filho ou por Deus Espírito Santo. Em verdade uma

77 DOCUMENTO La Ceja. Op. cit., § 13.

destas Pessoas Santíssimas passa a ser a melhor pessoa que existe. E nem percebemos isso. Mais tarde entendemos que isso ocorre por que muitos têm dificuldade de relacionamento com pessoas humanas como o pai humano, a mãe, os irmãos, as autoridades. A esses embaraços se ajuntam influências de seitas de várias origens, principalmente as reencarnacionistas. Porém a própria Pessoa da Santíssima Trindade para a qual somos atraídos primeiramente, nos conduz às demais, a seu tempo e conforme o nosso desenvolvimento espiritual.

Converse com quem já passou por isso. Ninguém se esquece da primeira vez que diz a Deus, em verdade e em espírito: “Meu Pai”. Sente-se um alívio interior e uma paz jamais experimentada. E Jesus? No início muitos mal conseguem vê-lo como Filho de Deus. Com a vivência numa dinâmica espiritual inusitada dentro da Renovação, Ele é aceito, de verdade e de coração, como Salvador pessoal e passa-se a viver com Jesus Senhor, Mestre, Deus, Pastor, Amigo, Protetor. Isso tudo sem perder e sem deixar de vivenciar as experiências do Espírito Santo e de Deus Pai. Acontece às vezes ao mesmo tempo, às vezes separadamente. Mas nunca se perde. Só encontramos uma palavra para descrever isso: Maravilhoso! É de fato maravilhoso.

Nos dias de hoje entende-se melhor aqueles que ao irem a algum grupo de oração algumas vezes – sem participar de nenhum Seminário de Vida no Espírito Santo, sem se aprofundar em nossa espiritualidade – não conseguem enxergar esta preciosa dádiva que o Senhor nos concede, de aos poucos ir galgando os degraus mais belos da espiritualidade cristã, em se tratando de mística e prática. Certamente estes irmãos baseiam suas opiniões na superficialidade do que viram ou no preconceito do que ouviram. Devem ter visto alguns neófitos que estavam vivenciando alguma das etapas de nossa escalada espiritual, ou, ainda, alguma oração ardente de alguém de maior experiência que estava sendo conduzido pelo Espírito Santo a uma adoração mais profunda a Ele mesmo, ou a Deus Pai, ou a Deus Filho.

Não obstante essa diversidade de opiniões, nada temos a temer acerca do que se diz, pois é a própria Santíssima Trindade, como uma unidade, ou na pessoa do Pai, do Filho ou do Espírito Santo, que tem nos encaminhado a ela mesma, de tal forma que no tempo de cada um – no kairós pessoal – os filhos de Deus agraciados com este tesouro, que é a nossa espiritualidade, cairão inteiros no seio do nosso Deus Uno e Trino.

Esta dinâmica atrativa da Santíssima Trindade, feita inicialmente por alguma das Três Pessoas, seguida de notável equilíbrio de relacionamento entre nós e Ela, é o que tem ocorrido entre nós, de forma espontânea, sem nenhum trabalho nesta intenção, sem planejamento para este fim, sem nenhum controle de resultados, sem nenhum pastoreio para incrementar especificamente esta graça, até mesmo porque não sabíamos dessas coisas. Tudo tem sido dom de Deus. Todavia, já que isso tem sido um fruto bom e considerando que a graça age por meio de nossa natureza, imagine-se como seria se estivéssemos

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trabalhando com o intuito de apressar em nós e nos irmãos este notável acontecimento, que é o relacionamento igualitário com a Santíssima Trindade, a par da geração da consciência de que a fundamentação de nossa espiritualidade, e portanto de nossa expressão de Igreja, é trinitária!

b.2) Experiência pentecostal

Nossa espiritualidade se insere no contexto dos movimentos pentecostais do século vinte. Ao nos conhecer não há como negar que somos pentecostais, desde que somos agraciados pelo Dom de Pentecostes acompanhado dos mesmos sinais e prodígios que se manifestaram na Igreja Primitiva, tal como o santo Papa João XXIII pediu na oração preparatória ao Concílio Vaticano II.

O “fator pentecostal” de nossa espiritualidade já foi aprovado pela Igreja. No número III dos referidos Estatutos Do Serviço Internacional Da Renovação Carismática Católica (Iccrs) se lê: “Os objetivos centrais

da Renovação Carismática Católica ou Renovação

Pentecostal Católica”....78

SALVADOR CARRILLO79 interpreta assim a inserção

do termo “RENOVAÇÃO PENTECOSTAL CATÓLICA” nos referidos Estatutos:

“O título ‘Renovação Pentecostal Católica’

é muito sugestivo e de grande significação, pois

responde aos desejos profundos daqueles que

estiveram nas origens da própria Renovação

Carismática. Com efeito, esta nasceu do anelo e

da esperança de que o Senhor realizasse em

nossos dias, em vista da renovação profunda de

sua Igreja, o que sucedeu no primeiro Pentecostes.

Em outras palavras, a Renovação surgiu da

expectativa de um Pentecostes atual. Por isso, a

Renovação pode ser definida em forma sintética

como ‘Um Pentecostes hoje’”.

Como se vê, irmãos, somos pentecostais, graças a Deus. E o somos com as bênçãos de Deus por meio da Igreja que aprovou os Estatutos do Serviço Internacional da Renovação.

b.3) Antecedente histórico

Nossa espiritualidade está diretamente ligada às experiências pentecostais que o Espírito Santo concedeu aos Apóstolos. Essa ligação é importante; ela nos dá segurança para assumir a vocação específica que Deus nos reservou80 enquanto movimento eclesial.

Como sabemos que as graças de hoje estão ligadas ao Pentecostes dos Apóstolos? Encontrar a resposta é simples. É só verificar os frutos de hoje. São os mesmos

78 ALDAY, Salvador Carrillo. Op. Cit. p. 1079 Ibid. p. 2980 Cf. Mc 16,15

que aconteciam naqueles tempos: oração em línguas, ardor missionário, conversões abundantes, perseguições. O Pentecostes atual é, em verdade, a retomada, a continuação daquele que aconteceu na aurora da Igreja.

À luz da semelhança dos acontecimentos de hoje, em relação aos acontecimentos daquela época, vemos que essa ligação é também inevitável. Quando se comparam os fatos que ocorrem em nosso meio com aqueles que aconteceram na Igreja Primitiva, não há muito para comentar, somente existe o que constatar, e o que constatamos é que, ressalvadas as diferenças culturais – de nação para nação, de visão de mundo – o que acontece conosco sucedeu com Pedro e os outros discípulos. E isso nos basta. Não vale a pena nos desgastar em justificativas estéreis, em debates infrutíferos, em pelejas inúteis. Isso nos levaria para um túnel sem fim. Melhor seguir o exemplo daqueles que já deram a vida por Jesus, acolhendo a graça de Pentecostes, usando as semelhanças entre suas comunidades e as nossas para confirmar nossa caminhada e nos animar a prosseguir decididamente.

Desta curta análise conclui-se que nossa espiritualidade se liga ao fato mais importante da Igreja, após a ressurreição de Jesus, cuja historicidade se atesta perenemente pela narração de são Lucas no Livro dos Atos dos Apóstolos, a partir do capítulo segundo. Isso é muito confortador para nós e nos incentiva a continuar nossa missão

b.4) Reavivamento sacramental

Qual é a graça que Deus deseja nos dar por meio do nosso batismo? O Catecismo da Igreja Católica81 nos diz que a graça é múltipla, pois muitos são os seus efeitos. As duas principais são a purificação dos pecados e o nascimento no Espírito Santo.

É certo que todos os católicos cujos pais diligenciaram a respeito nasceram no Espírito Santo desde criancinhas, uma vez que se ministra o sacramento do batismo desde tenra idade. Contudo, embora batizados, temos tido dificuldades em experimentar as graças batismais. É neste sentido que nossa espiritualidade tem reavivado nosso batismo.

Constatamos que é o Espírito Santo, de sua própria iniciativa, o agente iniciador da chuva de graças que tem vindo sobre nós. Ele é a luz que nos guia em um momento de perplexidade entre os cristãos. Quando todos ansiavam por respostas para as questões mais angustiantes da vida; quando muitos buscavam o que falar e o que ofertar aos homens de elevado conhecimento humano, o Espírito Santo, na simplicidade do Pai e do Filho, veio em nosso socorro82 para fazer em nós e por nós o que é da vontade de Deus.

Neste sentido verificamos que uma das primeiras graças que recebemos depois da efusão do Espírito Santo, muitas vezes imediatamente após, é a consciência de que

81 Cf. Catec. 126282 Cf. Rm 8,26

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somos realmente pecadores e necessitados de salvação. Isso nos leva a aceitar incondicionalmente o perdão de nossos pecados e nossa salvação e purificação mediante o sacrifício de nosso Senhor Jesus Cristo. Esta graça tem sido decisiva para nossa espiritualidade, pois com ela o Espírito do Senhor nos tem dado uma convicção nunca dantes experimentada, a respeito de nossa salvação por meio de Jesus, nosso Senhor. Assim, sabemos – experimentamos – que somos dEle de fato.

Simultaneamente à aceitação incondicional da purificação dos nossos pecados e da correspondente salvação, o Senhor nos tem concedido uma consciência muito clara de nossa filiação divina. Às vezes essa experiência de filiação divina não acontece junto com a da salvação, mas logo depois. Para alguns demora um pouco mais, mas certamente a todos vem. É realmente uma graça muitos deixarem de “saber” que “poderiam” ser filhos de Deus, ao ganharem a consciência do SABER, a nível profundo, que realmente SÃO filhos de Deus. Pelo que o Espírito Santo nos tem dado a experimentar, saber que somos filhos de Deus é dizer pouco. Não somente sabemos que somos filhos de Deus, mas em alguma parte de nós, nas entranhas profundas do nosso ser, sentimos – experimentamos – que somos filhos dEle.

Não afirmamos que com outras espiritualidades isso não aconteça. No entanto, na Renovação temos experimentado de forma pessoal a convicção de que para pecadores como nós existe esperança. É muito bom olhar para si mesmo e ter convicção de que não se está perdido e que e-x-i-s-t-e r-e-a-l-m-e-n-t-e u-m-a E–S–P–E–R–A–N–Ç–A. Melhor ainda é a consciência de que temos um Pai que nos ama incondicionalmente. E ainda melhor é ter certeza que este Pai é um Deus, o nosso Deus, o Deus da nossa vida; o Deus que adoramos sem nos cansar, sem nos saciar. Quanto mais O adoramos, mais O queremos adorar. Amém!

Quanto à Eucaristia, há décadas que muitos de nós participamos de missas diariamente, e o número de participantes vem aumentando. E onde a Renovação tem liberdade para se expressar, temos missas alegres, bem participadas, com ambiente de fé e amor, templos cheios.

Em relação à crisma, que é o Sacramento do serviço, da missão, o seu reavivamento tem produzido nosso engajamento missionário permanentemente, a partir de nossas famílias.

Não há como negar que têm aumentado as filas dos confessionários. Muitas vezes nos confessamos com padres diferentes, para não sobrecarregar aqueles que já sabemos serem muito ocupados. Entre nós a oração e a unção dos enfermos é profícua realidade.

O Senhor tem também reavivado entre nós o Sacramento da ordem. Vemos isso nas inúmeras vocações sacerdotais oriundas dos grupos de oração. Muitos jovens desejam ser um dos ungidos que o Senhor consagra para ser sacerdote do Deus Altíssimo, a serviço do seu povo. Quando começamos a orar e a louvar a Deus pelo dom do sacerdócio, por vezes a comoção leva alguns às lágrimas,

tal é o amor que Deus nos tem dado por estes servos de sua predileção.

Também acreditamos sinceramente na unção matrimonial. Para nós a família é instituição divina e sagrada, com tudo o que isso significa.

b.5) Consciência do poder e da ação do Espírito Santo

O Espírito Santo age em todos os cristãos, quer aceitem os carismas, quer os rejeitem. Na Bíblia existem exemplos da ação do Espírito Santo em pessoas que não possuíam afinidade com a Revelação, como é o caso de Ciro, rei persa, que em determinado momento histórico torna-se instrumento de Iahweh para o bem do povo eleito. Existe também exemplo entre os portadores da Revelação. Em João 11,49-52, encontramos uma curiosa fórmula profética – proclamada de forma indireta, oblíqua – na qual o sumo sacerdote torna-se instrumento da Revelação a respeito de Jesus para concretizar a nossa Salvação.

É por isso que afirmamos que todos os cristãos sabem do poder do Espírito Santo. Sabem também de sua misteriosa ação em nosso mundo. Todavia quando aludimos à consciência do poder e da ação concreta do Espírito Santo, não falamos só desse saber. É que temos ganhado do Senhor uma consciência clara, tangível, do poder do Espírito Santo. Sabemos e cremos que o Espírito do Senhor é Deus em Deus. Temos certeza que Ele possui um poder imenso, o qual emprega para continuar a missão de nosso Senhor Jesus Cristo. Esse poder é colocado em ação concretamente na história humana, tanto pessoal quanto coletiva. Basta que nos deixemos conduzir por Ele.

Em muitos fatos podemos perceber – “ver” – a ação de Deus. Esta consciência pode ser descrita como sendo uma sensibilidade para captar a misteriosa ação divina. Noutros acontecimentos o Senhor simplesmente nos dá uma convicção interior de sua mão operando na história. Esta história deve ser entendida em nível pessoal, comunitário e universal. Tudo pertence ao Senhor.83 Esta consciência do poder e da ação concreta do Espírito Santo na história nos faz abrir o coração para receber do Senhor uma convicção de que nós, e tudo o que nos pertence, estamos em suas mãos. Junto com essa convicção Ele nos dá muita paz interior.

b.6) Docilidade ao Espírito Santo

O cristão mais consciente deseja ser dócil ao Espírito Santo. Isso é muito bom. Temos recebido esta graça de Jesus.

Esta docilidade é realmente uma graça. O homem de todos os tempos sempre teve dificuldade em se submeter a outrem. Hoje é particularmente difícil para nós nos submetermos a qualquer pessoa, mesmo que esta

83 Cf. Fl 2,9-11

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pessoa seja o Espírito Santo. Estamos numa cultura que prima pelo individualismo e pela liberdade absoluta. Ainda que liberdade desenfreada seja impossível, em nível ideal é o que buscamos sofregamente.

A essa dificuldade acrescente-se o fato de não vermos o Espírito Santo para recebermos sua orientação. Para resolver tais problemas o Senhor nos tem feito passar por um aprendizado simples, que pode ser compreendido e praticado por todos, cujo requisito mais importante é a fé. Este tema merecerá melhor análise oportunamente.

b.7) Prática dos carismas: distintivo de nossa espiritualidade

A prática dos carismas tem sido a nossa marca. As pessoas de outras espiritualidades nos chamam de “carismáticos” exatamente por causa dos carismas que praticamos. Quando nos olham podem dizer que não somos do movimento de CEBs, nem cursilhistas, encontristas, vicentinos ou catecúmenos, por causa de nossa prática carismática. Isto é um fato. É por este motivo que esta prática dos carismas acabou se tornando o elemento que distingue nossa espiritualidade das demais.

Bom seria que todas as outras espiritualidades também os praticassem, ainda que tivéssemos que garimpar outras características para nos distinguir, caso fosse necessário alguma distinção.

Este assunto foi analisado no capítulo sobre a Ofensiva Nacional quando se expôs o princípio da identidade.

3. FUNDAMENTAÇÃO TEOLÓGICA DA RCC

Lembrando que fundamentação é o ato de fundamentar e que fundamentar é colocar fundamento, base, alicerce, sustentação radical, isto é, suster, segurar, a começar das raízes, veremos que a fundamentação teológica da Renovação se encontra na vida de Jesus de Nazaré e na vida da Igreja Primitiva e que, por isso, decorre necessariamente da práxis do Filho do Homem e de sua Igreja, desde a sua fundação até os dias de hoje.

Gostaríamos que agora você se sentisse nosso convidado especial para juntos descobrirmos tesouros vivificantes que têm estado ocultos no fértil solo de nossa espiritualidade, bem como para desvendarmos o fenômeno espiritual conhecido por Renovação Carismática Católica, mediante a investigação dos seus fundamentos e de sua maneira de ser Igreja, utilizando as ferramentas e os princípios oferecidos pela Teologia.

a) Fundamentos relativos à nossa espiritualidade

Literatura variada vem oferecendo fundamentos teológicos à Renovação. De primeiro a quatro de

setembro de um mil novecentos e oitenta e sete, realizou-se o Encontro Latino-Americano para estudar a Renovação Carismática Católica. Dele participaram cento e nove arcebispos, bispos e prelados, entre os quais havia um brasileiro, Dom Davi Picão, na época Bispo de Santos.

Esta Assembléia Episcopal Latino-Americana desenvolveu temas importantíssimos para a Renovação Pentecostal, que estão relatados em documento, cujo capítulo primeiro é dedicado à fundamentação teológica da Renovação. Este capítulo começa com o parágrafo treze e termina com o quarenta e dois. Nele a Renovação encontra fundamentos seguros.84 Ele nos fornece boa fundamentação teológica. Eis dois exemplos, extraídos dos seus parágrafos treze e dezoito:

“A base teológica da Renovação é essencialmente trinitária (...)

A grande fundamentação teológica da Renovação espiritual carismática está, portanto, no Mistério Trinitário, e particularmente no conhecimento progressivo da Pessoa do Espírito Santo e em sua ação insubstituível e ininterrupta na Igreja e em cada um de nós.”A Comissão de Serviço Nacional da Renovação

Carismática Católica dos Estados Unidos da América convocou uma reunião da “Conferência do Coração da Igreja de teólogos e líderes pastorais”, “para examinar as conseqüências pastorais da evidência procedente dos primeiros autores pós-bíblicos de que o Batismo no Espírito Santo é parte integrante da iniciação cristã e é normativo”. Estudaram na ocasião onze autores, dentre os santos Padres. São eles: Tertuliano (no período em que foi católico), Hilário de Poitiers, Cirilo de Jerusalém, Basílio, Gregório de Nazianzo, João Crisóstomo, Filoxeno, João de Apaméia, Teodoreto de Cirro, Severo de Antioquia e José Hazaia, que representam toda a cultura cristã da época. Eram latinos, gregos e sírios e ocupavam quase toda a costa do Mediterrâneo, berço cultural da antigüidade.

Esta comissão se reuniu com as bênçãos e os incentivos da Comissão Ad Hoc dos Bispos da Renovação Carismática dos Estados Unidos e examinou também as evidências bíblicas do batismo no Espírito Santo. Tratou, portanto, do centro da espiritualidade da Renovação.

Suas conclusões foram reunidas em um documento cujo nome é “Avivar a Chama”, que foi organizado por Killian McDonnell e George T. Montague85. Neste documento encontramos alicerce seguro para o batismo

84 DOCUMENTO La Ceja. Op. cit., capítulo I.

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no Espírito Santo, bem como para sua ligação direta com o batismo sacramental e a Crisma, sacramentos da iniciação cristã. Leia-se abaixo o seu final:

“‘Se vivemos pelo Espírito, sigamos também o Espírito’ (Gal 5,25).

Em conclusão, todos são chamados a avivar a chama do dom do Espírito Santo recebido nos sacramentos de iniciação. Deus nos dá livremente esta graça, mas ela exige uma resposta pessoal de contínua conversão à Autoridade de Jesus Cristo e receptividade à presença e ao poder transformadores do Espírito Santo. Somente no Espírito a Igreja será capaz de satisfazer suas necessidades pastorais e as necessidades do mundo. O desafio está diante de nós e as suas conseqüências são claras:

Sem o Espírito Santo, Deus se afasta,Cristo fica no passado,o Evangelho é letra morta,a Igreja é mera instituição,a autoridade é questão de prepotência,a missão, questão de propaganda,a liturgia nada mais que uma evocação,o modo de viver cristão, virtude de escravos.

Mas no Espírito Santo:

o cosmo se reanima e geme com as dores de nascimento do reino, o Cristo ali está, o Evangelho é o poder da vida,a Igreja manifesta a vida da Trindade,a autoridade é um serviço de libertação,a missão é um Pentecostes,a liturgia é momento comemorativo e também antecipação,a ação humana é divinizada.

