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RAZÓN Y PALABRA Primera Revista Electrónica en Iberoamérica Especializada en Comunicación www.razonypalabra.org.mx Comunicología Cubana Número 92 Diciembre 2015 – marzo 2016 1 Interdisciplinaridade: ousadia, rompimento e regresso. Jack Brandão (Brasil). 1 Resumo. O presente artigo tem por finalidade discutir a questão da inter-relação entre os diversos saberes e, de modo especial, do saber científico. Para isso, buscou-se demonstrar como o conhecimento não pode ser estanque, visto que é próprio da sociedade humana o dinamismo, sem o qual ela não teria sobrevivido. Portanto, todo dogmatismo, dentro de qualquer campo epistemológico, é inócuo se não se abre, interdisciplinarmente, a outros campos com os quais deve manter constante diálogo. Palavras-Chave Interdisciplinaridade, saber científico, ciências humanas, fotografía Abstract. This article aims to discuss the issue of inter-relationship between the various knowledge and, especially, of scientific knowledge. For this, we sought to demonstrate how knowledge cannot be closed in on itself, as is characteristic of human society dynamism, without which it would not have survived. Therefore, all dogmatism, within any epistemological field, is harmless if not open, interdisciplinary, the other fields with whom should maintain constant dialogue. Keywords. Interdisciplinary, scientific knowledge, humanities, photography.

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    Comunicologa Cubana

    Nmero 92 Diciembre 2015 marzo 2016

    1

    Interdisciplinaridade: ousadia, rompimento e regresso.

    Jack Brando (Brasil).1

    Resumo.

    O presente artigo tem por finalidade discutir a questo da inter-relao entre os diversos

    saberes e, de modo especial, do saber cientfico. Para isso, buscou-se demonstrar como o

    conhecimento no pode ser estanque, visto que prprio da sociedade humana o

    dinamismo, sem o qual ela no teria sobrevivido. Portanto, todo dogmatismo, dentro de

    qualquer campo epistemolgico, incuo se no se abre, interdisciplinarmente, a outros

    campos com os quais deve manter constante dilogo.

    Palavras-Chave

    Interdisciplinaridade, saber cientfico, cincias humanas, fotografa

    Abstract.

    This article aims to discuss the issue of inter-relationship between the various knowledge

    and, especially, of scientific knowledge. For this, we sought to demonstrate how knowledge

    cannot be closed in on itself, as is characteristic of human society dynamism, without which

    it would not have survived. Therefore, all dogmatism, within any epistemological field, is

    harmless if not open, interdisciplinary, the other fields with whom should maintain constant

    dialogue.

    Keywords.

    Interdisciplinary, scientific knowledge, humanities, photography.

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    Da lgica binria Era digital: passado e presente imiscuem-se.

    Quando George Boole, no sculo XIX, fundamenta a lgica binria2 ningum poderia

    imaginar que ele estaria abrindo as portas para um mundo totalmente novo, muito alm do

    que havia, inicialmente, proposto. Isso porque o mtodo do matemtico autodidata que

    durante a juventude possua grande inclinao para as Cincias Humanas, estudando latim,

    grego, alemo, italiano e francs tornou-se a base da revoluo que viria um sculo

    depois: a Revoluo Digital, quando tudo o que est a nosso redor reduzido a dois

    dgitos: 0 e 1 [...] nem somos mais intermediados pelo humano, mas pelo no humano

    (Brando, 2008, p. 89).

    Assim, a humanidade ao chegar a fins do sculo XX, mais do que inundada por

    computadores pessoais (a partir de 1970), por cmeras totalmente digitais (a partir de 1988)

    e por celulares (o 2G, a partir de 1991), vislumbrou com essas novas tecnologias o incio de

    mais uma reviravolta extremamente significativa em seu modo de perceber, de ver e de ler

    aquilo que h em seu entorno, bem como a si mesma, apesar de ainda no ter uma noo

    clara de tudo o que est acontecendo, tamanho foi a rapidez com que esses processos se

    efetuaram.

    Esses so significativos para se perceber como compreendemos o mundo a nosso redor,

    como o enxergamos e o apreendemos; bem como a forma de comunicarmo-nos uns com os

    outros, de transmitirmos e recebermos conhecimento, ou de fruirmos e criarmos arte. Para

    alguns, tantas transformaes, num prazo to curto, ainda causam certa inquietao e

    desconfiana, no compreendidas, de forma clara, pelas novas geraes do sculo XXI j

    nascidas e acostumadas a essas novas tecnologias , que no conseguem compreender o

    porqu de certos bloqueios e dificuldades, ou mesmo a no aceitao, por parte dos mais

    velhos, do que consideram trivial.

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    evidente que, aps o deslumbramento verificado diante de tantas inovaes pelas quais

    estamos passando, o momento a seguir seja o estabelecimento de certa acomodao,

    quando a maior parte da sociedade ainda precisa assimilar e adequar-se a esse novo

    momento, bem como a suas consequncias; mesmo que tais mudanas no cheguem a todos

    da mesma maneira.

