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Daniel melo é gerente de Negócios Estruturados da Construtora Andrade Gutierrez S.A.

Engenharia brasileira na África Daniel Melo

África

EXpoRtAÇão DE SERVIÇoS DE ENGENHARIA

A exportação de serviços é, de uma forma geral, uma atividade pouco conhecida no Brasil.

Como ela se desenvolve, quais benefícios traz para a economia, como gera empregos e renda, são questões conhecidas apenas por poucos, mais especificamente por aqueles que trabalham diretamente neste setor.

No Brasil, tudo que se pensa ou se faz em termos de exportação nasce da ideia de algo que se produz, embala e envia para o exterior e pelo qual o país recebe divisas como pagamento. O arcabouço legal, todos os procedimentos e formulários foram criados com base nesta concepção limitada.

A exportação de serviços é muito mais complexa do que isso porque implica que o produto a ser exportado deve ser fabricado no país do importador, já que não podemos produzir e embarcar pontes, rodovias, usinas hidrelétricas, aeroportos ou instalações industriais. Esta diferença leva a diversos procedimentos distintos da exportação de bens e materiais, estes bem mais simples.

Primeiramente devemos entender que o exportador de serviços é, na verdade, um estruturador de negócios, que se lança no mercado externo a seu próprio risco, identifica oportunidades e as estrutura até transformá-las em um negócio.

A viabilização desses negócios depende de preços competitivos de financiamentos de longo

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prazo a custos brandos de nível internacional, condições geralmente obtidas quando se tem o apoio dos governos dos países exportadores e de soluções criativas idealizadas muitas vezes sob medida. Quase todos os países industrializados têm seus sistemas governamentais de financiamento e seguro, denominados de Agências de Crédito à Exportação.

O desenvolvimento da oportunidade até sua transformação em um contrato exige grande investimento do exportador, que necessita se estabelecer no país e ter conhecimento principalmente:

z da idiossincrasia e história do país importador;

z da sua cultura e hábitos;

z do seu arcabouço legal;

z de suas práticas de negócio;

z do potencial de outras oportunidades que possam garantir a continuidade de operação da empresa naquele mercado, e;

z de vários outros aspectos exigidos para a concepção de um negócio.

Isso, obviamente, representa um investimento substancial do exportador, onde as chances de insucessos não são nada desprezíveis. Esta é a razão principal pela qual esta atividade, no mundo inteiro, é desenvolvida por empresas,

em geral, de porte grande o suficiente para suportar as exigências de investimento e os riscos inerentes a estes mercados.

No entanto, essa é uma atividade que traz enormes benefícios para ao país exportador, razão pela qual os governos, atentos a esta realidade, apoiam fortemente e de várias formas suas empresas exportadoras de serviços.

Uma vez transformada a oportunidade em contrato, o exportador de serviço, no seu papel de estruturador de negócios, abre oportunidade para uma série de empresas, normalmente seus tradicionais parceiros de exportação, uma vez que o exportador precisa comprar de terceiros os componentes, serviços, equipamentos e materiais necessários à execução do novo contrato.

Assim, no Brasil, os exportadores de serviços de engenharia, cerca de cinco a seis empresas reconhecidas como mais atuantes neste mercado, têm criado oportunidades para cerca de três mil empresas parceiras, a maioria pequenas e médias empresa, que não teriam oportunidade de sozinhas acessarem o mercado externo.

Essa atividade promove a criação aproximada de 192 empregos, entre diretos, indiretos e induzidos, por cada milhão de dólares exportados, uma relação substancialmente mais elevada que a exportação de bens. Essa relação mais elevada é natural, uma vez que na

produção de bens, os processos de produção podem e devem fazer maior uso de automação, robótica e outros processos que reduzem a necessidade da mão de obra na fabricação, ao passo que a execução de uma obra de engenharia, normalmente tailor made, requer muito mais mão de obra.

Além disso, a exportação de serviços de engenharia cria um importante canal para exportação de bens, uma vez que os clientes importadores buscam cada vez mais soluções completas, ou seja, o cliente quer uma usina hidroelétrica e não somente a compra das turbinas; quer um aqueduto e não a compra de tubos. O exportador de serviços é o elemento que tem a expertise de estruturar este negócio de forma global.

É através dos contratos de serviços que se viabiliza a exportação dos equipamentos de produção, tais como: caminhões, tratores, carregadoras, centrais de concreto e outros similares. Sem esse mecanismo, é pouco provável que haja possibilidade de exportação desses equipamentos, que de outra forma teriam, inclusive, a resistência natural dos dealers locais que vendem estes mesmos equipamentos no país.