O Espírito chama cada um de nós em particular e a Igreja como um todo, segundo o modelo de Maria e os Apóstolos reunidos, para aceitar e abraçar o Batismo no Espírito Santo como o poder de transformação pessoal e comunitária, com todas as graças e carismas necessários para a edificação da Igreja e para nossa missão no

85 traduzido por Barbara Theoto Lambert e publicado no Brasil pela “Edições Loyola”, em 1992

mundo. Esta missão tem sua origem no Pai estendendo-se por meio do Filho no Espírito, para tocar e transformar a Igreja e o mundo e guiá-los no Espírito por meio de Cristo, de volta ao Pai (Metropolitas Ignatios of Latakia, ‘Palestra sobre o tema principal’, Relatório Uppsala 1968” (Genebra: WCC, 1969 p. 298).

Portanto, considerando que a fundamentação geral da Renovação já está bem feita por vários autores e até por documentos emanados de autoridades eclesiásticas, continuaremos abordando aspectos mais específicos de nossa espiritualidade, pois se esta estiver bem alicerçada, o nosso Movimento também estará. Entretanto faremos, em destaque, breve análise do nosso relacionamento com a Santíssima Trindade, tendo em vista que é Ela nosso primeiro e principal fundamento.

Inegavelmente a alma da igreja, Corpo Místico de Cristo, é o Espírito Santo. Como a Renovação é parcela da Igreja, ou, em outras palavras, é, pelo menos, um jeito de ser Igreja, necessariamente sua alma é também o Espírito Santo. Ele, como alma, tem suscitado uma espiritualidade capaz de nos dar vida em abundância, inclusive como movimento eclesial.

É oportuno lembrar a análise feita acima e acentuar que o fundamento da espiritualidade carismática é a Santíssima Trindade, pois dEla vem e para Ela se destina, desde os tempos apostólicos. E mais: cultiva-se na Renovação a busca da plenitude do Espírito Santo, a docilidade a Ele, assim como um deixar-se conduzir por Ele, atingindo, em vivência, o âmago do nosso Deus, Trindade Una.

Para nós, relacionar-se com a Santíssima Trindade, servir-lhe, adorá-la, não é simplesmente norma de moral religiosa, nem tampouco somente regra litúrgica; é, antes de tudo, vida espiritual.

A espiritualidade carismática, temos comprovado por fatos, é uma graça comunitária. Entretanto, para cada pessoa ela começa quando se faz a experiência de Pentecostes. “Neste dia é revelada plenamente a Santíssima Trindade. A partir deste dia, o Reino anunciado por Cristo está aberto aos que crêem nele; na humildade da carne e da fé, eles participam já da Comunhão da Santíssima Trindade. Pela sua vinda – e ela não cessa – o Espírito Santo faz o mundo entrar nos ‘últimos tempos’, o tempo da Igreja, o Reino já recebido em herança, mas ainda não consumado:

Vimos a verdadeira Luz, recebemos o Espírito celeste, encontramos a verdadeira fé: adoramos a Trindade indivisível, pois foi ela quem nos salvou” (Liturgia Bizantina, Tropário das

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vésperas de Pentecostes. Catecismo da Igreja Católica, 732).

É indescritivelmente maravilhoso o que temos visto em nosso meio acerca da Santíssima Trindade. Pessoas analfabetas “teológicas” e não raro até de instrução formal, de um momento para o outro começam a viver o mistério do Deus Trino e Único, embora sem expressarem uma só palavra sobre a graça que receberam, pelo simples fato de não dominarem os instrumentos necessários para essa expressão.

Só nos resta dizer: Amém, Senhor. Aleluia!

Mas os fundamentos teológicos não param por aí. Eles estão entremeados em todo este módulo de estudo, envolvendo todos os temas analisados. Aqui, somente privilegiamos alguns aspectos.

A fundamentação de nossa espiritualidade é tão vasta que a encontramos desde o Velho Testamento. Com efeito, se lermos a Revelação escrita, com os olhos despidos de preconceitos, descobriremos a riqueza carismática a partir do movimento profético de Israel, cujos representantes eram animados pelo Espírito de Deus.

Para ilustrar nossa afirmação, selecionamos duas passagens que conservam, além do profetismo israelita, as promessas de um dia em que todos seriam batizados no Espírito Santo.

Eis a primeira:

“Moisés saiu e disse ao povo as palavras de Iahweh. Em seguida reuniu setenta anciãos dentre o povo e os colocou ao redor da Tenda. Iahweh desceu na Nuvem. Falou-lhe e tomou do Espírito que repousava sobre ele e o colocou nos setenta anciãos. Quando o Espírito repousou sobre eles, profetizaram; porém, nunca mais o fizeram.”

Dois homens haviam permanecido no acampamento: um deles se chamava Eldad e outro Medad. O Espírito repousou sobre eles; ainda que não tivessem vindo à Tenda, estavam entre os inscritos. Puseram-se a profetizar no acampamento. Um jovem correu e foi anunciar a Moisés: ‘Eis que Eldad e Medad’, disse ele, ‘estão profetizando no acampamento.’ Josué, filho de Num, que desde a juventude servia a Moisés, tomou a palavra e disse: ‘Moisés, meu senhor, proíbe-os!’ Respondeu-lhe Moisés: ‘Estás ciumento por minha causa? Oxalá todo o povo de Iahweh fosse profeta, dando-lhe Iahweh o seu Espírito.’ A seguir Moisés voltou ao acampamento e com ele os anciãos de Israel” (Nm 11, 24-30).

Esta é a primeira narração bíblica de uma efusão do Espírito Santo para um considerável número de pessoas. Ela prefigura o Pentecostes apostólico e é riquíssima em significado. Contudo

extraíremos somente o essencial para o nosso tema.

Os anciãos são os que conduzem o povo do Senhor. Deus os quer dotados de carismas e praticantes dos mesmos. Em profecia, pela boca de Moisés, o Senhor nos revela o seu plano: “Oxalá todo o povo de Iahweh fosse profeta, dando-lhe Iahweh o seu Espírito”.

A vontade de Deus é tão clara nesta passagem, ao revelar seu desejo de nos ver servindo-Lhe mediante os carismas, que para não enxergá-la dever-se-á interpretá-la de forma torcida, como, por exemplo, imaginando que aquilo era só para os tempos antigos. Mas para afirmar isso deveríamos esquecer o que Jesus disse: “Meu Pai trabalha até agora e eu trabalho também” (Jo 5,17).

Ora, todo o povo do Senhor sabe que a profecia mencionada em Nm 11,29 é um dos frutos do Espírito Santo que ocorre em ambientes encharcados de sua presença, onde a docilidade a Ele chega ao nível da aceitação da prática dos carismas. A espiritualidade que anima estes ambientes não é outra, senão a carismática, conforme entendido nos dias de hoje.

Eis a segunda passagem:

“Depois disto, derramarei o meu espírito sobre toda a carne. Vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos anciãos terão sonhos, vossos jovens terão visões. Mesmo sobre os escravos e sobre as escravas, naqueles dias, derramarei o meu espírito” (Joel 3,1-2).

Nesta profecia o Senhor nos revela não só o seu plano de ter um povo batizado no Espírito Santo e praticante de carismas, mas nos diz claramente que Ele fará isso. Segundo a interpretação da Igreja Primitiva esse tempo é agora. Desde o dia do primeiro Pentecostes cristão estamos vivendo o kairós – χαιροσ – o tempo da graça, o tempo do Espírito Santo.

Tal interpretação é do príncipe dos Apóstolos e primeiro Papa, conforme sua pregação inaugural consignada em Atos 2,17-18. Limitar sua aplicação aos tempos neotestamentários é cercear o incerceável, é querer dirigir o Espírito Santo e não ser dirigido por Ele.

Para fins de sistematização, vejamos a seguir outros fundamentos de nossa espiritualidade que se comunicam à Renovação como movimento eclesial.

b) Fundamentos relativos à práxis de Jesus

b.1) Jesus pleno do Espírito Santo86

Os Evangelhos testemunham com clareza que Jesus era pleno do Espírito Santo. Assim também ensina a Igreja.87 Eles marcam este fato nas narrativas de sua

86 Cf. Catec. 69087 Cf. Catec. 536

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concepção, do seu batismo e do início de seu ministério.88 A compreensão que o Senhor deu aos discípulos a respeito de sua plenitude do Espírito Santo foi tão profunda que após sua ascensão eles continuaram falando sobre ela quando precisaram explicar as ações do Mestre, como está anotado em Atos 10,38, com as seguintes palavras: “Vós sabeis como Deus ungiu a Jesus de

Nazaré com o Espírito Santo e com o poder, como

ele andou fazendo o bem e curando todos os

oprimidos por Satanás, porque Deus estava com

Ele”.89

Em sua vida terrena, a relação de Jesus com o Espírito Santo era de comunhão;90 portanto maior plenitude do que esta não poderá haver. Os dois agiam juntos. Isso é o que se deduz do ensinamento da Igreja quando diz que a missão do Espírito era conjugada com a missão do Filho.91 Com certeza Jesus fez os discípulos compreenderem que Ele viveu,em perfeita obediência ao Pai e, humanamente, dependente do Espírito Santo, a fórmula divina capaz de lhe facultar o poder e a autoridade que tinha sem se prevalecer de sua condição de Deus.92 Por isso permaneceram em Jerusalém após a ascensão do Senhor, obedecendo, sem nada fazer, a não ser orar e esperar, até que recebessem o mesmo Espírito, com a mesma plenitude, para a mesma comunhão.

b.2) Jesus conduzido pelo Espírito Santo

Uma indagação que surge naturalmente ao meditar sobre mais este mistério da vida de Jesus Messias, é sobre o motivo pelo qual foi demonstrado pelo Espírito Santo, em comunhão com o Pai, no batismo de Jesus, que Ele, o Espírito, estava ungindo o Filho. Ainda mais: o próprio Messias marcou este fato no início do seu ministério.93 Jesus e o Pai eram – e são – Um; mas nem por isso Ele dizia que era conduzido pelo Pai. Ao Pai Ele obedecia; entretanto quem o conduzia neste mundo era o Espírito Santo. É um mistério que nos permite concluir que tantas manifestações do Espírito Santo na vida de Jesus94 foram para demonstrar aos discípulos que Ele era conduzido pelo Espírito de Deus e para ensinar-lhes que também eles deveriam ser.95

Entre a formação catequética dos discípulos estava o ensinamento de que Jesus foi gerado pelo Espírito Santo e conduzido por Ele. Eles a receberam por meio do testemunho de Maria, de outras pessoas da comunidade que conheciam as circunstâncias da concepção, do

88 Cf. Lc 1,35; Mt 3,13; Lc 4,18 e Catec. 486 89 Cf. Catec. 48690 Cf. Catec. 72791 Cf. Catec. 485 e 72792 Cf. Catec. 53693 Cf. Lc 4,1894 Cf. Lc 1,35.42-45; 2,25-38; 3,21-22; 4,14-21; Mt 4,195 Cf. Mc 13,11

nascimento e do desenvolvimento de João Batista e de Jesus. Receberam também este ensinamento do próprio Mestre. Os Evangelistas recolheram este dado em algumas passagens.

Jesus ensina com obras e palavras; portanto, com sua vida. Em Mateus 4,196 Ele aparece conduzido pelo Espírito Santo, textualmente. Em Atos 1,2 Ele instrui os Apóstolos pelo Espírito Santo. Ao inaugurar seu ministério em Nazaré, esclarece que está sob a unção do mesmo Espírito.97 Noutro dia, quando realizava a formação dos discípulos, logo após avaliarem uma missão que efetuaram, “Jesus exultou de alegria no Espírito Santo” (Lc 10,21). Em outra oportunidade, quando Jesus foi acusado pelos fariseus de expulsar um demônio por meio do príncipe dos demônios, Ele se defendeu esclarecendo que o fazia pelo Espírito de Deus.98

Se não bastasse a clareza solar do testemunho evangélico para entendermos que Jesus foi sempre conduzido pelo Espírito Santo, poderíamos indagar de que outra forma Ele poderia fazer tudo o que fez, vivendo totalmente como ser humano, já que não se prevaleceu de sua condição divina para se livrar das humilhações, injustiças e sofrimentos a que o submeteram,99 culminando com sua morte na cruz?

b.3) Prática dos carismas no ministério terreno de Jesus

A presença dos carismas no ministério de Jesus está ligada à sua condição humana, pois se agisse somente como Deus não precisaria de carismas, seria Ele mesmo o próprio Dom. Por isso faremos agora uma incursão na Doutrina da Igreja no que diz respeito à sua condição humana.100

Jesus, sendo Deus, não se prevaleceu de sua condição divina para cumprir sua missão aqui na terra.101 E sua missão era dificílima e impossível para um ser humano. Ele deveria nos ensinar a viver e a evangelizar como filhos de Deus, como realmente ensinou, tendo ainda que morrer crucificado para remir nossos pecados. E tudo isso sem usar suas prerrogativas de Deus e sem deixar de ser Deus. Foi realmente um grande desafio. Para que cumprisse sua missão em condição humana, foi ungido pelo Espírito Santo,102 fonte de todos os carismas.

Já aprendemos que o Espírito Santo é o verdadeiro Dom de Deus. Agora podemos afirmar que tal como o Espírito Santo, Jesus é o maior dos carismas. Ele próprio é o grande carisma que o Pai doou à humanidade. Todo o seu ser é o carisma destinado a cada filho e filha de Deus.

96 Ver também Mc 1,12; Lc 4,197 Cf. Lc 4,18.21 98 Cf. Mt 12,28 99Cf. Mt 26,38-42.52-53; 27,40; Fl 2,6 100Cf. Catec. 727101Cf. Fl 2,6-8 102Cf. Lc 4,16-21

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E como um excelente carisma, Ele manifestou em seu ministério inúmeros carismas.

Para cumprir sua missão Jesus recebeu do Pai, pelo Espírito Santo, todo o poder necessário. Com este poder realizava prodígios, tais como: curas, milagres, exorcismos, multiplicação de pães e peixes.103 Estas são

apenas algumas das obras que o Pai lhe confiou.104

Jesus realizou prodígios como Deus ou como ser humano? À primeira vista a resposta mais simples seria dizer que foi como Deus; seria entender que Jesus realizou milagres porque era Deus. E é verdade, mas não é só isso. Esta pergunta é pertinente para esta reflexão, pois se fosse exclusivamente como Deus não existiria carisma do Espírito Santo em seu ministério, pois o próprio Deus estaria agindo pessoalmente. A ação pessoal de Deus dispensaria a mediação carismática. O carisma é uma forma de Deus agir por meio de seres humanos que se colocam à sua disposição. Pelo que se vê na Sagrada Escritura e na Doutrina da Igreja, Jesus aqui na terra, sem deixar de ser Deus, em tudo foi homem, menos no pecado. Isso nos leva a concluir que se aceitarmos a humanidade do Filho do Homem, entenderemos a dimensão carismática de sua vida.105 Mas pelo silêncio dos estudiosos do nosso tempo sobre assunto tão importante, perdemos o sentido da relação de Jesus histórico com o Espírito Santo e, por conseguinte, deixamos escapar a visão dos carismas em sua vida pública. Este silêncio, além de obscurecer a magnitude Pneumatológica da vida terrena de Jesus, empobrecendo sobremaneira a dimensão carismática do seu ministério, ainda arrefece o ânimo de muitos cristãos no que diz respeito a sermos imitadores de Cristo. Esse esmorecimento no testemunho imitativo de Jesus se dá de maneira tão sutil que muitos nem a percebem. Mas não podemos ficar enganados, os sinais dessa mornidão existem e povoam nossas mentes em forma de preconceitos. Eis alguns exemplos: “Jesus perdoou como perdoou, suportou o sacrifício na cruz, obedeceu ao Pai de forma perfeita, suportou perseguições atrozes, tudo no amor e na graça, sem se desesperar, sem se revoltar, só porque era Deus”. Será verdade?

103Cf. Mt 12,28; Mt 14, 15 e At 10,34-43 104Cf. Jo 5,36105 Nos tempos anteriores ao Concílio Vaticano II – e por que não dizer até os dias de hoje? – talvez por causa da facilidade de ver a divindade de Jesus e também pela dificuldade de por em prática o dado da Revelação sobre sua vida terrena sem se valer de sua condição divina, pouco ou nada se considerou sobre o fato de Jesus, agindo pelo poder do Espírito Santo, ter exercido seu ministério por meio dos carismas prometidos por Ele mesmo aos que cressem (cf. Mc 16,17-18). Se é correto que Jesus realizou suas obras miraculosas por poder próprio, porque o poder do Espírito também lhe pertence, posto que é Deus e não deixou de sê-lo, mesmo em corpo de homem, não é menos certo que como homem estava ungido pelo Espírito Santo e dotado de todos os carismas. De maneira prática não há como dissociar estas duas realidades sem danos para a fé.

De fato Ele veio a este mundo porque era e é Deus. Suportou todo o sofrimento e realizou toda sua obra como Deus e porque era Deus. Porém enquanto aqui viveu, da encarnação até a morte, estava condicionado às limitadas capacidades humanas, portanto, para ser perfeito em tudo como foi, dependeu do Espírito Santo. De que outra forma se explicariam seus atos sobre-humanos sem ter se socorrido de sua condição de Deus? De que outro modo se entenderia a presença do Espírito em sua vida, conduzindo-O?.106

Claro que se Ele quisesse, poderia ter usado prerrogativas divinas para realizar seus grandes feitos. Mas, então, como poderia nos ter ensinado a sermos filhos de Deus em plenitude, mesmo sendo humanos? Não poderia, pois sempre teríamos à nossa frente a idéia de que Ele fora aqui na terra, o que foi e como foi, só por causa da sua divindade. Por isso “Sendo ele de condição

divina, não se prevaleceu de sua igualdade com

Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a

condição de escravo e assemelhando-se aos homens”

(conforme Hb 4,15, passou pelas mesmas provações

que nós, com exceção do pecado). “E, sendo

exteriormente reconhecido como homem, humilhou-

se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e

morte de cruz” (Fl 2,6-8).

Pelo simples fato de Jesus ser Deus, ninguém duvida de que Ele seja dotado de todos os carismas imagináveis. A ambigüidade de entendimento fica por conta de saber se Ele os empregou, por meio do Espírito Santo, devido à sua condição humana, ou se agiu com poder próprio, por ser Deus. O Magistério da Igreja formulou que “na humanidade de Cristo, portanto, tudo deve ser atribuído à sua pessoa divina como ao sujeito próprio. Não somente os milagres, mas também os sofrimentos, e até a morte”.107

De qualquer modo, até parece soar mal ao nosso espírito dizer que Jesus foi nesta terra um verdadeiro ser humano, e como tal viveu; sem, contudo, deixar de ser Deus. Mais: por saber que Ele é realmente Deus, sem jamais perder essa natureza, quase naturalmente se aceita a idéia, sem o exercício da razão e da fé, de que Ele, vivendo como homem, não foi sequer cheio do Espírito Santo e muito menos dotado de seus dons. Ora, sabemos de seus próprios lábios que Ele era ungido pelo Espírito, portanto pleno dEle (cf. L 4,14-21).

Tem-se a impressão de que alguém nos ensinou – sem dizer uma palavra ou sem esboçar um só gesto – que o batismo de Jesus seria uma mera formalidade para se cumprir um rito da época, que a descida do Espírito Santo sobre Ele teria sido só para atestar sua divindade e que na perícope de Lucas 4,14-30 não se deveria dar atenção a um versículo do Livro de Isaías que diz: “O Espírito do

Senhor está sobre mim, porque me ungiu,” que Jesus leu e aplicou a si mesmo ( Lc 4,21).106Cf. Mt 4,1107 Catec. 468

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É nesta linha que vemos os carismas. Tudo o que Jesus fez, incluindo curas, milagres, exorcismos, multiplicação de pães e peixes e tudo o mais, foi como verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Mas em qual medida Ele agiu como Deus? Em qual proporção Ele operou como Homem? A Igreja já respondeu: Ele foi cem por cento homem e cem por cento Deus. Mas a Revelação nos garante que Ele não se prevaleceu de sua condição divina durante sua vida terrena,108 isto é, desde sua concepção até sua morte de cruz. Este mistério extrapola a inteligência humana. Mas, exatamente por ser Deus, é que Ele conseguiu não se prevalecer de sua divindade para realizar sua missão, desde a evangelização de uma só pessoa,109 passando pelos milagres e chegando à

crucificação110 e à morte na cruz. E se Ele não se valeu de sua condição divina, agindo, portanto, como homem – o homem por si só não tem nenhum poder – a realização dos prodígios repousa sobre o Espírito Santo, cuja operação se dá por meio de carismas. Aqui se vê claramente a importância da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade na missão do Filho, enquanto Salvador, Redentor e Mestre da humanidade.111

108 Cf. Fl 2, 6-8 109 Cf. Jo 4,7-42110 Cf. Mt 27,40 111 Cremos que na raiz do problema da aceitação prática – em nível pastoral – dos carismas na vida de Jesus, está uma das questões mais espinhosas que a Igreja enfrentou durante alguns séculos. Trata-se de aceitar equilibradamente Jesus verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Doutrinariamente a solução já foi dada há mais de mil anos, mas parece que no dia-a-dia das comunidades, que é onde a pastoral deve acontecer, a balança sempre pende para o lado da divindade de Jesus, em detrimento da sua humanidade, empobrecendo assim um dos dados mais importantes, mais sublimes e que mais demonstram o amor de Deus por nós.