    Isso porque, em outros perodos, como a Antiguidade, a Idade Mdia ou mesmo o

    Humanismo, tais transformaes concretizavam-se ao longo de sculos; assim, havia um

    extenso tempo de amadurecimento das mesmas pela sociedade que, via o mundo, o

    conhecimento, a cincia bem diferente da forma como enxergamos. Assim, para mudar, no

    era necessria apenas a vontade, mas algo mais: o atrevimento e a ousadia daqueles que

    enxergam o que nem todos conseguem; e, assim, esse novo Prometeu de cada momento da

    humanidade, arroja, com seu mpeto, toda sociedade, para outro futuro.

    Ousadia? Antes de ter audcia e destemor; ou antes, possuir coragem e atrevimento para ir

    aonde nem todos quiseram, arriscaram-se ou puderam chegar. Muitos acreditam, porm,

    que para serem ousados, basta apenas infringir regras ptreas, questionar modelos

    preestabelecidos, ou ainda dizer o que pensa a todos sem preocupar-se com as

    consequncias. Mas, como normalmente ocorre em tais rompantes revolucionrios, seu

    resultado a acomodao dessa falta de ponderao com o passar do tempo.

    As geraes mais novas, como sempre, repletas de hormnios e achegadas ao risco e

    ousadia, abominam a letargia e lanam-se, mais uma vez, em direo ao novo, ao

    desconhecido, ao moderno, mesmo que isso no passe de mero anacronismo para os mais

    velhos: eis o encanto do continuum humano, do sempre ir buscar novos modelos e

    inovaes, mesmo que sejam naquelas poeiras do passado, contra as quais jovens de

    outrora tambm j haviam combatido e relegado a um improvvel esquecimento: o

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    mtico Letes nunca consegue cumprir, plenamente, seu papel, contentando-se em apenas o

    contemporizar.

    Assim como a roda do tempo, a cultura assim como a cincia no so, nem podem ser,

    estanques, da mesma forma que, no passado, tambm no foram; caso contrrio, sociedades

    inteiras estariam robotizadas na mesmice de todo sempre e, no enxergando as mudanas

    de seu entorno, seriam absorvidas por outras que se entregaram a elas. A tais modelos

    primitivos, conforme se dizia at meados do sculo XX, no haveria muita opo: ou,

    simplesmente, desapareceriam; ou seriam engolidos por outros que se abriram ao novo,

    modernizaram-se, evoluram (mesmo que tal evoluo no tenha sido para o bem

    comum).

    A Grcia clssica, por exemplo, apesar de durante muito tempo ter sido considerada

    sinnimo de proporo, de quietude, de sntese equilibrada, tanto na arte como no

    pensamento (Cambi, 1999, p. 43), nunca o foi de maneira efetiva, pelo menos conforme se

    apregoou no Renascimento. Era, afinal, uma sociedade humana, formada por seres

    humanos que tambm se levavam por rompantes de emoes, por sentimentalidades, por

    risos e lgrimas; no eram belas esttuas imveis e inertes, cuja beleza constitua-se,

    sobretudo, de uma idealizao, cujo fim era extasiar, como havia dito Lessing (1998): tudo

    o que pode ser abarcado pelas artes plsticas, se no compatvel com a beleza, deve ser

    totalmente descartado. (p. 91)

    Mesmo a questo do belo (e da beleza), to importante para a cultura grega clssica,

    tambm foi sendo construda e sofreu mudanas tericas ao longo do tempo. Para Scrates,

    por exemplo, as artes plsticas no deveriam se contentar apenas em reproduzir a beleza

    corprea, mas em transmitir a expresso do ser moral (Jaeger, 2013), j que no atravs

    da expanso e satisfao da sua natureza fsica [...] que o Homem pode alcanar essa

    harmonia com o ser, mas pelo domnio completo sobre si prprio [...] no exame da prpria

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    alma (ibidem, p. 535), momento em que se chega felicidade, ao bem-estar (

    eudaimonia).

    Para Plato, seguindo as trilhas de seu mestre rumo ao metafsico (num sentido estritamente

    etimolgico: alm e natureza, fsico), o belo no estava ligado questo

    sensorial, ao fsico; pois, por meio do corpo e de seus vestgios sensrios (Greuel, 1994),

    no seria possvel contempl-lo, j que

    Un ser es bello si su forma perceptible coincide con la idea arquetpica; y es bello en la

    medida en que realice esa conveniencia. El entusiasmo amoroso de quien contempla las

    hermosuras terrestres est provocado por la reminiscencia de la belleza, eterna y verdadera

    [Fedro], que existe por s misma, uniforme siempre y tal, que todas las dems cosas bellas

    lo son porque participan de su hermosura, y, aunque todas ellas nazcan o perezcan, ella

    nada gana ni pierde ni se inmuta [O Banquete] (Plazaola, 2007, p. 28)

    O Belo, enquanto essncia, s pode estar no mundo das ideias, onde se manifesta. O

    homem, porm, ao encontrar correspondncias do Belo na arte, deixa-se arrebatar devido

    ao fato de a alma humana, antes do nascimento antes de prender-se ao crcere do corpo

    , ter contemplado as ideias enquanto seguia o cortejo dos deuses. (Plato, 1999, p. 20)

    No entanto, uma vez encarnada, perde a possibilidade de contato direto com os arqutipos

    incorpreos (ibidem); mas, diante de suas cpias, mesmo que imperfeitas pode, por meio

    de lampejos, recuperar o conhecimento dessas ideias perenes e arquetpicas. Distinguir o

    Belo seria, portanto, rememorar, reconhecer, recordar.