Outro aspecto muito importante esta relacionado a como os exportadores de serviço criam também canais informais de comunicação entre os governos, facilitando enormemente a solução de vários problemas entre eles.

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InFRAEstRutuRA NA ÁFRICA

Conforme mencionado anteriormente, desenvolver projetos de infraestrutura no exterior implica em um grande desafio, considerável investimento e muito trabalho de campo. Tratando-se da África, contamos com sua vasta história de instabilidade política, guerras, falta de marco jurídico adequado, incertezas sobre o rumo das economias e, principalmente, escassez de recursos financeiros para fazer frente aos pagamentos das suas obrigações.

Focando principalmente na África Subsaariana, constatamos que 60% dos 52 países considerados como subsaarianos estão incluídos dentro do plano implementado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), especialmente desenhado para países pobres altamente endividados (HIPC Program).1 Através deste programa o FMI reestrutura dívidas, controla o endividamento dos países, limita valores e condições de novos empréstimos, desenvolve programas de transparência, fiscaliza e ordena o fluxo de receitas e despesas de cada país e realiza visitas periódicas aos governos, a fim de controlar o andamento da economia. Embora constitua uma grande ajuda para momentos de grave dificuldade em países com a economia sumamente comprometida, esta mesma ajuda limita consideravelmente

o desenvolvimento dos mesmos, já que muitas vezes o FMI se rege por parâmetros macroeconômicos que restringem e não permitem que as economias regionais e dos próprios países se desenvolvam no ritmo necessário para o atendimento das necessidades da população.

O continente africano representa 20% da superfície terrestre do planeta e conta com 30% das reservas mundiais dos principais minérios, sendo: 40% de ouro, 60% de cobalto e 90% de platino. Os países da África Subsaariana produzem, aproximadamente, 600 milhões de barris de petróleo por dia (bpd), o que corresponde a 8% da produção mundial. Existem importantes descobertas de bacias de petróleo no Leste africano (Ruanda, Uganda, Quênia) e de gás (Tanzânia e Moçambique), neste último caso com volume capaz de atender a demanda mundial pelo prazo de dois anos.

Todos estes países vêm estabelecendo parcerias com a China para desenvolver grandes projetos de infraestrutura, utilizando um modelo baseado na economia do “escambo”, tornando os próprios chineses os principais compradores (off-takers) e exploradores (através de concessões) dos recursos do continente, mitigando, dessa forma em muito o risco de crédito dos países tomadores do financiamento, permitindo a concessão de financiamentos teoricamente baratos e de

1 Heavily Indebted Poor Countries (HIPC). IMF Program.

Os países da África subsaariana produzem, aproximadamente, 600 milhões de barris de petróleo por dia (bpd), que corresponde a 8% da produção mundial

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montantes significativamente elevados para a construção de diversos projetos de infraestrutura. Este modelo emprega principalmente mão de obra chinesa, e restringe a integração com a comunidade local. De acordo com estimativas recentes, a China destinou mais de US$ 90 bilhões no período 2000-2011 ao financiamento de 1.700 projetos em 50 países.

A escassez de recursos por parte dos bancos europeus (os mais atuantes historicamente no continente), devido à recente crise, fez os países desse continente perderem grande espaço. Já os Estados Unidos, visualizando o grande crescimento na participação da China no continente africano, e a fim de recuperar seu protagonismo, anunciou, em julho de 2013, logo após a visita do presidente Obama à África do Sul, Senegal e Tanzânia, um programa de investimento em energia nos países da África Subsaariana na ordem de US$ 7 bilhões, com financiamento do US Eximbank (US$ 5 bilhões), Overseas Private Investment Corporation – Opic (US$ 1,5 bilhão) e da U.S. Agency for International Development – Usaid (US$ 500 milhões aproximadamente).

InFRAEstRutuRA BRAsILEIRA NA ÁFRICA

Perante o panorama anteriormente descrito,

as empresas brasileiras especializadas em obras de infraestrutura têm se estabelecido e desenvolvido no continente com grande esforço e extrema competência. As obras de infraestrutura já construídas na África pelas construtoras brasileiras, além de reconhecidas pela sua excelente qualidade, são o produto de árduas negociações, com altas doses de criatividade empregadas para estruturá-las como um negócio viável e, principalmente, financiável.