Não estamos afirmando que seja ruim a tendência de enxergar mais a divindade de Jesus e menos sua humanidade. Até certo ponto, se for necessário pender para uma delas, que seja para a divindade, uma vez que isso não acarreta danos irreparáveis à salvação, mas sempre lembrando que ambas são inseparáveis. Entretanto, não há como negar que se não buscarmos o equilíbrio entre sua divindade e humanidade, perderemos a riqueza de sua vida humana conduzida pelo Espírito Santo.

O certo é que, sempre que se debateu a divindade de Jesus em relação à sua humanidade, ou vice-versa, houve uma tendência em privilegiar a sua divindade. Essa tendência gerou mais de uma heresia (cf. Catec., 464-469). Por isso podemos afirmar que um dos dados da Revelação que muito desafia a inteligência humana é a encarnação da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. A aceitação deste dado foi o primeiro problema realmente sério que se colocou perante a Igreja, mesmo antes do período subapostólico (cf. I Jo 4,1-3).

Sem almejar a solução de todos os problemas que tal assunto suscita, analisaremos esta questão sinteticamente, naquilo que no momento nos interessa.

Os Apóstolos que viveram com Jesus perceberam logo que Ele era um homem extraordinário, capaz de realizar coisas além das forças humanas. Vemos isso dramatizado no capítulo cinco de São Lucas, quando

Com a encarnação Jesus se tornou verdadeiro homem, sem deixar de ser Deus. A cristandade precisou de séculos de reflexão para compreender este mistério. Sua solução começou no Primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia, no ano 325, onde se colheu a formulação de que Jesus é consubstancial ao Pai, sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem. No III Concílio Ecumênico de Éfeso, em 431, deu-se mais um passo, produzindo a confissão de que “o Verbo, unindo a si na sua pessoa uma carne animada por uma alma racional, se tornou homem”. Coube ao IV Concílio Ecumênico, realizado em Calcedônia, no ano de 451, afirmar:

“Na linha dos santos Padres, ensinamos unanimemente a confessar um só e mesmo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, o mesmo perfeito em divindade e perfeito em humanidade, o mesmo verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, composto de uma alma racional e de um corpo, consubstancial ao Pai segundo a divindade, consubstancial a nós segundo a humanidade, ‘semelhante a nós em tudo, com exceção do pecado” (Hb 4,15).

Por fim, no ano de 553, em outro Concílio Ecumênico, desta vez reunido em Constantinopla, assentou-se que “Não há senão uma só hipóstase [ou pessoa], que é Nosso Senhor Jesus Cristo, Um da Trindade“. Conclui o nosso Catecismo (da Igreja Católica), em seu número 468, que “na humanidade de Cristo, portanto, tudo deve ser atribuído à sua pessoa divina como ao sujeito próprio. Não somente os milagres, mas também os sofrimentos, e até a morte: ‘Aquele que foi crucificado na carne, nosso Senhor Jesus Cristo, é verdadeiro Deus, Senhor da glória e Um da Santíssima Trindade’”.

Ao contemplar este mistério, as pessoas de fé não têm dificuldade em se aproximar de Jesus para aceitá-lo e adorá-lo como Deus. Entretanto estas mesmas pessoas encontram barreiras intransponíveis para suas próprias inteligências quando tentam se achegar ao mesmo Cristo para acolhê-lho como ser humano. Isto até parece ferir o coração de algumas mais “espiritualizadas”. Mas é impossível compreender com um pouco mais de profundidade a relação de Jesus com o Espírito Santo, enquanto viveu como o carpinteiro de Nazaré ou o pregador da Galiléia, despojando-o de sua humanidade.

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Pedro e seus companheiros, que começavam a conhecer Jesus, se espantaram com uma pesca milagrosa comandada pelo Mestre. A Palavra diz que eles ficaram assombrados e Pedro chegou a se jogar aos pés de Jesus e pedir: “Retira-te de mim, Senhor, porque sou um

homem pecador (Lc 5,8)”. Certamente Pedro viu em Jesus um homem santo que trazia em si as bênçãos e o poder do Deus que até então os judeus conheciam, ou seja, um ser poderosíssimo que comandara os exércitos de Israel em muitas oportunidades e por várias vezes os libertara de mãos inimigas.

A ação do Espírito Santo por meio de Jesus tanto aumentou a compreensão dos discípulos que fez de Pedro portador de uma das maiores revelações acerca da Pessoa de Jesus, que aconteceu no dia em que ele proclamou: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo” (Mt 16,16).112 Com essa revelação mereceu o título de bem-aventurado dos lábios do próprio Mestre. Aqui Jesus já era, na compreensão dos Apóstolos o ungido por Deus para a salvação do povo de Israel, porém com uma novidade: Ele era o próprio filho de Deus. Então a filiação divina de Jesus, como fato, cuja revelação se iniciou nas profecias do Antigo Testamento, passando pela boca do anjo Gabriel e pelas teofanias acontecidas no seu batismo, na transfiguração ocorrida no Monte Tabor e na voz do Pai quando respondeu a uma oração do Filho,113 agora estava

assentada no coração dos discípulos.114

O testemunho dos Evangelhos não detalha a forma empregada por Jesus para instruir os Apóstolos sobre suas naturezas divina e humana, porém é lícito seguir a mesma metodologia utilizada pelo Pai para formar o Povo de Israel, isto é, a da revelação. Aos poucos, a partir do testemunho dos profetas iluminado pelas palavras, gestos e atos de Jesus, os discípulos foram sendo esclarecidos.

112 Revelação maior do que esta foi feita somente por Jesus, diretamente, ao dizer: “Eu e o Pai somos um” (Jo

10,30) e neste diálogo com Filipe: “Disse-lhe Filipe: Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta. Respondeu Jesus: Há tanto tempo que estou convosco e não me conheceste, Filipe! Aquele que me viu, viu também o Pai. Como, pois, dizes: Mostra-nos o Pai..” (Jo 14,8-9), donde vem que Ele é Deus, consubstancial ao Pai.113 Cf. Mt 17, 1 e Jo 12,23-30114 Relacionar-se com Jesus Deus e homem equilibradamente é um desafio para o ser humano. A tendência é estar mais para Jesus Deus ou mais para Jesus homem. O equilíbrio se consegue com fé madura. Mesmo entre os primeiros escolhidos pelo Mestre havia quem só conseguia vê-lo como homem. Um deles, Judas Iscariotes, o entregou à morte. Em termos humanos, é difícil não pensar que esta traição se deveu ao fato de Judas não ter visto em Jesus o Filho do Deus vivo. Esta dificuldade de Iscariotes o colocou no prato da balança de quem só via a humanidade de Jesus, em evidente desequilíbrio.

Como todo judeu, os discípulos sabiam que Deus enviaria alguém para salvar Israel. Conheciam as profecias. Lembravam-se de que o messias nasceria de uma virgem. Não deve ter sido difícil resgatar do meio do povo o paralelismo entre a gravidez de Isabel e Maria. Esta era a virgem. As ações do Messias eram tão extraordinárias e suas palavras tão poderosas que compreenderam que Ele era mais do que um ser humano; era um ser nascido diretamente de Deus,115 logo só

poderia ser um filho de Deus, o Deus vivo de Israel,116 em contraposição aos “deuses” humanos, tais como os ídolos, os reis, imperadores, faraós.

É natural pensar que até aqui os discípulos acreditassem que Jesus fazia aqueles milagres e ensinava com autoridade só porque era “O” Filho de Deus e que por ser este Filho é que podia dar-lhes uma parcela do seu poder.117

Assim é que vemos os Apóstolos no auge do sabor destas e outras revelações extraordinárias, como a do Monte Tabor,118 se defrontarem com a humanidade de Jesus, que era, como a deles, capaz de sofrer e de se angustiar119 e até de morrer. Felizmente o ciclo da Revelação ainda não estava completo, faltava ainda o melhor: a ressurreição e os ensinamentos de Jesus antes da sua ascensão.120

Assim, os discípulos do Divino Mestre partiram de sua humanidade para chegar à sua divindade. Primeiro miravam-no como um simples carpinteiro. Logo depois pareceu aos seus olhos que era um profeta. Depois descobriram que não era um profeta comum, mas parecia ter a estatura de Moisés, Elias ou João Batista. Por fim descobriram nEle o Filho de Deus. No ápice dessas descobertas tiveram que fazer o movimento de volta. Se pelos prodígios e teofanias acolheram a revelação de sua divindade, agora, pela cruz, eram obrigados a reencontrarem a sua humanidade. Creio que este movimento não seria possível sem as luzes e os auxílios da graça.

O movimento continuou. Dos sepulcros da humanidade saltaram para a deidade com as aparições do Ressuscitado. Novamente o ciclo de humanidade-divindade se repetiu. Ao verem-no ressuscitado, assombraram-se. É que Ele podia ser um anjo, um espírito desconhecido ou, quem sabe, a manifestação pura do Deus de Israel que assustava até os maiores profetas.121 Novamente Jesus interveio para lhes provar que Ele estava ressuscitado mesmo, que Ele era Deus tanto quanto o Pai, mas que estava ressuscitado em carne, que não desejava se separar de sua humanidade, agora “corpo

espiritual” (cf. 1ª Cor 15,44). Para isso até comeu com

115 Cf. Lc 1,35 116 Cf. Mt 16,16117 Cf. Mt 10,1118 Cf. Mt 17,1-13119 Cf. Lc 22,39-44120 Cf. Lc 24,13-31.36-50; At 1,3 121 Cf. Is 6,1-5

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Eles, se bem que não precisasse mais dos nossos alimentos.122 Agora estava tudo claro: misteriosamente Jesus era para eles verdadeiro Deus e verdadeiro homem.123

Com o fato da sua ressurreição e com as dúvidas dos discípulos dissipadas,124 Jesus encontrou o momento de abrir-lhes o entendimento para que compreendessem as escrituras125 e, lógico, tudo o que Ele próprio havia ensinado. Dentro do seu ensinamento está sua relação com o Espírito Santo, que eles viram desde os tempos de Nazaré, Decápole, Cafarnaum, Betânia.

Para os discípulos não era nenhum espanto saber que Jesus agia pelo Espírito Santo,126 e que o Espírito Santo atuava no Ungido do Pai por meio de graças que no ministério Paulino foram chamadas carismas.127

Assim, temos que o uso dos carismas na pastoral efetuada por Jesus é realidade inquestionável e sua necessidade decorreu diretamente da sua condição humana ou, dito de outra forma, emanou do fato de não haver Ele se valido de sua condição divina durante sua vida terrena, embora dela pudesse ter se socorrido, se o quisesse. Se entendêssemos de outro modo estaríamos anulando importantes dados da Revelação, como por exemplo, Ele agir pelo Espírito Santo e ter vivido, da concepção até a morte na cruz, como homem, mesmo sem deixar de ser Deus. De mais a mais, não se vê nada relevante que anule ou diminua o entendimento no sentido de ver na intenção de Jesus, revelando insistentemente128 aos discípulos que era pleno do Espírito, que agia por Ele e por Ele era conduzido, que não seja o desejo de demonstrar-lhes como se deve desenvolver uma boa e frutuosa ação pastoral.

b.4) Jesus batiza os discípulos no Espírito Santo

A missão de Jesus era a missão do Pai, que desde tempos remotos prometera um salvador. Mas Jesus não a realizou sozinho; agiu em perfeita colaboração com o Espírito Santo.129 Ele que viveu sob a unção do Espírito, sabia que os discípulos só poderiam levar avante o seu mister se também agissem sob a mesma unção. Para Ele “O discípulo não é superior ao mestre; mas todo discípulo perfeito será como o seu mestre” (Lc 6,40). E para que seus discípulos fossem como Ele e reproduzissem no

122 Cf. Lc 24,36-44; Jo 21,9 123 Cf. 1ª Jo 4,1-3124 Cf. Lc 24,36-44125 Cf. Lc 24,45126 Cf. Mt 12,28127 Cf.1 Cor 12,7-10; GRASSO, Domenico. Los Carismas en la Iglesia: Teologia e História, pp. 15 a 18. 128 Cf. Catec. 535129 Cf. Catec. 485, 535, 689, 690

mundo suas ações, os enviou como o Pai O enviara, isto é, cheio do Espírito Santo.130

Durante três anos o Mestre preparou os discípulos para o batismo no Espírito Santo preparação que começou efetivamente com a pregação do precursor,131 continuou

com a convivência do discipulado132 e com as palavras

que ouviram,133 culminou com a solene promessa de Jesus: “Eu vos mandarei o Prometido de meu Pai; entretanto, permanecei na cidade, até que sejais revestidos da força do alto. Descerá sobre vós o Espírito Santo e vos dará força” (Lc 24,49; At 1,8a).

Enfim, “chegando o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados. Apareceu-lhes então uma espécie de línguas de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Ficaram todos cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem (At

2,1-4)”.

Pronto. Grande dia! Tudo estava realmente completo. O Messias, que viera havia tempo e convivera com os discípulos manifestava-lhes a sua glória. Antes se tornara Mestre para instruí-los em tudo que precisavam para que fossem servidores da Obra de Salvação, dóceis ao Espírito Santo, como o Pai e o Filho planejaram.134 Os grandes ensinamentos, as espetaculares revelações, inclusive a divindade do Ungido, tudo enfim, estava confirmado com a Ressurreição do Filho do Homem, sua Ascensão e a vinda do Espírito. O Enviado do Pai terminou sua missão. Agora a Obra repousa sobre os ombros de suas testemunhas que há poucos instantes foram batizadas no Espírito Santo, recebendo o Fogo que guiou o povo na travessia do deserto,135 a Água Viva que sacia a sede que o homem tem de Deus, com toda a profusão de carismas, ferramentas necessárias para a construção do Edifício Espiritual que começou a ser feito há apenas alguns instantes, no exato momento em que a primeira Língua de Fogo tocou Pedro.

Os discípulos estão realmente batizados no Espírito Santo, conforme as promessas bíblicas. Não há lugar para dúvidas; os prodígios e a unção do Espírito136 as dissipam. Cabe agora acolher mais este dado da Revelação, experimentá-lo e testemunhá-lo.137

c) Fundamento relativo à vida da Igreja

130 Cf. Jo 20,21-22131 Cf. Jo 1,33; Lc 3, 16; Mc 1,8; Mt 3,11 132 Cf. Jo 20,21-22 133 Cf. Jo 3,5-8; 7,37-39; 14,16-17.26; 16,7-15 134 Cf. Jo 16,14-15 135 Cf. Êx 13,21; 14,20.24; Nm 14,14 136 Cf. 1ª Jo 2,27 137 Cf. At 1,8

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A Revelação é composta pela Sagrada Escritura e pela Sagrada Tradição.138 Nos vários tópicos acima, nossa espiritualidade já foi fundamentada suficientemente na Revelação Bíblica, mas é necessário voltarmos a ela, pois resumiremos sua presença na Tradição viva da Igreja, a começar de sua ocorrência no tempo dos Apóstolos, pois é impossível ler o Novo Testamento sem descobrir a grandiosa experiência carismática que o envolveu, do princípio ao fim. A não ser que não se queira ver. Todo ele está entremeado de carismas. Já no primeiro capítulo de Mateus se destaca o carisma de revelação, por exemplo. E assim vai o Espírito Santo se movendo por cada livro, epístola, capítulo e versículo, até atingir o Apocalipse, a grande profecia.

Já no início do testemunho de João Evangelista, lemos a seguinte revelação feita por meio de João Batista: “Aquele sobre quem vires o Espírito descer e permanecer é o que batiza com o Espírito Santo” (Jo 1,33b).

Esta passagem é importante porque nela Deus nos diz qual é a fonte da espiritualidade carismática. Ela é o próprio Jesus, uma vez que Ele é quem batiza com o Espírito Santo. Ressalte-se ainda que este batismo é parte integrante da obra do Messias,139 pois como está em Isaías 61,1-2, Ele próprio receberia este batismo; e de fato Ele o recebeu140 e aplicou a si mesmo esta passagem de

Isaías,141 reservando para o tempo oportuno142 o cumprimento da profecia do Batista, registrada em João 1,33. Ele, portanto, é o batizador no Espírito Santo.143 E como a experiência carismática começa com o batismo no Espírito Santo, não há como os separar validamente. É por isso que todo católico, por ser batizado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo,144 é um “carismático” em potencial, pois todos nós somos portadores do Dom do Espírito do Senhor e como tais somos chamados a sermos filhos de Deus, que é o ápice da vivência cristã, sendo conduzidos pelo Espírito Santo.145

Em Mateus 28,20b, Jesus promete estar conosco todos os dias. A Bíblia não esclarece como os Apóstolos assimilaram esta promessa, nem como ela seria cumprida. Hoje sabemos que, além de sua onipresença, Ele está conosco na Pessoa do Espírito Santo, posto que ambos são Um. Falando com um estar-se-á também falando com o outro. Sendo conduzido pelo Espírito Santo, estar-se-á também sendo conduzido por Jesus.

Em Lucas 24,49a, Jesus ordena aos discípulos que fiquem em Jerusalém até que recebam o Espírito Santo. Esta ordem foi reforçada em Atos 1,8. Quem ler o livro dos Atos dos Apóstolos descobrirá que a vinda do Paráclito se deu em contexto eclesial no dia da festa do pentecostes judaico,146 dando nascimento à Igreja de Jesus.

138 Cf. Dei Verbum, 9 e 10139 Cf. Catec. 536

Na passagem de Atos 16,6-10, vemos concreta e explicitamente uma comunidade carismática sendo conduzida pelo Espírito Santo, a quem o Espírito ajudava por meio de carismas.

A espiritualidade carismática inicial produziu na Igreja tal riqueza de dons que em algumas comunidades o Espírito Santo moveu os pastores a formarem os primeiros cristãos para o bom emprego dos carismas.147

Como se vê, a própria Sagrada Escritura nos revela que a Espiritualidade que ora analisamos foi a mesma que o Espírito suscitou para a Igreja. Basta lembrar que Ela, fundada por Jesus,148 ficou em gestação até o dia de Pentecostes, quando nasceu, como diríamos hoje, inteiramente carismática; justamente porque havia sido dotada de uma espiritualidade moldada diretamente pelo Espírito Santo.

Naquele período que se convencionou denominar de Igreja Primitiva, os sinais bíblicos são pródigos em confirmar o que acima dissemos. Estes sinais foram descritos com riqueza de detalhes no livro dos Atos dos Apóstolos, que bem poderia se chamar de Atos do Espírito Santo. Esta confirmação se estende por várias Epístolas, notadamente nas de Paulo. Seu sinal evidente é a abundância de carismas com os quais o Senhor manifesta ao mundo o seu poder e confirma a pregação dos seus enviados.149

Tendo como base as manifestações de carismas, que dissipam toda dúvida quanto a uma espiritualidade ser ou não ser marcada pela presença do Espírito Santo, podemos afirmar que a espiritualidade “carismática” continuou vigorosa no período subapostólico, atingindo em cheio a patrística – ensinamento dos primeiros padres da Igreja – continuando séculos afora, passando pela era Medieval, a Idade Moderna e chegando aos nossos dias.150

Ocorre que, por circunstâncias teológicas, a partir do Século VI, após o Papa Gregório Magno ter emitido sua opinião, não ex catedra, mas sim como teólogo, com base numa explicação de São João Crisóstomo, passou-se a não valorizar as manifestações sensíveis do Espírito.151 Domenico Grasso152 informa que os estudiosos após Gregório Magno não se animaram a aprofundar a investigação do tema por terem a opinião do grande Papa como indiscutível.