    Aristteles (1969), por sua vez, abandona a idealizao platnica em relao ao belo, j que

    o concebe sob um ponto de vista da realidade sensvel, ao explicitar sua principais formas e

    critrios: ordem () arreglo espacial de las partes (Plazaola, 2007, p. 33) de uma

    composio ; simetria () tamao proporcional de las partes entre s y con

    http://pt.pons.com/tradu%C3%A7%C3%A3o/grego-alem%C3%A3o/%CF%83%CF%85%CE%BC%CE%BC%CE%B5%CF%84%CF%81%CE%AF%CE%B1

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    relacin al todo (ibidem, p. 33) ; e finitude () limitacin en tamao del

    conjunto, o proporcionalidad extrnseca (ibidem, p. 33); demonstrando-o a partir da

    harmonia, da grandeza, da ordenao entre as vrias partes do ser ou do objeto: o belo

    reside na extenso e na ordem, razo por que no poder ser belo um animal de extrema

    pequenez (pois se confunde a viso reduzida a um momento quase imperceptvel), nem de

    extrema grandeza (pois a vista no pode abarcar o todo...). (Aristteles, 1996, p. 38)

    Essa viso sensorial abre caminho para demonstrar no s a importncia do belo em si, mas

    o prestgio que a prpria arte conquistar; afinal, enquanto para Plato o belo no poderia

    manifestar-se visivelmente (sob um ponto de vista sensorial) logo, no haveria um porqu

    de se prestigiar a arte, considerada nociva por desviar o olhar do homem da verdadeira

    essncia das coisas (Greuel, 1994, p. 148), ao criar cpias mal-ajambradas do mundo

    sensvel , para Aristteles, o que se via era, exatamente, o oposto: ele chegava a qualificar

    de belas as propriedades sensveis de algumas atividades tcnicas (Plazaola, 2007), alm de

    mostrar que funo da arte o criar: Toda arte se relaciona com a criao, e dedicar-se a

    uma arte estudar a maneira de fazer uma coisa que pode existir ou no, e cuja origem est

    em quem faz, e no na coisa feita3. (Aristteles, 1996, p. 219, grifo nosso)

    No se pode esquecer, no entanto, que a palavra arte em portugus do latim ars

    corresponde ao termo grego (tchne), cuja polissemia legou-nos uma conotao um

    pouco diferente que transita entre os conceitos de arte e tcnica. Tais acepes faziam-

    se distintas tambm tanto em Plato quanto em Aristteles:

    Para Plato, por exemplo, possua um duplo sentido: arte e cincia. No possvel,

    portanto, encontrar uma distino sistemtica entre (epistme) e (enquanto

    arte) por serem atividades humanas ordenadas e regradas [...]. A tchne pressupe que seu

    detentor (techntes) , o artfice, detenha uma (epistme) no baseada

    nos dotes da natureza, a (phsis), o que torna possvel sua transmisso a quem no

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    detm essa tcnica. Isso pressupe, evidentemente, que tal conhecimento no tenha sido

    adquirido da mera empiria, j que para o saber epistmico necessria a utilizao do

    (lgos). Para Plato, portanto, o (edos) no s permeia a quanto a prpria

    , afinal, no basta ao futuro artista () ter somente o conceito, a ideia do que

    pretende fazer, o , mas deve deter a para concretiz-lo. Evidencia-se, portanto,

    que aquilo que chamamos de arte ser resultado de um vislumbrar da obra na

    mente do (artfice) que, por meio da os processos necessrios para sua

    execuo e transmitidos via chegar ao resultado pretendido. (Brando, 2010)

    Se para Plato, arte e cincia eram correlatos, Aristteles, distinguia os dois termos, e ser

    justamente esse o critrio epistemolgico que perdurar na cultura ocidental durante

    sculos. O Estagirita nos diz que [arte] semelhante [epistme], pois

    remete a um fazer adquirido por meio da empiria [], afinal todo o conhecimento

    terico dever estar embasado na experincia. (ibidem, grifo nosso)

    A diferena entre ambos ser, exatamente, a questo da empiria; pois, enquanto Plato no

    dava valor a ela, por consider-la privada de racionalidade (); Aristteles

    considerava-a semelhante cincia e arte, j que ambas, nos chegam atravs da

    experincia; porque a experincia fez a arte (Aristteles, 1969, p. 37).

    Assim, para o Estagirita, a obra de arte tende concretude, ao sensrio, mas vai alm dele,

    pois no afeta o homem apenas pelas sensaes (estticas); a obra tambm recebida pela

    inteligncia (notica), donde a grande importncia do enredo, do mito; e a obra tambm

    comove pelas emoes (patticas). E importa distinguir, na obra de arte, por um lado, a

    afetao sensvel (esttica), imediata recepo dos sentidos e, por outro, a afetao

    emocional (pattica) que pode ser mediada e constituda pelo discurso, suas figuras e

    ordenaes, bem como pelo desencadeamento das aes. (Santoro, 2007)

    https://el.wiktionary.org/w/index.php?title=%E1%BC%84%CE%BB%CE%BF%CE%B3%CE%BF%CF%82&action=edit&redlink=1

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    Verifica-se, portanto, que o idealismo com que se procurou representar a sociedade grega

    como uma sui generis caiu por terra; j que, como qualquer outra, ela tambm era passvel

    contestaes, de aprimoramentos e de embates se ficarmos apenas no campo das ideias e

    da arte, por exemplo alm de lutas polticas, de classes, de etnias (Cambi, 1999, p. 44),

    e que tambm se abriu a outras culturas que estavam a seu entorno, no Mediterrneo, e com

    as quais mantinham contatos comerciais, culturais e religiosos.