Na área de financiamento, o setor conta desde o final dos anos 1990 com o apoio do BNDES e, desde 1997, do Governo Brasileiro, que através do mecanismo do seguro de crédito à exportação presta garantia ao funding do Banco. A atuação competente do BNDES e do governo brasileiro abriu diversas oportunidades, antes muito restritas pelas limitações orçamentárias do antigo PROEX.

A fusão, em 2003, entre o Comitê de Financiamento e o Comitê de Concessões de Garantias, resultando na criação do Cofig, reduziu bastante o tempo de análise das solicitações dos exportadores e, ao mesmo tempo, permitiu uma melhoria nos procedimentos de análise dos pleitos.

A criação do Siscoserv2 permitirá a geração de dados estatísticos que facilitarão o estabelecimento de políticas mais adequadas para o setor, já que até hoje não

existem estatísticas precisas sobre a atividade.

Atualmente o governo brasileiro vem “saneando” velhas dívidas, tendo estabelecido um plano de perdão na ordem de US$ 900 milhões para 12 países. As duas maiores dívidas, correspondentes ao Congo-Brazzaville, com US$ 352 milhões e Tanzânia, com US$ 237 milhões, já usufruíram deste beneficio. Esta constitui uma clara mensagem de reposicionamento do Brasil para iniciar novas negociações com os países africanos, obviamente com características diferentes daquelas concedidas no passado, e com mitigadores de risco suficientemente fortes que permitam que não seja preciso recorrer, futuramente, ao mesmo mecanismo de perdão.

Adicionalmente, o governo brasileiro, através do Cofig, criou o Grupo de Trabalho África (GTEX África) que estuda atualmente o estabelecimento de limites de crédito por países, para facilitar a concessão de garantias de crédito à exportação e viabilizar novos financiamentos do BNDES para o continente. Inclusive, o BNDES anunciou a criação de uma nova diretoria específica para tratar dos assuntos da África e a abertura de uma sucursal em Johanesburgo, na África do Sul.

Cabe destacar, dentro desta atuação “multilateral” do governo brasileiro, o importante papel desempenhado pelo Itamaraty,

2 Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços.

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já que o Brasil conta atualmente com 38 embaixadas no continente africano (19 foram abertas nos últimos dez anos), todas ativas e prestando serviços importantíssimos no estreitamento de relações comerciais e culturais entre os países.

Claramente trata-se de reforçar o posicionamento em um mercado de elevado potencial de crescimento e onde o Brasil tem interesses geopolíticos e relações históricas. Obviamente, esta abordagem do governo deve vir acompanhada da contrapartida das principais empresas privadas brasileiras, que devem avaliar, apostar e investir de acordo com sua intenção de marcar uma presença duradoura, e não somente oportunista e de curto prazo, no continente de maior perspectiva de crescimento para os próximos dez anos.

COMO IDEALIzAR uM pRojEto DE InFRAEstRutuRA NA ÁFRICA?

Após o exposto, o importante então é saber se é possível, e como as empresas brasileiras podem desenvolver projetos de infraestrutura na África.

Pensar um projeto para a África somente focando na necessidade do país, na qualidade do empreendimento e/ou na solução de engenharia implicará em enormes dificuldades e até na impossibilidade de ser levado a cabo, dependendo do caso. A principal abordagem

para idealizar uma obra de infraestrutura é partir do modelo de negócio que será utilizado para levar à consecução da oportunidade. Isto implica em ter claramente definidas as seguintes questões:

z Quem será o “dono do projeto” e /ou importador;

z Quem será o “devedor” e/ou garantidor pelo repagamento da obra;

z Quais tipos de garantias poderão ser consideradas para a assunção do risco de crédito.

No que refere-se às garantias, temos as seguintes opções:

Soberana total: o Estado responde pelo endividamento com o orçamento público. Usualmente esta garantia se resulta insuficiente em países da África, com ratings de crédito baixo e inaceitáveis pelo mercado financeiro. Adicionalmente, este foi o mecanismo utilizado no passado e que, como foi mencionado, não funcionou em pelo menos 12 países, cujas dívidas foram ou serão perdoadas pelo governo brasileiro;

soberana parcial ou condicionada: o Estado garante uma parte do projeto; garante por um período determinado ou a garantia é condicionada e só pode ser acionada na ocorrência de eventos específicos, previamente definidos. Esta garantia, no caso em questão,