140 Cf. Mt 3, 13-17141 Cf. Lc 4,18-19142 Cf. At 2,1-4143 Cf. Catec. 536 e 729144 Cf. Mt 28,19145 Cf. Rm 8,14-16146 Cf. At 2,1-4147 Cf. 1ª Cor 12, 3-14148 Cf. Mt 16,18-19; Jo 21,15-17149 Cf. Mc 16,20150 GRASSO, Domenico. Op. cit., pp. 159 a 166.151Ibid. Op. cit., pp. 131 a 134.152Ibid. Op. cit., pp. 134 a 136

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Mas o certo é que existe uma linha contínua a ligar a experiência carismática dos Apóstolos com a nossa, sem interrupção. Com esta linha visível na Igreja o Espírito “unifica-a na comunhão e no ministério. Dota-a e dirigi-a mediante os diversos dons hierárquicos e carismáticos”.153 É por isso que podemos afirmar, sem nenhuma dúvida, que “os carismas nunca estiveram ausentes da Igreja”154

A palavra mais recente da Igreja, precisamente a partir do Vaticano II, tem reconhecido os dons, ponto nevrálgico da vida carismática, como uma graça a ser vivida em nossos dias. São exemplos disso suas referências em vários documentos. Vão no mesmo sentido as inúmeras locuções papais de acolhimento, orientação, incentivo e exortação à Renovação Pentecostal Católica.

Durante a Segunda Conferência Internacional de Líderes da Renovação Carismática Católica realizada em Roma, no ano de 1975, Paulo VI, entre outras coisas, disse o seguinte:

“Ao se reunir em Roma, os integrantes da

Renovação quiseram dar um testemunho de sua fé

e fidelidade à Igreja e ao Papa, expressar o desejo

de ser dóceis para que o Espírito Santo os usasse

como instrumentos para a renovação da Igreja,

celebrar em oração a festividade do Pentecostes,

próximos do sucessor de Pedro, e aproveitar

alegremente o Ano Santo como graça para cada

ano, para a Igreja e para o mundo”155

Noutra oportunidade falou assim:

“Deve ocorrer uma renovação, um

rejuvenescimento do mundo. Deve ocorrer de novo

uma espiritualidade, uma alma, um pensamento

religioso no mundo; os lábios fechados à oração

devem se abrir de novo, abrir-se ao canto, à

alegria, ao hino, ao testemunho. Será

verdadeiramente uma grande fortuna para nosso

tempo e para nossos irmãos que haja toda uma

geração, vossa geração de jovens, que grite ao

mundo as grandezas de Deus em Pentecostes.” 156

Dentre as incontáveis falas de João Paulo II, leiamos estes pequenos trechos:

“Este é o primeiro encontro com os

senhores, católicos carismáticos. De forma que

ainda não posso responder a esta petição.

Permitam-me primeiro explicar minha própria

vida carismática. Sempre pertenci a esta

renovação no Espírito Santo. Minha própria

experiência é muito interessante (...).”

153 Cf. Lumem Gentium, 4154 Cf. Puebla, 207155 Papa Paulo VI, apud Juanes, Benigno, SJ. Falar em Línguas, pág. 203.156 Ibid, op. cit. p.206

“‘O mundo precisa muito dessa ação do Espírito

Santo, e de muitos instrumentos para essa ação

(...)”

“Agora vejo esse movimento, essa

atividade em todos os lugares. Em meu próprio

País vi uma presença especial do Espírito Santo.

Por meio dessa ação Ele vem ao espírito humano

e desde esse momento começamos novamente a

viver, a nos encontrar em nós mesmos, a encontrar

nossa identidade, nossa humanidade total. De

maneira que estou convencido de que este

movimento é um componente muito importante

dessa total renovação da Igreja, dessa renovação

espiritual da Igreja.”

Vale também destacar o que o Papa disse na audiência com os bispos do sul da França, Roma, 1982:

“Aludo à intensa busca espiritual que se

observa em muitos cristãos. Refiro-me

concretamente à Renovação Espiritual, mas penso

igualmente nos numerosos grupos de oração,

várias comunidades, retiros, locais de encontros

consagrados à oração (...). Refiro-me ao

redescobrimento da oração. Tudo isso deve ser

cuidado e observado; é, antes de tudo, uma graça

que vem no momento oportuno para santificar a

Igreja (1ª Cor 3,16; 6,19). Ela cresce na Igreja (o

Espírito) e renova-se perpetuamente”.157

A palavra dos papas, cujo múnus é apascentar o rebanho do Senhor, dispensa maiores comentários, pois se eles, guardiões da sã doutrina e fiéis depositários da fé que os Apóstolos receberam do Senhor Ressuscitado, acolhem a Renovação como uma bênção de Deus para a Igreja, é porque vêem nela verdadeiros fundamentos doutrinários e bíblicos que a fazem apta para ser Igreja com a Igreja.

Depois de tudo o que refletimos, pensamos que bastaria a nossa fé na Revelação para aceitarmos a índole carismática da Igreja. Vivenciando esse caráter carismático da Igreja, nenhum católico oporia resistência à Renovação; ainda mais quando quiseram o Pai, o Filho e o Espírito Santo, que os carismas, um dos sinais visíveis da presença da Trindade, estivessem conosco no viver eclesial.

A presença marcante do Espírito na vida eclesial é mais do que necessária para a propagação da Boa Nova. Ela firma a presença da Igreja no mundo como um Sacramento de Cristo. Assim, não há como desvincular, sem prejuízos, o Corpo Eclesial da espiritualidade apostólica, que, como estamos vendo, é a espiritualidade que sempre esteve presente na Igreja e que hoje se vive na Renovação com muita intensidade.

Assim, após a leitura do Novo Testamento e de um pouco de literatura Patrística, cuja importância

157 Ibid. op. cit. p. págs. 207, 208 e 211. Cf. Catec. 736; Ad Gentes, 870; GRASSO, Domenico. Op. Cit., p. 166

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fundamental é reconhecida pela Igreja,158 é fácil surpreender-se a clareza com que o Espírito Santo faz os carismas surgirem nos relatos bíblicos, bem como ver que sua ressonância continuou pelos séculos, sempre onde uma alma aceitou inclinar seus ouvidos para o Senhor, com dócil coragem para a prática dos dons do Seu Espírito. Nalgumas vezes esta alma tem sido de algum santo, noutras, de gente simples, do povo, como ocorre nos dias de hoje. Mas, como diz o autor sagrado, tudo é manifestação de um só e mesmo Espírito,159 como reconhece a Igreja em sua Doutrina e na palavra dos Papas.

d) Fundamentos jurídico-canônicos

Neste item não se exporá todo o embasamento jurídico-canônico da Renovação. Ele está diluído em todo este estudo - em particular em cada local onde se comenta algum trecho de documentos eclesiais, pois estes documentos são a fonte dos fundamentos que ora analisamos. Gostaríamos que os irmãos, ao estudar os capítulos sobre o contexto eclesial da Renovação e sobre os carismas, tivessem redobrada atenção, pois é neles, depois deste tópico, onde se concentra maior número desta espécie de embasamento.

Por ora comecemos pelo Código do Direito Canônico. Ele não menciona movimentos eclesiais, pois trata todas as agremiações pelo termo genérico “associações”.

Os direitos civis de reunião e associação reconhecidos pelos Estados, no seu âmbito a Igreja os outorga nos cânones 215 e 216, dizendo que “Os fiéis têm o direito de fundar e dirigir associações para fins de caridade e piedade, ou para favorecer a vocação cristã no mundo”, e de “...

promover e sustentar a atividade apostólica...”

O parágrafo primeiro do cânon 225 diz que os leigos têm o direito e o dever de, individualmente ou reunidos em associações, trabalhar para o anúncio do Evangelho.

O direito de associação é regulamentado pelos cânones 298 a 329. Aí se vê que um movimento como a Renovação pode ser classificado como associação, posto que é organizado pela reunião de pessoas, cuja regência particular se dá por meio de seus estatutos.

Do ponto de vista associativo a Renovação é classificada como associação privada, pois é constituída historicamente por um grupo de pessoas particulares (leigas) que livremente se reuniram e se organizaram. Também se classifica como não reservada, por militar em campo no qual os particulares podem livremente se unir para criar associações. Quanto ao reconhecimento da Autoridade Eclesiástica competente, ela classifica-se

158 Cf. Dei Verbum, 8

159 Cf. 1Cor 12,11

como reconhecida, pois seus estatutos foram aceitos pela Igreja, embora pelo direito canônico tal reconhecimento não fosse necessário.160

O Decreto Conciliar outorgado pelo Vaticano II, “Apostolicam Actuositatem”, sobre o apostolado dos leigos, que é anterior ao atual Código de Direito Canônico, já chamava as organizações leigas de “apostolado em grupo” e “associações”. Em seu parágrafo 19 consagra o “direito dos leigos fundarem grupos e dirigi-los, bem como se inscreverem nos existentes”, pois “Todos os agrupamentos de apostolado merecem estima”.161

Coube à Exortação Apostólica Christifideles Laici

– sobre a vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo – alargar o conceito de apostolado em grupo. E o fez em seu parágrafo vinte e nove, particularizando associações e colocando ao lado delas os grupos, comunidades, movimentos; todos a título de exemplo. Neste parágrafo a Igreja nos fala de uma nova era agregativa dos fiéis leigos e, citando o Papa João Paulo II, reconhece ser isso uma graça do Espírito Santo.

Mas voltando ao Código do Direito Canônico, vejamos o que ele nos diz a respeito de espiritualidade:

“Cân. 214 –– Os fiéis têm o direito de prestar culto a Deus segundo as determinações do próprio rito aprovado pelos legítimos Pastores da Igreja e de seguir sua própria forma de vida espiritual, conforme, porém, à doutrina da Igreja” (Grifos do autor).

Irmãos, como vimos no cânon acima, a Igreja nos dá o direito de viver (seguir) nossa própria espiritualidade, pois “forma de vida espiritual” é uma locução cujo significado se resume numa palavra: espiritualidade. A partir daqui não cabe mais indagação a este respeito, uma vez que a Igreja, agindo em nome de Cristo, diz que podemos, por direito, seguir uma espiritualidade carismática, com tudo o que ela significa.

A regra canônica coloca uma condição para o acolhimento de uma espiritualidade; é que ela esteja “conforme à doutrina da Igreja”.

Conformidade significa estar de acordo. De maneira geral a Renovação sempre esteve de acordo com a Doutrina da Igreja; entretanto não tem sido fácil demonstrar isso, pois sua prática resgata valores que estavam há muito tempo esquecidos. Com o advento da Christifideles Laici, a Igreja nos brindou com critérios específicos para demarcar o que seja eclesialidade para as agregações laicais.162 O movimento que se enquadrar nestes critérios com certeza está conforme à exigência do cânon 214 do Código do Direito Canônico.

160 Código de Direito Canônico, Cân. 299, §§ 1º, 2º e 3º; 301, § 1º161 Cf. AA, 21162 Cf. Christifideles Laici, 30

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Quando estudarmos o contexto eclesial da Renovação, analisaremos tais critérios. Por ora podemos garantir que nosso Movimento se encaixa em todos eles.

Mais uma consideração. De tudo que fazemos, o que tem gerado perplexidade em quem não nos conhece são nossos carismas. No capítulo apropriado, ainda nestes estudos, demonstraremos que também neste assunto estamos conformes com a Doutrina.

Nossa conformidade já foi reconhecida pelas autoridades eclesiásticas brasileiras. Isso se deu após quase vinte e oito anos de existência da atual Renovação no mundo, depois de vinte e cinco anos de sua vinda para o nosso País e quando ela já se tornara realidade nas arquidioceses, em centenas de dioceses e nas prelazias brasileiras. Para isso nossos bispos editaram um Documento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, o de número 53, intitulado de “Orientações Pastorais sobre a Renovação Carismática Católica”.

No primeiro parágrafo do Documento 53, nossos bispos esclarecem que as orientações pastorais tratam de uma proposta de reflexão sobre a Renovação Carismática. No segundo nossos pastores reconhecem que “Entre os vários movimentos de renovação espiritual e pastoral do tempo pós-conciliar, surgiu a RCC que tem trazido novo dinamismo e entusiasmo para a vida de muitos cristãos e comunidades”. Completam este pensamento dizendo no parágrafo dezenove que “Reconhecendo-se a presença da RCC em muitas Dioceses e também a contribuição que tem trazido à Igreja no Brasil, é preciso estabelecer o diálogo fraterno no seio da comunidade eclesial, apoiando o sadio pluralismo, acolhendo a diversidade de carismas e corrigindo o que for necessário”.

Cumpre dizer também que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,163 na trilha da Redemptoris

Missio,164 reconhece que a Espiritualidade adequada aos missionários é a docilidade ao Espírito Santo, que nada mais é do que o traço forte de nossa espiritualidade, pois tudo o que fazemos em relação ao viver terreno visa a estarmos cheios do Espírito Santo para sermos conduzidos por Ele. Prova disso são nossos Seminários de Vida no Espírito.

163 DOCUMENTOS DA CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. 61, capítulo II, Evangelização Hoje, Sumário, item 5, “Espiritualidade”.164 Cf. Redemptoris Missio, 87

A 37ª Assembléia Geral da CNBB, no dia 22 de abril de 1999, aprovou o texto do Documento 62, que trata da missão e ministérios dos cristãos leigos e leigas. Este documento é um eco da Christifideles Laici no Brasil, com as necessárias explicitações. Nele a CNBB acolhe os carismas e os orienta ao serviço da Comunidade Eclesial, como se vê em seus números 79 e 81, quando trata de “carismas, serviços e ministérios vários,” e de “carismas e ministérios: distinguindo e unindo”.

Esta farta fundamentação nos faz abrir o coração para receber o consolo que o Senhor promete aos seus.165 Por outro lado, reconhecemos que ainda não conseguimos realizar tudo o que Jesus por Sua Igreja nos pede. Esforcemo-nos para atingir todas as metas. É também verdade, isso é um alento, que o pouco que fazemos está bem amparado pela Sagrada Revelação, em sua dupla manifestação – Sagrada Escritura e Sagrada Tradição – e pelo Magistério da Igreja.

Apresentaremos a seguir os frutos da Renovação; alguns. São muito importantes, pois a Igreja exige a presença deles para dizer se um movimento é eclesial ou não. Confira esta exigência relendo a parte conclusiva dos critérios de eclesialidade da Christifideles Laici acima apresentados. São os frutos que dizem a última palavra quando se deseja discernir sobre a catolicidade de uma associação. É por meio deles que se sabe se um movimento está no rumo certo ou se seus fundamentos não passam de retórica. A seguir comentaremos alguns e apresentaremos outros. Vamos a eles.

4. FRUTOS DA ESPIRITUALIDADE DA RCC

É nosso dever de cristãos olhar humildemente para os nossos frutos. Eles são usados pelo Espírito Santo para orientar nossos futuros passos. Essa pedagogia não é nova. Suas raízes estão na experiência do povo de Israel. Um dos objetivos que levou os herdeiros da geração do deserto a narrarem a epopéia que seus pais viveram era levar os olhos das novas gerações para os frutos do relacionamento de Deus com eles. Assim, nos momentos de crise, sempre encontravam esperança no Deus que sempre foi fiel.

O próprio Jesus nos chama a atenção para os frutos, quando diz: “não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e produzirdes fruto e para que o vosso fruto permaneça ...” (Jo 15, 16).

A mesma idéia dos frutos está na alegoria dos talentos, em Mateus 25, 20-21. Também na parábola do semeador Jesus nos diz que sua Palavra deve dar frutos a cem por um.

Como se nota, não temos alternativa, como cristãos, que não seja discernir nossa caminhada pelos frutos, seja para confirmar nossa caminhada, seja para reorientá-la.

165 Cf. Mt 5,11-12

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Antes de continuar nossa reflexão, paremos na obra do Frei Felipinho, o teólogo Felipe Gabriel Alves, nos anos oitentas, comprometido com a Teologia da Libertação. Ele era interessado em colocar o dom da profecia a serviço de sua causa – a libertação – e com vistas a isso penetrou vários estágios da Renovação. Vejamos o seu testemunho sobre a Renovação, que se encontra na introdução da segunda edição do livro O CARISMA DA PROFECIA166, que segue, ipsis literis:

“Difícil encontrar na América Latina uma

diocese onde não haja cinco ou mais grupos

carismáticos. São fontes irradiando consolo, paz,

contemplação, renovando-se continuamente no

Senhor. Aí cada participante se sente irmão. Aí

todos descobrem a alegria de pertencer a uma

Igreja viva, onde o mais culto e o mais simples

estão unidos, em plena liberdade de orar, anunciar

e profetizar. Aí é comum crer em Cristo. Não por

ter ouvido falar d’ele, mas por ter tido a

misteriosa experiência de que ele existe, vivo entre

eles.

Os grupos carismáticos, ou os grupos de

oração-estudo-ação, crescem, subdividem-se em

outros e toda a paróquia começa a sentir a

presença deles: é o amor que os une,

transformando-se, em várias localidades, em

interesse pela justiça social; é a libertação

interior, conduzindo-os, em diversas ocasiões, à

libertação dos oprimidos pelo poder dos

poderosos; é a catequese que passa a ser anúncio

e testemunho duma religião-vida; é a liturgia que

passa a ser participada realmente, com a grande

criatividade popular; são os cânticos que

sinalizam para uma liturgia-festa de encontro com

o Senhor; são centros espíritas que se fecham; são

evangélicos que se unem, para viver o ágape da

oração e do amor, etc.

E assim os grupos carismáticos, quanto

mais perseguidos, mais se amam e mais aumentam

em número, fiéis a seus vigários (mesmo que os

persigam), fiéis ao culto da Virgem Maria e ao

amor ao Santo Padre, o Papa, fazendo da Bíblia

fonte gostosa de água viva, onde diariamente

mergulham, bebem e se reanimam.

Após o Vaticano II, muitas e muitas

paróquias tentaram se atualizar, multiplicando as

secretarias, as reuniões, os organogramas, os

gráficos, os mapas. Tudo, porém, continuou frio:

as liturgias com mil folhetos e cânticos novos, mas

frias; a catequese, mesmo com métodos modernos,

muitas vezes continua atingindo apenas da testa

para cima, com verdades frias, sem mexer com o

coração e a vida, pois ainda falta a força do alto

(At 1, 8).

No entanto, sementes de vida nos grupos

carismáticos suscitam pessoas renovadas. Essa

166 ALVES, Felipe Gabriel – O Carisma da Profecia, pp. 11 e 12

gente do povo, simples e pobre, lá na periferia da

cidade, lá onde está o doente, o pobre e o

miserável, o alcoólatra, o viciado, começa a sentir

a força do Espírito Renovador. Assim brotam os

carismas, como simples serviço de fé à

comunidade, provocados pela experiência mística

do Batismo no Espírito Santo. Assim, como a

Igreja primitiva teve a força de perfurar a

barreira do Império Romano e penetrar o mundo

inteiro, o mesmo está acontecendo no século dos

tóxicos e da religião do prazer, através da

Renovação Carismática Católica. Ela chega com

a mesma Força Dinâmica, com o mesmo Espírito

Prometido, armada com os dons, a começar pelo

da conversão”.

É importante este depoimento por ser fruto de um estudo sério produzido por uma pessoa que na época não pertencia aos quadros da Renovação. Aliás, pertencia ao grupo que produzia as críticas mais contundentes contra a nossa Expressão de Igreja.

a) Valor dos frutos

a.1) Utilidade dos frutos

A vida de uma pessoa não existiria sem os frutos da terra. É por isso que os agricultores plantam cereais, verduras e outros alimentos.

Tal como o nosso corpo, o Corpo Místico de Cristo167 precisa de frutos para sobreviver; frutos do Espírito Santo. É pelos frutos que o mundo saberá que somos de Cristo.

Por conhecer a importância dos frutos para a vida da sua família, e para si, o agricultor escolhe bem sua semente e cuida com esmero de cada uma. Quando precisa de manga, planta manga; quando precisa de pepino, planta pepino.

Na vida pessoal quem desejar dar frutos do Espírito Santo deve viver no Espírito. No terreno eclesial quem desejar os mesmos frutos deve cultivar uma pastoral segundo o mesmo Espírito.168

a.2) Frutos como critério de discernimento

O agricultor para ter uma árvore necessita de semente e de terra. A Igreja é a terra do Senhor. Nesta terra Ele plantou uma centelha do Fogo de Pentecostes há pouco mais de trinta anos. A semente do Espírito nasceu, se tornou árvore e recebeu o nome de Renovação Carismática Católica, em nosso País, se tornando uma verdadeira Renovação Pentecostal. Toda árvore gosta e

167 Cf. 1ª Cor 12,7; Lumen Gentium, 7 e 8.168 Cf. Catec. 1699; DOCUMENTOS DA CNBB – 57, 13º Plano Bienal de Atividades do Secretariado Nacional, Mística e Espiritualidade Inculturadas, p. 12.

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necessita de chuva. Também a Renovação vive de água; Água Viva.