    O fato de a sociedade grega no ser enclausurada em seus prprios dogmas fez com que se

    abrisse ao novo, mesmo que, o processo para tal abertura fosse longo, e que exigisse deles

    muita reflexo e mudanas passo por passo, de gerao a gerao: usava-se da palavra para

    demonstrar o que se queria, buscava-se a empiria para provar um conceito, usava-se da

    para minimizar o esforo humano.

    Einstein, ao falar do tempo e do espao, demonstrou que ambos esto, intrinsicamente,

    entrelaados e so relativos. Assim, enquanto para uns o tempo passa mais rpido; para

    outros, mais devagar. Empregando tal modelo, sem nenhuma grande pretenso, e

    parodiando a ideia do grande gnio do sculo XX, podemos dizer que, para ns, nossas

    vinte quatro horas do dia sempre insuficientes para toda a maratona diria que temos

    no correspondia s vinte quatro horas da Antiguidade, cujos afazeres, guardadas as

    devidas propores, eram bem diferentes.

    Assim, se a maturao de um processo, de um pensamento, de uma teoria demandava

    sculos, aquilo que vemos hoje muito diferente. No que sejamos mais brilhantes ou

    inteligentes, mas empregamos, de maneira diferente, o tempo de que dispomos.

    Atualmente, quando surge qualquer processo tcnico novo, sua disseminao e assimilao

    so quase instantneas, ou num perodo de tempo cada vez mais curto: anos ou, no mximo,

    dcadas, como foi o caso do uso disseminado que se fez da internet (mesmo sem saber para

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    que serve, todos j ouviram o www e a ele j se habituaram); dos celulares (no apenas

    como telefone mvel, mas repleto de aplicativos); dos PCs (e de todas as facilidades que ele

    proporcionou); do CD, substituto dos discos de vinil (surgidos no final dos anos 1940), os

    quais j haviam tomado o lugar dos discos de goma-laca de 78 rpm (criados na dcada de

    1870); da proliferao da imagem digital, entre outros.

    Esta temtica, de modo mais especfico a da imagem fotogrfica, pode nos servir de

    exemplo para demonstrar o descompasso entre nosso presente e um passado no to

    distante. Isso porque se j vivamos inseridos num mar de imagens em sua forma

    analgica4 em seu carter mecnico (Brando, 2008, p. 89) e, em pouco mais de um

    sculo, sacralizamos a fotografia concedendo-lhe local de destaque em nossas vidas

    espalhadas por nossas casas: nas paredes, em lbuns, em porta-retratos ; com o advento do

    processo digital, ela banalizou-se por completo, rompendo-se toda a ritualstica que a

    envolvia:

    todos querem mostrar que tm lnguas compridas, narizes enormes, ou que

    sabem mostrar o dedo do meio, afinal nessas fotos tudo possvel,

    principalmente devido facilidade que as cmeras digitais e os celulares

    proporcionaram humanidade, fato impensvel h alguns anos, quando

    havia todo um ritual para ser fotografado ou para fotografar. (ibidem, p. 319)

    Convm salientar o fato de que todos os momentos de transformaes pelos quais a

    humanidade passou foram grandiosos, de modo especial para seu tempo; e, alm disso,

    de uma forma ou outra, levaram em considerao o conhecimento levantado por geraes

    anteriores, sem os quais tais alteraes no teriam sido possveis, mesmo que, geralmente,

    faam questo de no se lembrar, eis o que podemos chamar de arrogncia do tempo

    presente. Isso pressupe dizer que a mudana por que estamos passando no seria a

    mudana (por mais que queiramos acreditar nisso), apesar de seu alcance e de sua

    universalizao serem evidentes, mas apenas mais uma por que os homens passaram e

    ainda passaro.

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    possvel enxergar isso com certa clareza, mesmo nos limitando a pouco mais de cem

    anos, ao lermos textos que retratem a passagem do sculo XIX para o XX, como A cidade

    e as serras, de Ea de Queirs (publicado, postumamente em 1901). No romance, mesmo

    de forma caricata, exaltam-se as conquistas tecnolgicas da Belle poque (escritas,

    inclusive, com letras maisculas), bem como o supremo homem do sculo XIX, no meio

    de todos os aparelhos reforadores dos seus rgos (Queirs, 1997, p. 67) que, a servio

    da humanidade, eram vistos como

    completadores e facilitadores da vida o seu Telgrafo, o seu Telefone, o

    seu Fongrafo, o seu Radimetro, o seu Grafofone, o seu Microfone, a sua

    Mquina de Escrever, a sua Mquina de Contar, a sua Imprensa Eltrica, a

    outra Magntica, todos os seus utenslios, todos os seus tubos, todos os seus

    fios... (p. 88)

    Como normalmente ocorre no presente, no temos clareza plena do que est ocorrendo a

    nossa volta, afinal esse tempo sempre limitado, conforme havia dito Deleuze (2003) que,

    ao falar do Aion, acrescenta: o presente mede a efetuao temporal do acontecimento [...]

    sua incorporao em um estado de coisas [...], na mesma medida o acontecimento por si

    mesmo no tem presente, mas recua e avana em dois sentidos ao mesmo tempo (p. 65,

    grifo nosso), isso quer dizer que cada presente se divide em passado e em futuro. (p. 64)

    Portanto, enquanto temos um p no passado e outro no futuro, no percebemos, nem

    enxergamos, de maneira clara, aquilo que passa sob eles, ou seja, nosso presente efetivo, a

    menos que nos abaixemos. Quando isso ocorre, porm, sequer podemos discerni-lo com

    clareza visto que teremos diante de nossos olhos apenas uma pea do mosaico do momento

    que, retirado das outras peas, no nos do clareza do todo em que estamos imersos. S

    poderemos enxergar o hoje, vendo o ontem e vislumbrando o amanh.