O importante então é saber se é possível, e como as empresas brasileiras podem desenvolver projetos de infraestrutura na África

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será considerada como complementar, atendendo sempre ao conceito de serem insuficientes as garantias soberanas, uma vez que a maioria dos países da África são considerados de alto risco;

Privada: uma empresa

(sponsor) assume o risco de crédito;

Do projeto: um veículo (SPE

– Sociedade de Propósito Específico ou UTE – União Transitória de Empresas) garante com seus ativos e com o fluxo do projeto (Project Finance);

híbrido: a combinação das

opções mencionadas e/ou outras especificamente criadas que viabilizem o empreendimento a satisfação dos financiadores.

z No que tange ao repagamento do projeto/investimento, as opções são:

Orçamento público: o Estado

repaga o empreendimento baseado no seu próprio orçamento, sem identificação de uma receita específica. Esta fonte possui uma grande restrição como resultado da fiscalização permanente do FMI em países dentro do programa Heavily Indebted Poor Country (HIPC), além da própria restrição dos orçamentos de países com alta participação de “doações” de terceiros países;

Receita específica: o Estado aloca uma receita específica para o pagamento do

endividamento, seja vinculada ao projeto (arrecadação) ou não (arrecadação de outro projeto similar ou distinto, imposto específico criado para financiar o projeto, royalties, cânones, repasses, etc). Neste caso o estado assume o risco de crédito e, caso a receita não seja suficiente, deverá completar com fundos do seu orçamento.

Mais uma vez, para países que

possuem acordo com o FMI, alocar royalties e impostos para repagamento de dívidas, sem que estas receitas sejam antes internadas em moeda local e contabilizadas no sistema de Contabilidade Central, apresenta-se como uma alternativa impossível de explorar, já que fere o principio de transparência orçamentária imposta pelo FMI e pelas práticas usuais de mercado.

Existe uma alternativa que

será abordada mais adiante, de alocação de receitas de entidades autônomas ou empresas paraestatais, que se resulta factível e que tem viabilizado grande parte dos empreendimentos, já que o FMI considera que projetos autossustentáveis não requerem autorização especial do órgão;

Balanço de uma empresa privada (sponsors): uma empresa privada assume o repagamento com sua própria receita;

Receita do projeto: o fluxo de receitas do próprio projeto

repaga o investimento (Project Finance);

híbrido: a combinação das

opções mencionadas.

z Há ainda a questão do meio ambiente: qualquer projeto a ser executado atualmente em qualquer parte do mundo, e especialmente na África, deverá ser ambientalmente correto e deverá ser analisado sob os parâmetros do Banco Mundial / Princípios do Equador. Qualquer financiador, seja público ou privado, deve demonstrar que o projeto é ambientalmente sustentável. Esta condição é “deal-breaker” e, caso o projeto apresente controvérsias e impactos impossíveis de serem mitigados e/ou compensados, deverá ser desconsiderado.

Sendo definidas as questões acima apresentadas, ter-se-á, então uma noção do rumo que deverá ser tomado para transformar a oportunidade em um negócio, contando com a estrutura adequada que permitirá obter a atratividade do acionista, de possíveis parceiros e dos financiadores.

COMO VIABILIzAR OPORtunIDADEs NA ÁFRICA

projetos de cunho social

São mais que necessários no continente e são os mais procurados pelos governos dos países. Estes projetos são geralmente suportados com

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receitas dos governos centrais e, para isso, conta-se sempre com o importante apoio das multilaterais, muito atuantes na região. Neste caso, o próprio governo toma os recursos para a consecução das obras, através de entidades como o Banco Mundial, o Banco Africano de Desenvolvimento, o Banco Europeu de Investimento, a Agência Francesa de Desenvolvimento, etc. Geralmente estes projetos são submetidos a processos de licitação desde a concepção até a sua execução, sempre atendendo ao princípio de transparência. Outra possibilidade para desenvolver estes projetos pode ser através do apoio parcial das multilaterais, através de empréstimos na modalidade “A/B loan” ou através de garantias parciais que viabilizem a participação da banca privada, beneficiando-se do “guarda-chuva” destas entidades.

projetos “soberanos” sem apoio de multilaterais

Estes projetos contam com a garantia soberana exclusivamente, pois seu repagamento provém dos recursos do Tesouro do país, que são contabilizados e posteriormente alocados anualmente em forma específica dentro dos rubros orçamentários. Como foi mencionado anteriormente, a

grande dificuldade para estes países é a restrição na utilização desses recursos, (em virtude da supervisão do FMI), e até na própria geração dos mesmos, ainda mais considerando os grandes déficits fiscais e a elevada participação nos orçamentos das doações de terceiros países que os ajudam a “fechar as contas”. Por outro lado, muitos dos países da África Subsaariana possuem um futuro promissor, haja vista a existência de estimativas mostrando que a exploração dos seus recursos naturais melhorará significativamente seus orçamentos ao longo dos próximos anos.