A árvore necessita de alimento para dar fruto. Isso traz à memória um fato conhecido por muitos de nós. Trata-se de certos coordenadores de pastorais que ambicionam os frutos da Renovação em sua Pastoral. Esses frutos são muitos agentes de pastoral que servem com “renovado ardor missionário”, como pede a Igreja. Entretanto essas mesmas pessoas que desejam usufruir o serviço dos membros da Renovação, muitas vezes mal suportam nossa espiritualidade. Mesmo assim vivem nos convidando para ajudá-las. Mas, uma vez nos tendo em suas pastorais, não querem permitir que continuemos carismáticos. Com elas não podemos nos colocar como canais visíveis da Água Viva. Proíbem nossos dons. Se permanecermos numa situação desta, aos poucos nos esfriamos e corremos o risco de até sair da igreja.

Reconhecemos o imenso valor das pastorais de conjunto, bem como sua necessidade e utilidade absolutas para a conservação da Igreja. Este reconhecimento é espelhado em pesquisa realizada no Congresso Nacional da Renovação Carismática Católica do Brasil, no ano 2000, onde se constatou que 68% de nossas lideranças (secretários nacionais, coordenadores estaduais e diocesanos) colaboram nas pastorais paroquiais e diocesanas. Nesta mesma pesquisa constatou-se que 65% dos demais participantes daquele congresso também colaboram nas pastorais.

Entretanto, infelizmente temos visto alguns irmãos optarem exclusivamente pelos trabalhos pastorais. O resultado desta exclusividade não tem sido bom. Dizemos isso com pesar. É que as pastorais não parecem ser o campo propício para o desenvolvimento de uma espiritualidade como a nossa. Pelo menos é isso que se tem visto. E, uma vez que alguém tenha experimentado uma espiritualidade que busca a oração contínua, os jejuns, os inúmeros retiros e encontros que aprofundam a fé, quando se desliga de tudo isso, parece que se vai esfriando, até resvalar na acídia.169 Talvez seja por este motivo que muitos, ao saírem de uma prática religiosa fervorosa, começam a se esfriar até saírem da Igreja, ou voltarem aos velhos costumes de praticantes ocasionais de alguns sacramentos e, pior, sem mais nenhuma atividade pastoral.

Qual seria a solução? O espaço de que dispomos em um estudo como este é pequeno para tratar de assunto tão importante e complexo. Todavia acreditamos que uma boa solução seria empregar nas pastorais uma metodologia parecida com a que utilizamos em nossas secretarias. Nossas secretarias são para nós uma terra de missão. Participamos delas mediante discernimento vocacional. Cada um serve na Secretaria para a qual sente no coração os apelos internos do Espírito, que, por vezes, é confirmado pelo convite da coordenação. Permanecemos nelas, sem nos desligarmos do restante da Renovação. Enquanto o Senhor nos quiser como servos para as secretarias, assim permanecemos. Quando o chamado terminar, continuamos na Renovação, com todo

169 Cf. Catec. 2733.

o amor e fervor, em atitude de permanente escuta e disponibilidade para o serviço.

Acreditamos que, assim como o Senhor chama muitos de nós – não todos, porém muitos – para o serviço das secretarias durante certas etapas de nossas vidas, pode estar chamando outros para as pastorais. Quem sabe se O escutássemos para este fim, ouviríamos um chamado grandioso, para um ministério infinitamente útil e necessário. Assim, quem fosse vocacionado poderia receber formação específica para servir nas pastorais, mantendo os vínculos com a Renovação, a fim de conservar o fervor e o vigor missionário.

Esta reflexão nos leva naturalmente a algumas indagações como estas: Como existirá árvore sem seiva? Como pode o filho de Deus viver sem a Água Viva? Existirá Renovação sem a fluência do Espírito? Como poderá haver frutos se se mata a árvore de inanição?

Ainda bem que o Espírito Santo nos deu a fortaleza das árvores dos cerrados.

Algumas vezes somos forçados a dizer a alguns coordenadores de pastorais que eles querem o fruto, mas estão matando a árvore. Muitas vezes falamos e não somos ouvidos. Muitos coordenadores preferem amargar a decepção com uma pastoral improdutiva, a admitir a prática dos carismas em seu trabalho. Contudo não podemos nos desanimar, devemos aprender a usar e valorizar os frutos como critérios de discernimento e com eles esclarecer os coordenadores de pastorais que pedirem nossa ajuda.

Dentro de tudo isso, não se pode deixar de ver a importância dos frutos para nossa espiritualidade e para a Igreja. Para Jesus eles também foram importantes. Os Apóstolos registraram essa importância em mais de uma passagem.170 Em João 5,36 e 14,11, Jesus os utiliza para autenticar sua obra. Ora, se no tempo de Jesus os frutos foram importantes para Ele mesmo; se Ele próprio os empregou para demonstrar aos que o contestavam que seu ministério era autêntico, tendo-os utilizado para confirmar que era o Messias,171 por que haveríamos nós, pobres pecadores, de menosprezá-los?

Os frutos não servem para o orgulho, mas são necessários para balizar nosso itinerário pessoal e pastoral. Com eles discernimos se a inspiração, a profecia, a oração, o plano que nos vêm são de Deus. Quando não houver frutos bons devemos parar, avaliar e reorientar nossa vida e nossa pastoral. Quando forem bons confirmam nossa ação pastoral e nos servem de incentivo.

b) Alguns Frutos

Vários frutos já foram mencionados. Alguns se encontram no subitem “d” do item “3”. Aqui veremos outros, também a título de exemplo.

170 Cf. Mt 7, 16-20; 12, 33-35171 Cf. Mt 11, 2-6

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b.1) Aceitação e prática dos carismas

Como já vimos neste tema, Jesus desenvolveu em Israel um ministério profundamente eficaz, no qual os carismas foram abundantes. Os Evangelhos testemunham vivamente esta verdade. Não se vê um só ato de Jesus no qual os carismas não estejam presentes. Do mais simples ao mais importante, que é o amor.

O discipulado, para ser autêntico envolve, portanto, a aceitação dos carismas, significando atitude de abertura de coração para recebê-los, ou, pelo menos, respeitar quem os aceita. Neste passo o Senhor tem sido exigente conosco, levando-nos não só a aceitá-los, mas também a praticá-los.

O próprio nome “carismático” com o qual nos designam, atesta a nosso favor sobre o fato de realmente aceitarmos e praticarmos os carismas.

b.2) Aceitação incondicional de Jesus como Salvador pessoal e Senhor absoluto

Antes de integrarmos a Renovação Carismática Católica, a aceitação da salvação de Jesus, bem como do seu senhorio, quando muito eram figuras de linguagem. Muitos de nós nem discutia a respeito. Não nos atrevíamos. Não saberíamos por onde começar. Hoje também não discutimos isso, mas estamos aprendendo, com nossa experiência de vida, a apresentar as razões da nossa fé. Descobrimos que a salvação de Jesus Cristo, nosso Senhor, não é para ser discutida, mas para ser vivida. Agora sabemos que alguém nos ama e cuida de nós. Nele podemos repousar e ser feliz.

Sabemos que esta experiência é possível também em outros movimentos, em outras expressões de Igreja, porém conosco foi aqui, com os irmãos da Renovação. Muitos de nós tentamos saciar a nossa sede de Deus em tantos lugares diferentes, dentro da Igreja e até fora dela, mas não o conseguimos. Muitos desses lugares – aqueles que estão dentro de nossa Igreja – eram e são maravilhosos, mas não nos ajudaram a beber da Água Viva. Não nos ajudaram a nos submeter a Jesus Cristo Ressuscitado e a aceitar sermos salvos por Ele, pessoalmente. Ainda bem que na Igreja Católica existem muitas alternativas, assim encontramos várias opções de vivência religiosa dentro dela, nas quais podemos buscar e encontrar nosso Deus, ou deixar que Ele nos encontre.

Repitamos: sabemos que a experiência salvífica deve acontecer em todas expressões eclesiais, todavia para nós e para milhares de pessoas, se não para milhões, tem acontecido na Renovação. Por isso podemos apresentar como precioso fruto de nossa espiritualidade a aceitação incondicional de Jesus como Salvador pessoal e Senhor Absoluto.

b.3) Amor a nós mesmos como filhos de Deus

O amor a nós mesmos é um mandamento de Deus172 que tem passado despercebido pelos cristãos; talvez devido à estrutura gramatical utilizada pelos tradutores, no afã de ressaltar o amor ao próximo. A tradução que nos apresentam quase esconde o amor a nós mesmos.

Os psicoterapeutas tentam incutir este amor em seus pacientes, porém não têm conseguido remover séculos de autodepreciação.

Com a cura interior o Senhor tem nos dado, imperceptível e misteriosamente, a graça de amar a nós mesmos. Assim, quando menos esperamos, estamos amando nossos irmãos e perdoando-os sinceramente. Agora podemos ousar inverter a disposição das palavras do milenar mandamento que diz: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18), para: “Ama-te, e com o mesmo amor ama o teu próximo”. Estamos descobrindo que amamos nossos irmãos com a mesma intensidade com que amamos a nós mesmos. É muito difícil alguém que se detesta conseguir demonstrar qualquer afeto para outra pessoa.173

Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo pelos dons de ciência, sabedoria e discernimento que são utilizados na cura interior.

b.4) Outros frutos importantes

Falta-nos tempo para comentar a graça de amar a Deus como Pai, assim como para falar da caridade, que é o amor agindo em prol dos irmãos.

Também temos cultivado os dons de nossa santificação, isto é, os sete dons do Espírito Santo tradicionalmente ligados ao Sacramento da Crisma.

A docilidade ao Espírito Santo é uma de nossas regras de vida. Essa docilidade tem sido usada por Ele para nos conduzir ao engajamento pastoral. Como já foi mencionado acima, nosso engajamento pastoral, entre os membros da Renovação, está acima de 60% dos seus

172 Cf. Mt 22, 39; Lev 19, 18b173 É parte integrante da estrutura emocional do ser humano transferir aquilo que sente. Caso a pessoa não goste de si mesma, não se ame, por mais que se esforce, dificilmente poderá demonstrar afeto genuíno, do coração, aos seus semelhantes. De mais a mais, a demonstração externa de afeto, sem seu correspondente interno, provoca imensa instabilidade emocional que leva a pessoa a fazer inúmeras vezes o mal que não quer e a não fazer o bem que gostaria.

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membros,174 isso além de tudo que já fazemos dentro do próprio Movimento.

Outros frutos têm sido a experiência de filhos de Deus, a fé, um sólido e equilibrado relacionamento com Maria, como nossa mãe, nossa intercessora e modelo no seguimento de Jesus. Hoje muitos de nós podem dizer que são filhos de Maria, de uma maneira que as palavras sejam uma ressonância do coração.

Desejamos também destacar um dos maiores presentes que Deus nos tem dado, que é possuir um coração missionário. Deus quer precisar de nós. Sabemos que o maior beneficiado com o ardor missionário é o povo do Senhor, mas experimentá-Lo, vivê-Lo, saboreá-Lo, tem sido muito bom para nós mesmos. Poucas coisas nos enchem mais de alegria e esperança do que ver pais e mães de família, assim como jovens se entregando inteiramente ao Senhor, ao seu serviço e ao serviço da Igreja. Damos a Jesus o melhor do nosso tempo. O tempo do nosso merecido repouso. Isso mesmo! Trabalhamos o dia todo, em casa e fora de casa, e durante as noites, fins de semana e feriados estamos nos campos da messe do Senhor. Isso não é mérito nosso. É uma grande alegria. O senhor nos atrai e nos enche de júbilo em sua casa.175 Ele nos seduziu e nos venceu. Agora que experimentamos o seu sabor não conseguimos mais deixá-lo.176 Não podemos deixar de falar do Senhor, mesmo que somente com discretos atos. O zelo por sua Palavra nos queima e nos impele a testemunhar a obra que Ele faz em nós e em nossa Igreja.

174 Membros da Renovação não são os milhões que participam dos encontros ministrados nas dioceses de nosso País. Da mesma forma que tem acontecido na estrutura eclesial da Igreja Católica, na qual milhões e milhões de pessoas dizem que são católicas, mas não abraçam a causa de Nosso Senhor Jesus Cristo, muitos vão uma vez a um grupo ou a algum encontro de oração e passam, a partir de então, a se sentir “da Renovação.” O que a Renovação entende por membro da “Renovação?” Membros da Renovação são aqueles irmãos que participaram dos encontros e seminários por ela ministrados e que ali acolheram o Evangelho ou aprofundaram e aperfeiçoaram algum anterior acolhimento, mas que, após este acolhimento, integram sua estrutura e aceitam suas normas de vida. Normas não escritas, costumeiras, porém extraídas da Sagrada Escritura, do ensinamento do Magistério e da Tradição da Igreja.

Os milhões de pessoas que continuam freqüentando os encontros e grupos de oração, sem ainda se comprometerem com o chamado do Senhor, fazem parte das multidões necessitadas de amor, compaixão e salvação que ao tempo de Jesus de Nazaré se aglomeravam em torno dEle, esperando soluções para suas vidas e que, invariavelmente, eram por Ele amadas. Estas pessoas são os irmãos de nossa predileção, a elas os membros da Renovação dedicam especial amor. 175 Cf. Sl 121/122,1

Por vezes sem conta temos visto pessoas empedernidas se tornarem crianças ante a face do Senhor. Falta-nos tempo e espaço para relatar os frutos desta natureza que temos presenciado.

Outros frutos, como mencionamos antes, têm sido o reconhecimento de nossa realidade pecadora (João 16, 9); o relacionamento de amor com a Igreja, tendo-a como Corpo Místico de Cristo, assembléia do povo de Deus, sacramento visível de Jesus Cristo e depositária fiel da fé; relacionamento fraternal com os santos, reconhecendo-os como modelos que nos precederam no Reino da Glória, sendo nossos modelos na vivência da fé cristã, no amor e na prática da Palavra de Deus; vivência sacramental; amor pela Palavra de Deus, tanto para reverenciá-la e conhecê-la, quanto para praticá-la; promoção da pessoa humana, por meio de obras sociais e engajamento político, este mediante a formação para o exercício da cidadania, com base na doutrina social da Igreja.

Enfim, cremos que o melhor resumo dos frutos de nossa espiritualidade, para declará-lo numa só palavra, é conversão.

Em nosso meio temos visto inúmeras conversões. Profundas mudanças de vida. Verdadeiras METANÓIAS (µετανοια - mudança de mentalidade). Radicais transformações interiores com reflexos na vida exterior. Esta transformação é uma graça que o Espírito planta em coração. Mas também sabemos que ela é uma exigência do Reino de Jesus.177 E ela não vem sozinha. Faz-se acompanhar de profunda inquietação pelos que sofrem sem Deus e sem justiça.

Cá, entre nós, podemos dizer que dificilmente se vê um povo de Igreja com tantos problemas pessoais e sociais num mesmo lugar. Raramente se vê um povo tão pecador no mesmo ambiente eclesial. Porém jamais vimos também tanto esforço para caminhar em santidade. Em nosso meio o perdão tem acontecido. Igualmente o amor fraterno, as obras sociais, a conscientização política.

Somos testemunhas de jovens – homens e mulheres – que se casam virgens, de patrões que começam a levar a sério os direitos sociais dos empregados. Ressalte-se o caso de empresários que, não podendo responder ao apelo evangelístico pessoalmente, contratam evangelizadores como seus empregados e os liberam para o serviço do Senhor.

Enfermos são curados. Dependentes de drogas, recuperados. Atormentados pelo maligno são libertados.

Não é objetivo destes estudos realizar um inventário de tudo o que o Senhor tem feito em nosso meio. Perdemos a conta de pessoas libertadas de vícios de tabaco, álcool, pornografia, orgia. Falta-nos tempo para falar das reconciliações familiares, dos retornos à Igreja.

176 Cf. Jr 20,7; Sl 33/34,9177 MATERA, Frank J. Ética do Novo Testamento: os Legados de Jesus e de Paulo, p. 54

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Quem desejar se aventurar a conhecer melhor a nossa espiritualidade certamente encontrará entre nós boa acolhida. Ela é um perfume do Espírito que se conhece quando se experimenta.

Ao longo dos anos a Renovação Carismática tem se tornado o abrigo dos sofredores, dos endividados, dos desequilibrados emocionalmente, dos carentes, dos pecadores de toda espécie. Isso lhe tem dado muito trabalho. Mas ela, como ministra da Graça de nosso Senhor Jesus Cristo e serva dEle, nos tem acolhido e nos ensinado a sermos cristãos, irmãos, discípulos de Jesus e filhos da Igreja, enfim, católicos.

Que diremos para encerrar este tema? Diremos com poucas palavras que esta espiritualidade pneumatológica se enraíza profundamente na tradição de Israel. Deus se revelou ao mundo por meio de um povo sacerdotal e profético. Ele falou com o antigo Israel por meio de vários carismas. Assim, sem perigo de errar, podemos dizer que nossa prática carismática remonta ao antigo profetismo judaico, chega ao cume com Jesus, passa pelo tempo Apostólico e Patrístico e chega até nós. Não ver isso é empobrecer a Revelação Divina. Vê-se, portanto, que nossa Renovação não é assim tão nova.

Pelo exposto neste capítulo, concluímos que existe sólida fundamentação para a Espiritualidade da Renovação Carismática Católica. E como esta espiritualidade é dada pelo sopro do Espírito que anima a Renovação como Movimento Pentecostal Católico, ela, a Renovação, está igualmente bem fundamentada. Vimos sobejamente que esta fundamentação é bíblica, patrística e doutrinária; e que decorre diretamente da práxis de Jesus, bem como da vida da Igreja Primitiva que viveu no Espírito Santo e por Ele.

Assim, com apoio nesta segura fundamentação teológica, podemos expressar livremente nosso jeito de ser Igreja, com toda segurança de estarmos fazendo a vontade de nosso Deus. Podemos assumir nossa espiritualidade e viver na Renovação, sem medo de errar. Nela somos católicos e também úteis à nossa Igreja.

Amém. Deus os abençoe. “Intensificai as vossas invocações e súplicas. Orai também por mim” (Ef 6,18-

19).

RESUMO

ESPIRITUALIDADE é uma forma específica de responder ao chamado de Deus, bem como de colaborar no Seu plano de salvação. Ou, dizendo de outra forma, é um modo específico de relacionar-se com Deus-Pai, Deus-Filho, Deus-Espírito Santo, com a Igreja, Corpo Místico de Cristo, em sua expressão terrena e celestial e com as pessoas, a partir de uma experiência pessoal de salvação (experiência religiosa).

A espiritualidade da Renovação Carismática Católica é Trinitária e nasce a partir de uma experiência pentecostal de quem participa da salvação do Pai, na pessoa de Seu Filho Unigênito, nosso Senhor Jesus Cristo, tendo como antecedente histórico o Pentecostes dos primeiros Apóstolos de Jesus Ressuscitado, reaviva o batismo sacramental, principalmente no sentido de morrer com Cristo e com Ele ressuscitar, fixa inteiramente os fiéis no projeto de instauração do Reino de Deus, como filhos Seus, sujeitos ativos da história da salvação, co-herdeiros de Cristo, gera também uma consciência viva do poder e da ação concreta do Espírito Santo na vida pessoal e na história da redenção do homem, acompanhada de docilidade às suas moções, inspirações, revelações e toques (divinos), tendo a aceitação e a prática dos carismas como forte distintivo das outras espiritualidades.

Como vimos, nestes estudos analisamos a fundamentação teológica da Renovação, ela encontra-se na vida de Jesus e na vida da Igreja, desde os tempos dos Apóstolos. É em Jesus e na Igreja que encontramos os principais elementos para formular os fundamentos teológicos do nosso Movimento. Com certeza foi com base em Jesus e na vida dos Apóstolos que os Bispos da América Latina, reunidos em La Ceja, Colômbia,

disseram que "a base teológica da Renovação é essencialmente trinitária (...).”

Pela exposição deste tema percebe-se que, teologicamente, a Renovação se fundamenta a partir de sua espiritualidade. Os elementos essenciais desta espiritualidade estão enraizados na Sagrada Escritura e na Sagrada Tradição, conforme reconheceram os Bispos Latino-americanos em La Ceja.

Da vida de Jesus extraímos os seguintes elementos: plenitude do Espírito Santo, docilidade a Ele e deixar-se conduzir por Ele. Mas Jesus não quis o Espírito Santo somente para si, Ele batizou os discípulos no Espírito Santo.

Da vida da Igreja extraem-se os principais elementos eclesiais carismáticos. Examinando tais elementos, podemos dizer que o Novo Testamento narra a grandiosa experiência carismática da Igreja. É por isso que podemos dizer que a vocação da Igreja é ser carismática. Ela nasceu carismática, desenvolveu-se carismática e continuou carismática. Prova disso é a existência de certo “elemento carismático” que levou os Apóstolos a ministrarem formação específica sobre a vivência carismática nas primeiras comunidades cristãs.