    Assim como no foi possvel para os homens da Belle poque imaginar as funestas

    limitaes da euforia coletiva em que se encontravam, cuja alegria e efervescncia

    sucumbiriam com a Grande Guerra; a mesma que, ante sua declarao, no abalou aqueles

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    jovens, pelo contrrio, muitos, com o sorriso estampado, acorreram ou para se alistar, ou

    para apoiar o iminente conflito: sairiam de sua letargia e iriam se divertir nos tabuleiros de

    xadrez da histria (fig. 1 e 2). Quantos, ao estar imersos em seu presente, acreditavam,

    plenamente, em toda a iluso eufrica propiciada por aquela segunda fase da Revoluo

    Industrial: tambm ambicionavam seu momento de glria, cansados e enfadados que

    estavam por suas vidas. Assim, apesar do conforto que a tcnica havia propiciado para

    alguns e se espalhado para muitos, pode-se dizer que o homem da passagem do sculo XIX

    para o XX, a despeito de todas as conquistas daquela sociedade, possua, sem saber por

    que, muito do tdio e da tristeza de Jacinto, personagem de Ea de Queirs. A guerra, por

    sua vez, lanaria a adrenalina que a mesmice do conforto (ou da penria em meio a ele),

    havia lhes tirado. Mais do que tenebrosa, porm, mostrou-se esta escolha: o conflito, que

    acreditavam seria rpido, estendeu-se alm do esperado, restando um saldo de destruio e

    morte inimaginveis

    Figura 1 Soldados franceses no incio da Primeira Guerra Mundial, Paris, 1914

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    De uma forma semelhante, podemos falar de nossas prprias limitaes, j que diante da

    tcnica que vislumbramos hoje, tambm vemos jovens largando tudo e fugindo do tdio

    de suas vidas por meio das drogas; ou brincando de guerra, para sentir o cheiro frreo do

    sangue que no possvel sentir nos games: quantos j no largaram todas as benesses da

    civilizao e lanaram-se contra ela, alistando-se em movimentos belicosos como o Estado

    Islmico que emprega, por mais paradoxal que possa ser, os mesmos expedientes de que

    esto fugindo e que s a tecnologia pode oferecer?

    Figura 2 Mobilizao em Berlim. Reservistas em um caminho, 1914.

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    No h mudana sem rompimento nem sem regresso.

    Ao pensarmos em nosso tempo, vem-nos mente a chamada Era da Informao. Para

    tentarmos compreender o alcance desse termo, alguns pressupostos devem ser levantados,

    assim como suas especificidades e seu emprego no campo da educao, por exemplo.

    Se antes deste perodo havia a necessidade de sairmos de nossas casas para nos dirigir ao

    mundo exterior, a outras realidades, a outras culturas; a janela virtual escancarou-nos o

    mundo exterior, trazendo-o para dentro de nossas casas.

    Evidentemente que, algo anlogo, j havia ocorrido com o advento do cdice impresso, no

    sculo XVI, e com a fotografia, no sculo XIX. Esta, por exemplo, abriu espao

    proliferao dos cartes-postais (fig. 3) que levavam o distante, o extico, o desconhecido

    residncia de seus compradores, colecionadores, ou de parentes e amigos que, para esses

    locais se dirigiram, afinal colecionar fotografias colecionar o mundo. (Sontag, 1986, p.

    13)

    Esse iconotropismo (Brando, 2014) que nos arrebata em direo s imagens, impelindo-

    nos a ler por seu meio, em nossas prprias casas, todos os aspectos do mundo, fez com que

    o inventrio imagtico fotogrfico de tudo aquilo que o homem (europeu) conhecia at

    ento, assim como os lugares mais inspitos por onde havia se dirigido, j tivesse

    praticamente pronto em 1826. Contudo, a fotografia aprimorou aquilo que, no Brasil,

    gravuristas como Frans Post ou Albert Eckout, no sculo XVII, ou pintores como Debret ou

    Rugendas, no sculo XIX, j haviam feito, antes de seu aparecimento: apresentar e trazer

    para junto dos leitores o mundo que eles desconheciam.

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    Figura 3 Carto-postal de Grootfontein, na antiga colnia alem na frica, 1902.

    No obstante a proliferao dessas imagens, por meio de aquarelas, pinturas ou fotografias,

    como janela para o mundo, as portas tambm j haviam sido abertas por Gutenberg. Isso

    porque, aps ele e a prensa com tipos mveis, houve uma proliferao e universalizao

    cultural, tambm sem precedentes, papel que no coube apenas s hachuras (fig. 4) e a

    sua popularizao por quase trs sculos, mas tambm ao do (lgos, palavra)

    grafado, tambm ele um portador imagtico5 que levava e trazia mundos diversos e punha-

    os diante dos olhos do leitor.6

    Assim, podemos exemplificar esse poder imagtico das palavras, dando dois exemplos.