Para viabilizar-se uma oportunidade de negócio, deve-se trabalhar em várias frentes:

z Junto ao FMI, apresentando a razoabilidade e a importância do projeto, negociando a possibilidade do governo tomar um endividamento (negociação de valor) e, no caso que não tenha as condições de concessionalidade3 exigidas pelo FMI, a possibilidade de tomar empréstimos com condições brandas (geralmente de bancos de desenvolvimento ou suportados por garantias de Export Credit Agency – ECAs) ou com condições comerciais (bancos comerciais).

3 Empréstimos Concessionais são financiamentos concedidos com condições mais favoráveis que as condições dos financiamentos de mercado. No caso específico do FMI, exige-se que os empréstimos tomados pelos países HIPC possuam um desconto (Grant Element), que surge da comparação do Valor Presente Líquido (VPL) do financiamento concedido com o VPL do empréstimo, utilizando a taxa CIRR para o desconto do fluxo. Geralmente, o Grant Element (desconto) aplicado é de 35%, o que significa que, a Valor Presente, o financiamento concedido equivale a devolver só 65% do valor emprestado.

Muitos dos países da África Subsaariana possuem um futuro promissor, onde estima-se que a exploração dos seus recursos naturais melhorará significativamente seus orçamentos ao longo dos próximos anos

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Para o FMI, projetos que não se “auto-sustentam” com a geração da sua própria receita não deveriam ser implementados, razão pela qual a negociação, é muito importante e nada simples. Para isso, deve-se contar sempre com o apoio do cliente, que será o interlocutor perante o organismo.

z Junto ao governo local, analisando necessidade/possibilidade/razoabilidade do projeto, com o objetivo de demonstrar a existência de receita futura que será gerada pelo governo (não pelo projeto) e sua correspondente alocação para o repagamento.

Como foi mencionado anteriormente, aceitar o repagamento puro e simples do governo implica em assumir o risco soberano direto de um país com classificação de risco muito elevada.

Como resolver esta questão? O primeiro ponto é escolher projetos que sejam compatíveis com a capacidade do país e que sejam estruturadores, isto é, gerem crescimento, riqueza e empreguem mão de obra local.

Definida a oportunidade, um recurso disponível para melhorar o rating desta transação é tentar desenvolver uma estrutura mitigadora estabelecendo uma conta colateral e uma conta arrecadadora ou “collection”, administrada por uma sociedade “trustee” ou fideicomisso independente, responsável pelo gerenciamento dos recursos

e dos saldos alocados nas mencionadas contas.

Este tipo de estrutura não constitui uma “garantia total de repagamento”, mas permite contar com um importante mitigador para monitorar o seu fluxo e prever problemas futuros. Através da conta arrecadadora, pode-se monitorar o fluxo de repagamento. Através da conta colateral é possível evitar atrasos nos pagamentos, por meio da utilização do saldo existente no dia do vencimento da prestação. É claro que, no caso de utilização deste saldo da conta colateral, deverá estabelecer-se que a parte utilizada seja imediatamente reposta. Dependendo do risco de crédito do país e da qualidade do projeto, poderá ser avaliada a necessidade e/ou viabilidade de estabelecer a conta colateral em moeda forte fora do país devedor (escrow account), procedimento que pode melhorar substancialmente o rating do crédito em virtude de contar com recursos em moeda forte à disposição imediata numa praça do exterior.

projetos junto a entidades estatais autônomas, paraestatais e empresas estatais

Geralmente são entidades que possuem uma certa autonomia, pois geram sua própria receita. No caso dos países com acordo junto ao FMI, estes projetos não precisam da anuência do órgão para serem desenvolvidos, desde que seja demonstrado que são “autossuficientes”, isto

é, cuja receita futura conseguirá repagar o investimento. É o caso de entidades de administração de aeroportos, portos, energia elétrica, concessionárias estatais, etc. Neste caso, os projetos podem ser divididos em: a) projetos com geração de receitas fora do país (aeroportos e portos) que possuem alguma vantagem ao momento de serem financiados, pois a geração é em moeda forte; b) projetos com geração em moeda local (energia elétrica, rodovias, etc). Obviamente, cada caso deve ser analisado pontualmente, pois certos países possuem limitações do FMI até para administrar e dispor das receitas geradas em moeda forte no exterior, que devem, mesmo assim, ser ingressadas no país, transformadas em moeda local e devidamente contabilizadas no orçamento público.