Quanto ao embasamento jurídico-canônico da Renovação, está diluído na totalidade deste estudo, principalmente onde se utilizam documentos eclesiais, mas podemos recordar os seguintes:

a) “Os fiéis têm o direito de fundar e dirigir associações para fins de caridade e piedade, ou para favorecer a vocação cristã no mundo, ...” e de “... promover e

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sustentar a atividade apostólica...” (CIC,

cân., 215 e 216);

b) “Os fiéis têm o direito de prestar culto a Deus segundo as determinações do próprio rito aprovado pelos legítimos Pastores da Igreja e de seguir sua própria forma de vida espiritual, conforme, porém, à doutrina da Igreja (CIIC, cân.,” 214. (Grifos do autor);

c) Documento da CNBB – 53, número 2: “Entre os vários movimentos de renovação espiritual e pastoral do tempo pós-conciliar, surgiu a RCC que tem trazido novo dinamismo e entusiasmo para a vida de muitos cristãos e comunidades.” Completam este pensamento dizendo no parágrafo dezenove que “Reconhecendo-se a presença da RCC em muitas Dioceses e também a contribuição que tem trazido à Igreja no Brasil, é preciso estabelecer o diálogo fraterno no seio da comunidade eclesial, apoiando o sadio pluralismo, acolhendo a diversidade

de carismas e corrigindo o que for necessário.”

Mas, antes de encerrar, lembremos os frutos. Eles foram usados por Jesus como testemunho de quem Ele era. Paulo se valeu deles para autenticar seu ministério. Por isso é bom lançarmos um olhar, mesmo pequeno, sobre alguns frutos que o Senhor tem colhido com nossa espiritualidade, como os seguintes, que citamos a título de exemplo: aceitação incondicional de Jesus como Salvador pessoal e Senhor absoluto, amar a Deus como Pai, aceitação e prática dos carismas, amor a nós mesmos como filhos de Deus, amar os outros como filhos de Deus, engajamento pastoral, conversão, dentre outros.

Para finalizar este resumo, gostaríamos de lembrar que nossa espiritualidade se liga ao fato mais importante da Igreja, após a ressurreição de Jesus, cuja historicidade se atesta perenemente pela narração de são Lucas no Livro dos Atos dos Apóstolos, a partir do capítulo segundo.

Quando se comparam os fatos que ocorrem em nosso meio com aqueles que aconteceram na Igreja Primitiva, à luz de suas semelhanças, vemos que essa ligação é inevitável.

CAPÍTULO QUARTO

RENOVAÇÃO CARISMÁTICA COMO UM NOVO PENTECOSTESA Renovação, como espiritualidade, é herdeira do

movimento pentecostal apostólico que marcou a fundação da Igreja. Como movimento se organiza na esteira de tantos outros que vêm e passam pela Igreja Católica. Cada movimento tem uma vocação a cumprir. O movimento litúrgico, por exemplo, visava à renovação da liturgia. O dos vicentinos assiste os pobres. O Cursilho de Cristandade tencionava formar líderes cristãos para o mundo. E a da Renovação, qual será?

Esta não é uma pergunta fácil de ser respondida. A Renovação realiza tantas coisas que, conforme o ângulo de que é analisada, conclui-se que sua vocação é cantar, ou pregar, ou orar por curas e milagres, ou promover a libertação dos oprimidos e possessos, ou promover os pobres, ou oferecer, à militância política, homens e mulheres que se esforcem para viver santamente, ou promover vocações sacerdotais e religiosas, ou... A lista é muita longa.

Mas, qual será mesmo a vocação da Renovação? Muitos têm afirmado que é a evangelização, pois sua música, sua pregação, suas orações por curas e milagres, e tudo o mais que realiza é meio para anunciar a Boa Nova e para buscar os neoconvertidos para o discipulado.

Assim, parece que é certa a conclusão de que a vocação da Renovação seja evangelizar. Entretanto, nesta conclusão parece faltar alguma coisa. Esta falta é esclarecida quando se coloca a evangelização no contexto do Pentecostes dos Apóstolos. Com efeito, o anúncio realizado pelos Apóstolos é nada mais, nada menos que um fruto de Pentecostes. Ora, se assim é, não podemos

interromper a busca da vocação da Renovação no entendimento de que ela seja pura e simplesmente evangelizar; por melhor e mais sedutor que isso seja; afinal, o ardor que a faz missionária é um fruto do Espírito Santo que se manifestou na Igreja Primitiva e se renova hoje.

Então, qual é a vocação da Renovação? Indagamos pela terceira vez. A vocação da Renovação Carismática Católica é promover na Igreja e para Ela o Fruto de Pentecostes, segundo se conclui pela fala dos Papas.178 Assim, poderíamos resumir o chamado vocacional da Renovação dizendo que é a renovação do Pentecostes apostólico para toda a Igreja.

Com isso não se diz que todas as pessoas devam se inscrever em um movimento conhecido por Renovação Carismática, mas que todas as pessoas, ao olharem para a Renovação, se animem também a experimentar o batismo no Espírito Santo e a praticarem os seus carismas em suas pastorais e movimentos. Este chamado tem nos preenchido interiormente e ocupado todo o tempo que nossas atividades profissionais, estudantis e familiares nos têm permitido disponibilizar para o Senhor. Sentimo-nos

178 Cf. JUANES, Benigno, SJ. Falar em Línguas, 1997. Nesta obra o autor transcreve a oração de João XXIII pedindo um novo Pentecostes (p. 200) e a seguinte afirmação de João Paulo II: “De maneira que estou convencido de que este

movimento é um componente muito importante

dessa total renovação da Igreja, dessa

renovação espiritual da Igreja “(p. 208).

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felizes e satisfeitos com esta missão, por isso desejamos conhecê-la melhor e aperfeiçoá-la mediante a partilha com outras vocações eclesiais. No fim de toda reflexão percebemos que esta é realmente nossa vocação. Assim estamos servindo a Cristo e a sua Igreja.

1. PRIMEIRO PENTECOSTES

Para melhor entendermos a Renovação como um novo Pentecostes, analisaremos alguns aspectos do Pentecostes da Igreja Primitiva, pois “para compreender a Renovação espiritual carismática é preciso saber o que esse Espírito realizou nos primeiros tempos da Igreja.”179

a) Antecedente Bíblico

O Pentecostes narrado em Atos 2,1-4 não foi a primeira efusão do Espírito Santo para o povo de Israel. Os seus rabinos, e talvez muitos do povo, conheciam o episódio registrado em Números 11,1-30, que é um verdadeiro antecedente do derramamento do Espírito Santo acontecido no dia da primeira festa do Pentecostes Judaico após a ressurreição de Jesus Cristo. Como vimos anteriormente, nesta passagem o Senhor manda Moisés escolher dentre os anciãos setenta homens para que recebessem do mesmo Espírito que ele, Moisés, recebera. Vimos também que estes anciãos, uma vez batizados no Espírito Santo, receberam a missão de ajudar Moisés na condução do povo de Deus.

Este derramamento do Espírito foi seguido por sinais sensíveis. Naquela oportunidade todos os anciãos profetizaram.

Esta efusão é importante para o pentecostalismo por vários motivos. Destacaremos alguns: primeiro, prefigurava o Pentecostes cristão. Segundo, ensejou uma bela profecia – “Prouvera a Deus que todo o povo do Senhor profetizasse, e que o Senhor lhe desse o seu espírito!” (Nm 11,29) – que seria cumprida no tempo dos Apóstolos. Terceiro, reforça a utilidade e a necessidade da força do Espírito na ação pastoral.180

b) Promessas de Deus

O Senhor sempre prepara o seu povo para os acontecimentos da economia da salvação. Isso foi feito em relação ao primeiro Pentecostes por meio de inúmeras profecias. Eis algumas:

179 DOCUMENTO La Ceja. Op.cit. § 32. 180 Cf. Nm 11,14-17

“... eu lhes darei um só coração e os animarei com um espírito novo: extrairei do seu corpo o coração de pedra, para substituí-lo por um coração de carne. Eu vos retirarei do meio das nações, eu vos reunirei de todos os lugares, e vos conduzirei ao vosso solo. (Ez 11,19) Derramarei sobre vós águas puras, que vos purificarão de todas as vossas imundícies e de todas as vossas abominações. Dar-vos-ei um coração novo e em vós porei um espírito novo; tirar-vos-ei do peito o coração de pedra e dar-vos-ei um coração de carne. Dentro de vós meterei meu espírito, fazendo com que obedeçais às minhas leis e sigais e observeis os meus preceitos. (Ez 36, 24-27).

Profetiza ao espírito, disse-me o Senhor, profetiza, filho do homem, e dirige-te ao espírito: eis o que diz o Senhor Javé: vem, espírito, dos quatro cantos do céu, sopra sobre esses mortos para que revivam. Proferi o oráculo que ele me havia ditado, e daí a pouco o espírito penetrou neles. Retornando à vida, eles se levantaram sobre seus pés: um grande, um imenso exército” (Ez

37,9-10).

“Depois disso, acontecerá que derramarei o meu Espírito sobre todo ser vivo: vossos filhos e vossas filhas profetizarão; vossos anciãos terão sonhos, e vossos jovens terão visões. Naqueles dias, derramarei também o meu Espírito sobre os escravos e as escravas”. (Jl 3,1)

181

“Eu vos batizo com água, em sinal de penitência, mas aquele que virá depois de mim é mais poderoso do que eu e nem sou digno de carregar seus calçados. Ele vos batizará no Espírito Santo e em fogo (Mt 3,11b; Mc 1,8; Lc

3,16; Jo 1,33)”.

“Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai celestial dará o Espírito Santo aos que lho pedirem. Eu vos mandarei o Prometido de meu Pai; entretanto, permanecei na cidade, até que sejais revestidos da força do alto (Lc 11,13; 24,49)”.

“Jesus replicou-lhe: Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer de novo não poderá ver o Reino de Deus. Nicodemos perguntou-lhe: Como pode um homem renascer, sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no seio de sua mãe e nascer pela segunda vez? Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo: quem não renascer da água e do Espírito não

181 Ver também Lc 3, 16 e Jo 1,33

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poderá entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne, e o que nasceu do Espírito é espírito. Não te maravilhes de que eu te tenha dito: Necessário vos é nascer de novo. O vento sopra onde quer; ouves-lhe o ruído, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim acontece com aquele que nasceu do Espírito” (Jo 3,5-8).

“No último dia, que é o principal dia de festa, estava Jesus de pé e clamava: Se alguém tiver sede, venha a mim e beba. Quem crê em mim, como diz a Escritura: Do seu interior manarão rios de água viva (Zc 14,8; Is 58,11). Dizia isso, referindo-se ao Espírito que haviam de receber os que cressem nele, pois ainda não fora dado o Espírito, visto que Jesus ainda não tinha sido glorificado” (Jo 3,37-39)

“E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Paráclito, para que fique eternamente convosco. É o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece, mas vós o conhecereis, porque permanecerá convosco e estará em vós. Quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, ensinar-vos-á toda a verdade, porque não falará por si mesmo, mas dirá o que ouvir, e anunciar-vos-á as coisas que virão. Ele me glorificará, porque receberá do que é meu, e vo-lo anunciará” (Jo 14,16; 16,13-14).

“... mas descerá sobre vós o Espírito Santo e vos dará força; e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria e até os confins do mundo” (At 1,8).

Sabemos que estas promessas foram cumpridas no tempo dos Apóstolos,182 cinqüenta

dias após a Páscoa Judaica.183

c) Cumprimento das promessas e frutos pentecostais

Lucas narrou assim o acontecimento do Pentecostes Apostólico:

“Chegando o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio

182 Cf. At 2, 1-4183 Cf. o Vocabulário de Teologia Bíblica (Xavier Léon-Dufour, Ed. Vozes, Petrópolis-RJ, 1992) PENTECOSTES é uma palavra grega que designa a festa celebrada cinqüenta dias depois da Páscoa. O objeto dessa festa evoluiu: de início festa agrária, ela depois comemora o fato histórico da Aliança, para afinal se tornar a festa do dom do Espírito, que inaugura na terra a nova Aliança.”

do céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados. Apareceu-lhes então uma espécie de línguas de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Ficaram todos cheios do Espírito Santo e começaram a falar em línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem. Achavam-se então em Jerusalém judeus piedosos de todas as nações que há debaixo do céu. Ouvindo aquele ruído, reuniu-se muita gente e maravilhava-se de que cada um os ouvia falar na sua própria língua. Profundamente impressionados, manifestavam a sua admiração: Não são, porventura, galileus todos estes que falam? Como então todos nós os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna? Partos, medos, elamitas; os que habitam a Macedônia, a Judéia, a Capadócia, o Ponto, a Ásia, a Frígia, a Panfília, o Egito e as províncias da Líbia próximas a Cirene; peregrinos romanos, judeus ou prosélitos, cretenses e árabes; ouvimo-los publicar em nossas línguas as maravilhas de Deus! Estavam, pois, todos atônitos e, sem saber o que pensar, perguntavam uns aos outros: Que significam estas coisas? Outros, porém, escarnecendo, diziam: Estão todos embriagados de vinho doce. Pedro então, pondo-se de pé em companhia dos Onze, com voz forte lhes disse: Homens da Judéia e vós todos que habitais em Jerusalém: seja-vos isto conhecido e prestai atenção às minhas palavras. Estes homens não estão embriagados, como vós pensais, visto não ser ainda a hora terceira do dia. Mas cumpre-se o que foi dito pelo profeta Joel: Acontecerá nos últimos dias - é Deus quem fala -, que derramarei do meu Espírito sobre todo ser vivo: profetizarão os vossos filhos e as vossas filhas. Os vossos jovens terão visões, e os vossos anciãos sonharão. Sobre os meus servos e sobre as minhas servas derramarei naqueles dias do meu Espírito e profetizarão” (At 2,1-18).

Pronto! Estava cumprida a promessa. Assim como o Pai derramou o seu Espírito sobre setenta anciãos para que fossem transformados em colaboradores de Moisés, Ele e o Filho batizaram cento e vinte discípulos, incluindo mulheres, para que também fossem transformados em colaboradores de Moisés; não o da sarça ardente, mas o novo Moisés, o da cruz do Calvário, o da morte e da ressurreição. Não o que recebia revelações, mas o que é a própria Revelação.

A narrativa do Livro de Atos nos impressiona até os dias de hoje. Muito mais se avançarmos em sua leitura, pois ele historia o nascimento de uma Igreja Pentecostal e mais ainda se o completarmos

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com as cartas dos Apóstolos. Nestes textos, desde o início, já encontramos vários frutos do Pentecostes, a saber: ardor missionário, manifestação de dons carismáticos, nascimento da Igreja, conversão inicial, metanóia (conversão continuada, transformação de mentalidade), nascimentos de comunidades.184

2. PENTECOSTES ATUAL

Para um fenômeno espiritual ser considerado um novo Pentecostes deve repetir nos dias de hoje as ocorrências do primeiro, daquele que o Senhor aos primeiros discípulos.

Pensando nisto analisaremos, resumidamente, o pentecostalismo católico atual. Veremos nesta análise que existe um paralelismo entre a efusão do Espírito Santo de nossos dias e a efusão do tempo dos Apóstolos, ressalvadas as experiências físicas que os primeiros cristãos fizeram com o Cristo ressuscitado. Este paralelismo é visto no antecedente bíblico, nas promessas de Deus, no cumprimento das promessas e nos frutos desta efusão.

a) Antecedente bíblico

Assim como os rabinos de Israel e muitos do povo judeu conheciam a efusão do Espírito sobre os anciãos, nosso clero e inúmeros leigos conheciam o Pentecostes de Pedro e seus companheiros, ao menos de ouvir falar.

Quantos de nós suspirávamos de vontade de experimentar a mesma graça que repousou sobre os discípulos reunidos no cenáculo!? Quantas vezes lemos a Sagrada Escritura com mil interrogações acerca dos acontecimentos daqueles dias!? Quantos questionamentos, quantos anseios contidos no recôndito dos corações!? Mas, Senhor, por que não se realiza nos dias de hoje a mesma graça dos Apóstolos? Quantas vezes nosso espírito ansioso, atribulado, quedou cabisbaixo, sem resposta. Nestes momentos líamos e relíamos Atos dos Apóstolos fazendo da Palavra de Deus o nosso farol, e Ele nos consolava e renovava a nossa esperança.

Foi assim que o antecedente bíblico do atual Pentecostes preservou o ânimo e a esperança do Povo de Deus, até que ele fosse renovado.

O antecedente bíblico de Atos 2,1-41 nos garante que o fenômeno espiritual que ocorre na Igreja desde o ano de 1967 é um autêntico Pentecostes. Presenciamos hoje os mesmos sinais que sucediam naquele tempo, como veremos na análise dos frutos, logo abaixo.

184 Cf. Atos 2, 14-41.42.44-47; 11,26. Primeira e Segunda Carta aos Coríntios, Carta aos Efésios, Carta aos Romanos e demais cartas paulinas, Cartas de João, Carta de Tiago, Cartas de Pedro e Carta de Judas.

Historicamente a Renovação Carismática Católica, entendida como uma espiritualidade, se liga ao profetismo bíblico. Suas experiências pneumatológicas encontram raízes nos profetas do Antigo e do novo Testamento. Ao povo da Bíblia não era estranho mover-se no e pelo Espírito. No Israel antigo isso era feito por meio de pessoas escolhidas por Deus para o exercício do ministério profético. Eram os profetas.

Com o advento do cristianismo o movimento profético não acabou; ao contrário, se expandiu. Se antes o ministério profético era destinado a alguns escolhidos, a partir dos Apóstolos o carisma da profecia foi estendido aos que aceitavam Cristo, quando eram batizados no Espírito Santo. Junto com a profecia vieram os demais carismas.185

Como já vimos, as manifestações do Espírito Santo foram abundantes nos primeiros séculos do cristianismo. Decresceu por motivos ainda desconhecidos. Alguns teólogos da época tentaram explicar a diminuição dos carismas com base na menor necessidade dos mesmos. Mas, ao mirar a sua época, descobre-se que eram tão necessários para evangelizar o seu mundo quanto eram para o mundo dos Apóstolos. Então a explicação deve ser outra.

Entretanto, seja qual for o motivo do rareamento das manifestações pentecostais, elas jamais deixaram de existir, também como já vimos antes, e são os antecedentes seguros das que hoje acontecem. Nos dias atuais elas simplesmente retornaram.

A este respeito é importante ler um livro de Patti Galagher.186 Nele são noticiados vários eventos que prepararam o regresso da espiritualidade pentecostal, assim como o momento em que a Renovação nasceu. Vemos nesta obra que o início da Renovação se deu com o evento de sinais sensíveis da presença do Espírito Santo; em tudo parecido com os fatos bíblicos que assinalaram o batismo pentecostal dos Apóstolos e seus companheiros reunidos no cenáculo.

b) Promessas de Deus

A dinâmica do primeiro Pentecostes constituiu-se de promessas de sua vinda e de preparação do povo para recebê-lo. Também com o atual foi assim. O Senhor usou muitas pessoas para isso. Caso o carisma da profecia não houvesse caído em desuso por vários séculos, estas pessoas teriam sido reconhecidas como autênticos profetas e profetisas.

Inicialmente é necessário relembrar, mais uma vez, que o Espírito Santo jamais esteve ausente da Igreja. Ele é sua alma. Ele lhe dá vida e a conduz. Mas a partir do Século Dezenove Ele começou a incitar a Igreja no sentido de se acolher um novo Pentecostes. Isso

185 Cf. 1ª Cor 12,7-10186 MANSFIELD, Patti Galagher. Op. cit., p. 8

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aconteceu de várias formas. Destacaremos algumas mais apropriadas à nossa reflexão.

b.1) Oração e ação da freira Elena Guerra187

Irmã Elena Guerra, primeira pessoa beatificada pelo Papa João XXIII, e designada por ele mesmo de “Apóstola do Espírito Santo”, fundou em Lucca, Itália, uma congregação religiosa denominada Oblatas do Espírito Santo. Com a idade de cinqüenta anos sentiu-se inspirada a escrever ao Papa Leão XIII para que ele renovasse a Igreja mediante um retorno ao Espírito Santo como nos tempos da Igreja Primitiva. Mas não seguiu esta inspiração no momento.