    Um, a construo imagtica ocidental do inferno cristo, que se deve, em grande parte,

    ao gnio criador de Dante Alighieri em sua Divina Comdia. O poeta, ao recolher parte do

    acervo imagtico levantado e construdo em pocas diferentes como a viso do Hades em

    Virglio (que bebeu de Homero) ou aquela construda pelas imagens de demnios nas

    igrejas romnicas na baixa Idade Mdia , elabora sua prpria viso, que permear o

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    inconsciente coletivo do mundo cristo at o presente. Outro exemplo, para no nos

    distanciarmos temporalmente, foi a representao imagtica do pretenso exotismo oriental

    (Oriente Mdio e norte da frica), criada pelos escritores europeus do sculo XIX, mas que

    no correspondia com a prpria realidade, apesar de sua pretensa vontade para faz-lo.

    Figura 4. Vu de Vernica, Drer, 1513

    Tal constructo permear o acervo iconofotolgico ocidental por dcadas, a ponto de terem

    sido criadas bizarrices, se lidas fora de seus contextos originais, quando transpostas para

    outros suportes artsticos.

    Se assistirmos hoje ao pico do cinema mudo The King of Kings (O Rei dos Reis), de

    1927, produzido e dirigido pelo estadunidense Cecil DeMille, isso se tornar claro j na

    primeira cena. Esta retrata Maria Madalena como uma cortes de luxo que, na realidade,

    mais parece uma rainha, como Clepatra, em meio a um grande palcio. No ambiente, cujo

    fausto e opulncia so, exageradamente, construdos, veem-se vrios homens, cercados de

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    serviais, que comem e bebem sentados mesa. Enquanto isso, alguns serviais tocam

    msica, outros abanam o lugar, outro brinca com um leopardo. Apesar de se pretender

    retratar a Judeia romana do sculo I, no o que se enxerga naquela cena; assim como no

    se veem nem romanos, nem judeus, nem egpcios, mas uma imiscuio de todos. Aquilo

    que importa aqui , to s, a retratao do extico, do circense. No se pode esquecer de

    que o cinema tambm filho do circo, da tambm o emprego de animais exticos em meio

    cena: leopardo, macaco... a prpria Madalena (cortes ou rainha?) possui uma biga

    puxada por zebras. (fig. 5).

    Figura 5. Cartaz do filme The King of Kings, de Cecil DeMille, 1927.

    Deve-se observar que, apenas nos trejeitos, aqueles homens poderiam parecer-se com os

    dominadores romanos, pelo menos segundo a criao e popularizao construda pelo

    prprio cinema. O caricato, que se serve de toda uma construo imagtica literria, ao

    querer retratar uma prostituta, mostra-nos uma diva, uma princesa, com todo o fausto e

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    poderio que apenas os nobres teriam; o mesmo acontece com aqueles homens ali

    representados: seres submissos, exticos e, por que no, grotescos com seus turbantes,

    brincos, colares, anis.

    Portanto, no mesmo perodo em que surgiu uma teoria como a de Boole que buscava, no

    campo da matemtica, empregar tcnicas algbricas para tratar de expresses da lgica

    proposicional que levaria a uma grande revoluo em termos de comunicao um sculo

    depois ; em que surgiu a fotografia, cuja descoberta estava atrelada, de certa forma a

    certos pintores que buscavam aprimorar sua arte e desenvolveram a segunda parte do

    processo fotogrfico, o qumico j que a primeira parte, o fsico, j havia sido descoberto

    na Antiguidade ; foi o momento em que, de forma marcante, as cincias optaram pela

    especializao, por encastelarem-se em torno de si mesmas, em uma frentica busca por

    acmulo de dados. Esqueceram-se, porm, que cincia no basta a acumulao de

    conhecimentos para que se desenvolva, mas a transformao desses mesmos princpios que

    os norteiam (Morin, 2013) em outros e mais outros.

    cincia no basta apenas crescer, mas transformar o que j se compreende e j se

    descobriu em novos meios e em novos empregos. Assim, quando, no sculo XIII, Santo

    Alberto Magno, a quem se atribui a descoberta de que o nitrato de prata poderia separar o

    ouro da prata e que o mesmo elemento escurecia em presena da luz, jamais poderia

    imaginar que tal componente seria a base qumica da revelao fotogrfica seis sculos

    depois.

    Assim, o mais interessante nas descobertas cientficas seu valor transconceitual", ou seja,

    nenhuma delas fica presa a si mesma, mas se abre a outras: seu conceito primordial vai

    alm de qualquer expectativa por parte de seus criadores/descobridores, imiscuindo-se com

    outros conceitos para ter um emprego diverso do original. Alm disso, em ambos os casos

    (entre vrios existentes na cincia), sempre h uma participao interdisciplinar no

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    processo; j que, sem a inter-relao entre mais de uma disciplina em diferentes reas do

    conhecimento, tais descobertas no teriam sido possveis. Isso, evidente, se pensarmos o

    termo disciplina, a partir da construo do conceito efetuado, incipientemente, a partir do

    sculo XVII com Descartes, j que antes disso havia uma unicidade na cincia.