Particularmente, não vejo uma grande ameaça nos projetos com geração de moeda local, desde que exista uma amarração contratual adequada para compensar as possíveis desvalorizações e taxas de inflação. Claro que a possibilidade de mercados de câmbio paralelos com restrições ou proibições para efetuar remessas ao exterior inviabiliza qualquer oportunidade, mas uma estrutura de “collection” e “collateral”, como foi comentada anteriormente, ajuda a mitigar bastante, mais ainda com a intervenção de um “trustee” independente, pois manter estas contas dentro do país em moeda local, ao câmbio equivalente necessário para repagar os

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financiamentos externos, pode ajudar na viabilização.

Projetos privados

Existem importantes possibilidades de projetos privados de energia em países que acabaram de sair de conflitos bélicos e que ainda constituem um risco político elevado, mas que contam com o apoio da comunidade internacional. Há oportunidades na infraestrutura para fornecimento de energia ou gás para empresas privadas com concessões de exploração de minérios ou outros recursos naturais nestes países. É fundamental, em alguns casos, a negociação de um seguro para mitigação de risco político, seja da Miga (seguradora do Banco Mundial), seja do mercado privado. Uma estrutura com as contas collateral e collection em moeda local, dependendo do caso, também pode ajudar a viabilizar o empreendimento e reduzir a quantidade de garantias que sejam requeridas aos desenvolvedores (sponsors).

Concessões e PPPs

Nestes casos, o maior risco será assumido pelo investidor que deverá analisar minuciosamente o marco jurídico e regulatório, já que deverá permanecer operando o projeto por um período considerável. A alocação adequada dos riscos no período de construção e a correta análise do fluxo de repagamento durante a etapa de operação serão os assuntos-chave para decidir entrar no

negócio. Algumas vezes, este modelo pode viabilizar um projeto de infraestrutura atraente com um fluxo de pagamentos não muito elevado. Assim, a empresa construtora pode decidir por assumir o papel de investidor e construtor, o que pode ter um resultado interessante, pois poderia criar uma empresa pequena que concentrasse estes fluxos. Como exemplo, uma pequena empresa de operação radicada na África com receitas destes fluxos poderia alavancar concessões ou parcerias público-privadas (PPPs) ao longo de todo o continente, diversificando o risco e criando uma operação regional.

O FutuRO: DEsAFIOs E OPORtunIDADEs PARA EMPREsAs BRAsILEIRAs NA ÁFRICA

Sem dúvida que a China e, recentemente, a Índia e a Rússia serão os grandes concorrentes na África para as empresas brasileiras. Projetos de valores elevados em troca de contratos de compra (off-take agreements) a preços favoráveis e/ou de concessões de exploração de gás, carvão, petróleo e minérios continuarão representando a maior contrapartida para alavancar financiamento para as grandes obras de infraestrutura.

Fazer negócios na África, em minha opinião, implica em conhecer melhor os mercados, os players, a idiossincrasia dos países e suas culturas e, para isso, a presença física é fundamental. Conviver com a

sem dúvida que a China e, recentemente, a índia e a Rússia serão os grandes concorrentes na África para as empresas brasileiras

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população local e incorporá-la como mão de obra participativa (estratégia que as empresas chinesas não adotam) é um grande diferencial de competitividade que deve ser explorado e devidamente difundido.

Parcerias com players locais em forma de consórcio ou, melhor ainda, como joint-venture, constituem uma outra estratégia bem diferenciada que poderá viabilizar oportunidades mantendo um relacionamento de longo prazo.