Passados alguns anos, uma mulher que trabalhava na cozinha do convento trouxe-lhe uma revelação de Deus confirmando aquela inspiração. A partir de então, encorajada por seu diretor espiritual, escreveu doze cartas confidenciais ao Papa Leão XIII entre os anos de 1895 a 1903, nas quais pedia uma pregação permanente sobre o Espírito Santo.

Deus deu à Irmã Elena a visão de que a Igreja seria um permanente cenáculo de oração. E ela disse tudo isso ao Papa.

b.2) Moções do Espírito Santo em Leão XIII188

Após o início das correspondências de Irmã Elena, Leão XIII publicou o documento Provida Matris Caritate, no qual pedia que toda a Igreja celebrasse entre as festas da Ascensão e do Pentecostes solene novena ao Espírito Santo.

Em 1897, por meio do Bispo Volpi, diretor espiritual de Elena, o Papa disse-lhe que faria tudo que pudesse para glorificar o Espírito Santo. Logo em seguida publicou a Encíclica Divinum Illud Munus, sobre o Espírito Santo, uma espécie de preparação para o Século XX.

No dia primeiro de janeiro de 1901, atendendo aos apelos do Espírito que lhe eram feitos por meio de Irmã Elena, o Papa invocou o Espírito Santo, cantando, pessoalmente, o hino “Veni, Creator Spiritus” (Vinde, Espírito Criador). Em nossa fé, vemos neste gesto do santo Pontífice, uma consagração do Século XX ao Espírito Santo.

O Espírito Santo, em seus mistérios, não se faz esperar. A este respeito é interessante notar que no mesmo dia da oração do Papa, por volta das 23 horas, numa cidade estadunidense chamada Topeka, localizada no Estado de Kansas, enquanto um grupo protestante orava, liderado pelo Reverendo Charles Fox Parham, que se dedicava a estudar o batismo no Espírito Santo,

187 Cf. MANSFIELD, Patti Galagher. Op. Cit.188 Cf. Mansfield, Patti Galagher. Op. Cit., pp. 8 e 9

começaram as atuais manifestações de efusão do Espírito Santo, quando uma jovem de nome Agnes Ozman orou em línguas. Logo outras pessoas também começaram a orar, incluindo o Reverendo Parham.189

Este fato acontecido em Topeka é o marco do Pentecostalismo moderno.

b.3) Moções do Espírito Santo em João XXIII190

Segundo o testemunho do Papa Paulo VI, João XXIII, quando Bispo, visitou inúmeras vezes uma aldeia da então Tchecoslováquia, na qual todas as pessoas viviam permanentemente as graças de Pentecostes narradas na Primeira Carta aos Coríntios. Com certeza este santo Papa viu muitas vezes as pessoas desta aldeia orarem em línguas, profetizarem, orarem por curas e milagres, testemunharem Cristo com ardor. Certamente o Senhor inflamou o coração daquele santo Bispo do desejo de que esta mesma graça alcançasse toda a Igreja.

Os caminhos do Senhor são mesmo misteriosos. Quem pensaria que o velho Bispo Ângelo Roncalli, em “fim” de carreira, estava sendo escolhido por Deus para ser o gatilho do novo Pentecostalimo?! Ninguém.

Tão logo assumiu as funções de vigário de Cristo, o Bispo Ângelo, agora Papa João XXIII, convocou um concílio ecumênico, o segundo realizado em Roma.

Durante os preparativos deste conclave o Papa não escondeu o que Senhor colocava em seu íntimo. Tanto que até elaborou a seguinte oração preparatória para o Concílio:

“Renova os teus milagres nestes nossos

dias, como em um novo Pentecostes. Permite que

tua Igreja, unida em pensamento e firme em

oração com Maria, a Mãe de Jesus, e guiada pelo

abençoado Pedro, possa prosseguir na construção

do reino do nosso Divino Salvador, reino de

verdade e de justiça, reino do amor e da paz.

Amém”.

b.4) Ação do Espírito Santo no Concílio Vaticano II

Inegavelmente o Concílio Vaticano II, no que toca ao Pentecostalismo, foi uma grande e majestosa profecia. Os novos caminhos do Espírito Santo para a Igreja Católica, que começaram nos tempos da Irmã Elena Guerra e do Papa Leão XIII, atingiram no concílio uma delineação nítida, que mais justo seria dizer que a partir dos documentos conciliares nele gerados, o Movimento Pentecostal tem imensas rodovias bem pavimentadas, largas avenidas com sinalização bem ordenada e visível, por onde pode progredir com segurança.

189 Cf. Mansfield, Patti Galagher. Op. Cit., pp. 9190 Cf. Mansfield, Patti Galagher. Op. Cit., pp. 6 e 7

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Nos documentos que o Concílio gerou, reencontramos – oficialmente – boa fundamentação para os pontos cruciais do Pentecostes, que são os carismas, causadores de perplexidades desde Jerusalém.191 As referências a eles vieram em dezenas, diretamente, além do que se diz do seu doador, o Espírito Santo. Se podemos dizer que a Primeira Carta aos Coríntios contém o estatuto básico para um salutar movimento pentecostal, o Concílio Vaticano II legítima as modernas espiritualidades carismáticas.

Assim, terminamos de verificar que o novo Pentecostalismo Católico foi objeto de promessa e preparação divinas por meio de pessoas escolhidas, dentre as quais citamos Irmã Elena Guerra, Papa Leão XIII, Papa João XXIII e os padres conciliares que participaram do Concílio Ecumênico Vaticano II.

c) Cumprimento da promessa192

Na década de sessenta, enquanto a Renovação Carismática Católica não se iniciara, o Espírito Santo encontrou no Cursilho de Cristandade um ambiente propício para a sua efusão. No ano de 1.965 aconteceram efusões do Espírito Santo em algumas de suas reuniões, manifestando-se oração em línguas.193 Talvez por isso o Cursilho forneceu os primeiros líderes que a Renovação necessitava.194

O marco da Renovação Carismática Católica dos tempos atuais aconteceu no dia 18 de fevereiro de 1.967, durante um retiro de estudantes da Universidade do Espírito Santo de Duquesne, Estado da Pensilvânia, Estados Unidos da América, dirigida pela ordem missionária dos padres do Espírito Santo, realizado nos dias 17, 18 e 19, daquele mês e ano. O lema do brasão daquela Universidade é: “Spiritus Est Qui Vivificat” (É o Espírito quem vivifica).

Na noite daquele dia dezoito, após uma festinha de aniversário ter sido frustrada pela falta de água, vários jovens foram impelidos pelo Espírito Santo a irem para o andar de cima, onde estava a capela. Lá chegando, sem saberem o motivo, encaminharam-se para a capela, cada um por sua vez. O Senhor os batizou em seu Espírito e Este se manifestou a eles com vários sinais físicos, como sensação quente no corpo, quebrantamento, júbilo, lágrimas, “clique” na garganta, sensação picante na língua.195

O Senhor não queria para eles água mineral, pois tencionava inundar-lhes da Água Viva.

Até então todos que experimentavam a efusão do Espírito Santo, católicos ou protestantes, perdiam o

191 Cf. At 2,1-15192 Cf. Mansfield, Patti Galagher. Op. Cit.193 Cf. Mansfield, Patti Galagher. Op. Cit. p. 12

vínculo com suas antigas denominações, pois suas lideranças não aceitavam o pentecostalismo. Por isso iam para os movimentos pentecostais protestantes da época. Mas desta vez não foi assim. Professores de teologia e de filosofia – portanto com boa formação e sabedores do que queriam, queriam ser católicos pentecostais. Exatamente como os Apóstolos – resistiram às incompreensões de quantos não haviam ainda experimentado esta graça e permaneceram firmes com os jovens dentro da Igreja. Muitas vezes foram obrigados a se reunirem em locais diferentes, mas sustentados pelo Senhor permaneceram fiéis.

A partir dos acontecimentos de Duquesne, o Espírito Santo, literalmente, arrastou uma multidão de católicos para o atual pentecostalismo, porém desta vez sem que saíssem da Igreja. Em pouco tempo a Renovação já existia em todos os continentes.

No Brasil chegou no mês de junho de 1.969, em três localidades simultaneamente: Campinas-SP, Campo Grande-MS, e em uma cidade do interior do Amazonas, consoante reportagem publicada no Jornal “CARISMA”, de Goiânia-GO.196, na qual o entrevistado é o Padre Eduardo Daugherty, que participou do encontro de Campinas-SP.

A partir do início dos anos setenta alguns sacerdotes jesuítas, entre eles os padres Sales e Haroldo Ham, começaram a realizar pelo Brasil experiências de oração, no início chamadas de Experiência do Espírito Santo. Muitos líderes de movimentos como o Cursilho de Cristandade e os Treinamentos de Liderança Cristã (TLC) participaram das experiências de oração. Esses líderes assumiram uma evangelização com identidade própria e logo já se organizaram como movimento. Era a Renovação que nascia.

Padres como Jonas Abib e Eduardo Daugherty, este desde os tempos de seminarista, propiciaram a segurança necessária aos primeiros formadores e coordenadores da Renovação, que a esta altura já havia encarnado o novo pentecostalismo.

A rápida propagação do Fogo de Pentecostes levou à realização do primeiro Congresso Nacional, já em 1974. Ele foi realizado em Itaici sob a coordenação do Arcebispo de Vitória, Dom Silvestre Scandian, na época ainda padre, e com as presenças do Padre Robert DeGrandis e dos frades João Batista Vogel e Wilfred Tunnick.

A partir do primeiro Congresso Nacional este Fogo se propagou de forma vertiginosa. Logo já havia atingido o Norte, o Sul, o Leste, o Oeste e o Centro-Oeste. É assim que vemos, já em 1974, em pleno interior do Brasil, a

194 Nos Estados Unidos, por exemplo, conforme Patti Galagher (Mansfield, Patti Galagher. Op. Cit. pp. 11 e 12). No início da Renovação no Brasil, muitos dos seus líderes vieram dos cursilhos e ainda continuam entre nós.195 MANSFIELD, Patti Galagher. Op. Cit. p. 47.196 A matéria veiculou no número 16, de fevereiro/98, página 7

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Renovação tendo início em Anápolis, na época uma pequena cidade de Goiás, afastada de Goiânia cerca de quarenta quilômetros, com Frei João Batista Vogel. No mesmo ano (1.974) ela chegava em Goiânia, precisamente na Paróquia São Francisco, trazida pelo Frei Juvenal – OFM.197

Estas datas demonstram a pressa do Senhor.

Alguns de seus pioneiros foram, além dos nomes já citados: Frei Paulo, na época da Diocese de Santarém, Pará; Monsenhor Mauro Tommasini, da Arquidiocese de Pouso Alegre-MG; Padre Schuster; Doutor Jonas, dentista, e sua esposa; Peter e Ingrid Orglmeister; Imaculada Petinnatti, Dom Cipriano Chagas, Padre Alírio Pedrini, Frei Antônio, Irmã Tarsila, Maria Lamego, Irmã Stelita, Tia Laura, dentre muitos outros.

O novo Pentecostes não é mais somente uma promessa. Ele pode ser visto e experimentado na Renovação Carismática Católica que já se organizou em mais de duzentos e cinqüenta dioceses, incluindo arquidioceses. Existem hoje milhares de grupos de oração.

Desejamos ardentemente que todos os irmãos, em qualquer pastoral ou movimento, também bebam desta Água.

d) Frutos pentecostais

Falta ainda compararmos os frutos de hoje com os frutos do Pentecostes apostólico para percebermos definitivamente que a Renovação é um novo Pentecostes. Vejamos sinteticamente.

Hoje experimentamos um ardor missionário entre clérigos, e principalmente entre os leigos, comparável ao da Igreja Primitiva. Em cada local onde existe a Renovação o que se vê são inúmeras pessoas evangelizando por meio de ensinos, cânticos, obras sociais, ministério de cura, ação política, engajamento em pastorais diocesanas e paroquiais. São belos frutos.

Com o primeiro Pentecostes a Igreja nasceu. Com o atual ela se revigora. Em cada lugar onde haja um grupo de oração da Renovação Carismática o Senhor tem fomentado a fé e o amor a Deus e à sua Igreja.

Como no tempo dos Apóstolos, temos presenciado uma quantidade enorme de conversões instantâneas. Desta graça somos mais que testemunhas. Mas o melhor mesmo tem sido as conversões profundas que atingem o coração, a mentalidade. Da mesma forma que o Senhor fez com os discípulos e os Apóstolos198 temo-lo visto fazer hoje em dia com muitas pessoas.

O Novo Testamento registra a existência de muitas comunidades. Em nossos dias o que temos visto? O

197 Existe estudo de um projeto para escrever a história da Renovação no Brasil, a pedido do Conselho Nacional.198 Cf. At 9, 1-22; 10,1—11,18

mesmo fenômeno acontecendo. As pessoas que experimentam a graça de Pentecostes não desejam mais viver sozinhas. Sentem-se atraídas pela mesma unção que reveste outros irmãos. Com isso, naturalmente, sem nenhum comando, vão se agrupando e formando comunidades. Cada grupo de oração, quando estruturado, é dirigido por uma pequena comunidade denominada núcleo do grupo. Outras espécies de comunidades também têm sido suscitadas. São as de aliança e as de vida. Muitas são dotadas de estatuto próprio com aprovação eclesiástica. São filhos da Renovação que se emanciparam. Agora já se estudam as comunidades de renovação.

Mas de todos os frutos, os que mais marcam a Renovação como um novo Pentecostes são os carismas. Eles ocorrem em nosso meio, literalmente, como sucediam no tempo dos Apóstolos. Nossas orações, ensinos, louvores e carismas podem ser descritos pelas cartas dos Apóstolos, assim como pelo Livro dos Atos. Quem conhece o Novo Testamento e participa de algum encontro de oração, logo pela primeira vez já pode notar e comparar tudo o que nele se vê com o livro dos Atos. E, maravilhados, quase exclamam: “Mas isto aqui é ‘Atos dos Apóstolos’ em pleno Século XXI”. No final dos encontros muitos se aproximam de nós dizendo: “Que bênção! Agora estamos vendo tudo o que queríamos ver em nossa Igreja”.

Depois disso que nos resta dizer? “Amém. Obrigado, Senhor.”

e) RCC, grande kairós

A título de conclusão deste capítulo podemos dizer que a RCC está inserida em um movimento do Espírito Santo que marca um importante acontecimento para a Igreja; na verdade um grande kairós, o tempo de Deus, o tempo em que Deus age visivelmente.

Kairós é uma palavra grega que designa um tempo especial de graça para os filhos de Deus. Nele Deus manifesta abundantemente as suas graças. Nos dias marcados pelo kairós podemos até ver Deus intervindo na história humana. No Velho Testamento existem descrições de vários tempos especiais de graça. Um dos mais significativos é a epopéia da libertação dos hebreus da escravidão egípcia. Como kairós no Novo Testamento, podemos citar os momentos decisivos para a nossa salvação, que vão desde a concepção de Jesus, passando por sua ação pastoral, seus milagres, sua morte, ressurreição e ascensão.

Este Kairós continuou com a vinda do Espírito Santo para os Apóstolos e seus companheiros, impulsionando-os para missões evangelizadoras, possibilitando a organização da Igreja e sua consolidação ao longo dos séculos.

Hoje, quando o Espírito Santo repete entre nós muitos dos sinais bíblicos apostólicos – conversão, ardor missionário, manifestação de carismas, curas, milagres, fortalecimento da Igreja, amor à Igreja, dentre outros –

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indica que estamos vivendo um grande, maravilhoso e necessário kairós. A nós cabe aproveitá-lo ao máximo e ensinar outros a fazerem o mesmo.

É por tudo isso que aquele Sínodo dos bispos latino-americanos, realizado para estudar a Renovação, em 1987, já dizia que “Quem conhece a ação do Espírito Santo nos Apóstolos e na Igreja primitiva pode compreender melhor o que ele está realizando atualmente na Igreja e no mundo, assim percebe que estamos vivendo o Novo Pentecostes pedido pelo Papa João XXIII”.199

Então, irmãos, não há como negar a realidade de que a RCC é verdadeiramente um grande Pentecostes para os dias atuais. É a manifestação viva, palpável, do Espírito Santo no seio da Igreja de Jesus, em forma de um grande kairós. Aproveitemos este tempo no qual o Senhor nos é propício para vivermos o nosso Pentecostes, um grande Pentecostes comunitário e eclesial. Vivamo-lo com amor e audácia, destemidamente. Ele é nosso. Quem no-lo deu foi o próprio Jesus, nosso Salvador e Senhor. Quem deseja que nós o vivamos é o Cristo de Deus, o Senhor da Glória.

Glória, glória, glória, digamos com os anjos. Amém, amém, amém, repitamos com os santos, e cheios de fé e confiança mergulhemos de uma vez por todas neste genuíno Pentecostes, afinal Deus o fez para nós.

Amém. Deus os abençoe. “Intensificai as vossas invocações e súplicas. Orai também por mim” (Ef 6,18-

19).

199 DOCUMENTO La Ceja. Op. cit. 33

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RESUMO

“32. Para compreender a Renovação espiritual carismática é preciso saber o que esse Espírito realizou nos primeiros tempos da Igreja.” (Documento do Encontro Episcopal Latino-Americano realizado em La Ceja – Colômbia. A Renovação Espiritual Católica Carismática. São Paulo: Loyola, 1988);

Partindo de uma efusão do Espírito Santo no tempo de Moisés (Nm 11,24-29), analisamos o fenômeno Pentecostal, percorrendo algumas passagens mais significativas do Velho Testamento. Assim, vemos que durante a Antiga Aliança Deus foi preparando o povo para dois eventos importantíssimos. O primeiro foi a vinda do Messias, evidentemente, o segundo foi a vinda do Espírito Santo, como obra do próprio Messias.

Promessa feita, promessa cumprida. Chegou o dia de Pentecostes e os primeiros cristãos foram plenificados com o Dom do Espírito.

Compreendido o primeiro Pentecostes, compreender-se-á também o de hoje, pois como Deus preparou o povo antigo para a vinda do Espírito, como um dom do messianismo do Filho do Homem, preparou também nossa geração para o atual pentecostes. A diferença que se encontra está no tempo desta preparação. Podemos mesmo traçar um paralelo entre o primeiro Pentecostes e o atual. Ambos tiveram seus antecedentes históricos, promessas, e cumprimento. Este mesmo paralelo é encontrado também nos seus frutos. Por tudo isso podemos concluir que estamos vivendo um autêntico Pentecostes, um kairós.

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CAPÍTULO QUINTO

CONTEXTO ECLESIAL DA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICAA Renovação, em seu contexto, isto é, no seu

conjunto, em sua totalidade, é eclesial. Mas muita gente ainda não percebeu esta virtude. Daí a pertinência deste capítulo. Com ele teremos mais algum fundamento para dizer que a Renovação é um movimento autenticamente católico e que estamos realmente inseridos na Igreja.

1. CRITÉRIOS DE ECLESIALIDADE

Antes de analisar os critérios de eclesialidade propostos pela Igreja colocaremos um a mais. Trata-se da espiritualidade. O cânon 214 do Código do Direito Canônico, analisado em outro capítulo, exige que os movimentos católicos tenham a espiritualidade conforme a Doutrina da Igreja. Por isso cremos ser este um importante critério de eclesialidade. Quando analisamos o dito cânon, concluímos que nossa espiritualidade é inteiramente conforme à Sagrada Escritura, a Sagrada Tradição e a Doutrina da Igreja. Logo, por este critério, podemos deduzir que o contexto da Renovação é eclesial. Mas existem outros critérios a serem obedecidos. Vamos a eles.

Que outros requisitos um movimento deveria atender para ser eclesial? Até o advento da Christifideles

Laici a resposta a esta indagação não era fácil, pois a Doutrina da Igreja sobre os movimentos se apresenta diluída e esparsa, principalmente se considerarmos que toda esta Doutrina deve ser obedecida por nós – Como obedecer a algo que não se tem à mão? – Hoje, no entanto, a tarefa de discernir sobre a conformidade de uma espiritualidade ou de um movimento com a Doutrina da Igreja está facilitada, pois encontramos no parágrafo trinta da Christifideles os critérios que definem a eclesialidade que de nós espera a Igreja. Agora temos à mão, de maneira clara, o que devemos seguir e praticar. Vamos agora a estes critérios. Serão transcritos integralmente, por serem necessários e também muito instrutivos:

“Critérios de eclesialidade para as agregações laicais

30. É sempre na perspectiva da comunhão e da missão da Igreja e não, portanto, em contraste com a liberdade associativa, que se compreende a necessidade de claros e precisos critérios de discernimento e de reconhecimento das agregações laicais, também chamados ‘critérios de eclesialidade’.