    Exemplo que pode demonstrar isso, mais uma vez, em relao prpria fotografia, cuja

    descoberta s foi possvel devido a sculos de conhecimentos e estudos que partiram tanto

    da filosofia, da fsica, para se chegar, finalmente, qumica: desde o conhecimento do

    princpio fsico da cmara escura por Aristteles, Al Hassan, Bacon, Leonardo da Vinci,

    Athanasius Kircher; aos experimentos de Angelo Sala, Johan Schulze, Nipce, Daguerre,

    entre outros. No nos esquecendo de que, devido a essas contnuas inter-relaes, devemos

    dar parte do mrito da nova revoluo fotogrfica tambm a Boole, afinal o princpio de sua

    forma digital tambm no binrio?

    Eis a magia da cincia que se abre s outras, afinal a cincia nunca teria sido cincia se

    no tivesse sido transdisciplinar (Morin, 2013, p.136), mas para isso tambm precisou

    passar por um longo processo que perpassou a contemplao monstica na Idade Mdia

    que, nem por isso se absteve do empirismo, da matemtica, da fsica, da filosofia, como

    Robert Grosseteste (escreveu vrios tratados cientficos, de modo especial os que tratam da

    luz e da ptica), Roger Bacon (seus estudos de ptica demonstraram as propriedades das

    lentes, imprescindveis fabricao dos futuros culos, lunetas e telescpios), Guilherme

    de Ockham (cujo Princpio de Occam buscava a clareza e simplificao no lugar de

    discusses estreis), Jean Buridan (teoria do mpeto precursora das ideias de Newton).

    Com a Renascena, os estudos se ampliaram, sempre tendo por base o material levantado

    pelo medievo, seja para reafirm-lo, seja para refut-lo, ampliando-se o escopo da cincia

    que se abre para o racionalismo, para o experimentalismo: cai por terra a noo geocntrica

    de Aristteles com os escritos de Coprnico, surgindo a heliocntrica, seguida por Galileu e

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    Kepler que a aprofundam: este, por meio da matemtica, prova que os planetas possuam

    uma rbita elptica; aquele, por meio de sua luneta, observa as fases de Vnus, as luas de

    Jpiter e as crateras da Lua.

    Com o sculo XVII, o racionalismo de Descartes apodera-se do conhecimento cientfico,

    fazendo com que o mesmo se alijasse daquela viso contemplativa, teolgica, metafsica

    ainda reinante, j que busca apenas no pensamento e na razo a origem do conhecimento

    humano. Inicia-se, portanto, o que chamamos de cincia moderna que, de certa forma, foi

    rompendo a ideia anterior de agrupamento e de compartilhamento dos conhecimentos, bem

    como com a relao que havia entre cincia e filosofia, entre o eu pensante, o ego cogitans;

    e a coisa material, a res extensa. Dissociou-se, portanto, o sujeito do objeto: aquele foi

    remetido metafsica; este, cincia. (Morin, 2013)

    Se, no Iluminismo, ainda se procura, de alguma maneira, manteram-se relaes entre os

    dois campos; no sculo XIX o alijamento foi ainda maior, decorrente da acelerao

    galopante dos conhecimentos e da sofisticao crescente das novas tecnologias. (Jupiassu,

    2006, p. 21) e se buscou uma especializao exagerada e sem limites das disciplinas

    cientficas (Jupiassu, 1976, p. 40) a ponto de o especialista ter-se convertido neste

    homem que, fora de conhecer cada vez mais sobre um objeto cada vez menos extenso,

    acaba por saber tudo sobre o nada. (ibidem, p. 40-41)

    A busca pela interdisciplinaridade: a redescoberta do homem.

    Se por um lado, a mudana no sistema universitrio, implementada por Humboldt no sculo

    XIX, sucedendo a universidade teolgica da Idade Mdia, foi muito til para o

    desenvolvimento da cincia. Hoje ele um obstculo em funo da diviso em

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    departamentos e disciplinas. (Morin, 2007, p. 26-27). Para pior ainda mais essa busca sem

    limite pelo nada,

    Na segunda metade do Sculo XX, surge e rapidamente se impe a

    hiperespecializao, provocando a multiplicao indefinida de disciplinas e

    subdisciplinas cada vez mais focadas em reduzidos objetos de estudo. [...] As

    disciplinas se tornam fechadas e estanques, fontes de cime, glria,

    arrogncia, poder e atitudes dogmticas. (Japiassu, 2006, p. 21).

    Infelizmente, ao se agir dessa maneira, perde-se o essencial: o humano, j que as cincias

    existem enquanto produto de nosso entendimento, de nosso esprito-crebro (Morin,

    2013, p. 139) e, ao buscar o alijamento do homem, a cincia acaba perdendo-se no vazio

    dela mesma. Para se evitar isso,

    necessrio enraizar o conhecimento fsico, e igualmente biolgico, numa cultura, numa

    sociedade, numa histria, numa humanidade. A partir da, cria-se a possibilidade de

    comunicao entre as cincias, e a cincia transdisciplinar a que poder desenvolver-se a

    partir dessas comunicaes, dado que o antropossocial remete ao biolgico, que remete ao

    fsico, que remete ao antropossocial. (ibidem)

    A partir dos anos 1970, inserido nos meios acadmicos, tal concepo fechada em si mesma

    comea a ser questionada, e diversos movimentos, nos campos acadmico e educacional,

    tendem questo interdisciplinar.