Além das fontes tradicionais mencionadas anteriormente com Bancos de Desenvolvimento, Multilaterais, etc, há duas fontes muito pouco exploradas no continente africano que, em outras partes do mundo, funcionam como viabilizadores de obras de infraestrutura há décadas. Por um lado, o mercado de bônus soberanos e, por outro, os fundos de pensão.

z Os bônus soberanos e sub-soberanos (como no caso de Lagos na Nigéria) começaram a se constituir numa importante fonte de recursos. Como consequência da exitosa emissão feita pela Zâmbia em setembro de 2012, onde foi capaz de levantar recursos no mercado internacional no montante de US$ 750 milhões, com uma demanda de 24 vezes o valor da emissão, a dez anos de prazo e um incrível rendimento de

5,35% ao ano, vários países encontram-se atualmente em processo de emissão. O Quênia planeja dobrar sua emissão de Eurobonos, que vence em setembro de 2013, emitindo EUR 1 bilhão; Ruanda anunciou que emitirá em 2013 um Eurobono de EUR 400 milhões e até a própria Zâmbia planeja emitir mais US$ 500 milhões em 2013 para financiar a construção de vivendas. Países como Gana e Tanzânia estão estudando junto a bancos de investimento próximas emissões de bônus soberanos. Entretanto, este recurso ainda vem sendo utilizado mais para reestruturação de dívida do que como instrumento de financiamento para infraestrutura. Em países HIPC, com acordo junto ao FMI, emitir bônus não é tarefa fácil, pois para fazê-lo deve-se muitas vezes contar com a anuência do organismo. Não obstante, visto a grande demanda apresentada no mercado, não se descarta que seja utilizado em um futuro próximo como fonte de financiamento para projetos de infraestrutura.

Por exemplo, a cidade de Lagos (classificada como risco sub-soberano) emitiu em 2012 o valor de US$ 508 milhões em bônus a sete anos de prazo, ao custo de 14,5% ao ano, dentro de um plano de emissões de US$ 1 bilhão, destinado a financiar obras de infraestrutura, subscritos tanto por investidores internacionais quanto por fundos de pensão locais (em 2008 foram

emitidos US$ 315 milhões a cinco anos de prazo e em 2010 US$ 362 milhões a sete anos de prazo).

z Os fundos de pensão constituem a principal fonte de financiamento no mundo. Nos Estados Unidos possuem mais de US$ 10 trilhões em ativos. O valor em ativos dos fundos de pensão da África do Sul, por exemplo, cresceram 13% em 2012, e em economias menores como Uganda, atingiram um crescimento de 29%. Um relatório de Reinassance Capital revelou que o valor de ativos administrados pelo fundos de pensão na Nigéria alcançaram US$ 16,6 bilhões em 2012, contra US$ 1,6 bilhão em 2006. Gana, Botsuana e Tanzânia também têm experimentado altos crescimentos nos seus fundos de pensão. Mas quais são os dois maiores desafios que estes fundos experimentam na atualidade para investir em ativos na África?

O primeiro é contar com um marco regulatório adequado, e permitir que esses fundos possam ser investidos em obras de infraestrutura com o devido cuidado, garantindo não só a rentabilidade, mas também a segurança de repagamento. O Fundo de Pensão de Serviço Público4 da Tanzânia experimentou em 2012 grandes prejuízos por financiar o setor público e privado de forma ineficiente.

4 Public Service Pension Fund (PSPF).

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O segundo é a falta de opções para investir. Grande parte dos recursos destes fundos tem sido destinada a investimentos no real state market, bônus soberanos e/ou investida na compra de ações e participações em empresas privadas.

O grande desafio para as empresas brasileiras é identificar projetos de dimensão adequada, com estruturas plausíveis e bem definidas, que permitam atrair o mercado financeiro e o mercado de fundos, para em um futuro próximo começar a incursionar no mercado de Project Bond internacional de projetos na África, instrumento muito utilizado pelos fundos de pensão na América Latina, Estados Unidos e Europa. Atualmente, a procura dos investidores institucionais por “papel” é enorme, e só resta estruturar projetos de forma adequada para que o binômio risco-retorno seja aceito e visto como uma excelente alternativa de investimento em mercados emergentes. Desta maneira, poderia ser introduzida na equação de destino de investimentos dos fundos de pensão, além dos já mencionados, os projetos de investimento em infraestrutura na África.

Em se falando de oportunidades, de acordo com o Infraestructure Consortium for Africa, a África Subsaariana requer US$ 93 bilhões de investimento em infraestrutura por ano até 2015. Últimas estimativas colocam os gastos anuais em US$ 45,3 bilhões, menos da

metade do que é necessário. Adicionalmente, o comércio entre a África e Índia, por exemplo, cresceu de US$ 4,6 bilhões em 2000 para US$ 60 bilhões em 2011-12. No mesmo período, o comércio entre o Brasil e África avançou de US$ 5 bilhões para US$ 26,5 bilhões, demonstrando-se, desta forma, o potencial de crescimento que o nosso país ainda tem.