Como critérios fundamentais para o discernimento de toda e qualquer agregação dos fiéis na Igreja, podem

considerar-se de forma unitária, os seguintes:

–– O primado dado à vocação de cada cristão à santidade, manifestado ‘nos frutos da graça que o Espírito produz nos fiéis’ como crescimento para a plenitude da vida cristã e para a perfeição da caridade.

Nesse sentido, toda e qualquer agregação de fiéis leigos é chamada a ser sempre e cada vez mais instrumento de santidade na Igreja, favorecendo e encorajando ‘uma unidade mais íntima entre a vida prática dos membros e a própria fé’.

–– A responsabilidade em professar a fé católica, acolhendo e proclamando a verdade sobre Cristo, sobre a Igreja e sobre o homem, em obediência ao Magistério da Igreja, que autenticamente a interpreta. Por isso, toda agregação de fiéis leigos deve ser lugar de anúncio e de proposta da fé e de educação na mesma, no respeito pelo seu conteúdo integral.

–– O testemunho de uma comunidade sólida e convicta, em relação filial com o Papa, centro perpétuo e visível da unidade da Igreja universal, e com o Bispo ‘princípio visível e fundamento da unidade’ da Igreja particular, e na ‘estima recíproca entre todas as formas de apostolado da Igreja.

A comunhão com o Papa e com o Bispo é chamada a exprimir-se na disponibilidade leal em aceitar os seus ensinamentos doutrinais e orientações pastorais. A comunhão eclesial exige, além disso, que se reconheça a legítima pluralidade das formas agregativas dos fiéis leigos na Igreja e, simultaneamente, a disponibilidade para a sua recíproca colaboração.

–– A conformidade e participação na finalidade apostólica da Igreja, que é a evangelização e santificação dos homens e a formação cristã das suas consciências, de modo a conseguir permear de espírito evangélico as várias comunidades e os vários ambientes.

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Nesta linha, exige-se de todas as formas agregativas de fiéis leigos, e de cada um deles, um entusiasmo missionário que os torne, sempre e cada vez mais, sujeitos de uma nova evangelização.

–– O empenho de uma presença na sociedade humana que, à luz da doutrina social da Igreja, se coloque a serviço da dignidade integral do homem.

Assim, as agregações dos fiéis leigos devem converter-se em correntes vivas de participação e de solidariedade para construir condições mais justas e fraternas no seio da sociedade”.

Ao ler esta citação logo se nota que os critérios de eclesialidade trazidos pela Igreja estão entranhados em nossa espiritualidade. São grandes as coincidências entre eles e aquilo que praticamos. Isto nos conforta e anima.

2. A RCC ESTÁ INSERIDA NO CONTEXTO ECLESIAL

Note-se, inicialmente, que conforme a introdução do parágrafo da Christifideles Laici citado acima, os critérios apresentados pela Igreja não devem servir para cercear a liberdade dos leigos no que tange ao nosso direito agregativo; mas, ao invés, devem nortear nossa liberdade de nos reunir e criar movimentos eclesiais inseridos na Igreja.

Vejamos agora como a Renovação está atendendo aos critérios propostos.

–– “O primado dado à vocação de cada cristão à santidade”.

Quem conhece a Renovação pode testemunhar que a luta para construir a santidade é o fio condutor que une todos os seus membros, assim como suas atividades. Tudo o que se faz na Renovação tem como ponto de chegada a edificação dos filhos e filhas de Deus, que é, em outras palavras, a santidade.

Aqui se vê uma vigilância constante e amorosa para que ninguém esmoreça na luta contra o pecado e em prol da santidade. Inúmeras vezes presenciei exortações a irmãos cujas vidas estavam incoerentes com sua pregação, quando suas ações estavam afrontando o Evangelho. Sempre que preciso, cumprindo a recomendação de Cristo nosso Senhor,200 os irmãos são exortados e, por vezes,

afastados de suas funções pastorais para um período201 de reflexão, oração, pastoreio, cura interior e conversão. Temos colhido bons frutos com esta prática.

200 Cf. Mt 18,15-16201 Cf. At 9,26-30; 11,25-26

O amor aqui dedicado à santidade é também demonstrado pelos seminários que são feitos com a finalidade de estudá-la, a fim de possibilitar sua prática com maior eficácia.

–– “A responsabilidade em professar a fé católica, acolhendo e proclamando a verdade sobre Cristo, sobre a Igreja e sobre o homem, em obediência ao Magistério da Igreja, que autenticamente a interpreta”.

Outro ponto cuidadosamente desenvolvido pela Renovação é a fé católica. Acreditamos naquilo que a Igreja acredita. Acolhemos aquilo que a Tradição Católica nos transmitiu e que a sã Doutrina recomenda. Com isso temos conseguido inculturar a fé em muitos ambientes sem perder a catolicidade e sem incorporar doutrinas anticristãs e ainda sem assimilar elementos sincretistas.

–– “O testemunho de uma comunidade sólida e convicta, em relação filial com o Papa (...) e com o Bispo”

Nosso amor pela hierarquia é testemunhado com fatos. Nos faltam palavras para descrever os sentimentos filiais que nutrimos pelo Papa. Sabemos que se estivermos com o nosso Papa estaremos com Cristo.

O mesmo amor temos pelos bispos e sacerdotes. Eles podem testemunhar nossos esforços para construir com eles a comunhão, mesmo em questões que nos ferem profundamente. Em muitas oportunidades vemos irmãos em lágrimas por causa de incompreensões sofridas quebrantarem seus corações diante do poder de Deus e perdoar e amar seus pastores. Sabemos que isso não é mérito nosso. É uma graça que Deus dá a todos que pedem.

Antes de ser acolhido pela Renovação, a grande maioria de nós não cultivávamos respeito pela hierarquia. Confessar nosso amor aos padres e bispos? Jamais. Hoje nossos atos no sentido de construir a paz e a unidade, por meio da compreensão, do perdão e do diálogo, respondem por nós. Somos conscientes de que isto também não é fruto de nossas próprias forças. Esta graça recebemos da própria Trindade que ama os representantes do Filho e deseja vê-los amados.

–– “Estima recíproca entre todas as formas de apostolado da Igreja”.

Nosso coração se alegra quando vemos outros movimentos entregues à causa de Jesus Cristo, nosso Senhor. Freqüentemente somos convidados para colaborar em seus encontros. Deixamo-nos cativar por eles e nos esforçamos para cativar sua amizade, carinho e respeito. Afinal somos todos filhos de um só Deus.

–– “A conformidade e participação na finalidade apostólica da Igreja”

A finalidade apostólica da Igreja encontra-se em sua missão, que é proclamar a Boa Nova de Jesus Cristo e promover a geração de discípulos.202 Quem isto fizer já

202 Cf. Mt 28,19-20

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estará preenchendo o primeiro e mais importante requisito da eclesialidade, “porque não há ninguém que faça um prodígio em meu nome e em seguida possa falar mal de mim” (Mc 9,39), disse Jesus.

A missão da Igreja é a missão da Renovação, ainda que considerada a miúdo. Em se tratando de Brasil isso pode ser visto nas várias formulações de missão encontradas nos documentos da Igreja, como as que seguem abaixo:

“60. O próprio Jesus definiu sua missão: evangelizar. Mais precisamente: ‘evangelizar os pobres”;203

61. Outra não é a missão da Igreja. Ela existe para evangelizar. O termo evangelização, por isso mesmo, expressa a missão global da Igreja.

(...)

88. Na Igreja particular como comunhão de vocações, carismas e ministérios, há tarefas e responsabilidades específicas. Ao presbitério, presidido pelo Bispo, cabe a fundamental tarefa de unir e motivar todos os membros da comunidade diocesana para assumirem, com generosidade e alegria, este imenso ‘mutirão evangelizador’. Entretanto, na tarefa de acolher o Evangelho como experiência de vida, de expressá-lo no cotidiano, o protagonismo é do cristão leigo...204

Como se vê na citação acima, a missão fundamental da Igreja é evangelizar. Quem evangeliza como membro da Igreja atende a este requisito e promove a comunhão. Para cumprir esta missão, atingindo esta sublime finalidade apostólica, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em nome da Igreja, nos pede um mutirão missionário. E aqui nós indagamos: O que a Renovação tem feito que não seja evangelizar? Nada. Tudo o que nela se faz está impregnado de evangelização. Podemos fazer mais? Sim. Como? Organizando a nossa Ofensiva Nacional e praticando o que está sendo planejado em todos os lugares em que estivermos.

–– “O empenho de uma presença na sociedade humana que, à luz da doutrina social da Igreja, se coloque a serviço da dignidade integral do homem”.

Inegavelmente este critério é um dos mais difíceis de ser atendido. Mas já começamos, impelidos pelo Espírito Santo, a estudá-lo em seminários. Em breve

203 Cf. Lc 4,18b204 DOCUMENTOS DA CNBB – 56: Rumo ao Novo Milênio

contaremos com bibliografia produzida pelas Secretarias Marta e Matias e por autores independentes. Seus frutos têm sido colhidos em forma de criação de obras sociais e de engajamento político.

Outro fator importante pode ser visto nos testemunhos de empregados e em formadores mais honestos e fraternos no cumprimento de suas obrigações trabalhistas. Afinal não se entende o comportamento desonesto de alguém que se diz cristão, ainda mais um cristão que deseja se deixar conduzir pelo Espírito Santo.

Em outros capítulos205 apresentamos alguns frutos colhidos pelo Senhor no seio da Renovação. Eles são fundamentais para comprovar o atendimento aos critérios de eclesialidade. Quem diz isso é a própria Christifideles

Laici, em conclusão aos critérios acima transcritos, apresentados em seu número 30. Leiamos:

“Os critérios fundamentais acima expostos encontram a sua verificação nos frutos concretos que acompanham a vida e as obras das diversas formas associativas, tais como: o gosto renovado pela oração, a contemplação, a vida litúrgica e sacramental; a animação pelo florescimento de vocações ao matrimônio cristão, ao sacerdócio ministerial, à vida consagrada; a disponibilidade em participar nos programas e nas atividades da Igreja, tanto a nível local como nacional ou internacional; o engajamento catequético e a capacidade pedagógica de formar os cristãos; o impulso em ordem a uma presença cristã nos vários ambientes da vida social e a criação de animação de obras caritativas, culturais e espirituais; o espírito de desapego e de pobreza evangélica em ordem a uma caridade mais generosa para com todos; as conversões à vida cristã ou o regresso à comunhão por parte de batizados ‘afastados’”.

É maravilhoso ler essa conclusão em um documento da Igreja dirigido aos leigos e descobrir que os frutos nela mencionados fazem parte do cotidiano de nosso Movimento. Isso demonstra nossa eclesialidade e nossa conformidade com a Doutrina da Igreja que é exigida no mencionado cânon 214, do Código do Direito Canônico, e nos anima a perseverar e a envidar esforços para aperfeiçoarmos esta eclesialidade e também a fazer avaliações constantes a fim de cumprir mais fielmente algum critério que porventura não faça

205 Capítulo primeiro, item 3, subitem “b”; capítulo segundo, item 2, subitem b.2 e item 4; capítulo 3, item 4; Capítulo 4, item 2, subitem “d”, todos acima.

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parte de nossa vida eclesial ou que ainda não esteja sendo atendido a contento.

A melhor eclesialidade é traduzida pela comunhão eclesial. Os critérios apresentados pela Igreja, vistos acima, são suficientes para atestar esta comunhão e com ela firma-se o contexto eclesial dos movimentos. Por isso damos por bem demonstrado o contexto eclesial da Renovação Carismática Católica.

3. EFEITOS DA ECLESIALIDADE DA RENOVAÇÃO

Não enumeraremos todos os efeitos de nossa eclesialidade. Porém analisaremos alguns deles a título de esclarecimentos úteis para as atividades pastorais de nosso Movimento, ainda que sem a profundidade merecida.

O primeiro deles é a definição da Renovação como sendo uma expressão eclesial. De fato, estando inserido inteiramente no Corpo Eclesial, sem ser o próprio Corpo, mas sendo membro dele, a Renovação será, naturalmente, uma expressão deste Corpo. Em outras palavras, um movimento como a Renovação Carismática é uma forma da Igreja se manifestar, se expressar ao mundo; daí ser ela uma expressão da Igreja. Onde quer que exista uma fração da Renovação, ali estará uma parcela da Igreja. Onde quer que um membro da Renovação pregue, cante, ore por curas e milagres, desenvolva promoção humana ou ação política em sentido estrito, é a própria Igreja que está se expressando.

Este caráter de expressão da Igreja Católica é reconhecido pelas outras denominações cristãs com muita facilidade. Muitas vezes presenciamos integrantes de tradições protestantes se referirem à Renovação com inusitado respeito, reconhecendo nossa autoridade como Igreja Católica e nosso vínculo profundo com a Igreja Primitiva.

O clero católico, depois de alguns anos de indecisão, também tem entendido e reconhecido a Renovação como expressão de Igreja, a começar por aqueles que se aproximaram de nós sem medos e sem preconceitos, desejosos de conhecer e entender os fenômenos espirituais que acontecem em nosso meio, bem como de apreciar nossas atividades pastorais.

O outro efeito é que a Renovação, sendo eclesial, é apta a ser uma opção de engajamento pastoral plena. Isto significa que quem participar de alguma atividade da Renovação estará realizando plenamente o trabalho pastoral da Igreja, bem como cumprindo a missão de Jesus Cristo. Isto não significa, contudo, que não devamos colaborar com nossas pastorais paroquiais. Lembremos que elas são autênticas terras de missão.

Ora, se temos o direito canônico e sagrado de nos organizar como movimento, nada mais lógico que podermos nos realizar também como católicos dentro deste movimento. Esta conclusão para os leigos é muito importante, pois nosso tempo é muito escasso. Os leigos são casados ou estão em busca do cônjuge ideal. Porcentagem mínima escapa deste padrão. Trabalhamos diariamente, e quase sempre com jornadas de oito horas. O tempo destinado ao nosso repouso é empregado em atividades pastorais. Para realizar bem essas atividades precisamos de nos submeter a formação constante. Resumidamente esta é a rotina da Renovação. Não nos sobra muito tempo para as atividades desempenhadas pelos religiosos e religiosas. Somos leigos.

Apesar da enorme carga de atividades formativas e pastorais que desempenhamos, milhares de nós ainda encontram tempo para colaborar com as pastorais206 paroquiais e com outros movimentos. Sempre atendemos aos pedidos de ajuda com amor, pois para nós eles vêm da parte de nosso Senhor Jesus Cristo. Mas, com base na eclesialidade da Renovação, podemos repetir e frisar que não é necessário sobrecarregar com obrigações extras uma pessoa que participe e viva fielmente o chamado de Jesus Cristo para nós, em nosso Movimento, para que ela seja parte do Corpo Místico de Cristo ou para que seja aceita como católica. Tal exigência afrontaria a fraternidade.

A conclusão acima está fundamentada também na orientação da Igreja que aceita e incentiva os movimentos como meios aptos a propiciarem um autêntico catolicismo. Vemos essa aceitação materializada no encontro internacional dos líderes de movimentos com o Papa João Paulo II, realizado no Vaticano, em 1.998, bem como no Primeiro Encontro Nacional para movimentos, realizado em Goiânia, nos dias 24, 25 e 26 de novembro de 2000, coordenado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, por intermédio do Setor de Leigos.

Concluindo, podemos asseverar que nossa expressão de Igreja, organizada como movimento, está inteiramente inserida no contexto eclesial de nossa Igreja Católica e que o seu próprio contexto é também eclesial, inteiramente. Quem dela participa goza da segurança de estar em comunhão com a Igreja e pode nela se realizar plenamente como católico, pois, como vimos, ela nos coloca inteiramente no coração da Igreja, mediante a participação na Ceia Eucarística e na missão que Cristo confiou aos batizados, bem como nos ajuda a sermos revestidos da Alma da Igreja, o Espírito Santo, que nos

206 Capítulo segundo, item 4, subitem a.2, acima, onde se transcreveu resultado de pesquisa na qual se detectou que mais de 60% dos membros da Renovação colaboram em pastorais.

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conduz ao Pai, ao Filho, a Ele próprio e aos irmãos, para formar a comunidade – koinonia (κοινονια).

Uma vez que a Renovação é uma autêntica expressão de Igreja, podemos aceitá-la sem reservas e nela viver intensamente nossa

espiritualidade. Façamos isso com alegria, amor, fé e esperança.

Amém. Deus os abençoe. “Intensificai as vossas invocações e súplicas. Orai também por mim” (Ef 6,18-

19).

RESUMO

Ponto crucial no estudo dos movimentos são os critérios de eclesialidade. São estes critérios que norteiam a catolicidade das várias formas da Igreja se expressar. A Christifideles Laici, em seu número 30, traz os seguintes “Critérios de eclesialidade para as agregações laicais”:

1. “O primado dado à vocação de cada cristão à santidade”;

2. “A responsabilidade em professar a fé católica, acolhendo e proclamando a verdade sobre Cristo, sobre a Igreja e sobre o homem, em obediência ao Magistério da Igreja, que autenticamente a interpreta”;

3. “O testemunho de uma comunidade sólida e convicta, em relação filial com o Papa (...) e com o Bispo”;

4. “Estima recíproca entre todas as formas de apostolado da Igreja”;

5. “A conformidade e participação na finalidade apostólica da Igreja”:

0* A finalidade apostólica da Igreja é proclamar a Boa Nova de Jesus Cristo e promover a geração de discípulos (Mt 28,19-20; Doc. da CNBB – 56: Rumo ao Novo Milênio, Nº 60, 61 e 88);

1* Quem isto fizer já estará preenchendo o primeiro e mais importante requisito da eclesialidade, “porque não há ninguém que faça um prodígio em meu nome e em seguida possa falar mal de mim, disse Jesus”

(Mc 9,39)”:

= A missão da Igreja é a missão da Renovação;

6. “O empenho de uma presença na sociedade humana que, à luz da doutrina social da Igreja, se coloque a serviço da dignidade integral do homem”.

Há que se notar também uma exigência do Direito Canônico. Com efeito, o cânon 214 prescreve que a espiritualidade admitida haverá de estar de acordo com a doutrina da Igreja.

A conclusão do número 30 da Christifideles Laici

aponta os frutos que se espera de um movimento eclesial. Ei-los:

“Os critérios fundamentais acima expostos encontram a sua verificação nos frutos concretos que acompanham a vida e as obras das diversas formas associativas, tais como: o gosto renovado pela oração, a contemplação, a vida litúrgica e sacramental; a animação pelo florescimento de vocações ao matrimônio cristão, ao sacerdócio ministerial, à vida consagrada; a disponibilidade em participar nos programas e nas atividades da Igreja, tanto a nível local como nacional ou internacional; o engajamento catequético e a capacidade pedagógica de formar os cristãos; o impulso em ordem a uma presença cristã nos vários ambientes da vida social e a criação de animação de obras caritativas, culturais e espirituais; o espírito de desapego e de pobreza evangélica em ordem a uma caridade mais generosa para com todos; as conversões à vida cristã ou o regresso à comunhão por parte de batizados ‘afastados’”;

Quem participa de nosso Movimento pode comprovar a existência dos frutos acima em nosso Movimento. A existência desses frutos coloca a Renovação no âmago da eclesialidade, que passa a gerar os seguintes efeitos: confirmação do contexto eclesial da Renovação e sua inserção na Igreja. Estar inserida no contexto eclesial significa que onde existir uma fração da Renovação, ali estará uma parcela da Igreja; onde quer que um membro da Renovação pregue, cante, ore por curas e milagres, desenvolva promoção humana ou ação política em sentido estrito, é a própria Igreja que está se expressando. Mais: a Renovação, sendo eclesial, é apta a ser uma opção de engajamento pastoral plena. Isto significa que quem participar de alguma atividade da Renovação estará realizando plenamente o trabalho pastoral da Igreja, bem como cumprindo a missão de Jesus Cristo e que com base nesta eclesialidade não é necessário sobrecarregar com obrigações extras a uma pessoa que participe e viva fielmente o chamado de Jesus Cristo para nós, em nosso Movimento, para que ela seja parte do Corpo Místico de Cristo ou para que seja aceita como católica. Tal exigência afrontaria a fraternidade.

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As conclusões acima fundamentam-se também na orientação da Igreja que aceita e incentiva os movimentos como meios capazes de propiciarem um autêntico catolicismo, como vimos no encontro internacional dos líderes de movimentos com o Papa João Paulo II, em

1998 e no Primeiro Encontro Nacional para Movimentos, realizado em Goiânia e coordenado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, por intermédio do Setor de Leigos, no ano de 2000.

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