    Dessa maneira, segundo Japiassu (1976), a interdisciplinaridade se nos apresenta hoje, sob

    a forma de um trplice protesto:

    a) contra um saber fragmentado, em migalhas, pulverizado numa

    multiplicidade crescente de especialidades, em que cada uma se fecha como

    que para fugir ao verdadeiro conhecimento; b) contra o divrcio crescente,

    ou esquizofrenia intelectual, entre uma universidade cada vez mais

    compartimentada [...] e a sociedade em sua realidade dinmica e concreta,

    onde a verdadeira vida sempre percebida como um todo complexo e

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    indissocivel [...]; c) contra o conformismo das situaes adquiridas e das

    ideias recebidas" ou impostas. (p. 43)

    To importante quanto ter a conscincia da aridez ocasionada pela hiperespecializao, a

    busca por romper as fronteiras que impedem com que as disciplinas sejam, e estejam,

    comunicantes entre si, ao se enfatizarem projetos de cunho interdisciplinar. Estes, mais do

    que meros encontros de pontos convergentes entre as diversas disciplinas, devem levar a

    um olhar mais crtico e apurado do todo em que o homem esteja inserido, de modo especial

    se pensarmos na grande pluralidade e acesso em que se encontra o conhecimento nos dias

    de hoje.

    Aps a Segunda Guerra Mundial, houve uma diversificao vertiginosa dos saberes, aliada

    a outros fatores de ordem social, poltica e econmica (Morin, 2013) que levaram o debate

    pela interdisciplinaridade para alm das fronteiras da universidade e cristaliz-la, segundo

    Lenoir (2005), em torno de trs eixos principais: a) o questionamento das certezas da

    cincia levou a certas interrogaes epistemolgicas, que consistiram em explorar as

    fronteiras disciplinares, organizar os saberes cientficos e em evitar sua fracionalizao; b)

    diante de um mundo em profunda convulso, manifesta-se um questionamento social que

    [re]coloca o sentido da presena do homem em seu meio; busca-se, dessa maneira, integrar

    as vrias disciplinas no apenas para se ter uma real apreenso do mundo em que estamos

    inseridos, mas tambm para que possamos melhor apreend-lo, apesar de sua constante

    mutao e de sua extrema complexidade; c) liga-se questo da ampliao das atividades

    profissionais devido s novas necessidades das sociedades industriais (e por que no sua

    superao em uma voltada ao setor tercirio) aps globalizao.

    Assim, mais que integrar o conhecimento e, consequentemente, as disciplinas, aquilo que se

    espera da interdisciplinaridade que, por seu meio, o indivduo possa desenvolver novos

    processos de pensar, de administrar e de encontrar novas solues para os novos desafios

    que a sociedade da Era da Informao impe a cada um de ns.

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    Dada a complexidade de nossa sociedade, preciso aceitar a aventura do pensamento

    complexo, pois o pensamento complexo nos d instrumentos para ligar os conhecimentos.

    (Morin, 2007, p. 28) Portanto, ligar conhecimentos e pensar complexo exige, de cada um de

    ns, mais do que mera vontade de estar interdisciplinar, mas de ser interdisciplinar,

    mas para isso mais que boa vontade, necessrio ousadia para sempre querer mais e

    sempre ir alm.

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    1 Jack Brando, mestre e doutor em Literatura pela Universidade de So Paulo (USP), docente no Mestrado

    Interdisciplinar em Cincias Humanas da Universidade de Santo Amaro (UNISA/SP). 2 Pode-se explicar a teoria de Boole da seguinte maneira: supondo que uma pessoa vai a uma festa, queira

    danar, mas est sem um parceiro. No local, h pessoas que danam, outras que no danam: no se pode

    fazer as duas ao mesmo tempo. A pessoa procurada ter de ser um homem ou uma mulher. Para Boole, o que

    h na festa so conjuntos de pessoas: o de homens (H) e de mulheres (M), alm disso, h pessoas que danam

    (D) e que querem danar (Q). O par masculino deveria satisfazer duas condies: ser mulher e tambm querer

    danar. Boole v a a importncia do conectivo e (and) que liga essas duas condies, atribuindo-lhe o

    smbolo ; representa, dessa forma, esse conjunto de pares como M Q. No entanto, nem todos da sala

    podem desejar danar, mas conversar com algum que pode ser tanto M quanto H, j que ambos esto na sala.

    Aqui Boole mostra-nos a importncia de outro conectivo ou (or), atribuindo-lhe o smbolo . Dessa forma, H

    M, na lgica algbrica de Boole, inclui todos os homens e mulheres presentes na sala. Dessa forma, as

    variveis sempre sero duas: sim/no, verdadeiro/falso, 1/0. (BRANDO, 2008, p. 89) 3

    , ( , 6 1140a). 4 Nada mais do que o processo tradicional de obteno da imagem fotogrfica, resultante de um processo

    fsico-qumico: a luz que passa pela lente e ao atingir o negativo fotogrfico provoca a sensibilizao dos sais

    de prata na pelcula flmica. (Brando, 2008, p. 89) 5 Algo como a fanopeia de Pound (2006). 6 Como a evidentia latina ou a (enrgeia) grega.