Sobre potenciais oportunidades, pontualmente podemos apontar, em West Africa, países como a Nigéria (que produz o equivalente a 5% da energia produzida no Brasil com uma quantidade similar de habitantes), Gana (um país que, com 15 anos de estabilidade política e constante crescimento experimentado desde a década de 1980, não teve um ano de crescimento negativo do seu PIB até então) e a Costa de Marfim, um país com um enorme potencial (com um crescimento estimado do PIB para 2013 na ordem de 8%) que acaba de sair de um processo bélico que o consumiu por vários anos e pretende recuperar grande parte do seu posicionamento como hub de West Africa. O African Development Bank (AfDB) anunciou que em 2014 retornará a ter sua sede em Abidjan, de onde mudou para Tunísia em função da instabilidade política.

Há países denominados “de renda média” que não possuem acordo com o FMI como Namíbia, Gabão e Botsuana (este último obteve, em 2012, melhor qualificação no Índice de Liberdade Econômica que Noruega, Coreia do Sul, Bélgica

De acordo com o Infraestructure Consortium for Africa, a África subsaariana requer us$ 93 bilhões de investimento em infraestrutura por ano até 2015

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e Espanha), com um obstáculo a menos a ser vencido, e que podem ser estudados.

Em East Africa, Quênia lidera a região, com um processo de eleições onde se temia a geração de novos conflitos, mas que, felizmente, tem mostrado sinais positivos de mudanças, que apontam à modernização da economia. Projeções locais estimam que o país planeja investir US$ 50 bilhões nos próximos 20 anos, para atingir um crescimento de 14% ao ano de demanda em energia elétrica. A segunda maior economia da região está na Tanzânia, que acaba de descobrir na fronteira com Moçambique grandes reservas de gás, além de se perfilar como o maior produtor de níquel e urânio do mundo. Este é o país da região que mais recursos recebeu da China no período 2001 a 2011, contabilizando US$ 4,6 bilhões (US$ 1,24 bilhão especificamente para desenvolver projetos vinculados à exploração de gás), seguido de perto por Uganda, com US$ 4,5 bilhões. Já o Quênia recebeu US$ 1,6 bilhão da China contra US$ 5,5 bilhões dos americanos no mesmo período, o que demonstra a grande influência dos EUA nesse país.

Em Southern Africa encontra-se o “centro de inteligência” do continente: a África do Sul, um país que tem a infraestrutura necessária, o melhor hub aeroportuário do continente e que conta com a presença dos principais players do mercado africano (bancos, fornecedores, projetistas, etc.), além de constituir um sócio estratégico para o Brasil, dentro do continente, no marco do acordo dos BRICS. Dentro da região encontra-se também Moçambique, como uma grande promessa, onde empresas brasileiras já estão investindo e desenvolvendo grandes oportunidades, e o Zimbáue, que chegou a ser próspero na época em que era denominado Rodésia, e do qual se espera uma reforma política importante que lhe permita voltar a ter seu protagonismo no continente. Também pertence à região Zâmbia, rico em minérios como o cobre, que decidiu em 2012, na contramão do que se esperava, revisar contratos de concessão para aumentar a participação estatal nas principais concessões de minérios, já outorgadas anos atrás. Neste sentido, fica evidente como o fator político tem um papel fundamental. Eleições, reeleições, processos

pacíficos, respeito aos direitos humanos, em um continente tão difícil, são os maiores desafios e obstáculos a serem superados.

Para analisar qualquer oportunidade de negócio na África, é conveniente que a empresa investidora conte sempre com um importante suporte de especialistas políticos na região. Conhecer o passado, o presente e os antecedentes dos países africanos é chave no momento de decidir investir e iniciar negociações comerciais.

Por último, para as empresas brasileiras resta saber qual será o tamanho da aposta, que deverá ser a longo prazo e implicará aprendizado, trabalho conjunto e análise adequada de oportunidades que permitam ser identificadas e estruturadas como negócios viáveis e não simplesmente como obras de infraestrutura. A estratégia, como foi mencionado, deve ser bem diferenciada da chinesa, russa, indiana e até dos EUA: há que se pensar em parcerias, investimentos e relações de negócio a longo prazo e captura de sinergias. ■

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Bibliografia